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VOTO - política, cultura e negócios - outubro - 2014 44 45 VOTO ENTREVISTA José Serra Por Leonardo Pujol J osé Serra voltou a vencer uma elei- ção. E muito bem, diga-se. Em 2014, os eleitores paulistas escolheram o tu- cano para representar o estado no Se- nado durante os próximos oito anos. Serra fez parte da coligação “Aqui é São Paulo”, formada pelo PSDB e ou- tros 13 partidos. Com 58,8% dos votos válidos (11,1 milhões), o economista encerrou a supremacia de 24 anos do petista Eduardo Suplicy no maior co- légio eleitoral do País. “Não concor- ri ao Senado para derrotar o Suplicy. Meu objetivo era ganhar a eleição”, afirma. Após as derrotas nas disputas pela Presidência da República e pela Prefeitura de São Paulo – em 2010 e 2012, respectivamente –, Serra calou o rumor de algumas vozes que já o rotulavam como político aposentado. Aos 72 anos, o ex-governador cons- truiu uma vida ligada à política. Presi- dente da União Nacional dos Estudan- tes (UNE) nos anos 1960, foi exilado político durante a Ditadura, elegeu- se deputado federal constituinte pelo PMDB e ajudou a fundar o PSDB – sigla pela qual renovou seu man- dato à Câmara dos Deputados, em 1990, com a maior votação do País. Em 1994, assumiria como senador quando foi convocado por Fernando Henrique Cardoso. Ocupou dois mi- nistérios: Planejamento e Saúde. Na pasta da Saúde, Serra implementou um elogiado programa de combate à Aids e também a lei dos medicamen- tos genéricos. Derrotado por Lula na corrida ao Planalto em 2002, o tucano assumiu a Prefeitura de São Paulo em 2005, abandonando o cargo no ano seguinte para disputar – e vencer – o pleito ao governo estadual. Experiente e atuante, Serra ganhou a missão de fortalecer a oposição no Senado – onde o PSBD perdeu duas cadeiras (caiu de 12 para dez), mas contará com nomes de peso. Entre eles, Tasso Jereissati, Alvaro Dias e o próprio Aécio Neves. Nesta entrevista à VOTO, Serra tece críticas ao PT e fala sobre eleições, projetos e a situação política e econômica do Brasil. Na última eleição, e em especial no pri- meiro turno, muitos institutos de pes- quisa acabaram contrariados pelas ur- nas. Que conclusão se pode tirar disso? Tudo acabou sendo decidido pela mar- gem de erro e no dia da eleição. No meu caso, na véspera da votação de todas as eleições em que perdi ou ga- nhei – todas, sem exceção –, as pesqui- sas sempre apontaram menos votos do que eu viria a ter. Não que exista uma perseguição, mas porque as margens, de fato, são muito maiores do que as apresentadas. Como professor de Eco- nometria e Estatística, conheço toda a teoria. Posso garantir que pesquisas eleitorais, no Brasil e no mundo, têm margens de erro muito maiores do que as que são exibidas. O senhor fez uma votação bastan- te expressiva na corrida ao Senado, derrotando um nome histórico do PT, Eduardo Suplicy. As pessoas comentam muito sobre isso. Mas eu não concorri ao Senado para derrotar o Suplicy: meu objetivo era ganhar. A votação foi muito alta, numa espécie de primeiro turno, por- que concorri com quase 15 candidatos e, ainda assim, tive votação de segun- do turno já no primeiro. Foi algo pare- cido com minha vitória para governa- dor de São Paulo, em 2006. Mas não foi propriamente uma surpresa, ainda que tenha sido bastante gratificante. A que se pode atribuir a força do PSDB em São Paulo, onde Geraldo Alckmin foi eleito governador já no primeiro turno? Os resultados foram surpreendentes, sem dúvida, ainda mais depois de 20 anos de governo. Mas, francamente, em São Paulo, não apareceu oposição. Para nós, uma votação grande já era previsível. O tamanho poderia variar, mas tínhamos consciência da vitória. A questão era saber se o Alckmin ga- nharia no primeiro turno. São Paulo é um dos estados que mais clamam por mudanças no Brasil. O estado está extremamente insatisfeito com o go- verno federal. Nestas eleições, percebeu-se uma mudança na maneira como o PSDB se posicionou, aparentando maior união e, por vezes, partindo com mais força ao ataque. O senhor concorda? Nas eleições estaduais, o partido sem- pre manteve uma união muito gran- de. Por outro lado, no meu caso, eu tinha que apresentar tudo o que fiz no governo de São Paulo. Triplicamos o volume de investimento real duran- te a minha gestão. A campanha tinha de mostrar o que foi feito por mim e aquilo que o Alckmin continuou. Não foi nada muito complexo. Dividi meu horário eleitoral entre o que já havia sido feito e o que faria no Senado, apresentando propostas numerosas e sem citar nomes de outros candidatos. Uma delas é a criação da Nota Fiscal Brasileira. Exatamente. Criamos a Nota Fiscal Paulista, que, por sinal, foi copiada sem nos darem crédito. Trata-se de algo que deu muito certo. A ideia, chegando ao Senado, é propor a Nota Fiscal Brasileira, em que o cidadão de- volve alguns tributos federais, como PIS, Cofins e o IPI. Com isso, será pos- sível aumentar a arrecadação federal. Pronto para O EMBATE Ao vencer o petista Eduardo Suplicy na corrida ao Senado, o tucano José Serra revigora a bancada do PSDB no Congresso – e afia o bico para os próximos quatro anos de oposição: “O PT é de esquerda? Isso é um mito” O Brasil é hoje um país com instituições democráticas arranhadas e com uma economia estagnada, presa dentro de uma camisa de força. Fotos: Emmanuel Denaui

