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Ética da seleção de pessoas: Discriminação nos processos seletivos Flavio Farah* Introdução O Brasil tem uma longa história de combate à discriminação. A primeira norma jurídica sobre esse assunto foi a Lei nº 1.390, de 1951, denominada Lei Afonso Arinos em homenagem ao deputado federal que foi seu autor. Desde então, foi editado um grande número de diplomas legais sobre o tema. 1 Hoje, nas relações de emprego, a lei considera crime ou contravenção penal: A discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, nacionalidade, sexo e estado civil; A discriminação contra pessoas portadoras de deficiência; A exigência de teste ou atestado de esterilização ou de gravidez; Induzir ou instigar à esterilização; Promover o controle de natalidade. No âmbito trabalhista, a legislação proíbe, sob pena de multa: A discriminação por sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, idade e gravidez; A exigência de exame ou atestado de esterilidade ou de gravidez; Revistas íntimas em empregados do sexo feminino. Não obstante, a discriminação continua a existir, e uma das situações em que ela se manifesta de modo frequente é na seleção de candidatos a emprego. Nos processos seletivos promovidos pelas empresas, candidatos são rejeitados por vários motivos discriminatórios. 2, 3, 4, 5, 6 A empresa considerada culpada em um processo por discriminação é condenada a pagar uma inde- nização que é calculada com base em sua capacidade financeira e na extensão do dano causado. Le- var adiante um processo como esse, porém, é penoso, em virtude da dificuldade de se reunir provas. Assim, embora seja hoje ilegal e moralmente reprovável, a discriminação continua a ocorrer, agra- vada pelo fato de existirem atos discriminatórios não previstos nos diplomas legais. Em tais circunstâncias, a finalidade do presente trabalho é: conceituar discriminação; explicar por que a discriminação é antiética; examinar em que circunstâncias a discriminação pode ocorrer; ofe- recer, de modo simplificado, possíveis explicações para os atos discriminatórios; e sugerir maneiras pelas quais as organizações realmente comprometidas com a Ética podem reduzir o problema. Discriminação em processos seletivos Em sentido amplo, discriminar uma pessoa significa negar-lhe algum direito com base em um crité- rio injusto. Em um processo seletivo, discriminação é a decisão que um selecionador toma sobre um candidato a emprego não com base em sua qualificação ou desempenho, mas em razão de qualquer outra característica. A ação mais frequente encetada pelo selecionador que discrimina é excluir do processo seletivo o pretendente. Por exemplo, um selecionador pode desclassificar um candidato negro não por falta de qualificação, mas apenas por ser negro. Os selecionadores rejeitam candida- tos pelos mais variados motivos: por causa da idade, pela religião, pelo estado civil, pela situação

Ética da seleção de pessoas: discriminação nos processos seletivos

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O Brasil tem uma longa história de combate à discriminação. Desde 1951, foi editado um grande número de leis sobre o assunto. Não obstante, a discriminação continua a existir, e uma das situações em que ela se manifesta de modo frequente é na seleção de candidatos a emprego. Nos processos seletivos das empresas, os candidatos são rejeitados por vários motivos discriminatórios. A empresa que desejar combater a discriminação em seus processos seletivos de forma eficaz terá que atuar na prevenção e na repressão.

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Page 1: Ética da seleção de pessoas: discriminação nos processos seletivos

Ética da seleção de pessoas: Discriminação nos

processos seletivos Flavio Farah*

Introdução

O Brasil tem uma longa história de combate à discriminação. A primeira norma jurídica sobre esse

assunto foi a Lei nº 1.390, de 1951, denominada Lei Afonso Arinos em homenagem ao deputado

federal que foi seu autor. Desde então, foi editado um grande número de diplomas legais sobre o

tema.1 Hoje, nas relações de emprego, a lei considera crime ou contravenção penal:

A discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, nacionalidade, sexo e estado civil;

A discriminação contra pessoas portadoras de deficiência;

A exigência de teste ou atestado de esterilização ou de gravidez;

Induzir ou instigar à esterilização;

Promover o controle de natalidade.

No âmbito trabalhista, a legislação proíbe, sob pena de multa:

A discriminação por sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, idade e gravidez;

A exigência de exame ou atestado de esterilidade ou de gravidez;

Revistas íntimas em empregados do sexo feminino.

