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Ano 2, Nº 10 Produzida por Teólogos da Igreja Evangélica Luterana do Brasil - Ciência e a ressurreição, p. 166 - Deus existe! E daí?, p. 49 - Falácias da Superinteres- sante, p. 13 - Massacres de Natal, p. 133 - Batismo - um sermão de Lutero, p. 64 - Bíblia a importância de seu estudo, p. 164 - Liderança Cristã, p. 50 - Lutero x Papado, p. 14 - Lutero e o ser humano, p. 40 - A Lei no 3º uso, p. 70 - Educação e Reforma, p. 68 - Santa Ceia - “Testamen- to de Cristo”, p. 6 - Jesus, o Bom Pastor, p. 165 - A proclamação Luterana, p. 134 - Festival Missionário, Uma estratégica, p. 108 2.0

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- Ciência e a ressurreição, p. 166- Deus existe! E daí?, p. 49- Falácias da Superinteres-sante, p. 13- Massacres de Natal, p. 133

Lutero- Batismo - um sermão de Lutero, p. 64- Bíblia a importância de seu estudo, p. 164- Liderança Cristã, p. 50- Lutero x Papado, p. 14

- Lutero e o ser humano, p. 40- A Lei no 3º uso, p. 70- Educação e Reforma, p. 68- Santa Ceia - “Testamen-to de Cristo”, p. 6

- Jesus, o Bom Pastor, p. 165- A proclamação Luterana, p. 134 - Festival Missionário, Uma estratégica, p. 108

2.0

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EXPEDIENTEPublicação periódica de pastores da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) não oficial. Tem como propósito divulgar textos teológicos/pastorais, inéditos ou não, produzidos por pastores e teólogos da IELB, recuperar textos teológicos escritos no passado e que não estão disponíveis na Internet, divulgar de forma mais abrangente a teologia evangélica luterana confessional e a reflexão teológica na IELB, e ser uma ferramenta prática para as atividades ministeriais em suas diferentes áreas. Os conteúdos são de responsabilidade dos seus autores.

Colaboradores desta edição:André Hönke, Dieter Joel Jagnow, Horst R. Kuchenbecker, Igor Marcelo Schreiber, Ismar L. Pinz, Jarbas Hoffimann, Luisivan Vellar Strelow, Marcos Schmidt, Martinho Renneck, Waldyr Hoffmann

Imagens:As imagens usadas nesta publicação são de livre acesso na Internet, ou foram cedidas pelo proprietário. Caso contrário aparecerá, ao lado da imagem, a referência ao seu autor.

Coordenadores:Rev. Dieter Joel Jagnow (editor) Rev. David KarnoppRev. Jarbas Hoffimann (diagramador) Rev. Mário Rafael Yudi FukueRev. Waldyr Hoffmann

Diagramador:Rev. Jarbas Hoffimann - [email protected]

Blogue e Leitura On-linehttp://www.revistateologia.blogspot.com

Facebookwww.facebook.com/pages/Revista-Teologia-Pratica

Twitter@revistateologia

Colaborações:Os textos a serem publicados na revista devem ser enviados ao editor

Contato/Editor:[email protected]

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A revista Teologia & Prática é uma iniciativa de pastores da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). Ela não tem caráter oficial. Seu objetivo básico é coletar e compartilhar periodicamente, de forma organizada, via Internet, textos teológicos/pastorais, inéditos ou não, produzidos por pastores da IELB e que regularmente cir-culam em listas da Igreja. Além disso, procura recuperar textos teológicos escritos no passado e que não estão disponíveis na Internet. Um objetivo subjacente é a inten-ção de divulgar de forma mais abrangente a teologia evangélica luterana confessional e a reflexão teológica na IELB. Além de possibilitar a reflexão teológica, a revista quer ser uma ferramenta prática para as atividades ministeriais em suas diferentes áreas.

Critérios1. A produção da revista Teologia & Prática é coordenada por um grupo de voluntários,

teólogos da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) e tem quatro edições anuais.2. Após o fechamento, o arquivo da revista é colocado em uma (ou mais) plataforma na

Internet, onde pode ser lido online ou baixado.3. Um blogue (www.revistateologia.blogspot.com) serve de apoio para as edições, a fim

de possibilitar a sua divulgação pelos mecanismos de busca da Internet. A revista tam-bém possui uma página no Facebook (www.facebook.com/pages/Revista-Teologia--Prática) para divulgação e interação.

4. A produção da revista é aberta aos teólogos da Ielb (ativos ou não) interessados em compartilhar seus textos (meditações, estudos homiléticos, sermões, resenhas, en-saios, palestras, composições musicais, monografias, etc.), inéditos ou não. Cada autor é responsável pelo seu texto (doutrinária, gramática e ortograficamente). As colabora-ções devem ser enviadas para [email protected]

5. Os responsáveis pela coordenação podem recusar algum texto — ou solicitar que seja revisado. Não são aceitos textos de conteúdo político-partidário, que promovam o ódio ou a discriminação, ou que firam as Escrituras e os princípios e valores da IELB.

6. A publicação das colaborações não é por ordem de chegada. Os organizadores tentam variar os conteúdos em uma edição e em edições subsequentes. Ademais, uma ou outra edição pode ser temática, razão porque determinado texto pode ser preservado para edição futura. Caso solicitado, os responsáveis informam ao autor a situação de cada texto recebido.

Nota: a) A produção da revista Teologia & Prática é feita por voluntários. Nem sempre é pos-

sível cumprir os prazos. Por esta razão, precisamos de mais voluntários, tanto para a produção como a organização e a divulgação do material. (Se você quer colaborar, use o e-mail [email protected])

b) Para facilitar a leitura online, a partir desta edição a RT vem com uma diagramação diferente das edições anteriores, com menos imagens e mais texto.

c) Também a partir desta edição vem num formato diferente do que as edições anterio-res, já prevendo a leitura em mídias recentes, como os tablets.

ApresentAção dA revistA

eletrônicA teologiA & práticA

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ArtigosCiência e a ressurreição - Ismar L. Pinz, p. 166Deus existe! E daí? - Marcos Schmidt, p. 49Direto ao Ponto - Marcos Schmidt, p. 167Falácias da Superinteressante - Marcos Schmidt, p. 13Massacres de Natal - Marcos Schmidt, p. 133

RecensãoBatismo - um sermão de Lutero - Jarbas Hoffimann, p. 64Bíblia a importância de seu estudo - Jarbas Hoffimann, p. 164

Liderança CristãO direito de todos os cristãos no serviço da Igreja -

Martinho Renneck, p. 50

LuteroO desenvolvimento da compreensão de Lutero Acerca do Papado - Dieter

Joel Jagnow, p. 14Lutero e o seu compromisso humano - Waldyr Hoffmann, p. 40

Lei de DeusA Lei no 3º uso - André Hönke, p. 70

EducaçãoEducação e Reforma - Igor Marcelo Schreiber, p. 68

Santa CeiaAs plavras da instituição da Santa Ceia como “Testamento de Cristo” - Luisi-

van Vellar Strelow, p. 6

SimbologiaJesus, o Bom Pastor - Jarbas Hoffimann, p. 165

Missão de DeusA proclamação Luterana - Trad. Hors R. Kuchenbecker, p. 134 Festival Missionário, Uma estratégica - Waldyr Hoffmann, p. 108

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Na preparação de suas aulas so-bre a Epístola aos Hebreus,

que Lutero comentou na Universi-dade de Wittenberg no ano letivo de 1517-1518, o Reformador leu as Homiliae de Crisóstomo. Ali, encontrou a chamada “analogia do testamento”, na qual as palavras de instituição da Ceia eram compreen-didas como suas “últimas palavras” ou “testamento” de Cristo aos seus discípulos.

Lutero tomou e desenvolveu essa analogia, relacionando o tex-to de Hebreus 9.16,17 com Gála-tas 3.15,17, interpretando o termo “nova aliança” (kaine diatheke) no sentido de “novo testamento”. Para Lutero, Cristo é o “testador gracio-so”, o qual, por meio de sua morte, “selou” a promessa de perdão, graça e vida eterna. O evangelho não é, portanto, uma simples promessa, mas é uma promessa confirmada pela morte sacrificial do Filho de Deus, o qual morreu para a remissão dos pecados. O “antigo testamento” também tinha uma promessa, relati-

As palavras da instituição da Santa Ceia comoRev. Luisivan Vellar StrelowSanta Ceia

va a posses terrenas, e que havia sido selada com a morte de um cordeiro. O “novo testamento” tem a promes-sa de vida eterna e de posse de todos

“testamento de Cristo”

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As palavras da instituição da Santa Ceia como

os bens (herança) de Deus, a qual foi selada com o sangue do verdadeiro e eterno Cordeiro de Deus. Como Cristo é o “testador gracioso”, assim

o evangelho é “testamento”. As pala-vras de instituição da santa ceia são “o testamento de Cristo”, pois nelas estão contidas as promessas de per-dão, graça e vida eterna (Do Novo Testamento, 1520) ou de perdão, vida e salvação (Catecismos, 1529).

A analogia do testamento é com-plementada, por Lutero, nos escritos de 1520, pela analogia do “príncipe e do mendigo”, em que Cristo é o príncipe generoso que oferece (ou deixa em testamento) todas as suas riquezas ao mendigo. Essa segunda analogia expressa a gratuidade do testamento (testamento como pala-vra da graça), pois o perdão dos pe-cados não é dado com base em obras meritórias mas oferecido gratuita-mente e recebido somente pela fé. O pecador é como um mendigo que recebe a herança de um nobre. Deve confiar inteiramente na promessa graciosa de Cristo, sem considerar sua própria miséria e indignidade. O testamento de Cristo é a promessa da graça de Deus anunciada pelos patriarcas, sacerdotes, juízes, reis, profetas e salmistas no Antigo Tes-

Santa Ceia

“testamento de Cristo”

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tamento, a qual foi plenamente reve-lada na morte do Filho de Deus no Calvário, como um testamento que nos outorga graciosamente o per-dão, a graça e a vida eterna.

A relação entre o antigo e novo testamento ainda é apresentada, nos escritos de 1520, em termos de pro-messas de bens exteriores e promessa de bens interiores. Não é mais, con-tudo, compreendida como distin-ção entre exigências da lei mosaica (leis morais, cerimoniais e políticas que requeriam obediência exterior) e da lei de Cristo (lei espiritual que requer obediência interior). Lutero contrapõem, agora, às “exigências da lei” as “dádivas do evangelho”. Essa distinção, segundo o Reformador, possibilitou a compreensão de que o evangelho não exige obras mas ofe-rece graça. A partir de então, a opo-sição deixou de ser, como era ainda na primeira exposição dos Salmos (Dictata super Psalterium, 1513-1515), entre “antigo testamento” (= “antiga lei”) e “novo testamento” (= “nova lei”), mas entre “lei” (exi-gência de obras) e “testamento” (= promessa de uma dádiva imerecda). No Antigo Testamento, tal como a “lei” era exterior, a promessa ou “tes-tamento” era, também “exterior”, e no Novo Testamento, tal como a “lei” é interior, também a promessa

ou “testamento” é interior. Em ou-tras palavras, a distinção entre “lei” e “promessa” (= “testamento”), que Lutero apresentou de forma clara e inquestionável nos escritos de 1520 já estava em gestação desde as pri-meiras preleções sobre os Salmos (1513-1515), sendo encontrada nas notas das preleções sobre Romanos (1515-1516) e Gálatas (1516-1517) e Hebreus (1517-1518). Mas foi somente nos escritos de 1520 que Lutero apresentou com clareza a distinção entre “lei” e “evangelho” (= promessa, testamento). As leis e promessas exteriores e terrenas do Antigo Testamento foram dadas, segundo Lutero, para o povo da an-tiga aliança, mas a lei e o promessa interior e de bens eternos foi dada a todos os que, no Antigo ou no Novo Testamento, depositam sua fé no Cordeiro de Deus, “Semente” de Eva e dos Patriarcas e de Davi, nasci-do de Maria, Jesus Cristo.

O conceito “testamento” foi es-sencial para Lutero romper com a concepção do “evangelho de Cris-to” como “nova lei”, interpretação comum no final do século XV e início do XVI, com sua ênfase re-novada na Bíblia como autoridade e instrumento de reforma da igreja. Tanto a devotio moderna (movi-mento de resgate da Bíblia e da pie-

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dade simples, dos Irmãos da Vida Comum, os quais fundaram escolas onde estudaram, por exemplo, tanto Erasmo como Lutero) como a “via moderna” (teólogos escolásticos de orientação nominalista ou ocamis-tas, tradição teológica em que Lu-tero recebeu formação filosófica e teológica, os quais defendiam a au-toridade das Escrituras nas questões da fé) compreendiam o Evangelho (Novo Testamento) como nova lex. Na teologia de Erasmo, igualmente, o evangelho de Cristo era compre-endido como a lei de Cristo. E esse, também, foi o ponto de partida de Lutero em sua exposição das Escri-turas, como atestam as notas de Lu-tero relativas às suas preleções entre 1513 e 1521. Os Prefácios de Lutero ao Novo Testamento Alemão, publi-cado em 1522, registram a posição madura de Lutero sobre a distinção entre Lei e Evangelho. Segundo o re-lato do próprio Lutero, mas também de Melanchthon, a distinção entre “exigências da lei” e “dádivas do evangelho” está no centro da nova compreensão da doutrina da justi-ficação em Romanos 1.17, quando Lutero compreendeu que a “justiça de Deus” revelada no “evangelho” não é a exigência de uma “justiça” in-terior, feita no Evangelho (= Novo Testamento), além da exigência de

“justiça” exterior, feita na Lei (= Antigo Testamento), mas a oferta da graça de Deus no “evangelho” (= promessa, testamento) em oposição às exigências da lei. Em 1531, ao co-mentar pela segunda vez a Carta aos Gálatas, Lutero afirmou que a corre-ta distinção entre lei e evangelho é esta: “tudo o que não é graça, é lei”. Já não importa se as exigências da lei estão no Antigo ou no Novo Testa-mento, porque a promessa da graça também está presente em toda a Es-critura. Nas preleções sobre de Gê-nesis (1535-1546), Lutero apresenta os Patriarcas, de Adão até José como pregadores da lei e do evangelho.

Para Lutero, a compreensão do Evangelho ou do Novo Testamento como nova lex em oposição ao An-tigo Testamento havia conduzido à ideia da Palavra de Deus como um livro de leis. O Antigo e Novo Tes-tamento representavam, na compre-ensão da época, a “antiga” e a “nova” lei. Com o desenvolvimento da im-prensa e a publicação da Bíblia, esta passou a ser tomada como um livro de legislação divina para a reforma da igreja. A Bíblia era o livro de leis divinas em oposição às leis do papa-do e do império (códigos canônico e civil). Essa compreensão moldou a teologia de diversos movimentos reformadores do século XVI, com

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propostas teocráticas ou de restaura-ção das leis mosaicas. Lutero, a par-tir de sua “descoberta do evangelho”, lutou contra a compreensão jurídica ou livresca do “evangelho de Cristo”.

Nesse contexto foi que Lutero ressaltou que o evangelho é procla-mação da boa nova, e não uma nova lei nova — anúncio ou proclamação da graça e não constituição jurídi-ca. A fórmula clássica que Lutero cunhou — viva vox evangelii tinha como objetivo ressaltar que o evan-gelho é oferta da graça e não exigên-cia da lei (e não contra a doutrina da inspiração das Escrituras, que Lutero sempre ensinou). Para Lute-ro, as Escrituras são dignas de todo crédito, porque são palavra do Deus verdadeiro (Deus verax). No escrito Contra Latomus (1521), Lutero en-fatizou que na integridade do texto bíblico está entesourada a graça de Deus. Se o texto bíblico é fragmen-tado ou corroído pela razão huma-na, já não comunica a graça de Deus, pois a razão é cativa da lei. Na res-posta de Lutero a Erasmo (De Servo Arbitrio, 1525), Lutero defende o conceito de claridade das Escrituras (claritas scripturae), o qual compre-ende com claridade externa (grama-tical, acessível à razão) e a claridade interna (espiritual, acessível somen-te à fé).

As promessas do evangelho são, gramaticalmente, acessíveis a to-dos, mas a fé na promessa da graça de Deus revelada em Cristo é dom do Espírito Santo. O evangelho, para Lutero, não se confunde com o texto bíblico, pois o texto bíblico contém “lei” e “evangelho”. Na igreja primitiva, segundo Lutero, o Antigo Testamento existia como “livro” mas o Novo Testamento existia como “proclamação”, porque o evangelho não pode ser “codificado” em nor-mas escritas, como a lei, mas deve ser sempre proclamado como as boas novas da graça de Deus (fides ex au-ditu).

Em vista disso, para Lutero, o “Novo Testamento” não é, funda-mentalmente, um livro, mas a pro-clamação das boas novas da parte de Deus. O “Novo Testamento” é o conteúdo do Evangelho, seja ele encontrado no Antigo ou no Novo Testamento, e jamais pode ser codi-ficado como regra de vida, porque é anúncio da graça. O “antigo” Tes-tamento, ensina Lutero em 1520, é aquele que traz promessas de bên-çãos terrenas. O “novo” Testamento — isto é, o “testamento” de Cristo — é a promessa do evangelho e da Santa Ceia: perdão dos pecados, graça e salvação.

Nas missas da igreja da Idade Mé-

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dia tardia, a promessa do evangelho não era mais ouvida na igreja. As pa-lavras da instituição, que eram o “tes-tamento de Cristo”, eram pronuncia-das em voz baixa, como uma oração privada do sacerdote e não como proclamação pública para confor-to de todos os cristãos. Os ouvintes haviam sido privados da “doçura” do evangelho, os mendigos já não ou-viam a palavra do príncipe generoso, que oferece gratuitamente perdão, graça e vida eterna. No sermões, que para Lutero deveriam ser exposição sobre as palavras da instituição ou “testamento de Cristo”, em vez de se ouvir a promessa graciosa do perdão, da graça de Deus e da vida eterna, ouviam-se história da vida do santos e mártires, como exemplos de como seguir a Cristo em obediência à sua

lei. Contra o uso do púlpito para o ensino do Evangelho como nova lex, como um livro de leis ilustrado com exemplos dos santos e mártires, Lutero enfatizou o sermão como viva vox evangelii ou a pregação da graça para criar a fé no testamento e promessa de Cristo (fides ex auditu). Com a distinção de lei e evangelho, Lutero combateu, portanto, não só a leitura moralizante das Escrituras mas, também, a pregação moralizan-te.

Quando o “evangelho de Cristo” é compreendido como nova lex, é inescapável que a pregação no púl-pito se torne moralizante. Somente quando o sermão é compreendido como viva vox evangelii é que o dis-curso moralizante cede lugar para a proclamação da graça de Deus. Lu-

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Santa Ceia

tero jamais deixou de pregar sobre as “exigências da lei”, mas no centro da pregação colocou o “evangelho de Cristo”, a promessa do perdão, da graça e da vida eterna. Lutero argu-mentou em favor da centralidade do evangelho (= promessa de perdão, graça e vida eterna) na pregação cris-tã a partir de sua compreensão do culto cristão como sendo, essencial-mente, a celebração da santa ceia.