Entrevista exclusiva com José Serra

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Page 1: Entrevista exclusiva com José Serra

voto - política, cultura e negócios - outubro - 201444 45

VOTO ENTREVISTAJosé Serra

Por Leonardo Pujol

José Serra voltou a vencer uma elei-ção. E muito bem, diga-se. Em 2014,

os eleitores paulistas escolheram o tu-cano para representar o estado no Se-nado durante os próximos oito anos. Serra fez parte da coligação “Aqui é São Paulo”, formada pelo PSDB e ou-tros 13 partidos. Com 58,8% dos votos válidos (11,1 milhões), o economista encerrou a supremacia de 24 anos do petista Eduardo Suplicy no maior co-légio eleitoral do País. “Não concor-ri ao Senado para derrotar o Suplicy. Meu objetivo era ganhar a eleição”, afirma. Após as derrotas nas disputas pela Presidência da República e pela Prefeitura de São Paulo – em 2010 e 2012, respectivamente –, Serra calou o rumor de algumas vozes que já o rotulavam como político aposentado. Aos 72 anos, o ex-governador cons-truiu uma vida ligada à política. Presi-dente da União Nacional dos Estudan-tes (UNE) nos anos 1960, foi exilado político durante a Ditadura, elegeu-se deputado federal constituinte pelo PMDB e ajudou a fundar o PSDB – sigla pela qual renovou seu man-dato à Câmara dos Deputados, em 1990, com a maior votação do País. Em 1994, assumiria como senador quando foi convocado por Fernando Henrique Cardoso. Ocupou dois mi-nistérios: Planejamento e Saúde. Na

pasta da Saúde, Serra implementou um elogiado programa de combate à Aids e também a lei dos medicamen-tos genéricos. Derrotado por Lula na corrida ao Planalto em 2002, o tucano assumiu a Prefeitura de São Paulo em 2005, abandonando o cargo no ano seguinte para disputar – e vencer – o pleito ao governo estadual.Experiente e atuante, Serra ganhou a missão de fortalecer a oposição no Senado – onde o PSBD perdeu duas cadeiras (caiu de 12 para dez), mas contará com nomes de peso. Entre eles, Tasso Jereissati, Alvaro Dias e o próprio Aécio Neves. Nesta entrevista à VOTO, Serra tece críticas ao PT e fala sobre eleições, projetos e a situação política e econômica do Brasil. Na última eleição, e em especial no pri-meiro turno, muitos institutos de pes-quisa acabaram contrariados pelas ur-nas. Que conclusão se pode tirar disso?Tudo acabou sendo decidido pela mar-gem de erro e no dia da eleição. No meu caso, na véspera da votação de todas as eleições em que perdi ou ga-nhei – todas, sem exceção –, as pesqui-sas sempre apontaram menos votos do que eu viria a ter. Não que exista uma perseguição, mas porque as margens, de fato, são muito maiores do que as apresentadas. Como professor de Eco-

nometria e Estatística, conheço toda a teoria. Posso garantir que pesquisas eleitorais, no Brasil e no mundo, têm margens de erro muito maiores do que as que são exibidas.