Não obstante, a discriminação continua a existir, e uma das situações em que ela se manifesta de

modo frequente é na seleção de candidatos a emprego. Nos processos seletivos promovidos pelas

empresas, candidatos são rejeitados por vários motivos discriminatórios.2, 3, 4, 5, 6

A empresa considerada culpada em um processo por discriminação é condenada a pagar uma inde-

nização que é calculada com base em sua capacidade financeira e na extensão do dano causado. Le-

var adiante um processo como esse, porém, é penoso, em virtude da dificuldade de se reunir provas.

Assim, embora seja hoje ilegal e moralmente reprovável, a discriminação continua a ocorrer, agra-

vada pelo fato de existirem atos discriminatórios não previstos nos diplomas legais.

Em tais circunstâncias, a finalidade do presente trabalho é: conceituar discriminação; explicar por

que a discriminação é antiética; examinar em que circunstâncias a discriminação pode ocorrer; ofe-

recer, de modo simplificado, possíveis explicações para os atos discriminatórios; e sugerir maneiras

pelas quais as organizações realmente comprometidas com a Ética podem reduzir o problema.

Discriminação em processos seletivos

Em sentido amplo, discriminar uma pessoa significa negar- lhe algum direito com base em um crité-

rio injusto. Em um processo seletivo, discriminação é a decisão que um selecionador toma sobre um

candidato a emprego não com base em sua qualificação ou desempenho, mas em razão de qualquer

outra característica. A ação mais frequente encetada pelo selecionador que discrimina é excluir do

processo seletivo o pretendente. Por exemplo, um selecionador pode desclassificar um candidato

negro não por falta de qualificação, mas apenas por ser negro. Os selecionadores rejeitam candida-

tos pelos mais variados motivos: por causa da idade, pela religião, pelo estado civil, pela situação

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familiar, por gravidez, pela orientação sexual, por obesidade, por estatura, por deficiência física,

pelo hábito do fumo, pelo uso de tatuagem ou piercing, pelo local de residência, por constar como

inadimplente junto a órgãos de proteção ao crédito, pela aparência etc. No próximo item, procura-se

explicar por que a discriminação é antiética.

Ética do processo seletivo

A Ética da seleção de pessoas insere-se no campo maior da Ética Empresarial. A Ética Empresarial

trata da conduta institucional da empresa em relação a seus públicos externos – clientes, concorren-

tes, fornecedores, governo e comunidade – bem como em relação a seu público interno – os empre-

gados. Considerando que um dos valores morais é a Justiça, tem-se que uma das obrigações morais

da empresa em relação a seus funcionários é tratá- los de forma justa.

As organizações avaliam ou julgam seus empregados a todo momento, na tomada de quaisquer de-

cisões referentes à relação de emprego. Existe, portanto, julgamento em decisões de admissão, de-

missão, transferência, promoção, treinamento e remuneração. Uma das situações em que a empresa

efetua julgamentos é na contratação de funcionários, situações em que, via de regra, há diversos

candidatos competindo por um lugar na organização. A decisão de contratação envolve a formula-

ção de um julgamento sobre os vários pretendentes, o que levanta de imediato a questão da justiça

desse julgamento. Dado que a Justiça é um valor moral, não será ético o processo seletivo que não

for justo. Mas o que seria um processo seletivo justo? É o que se procura esclarecer a seguir.

O processo seletivo justo

De maneira geral, pode-se conceituar seleção de pessoas como o processo de escolha do melhor ou

dos melhores candidatos para preencher uma ou mais posições na empresa, escolha essa feita dentre

os integrantes de um grupo de pretendentes previamente recrutados.

Todo processo seletivo envolve uma previsão. As organizações, por meio da ident ificação das qua-

lificações dos candidatos, procuram prever como eles se comportarão no exercício da função que

está sendo considerada. Assim, quando falamos no “melhor candidato”, referimo-nos àquele que

provavelmente apresentará, caso contratado, o melhor desempenho dentre todos. Percebe-se, pois,

que o processo seletivo destina-se a fornecer elementos para antecipar o provável desempenho de

cada candidato caso venha a ocupar a posição em pauta.