Em escritos do período 1519-1523, Lutero argumenta que a única lei (= cerimônia, rito litúrgico) dada por Cristo para o culto cristão havia sido a santa ceia, como reunião física dos cristãos. Com referência ao ser-mão no culto cristão, Lutero enfatiza a estreita relação entre pregação e tes-tamento, isto é, entre a pregação e as palavras da instituição da santa ceia, como viria a ressaltar no Catecismo Menor: “dado e derramado por vós para a remissão de pecados”. O ser-mão, segundo Lutero, nada mais é do que a exposição do testamento de Cristo. A promessa de perdão, vida e salvação (Catecismos, 1529) está em toda a Escritura, pois Cristo é o

“centro das Escrituras” (Comentário sobre Gálatas, 1531/1535). Fazer a correta distinção entre Lei e Evange-lho é, portanto, tarefa de cada pre-gador. Em cada sermão, o pregador deve distinguir as promessas da lei, que exige e premia unicamente as obras e pune o pecado, da promessa do evangelho, que perdoa o pecado e que se recebe unicamente pela fé.

O testamento de Cristo (as pala-vras “dado e derramado em favor de vós”) só pode ser recebido com fé, em arrependimento verdadeiro e com genuína alegria pela graça de Deus. O selo do testamento de Cristo (o seu corpo e sangue em/com/sob o pão e o vinho) deve ser recebido como sinal externo de confirmação e penhor da promessa do perdão, da graça e da vida eterna (fides ex audi-tu). A distinção entre lei e evangelho permite, assim, a recepção proveito-sa da ceia do Senhor, como palavra e sinal da imerecida graça de Deus.

Rev. Luisivan Vellar Strelow — Montevidéu, Uruguai, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil em

Brasília-DF, em afastamento temporário.

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Já tinha assinatura, mas cancelei quando a Superinteressante fez parceria com Richard Dawkins

para acabar com o cristianismo. A revista usa sutilmente sua influência do mesmo jeito que Rosemary fez no gabinete presidencial — tudo para tirar proveito de forma engano-sa. Esta edição de dezembro é uma afronta não à fé cristã, mas àquilo que pretensamente se propõe a re-vista, o estudo científico. Bem sabem em sua esperteza que ao colocar na capa “Jesus, a verdade por trás do mito” vão conseguir meus 12 reais e de outros milhares numa tiragem extra e lucrativa. Quando citam en-tre tantas teorias tendenciosas que “Judas pode não ter sido um traidor”, dão créditos ao evangelho apócrifo (escrevem “Evangelho de Judas” com letra maiúscula) enquanto inescru-pulosamente afirmam que “Mateus, Marcos, Lucas e João não são os autores dos evangelhos” (escrevem aqui “evangelho” com letra minús-cula). As dez páginas propagandea-das na capa “para a verdadeira face de Cristo” são suposições de teólogos liberais e historiadores sensaciona-listas, que sem qualquer compro-vação científica, levam o leitor à mentira. Mencionam até a canção “Jesus Cristo” de Roberto Carlos para fazer um gancho e afirmar que Cristo pregava um paraíso terreno. Dizem que a ideia de um reino dos

céus no céu foi uma “reinterpreta-ção” no Evangelho de João já que as profecias de Jesus de um reino po-lítico e terreno não se cumpriram, conforme promessas nos outros três Evangelhos. Que falácia absurda. Milhares de leitores estão recebendo um produto falsificado neste fim de ano. É fim do mundo mesmo. Estão desembrulhando um Jesus que “era só um entre vários profetas” no juízo desta “interessante” reportagem que se baseia em ideias do historiador brasileiro Chevitarese. Ele escreveu um livro onde diz que o cristianismo e a Bíblia vieram como empecilhos para o desenvolvimento da medi-cina, da ciência e da sociedade em geral. Que os editores desta revista tenham um feliz Natal.Rev. Marcos Schmidt — Novo Hamburgo, é pastor da

Igreja Evangélica Luterana do Brasil

Falácias da SuperinteressanteRev. Marcos Schmidt

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Introdução

Esta monografia tem o propósito de abordar o desenvolvimen-

to da compreensão do Reformador Martinho Lutero acerca da Igreja Católica da sua época — aqui cha-mada propositadamente de Igreja Papal, em função da proeminência da figura do papa (papado).

Este processo pelo qual Lutero passou possui duas facetas que es-tão interligadas e são consequentes. Uma delas diz respeito à “descober-ta” do Evangelho que ele foi fazendo ao longo dos anos. A outra é deter-minada pelo contexto religioso, so-cial, político, etc. no qual ele vivia. Ambas vão surgir aqui e acolá du-rante este estudo.

Não é a minha intenção discutir aqui a Teologia de Lutero (no sen-tido próprio do termo), nem histo-riar detalhadamente o seu relacio-namento com a Igreja Papal. Ambos os tópicos são vastos e complexos e

ultrapassam os limites de uma mo-nografia.

Colocado de forma direta, o propósito deste estudo é fazer um levantamento do que Lutero “tem a dizer” sobre a Igreja Papal, e como o fez, em diferentes momentos da sua vida. Quando necessário, todavia, serão incluídas de passagem algumas informações teológicas e históricas.

Os escritos de Lutero serão a nos-sa bibliografia básica, com atenção especial aos seus tratados. Esta con-figuração irá permitir que se “ouça” Lutero falando sobre o assunto em pauta. Todavia, esta abordagem não implica uma mera transcrição de “falas”. Além de citações diretas e indiretas, haverá momentos em que o pensamento será resumido e para-fraseado.

A divisão da monografia em “partes/anos” tem apenas um papel funcional. Todavia, ela pode se mos-trar útil para estabelecer cronologi-camente o propósito deste estudo.

Acerca do Papado

Rev. Dieter Joel Jagnow

O desenvolvimento da compreensão de Lutero

Lutero

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Julho a Dezembro, 2012 | RT | 15

Por meio delas, por exemplo, é pos-sível notar quando Lutero começar a falar / escrever sobre a Igreja Papal, quando chegou ao seu ápice, e como foi o seu “declínio”.

Parte 1: De 1512 a 1517

Martinho Lutero recebeu o títu-lo de Doutor em Teologia em 19 de outubro de 1512. Na Faculdade de Teologia de Wittenberg, Alemanha. Andreas von Karlstadt conferiu o grau, dando a Lutero o privilégio de ler, ensinar e expor a Teologia. Em 21 de outubro do mesmo ano, ele foi formalmente conduzido ao cor-po discente da Faculdade de Teolo-gia da Universidade de Wittenberg.

Embora possamos considerar este evento como o início da carreira de Lutero como professor e prega-dor, é normalmente aceito que ele apenas iniciou a sua atividade como professor um ano mais tarde, no se-mestre de inverno de 1513/14. A ra-zão para isto não é conhecida.1

De 1513 a 1515, Lutero fez as primeiras preleções sobre o livro de Salmos (“Dictata Super Psalte-

1 FRECHT, Martim. Martin Luther — His Road to Reformation (1483-1521). Trad. SCHAAF, James. Philadelphia: For-tress, 1985, 129. O autor faz comentá-rios adicionais sobre o assunto.

rium”). Estas preleções são as pri-meiras que ainda estão preservadas. Muitas vezes são chamadas de “Ini-tium Theologie Lutheri” (“O come-ço da teologia de Lutero”).

Estas preleções contêm apenas algumas poucas referências ao Papa e à Cúria Romana. Algumas são ne-gativas, mas a maioria é positiva. A primeira acontece na exposição do

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salmo 63. Lutero usa a Igreja Papal como um exemplo do perigo que existe em se amar bens terrenos. Pa-pas e sacerdotes, que são religiosos, ele diz, têm procurado e mantido bens terrenos, que “agora são incor-porados e atados à Igreja de maneira mais veemente e, por assim dizer, de forma mais firme e eterna do que a fé e as coisas espirituais.”2 A sua conclusão é que a Igreja se preocupa mais com as coisas terrenas do que por corpos e almas.

Em outro salmo (70), Lutero co-menta o mesmo assunto de forma similar. A Igreja (Católica), ele diz, está se preocupando mais com a es-pada e com um poder temporal do que com Deus, e disputando a glória da guerra com reis e príncipes. Em seguida, ele faz uma pergunta retóri-ca: “Se na época dos mártires alguém tivesse profetizado que tais coisas iriam acontecer na Igreja do futuro — que por causa de coisas terrenas até mesmo os papas, pais das almas,

2 LUTHER, Martin. Luther’s Works. Ame-rican Edition, vol. 10. First Lectures on the Psalms I. OSWALD, CHilton C. Saint Louis: Concordia, 1974, pág. 303. A par-tir de agora, esta coleção será citada como AE, com referência à obra e ao volume na coleção. Nota importante: Todas as citações diretas de Lutero uti-lizadas neste estudo foram traduzidas por mim. É possível parte delas já tenha tradução oficial em Língua Portuguesa.

iriam derramar tanto sangue de cris-tãos, eles teriam dado louvor?”3

Lutero se refere a “falsos bispos” em sua preleção sobre o salmo 99 (es-pecialmente sobre o versículo 6). Ele destaca que, assim como o rei tem conselheiros, príncipes, etc., a Igreja de Cristo tem papas, bispos, etc. Os bispos fieis são aqueles que “sentam” com Cristo, ou seja, que estão com o Salvador. Todavia, ele conclui que “muitos agora estão sentados longe dele e em oposição a ele”.4

Os exemplos acima obviamente são uma abordagem negativa à igreja papal. Elas foram selecionadas para mostrar que já nos seus primeiros anos de ensino e pregação Lutero es-tava desenvolvendo uma compreen-são crítica sobre o foco deste estudo, ou seja, a Igreja Católica da época (lembrando que ele próprio era um sacerdote e professor desta Igreja). Nestas preleções, suas afirmações ainda podem ser consideradas tími-das e incidentais, mas já claras e indi-cando um rumo. Todavia, como será visto abaixo, esta tendência “denun-ciatória” não se manteve em anos seguintes.

Após os Salmos, Lutero fez pre-leções sobre a epístola aos Romanos

3 LUTERO, AE, op.cit., pág. 385.4 LUTERO, AE, vol. 11, First Lectures on

the Psalms II. Saint Louis: Concordia, 1976, pág. 291.

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da primavera de 1515 até o outono de 1516. Parece-me que ele não faz acusação direta conta o papa ou a Igreja Papal em ambas as partes des-te comentário (Glosses and Scholia). O mesmo acontece com as suas pre-leções sobre a epístola aos Hebreus (de abril de 1517 a março de 1518).

O “silêncio” de Lutero é, ao me-nos, curioso, já que no início da sua carreira de professor em Teologia havia tido uma postura mais crítica. Em relação à preleções sobre o livro de Hebreus, o “mistério” é ainda maior, pois a esta altura ele já havia alcançado notoriedade como o au-tor das 95 Teses.5

No ano de 1517 Lutero iniciou o seu ataque às indulgências. Os aspectos negativos desta prática vie-ram à luz quando ele afixou as suas 95 Teses na porta da Igreja do Cas-telo de Wittenberg. Na verdade, po-de-se dizer que com este gesto Lute-ro estava “oficialmente” começando o seu taque contra a Igreja Papal.

Na Tese 6, Lutero diz que o papa não pode remir qualquer culpa; o que ele apenas pode fazer é declarar que a culpa foi remida por Deus. Nas

5 É importante notar que neste estudo as preleções de Lutero sobre Gálatas (1516/1517) não são incluídas aqui pelo fato de terem sido publicadas cer-ca de dois anos mais tarde (1519), e com revisões.

Teses 8 e 20, ele questiona a aplica-ção da indulgências ao purgatório, já que que o poder do papa e impor e remir penalidades não vai tão longe. Por isso, uma pessoa precisa tomar cuidado contra os que afirmam q que o perdão do papa equivale à re-conciliação com Deus (Tese 33).

Uma asserção indireta sobre o poder e a autoridade comuns a todos os cristãos (e não apenas da hierar-quia da Igreja Papal) é feita na Tese 37: Qualquer cristão participa de to-das as bênçãos de Cristo e da Igreja Cristão; e isto procede do próprio Deus — mesmo sem cartas de in-dulgência.

Já na Tese 76, Lutero reafirma que as indulgências papais não po-dem remover os pecados veniais e é uma blasfêmia dizer que a cruz erguida pelos pregadores de indul-gências se equivale em valor à cruz de Cristo (também a Tese 79).

Comentando sobre como Lute-ro trata o tema “papado” nestas Te-ses, Hendrix diz que o Reformador o fez a partir de duas perspectivas. Na primeira, ele recuperar os limi-tes da autoridade papal ao conceder indulgências de acordo com o câno-ne legal. Na segunda, ele lida com a intenção pessoal do papa, isto é, de fazer algo de bom com as indulgên-cias. Se elas fosse pregadas de acordo

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com a intenção do papa, todas as dú-vidas seriam dirimidas.6

Na verdade, nas 95 Teses Lutero demonstra uma posição ambiva-lente. Na Tese 26, por exemplo, ele diz que o papa concede remissão às almas que estão no purgatório não pelo poder do Ofício das Chaves (que ele possui), mas por meio de intercessão. Na Tese 38, ele reafirma (de acordo com a Tese 6) que o papa tem o poder de proclamar a remissão da culpa — mas apenas em nome de Deus. Finalmente, Lutero diz que as indulgências podem continuar sendo pregadas, mas com precaução (Teses 41, 42), e que em alguns casos elas podem ser úteis (Tese 49); etc.7

É possível resumir a compreen-são de Lutero sobre a Igreja Papal durante os anos de 1512 a 1517 su-gerindo algumas conclusões:

1. Somente é possível encontrar um pequeno número de refe-rências à Igreja Papal (ao papa e à cúria romana). As 95 Teses possuem o maior número de-las.

2. A posição de Lutero é ambiva-

6 HENDRIX, Scott H. Luther and the Pa-pacy. Philadelphia: Fortress Press, 1981, págs. 30,31.

7 LUTERO, “Ninety-five Thesis”, de acordo com AE, vol. 32, Carreer f the Reformer I. Grimm, Harold J., ed. Philadelphia: For-tress Press, 1957, págs. 24-33.

lente: parte do que diz sobre a Igreja Papal é positivo e parte é negativo.

3. As referências negativas de Lutero à Igreja Papal são espe-cialmente dirigidas à conduta imprópria do clero e do seu impacto sobre a Igreja.

4. Nenhuma crítica significativa é dada à autoridade da hierar-quia romana ou à autoridade do próprio papa.

5. As referências negativas de Lutero antecipam a sua futura refutação da Igreja Romana.

Parte 2: de 1518 a 1519

O resultado (inesperado para Lu-tero) das 95 Teses foi que as suas crí-ticas sobre as indulgências logo fo-ram entendidas como um ataque ao próprio papado. A esta altura, con-vém lembrar que Tetzel contra-ata-cou Lutero poucos meses depois da divulgação das Teses (no começo de 1518). Ele produziu dois conjuntos de teses acusando Lutero de atacar a autoridade do papado. Tetzel afirma que o Reformador está errado que os cristãos devem ser ensinados que, já que a autoridade papal é instituída por Deus e suprema, somente Deus pode restringi-la ou ampliá-la; e que

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apenas o papa pode, com autorida-de, interpretar o sentido da Bíblia.8

Assim, a discussão pretendida por Lutero ao divulgar as suas 95 Te-ses nunca aconteceu de fato. Ao con-trário, ele foi acusado de ser herege. De outro lado, contudo, ao mesmo tempo, ele estava descobrindo de forma mais clara a sua “teologia da glória”, isto é, o verdadeiro conteúdo do Evangelho.

Esta nova compreensão da Bíblia foi aplicado por Lutero na Disputa de Heidelberg, quando ele apresen-tou quarenta teses que lidavam com teologia e filosofia. Nesta Disputa, todavia, ele ignora totalmente o problema das indulgências e a Igreja Papal. Mas o assunto não havia sido esquecido.

Em agosto de 1518, foi publicado o “As Explanações das 95 Teses”. Este documento é considerado como um 8 Veja Brecht, op. cit., págs 208, 209.

dos mais importantes do período inicial de Lutero como teólogo.

Nas “Explanações”, Lutero pro-cura clarear sua posição contra as indulgências e contra o papa. No conjunto, as ideias que ele havia es-boçado nas 95 Teses são preservadas. Na “Declaração”, que abre o “Expla-nações”, ele afirma que deseja dizer ou manter nada a não ser, primeiro de tudo, “o que está nas Sagradas Escrituras e que pode ser derivado delas; e então o que está nos e dos escritos dos pais da Igreja e é aceito ela Igreja Romana e preservado tan-to nos cânones como nos decretos papais.”9

É importante notar que aqui Lu-tero ainda reconhece a pessoa do papa (Tese 25), mas que, de outro lado, tem havido muitos papas “que têm tido não apenas erros e vícios,

9 LUTERO, AE, vol. 31, Career of the Re-former I, pág. 83.

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mas até mesmo coisas horríveis”.10 Além disto, Lutero chama a Igreja Papal de “Roma-Babilônia” (Tese 25). Pela primeira vez Lutero (ao menos em seus escritos conhecidos) esta identificação apocalíptica.

Quase no final das “Explana-ções”, Lutero requer a reforma da igreja (papal), que deveria ser reali-zada não apenas pelo papa ou carde-ais, mas também pelo mundo todo; na verdade, por Deus. “Não pode-mos negar estes erros manifestos”, ele diz.11

Alguns meses mais tarde, em ou-tubro, Lutero foi convocado para ir a Augsburg a fim de ser ouvido pelo cardeal Cajetano e a fim de solicitar a sua “misericórdia”. No assim cha-mado “Procedimentos” (ou Acta Augustana), publicado em dezem-bro, Lutero não se retratou.

O papa, ele reafirmou, pode errar. Nenhuma pessoa pode ser justifica-da a não pela fé. As Escrituras estão abandonadas na Igreja e a tradição e as palavras humanas são aceitas. Os papas estão acostumados a pratica-rem a violência contra as Escrituras em seus decretos. A Igreja Romana não está em um patamar acima do que outras igrejas no mundo. Uma pessoa somente pode estar sujeita

10 Ibid., pág. 171.11 Ibid., pág. 250.

à sé romana enquanto ela agrada a Deus — quem apenas (e não o pon-tífice romano) muda e estabelece au-toridade.

A esta altura, Lutero ainda esta-va pensando sobre a possibilidade de reforma na Igreja Romana. Ele afirma que “eu estimo e sigo a Igreja em todas as coisas. Eu apenas resis-to aos que em nome da Igreja Ro-mana se esforçam para erguer uma Babilônia...”12 Como se nota, ainda era possível para Lutero afirmar a supremacia de da Igreja Papal — en-quanto ela se subordinasse a Cristo.

Em janeiro de 1519, Lutero tra-balhou intensivamente com o tópi-co do papado. Brecht se refere a este fato e mostra o resultado da ativida-de do Reformador:

Ao fazer assim, ele chegou a algumas descobertas pertur-badoras. Em 13 de março ele confidenciou a Espalatino: “Eu não sei se o papa é o pró-prio anticristo ou se e ele é o seu apóstolo, pois Cristo (isto é, a verdade) é tão miseravelmente corrompido e crucificado pelo papa nos seus decretos.” Ele so-freu quando viu que o povo de Cristo estava sendo zombado sob o jugo da Lei e em nome de Cristo. Ele acreditava que as

12 Ibid., pág. 285.

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leis papais eram um produto de uma tirania ambiciosa que ig-norava as Escrituras. Ele acu-mulou mais e mais elementos para defender as Escrituras.13

A esta altura, Lutero já estava se aproximando de uma completa re-jeição da autoridade papal. Ele ainda estava disposto a admitir que o papa era o “chefe” da Igreja, mas apenas por direito humano. Se a afirmação desta autoridade fosse de direito di-vino, então a Igreja Roma deveria ter uma postura diferente.