O senhor fez uma votação bastan-te expressiva na corrida ao Senado, derrotando um nome histórico do PT, Eduardo Suplicy. As pessoas comentam muito sobre isso. Mas eu não concorri ao Senado para derrotar o Suplicy: meu objetivo era ganhar. A votação foi muito alta, numa espécie de primeiro turno, por-que concorri com quase 15 candidatos e, ainda assim, tive votação de segun-do turno já no primeiro. Foi algo pare-cido com minha vitória para governa-dor de São Paulo, em 2006. Mas não foi propriamente uma surpresa, ainda que tenha sido bastante gratificante.

A que se pode atribuir a força do PSDB em São Paulo, onde Geraldo Alckmin foi eleito governador já no primeiro turno?Os resultados foram surpreendentes, sem dúvida, ainda mais depois de 20 anos de governo. Mas, francamente, em São Paulo, não apareceu oposição. Para nós, uma votação grande já era previsível. O tamanho poderia variar, mas tínhamos consciência da vitória. A questão era saber se o Alckmin ga-nharia no primeiro turno. São Paulo é um dos estados que mais clamam por mudanças no Brasil. O estado está extremamente insatisfeito com o go-verno federal.

Nestas eleições, percebeu-se uma mudança na maneira como o PSDB se posicionou, aparentando maior união e, por vezes, partindo com mais força ao ataque. O senhor concorda?Nas eleições estaduais, o partido sem-

pre manteve uma união muito gran-de. Por outro lado, no meu caso, eu tinha que apresentar tudo o que fiz no governo de São Paulo. Triplicamos o volume de investimento real duran-te a minha gestão. A campanha tinha de mostrar o que foi feito por mim e aquilo que o Alckmin continuou. Não foi nada muito complexo. Dividi meu horário eleitoral entre o que já havia sido feito e o que faria no Senado, apresentando propostas numerosas e sem citar nomes de outros candidatos.

Uma delas é a criação da Nota Fiscal Brasileira. Exatamente. Criamos a Nota Fiscal Paulista, que, por sinal, foi copiada sem nos darem crédito. Trata-se de algo que deu muito certo. A ideia, chegando ao Senado, é propor a Nota Fiscal Brasileira, em que o cidadão de-volve alguns tributos federais, como PIS, Cofins e o IPI. Com isso, será pos-sível aumentar a arrecadação federal.

Pronto para

O emBateAo vencer o

petista Eduardo Suplicy na corrida

ao Senado, o tucano José

Serra revigora a bancada do PSDB

no Congresso – e afia o bico

para os próximos quatro anos de

oposição: “O PT é de esquerda? Isso

é um mito”

O Brasil é hoje um país com instituições democráticas arranhadas e com uma economia estagnada, presa dentro de uma camisa de força.

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Até que ponto a proximidade do PT com as classes mais populares afeta a oposição? Como o senhor avalia o fato de o PSDB ser considerado por muita gente um partido das elites?Isso é propaganda petista. Acho du-vidosa a qualificação do PT como um partido de esquerda. De fato, não é. Do ponto de vista político, ele se ha-bilita a promover a política assisten-cial mais ampla no Brasil. A propósi-to: mais ampla, não; trata-se de uma política assistencial de transferência de renda. Assim, ao mesmo tempo, o PT enfraqueceu a saúde, onde ha-víamos obtido grandes conquistas. O PT degradou a gestão da saúde por um lado e, por outro, deixou o setor carente de recursos federais. Se isso é ser de esquerda, se enfraquecer o SUS é ser de esquerda, bem, realmente eu não sei mais para que serve esse tipo de qualificação.