A finalidade do processo seletivo, portanto, é prever o desempenho futuro dos candidatos ao ocupa-

rem uma posição da empresa que está em aberto. Em tais condições, se definirmos Justiça como o

ato de dar a cada um o que é seu, então será justo o processo de seleção que, ao final, indicar como

melhores os candidatos que, de fato, são melhores, apontando igualmente, como piores, os candida-

tos que, de fato, o são. O desempenho futuro dos candidatos depende de suas qualificações, ou seja,

em princípio, existe uma relação lógica entre qualificação e desempenho (em linguagem técnica, di-

zemos que há uma correlação entre qualificação e desempenho). Se a finalidade da seleção é prever

o desempenho profissional futuro dos candidatos, então os pretendentes só poderão ser classificados

ou desclassificados em função de suas capacidades. Nestas condições, a desclassificação de um can-

didato em função de características outras que não suas qualificações representa um ato que não se

justifica, por não guardar relação lógica com o provável desempenho do candidato, caso contratado.

Trata-se de um ato injusto e, portanto, antiético. A discriminação prejudica injustamente os interes-

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ses do candidato discriminado, podendo custar-lhe uma vaga de emprego. Por outro lado, além de

antiética, a discriminação pode prejudicar a própria empresa, por alijar do processo seletivo um pre-

tendente que poderia revelar-se excelente.

Possíveis instâncias da decisão de discriminar

A eliminação discriminatória de um candidato a emprego por um selecionador pode ocorrer: 1) por

sua livre decisão; 2) por orientação da média gerência; 3) por orientação da Diretoria. Nos dois pri-

meiros casos, a discriminação é de iniciativa dos funcionários, podendo ou não haver normas da

empresa em contrário. No terceiro caso, a discriminação é oficializada pela organização.

Possíveis momentos da decisão de discriminar

A discriminação em processos seletivos se materializa em um ato do selecionador no sentido de ex-

cluir um candidato com base em um critério injusto. Em relação ao momento da decisão, esta pode

ocorrer:

Na elaboração do perfil do cargo;

Na elaboração de anúncios de emprego;

Na elaboração de formulários de inscrição ou de cadastramento de currículos;

Após o selecionador examinar o currículo do candidato;

Depois de obter referências sobre ele;

Após um contato telefônico ou uma troca de mensagens;

Depois de uma entrevista com o candidato.

Discriminação na elaboração do perfil do cargo

No mercado de trabalho, em épocas de recessão econômica, ou em certas ocupações, pode surgir

um excesso de oferta de mão-de-obra. Nestas condições, para reduzir o número de candidatos nos

processos de seleção ou para contratar candidatos de qualificação superior pagando salário inferior,

muitas empresas estabelecem pré-requisitos ou exigem competências que o candidato não utilizará

em seu futuro cargo. Em tais condições, candidatos superqualificados respondem ao chamamento,

um deles é aprovado, começa a trabalhar na empresa e descobre que muito do que foi exigido antes

não será usado em seu dia-a-dia.

A ampliação injusta dos pré-requisitos para o exercício de uma função é uma forma sutil de discri-

minação contra candidatos a emprego. É inaceitável solicitar um nível de qualificação mais alto do

que aquele que a função requer, ou exigir que o candidato tenha feito cursos não re lacionados ao fu-

turo cargo, pois tais exigências são irrelevantes para o exercício da função. Todo pré-requisito que

não seja relevante é discriminatório, tornando-se, pois, antiético. Se a empresa não possuir planos

concretos que impliquem exigências adicionais futuras de qualificação para o cargo em pauta, então

a organização não conseguirá justificar essas exigências. Os pré-requisitos de exercício de um cargo

que não forem justificáveis tornam-se arbitrários, portanto discriminatórios e, assim, imorais.

Outro aspecto relevante da questão é que as empresas não alertam previamente os candidatos super-

qualificados de que várias qualificações suas não serão utilizadas no dia-a-dia. Em outras palavras,

o candidato é induzido a erro pelo selecionador, pois este omite uma informação que poderia ter fei-

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to o pretendente desistir do processo ou recusar uma eventual proposta de emprego. O selecionador

que assim procede incorre em falta de respeito e, pois, em uma conduta antiética.

Além da ampliação injusta dos pré-requisitos profissionais exigidos dos candidatos, o perfil do car-

go pode conter exigências não profissionais, tais como, idade, sexo ou o requisito de boa aparência.

Discriminação na elaboração de anúncios de emprego

Anúncios de emprego podem reproduzir as características discriminatórias do perfil de cargo, tais

como, pré-requisitos profissionais excessivos ou requisitos não profissionais, como explicado no

item anterior.