No Debate de Leipzig (junho e julho de 1519), o representante pa-pal Johann Eck tentou provar que o papa tinha seu poder e autoridade derivados de Deus. Lutero, por sua vez, afirmou que a Igreja tinha ape-nas um “cabeça”, Jesus Cristo, e que eram as Escrituras que deveriam ter a suprema autoridade na Igreja. Ele também enfatizou que os concílios e papas erraram, e que podem errar. E se isto é assim, que autoridade resta na hierarquia?14

Durante os últimos meses de 1519, Lutero pregou três sermões

13 BRECHT, op.cit., pág 307.14 Veja PREUS, Henry A. The Communion

of the Saints: A Study of the Origin and Development of Luther’s Doctrine of the Church. Minneapolis: Augsburg, 1948, pág. 72.

sobre os sacramentos que podem ser vistos como um efetivo começo de um programa reformatório. Nestes sermões, ele tentou articular a “des-coberta” da doutrina de um Deus gracioso.

No sermão “O Sacramento da Penitência”, Lutero afirmou que uma pessoa que tem a sua culpa perdoada é liberta e está reconcilia-da com Deus. O perdão é um pré--requisito para boas obras. O perdão não está “dentro da esfera de ofício ou autoridade humana, seja papa, bispo, sacerdote ou qualquer outro. Ele depende exclusivamente da pala-vra de Cristo e da fé da pessoa.”15 Bis-pos, papas, etc. são apenas servos da Palavra e de Cristo. Mas o que eles estão fazendo é criar nada mais do que tirania com base neste amável e confortador sacramento. As “cha-ves” não foram dadas a São Pedro, mas para cada cristão.

O sermão ”O Santo e Abençoado Sacramento do Batismo” está virtu-almente livre de polêmica, o que não acontece com o sermão “O Abenço-ado Sacramento do Santo e Verda-deiro Corpo de Cristo, e os Irmãos”. Neste sermão, Lutero traz a sua pri-meira abrangente discussão sobre

15 LUTERO, AE, vol. 35. Word and Sacra-ment I. Bachmann, Theodore, ed. Phila-delphia: Muhlenberg, 1960, pág. 12.

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o assunto. Ele não discute questões como o sacrifício da Ceia ou o modo da presença real de Cristo. Talvez as suas palavras mais fortes ocorrem quando ele fala sobre fala sobre as bênçãos da comunhão cristã que resultam do Sacramento. Ele afirma que a pregação e a prática desta co-munhão praticamente morreu. Na verdade, diz Lutero, com as nossas “missas nós frequentemente destru-ímos esta comunhão e pervertemos tudo. Esta é a falha do pregadores que não proclamam o Evangelho como o sacramento, mas as suas pró-prias fábulas sobre as muitas obras (de satisfação) que devem ser reali-zadas e os caminhos a serem percor-ridos para se viver corretamente.”16

Um pouco mais tarde neste ser-mão Lutero fala sobre as irmanda-des. Ele é categórico: o que elas ape-nas fazem o que desagrada a Deus. Elas se autodenominam “irmanda-des de santos”, enquanto que o fa-zem é obra do diabo. Recebimento e demonstração de amor são insepará-veis, mas a comunhão que elas prati-cam nada mais é do que um egoísmo destrutivo, pois apenas estão preo-cupadas com o cuidado temporal e eterno delas próprios. Seus eventos piedosos são, na verdade, eventos de glutonaria, bebedeira quebra do

16 Ibid., págs. 56, 57.

voto de castidade. As irmandades deveriam ser altruístas, abertas e preparadas para servir a inteira co-munhão cristã.17

Assim, nos anos de 1518 e 1519, vemos Lutero ainda pronunciando palavras sobre a Igreja Romana que, em certos momentos, ainda são am-bivalentes. Sugiro as seguintes afir-mações como conclusão desta parte:

a) Lutero mostra respeito pela autoridade de um concílio ge-ral.

b) Ele começa a distinguir a opi-nião pessoal de um papa da mesma opinião estabelecida por um concílio.

c) Em 1518 ele ainda é capaz de mostrar confiança no papa, com menor intensidade. Re-gulações papais como ser exa-minadas e discutidas. O papa pode errar.

d) Em 1518, Lutero ainda não desafia a autoridade divina do papado. Todavia, esta autori-dade tem o mesmo nível de outras autoridades instituídas por Deus.

e) Lutero está disposto a resistir a todos aqueles que em nome da Igreja Romana não ensinam a Palavra de Deus.

f ) Ele ainda afirma a supremacia

17 Ibid., pág. 71

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de Roma entre as igrejas oci-dentais — enquanto subordi-nada a Cristo.

g) Ele afirma a autoridade da Es-critura sobre regulações papais que não são apoiadas pela Pa-lavra de Deus, pelos concílios e os pais da Igreja.

h) A desilusão se Lutero com o papa se intensificou durante o ano de 1519.

i) Em 1519 ele demonstra sus-peição de que o Anticristo ha-via invadido alguns segmentos da Cúria Romana.

Parte 3: 1520

Provavelmente em dezembro de 1519 Lutero pregou o seu, assim denominado, “Sermão Sobre a Ex-comunhão”, que foi publicado em

1520.18 Neste sermão, o Reforma-dor revela a sua preocupação pasto-ral em relação a práticas eclesiásti-cas adequadas. A excomunhão (ou “banimento”), ele diz, não mais é utilizada para a edificação de cons-ciências atribuladas, mas se tornou um meio para o exercício de poder e tirania eclesiásticos.

Lutero critica o uso do “bani-mento” com fins pastorais, correti-vos (fazer com que o pecador se ar-rependa e mude a sua vida) que foi transformado em algo contrário à Palavra de Deus. Ele diz: “O ‘bani-mento’ vai além e até mesmo proíbe sepultamento, comprar e vender, negócios, um certo tipo de vida e re-lacionamento entre as pessoas.”19 O

18 Este sermão é uma versão expandida de outro sermão de Lutero, de julho de 1518: “Sermão Sobre o Poder da Exco-munhão”.

19 Ibid., pág. 8.

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uso de poder secular contra os que estão sob o “banimento” não perten-ce à Igreja, mas às autoridades secu-lares. Assim, o que a Igreja faz com o “banimento” (isto é, por causa de di-nheiro e outras questões temporais) é uma invenção humana, da qual os apóstolos e Cristo nada conheciam.

Na verdade, neste sermão Lutero se refere diretamente à Igreja Papal algumas poucas vezes. Porém o seu ataque às práticas criadas pela Igreja é evidente. O “banimento”, que de-veria ter um caráter pastoral, havia se tornado um instrumento de tirania eclesiástica e de poderes satânicos. Ele comenta sobre esta perversida-de:

As autoridades espirituais con-cordam com o “banimento”, dizendo que ele deveria ser temido e suportado, seja ele justo ou injusto. Mas se elas próprias são sujeitas à tirania e à injustiça, elas se recusam a suportá-los... sem medo algum, elas querem... exigir o que é delas. Assim, elas se eximem dos mandamentos de Deus, quando deveriam ser exemplos de obediência a eles. Se é ver-dade que o papa, o bispo e toda a “entidade espiritual” pode resistir à injustiça e à injúria sem medo, e comtemplar seus

próprios interesses, então tam-bém é verdade que uma pessoa pode resistir ao “banimento” e rejeitá-lo...20

Estas palavras já poderiam ser suficientes para estabelecer o estado das coisas. Mas no sermão Lutero tem mais a dizer contra as autorida-des da Igreja Papal: que são legisla-dores inexperientes, grandes e pode-rosos tiranos, legisladores infantis, tiranos espirituais, etc.

Este sermão pode ser conside-rado como sendo um passo impor-tante dado por Lutero em relação ao seu descontentamento contra a situação eclesiástica da época. Hen-drix comenta que, embora não exista evidência direta que Lutero aplicou este sermão à sua própria situação, o tom e o vocabulário indica a nova perspectiva que Lutero estava cons-truindo.21

O fato de que Lutero, em 1520, estava inaugurando um novo mo-mento em suas críticas à Igreja Papal também fica evidente em outra obra importante: “Sobre o Papado em Roma — Contra o mais Celebrado Romanista em Leipzig”

Este tratado foi impresso em ju-nho de 1520. Ele foi uma resposta a

20 Ibid., pág. 14.21 HENDRIX, op. cit., pág. 99.

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um tratado do monge agostiniano Augustine Alfeld, intitulado “Super Apostolica Sede”, no qual ele pro-curava defender a base divina para a norma papal. Para Alfeld, a sé apos-tólica era “iure divino” (a instituição divina).

No começo, Lutero julgou que este tratado não merecia resposta. Mas alguns meses mais tarde ele resolveu escrever a sua réplica. Este tratado foi o seu primeiro grande documento sobre a natureza da Igre-ja Cristã.

Já nas linhas iniciais Lutero dei-xa claro o seu tema: se o papado em Roma é derivado de ordem divina ou humana, e ela teria um direito cristão de legislar sobre todos os de-mais cristãos considerá-los hereges e cismáticos, se eles não têm seus sa-cerdotes e bispos confirmados por Roma.22

A opinião de Lutero acerca des-ta questão não poderia ser diferente a esta altura: é uma tolice acreditar que o papa e todos os seus romanis-tas têm a sua autoridade derivada de uma ordem divina. A Igreja não está restrita a Roma; ela se estende por toda a terra. O que é crido não físico ou visível. A Igreja Cristã é uma as-sembleia espiritual, e não física.

22 LUTHERO, Church and Ministry, págs. 57, 58.

Lutero continua o seu tratado dizendo que a Igreja Romana pode ser vista, ela não é a verdadeira Igre-ja. Os seus verdadeiros sinais visíveis não é em Roma ou qualquer outro local, mas o Batismo, a Santa Ceia, o Evangelho. “Roma ou poder papal não são sinais da cristandade, pois este tipo de poder faz de alguém um cristão; isto é poder do Batismo e do Evangelho.23 Em função disto, o Reformador diz que os romanistas deveriam ir à escola para aprender o que a Igreja Cristã realmente signi-fica. Pois eles têm lidado com a Es-critura de acordo com o seu próprio interesse.

Em seu tratado, Alfeld argumen-ta que o Novo Testamento precisa ter um sumo-sacerdote físico, assim como havia no Antigo Testamento — e este é o papa. Lutero responde que a figura do sumo-sacerdote do Antigo Testamento foi transferida para o próprio Cristo. O poder ro-mano não pode conceder vida espi-ritual e eterna. Se isto fosse possível, todos os papas seriam salvos e es-tariam vivos. Enquanto a glória e a unidade externa do papa podem ser vistos com os olhos, e não pela fé, é impossível para ele seja alguma figu-ra do Novo Testamento.24

23 Ibid., pág. 75.24 Ibid., pág. 78.

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Lutero também comenta que existe um erro de interpretação na Igreja Papal em relação ao texto de Mateus 16.18,19. Para ele, está erra-do dizer que o texto se refere apenas a Pedro e, por conseguinte, ao papa. As “chaves” foram dadas por Cristo para toda a comunidade cristã. A sua conclusão é a que segue:

... se estas palavras confirmam o poder papal sobre todos os cristãos, eu gostaria muito de saber quem poderia perdoar o papa quando ele peca. Se estas palavras tornam todas as pes-soas sujeitas ao papa, como di-zem, então certamente ele pró-prio permanece em um estado de pecado. E nem mesmo iria adiantar se papa fosse dar o seu poder para alguém exercê--lo sobre ele, pois isto o tornaria um herege agindo contra uma ordem divina.25

Finalmente, Lutero não tem medo em afirmar que alguns papas têm sido heréticos e instituíram leis heréticas. E mais do que isto: eles deixaram a fé e têm vivido sob a ti-rania do pecado do diabo. Isto tem causado quase todos os cismas, here-sias, seitas, descrenças e misérias que existe na Igreja Cristã. O papado é

25 Ibid., pág. 89.

supérfluo e frequentemente tem se sujeitado aos portões do inferno.

O foco deste tratado de Lutero não é apenas o papa. Ele cita uma variedade de outros ofícios da Igreja Papal: cardeais, bispos, prelados, sa-cerdotes, monges, freiras — “e todos aqueles que são considerados cris-tãos de acordo com questões exter-nas, independentemente do fato de serem ou não verdadeiros cristãos.”26

Falando sobre este tratado de Lutero, Hendrix diz que Lutero não demanda a abolição do papado. Ao contrário, o que ele faz é mostrar que o papado não é o cabeça da Igre-ja por direito divino, mas apenas hu-mana.27

Lutero continuou o seu ataque contra a Igreja Papal em outro tra-tado deste ano. “À Nobreza Cristã da Nação Alemã”. Neste texto, Lu-tero se volta às autoridades civis na esperança de que a reforma da Igreja Romana e da sociedade pudesse ser alcançada por meio de um concílio. Como se nota, ele ainda mantinha a ideia de uma Igreja Papal reformada; que esta reforma poderia acontecer.

No começo do tratado, Lutero fala sobre o seu propósito. Ele diz que existe muita opressão e aflição na cristandade e que pretende expor

26 Ibid., pág. 92.27 HENDRIX, op. cit., pág. 104.

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os estratagemas e as perversidades dos líderes da Igreja. Na primeira seção, ele expõe e refuta três “mura-lhas” atrás dos quais o papado estava entrincheirado.

A primeira muralha lida com o conceito de estamentos espirituais e seculares. Lutero vai direto ao ata-que: “É pura invenção que o papa, os bispos, os sacerdotes e os monges são chamados de ‘estamentos espiritu-ais’, enquanto que príncipes, lordes, artesões e fazendeiros são chamados de ‘estamentos temporais’. Isto é, com certeza uma peça de engano e hipocrisia.”28 Todos os cristãos são do estamento espiritual, sem dife-rença entre eles, a não ser por causa do seu ofício (“Amtes”). A razão é clara: todos temos um só Batismo, um só Evangelho, uma só fé; estas coisas nos tornam pessoas espiritu-ais e cristãs. Assim, a consagração feita pelo papa ou pelos bispos não pode introduzir uma pessoa no esta-mento espiritual.

Bispos, sacerdotes ou papas, Lu-tero continua, não são diferentes dos demais cristãos e nem superior a eles — a não ser que eles têm a respon-sabilidade da administração da Pala-vra e do Sacramento. Um sacerdote

28 LUTERO, Martinho, AE, vol. 44, The Christian in Society. Atkinson, James, ed. Philadelphia: Fortress Press, 1966, págs. 127.

apenas “ocupa” uma posição. Em função disto, o chamado “caráter in-delével” é uma invenção romanista. Um sacerdote deixa de sê-lo quan-do é deposto. Que um sacerdote não pode se tornar um leigo é uma conversa enganosa e uma regulação humana.29

A segunda muralha, diz Lutero, se refere ao fato de que os romanistas querem ser os únicos interpretes das Escrituras. E mais: eles dizem que o papa não pode errar em questões de fé, independentemente do fato de ele ser justo ou ímpio. Ele afirma que tudo isto não é verdadeiro, mas fábula fantasiosa. E que esta é a ra-zão é possível encontrar tantas orde-nanças heréticas e não cristãs entre as leis canônicas. O papa pode errar e errou muitas vezes; na verdade, “a maioria dos papas não teve fé”.30

A terceira muralha inventada pelos romanistas é a que apenas o papa tem direito de convocar ou confirmar um concílio. Isto, Lutero afirma, é apenas a regulação da Igreja Papal e apenas é validade enquanto ela não é prejudicial à Cristandade ou contrário às leis de Deus. Pois se isto fosse verdade, quem iria re-provar e punir o papa quando ele age contra as Escrituras? Assim, diz

29 Ibid., pág. 127.30 Ibid., pág. 135.

Lutero

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Lutero, se for necessário, a primeira pessoa capaz, como membro verda-deiro do corpo (a Igreja) pode fazer o que for necessário para a realização de um concílio livre e válido.31

Na segunda parte deste tratado, Lutero traz uma lista de abusos so-bre os quais um concílio geral de-veria tratar — e novamente usa pa-lavras duras para denunciar a Igreja Papal. É horrível e chocante, ele diz, ver como vive — em uma ostentação mundana — quem se diz ser o vigá-rio de Cristo. Ele é mais mundano que o próprio mundo. A suas obras são, certamente, as próprias obras do Anticristo.32

Lutero considera que Roma está tomada de parasitas. Por causa disto, ele sugere que a corte papal poderia ser diminuída em noventa e nove por cento. Um por cento ainda seria o suficiente para dar respostas em questões de fé.

Dada a situação, Lutero faz algu-mas sugestões para melhorar o esta-do das coisas, o que poderia ser feita tanto por uma autoridade secular como um concílio geral:

a) Cada príncipe, nobre ou cida-de deveria proibir que as pes-soas sob a sua responsabilidade pagassem tributos a Roma; na

31 Ibid., pág. 137.32 Ibid., pág. 139.

verdade, esta prática deveria ser totalmente abolida;

b) Deveria ser decretado que ne-nhuma questão temporal fosse levada a Roma, mas somente à autoridade secular;

c) A prática de um sacerdote ser proibido de dar a absolvição, a não ser o papa (“casus reserva-ti”) deveria ser abolida;

d) O papa não deveria ter autori-dade sobre o imperador;

e) A prática de beijar os pés do papa deveria ser abolida;

f ) As peregrinações a Roma de-veriam ser eliminadas;

g) As missas aos mortos deve-riam ser abolidas; etc.

Este tratado, como foi dito ante-riormente, era um “programa refor-matório” elaborado por Lutero. Ao mesmo tempo, ele, em oposição ao poder de Roma, estava elaborando o seu ensino sobre o sacerdócio de to-dos os cristãos — um conceito que era relativamente novo no caminho da Reforma. Desta forma, Lutero, além de se opor à Igreja Papal em vá-rias questões, estava oferecendo pro-postas práticas para a vida da Igreja.

Em 1520, Roma estava ultiman-do a condenação de Lutero. Em 15 de junho, a bula “Exsurge Domine” foi emitida. Após a sua publicação na Saxônia, Lutero teria sessenta

Lutero

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dias para voltar atrás e procurar o perdão da Igreja Papal.

Mas era muito tarde. Lutero já não iria mudar de opinião. Parte das suas respostas podem ser encon-tradas em seu “Prelúdio acerca do Cativeiro Babilônico da Igreja, de outubro de 1520.33 Como se nota, o título do tratado era extremamente, pois indicava que a Igreja Papal esta-va sendo mantida prisioneira. Neste texto, Lutero foi além em suas críti-

33 Na verdade, Lutero escreveu este trata-do durante o processo de condenação. Mas ele estava aguardando a Bula para coloca-lo para o público.

cas de tudo que havia escrito ante-riormente.34

Neste tratado, Lutero dis-cute cada um dos sete sacra-

mentos da Igreja Romana. Cerca da metade das

páginas é utilizada para a Santa Ceia e o Batis-mo. Lutero encontra a pior tirania do papado na Ceia. No transcor-rer da obra um tema

é recorrente: a Igreja é subjugada pela tirania

dos romanistas (e papis-tas) e precisa ser libertada.