O senhor lutou contra a ditadura, vi-veu 14 anos no exílio e participou ati-vamente na fundação do PSDB. Por que, na sua visão, o partido é hoje as-sociado à direita?Não acho que o PSDB seja mais liga-do à direita; nem à esquerda. Acho que essas categorias não querem di-zer nada atualmente. O PT é de es-querda? Isso é um mito. O que o PT fez para se considerar de esquerda no Brasil? Não vejo indícios. Outra coisa é a retórica: para satisfazer certo tipo de público e certas correntes inter-nas, eles exibem uma suposta atitude de esquerda. Na política externa, por exemplo, que não tem nenhum preço mais alto a pagar, o PT apoia ditadu-ras, paparica o regime cubano e não se posiciona claramente em favor dos direitos humanos quando se trata de seus aliados.

Em mais de uma oportunidade, o se-nhor criticou o conservadorismo do PT na condução da política econômica, dizendo também que o partido teria deixado a juventude brasileira com um “déficit de utopia”. Como explicar que, hoje, o PT continue tendo forte apelo entre a juventude?Não vejo tanto apelo assim. Acho isso discutível. No meu caso, por exemplo: venci em São Paulo em todos os seto-res de idade, inclusive entre os jovens. Talvez, os jovens do PT façam mais ruí-do. Mas não vejo uma preferência tão clara e nítida no Brasil. Em São Paulo, especialmente, que é onde conheço mais, não vejo isso de forma alguma.

As consequências das manifestações de junho de 2013 foram refletidas nas urnas?É difícil constatar. As manifestações expressaram um estado de grande insatisfação da população. Agora, é

complicado fazer uma relação simples de causa e efeito. Aquele movimento não era de natureza política, mas sim de natureza social. Mas, indiscutivel-mente, as manifestações refletiram um clima de insatisfação. O Brasil é hoje um país com instituições demo-cráticas arranhadas e com uma econo-mia estagnada, presa dentro de uma camisa de força. A inflação tende a subir, assim como a desindustrializa-ção. É um grande desafio para os pró-ximos governos.

Tanto o PSDB quanto o PT estiveram envolvidos em denúncias de corrup-ção recentemente. Até que ponto essa relação interfere na hora de votar?A percepção da corrupção certamente influencia no voto, sem dúvida. Ago-ra, no caso do PT, não são acusações. O Mensalão foi julgado. Não se tratou de uma acusação. Foi um processo, e a Justiça condenou as pessoas envol-vidas. Essa questão da Petrobras está claríssima, onde houve grandes des-vios de recursos. Uma coisa é denun-ciar, e isso se faz aos montes; outra é acontecer de fato. Ainda que pese na hora do voto, eu não diria que é um fator determinante. Infelizmente, as práticas do PT criaram, em setores da sociedade brasileira, a ideia de que todo político é desonesto. Isso não é generalizado, mas inegavelmente uma boa parte das pessoas pensa as-sim. É algo ruim para a democracia, porque a eleição pode melhorar o Brasil, desde que você escolha pessoas melhores. É lamentável que se caia nessa espécie de ceticismo.

Há quase uma década, o senhor já falava na necessidade de promover reformas estruturais no Brasil. O que falta para elas saírem do papel?Falta vontade política, clareza de pro-

pósitos e mobilização da sociedade. No caso da reforma política, a neces-sidade é gritante. É preciso ajustar um sistema eleitoral em que exista a distritalização do voto. No Senado, apresentarei um projeto de lei que prevê a implementação do voto dis-trital em municípios com mais de 200 mil eleitores, já para as próximas elei-ções. Será uma conquista, sem dúvida, e creio que a sociedade valorizará a importância do modelo para que, no futuro, possamos implantá-lo também nos planos dos Legislativos estaduais e federal. A reforma política se expressa nesse tipo de questão, com mudança na legislação eleitoral, no horário gra-tuito – que é objeto de comercializa-ção no “mercado persa da política”. Hoje, um partido pega uma celebrida-de, põe como candidato, expõe todos os dias na TV, e ela acaba tendo uma votação alta, carregando outros com votação extremamente baixa. Isso é uma deformação.

Não acho que o PSDB seja mais ligado à direita;

nem à esquerda. Acho que essas categorias não

querem dizer nada atualmente.

No Senado, apresentarei um projeto de lei que prevê a implementação do voto distrital em municípios com mais de 200 mil eleitores, já para as próximas eleições.