Discriminação na elaboração de formulários de inscrição ou de cadastramento de currículos

É comum que os formulários de inscrição ou de cadastramento de currículos contenham campos

relativos a dados pessoais do candidato como data de nascimento, local de nascimento, sexo, estado

civil, endereço etc. Essas informações podem ser usadas contra o candidato, isto é, o selecionador

pode discriminá- lo, rejeitando-o no momento em que estiver fazendo a triagem de currículos, com

base em dados profissionalmente irrelevantes. No caso do endereço, discriminam-se os candidatos

que moram longe do futuro local de trabalho com base na crença (estereótipo) de que se atrasam ou

faltam com frequência, ou chegam ao trabalho cansados e, consequentemente, apresentam produti-

vidade abaixo da esperada, ou se desligam da empresa depois de pouco tempo.

Discriminação após obter referências sobre o candidato

A busca de referências sobre candidatos feita pelas empresas junto às redes sociais pode levar à sua

rejeição. Uma pesquisa revelou que é crescente o número de organizações que buscam informações

sobre a conduta de profissionais nas redes sociais tanto por ocasião do processo seletivo como ao

longo de sua permanência no emprego.7 De acordo com o levantamento, que ouviu 623 executivos

de RH de 577 empresas brasileiras de todos os tamanhos e de vários setores, o comportamento nas

redes sociais pode influenciar decisões empregatícias sobre um profissional. As informações que as

organizações pesquisam pouco tem a ver com a competência, as qualificações ou o desempenho no

trabalho. A tabela abaixo contém o grau de importância que as empresas dão a cada tipo de infor-

mação disponível nas redes, em uma escala de 0 a 10, onde 10 representa a importância máxima:

Informação Grau de importância

Opção religiosa 7,2

Participação em torcida organizada 7,1

Páginas curtidas no facebook em geral 7,1

Posição política 7,0

Fotos constrangedoras 5,6

Conteudo de referência sexual 5,3

Falta de educação em discussões 4,5

Comentários pejorativos sobre empresas 3,3

Manifestações de preconceito 2,9

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São também discriminados os candidatos que tem o respectivo nome incluido no cadastro de ina-

dimplentes de um dos serviços de proteção ao crédito. Aqui a crença (estereótipo) é de que o can-

didato inadimplente não possui idoneidade financeira. Se, porém, um candidato tornar-se inadim-

plente em suas obrigações financeiras por motivo de desemprego e for desclassificado nos proces-

sos seletivos por essa razão, ele será colocado em um círculo vicioso: não conseguirá retornar à

condição de adimplente por não conseguir emprego e não conseguirá emprego por estar inadim-

plente. A crueldade reside no fato de que é precisamente o novo emprego que possibilitará a recu-

peração de sua idoneidade financeira.

Muitas empresas argumentam que é seu direito obter informações sobre a existência de débitos jun-

to aos serviços de proteção ao crédito. A questão é que essas entidades se destinam a consultas com

a finalidade de verificar somente a idoneidade de compradores potenciais, não de candidatos a em-

prego. É evidente que quem não pode pagar não pode comprar mas não existe base para concluir

que quem não pode pagar é desonesto e, portanto, não pode trabalhar.

Discriminação depois de um contato telefônico ou uma troca de

mensagens

Após fazer contato com o candidato para obter informações não profissionais sobre ele que ainda

não possui, o selecionador pode discriminá-lo, desclassificando-o injustamente com base nessas in-

formações.

Discriminação após uma entrevista com o candidato

As pesquisas têm demonstrado que a entrevista de seleção apresenta baixa confiabilidade e pouca

validade. A principal razão é que a entrevista é uma técnica de seleção subjetiva, fortemente afetada

pelos valores, interesses e atitudes do entrevistador. Por essa razão, o resultado da entrevista é gran-

demente influenciado pelas preferências e preconceitos de quem a conduz. Sexo, idade, raça e apa-

rência do entrevistado podem alterar o julgamento do entrevistador, ainda que este seja treinado e

possua experiência. Apesar de todas essas deficiências, entretanto, a entrevista continua a ser um

dos métodos de seleção mais amplamente usado e um dos que mais influencia a decisão final a res-

peito da aprovação de um candidato a emprego.