Logo no começo, ele deixa clara uma mudança significa-

tiva de atitude em relação à Igreja Papal. Ele diz que enquanto negava a autoridade divina do papado, ain-da admitia a sua autoridade huma-na. Mas depois dos acontecimentos recentes, do que leu e ouviu, estava certo que o papado é reino da Babi-lônia, o poder de Nimrod, o grande caçador.35

Falando sobre a Santa Ceia, Lu-tero diz que este sacramento precisa ser oferecido em sua inteireza para todos os “leigos” (leia-se cristãos), se eles desejam receber tanto o pão

34 Veja BRECHT, op. cit., págs. 381, 382.35 LUTERO, AE, vol 36, Word and Sacra-

ment II. Wentz, Abdel R., ed. Philadelphia: Muhlenber, 1959, pág. 12.

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como o vinho. É despótico negar as duas espécies; isto não está na esfera de poder de qualquer anjo, muito menos de qualquer papa ou concí-lio. Esta prática, afirma Lutero, é o primeiro “cativeiro” deste sacramen-to. A Igreja (Papal) não pode negar o que Jesus ordenou, ou seja, ofe-recer ambos os elementos da Ceia aos que os desejam receber. Se os sacerdotes agem assim, são tiranos. O sacramento da Ceia não perten-ce aos sacerdotes, mas a todos os cristãos. “Os sacerdotes não são se-nhores, mas servos, com a tarefa de administrar ambas as espécies para quem as deseja, e tantas vezes quan-tas deseja.”36

O segundo “cativeiro” deste sa-cramento é imposto por Roma, diz Lutero, e ele é encontrado na dou-trina da transubstanciação — “uma monstruosa palavra e uma monstru-osa ideia”.37 O que o bispo de Roma fez com as doutrinas bíblicas da Santa Ceia demonstra no que ele se tornou: um tirano.

A esta altura, Lutero estava con-victo que a situação era perversa e que precisa ser atacada de frente. É por esta razão que ele não teve medo de dizer: “Eu não temo nenhum dos seus decretos (do papa), pois sei que

36 Ibid., pág. 27.37 Ibid., pág. 31.

não está sob o seu poder, e nem de nenhum concílio geral, estabelecer novos artigos de fé.”38

O último “cativeiro” apontado por Lutero é o sacrifício da Ceia, isto é, que ela é uma boa obra e um sacrifício. Isto, ele afirma, é um abu-so, pois desta forma o Sacramento se transformou em um mero produto, um mercado. Roma deixou de lado o ensino bíblico sobre a Ceia e co-locou em seu lugar doutrinas mons-truosas, ordenanças humanas, ido-latria pecaminosa. Sendo assim, ele conclui, “não há dúvida... que, em nosso tempo, todos os sacerdotes e monges, juntamente com os seus bispos e todos os seus superiores são idólatras, vivendo na situação mais perigosa por causa desta ignorân-cia, deste abuso e de zombaria da Ceia...”39

A “gloriosa libertação” do Ba-tismo também foi feita cativa, diz Lutero neste tratado. O pontífice romano, com o seu despotismo, apenas oprime os cristãos com os seus decretos e leis e ensino sobre o Batismo. O papa, como pastor--chefe, deveria proclamar a verdade doutrina do Batismo e defender a liberdade que cada pessoa recebe de Deus quando é batizada. Mas a Igre-

38 Ibid., pág. 28.39 Ibid., pág. 42.

Lutero

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ja está sufocada com leis sem fim, e o poder e a compreensão do Batismo são postos de lado, e a fé em Cristo é obstruída. Assim, “o papado é, de fato, o reino da Babilônia e o verda-deiro Anticristo”.40 A tirania papal obscureceu os sacramentos e opri-miu o Evangelho.

Diante deste quadro colocado por Lutero, a sua opinião não pode-ria ser diferente: “Ninguém é obri-gado a obedecer as ordenanças do papa, ou ser exigido a ouvi-lo, a não ser quando ensina o Evangelho de Cristo.”41

Em 1520, Lutero escreveu outro tratado: “A Liberdade de um Cris-tão”, publicado no começo de no-vembro. Diferentemente dos trata-dos anteriores deste ano, este possui um tom conciliatório. Todavia, tam-bém nele Lutero mostra oposição à Igreja Papal. Ele diz que a liberdade de um cristão não depende de um papa ou de qualquer outro superior da Igreja. A liberdade de um cristão é uma questão de fé em Jesus Cristo.

Finalmente, em dezembro de 1520 Lutero (e amigos) promove uma demonstração pública do seu relacionamento com a Igreja Papal: a queima da lei papal e da bula de excomunhão. Lutero justificou a sua

40 Ibid., pág. 72.41 Ibid., pág. 71.

ação no escrito “Porque os Livros do Papa e dos seus Discípulos foram Queimados pelo Doutor Martinho Lutero”, provavelmente publicado no final do mês.

Na “Declaração” deste escrito, Lutero deixa claro uma das suas ra-zões, dizendo que não teria feito algo desta natureza, se não tivesse experimentado e observado que o papa e seus seguidores fazem mais do que errar. Eles se mostram com-pletamente insensíveis ao seu erro e corrupção da alma; eles não querem ser ensinados ou guiados. Eles têm ouvidos fechados e olhos cegados e “destroem o ensino evangélico a fim de confirmar e preservar a sua dou-trina anticristã e satânica.”42

Em seguida, Lutero lista trinta artigos com erros existentes na lei canônica e nos livros papais — ra-zão porque eles são acertadamente queimados. Quase todos os artigos se referem ao papa (ou papado) e o seu presumido poder a autoridade.

Alguns dos erros colocados por Lutero são estes:

- Que o papa e seus homens não têm o compromisso de se su-jeitarem e serem obediente ao comando de Deus (# 1)

- Que o papa tem em seu cora-

42 LUTERO, AE, vol. 31, Carreer of the Re-former I, pág. 384.

Lutero

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ção total poder sobre todas as leis (# 5)

- Que após Deus, a salvação de todos os cristãos depende do papa (# 9)

- Que o Ofício das Chaves foi dado somente a Pedro (# 13)

- Que o papa tem poder para interpretar e ensinar a Santa Escritura de acordo com a sua própria vontade e não permi-te que alguém a interprete de maneira diferente do que ele (o papa) quer (# 29)

De acordo com Lutero, existem dois erros principais. O primeiro é que ninguém na terra pode julgar o papa, mas que ele pode julgar a to-dos. Se isto é verdadeiro, então Cris-to e sua Palavra são anulados. Mas isto não é verdadeiro e não pode ser mantido, pois é contrário à Palavra de Deus. Desta forma, este ensino precisa ser destruído e rejeitado, como uma coisa venenosa, pois dela todo o tipo de desgraça entrou no mundo.43

O segundo erro principal é que o papa não deriva autêntica existência, poder e dignidade da Escritura, mas ela dele (cf. o artigo 30). Isto é im-possível de ser crido, afirma Lutero. Se o governo do papa fosse derivado de Deus, não se veria tanta corrup-

43 Ibid., pág. 388.

ção, tanto pecado e um domínio po-deroso de um espírito mau. Nada, a não ser pecado e perdição entraram no mundo por intermédio do pa-pa.44

Lutero conclui este escrito como uma afirmação provocativa: “Estes artigos são apenas o começo de um lidar sério com questões relaciona-dos ao papa, pois até agora eu só brinquei com elas.”45

A queima da lei papal e da bula pode ser considerada como o rompi-mento total de Lutero com a Igreja Papal. Brecht diz que, a esta altura da vida do Reformador, ele abando-nou a atitude humilde em relação ao papa e não mais estava interessado em reconciliação com a Igreja Papal ou qualquer relacionamento com ela. O seu tempo sob o papado havia terminado e iniciado o tempo de ser contra ela.46

Assim, ao mesmo tempo em que Lutero estava aplicando uma nova compreensão do Evangelho, ele es-tava se libertando das amarras da Lei — e, para ele, a Igreja Papal era uma forma de lei. O ano de 1520 presenciou os últimos estágios deste processo, que pode ser resumido nas seguintes afirmações:

44 Ibid., pág. 393.45 Ibid., pág. 394.46 BRECHT, op. cit., pág. 423.

Lutero

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a) Lutero se convence que a luta era busca pela verdade do Evangelho, contra a tirania da “lei” (a Igreja Papal).

b) O “anticristianismo” do papa (papado) agora era evidente, mas não como um chamado para uma revolta total contra a Igreja Papal.

c) Em alguns momentos Lutero parece sugerir um rompimen-to total com a Igreja Papal, mas a visão de um papado re-formado não estava totalmen-te descartada.

d) Lutero caminha passos largos para de “libertar” da Igreja Pa-pal.

Parte 4: de 1521 a 1522

Como visto acima, o ano de 1520 marcou o ápice dos ataques de Lutero contra a Igreja Papal. É possí-vel se dizer que o ano de 1521 come-çou com uma clara indicação que o assunto “papado” estava concluído. Em síntese, havia sido estabelecido que o papa era o Anticristo, o filho do diabo, e que todas consequências disto eram evidentes. Os escritos subsequentes do Reformador acerca do tema seria, a rigor, apenas um re-conhecimento formal do fato.

Após a publicação da bula “Ex-

Lutero

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surge Domine”, emitida por Leão X em 15 de junho de 1520, Lutero es-creveu quatro “respostas” a ela. Uma delas apareceu em março de 1521 e foi intitulada “Defesa e Explanação de todos os Artigos do Dr. Marti-nho Lutero, que foi Injustamente Condenado pela Bula Romana”. Como o título indica, Lutero pre-tende estabelecer artigos que ele ha-via discutido anteriormente.

Na introdução, Lutero chama a Igreja Papal de “hipócrita”, “falsa”, e que os seus líderes são “tiranos da Cristandade”, “cegos”, etc. Ele tam-bém afirma que a Igreja Cristã foi durante muito tempo escondida debaixo de vestes sagradas, rituais, obras e leis humanas — ao ponto de ser ensinado que é possível ser salvo com a contribuição de dinheiro em lugar da fé.47 De outro lado, ele re-afirma que a Escritura é o único se-nhor e mestre de todos os escritos e de toda a doutrina. Ele pergunta: “Se isto não é garantido, para que serve a Escritura? O quanto mais a rejei-tamos, mais ficamos satisfeitos com livros e professores humanos.”48 Por fim, ele volta a sua esperança para um nova Igreja, na mal estes erros e abominações não mais existirão.

47 LUTERO, AE, V. 32, Career of the Refor-mer II. Forrell, George W., ed. Philadel-phia: Muhlenberg, 1957, pág. 7

48 Ibid., pág. 12.

Na Dieta de Worms (janeiro/junho de 1521), Lutero promulga o seu famoso e decisivo pronuncia-mento (em 18 de abril). Este a suas palavras estão as seguintes:

A não ser que eu seja conven-cido pelo testemunho das Escri-turas ou por uma razão clara (pois eu não confio no papa e nem apenas nos concílios, já que é bem conhecido que eles muitas vezes erraram e se con-tradisseram), sou fiel às Escri-turas que citei, e a minha cons-ciência que está presa à Palavra de Deus. Eu não posso e não irei me retratar de qualquer coisa... Não posso agir de outra maneira; aqui estou, que Deus me ajude. Amém.49

Cerca de dois meses após a Die-ta de Worms, Lutero escreveu uma extensa réplica chamada “Contra Latomus”.50 Neste escrito ele repete seus conceitos sobre a Igreja Papal e os explica com para direta e inci-sivas.51 A mesma reafirmação acon-tece em muitas cartas e sermões de Lutero. Um exemplo é encontrado no “Sermão Sobre os Três Tipos de

49 Ibid., pág. 113.50 Jacobus Latomus foi um teólogo católico

que procurou defender a Igreja Papal contra Lutero.

51 LUTERO, Ibid., págs. 135-260.

Lutero

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Vida”. Na conclusão, ele afirma que é culpa do papa que nas leis canônicas existem tantos preceitos sem valor, perigosos, que obscurecem a fé.52

É praticamente impossível en-contrar palavras novas de Lutero acerca da Igreja Papal em seus es-critos de 1522. A esta altura estava convicto de sua posição e repetia argumentos e afirmações semelhan-tes. O caso com a Igreja Papal ain-da não estava totalmente resolvido, mas o resultado final já era evidente: o surgimento de uma nova igreja. Por isso, era momento de começar a preparar o povo para novos tem-pos, para viverem como cristãos sem aquela Igreja.

Parte 5: de 1523 a 1546

Em seu tratado “Sobre o Mi-nistério”, escrito em 1523, Lutero fornece a sua definição sobre o que (como) leigos e pastores deveriam ser. Todavia, ele também fala sobre a Igreja Papal e concepção dela sobre o ministério pastoral.

Lutero usa palavras duras: os pa-pistas são “monstros”, “homens ím-pios”, “pestes”. Para ele, a Igreja Papal perpetua o seu ministério por meio do “indelible character” e desta for-

52 LUTERO, AE, vol. 44, op. cit., pág. 242.

ma estabelece a sua tirania. Ao usar este argumento, “nenhuma liberda-de é dada para escolher homens me-lhores, e somos forçados a suportar homens maus”.53

Lutero diz mais: que os papistas estão atados à cegueira, tanto que não reconhecem para o que ser-ve o ministério da Palavra e que as ordenanças papais não criaram sa-cerdotes de Deus, mas do diabo.54 Enquanto se mantiverem assim, não podem perdoar ou reter pecados. Eles fecham o céu e abrem o infer-no, para eles e para os seus seguido-res. Eles desprezam o Evangelho e exaltam as suas próprias tradições. “Eles perderam a autoridade e o uso (do Ofício) das Chaves por causa de abuso perverso e ímpio.”55

Lutero retoma o assunto em seus escritos “Contra os Profetas Celestiais na Questão de Imagens e Sacramentos (1525), “Instruções aos Visitadores” (1528) e em outros escritos. Mas é em seu tratado “As

53 LUTERO, AE, vol. 40. Church and Minis-try II. Bergendoff, Conrad, ed. Philadel-phia: Muhlenberg, 1958, págs 10, 11. Lutero fala da ordenação ao sacerdó-cio, quando pretensamente o candidato recebia este “caráter sem mácula”. Ou seja, agindo certo ou errado, o caráter se mantém. Daí a crítica da obrigação de se suportar sacerdotes “maus”.

54 Ibid., pág. 15. Ver também a pág. 31.55 Ibid., pág. 325.

Lutero

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Chaves”, de 1530, que ele novamen-te fala com ais energia contra a Igreja Papal e seus abusos.

A doutrina do Ofício das Chaves praticada pela Igreja Papal, ele afir-ma, é uma interpretação insolente da Palavra de Deus. Na verdade, ela tem a sua origem nos “sonhos bêba-dos” dos papistas. O papa não quer que consciências sejam livres, mas presas, privadas da sua liberdade. Por causa disto, a Igreja tem sofrido per-da física e espiritual — pois o papa e seus papistas, com as suas ações — tomaram conta do corpo e da alma, a propriedade e da honra. E mais: “Eles decidiram que ele [o papa] é o vigário de Deus na terra e um Deus terreno — uma fusão de elementos divinos com humanos...”56

A conclusão de Lutero sobre o que a Igreja Papal “é” ou “não é” pode ser encontradas nestas pala-vras:

Que tipo de igreja é a do papa? É uma igreja incerta, vacilan-te, cambaleante. Com certeza, é uma igreja enganosa, menti-rosa... sem a Palavra de Deus. Pois o papa, com as suas Cha-ves erradas, ensina a sua igre-ja a ter dúvida e incerteza. Se é uma igreja vacilante, então não é a igreja da fé... Se não é a

56 Ibid., pág. 353.

igreja da fé, então não é a Igre-ja Cristã, mas precisa ser não cristã, anticristã, e igreja sem fé, que destrói e arruína a real, santa Igreja Cristã.57

Pensamentos similares são en-contrados no escrito “A Missa Pri-vada e a Consagração de Sacerdote”, escrito em 1533.

Em 1539, Lutero escreveu o tra-tado “Sobre os Concílios”. Apesar de fato da situação histórica deste ano ser sensivelmente diferente daquela do início da década de 1520, o con-ceito de Lutero sobre a Igreja Papal não havia mudado muito. A princi-pal diferença é que nestes vinte anos ele havia estudo bastante a história da Igreja. Por esta razão, ele é capaz de discutir a autoridade dos concí-lios (especialmente na primeira e se-gunda partes do tratado) com muito mais argumentos do que antes. A sua conclusão é que eles não podem ser considerados como a norma pela qual a Igreja de Deus deve ser julga-da; eles não podem criar novos arti-gos de fé. Na última parte, ele trata da doutrina da Igreja, e conclui: a Igreja é formada pelo povo de Deus e ela não tem espaço para o papado.58

57 Ibid., pág. 348, 340.58 LUTERO, AE, vol 41, Church and Minis-

try III. Gritsch, Eric W., ed. Philadelphia: Fortress Press, 1966m, págs. 150, 151.

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O tratado “Contra o Papado Romano”, escrito em 1545, alguns meses antes da morte de Lutero

(ele morreu em 18 de fevereiro de 1546), pode ser considerado o seu escrito polêmico mais amargo. Ele

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não coloca conceitos novos sobre o assunto, mas o seu tom é mais duro até então. O contexto do tratado é a disputa entre o papa Paulo III e o imperador Carlos V.

Lutero introduz o escrito cha-mando o papa de “O Pai Mais Infer-nal”,. “esta abominável abominação em Roma”, “Sua Infernalidade”, “dia-bo miserável”, etc.59 — o que dá uma ideia adequada sobre o seu tom no tratado.

Um pouco mais tarde no texto, ele admite que está usando palavras “insultantes, injuriosas, fedorentas” conta o papa. Tais palavras, todavia, ele diz, foram necessárias porque nenhuma pessoa pode acreditar que tipo de abominação o papado é; o papa é “maldito Anticristo”.60 Além disto, ele pergunta: “Eu, como cris-tão não deveria ser... impaciente, irritado e intolerante... já que ele [o papa] não tem vergonha de blasfe-mar o nosso Senhor da forma mais abominável e transformar as pro-messas dele em mentiras?”61 De ou-tro lado, Lutero estava confiante de que Cristo iria perdoá-lo: “... eu ex-presso a minha grande angústia com palavras deselegantes; meu Senhor Jesus Cristo, por causa de quem eu

59 Ibid., págs. 263, 264.60 Ibid., pág. 274.61 Ibid., pág. 331.

faço e digo tudo, irá me perdoar.”62

A rejeição de Lutero ao papado não foi uma “causa” da sua juventu-de; ela persistiu até os últimos mo-mentos da sua vida. Em seu último sermão, pregado em 15 de fevereiro de 1546, três dias antes da sua mor-te, é possível ler palavras que, de certa forma, recuperam e concluem mais de 25 anos de sua história:

Quando Cristo estabeleceu e institui o ministério (Predig-tant) e o sacramento do seu cor-po e sangue que cristãos deve-riam utilizar para fortalecer a sua fé, o papa gritou: não, não deve ser assim!... Para os seus decretos não é bom que o sacra-mento devesse ser ministrado para o fortalecimento da fé dos cristãos, mas quando os sacer-dotes leem a missa para os vivos e os mortos, ela precisa ser um sacrifício... Do mesmo modo, o fato de que Deus instituiu o Batismo é uma coisa insignifi-cante para o papa...63

Conclusão

O desenvolvimento da concep-

62 Ibid., pág. 350.63 LUTERO, AE, vol. 51., Sermons I. Dobers-

tein, John W. Philadelphia: Muhlenber, 1959, págs. 384, 385.

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ção de Martinho Lutero acerca da Igreja Papal tem muito mais elemen-tos do que os que foram apresenta-dos neste trabalho. Uma investiga-ção mais detalhada da sua teologia da Igreja, do ministério, dos sacra-mentos, do contexto histórico, etc., é necessária para uma compreensão mais adequada do tópico.

Nesta pesquisa, o objetivo foi fazer um rápido levantamento do assunto em termos cronológicos. Foi visto que a atitude de Lutero em relação à Igreja Papal passou por vá-

rios estágios: de uma ambivalência inicial para protesto, oposição, desa-fio e ruptura.

Cada um destes estágios revela Lutero avaliando a sua Igreja e apri-morando seus critérios em um cres-cente uso das Escrituras. Quanto mais clara foi ficando a sua compre-ensão da Palavra acerca de diferentes doutrinas, mais forte a sua oposição e ataque.Rev. Dieter Joel Jagnow é jornalista e pastor da Igreja

Evangélica Luterana do Brasil em Ribeirão Preto-SP, além de participar da equipe editorial da Revista.

Teologia.

BibliografiaFRECHT, Martim. Martin Luther — His Road to Reformation (1483-1521). Trad.

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Lutero

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Analisar Lutero dentro do seu contexto social, econômico e

eclesiástico é um desafio para os te-ólogos e historiadores de todos os tempos, especialmente por se tra-tar de alguém que tanto contribuiu para a sociedade, desencadeando todo um processo de mudanças an-tes não visto. O objetivo em questão é tirar conclusões das consequências práticas da Reforma, ressaltando o compromisso de Lutero com o ser humano. Exponho, de forma sucin-ta, a sua influência sobre a socieda-

de, querendo, com isso, estimular a todos ao aprofundamento das ques-tões.

Contexto

Do ponto de vista da Igreja ca-tólica, as mudanças de caráter social, econômico e cultural que ocorreram a partir do século XIV, marcando o fim da Idade Média e o nascimen-to do mundo moderno ocidental, provocaram uma crise muito forte na instituição eclesiástica e na vivência da fé católica. Diversos grupos passaram a solici-tar reformas urgentes e a protestar contra a lentidão e a dificuldade da igreja em adaptar-se aos novos tempos. Dessas divergências resul-tou a cisão no seio da Igreja Católica e o surgimento das de-

LuteroRev. Waldyr Hoffmann

e o seu compromisso com o ser humano

Lutero

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nominações protestantes.A figura do monge católico

Martinho Lutero é exemplar a esse respeito. Diante da emergência pro-gressiva dos idiomas modernos, Lu-tero apregoava a necessidade de que o culto fosse celebrado em língua ver-nácula, a fim de diminuir a distância que se interpunha entre o clero e o povo. Desejoso de que os cristãos de sua pátria tivessem acesso às fontes religiosas da fé, traduziu a Bíblia para o alemão. Nessa mesma pers-pectiva, proclamou a necessidade de adotar para os clérigos os trajes da so-ciedade em que viviam e contestou a necessidade do celibato eclesiástico. As diversas denominações protestantes surgidas nesse período, como o lute-ranisno na Alemanha, o calvinismo na Suíça e o anglicanismo na Ingla-terra difundiram-se rapidamente em

vista de sua maior capacidade de

adaptação aos valores da emergente sociedade burguesa.A profunda vinculação da igreja

romana com o poder político, a par-tir de Constantino, e a progressiva participação da hierarquia eclesiásti-ca na nobreza ao longo da Idade Mé-dia fizeram com que os adeptos da fé

católica tivessem dificuldades muito grandes para

aderir à evolução

da sociedade europeia. A Igreja Ca-tólica reagiu de forma conservadora não só às novas perspectivas cultu-rais, como também às reformas pro-postas por Lutero. A expressão mais forte dessa reação antiburguesa e an-tiprotestante foi o Concílio de Tren-to, realizado em meados do século XVI. Em oposição ao movimento protestante que defendia a adoção da língua vernácula no culto, os padres conciliares decidiram-se pela manutenção do latim. Acentuou-se o poder clerical na estrutura da igreja e o celibato sacerdotal foi reafirmado. Diante da popularização da leitura bíblica promovida por Lutero, a hie-rarquia católica recomendou a di-vulgação de catecismos com resumo das verdades da fé.

Na visão protestante percebemos que os problemas eram diver-sos, não foi muito dife-rente da nossa época:

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• Asituaçãodoscristãossobaautoridadedopapadoiasetornandocadavez mais sombria.

• Haviaabandonoespiritualdopovo;• Nãotinhamescolas,nemlivrosenemBíblia;• Conhecimentocristãoeracoisarara—emconsequência,aignorância

ia aumentando;• Odiabosemeia joionomeiodotrigo.Comisso,doutrinaserrôneas

vão surgindo, como por exemplo:a) Purgatório — imaginavam que o papa e a igreja pudessem amenizar a

situação rezando missas com mais assiduidade. Quem tivesse muito dinheiro, não ficaria muito tempo no purgatório;

b) Transustanciação — Transformação da substância. A ceia era oferecida sob uma única espécie, o pão.

c) Indulgências — os papas ensinavam que possuíam tesouros de Deus e que poderiam dispor dos mesmos para perdão de vivos e mortos, bastando que dessem dinheiro em troca; além disso, imagens, esculturas, etc. eram colocados para veneração e adoração.

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Ainda, o papa “arroga a si, além disso, a autoridade de fazer leis con-cernentes a cultos, a mudança de sacramentos, a doutrina, e quer que seus artigos, seus decretos, suas leis sejam havidos por artigos de fé ou mandamentos de Deus que obri-guem as consciências, porque se atribui poder de direito divino; quer até que seu poder seja preferido aos mandamentos de Deus” (Trat. Po-der e primado do papa, 6).

Além disso, podemos destacar outros aspectos relevantes, dentro de uma visão histórica: A situação da Europa no final do sec. XV era deplorável. Havia muita corrup-ção moral de toda a parte. Ainda

estavam sentindo os efeitos da Pes-te Negra. Esta peste matou muitos monges. Isto contribuiu para a situ-ação moral. Ela começou com o re-nascimento do comércio. Entraram em contato com outros povos. Che-garam até o Mar Negro. Ali tinha a peste, transmitida por ratos. Os na-vios ficavam ancorados em portos da Europa e ali eram procriados. Ela atingia geralmente os mais jovens e crianças. Além disso o concubinato era generalizado. Os bispados eram distribuídos entre os nobres. Havia um repúdio à literatura cristã. Na prática a Europa nunca fora cristã. Se clamava por reforma. Na Alemanha as massas eram religiosas. Havia pre-

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ocupação com a morte. É uma época do aparecimento da civilização oci-dental moderna. Na política há uma modernização. Os reis estavam au-mentando o seu poder. Eram aliados aos capitalistas nobres. No aspecto social há uma ascensão da burgue-sia. O Humanismo trouxe uma nova visão. Não é mais visão teocêntrica, mas, sim, antropocêntrica. Estava em voga, também, o renascimento.

Podemos dizer, então, que o povo cada vez mais era iludido. Suas cons-ciências eram martirizadas. Alguns precursores da Reforma não tiveram êxito (Ex.: Huss).

Poderíamos resumir no que se-gue:

• Avançosdosturcos• Revoluçãosocial—campone-

ses• A cúria papal participava da

política internacional• PeríododaRenascença—Pe-

ríodo histórico-intelectual; Humanismo alemão.

O mundo eclesiástico:• Levavavidapiedosa• Cultivava-seasuperstição• Veneraçãoàsrelíquias• Romarias• Religiosidade exterior comfi-

nalidade meritória

Teologia de Lutero

Lutero faz sua interpretação te-ológica na ótica de Deus. Ele gover-na sobre tudo. Em sua opinião, o homem é uma “máscara” de Deus, pois a autoridade continua sendo de Deus. Dentro desta sua visão, esta-belece duas formas da ação de Deus: Reino da Esquerda e Reino da Direi-ta. Antes disso, ele salienta a implan-tação da consciência, a lei natural, no ser humano; independentemente se o ser humano quer fazer o certo ou não, a consciência continua existin-do, mesmo que seja distorcida por causa do pecado. O ser humano não está totalmente livre como gostaria de estar. As pessoas precisavam desta compreensão diante do contexto em que viviam.

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O cristão sabe que Deus resol-veu o seu problema. No regimento da mão direita, Deus providenciou todas as soluções: Ele envio Jesus para a sua salvação, com a sua morte e ressurreição (tomou sobre si nossa culpa), cria a fé (ES) e deu um espí-rito voluntário (Sl 51.12) para servi--lo como um agente no mundo. O ser humano é livre para servir a Deus em amor ao próximo. Portanto, neste regimento (mão direita) as coisas fi-caram perfeitas.

No regimento da mão esquerda, o cristão se encontra com o não cris-tão, mas o faz com o espírito volun-tário criado nele, pela fé. Lutero diz que devemos ser um Cristo para os outros. O serviço não será perfeito pois, apesar da transformação ocor-rida, o cristão continua sendo peca-dor. Mas, pelo fato de estar com o espírito voluntário, ele quer fazer a vontade do pai.

Sobre confissão, “os pregadores que ensinavam muito a respeito da confissão, não mencionaram sequer uma palavrinha concernente a estes pontos necessários, porém apenas martirizaram as consciências com longas enumerações de pecados, com satisfações, indulgências, roma-rias e coisas semelhantes” CA, XXV, 5.

Comunicade Cristã | Culto | Ensino

Comunidade cristã forte, em es-piritualidade mais próxima ao Evan-gelho. Para Lutero, as comunidades cristãs deveriam assumir uma vida de fé, uma teologia e uma espiritu-alidade mais próxima ao que propõe o Evangelho de Jesus.

As características de verdade e igreja para Lutero: Ele falava em 3: batismo, Ceia do Senhor e procla-mação da Palavra. Onde o Evange-lho é pregado, ali está a verdadeira igreja. A igreja consiste da comu-nhão dos santos, mas é formada pela Palavra e pelos Sacramentos.

A vasta literatura é um exemplo de sua denúncia contra o erro dou-trinário, praxis, etc, objetivando li-bertar o povo de falsas crenças, jugos papais, possibilitando-lhe a alegria de viver e anunciar a sua fé. Os hinos também são um reflexo disso.

Uma característica da reforma que a palavra seja colocada no cen-tro de tudo. Sua interpretação das Escrituras Sagradas consistia no gra-matical e histórico. Defendeu o di-reito da livre pesquisa na Escritura e, generalizando, da liberdade de opi-nião e pensamento. Pôs todo o cris-tianismo na dependência dos meios objetivos da graça.

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Liberdade Cristã (Livre Arbítrio)

Autonomia da razão e liberdade de consciência. Podemos dizer que Lutero era um batalhador pela auto-nomia da razão e advogado da liber-dade de consciência.

O conceito de liberdade vai além do âmbito espiritual; leva todos a refletirem sobre as questões sociais, libertando-se da opressão e da misé-ria; Alguns pesquisadores interpre-tam a liberdade não somente como liberdade do pecado e da morte, no âmbito da salvação. Afirmam que a liberdade obtida em Cristo tem con-sequências diretas tanto para a liber-tação do pecado e da morte de cada pessoa diante de Deus como a liber-tação da opressão, da miséria, etc.

Lutero teve o senso de liberdade em Cristo. 1Jo 5.10-12.

O grande rompimento com o humanismo se deu por causa de Erasmo, a respeito do livre arbítrio. Suas ideias não se cruzavam. Erasmo considerava a religião como algo hu-mano, como esforço humano, com obediência humana, como cumpri-mento do mandamento do amor ou como se o queira expressar, ao passo que Lutero considerava o cristianis-mo uma obra de Deus no homem. Estava em questão a justiça humana

e a divina. Na sua opinião, a respei-to do livre arbítrio, as ideias devem ser consideradas à luz de sua doutri-na da justificação. Contra Erasmo, 1525, Lutero escreve que “a que se refere à salvação ou bem-aventuran-ça eterna, o homem está completa-mente sem livre arbítrio; é qualidade inteiramente divina, que só pode ser atribuída a Deus”.

O significado singular de Lutero para a cristandade está primeiramen-te no aguçamento da consciência da verdade. Lutero ensinou ao indiví-duo a fazer valer exclusivamente a verdade em todos os assuntos de fé.

Igreja e EstadoLutero faz separação entre igre-

ja e estado possibilitando que cada um assuma as suas responsabilidades dentro de uma interação saudável (Igreja ora pelo estado; Estado man-tém a ordem e propicia o bem estar do cidadão, garantindo-lhe acesso ao emprego, etc.)

O episódio dos camponeses é um nítido exemplo de sua forma de lidar com a autoridade. Ele conside-rava algumas de suas reivindicações justas e legítimas; ao mesmo tempo, porém, mostrava-lhe o terrível pe-cado que estavam cometendo com a revolta. Ele disse: “O fato de a autoridade ser má e injusta não le-

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gitima nenhum tumulto e sedição. Não transformeis o nome de Cristo numa capa para o vosso intento im-paciente, belicoso e anticristão. Pois os cristãos não combatem em causa própria com a espada ou com arca-buzes, mas, isso sim, com a cruz e o sofrimento, da mesma forma como o seu chefe, Cristo, não carrega a es-pada, mas está pendurado na cruz”.

Três Ordens

A compreensão de Lutero, com a lei dos 10 mandamentos e visando o bem estar do ser humano, também perpassa pelas três ordens: econômi-ca ou da família; política e eclesiásti-ca. O ser humano está inserido em todas como pais, comerciantes, go-vernantes, governados, membros de igreja ou objeto de sua missão.

Para Lutero, aos pais era confe-rida a mais alta autoridade no mun-do. Jesus não nos deixou instruções específicas para as questões de eco-nomia e governo. Ainda, podemos cristianizar políticos e economistas, mas não a política e a economia.

Ordem Social

Lutero sugere mudanças na or-dem social:

• Educação — convidou magis-trados da cidade a abrir esco-

las, inclusive para as meninas, o que não era comum na épo-ca;

• Trabalho — valorizou o traba-lho. Entendeu que a dignidade de uma empregada doméstica é a mesma de um príncipe ou arcebispo; valorizou o traba-lho de campo, defendendo, inclusive a posse de terra para produzir benefício ao próxi-mo; advertiu contra os abusos nas questões trabalhistas

• Relações humanas — apela

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para o amor e equidade que devem prevalecer nas relações humanas; não aceita autono-

mia do poder do dinheiro em economia ou auto-

nomia maquiavélica na política. Apelou para uma justiça social e política numa comu-nidade de lei e de or-dem, desautorizando qualquer luta de clas-ses que se alinhava já na época, incentivada

por líderes religiosos extremistas; A vida éti-

ca resulta da fé ativa no amor, que precisa afirmar-

-se sempre de novo num mun-do imperfeito e agressivo, onde o cristão também ainda é chamado para a cruz junto com toda a sociedade humana.

• Arte — preservação da músi-ca, arte e escultura na vida cul-tural da igreja;

• Matrimônio — liberdade de casamento, inclusive dos sa-cerdotes, monges e freiras. A vida matrimonial foi para Lu-tero uma dádiva de Deus. A vida em família foi para ele um espaço de realização plena da pessoa humana. Não admitia o sexo livre. Lutero foi um corre-

to pai de família. Poderíamos criticá-lo por sua liberalidade e generosidade em questões fi-nanceiras, com que ele ia além das suas possibilidades.

• Política — lutou pela partici-pação do cristão em governo local. Defendeu o direito do governo implantar a pena de morte, por entender que o go-verno foi chamado por Deus para representá-lo neste mun-do e exerceu a justiça. Defen-deu a carreira militar como le-gítima para os cristãos, dentro dos parâmetros da limitação da guerra necessária.

• Obras sociais — ajudou a criar um caixa de auxílio pessoal, para empréstimos e fundos para educação e também para acabar com a mendicância;

• Econômica — condena a usura e juros abusivos;

• Meio social, imprensa e audiên-cia — A Reforma foi o primei-ro grande movimento social a contar para a sua propagação com um novo meio técnico: a palavra escrita. Aproveitando as circunstâncias do extraor-dinário desenvolvimento da imprensa desde meados do século XV e que aumentou o número de obras em circu-

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Lutero

lação de algumas dezenas de milhares de manuscritos para alguns milhões de livros e pan-fletos, Lutero chegou a atingir um quase monopólio das ca-sas editoras alemãs ocupadas em imprimir os seus sermões, panfletos, as cartas e a tradu-ção da Bíblia. Em segundo lugar, a Reforma é alimentada por um novo e grande público de professores e alunos. Entre 1385 (Heidelberg) e 1502 (Wittenberg) são fundadas na Alemanha 15 novas universi-dades. Em Wittenberg junta--se o trio formado por Lutero, Melanchton e Carlstadt. Ao serem nomeados professores, o primeiro tem menos de 30

anos, o segundo tem 21 anos (1518). E o monge de Witten-berg será o epicentro da Refor-ma, esse vasto movimento da consciência europeia que co-meça com atos e não com dou-trinas e cujo curso é em grande parte determinado pela intera-ção entre a situação histórica a personalidade de um homem.

Mensagens para os dias atuais

Qual seria a grande mensagem de Lutero para nós, cristãos do sécu-lo XXI, que vivemos num contexto onde miséria e luxo andam lado a lado (Ex.: favelas; crianças abando-nadas nos semáforos, etc.)?

Se Lutero estivesse vivo hoje, com certeza, pregaria contra as altas taxas de juros, desemprego, corrup-ção, nova moralidade, etc.

“A contribuição de Lutero à Re-forma Protestante constitui a base par todo o desenvolvimento da teo-logia evangélica luterana. Além dis-so, seus escritos, em grau maior ou menor, serviram diretamente de fon-te de inspiração para o pensamento teológico e para a pregação da pala-vra em todas as épocas subsequentes à era da Reforma” (Häglund, p. 179)Rev. Waldyr Hoffmann — Joinville-SC, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, co-editor desta Revista..

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Num encontro em Novo Ham-burgo da Associação de Diri-gentes Cristãos de Empresa,

o cirurgião cardiologista Fernando Lucchese defendeu com entusiasmo em sua palestra o acompanhamento religioso aos sofisticados meios de cura da Medicina. Embasado por pesquisas e estudos que comprovam os benefícios da fé tanto na preven-ção como no tratamento medicinal das doenças, me chamou a atenção uma frase do cardiologista: “Até agora não conheci nenhum ateu na hora da morte”. Fico pensando ago-ra em outro Fernando, o Veríssimo, que graças a Deus (sem colocar o nome Dele em vão) está melhoran-do. O famoso escritor nunca escon-deu suas dificuldades no assunto “fé”. Com seu característico humor, confidenciou numa crônica: “Só acredito naquilo que posso tocar. Não acredito, por exemplo, em Lui-za Brunet”. Em outra, admitiu: “Devo ter deixado minha fé no bolso da fa-

tiota azul, de calças curtas, com que fiz minha primeira comunhão”. No entanto, sem entrar no velho ranço de crentes versus ateístas, é opor-tuno observar que fé segundo a Bí-blia não é acreditar que Deus existe. Após advertir que a fé necessaria-mente vem acompanhada de obras no amor — a justa crítica dos ateus aos “cristãos” — o apóstolo Tiago escreve no tom sutil do Veríssimo: “Você crê que há somente um Deus? Ótimo! Os demônios também creem e tremem de medo” (2.19). Paulo vai mais longe e diz que fé não é fru-to humano, “mas um presente dado por Deus” (Ef 2.8). Por isto, nada re-solve dobrar um ateu sobre a rea-lidade de um Criador. Assim como nada adianta convencer uma pessoa doente sobre a existência de um bom médico, enquanto não confiar nele e marcar uma consulta. Foi isto que Jesus disse a Nicodemos, um religio-so que acreditava, mas não tinha fé: “Quem não crê já está julgado por-

que não crê no Filho único de Deus” (Jo 3.18). Por isto, quan-do está provado que mente saudável tem corpo saudável, agora os médicos confirmam: espírito saudável tem mente e corpo saudáveis.