Quase ninguém é contratado por uma empresa sem passar por uma entrevista. Porém, em muitas

organizações, a atividade de entrevistar candidatos é realizada de forma não estruturada, na qual o

entrevistador pergunta ao candidato o que lhe parecer melhor, sem nenhum roteiro pré-estabelecido,

avaliando as respostas com total liberdade. Em uma entrevista desse tipo, o julgamento que o entre-

vistador faz sobre o entrevistado e a conseqüente decisão de contratá- lo serão totalmente determina-

dos pela percepção que o primeiro tiver do segundo. Mas os dados indicam que os entrevistadores

julgam os candidatos com base em percepções imprecisas. E se o candidato for entrevistado por di-

versas pessoas, é pouco provável que haja acordo entre os entrevistadores a respeito do pretendente.

Os dados obtidos nas entrevistas não estruturadas são, via de regra, distorcidos e não apresentam

relação com o futuro desempenho do candidato no trabalho. Nesse tipo de entrevista, os entrevista-

dores deixam de coletar informações relevantes sobre a função que se deseja preencher; tendem a

favorecer os pretendentes que demontram características idênticas às suas; atribuem peso excessivo

a informações negativas; têm seu julgamento influenciado pela ordem em que os candidatos são en-

trevistados; tendem a fazer perguntas que possam confirmar suas primeiras impressões; julgam com

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base em preconceitos; aplicam pesos inadequados às características do candidato; fazem mau uso de

impressões não verbais; perdem tempo discutindo temas não relacionados com o trabalho; fazem

julgamentos precipitados logo no início da entrevista.

Após uma entrevista com o candidato, o selecionador pode desclassificá-lo por sua aparência (falta

ou excesso de beleza), sua vestimenta, sua personalidade, sua linguagem, sua expressão corporal

(trejeitos), por peso, por estatura, por deficiência física não incapacitante para o trabalho, pelo hábi-

to do fumo, pelo uso de tatuagem ou piercing ou por outro motivo não profissional.

Preconceito como causa da discriminação

Salvo no caso da ampliação injusta dos pré-requisitos para o exercício de uma função, a discrimina-

ção tem como causa o preconceito. Vamos, pois, examinar este construto mais de perto.

Definição

A Psicologia define preconceito como uma atitude, geralmente negativa, que um indivíduo tem em

relação a um determinado grupo social. Em sendo uma atitude, o preconceito possui três componen-

tes: o estereótipo (componente cognitivo), o sentimento (componente afetivo) e a tendência de com-

portamento (componente comportamental). Vamos examinar cada um desses componentes.

Estereótipo

O componente cognitivo do preconceito é chamado estereótipo. Estereotipagem é o fenômeno pelo

qual fazemos uma generalização sobre um certo grupo de indivíduos, atribuindo a esse grupo uma

ou mais características. Estereótipo é a crença de que um determinado grupo de indivíduos possui

uma certa característica. Por exemplo, um indivíduo pode acreditar que os homens que usam barba

não têm higiene. Essa crença representa uma generalização e, mais do que isso, uma ideia que não

tem base científica, isto é, a pessoa acredita nessa ideia apesar de não haver evidências de sua ve-

racidade. Outro exemplo de estereótipo, este positivo: um indivíduo pode acreditar que os orientais

(japoneses, chineses, coreanos) são inteligentes. Outro exemplo: um indivíduo pode acreditar que os

obesos e os fumantes têm saude frágil e são menos produtivos.

O estereótipo, portanto:

É uma crença, ou seja, acreditamos que um determinado grupo social possua uma certa caracte-

rística;

É uma crença que representa uma generalização, pois acreditamos que todos os membros desse

grupo possuem aquela característica;

É uma crença sem base científica, ou seja, acreditamos que o grupo possui aquela característica

independentemente de comprovação;

Pode ser positivo, se a crença for que o grupo possui uma característica positiva (por exemplo, a

crença sobre a inteligência dos orientais), ou negativo, se a crença for que o grupo possui uma

característica negativa (por exemplo, a crença sobre a falta de higiene de homens barbados).

Quando uma pessoa associa um estereótipo a um certo grupo social, a pessoa deixa de avaliar os

membros desse grupo pelas suas reais características e passa a julgá- los pelo estereótipo.

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Sentimento

O componente afetivo do preconceito consiste de um sentimento, positivo ou negativo, que um indi-

víduo possui em relação aos membros do grupo afetados pelo estereótipo.

Vamos voltar ao exemplo do indivíduo que acredita que os homens que usam barba não têm higie-

ne. Se esse indivíduo der valor à higiene pessoal, ela criará o sentimento de não gostar de homens

barbados. Por outro lado, o indivíduo que acredita que os orientais são inteligentes provavelmente

criará um sentimento de admiração por japoneses, chineses e coreanos.