Rev. Marcos Schmidt — Novo Hamburgo, é pastor da Igreja Evangélica Luterana do

Brasil

Deus existe! E daí?Rev. Marcos Schmidt

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O direito de todos os cristãos no serviço da Igreja

Rev. Martinho RenneckeServiço CriStão

Os grandes pilares da tradição histórica do luteranismo são

o Batismo Infantil, a Santa Ceia e o sacerdócio geral de todos os crentes. Estes deveriam ser os motores da ação da Igreja, na sua participação na missão de Deus ao mundo.

No entanto, a Santa Ceia, tem sido praticada muitas vezes de forma ritualística, exclusivista e individual, na busca apenas do benefício pes-soal, perdendo seus efeitos no con-texto e sua forte ênfase e influência comunitária. Como sinal concreto do amor e da presença de Deus, acei-tando e servindo seu povo, a Ceia deveria empurrar para fora dos mu-ros do templo estas pessoas aceitas e amadas por Deus para que amassem, aceitassem e servissem, em nome de

Deus, aos que carecem do consolo e da vida plena.

O Batismo também além de in-cluir as pessoas no Reino de Deus, acrescenta dons e virtudes, especial-mente fornecidas pelo Espírito de Deus, que capacitam cada cristão a se envolver completamente na ação da Igreja em prol do mundo, pelo qual Jesus Cristo morreu e ressus-citou. Ele não deveria ser apenas um papel amarelado pendurado na parede ou guardado num baú. Não deveria ser apenas motivo para uma festa especial com a presença dos pa-drinhos, na intenção de lembrá-los dos presentes anuais de aniversario. Muitas vezes parece que na Igreja o Batismo vai ate ai.

Da mesma forma o sacerdócio

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Serviço CriStão

geral de todos os crentes tem sofrido inúmeras distorções a ponto de cau-sar inseguranças nos cristãos leigos e temores infundados nos pastores. Diante destas incertezas, o desen-rolar das ações advindas desta força adormecida, ficam estáticas; acabam desestimulando os cristãos leigos e sobrecarregando os pastores; impe-dem desta maneira, a tarefa e o cha-mado da Igreja ao mundo, ficando suas atividades até precariamente restritas às atividades de manuten-ção da própria comunidade cristã. Um pastor pode sozinho pregar para milhares de pessoas, mas não pode amá-las e ajudá-las em suas necessidades integrais sem que te-nha junto de si, as suas ovelhas a lhe acompanhar.

Na mesa do Senhor, todos são iguais. A consolação fraterna, o amor ao próximo, são tarefas de cada um e não de um especialista ou téc-nico no assunto. O pastor tem a fun-ção de organizar, orientar, equipar os ‘santos’ para o seu serviço.

Deus se revela ao mundo para erguê-lo, consolá-lo e renová-lo; e para esta tarefa chamou para fora um povo de sua exclusiva proprieda-de, oriundo de todas as tribos, raças e nações: a Igreja. É o sacerdócio ge-ral de todos os crentes que não tem encontrado seu espaço, em parte de-vido a um despreparo teológico dos pastores nesta área, gerando assim um conflito entre as duas partes.

Algumas obras de Martinho Lu-tero, escritas em 1520, antes de sua

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excomunhão, trarão uma nova luz sobre este tema, como ressalta o ex--presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IE-CLB), Dr. Gottfried Brakemeier Brakemeier: “De fato, Lutero não se cansou de insistir ser a divulgação do evangelho atribuição de toda pessoa batizada. O mandato missionário está implícito no sacerdócio de todos os crentes. Cristãos são mensageiros de Deus, incumbidos de testemunhar, ensinar e espalhar a boa-nova”.1

David J. Bosch, professor de missio-logia na África do Sul, em sua magistral obra Missão Transformadora : Mudan-ças de Paradigma na Teologia da Missão aponta possíveis causas históricas desta dicotomia entre cristãos leigos e pasto-res. William E. Hulme, teólogo lutera-no e psiquiatra, em sua obra Dinâmica da Santificação, identifica algumas cau-sas filosóficas e teológicas desta disten-são. Alguns artigos de Lothar Carlos Hoch, renomado teólogo luterano da área da Teologia Prática e alguns pon-tos de Howard J. Clinebell, conselheiro pastoral, falecido em 13 de abril 2005, que criou em 1957, um centro de acon-selhamento pastoral na Primeira Igreja Metodista Unida, em Pasadena, Cali-fórnia, mostrarão a busca de equilíbrio entre a tarefa do pastor e dos cristãos leigos, na perspectiva da comunidade

1 Gottfried BRAKEMEIER, Mercado religioso e religião de mercado, p. 66.

terapêutica voltada ao mundo em suas crises.

O sacerdócio geral de todos os crentes

O impulso e o desejo de servir ao próximo gerado no Batismo, pelo Espírito de Deus, presente numa co-munidade terapêutica, tem um canal de expressão que é a função de sacer-dote, de intermediador das bênçãos de Deus, através dos dons que cada um recebe em seu batismo. Neste sentido o sacerdócio é geral e não específico de uma classe de pessoas; porém tem havido crises e conflitos nestas funções e ações entre o sacer-dócio geral de todos os crentes e o ministério pastoral. Muitas incerte-zas e inseguranças pairam na men-te do povo laico sobre este assunto, trazendo dubiedades evidentes na prática de sua vocação sacerdotal e mediadora.

Alguns textos magnos de Lute-ro lançam luz sobre o tema do sa-cerdócio geral que hoje ainda está ofuscado. O papel dos sacerdotes reais dentro e fora da comunidade fraternal, renova a reflexão teológi-ca, inculturando o evangelho à luz das práticas diárias; nesta ação está o lugar do ‘fazer teológico’, pois nesta comunhão e o consolo fraternal está

Serviço CriStão

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presente o fermento que faz brotar uma sempre nova revelação da ação de Deus, na vida de cada ser huma-no. Poder-se-ia dizer que cada um é um ponto de encontro entre Deus e o próximo. E nesta série de encon-tros que inculturam o evangelho, Deus se revela, aceita, perdoa, ajuda e consola.

Algumas jóias das obras de Lu-tero escritas em 1520 trazem desta-ques a este tema do sacerdócio geral de todos os crentes, a ponto de te-rem abalado os poderes de Roma; acabaram levando à excomunhão, em 3 de janeiro de 1521, este ho-mem que estava mudando o centro de ação da Igreja, do clero para o povo. Por si só suas palavras ecoam ainda hoje, e muitas vezes não são compreendidas ou aceitas por parte daqueles que ainda pretendem deter o poder sobre as consciências e ações do povo de Deus.

Em sua obra À Nobreza Cristã da Nação Alemã, acerca da Melho-ria do Estamento Cristão, Lutero lembra os nobres de seus deveres pessoais como cristãos conscientes e membros da Igreja, chamados a tomar a iniciativa devido à omissão da hierarquia. Especialmente na pri-meira parte, ataca violentamente a Cúria e as ‘doutrinas’ fundantes da ordem eclesiástica, social e política

da Idade Média. Afirma a igualdade de todos os cristãos diante de Deus (o sacerdócio geral de todos os cren-tes), a liberdade da palavra de Deus testemunhada na Bíblia e a co-res-ponsabilidade de todos os cristãos pela Igreja, negando os privilégios da classe dos clérigos e do papado:

Passou-se o tempo de calar, che-gou o tempo de falar, como diz Eclesiastes (Ec 3.7).De acordo com nosso propósito, reuni al-gumas propostas para a melho-ria do estamento cristão, para apresentá-las à nobreza cristã da nação alemã, caso Deus queira ajudar à sua Igreja através dos leigos, uma vez que o clero, a quem isto caberia com mais razão, se descuidou [dis-so] por completo.2

Nesta carta, Lutero pinta o qua-dro dos temas como se fossem três muralhas com as quais os romanis-tas se circundaram e pede que Deus ajude e dê umas das trombetas com que foram derrubados os muros de Jericó.3

Atacando o primeiro muro Lute-ro combate a afirmação que somente

2 Martinho LUTERO, À Nobreza Cristã da Nação Alemã, acerca da Melhoria do Estamento Cristão, v. 2, p.279.

3 Ibid., p. 281.

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o papa, bispos, sacerdotes e monges sejam chamados de estamento espi-ritual, e que os príncipes, senhores, artesãos e agricultores fossem de es-tamento secular:

Mas que ninguém se intimide por causa disso, e pela seguin-te razão: todos os cristãos são verdadeiramente de estamento espiritual, e não há qualquer diferença entre eles a não ser exclusivamente por força do ofício, conforme Paulo diz em 1Co 12.12ss.: Todos somos um corpo, porém cada membro tem sua própria função, com a qual serve aos outros. Tudo isso se deve ao fato de que temos um Batismo, um Evangelho, uma fé e somos cristãos iguais, porque é só Batismo, Evange-lho e fé que tornam as pessoas espirituais e cristãs. (...) Assim pois todos nós somos ordenados sacerdotes através do Batismo, como diz São Pedro em 1Pe 2.9: “Vós sois um sacerdócio real e um reino sacerdotal”. (...) É por isto que, em caso de necessidade, cada um pode ba-tizar e absolver, o que não se-ria possível não fôssemos todos sacerdotes.4

4 Ibid., p. 282.

Sobre a segunda muralha, Lutero critica a práticas corrente que afir-mava que somente o clero era mes-tre exclusivo da Escritura e que se atrevia a atribuir exclusivamente a si próprio esta autoridade. Mostra que todos os cristãos têm o Espírito de Deus e podem julgar todas as coisas:

Também Cristo diz, em Jo 6.45, que todos os cristãos have-rão de ser instruídos por Deus. (...) E mesmo que aleguem que esse poder teria sido dado a

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São Pedro, quando lhe foram dadas as chaves (Mt 16.19), está suficientemente claro que as chaves foram dadas não ape-nas a São Pedro, mas a toda a comunidade (Mt 18.18). (...) Pensa, pois, tu mesmo: eles pre-cisam admitir que há cristãos retos entre nós, que têm a ver-dadeira fé, Espírito, compreen-são, palavra e conceito de Cris-to. (...) Onde fica a palavra de Paulo em 1Co 2.15: “Um ser

humano espiritual julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém”; e em 2Co 4.13: “Todos nós temos o mesmo Espírito da fé?” (...) Devemos, antes, julgar com coragem tudo que eles fazem ou deixam de fazer, conforme nossa compreensão crente da Escritura, e obrigá-los a seguir a compreensão melhor, e não sua própria.5

A última muralha, segundo Lute-ro, cairá por si mesma, ao caírem as primeiras duas. Todos os cristãos são responsáveis pela Igreja, onde cada membro cuida do outro, conforme Mt 18.15ss.: “Se teu irmão pecar con-tra ti, vai e dize-lhe entre ti e ele só. Se não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas. Se ele não as atender, dize-o à comunidade e, se não ouvir a comunidade, considera-o um gentio”.6

Outra grande obra de Lutero, neste mesmo ano, foi Do Cativeiro Babilônico da Igreja, que denuncia a negação do cálice aos leigos e a dou-trina da transubstanciação. Espe-cialmente no que diz respeito à Or-dem, Lutero lança mais luz sobre o sacerdócio geral de todos os crentes, quando critica a interpretação cor-

5 Ibid., p. 286,287.6 Ibid., p. 288.

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rente sobre o texto de Lucas 22.19, “Fazei isto em memória da mim”, como sendo um momento que Cris-to tivesse ordenado somente aos sa-cerdotes:

Certamente com este artifício se procurou criar uma semen-teira de implacável discórdia, para que os clérigos e os leigos sejam mais diferentes entre si que o céu e a terra, o que é uma ofensa inconcebível à graça batismal e traz confusão à co-munidade evangélica. Pois daí vem essa detestável tirania dos clérigos com relação aos leigos. (...) Não só crêem que são mais que os cristãos leigos, que são ungidos com o Espírito Santo, mas quase os consideram ca-chorros indignos de serem enu-merados juntamente com eles na Igreja. (...) Aqui desaparece a fraternidade cristã, aqui os pastores se transformam em lobos, os servos em tiranos, os eclesiásticos em mais que mun-danos.7

Mais adiante Lutero novamente ressalta a unção do Espírito que cada cristão possuiu que o capacita e é a liberdade e a glória da religião cristã:

7 Martinho LUTERO, Do Cativeiro Babilônico da Igreja, p.414.

Que, pois, permanece em vós que não haja em um leigo qualquer? A tonsura e a veste? (...) Ora, qualquer cristão está ungido com o óleo do Espírito Santo e santificado em corpo e alma e outrora tocava o sacra-mento com as mãos da mesma maneira que agora fazem os sacerdotes, (...) Esteja, pois, certo e reconheça qualquer um que se considere cristão: todos somos igualmente sacerdotes, isto é, temos o mesmo poder na Palavra e em qualquer sacra-mento.8

Por último, mas não menos im-portante, a obra mais popular e con-siderado o mais importante livro de Lutero, Da Liberdade Cristã, onde procura modificar o antigo conceito de um cristianismo passivo e con-templativo para uma religião ativa e realizadora no sentido social.

Ressalta que é impossível ter fé sem praticar boas obras, que são as-sim decorrências naturais e inevitá-veis da mesma. Ressalta novamente aqui a liberdade que todos os cris-tãos leigos têm por serem sacerdotes reais, dignos de comparecer perante Deus, orar e ensinar uns aos outros. Lutero conclui que Cristo obteve

8 Ibid., p. 417.

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as dignidades de rei e sacerdote por meio de sua primogenitura, assim podendo compartilhá-las e comuni-cá-las a qualquer de seus fiéis; ele usa aqui a figura do noivo e da noiva, no intercâmbio de bens:

A partir disso, em Cristo somos todos sacerdotes e reis os que cremos em Cristo, como diz 1Pe 2.9: “Vós sois geração elei-ta, povo adquirido, sacerdócio régio e reino sacerdotal, para narrar as virtudes daquele que vos chamou das trevas para sua maravilhosa luz.” (...) E não somos apenas os mais livres reis, mas também sacerdotes em eternidade, o que é bem mais excelente do que ser rei, porque por meio do sacerdócio somos dignos de comparecer perante Deus, orar por outros e ensinarmos mutuamente sobre as coisas de Deus. (...) Agora, porém, esta administração vi-rou tal pompa de poder e terrí-vel tirania que nenhum poder dos gentios nem do mundo lhe pode ser comparado, como se os leigos fossem algo diferente de cristãos.9

Neste sentido, Juan J. Muller,

9 Martinho LUTERO,·Da Liberdade Cristã. , p.444-446.

missionário luterano, faz um desafio e entende que a Reforma deva conti-nuar hoje:

Os sacerdotes reais, que foram designados por vontade do Senhor, os que assumem sua condição de filhos de Deus, não desejam simplesmente ser como animais de engorda. Eles que-rem ser como verdadeiros atle-tas, que se preparam no seio de suas congregações ou aonde fo-rem enviados, para logo servir na harmonia do corpo, que é a igreja, de acordo com os dons e talentos com que têm sido abençoados.10

Breve história da marginalização dos cristãos leigos

Através dos tempos as atividades da igreja passaram por um processo de especialização, o que levou à eli-tização dos processos. Cada vez mais as tarefas se concentraram nas mãos dos pastores, por razões políticas, fi-losóficas, teológicas e históricas. De-turpou-se o papel dos cristãos leigos e dos pastores e o discurso do equilí-

10 Juan J. MÜLLER, Missão e contato com outras denominações cristãs, p. 88.

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brio entre as partes muitas vezes não se efetivou na prática.

O mundo que viu surgir a igreja cristã estava familiarizado com clas-ses sacerdotais. Os judeus tinham sacerdotes e sumo-sacerdotes. Os pagãos não eram em nada diferen-tes em suas religiões às deusas e deuses. O imperador era o pontífi-ce máximo. Para espanto de todos, a igreja cristã não tinha uma classe sacerdotal. Era, na sua origem, um movimento leigo. Tinha líderes, os presbíteros ou bispos, mas não tinha sacerdotes separados do povo. Cada um e todos eram sacerdotes. Não se conhecia a distinção entre clero e leigos, comum no judaísmo e pos-teriormente introduzida na igreja católica.

No cristianismo pré-niceno, pe-ríodo que vai de 100 a 325, ganha força e se estabelece a distinção entre um corpo clerical e os leigos. Algu-mas tarefas foram consideradas san-tas ou demasiadamente espirituais para os cristãos em geral e, em razão disso, atribuídas somente ao clero.

Sob a influência do gnosticismo, muitos cristãos começaram a achar que o mundo material era mau; esta atitude foi reforçada pela divisão de alma e corpo, corrente na filoso-fia grega. Esta idéia da rejeição do mundo, acreditando que ele não

pertencia ao Deus Pai, fez com que a igreja se visse como uma comunida-de mediadora da eterna salvação aos indivíduos. Bosch diz que a igreja se confundia com o reino de Deus na terra: “tornou-se costume para a Igre-ja entender a si mesma como o efetivo reino de Deus na terra“.11

Escrevendo aos cristãos de Co-rinto, no final do primeiro século, Clemente estabelece um paralelo entre o ministério pastoral e o sacer-dócio levítico. No capítulo 40, ele diz assim:

Temos que realizar segundo a ordem tudo quanto o Senhor nos mandou cumprir nos tem-pos determinados: mandou--nos oferecer os sacrifícios e realizar o culto, não ao acaso ou sem ordem, mas em tem-pos e horas marcadas. Onde e por que ministros hão de ser feitos foi Ele quem o fixou por sua decisão altíssima... Os que por conseguinte fazem as suas oferendas em tempos deter-minados são-lhe agradáveis e abençoados, pois seguem as determinações do Senhor e não pecam. Pois ao sumo sacerdote foram confiadas funções parti-culares e aos sacerdotes um lu-gar próprio, aos levitas serviços

11 David J. BOSCH, op. cit., p. 560

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determinados; o leigo está liga-do pelas ordenações destinadas aos leigos.12

Aqui aparece o embrião da estru-turação hierárquica da igreja. Segun-do afirmação do Dr. Vilson Scholz, teólogo luterano e professor no Se-minário Concórdia no Brasil, em seu artigo A Igreja como Sacerdócio Real, naquele texto aparece, pela primeira vez na história da língua grega, a palavra leigo (laikós ánthro-pos), usada em contraste com sumo sacerdote, sacerdotes e levitas.13

Um fator historicamente im-portante foi a constantinização da Igreja. Quando a Igreja se aliou com a estrutura de poder do estado, sur-giu um novo relacionamento que suprimiu certas funções litúrgicas, especialmente as funções referentes à comunidade dos leigos.