Como se pode perceber, o sentimento positivo ou negativo que um indivíduo tem em relação a um

determinado grupo depende do estereótipo que ele associa ao grupo. Se o estereótipo for positivo, o

sentimento será positivo. Se o estereótipo for negativo, o sentimento também o será.

Tendência de comportamento

O componente comportamental do preconceito é a tendência de comportamento. Em consequência

do estereótipo e do sentimento que o indivíduo tem em relação a um certo grupo, ele tenderá a se

comportar de uma certa maneira em relação aos membros desse grupo. Se seu sentimento em rela-

ção ao grupo for positivo, o impulso do indivíduo será exibir condutas de aceitação dos membros do

grupo, ao passo que, se seu sentimento for negativo, sua tendência será expressar condutas de rejei-

ção a eles.

Por exemplo, o indivíduo que não gosta de homens de barba poderá tentar manter distância dos bar-

bados. Em contraste, o indivíduo que admira japoneses, chineses e coreanos poderá tentar aprovei-

tar as oportunidades que surgirem para manter contato com orientais.

O tipo de comportamento que a pessoa tenderá a adotar em relação aos membros do grupo depende-

rá da intensidade de seu sentimento positivo ou negativo em relação ao grupo bem como de outros

fatores. Um indivíduo que tiver um sentimento negativo contra algum grupo poderá adotar uma das

seguintes ações contra os membros desse grupo:

Manter distância. Por exemplo, o indivíduo que tem preconceito contra homens barbados poderá

simplesmente manter distância de quem usa barba.

Escarnecer. Escarnecer significa zombar do grupo em questão. A zombaria expressará estereótipos

negativos e imagens negativas. Por exemplo, piadas sobre portugueses (no Brasil), brasileiros (em

Portugal), negros, japoneses, gays etc.

Discriminar. Discriminar uma pessoa significa negar- lhe algum direito com base em um critério

injusto. Em um processo seletivo, discriminação é a decisão tomada não com base na qualificação

ou desempenho do candidato a emprego, mas em razão de qualquer outra característica sua. Por

exemplo, um selecionador que possui preconceito racial discriminará candidatos negros.

Isolar. Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazistas, de início, colocaram os judeus em guetos.

Guetos eram bairros cercados por arame farpado, de onde os judeus não pod iam sair.

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Atribuir culpa. Se um indivíduo tiver afeto negativo em relação a um certo grupo social, ele pode-

rá culpar os membros desse grupo por qualquer evento ruim que vier a ocorrer.

Hostilizar. Hostilizar uma pessoa significa adotar comportamentos como: injuriá- la, vaiá- la, em-

purrá- la, cuspir- lhe no rosto, gritar- lhe frases como “fora daqui!!!”, atirar objetos na pessoa etc.

Humilhar. Humilhar uma pessoa significa colocá- la em uma situação vergonhosa ou dizer-lhe coi-

sas que ferem sua auto-estima.

Provocar danos materiais. Significar vandalizar os objetos componentes do patrimônio dos mem-

bros do grupo-vítima, queimar suas propriedades.

Agredir fisicamente. Agredir fisicamente alguém significa dar- lhe tapas, socos, chutes etc.

Assassinar. Por exemplo, a Ku Klux Klan é uma entidade racista norte-americana cujos membros,

em épocas passadas, nutriam tal ódio pelos negros que assassinaram milhares deles.

Tendência de comportamento e comportamento real

O componente comportamental do preconceito é denominado tendência de comportamento porque

indica o comportamento futuro provável que um indivíduo preconceituoso adotará frente aos mem-

bros de um grupo caso esse indivíduo se sinta totalmente livre e seguro para se comportar de acordo

com sua tendência. O comportamento real que o indivíduo adotará em relação aos membros do gru-

po em questão poderá ser diferente de sua tendência porque, em muitas situações, o preconceituoso

não se sentirá completamente livre para seguir seu impulso.

Por exemplo, suponhamos que um indivíduo acredite que os norte-americanos são arrogantes (este-

reótipo negativo). Suponhamos também que, como consequência desse estereótipo, ele tenha senti-

mentos negativos de razoável intensidade contra norte-americanos. Como resultado, vamos supor

que sua tendência de comportamento, na presença de um norte-americano, seja hostilizá-lo. Supo-

nhamos, porém, que esse indivíduo esteja em uma festa e o anfitrião lhe apresente um convidado

norte-americano. Nesse caso, talvez ele não tenha coragem de hostilizar o convidado porque esse

ato poderia criar um incidente capaz de prejudicar a si próprio. Em tais condições, um comporta-

mento alternativo socialmente aceitável seria, por exemplo, cumprimentar o norte-americano de

modo frio e, em seguida, afastar-se rapidamente. O comportamento real, portanto, será diferente da

tendência de comportamento do indivíduo.

Tipos de preconceito

Em geral, quando falamos em preconceito, estamos nos referindo ao preconceito negativo. Existem

inúmeros tipos de preconceito: de sexo, de idade, de orientação sexual, de raça, de nacionalidade, de

religião, de classe sócio-econômica, de peso, de personalidade, de aparência. Um indivíduo pode ter

preconceito contra as mulheres, contra os idosos, contra os jovens, contra os homossexuais, contra

os negros, contra os estrangeiros, contra os evangélicos, contra os pobres, contra os ricos, contra os

obesos, contra os deficientes, contra os expansivos, contra os calados, contra os tímidos, contra os

que usam certos tipos de roupa ou de penteado, contra os que usam tatuagem, piercing etc. Pessoas

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risonhas podem não gostar de gente séria, extrovertidos podem rejeitar os retraídos, quem fala pou-

co talvez não suporte os que falam demais, não fumantes podem pensar que quem fuma cheira mal.

Conclusão: Não se deve confundir preconceito com discriminação

De todo o exposto, concluimos que discriminação é ação e que preconceito é atitude. Discrimina-

ção e preconceito, portanto, não se confundem. Concluimos também que discriminação é apenas

uma dentre várias possíveis ações que um indivíduo preconceituoso pode realizar. Em tais condi-

ções, os preconceitos que um selecionador possui tendem a afetar as decisões que ele toma em re-

lação aos candidatos a emprego, ainda que o selecionador não tenha consciência de que é precon-

ceituoso. Se um selecionador se sentir totalmente livre, sem constrangimentos de ordem externa

(normas da empresa) ou interna (consciência ética) para tomar decisões em relação aos candidatos,

seus preconceitos provavelmente produzirão ações discriminatórias contra certos pretendentes.

Combate à discriminação

A empresa que desejar combater a discriminação em seus processos seletivos de forma eficaz terá

que agir em duas frentes: preventiva e repressiva.

Prevenção

Para prevenir a discriminação, algumas medidas indispensáveis são as seguintes:

Proibir a ampliação injusta de pré-requisitos, quando da elaboração de perfis de cargo;

Eliminar, dos formulários impressos ou eletrônicos de cadastramento de candidatos, todos os

campos referentes a dados pessoais, como data de nascimento, endereço, estado civil, situação

familiar, raça, cor, nacionalidade, naturalidade, número da cédula de identidade, número do

CPF, religião, gravidez, orientação sexual, estatura, peso, hábito do fumo, uso de tatuagem ou

piercing, situação financeira etc.;

Proibir que sejam feitas aos candidatos, em qualquer entrevista, perguntas diretas ou indiretas

relativas a seus dados pessoais. As únicas perguntas permitidas serão: se o candidato é maior de

18 anos e se pode trabalhar legalmente no Brasil;

Determinar que todas as informações coletadas nos processos seletivos deverão ser registradas

em meio impresso ou eletrônico;

Determinar que todos os documentos relativos a um mesmo processo seletivo deverão se r arqui-

vados conjuntamente e assim mantidos por prazo pré-determinado, à disposição da Auditoria In-

terna;

Determinar que, em qualquer processo seletivo, qualquer decisão sobre qualquer candidato terá

que ser justificada;

Proibir o uso de entrevistas tradicionais ou não estruturadas. Exigir o uso exclusivo de entrevis-

tas estruturadas e comportamentais com foco em competências;

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Filmar todas as entrevistas de seleção de candidatos;

Treinar todos os selecionadores na observância das novas normas, na elaboração de perfis de

cargo e no planejamento e uso de entrevistas estruturadas comportamentais.