A liturgia como função derivada do ato do culto, em sua atual forma esquelética e muda, também não oferece suficiente atividade partici-pativa para os membros crescerem na fé, aprendendo através da experi-ência.

Uma situação parecida deve ter influenciado a história do luteranis-mo brasileiro, segundo Lothar Car-

12 Apud Vilson SCHOLZ, A Igreja como Sacerdócio Real, p. 9, 10.

13 Ibid., p. 10.

los Hoch, renomado teólogo lute-rano da área da Teologia Prática, no seu artigo O Ministério dos Leigos: Genealogia de um Atrofiamento. Ele entende que o discurso teológico sobre sacerdócio geral não se efetiva na prática que é fortemente centrada na figura do pastor, devido à herança histórica do luteranismo do ‘senhor territorial’ especialmente na Prússia. Outrossim, supõe que a ênfase na es-trutura racional pode levar ao peri-go de querer se apropriar da salvação através do conhecimento de credos e doutrinas formuladas por especia-listas:

(...) ainda se define Igreja a partir de uma interpretação por demais estreita da CA VII, ou seja, como o lugar onde ‘se

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prega o evangelho de modo puro e onde se administra cor-retamente os sacramentos’. (...) investiu-se alto na sólida for-mação teológica dos pastores. Esta foi se tornando cada vez mais demorada, cara e especia-lizada, e, por conseguinte, mais distanciada dos membros. 14

Segundo a análise de Bosch, de-vido às heresias freqüentes nas igre-jas da época, o melhor antídoto era encorajar os crentes a seguir as di-retivas dos bispos, que eram vistos como os garantidores da tradição apostólica.15

Influenciada pelas filosofias an-tes citadas, uma classe especial de pessoas entendeu-se como dotadas de uma qualidade superior que lhes garantisse o exercício da autoridade eclesiástica. Segundo Hoch, o que sustentava esta hierarquia, que mo-nopolizava a interpretação da Es-critura, era a doutrina da sucessão apostólica, dando ao sacerdote um status especial, que o distinguia dos leigos.16

Para Bosch, o sacramento da or-denação trazia uma mística e onto-

14 Lothar C. HOCH, O Ministério dos Leigos: Genealogia de um Atrofiamento, p. 267.

15 David J. BOSCH, op. cit., p. 559.16 Lothar C. HOCH, op. cit., p. 260.

lógica mudança na alma do sacerdo-te: “sacramento das ordens sagradas’, que conferia ao ordenado o poder de representar sacramentalmente o sa-crifício de Cristo e promovia uma mu-dança mística e ontológica na alma do sacerdote”.17 Uma evidência des-te fato é que os leigos não podiam compartilhar o cálice na eucaristia e era condenado quem afirmava que o sacerdote podia voltar a ser leigo.

A espiritualidade também era vista como uma existência orientada em oposição ao material e corporal, o que reflete também a concepção católica tradicional. Na prática o cle-ro deveria distanciar-se do mundo, pois eles só poderiam viver exem-plarmente a sua vida religiosa em distância do mundo. Segundo essa concepção, o corpo, a ‘carne’, impe-de o espírito; quanto menos corpo-ralidade, tanto mais espiritualidade.

Durante séculos isso significava desistência da propriedade, renún-cia ao poder e luta contra a própria sexualidade, justamente esses três aspectos eram por assim dizer, os ba-luartes do mundo. Sendo assim, aos leigos não era concedida qualquer participação ou autoridade, nem em sentido poimênico-espiritual, nem em sentido jurídico.

Bosch vê nisto uma certa defesa

17 David J. BOSCH, op. cit., p. 559.

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de posto de privilégios da hierar-quia: “Há, por parte da hierarquia, uma certa apreensão quanto às conse-qüências de conceder um papel maior aos leigos, um receio de haver (...) ‘a redescoberta do elemento congregacio-nalista no catolicismo’”.18

Em 1563, o Concílio de Trento lançou um anátema sobre aqueles que afirmam que na Igreja Católi-ca não existe uma santa hierarquia, introduzida por ordenança divina, consistindo em bispos, presbíteros e diáconos. Entende que transtorna a hierarquia da igreja afirmar que todo os cristãos são por igual sacerdotes da nova aliança.

O Concílio Vaticano II na cons-tituição dogmática Lumen Gentium sobre a igreja, aprovada em novem-bro de 1964, começa falando do sa-cerdócio comum dos fiéis em termos bíblicos, no entanto no parágrafo 28, lê-se assim:

O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico ordenam-se um ao outro, embora se diferenciem na essência e não apenas em grau. Pois ambos participam, cada qual a seu modo, do único sacerdócio de Cristo. O sacer-dote ministerial, pelo poder sagrado de que goza, forma e

18 Ibid., p. 563.

rege o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico na pessoa de Cristo e o oferece a Deus em nome de todo o povo.19

O quarto capítulo da Lumen Gentium trata dos leigos e da sua re-lação com a hierarquia:

Como todos os cristãos, têm os leigos o direito de receber abundantemente de seus Pas-tores sacros os bens espirituais da Igreja, de modo especial o auxílio da Palavra de Deus e dos sacramentos. Manifestam aos pastores suas necessidades e seus desejos com aquela liber-dade e confiança que convém a filhos de Deus e irmãos em Cristo. Segundo sua ciência, competência e habilidade, têm o direito e por vezes até o dever de exprimir sua opinião sobre as coisas que se relacionam com o bem da Igreja. Isso se faça, se for o caso, através dos órgãos para tal estabelecidos pela Igre-ja, e sempre com veracidade, coragem e prudência, com re-verência e caridade para com os que em razão de seu múnus sagrados representam a pessoa de Cristo. 20

19 Apud Vilson SCHOLZ, op. cit., p. 14.

20 Ibid., p.15.

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Por um lado cristãos comuns e os espirituais do outro lado; uma ética inferior para os comuns e uma supe-rior aos religiosos, que lhes garantia mais segurança para alcançar a salva-ção. Muitos pastores estão bitolados a um sistema onde só eles falam e a comunidade tem que escutar calada, como diz Hoch “os homens na ad-ministração do dinheiro e dos bens da comunidade e as mulheres na cozinha e nos trabalhos manuais. Em muitas comunidades os leigos já se conside-ram altamente valorizados quando lhes é permitido ler a epístola no culto dominical”.21

Bosch vê certo recuo em Lutero a respeito desta matéria, quando hou-ve o ataque principalmente dos ana-batistas, centrou novamente a auto-ridade no pastor: “Lutero, com toda a certeza, rompeu com o paradigma dominante. Mas (...) sob o ataque dos anabatistas (...) e também dos católi-cos, voltou ao paradigma herdado”.22 Os anabatistas enfatizavam o sacer-dócio de todos os cristãos mais do que as igrejas confessionais.

Com o passar do tempo e o ad-vento da igreja estatal, o pastor pas-sou a ser funcionário público, agente do governo. Acentuou-se a distinção entre pastor e leigos. O pastor lute-

21 Lothar C. HOCH, op. cit., p. 268.22 David J. BOSCH, op. cit., p. 560.

rano tinha prestígio, não por causa do evangelho que pregava, mas por sua posição e sua condição de fun-cionário público. O pregador ana-batista ou de qualquer outra seita era desprezado, não por apresentar doutrina falsa, mas por não ter o re-conhecimento oficial.

Podemos concluir com Kent R. Hunter, teólogo luterano, quando escreve sobre Fundamentos para o Crescimento da Igreja, onde aponta um fator interessante para o suces-so das primeiras igrejas, que seria o número reduzido de pastores: “as igrejas primitivas prosperavam, não somente apesar de Paulo ter ido em-bora, mas talvez por causa disso. As pessoas eram forçadas a assumir, to-mar posse do ministério em suas pró-prias congregações”.23

Rev. Ms. Martinho Rennecke — Caxias do Sul--RS — é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, Coordenador do Projeto Macedônia, Consultor de Evangelismo da JELC — CxP 195, 95.001-970 ([email protected]).

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23 Kent R. HUNTER, Fundamentos para o Crescimento da Igreja., p.56.

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“Um sermão sobre o Santo, Venerabilíssimo Sacramento do Batismo”LUTERO, Martinho. Martinho Lutero – Obras Selecionadas, vol 1, São Leopol-

do/Porto Alegre, Sinodal/Concórdia, 1987, pp. 413-424

Nesta recensão, tentarei extrair do que li, um resumo bastante sintético dos pensamentos de Lutero sobre o Batismo. Juntamente com o resumo, acrescentarei meu ponto de vista. Faço isso porque acho que é a melhor for-ma de expressar o que penso, e solucionar alguma dúvida que se apresente.

Lutero começa explicando o sentido da palavra Batismo, que vem do gre-go Baptismo,j. Ele diz que nas palavras mersio, latim e Tauff1, no alemão, o real significado do batismo é mergulhar. Entrar na água. Baseando-se nisso, Lutero defende o batismo por imersão, para que o sinal fique mais claro.

Este sinal seria mais apropriado, já que o significado deste sinal é morrer, “afogar” o velho homem e renascer um novo homem.

Particularmente prefiro este batismo por imersão. Acho que é realmente a melhor forma de expressar todo o simbolismo que existe no ato de batizar. Alguns colegas com os quais conversei concordam comigo neste ponto.

No batismo estão reunidos o Sinal, o Significado e a Fé.O “Sinal consiste em mergulhar a pessoa na água em nome do Pai e do Filho

e do Espírito Santo. No entanto, não a deixamos dentro da água, mas a tira-mos novamente. Por isso utilizamos a expressão Tirada da água do Batismo. Portanto, o sinal deve conter ambas as partes: o colocar na água do Batismo e o tirar dela.”2

O Significado “é um morrer bem-aventurado do pecado e uma ressurreição na graça de Deus”3. Este significado não é completado nesta vida. O ato de batismal é apenas o marco inicial do plano de salvação de Deus. Plano que

1 A palavra Tauff, vem de Tieffe, que significa profundeza.2 Martinho Lutero, Obras Selecionadas, vol 1, p 415 § 2.3 Idem, Ibdem, p 415 § 3.

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BatismoRev. Jarbas Hoffimann

um sermão de Lutero

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se concretiza com a morte e posterior ressurreição do cristão batizado. Essa morte já não é mais uma desgraça, mas uma benção, já que o batizado que realmente levou a sério o seu voto firmado com Deus, morre para sua bem--aventurança. Completando assim, com sua ressurreição, o plano de Deus, que teve início no Batismo. A partir do Batismo somos separados de todos as outras pessoas não batizadas.

A fé pede “que creiamos firmemente que o sacramento não apenas significa a morte e ressurreição no último dia, pelas quais o ser humano é renovado para viver eternamente sem pecado, mas que também certamente inicia e opera isso e nos une com Deus, de forma que queiramos, até a nossa morte, matar o pecado e lutar contra ele; que creiamos firmemente que Deus, por sua vez, quer levar isso em conta e nos tratar graciosamente, não nos julgando com todo o rigor, pois não estamos sem pecado nesta vida, até que nos tornemos puros através da morte.”4

Resumindo, o batismo nos dá a capacidade de crer em Cristo. Nos capaci-ta a sermos salvos. Deste pondo em diante é necessário que vivamos lutando contra o pecado, que agora não é mais imputado a nós. Essa culpa nos foi

4 Idem, Ibdem, p 419 § 12.

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tirada por Cristo. Por isso, como somos pecadores perdoados não devemos perder nossa fé. Devemos sim, estar preparados para lutar sempre, e cada vez mais contra o pecado. Essa luta toma caráter muito conotativo. Cada um lutará a seu modo. Um pecado que para mim pode ser de fácil resistência, para outra pessoa pode ser uma desgraça. Então, cada ser deve saber lutar contra os seus pecados, resistindo firmemente em sua fé e afogando sempre o velho homem.

Por meio do Batismo somos “Sacramentalmente” puros, quer dizer, pelo Sacramento do Batismo somos justos e santos, mas enquanto não morrer-mos, não matamos definitivamente o pecado. Por isso, se não vivermos uma vida condizente com esta nossa atual situação, tentando sempre matar o pe-cado, levamos o batismo a uma aparente insignificância. De nada vale esse batismo. Por outro lado, enquanto creio que Deus não quer imputar a mim os meus pecados, o batismo está em vigor e os meus pecados estão perdo-ados.

Aqueles que tentam merecer a salvação por obras anulam o Batis-mo. Fazemos as boas obras não para sermos salvos, mas porque já estamos salvos. Por meio da morte de Cristo nossos pecados foram perdoados, e recebemos esse perdão no Batismo.

Não há consolo maior do que o Batismo. Por meio dele, nossos peca-dos são perdoados e recebemos con-dições de resistir, sempre que formos tentados.

O pacto batismal é a palavra de Deus visível. É uma forma que todos podem perceber. “Deus não quer tra-tar com nós homens de outra maneira senão mediante a sua palavra externa

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e pelos sacramentos.”5

O Batismo é necessário, e útil para a salvação, mas deve ser ministrado uma única vez. Nesta oportunidade recebemos a capacidade de crer em Cris-to como nosso único e suficiente Salvador e também recebemos o perdão de nossos pecados.

Este batismo não é como um automóvel, que quando acaba o combustível eu reabasteço-o e continuo meu caminho. Quando a fé está enfraquecida, não adianta rebatizar, reabastecê-la. Faz-se necessária uma vida cristã, matan-do a cada dia o pecado. Os meios que me foram dados para fortalecimento desta fé são a Palavra de Deus e a Santa Ceia. Estes são os meus combustíveis.Rev. Jarbas Hoffimann — Nova Venécia-ES, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, da qual é membro da

Comissão de Culto da IELB, diagramador e co-editor desta Revista

5 Idem, Ibdem, p 413.

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No tocante a esse livro, pode--se presumir que ao ser escrito

o autor, (Martinho Lutero), teve a preocupação de ajudar a Alemanha, que estava em uma situação difícil em relação a educação. Mas pode-mos tirar proveito desse livro para os dias de hoje, assim tornando esse livro bem atual.

Um ponto positivo do livro foi a parte em que Lutero frisou em que o abandono das escolas é feito pela tentação do diabo e que nós deve-mos combater o ataque silencioso do diabo, formando e auxiliando as escolas.

Outro relato importante do au-tor foi dizer que a educação é uma base de uma cidade bem adminis-trada (citando o exemplo de Roma) e que a responsabilidade de educar as crianças é dos pais e do governo, dando aos jovens um ensino de qua-lidade com leitura de bons livros, sem deixar de fora as línguas, prin-cipalmente para os que almejam o ministério.

Na Segunda parte do livro, onde Lutero diz que lugar de criança é na escola e incentiva os pais a fazerem isto, Lutero traz também sobre os pastores o desafio de eles se respon-sabilizarem pelo estudo das crianças, isso é bom, pois assim terá sempre uma renovação dos pastores e o mi-nistério não se acabará.

O autor incentiva os pais a man-darem seus filhos para o ministério, dando muitos elogios aos pastores. No meu modo de ver, por esta parte, esse livro deve ser lido pêlos alunos de Teologia, que serão ani-mados a exercer o mi-nistério. Também deve ser lido pêlos pais dos alunos de Teologia, que verão que fizeram a coisa certa ao consentir que seu filho saísse de casa para estudar no seminário e se

Educação e Reforma

Rev. Igor Marcelo SchreiberreCenSão

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tornar um pastor. E que os pais se alegrem pela obra maravilhosa que seu filho faz para Deus.

O único ponto que nos deixa em dúvida quanto ao pensamento de Lutero é no último parágrafo da página cento e dezoito, onde Lutero cita o purgatório, sendo ele não tão claro, para nós sabermos se ele acre-dita ou não no purgatório.

Muito importante foi a minibio-grafia no final do livro, pois ela é de suma importância para o leitor que não conhece o autor, assim o leitor pode ficar mais por dentro de quem é Lutero e o que ele fez.

Em suma, esse livro é de um con-

teúdo muito importante e que a lei-tura desse livro, por qualquer um, acarretará em um respeito maior à educação e à classe dos escritores.

Damos Graças a Deus por ter dado inteligência e capacidade a Martinho Lutero para escrever esse livro, porque o livro é de grande im-portância para nós futuros pastores, orientadores ou líderes da igreja.Rev. Igor Marcelo Schreiber — Uruguaiana-RS, pastor

da Igreja Evangélica Luterana do Brasil.

BibliografiaLUTERO, Martinho. Educação e Re-

forma. São Leopoldo: Concórdia & Sinodal, 2000.

reCenSão

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Deus trata e se revela ao ser hu-mano através da sua Palavra.

Nesta ele mostra como criou todas as coisas, inclusive o ser humano. Este, porém, desobedeceu a vontade manifesta do seu criador, que amo-rosamente deu-lhe tudo que precisa-va. A partir dali, todas as pessoas são imperfeitas e não mais conseguem obedecer a vontade de Deus, pelo contrário, cada vez mais se afastam dela.

Mas, apesar de tudo, por amor, Deus não desiste do ser humano, que pelo seu pecado está condenado a morte eterna. Além de prometer um Salvador, Deus também forne-ce para a humanidade diretrizes de conduta de como proceder para com Deus e para com o semelhante. Estas diretrizes são os Dez Mandamentos. Neles estão o que Deus exige do ser humano. Esta é a lei de Deus.

Esta lei impede que a sociedade

A Lei no 3º usoRev. André HönketeoLogia Luterana

Um estudo a partir do artigo 6 da Fórmula de Concórdia e a sua correta aplicação

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A Lei no 3º usoteoLogia Luterana

Um estudo a partir do artigo 6 da Fórmula de Concórdia e a sua correta aplicação

como um todo se transforme num caos; e contribui para que as pessoas vivam em paz e harmonia. Ao mos-trar para as pessoas a sua imperfeição também determina que ninguém pode cumprir a lei e salvar-se por suas próprias forças da condenação eterna. A lei também abre o cami-nho para o evangelho, que oferece e dá o perdão e a salvação a todos que crêem em Jesus Cristo como seu Salvador, pois ele cumpriu toda a lei perfeitamente no lugar da humani-dade. A lei ainda revela a sua utilida-de quando se transforma em norma de vida para aqueles que foram redi-midos por Jesus Cristo. Norma que é determinada pelo próprio Deus e não conforme a vontade do ser hu-mano.

A respeito deste último aspecto da lei de Deus — a lei como norma — é que queremos trabalhar nesta monografia. As Confissões Lutera-nas abordam este assunto no artigo VI da Fórmula de Concórdia sob o título: Do Terceiro Uso da Lei. Aí os

confessores lançaram as bases para a compreensão deste último aspecto no uso da lei. Contudo, como a lei pode ser compreendida e aplicada de modos diferentes e também ser confundida com o próprio evange-lho, cabe reexaminar o tema perma-nentemente.