Repressão

O combate à discriminação não se tornará eficaz a menos que os selecionadores preconceituosos

tenham receio de que seus atos discriminatórios venham a ser descobertos. Em tais condições, a

outra grande providência indispensável para impedir a ocorrência de discriminação em processos

seletivos é uma área de Auditoria Interna atuante. O termo “atuante”, em matéria de gestão de pes-

soas, significa que a atividade da Auditoria Interna não pode limitar-se a salvaguardar os ativos da

organização tampouco permanecer em posição passiva, à espera de denúncias. A Auditoria Interna

deve assumir uma postura ativa que consiste, basicamente, em exercer duas grandes tarefas: a) ve-

rificar a existência, suficiência e adequação das normas de conduta (políticas e procedimentos) in-

dispensáveis ao combate da discriminação, requerendo a instituição ou aperfeiçoamento de tais nor-

mas, quando for o caso; b) elaborar e executar planos de auditoria para verificar se essas normas es-

tão sendo cumpridas. Seguem dois exemplos.

1) O auditor examina os documentos relativos a um determinado processo seletivo realizado pela

empresa. Ele verifica que um certo número de candidatos foram desclassificados na primeira

entrevista por não cumprirem todos os requisitos essenciais do perfil do cargo, exceto um deles,

cujo motivo de desclassificação registrado foi não ter comparecido à entrevista. O auditor telefo-

na para o candidato, identifica-se e explica a razão da chamada para tranquilizá- lo. Pergunta- lhe,

então, se ele foi chamado para entrevista na empresa. Ante a resposta afirmativa, pergunta- lhe se

compareceu e qual foi o resultado. O candidato responde que compareceu mas que o seleciona-

dor da área de RH lhe disse que a vaga já tinha sido preenchida. O auditor pede ao candidato

que confirme o nome do selecionador, agradece, desliga e, ato contínuo, abre uma investigação

sobre o caso, pois aquele candidato pode ter sido vítima de discriminação.

2) O auditor examina os documentos relativos a um certo processo seletivo e verifica que um dos

candidatos foi desclassificado após uma entrevista sob a justificativa de não possuir uma certa

competência essencial constante do respectivo perfil de cargo. O auditor, então, assiste o filme

da entrevista e constata que as respostas do candidato indicam o contrário, isto é, evidenciam a

posse da citada competência. Ato contínuo, o auditor abre uma investigação sobre o caso, pois

aquele candidato pode ter sido vítima de discriminação.

Conclusão

Apesar de dispormos de um amplo arsenal legal anti-discriminação, os atos discriminatórios persis-

tem e, no tocante aos processos de seleção de pessoas das empresas, os selecionadores a todo mo-

mento encontram novos pretextos para discriminar. Colocam-se como hipóteses que: a) a principal

razão de ordem pessoal para o ato de discriminar é o fato de que simplesmente rejeitamos os indiví-

duos que são diferentes de nós; b) a principal razão de ordem organizacional é reduzir os custos do

processo seletivo e minimizar os riscos de uma contratação errônea, ainda que isto implique atrope-

lar a Ética.

Page 11: Ética da seleção de pessoas: discriminação nos processos seletivos

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Notas 1 V. Leis 1.390/51, 5.473/68, 6.192/74, 7.437/85, 7.716/89, 7.853/89, 8.213/91 (art. 93), 9.029/95, 9.799/99.

2 JAHN, Filipe. “Ult rapassar barreiras”. Melhor Gestão de Pessoas. Jul/2011. pp. 54-56. Disp. em:

http://revistamelhor.uol.com.br/textos/284/ultrapassar-barreiras-224794-1.asp 3 “Discriminação: Empresa paulista seleciona candidato a partir da cor da pele”. Disp. em:

http://www.portalctb.org.br/site/movimentos -sociais/13901-d iscriminacao-empresa-paulista-seleciona-candidato-a-

partir-da-cor-da-pele 4 “Foi alvo de discriminação em vaga de emprego?” Disp. em:

http://jornaldaparaiba.com.br/blog/blogdaredacao/post/10279_foi-alvo-de-discriminacao-em-vaga-de-emprego 5 “Loja By Express em Teresina é condenada por discriminação na seleção de emprego”. Disp. em:

http://www.portalodia.com/noticias/piaui/loja-by-express-em-teresina-e-condenada-por-discriminacao-na-selecao-de-

emprego-106245.html 6 “Outras formas de discriminação”. Disp. em: http://www.recantodasletras.com.br/cronicas /868226

7 GIARDINO, Andrea. “As empresas olham tudo”. Revista Você S/A. Dezembro de 2013. pp. 68-72.

*Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, Professor Universitário e autor do livro “Ética na gestão

de pessoas”. Contato: [email protected].