A compreensão da lei no seu ter-ceiro uso é uma herança da Reforma Luterana. Serviu para sublinhar a necessidade da lei para orientação do povo de Deus em sua caminha-da de vida. Contudo, nota-se em alguns casos, também entre nós da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), que as pessoas são motiva-das a viverem pela lei, em vez de vive-rem uma vida santificada a partir do evangelho. Na prática pastoral tem--se visto que as pessoas e as lideran-ças esperam direcionamento da par-te do pastor. Esta expectativa, aliada a necessidade da busca de resultados concretos na instituição Igreja, tem propiciado a que a prática, ou a apli-cação da Palavra se faça marcada-mente pelo viés da lei suprimindo o evangelho. Pretendemos, na análise da disputa em torno deste tema du-rante a Reforma, reafirmar o correto uso da lei na vida do cristão pela qual se ressalta o evangelho de Cristo.

Primeiramente, faremos uma analise histórica de como surgiu a

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Fórmula de Concórdia e o seu arti-go VI, que aborda o terceiro uso da lei. No segundo capítulo veremos os três usos da lei separadamente, e também, seu papel na revelação de Deus ao ser humano. E, finalmente, vamos analisar se o terceiro uso da lei deve ou não ser aplicado aos cris-tãos e como aplica-lo corretamente.

1. 3º Uso da Lei: Contexto histórico

1.1 A Fórmula de Concórdia

Logo após a morte do reforma-dor Martinho Lutero1, uma série de controvérsias sobre a pura doutrina da Reforma ameaçava dividir os lu-teranos em dois partidos: o gnesio

1 Martinho Lutero nasceu no dia 10 de novembro de 1483, em Eislaben, na Turíngia — Alemanha. Em 17 de julho de 1505 Lutero ingressa no mosteiro agostiniano em Erfurt. Em outubro de 1512 ele alcança o grau de Doutor em Teologia. Insatisfeito com o abuso por parte de Roma sobre a venda de indul-gências, Lutero afixou 95 teses na porta da Catedral de Wittenberg, no dia 31 de outubro de 1517 — dia que marca a Reforma Luterana. Lutero morreu no dia 18 de fevereiro de 1546.

luterano2 e o filipista3. Além da for-te pressão por parte do catolicismo romano4 e calvinista5, também havia uma ruptura entre os luteranos6.

A respeito disto, para se ter uma ideia, escreve Werner K. Wadewitz:

Lutero faleceu no dia da Con-córdia, dia 18 de fevereiro de 1546. Com ele a paz e a con-córdia partiram do meio da Igreja Luterana. Logo após seu falecimento começou a dissen-são a sua atividade destrutiva. Os inimigos jubilavam; os pa-pistas cumulavam os evangéli-cos de zombaria; o papa e o im-perador juntaram suas forças para aniquilar os protestantes. As controvérsias internas leva-

2 Gnesio, do grego: autêntico, genuíno. Este grupo se pretendia defensor dos ensinamentos originais de Martinho Lu-tero, inicialmente liderado por Mathias Flacius.

3 Filipista, composto por seguidores de Felipe Melanchthon (1497-1560), que levaram a extremos as coisas discerni-das por seu mentor.

4 Principalmente com o movimento da contra-reforma, este visava acabar com o movimento da Reforma Luterana.

5 Movimento liderado por João Calvino (1509-1564). O criptocalvinismo faltou com a sinceridade, afirmando lealdade à ortodoxia, quando na verdade propa-gavam doutrinas estranhas.

6 LIVRO DE CONCÓRDIA. São Leopoldo e Porto Alegre, Sinodal e Concórdia, 5a edição, 1997, FC, Ep., introdução, p. 498.

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ram a Igreja Luterana às raias de um colapso completo. O cal-vinismo e o cripto-calvinismo invadiram os países luteranos, vindo a dominar até na pró-pria cidade de Wittenberg e no meio do corpo docente da uni-versidade.7

Havia um grande clamor dos fiéis e pastores diante da situação caótica. Desejavam unir as igrejas luteranas em torno de uma confissão comum. O trabalho realizado neste projeto, que foi apoiado por vários príncipes evangélicos (havia também implica-ções políticas nisso), levou à elabo-ração da assim chamada Fórmula de Concórdia.8

Esta, com base nas Confissões já existentes, ou seja, a Confissão de Augsburgo de 1530, teria que rea-firmar os ensinamentos destas Con-fissões; teria que retificar interpre-tações errôneas; e, sobretudo, teria que abordar os assuntos novos: as heresias que motivaram as contro-vérsias depois da morte de Lutero.9

7 WADEWITZ, Werner K. Controvérsias doutrinárias na Fórmula de Concórdia. Igreja Luterana, Porto Alegre, ano XX, número 1, p. 18., 1959.

8 HÄGGLUND, Bengt. História da teolo-gia. Porto Alegre: Concórdia, 5a. edição, p. 239.

9 GOERL, Otto A. Cremos por isso tam-bém falamos. Porto Alegre: Concórdia,

A primeira tentativa de reunifica-ção foi dada pelo Dr. Jacó Andreae,10 que em 1569 elaborou cinco artigos e os enviou a diversos teólogos para exame. Esta foi ampliada em 1573 no seu escrito Seis Sermões Cristãos, porém, teve que reconhecer que não eram apropriadas para servirem de confissão. Sem demora ele elaborou onze artigos, chamados Fórmula Su-ábia, que tiveram boa aceitação.11

Um novo trabalho sobre este do-cumento, por Martinho Chemnitz,12 à luz de anotações de faculdades e conferências teológicas e de teólo-gos individuais, resultou na Con-córdia Suábio-Saxônica (1575). No ano seguinte, Lucas Osiander e Bal-tasar Bidenbach foram encarregados de esboçar outro projeto, uma fór-mula mais breve. Esta foi examinada e aceita por seis teólogos, reunidos em Maulbronn e recebeu o nome de Fórmula de Maulbronn.13

1977, p. 35.10 Foi professor de Teologia e chanceler da

Universidade Tüngen. Tinha grande ca-pacidade diplomática, fez mais de 120 viagens por todas as cidades e universi-dades da Alemanha em prol da pacifi-cação.

11 GOERL, op. cit., p. 35.12 Grande Teólogo em Koenigsberg, Wit-

tenberg e Braunschweig. Era comum ouvir-se mais tarde que, sem o segundo Martinho, o primeiro Martinho (Lutero) não teria subsistido.

13 LIVRO DE CONCÓRDIA, op. cit., FC, Ep.,

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Numa conferência teológica convocada pelo Eleitor Augusto da Saxônia14 e realizada em Torgau em 1576, a Concórdia Suábio-Saxônica e a Fórmula de Maulbronn foram combinadas no assim chamado Li-vro de Torgau, que foi enviado à vá-rias igrejas regionais para ser comen-

introdução, p. 498.14 Ele sentia-se profundamente abalado

pelo papel que desempenhara, quan-do vítima dos criptocalvinistas, ao punir centenas de fiéis pastores. Não media esforços para reparar o mal e recondu-zir a paz e unidade doutrinária ao seio do luteranismo.

tado. Numa convenção posterior, realizada num mosteiro de Bergen, o Livro de Torgau recebeu nova for-ma à luz das opiniões recebidas. Os teólogos presentes assinaram essa confissão e a enviaram ao Eleitor. Este foi denominado Livro de Ber-gen, e posteriormente Fórmula de Concórdia.

O professor Otto A. Goerl ex-pressa da seguinte forma esta impor-tante etapa da história:

Mas nem agora o eleitor e os te-ólogos se davam por satisfeitos. Mandaram cópias da Fórmula

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para todas as áreas luteranas com a solicitação de estudarem os artigos e enviarem eventuais censuras e sugestões ao eleitor da Saxônia. Em toda parte houve conferências que ana-lisaram a confissão diligente-mente e remeteram as propos-tas de alteração. De posse das cartas, o leitor encarregou a três teólogos, Chemnitz, Andreae e Selnecker, a missão de rever e aproveitar possivelmente as emendas. Aconteceu isso em março de 1577, em Bergen, seis

teólogos se entregaram ao tra-balho de lerem conjuntamente os artigos com as emendas pro-postas. Eram eles Chemnitz, Andreae, Selnecker, Musculus, Körner e Chytraeus. As sessões diárias, iniciadas com fervo-rosas preces, duraram de 19 a 28 de maio de 1577, quando o Livro de Bergen recebeu sua redação definitiva e pôde ser entregue ao eleitor. Os seis teó-logos subscreveram a confissão no dia seguinte, 29 de maio de 1577. Em lugar de Livro de Bergen, o documento histórico passou a ser chamado Fórmula de Concórdia, para ser um tes-temunho permanente de como Deus socorreu a igreja num pe-ríodo de extremo abatimento e lhe concedeu o inestimável te-souro da unidade de fé, alicer-çado sobre a rocha da verdade eterna.15

Em atendimento a inúmeros pe-didos de se oferecer ao povo uma Confissão mais breve, o teólogo An-dreae condensou a matéria e apre-sentou um resumo, denominado Epítome. Desta forma a confissão consta de duas partes: Epítome e

15 GOERL, op. cit., p. 36.

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Declaração Sólida.16

Durante os três anos seguintes, 8.188 teólogos, ministros e profes-sores dos territórios participantes assinaram a Declaração Sólida. Fi-nalmente, em 25 de junho de 1580, cinquenta anos após o dia da leitura da Confissão de Augsburgo, o Livro de Concórdia17 completo foi coloca-do em circulação, inclusive a última confissão, a Fórmula de Concór-dia.18

1.2 O Artigo VI da Fórmula de Concórdia

O artigo VI da Fórmula de Con-córdia faz parte da controvérsia an-tinomista.19 O termo antinomismo, dentro das discussões teológicas, se refere ao movimento que dizia que ao cristão, que vive pela fé em Cris-

16 Ibidem, p. 36.17 O Livro de Concórdia publicado em

1580, inclui, além da Fórmula de Con-córdia, os seguintes documentos: os três credos antigos, a Confissão de Au-gsburgo e sua Apologia, os Artigos de Esmalcalde, o tratado sobre o Poder e Primado do Papa e os dois Catecismos de Lutero. Referência de importância vi-tal se faz nela à Escritura como a única norma e regra a ser usada em todas as questões doutrinárias.

18 LIVRO DE CONCÓRDIA, op. cit., intro-dução do Epítome da Fórmula de Con-córdia, p. 498.

19 Do grego: “anti” = contra e “nomos” = lei.

to, já não se deve anunciar a lei ou o Decálogo, visto que, conforme declaração do próprio Lutero e das Confissões, o homem renascido no evangelho pratica as obras que a agradam Deus espontaneamente em razão da fé.20

O histórico da controvérsia anti-nomista se divide em dois períodos. O primeiro ocorreu antes da morte de Lutero, que irrompeu por causa de certas expressões falsas na doutri-na de Lei e Evangelho.21 O mal-en-tendido surgiu a partir dos ensinos de João Agrícola.22 Ele ensinou que

20 GOERL, op. cit., p. 24.21 Lei e Evangelho é a controvérsia abor-

dada no artigo V da Fórmula de Concór-dia.

22 Quando João Agrícola era pastor em Eisleben, em 1525, escreveu nas “Ano-tações ao Evangelho de São Lucas”, o seguinte: “O Decálogo pertence ao tri-bunal e não ao púlpito. Todos os que se ocupam com Moisés vão impreterivel-mente para o diabo. Ao patíbulo com Moisés!” A discussão pública começou em 1527, quando Agrícola atacou Me-lanchton por ele ter, em sua instrução aos visitadores da Saxônia, orientado os pregadores no sentido de, a exemplo de Cristo, pregarem primeiro a lei divi-na para arrependimento, preparando desta forma o caminho ao Evangelho que faz nascer a fé e vivifica a alma aniquiladora. Num encontro em Torgau (1527), houve discussão entre os dois, na presença de Lutero e outros, com o resultado, que Lutero aparentemente chegou a convencer Agrícola do erro an-tinomista. Contudo, mal Agrícola havia

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o arrependimento (contrição) não se opera por meio da lei, mas que é o evangelho que opera a contrição.23

Passando para o segundo período histórico, em que esteve em foco o tema do terceiro uso da lei,24 alguns teólogos como Andréas Poach, An-ton Otto, Andréas Musculus e Mi-chael Neander,25 admitiam a aplica-ção ao crente do primeiro uso da lei, ou uso político26, para coagir o velho

sido nomeado professor em Wittenberg (1537), recomeçou, por meio de circu-lares anônimos, seus ataques contra Lutero e Melanchton. Lutero revidou imediatamente com uma publicação, e para enfrentar com rigor o antinomis-mo, anunciou uma série de disputas públicas sobre a questão. Premido por estas vigorosas disputas, baseadas em dezenas de teses cada uma, Agrícola teve que retratar-se, muito a contra gosto, e na primeira oportunidade que se ofereceu (em 1540) ele abandonou Wittenberg, transferindo-se para Ber-lim. Apesar da sua retratação formal e pública, Agrícola voltou a professar, em 1565, seu antinomismo. (Cf. GOERL, op. cit., p. 24-25 e WADEWITZ, Werner K. Origens e história da Fórmula de Con-córdia. Igreja Luterana, Porto Alegre, ano XX, número 2, p. 69ss. 1959.)

23 WADEWITZ, Werner K. Origens e his-tória da Fórmula de Concórdia. Igreja Luterana, Porto Alegre, ano XX, número 2, p. 70, 1959.

24 Ou, o Artigo VI da Fórmula de Concórdia.25 Destes, Poach e Musculus subscreve-

ram a Fórmula de Concórdia. Musculus inclusive ajudou na redação final (Cf. GOERL, op. cit., p. 25).

26 Uso político porque é para preservar

homem e para manter a ordem entre os obstinados; bem como o segundo uso da lei, ou uso teológico27, para dar conhecimento do pecado; mas negavam categoricamente a prega-ção do terceiro uso da lei para orien-tar a vida do cristão, argumentando que o pecador justificado pela fé em Cristo está acima de toda lei, não ne-cessitando que lhe seja anunciado a lei como norma de vida.28

Porém, o artigo VI da Fórmula de Concórdia, sobre o terceiro uso da lei, ensina que apesar de cristãos fazerem a vontade de Deus de boa mente segundo o novo homem, a lei deve, todavia, ser pregada aos cris-tãos por causa do velho Adão, não somente como espelho que revela a pecaminosidade, nem só como freio para refrear a concupiscência da car-ne, mas também como norma para orientar sua vida. Disse Lutero: “A lei deve ser mantida na igreja para os santos saberem quais as obras que Deus exige.”29

2. Os três usos da leio mundo do caos; pois atende a vida social na “polis”, a cidade ou sociedade organizada, isto através das ordens so-ciais: econômica, política e eclesiástica.

27 Uso teológico porque a lei de Deus mos-tra ao homem que ele é pecador.

28 GOERL, op. cit., 25.29 WADEWITZ, ano XX, número 2, 1959,

op. cit., p. 21.

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A lei de Deus é uma só. No en-tanto, há diferença sensível quanto ao uso específico e quanto aos efei-tos.30 Pode-se distinguir três “usos” da lei. É sempre a mesma lei, mas ela tem certas funções que dependem das pessoas e de suas relações com a sociedade e com Deus. Alguns estu-diosos31 querem reconhecer apenas dois usos, mas os três usos não estão apenas descritos nas Confissões de fé luteranas,32 também encontramos nas Escrituras Sagradas33 evidentes descrições a este respeito.34

Os três usos da lei são os seguin-tes: primeiro, manter a ordem pú-blica; segundo, conduzir os homens

30 GOERL, op. cit., p. 75.31 Entre eles estão João Calvino, Karl Bar-

th. João Agrícola, Anton Otto, Andreas Poach e Andreas Musculus. Contudo, os dois últimos subscreveram a Fórmula de Concórdia.

32 LIVRO DE CONCÓDIA, op. cit., no artigo VI da Fórmula de Concórdia: Epítome (p. 516-518) e Declaração Sólida (p. 604-608).

33 Por exemplo, encontramos evidências em: Deuteronômio 12. 28; Salmo 1.1-2; 119.1, 32, 35, 47, 70, 97; João 15.12; Romanos 6.14-16; 7.18-23; 8.1-2, 14-15; 12.2; 13.9-10; 1 Coríntios 9.27; Gálatas 5.13-14; 6.1-10; Efésios 2.10; 1 Tessalonicenses 5.19; 1 Timóteo 1.9-10; 2 Timóteo 3.16; Hebreus 12.8; 13.15-17; 1 Pedro 2.5.

34 WARTH, Martim C. O terceiro uso da lei aplicado à ética. Igreja Luterana, São Leopoldo, vol. 51, número 2, p. 3, nov. de 1992.

ao conhecimento do pecado; e, ter-ceiro, dar ao cristão uma norma de conduta.

A mesma lei se aplica tanto aos regenerados como aos irregene-rados. A lei deve ser pregada com poder também entre os fiéis, uma vez que a carne se opõe ao Espírito em suas vidas. A diferença é que os irregenerados cumprem o que a lei exige por coação (mesmo que seja involuntariamente e motivado por amor, isto ele faz por causa da lei natural que está presente nele), en-quanto que os fiéis, na medida em que são renascidos, voluntariamente cumprem a lei e fazem o que a lei ja-mais poderia obrigá-los a fazer, isto por causa do resultado do perdão e da graça de Deus, que são oferecidos por Cristo.35

A Fórmula de Concórdia, no Epítome, descreve da seguinte for-ma os três usos da lei:

Que a lei foi dada por três ra-zões: primeiro, a fim de man-ter com isso a disciplina exter-na contra homens refratários, desobedientes; segundo, a fim de que se possa por intermédio disso conduzir os homens ao conhecimento de seus pecados; terceiro, para, depois de rege-nerados, aderindo-lhes não

35 HÄGGLUND, op. cit., p. 241.

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obstante a carne, terem, por isso, norma certa.36

De forma semelhante, a Fórmula de Concórdia, na Declaração Sóli-da, diz o seguinte, a respeito dos três usos da lei:

Visto que a lei de Deus ser útil não só para que através dela se mantenham disciplina e de-cência externas contra gente desenfreada e desobediente; da mesma forma, a fim de levarem os homens ao conhecimento de seus pecados; mas também para que, depois de renascidos pelo Espírito de Deus, conver-tidos ao Senhor, e deles removi-dos, destarte, o véu de Moisés, vivam e andem na lei.37

Na sequência, veremos separada-mente os três usos da lei.

2.1 O Primeiro Uso da LeiO objetivo do primeiro uso da

lei é preservar o mundo do caos, mesmo que governos não reconhe-çam explicitamente sua função de agentes de Deus. Este é o uso mais comum, acessível a todos, pois é a aplicação da lei natural ao convívio

36 LIVRO DE CONCÓRDIA, op. cit., FC, Ep. VI, 1, p. 516.

37 Ibidem, FC, DS VI, 1, p. 604.

social humano. Por essa razão é cha-mado de uso “político”, pois atende a vida social na “polis”, a cidade ou sociedade or ganizada. Como este é o uso que evita o caos, ele é compa-rado a um “freio”.38 Através das três ordens sociais (econômica, políti-ca, eclesiástica) Deus conserva este mundo em boa ordem e afirma seu reino e comando. As ordens vingam a transgressão e louvam o bom de-sempenho. Cada sociedade tem suas leis e possui poder para reprimir os contraventores. A lei não elimina o mal que é inato na pessoa, mas a lei controla as formas excessivas de transgressão. Pela punição a socie-dade estabelece um relativo senso de justiça e volta ao equilíbrio social.39

O professor Otto A. Goerl des-creve tal ideia, dizendo:

Desta forma, ao incutir no co-ração do homem os preceitos básicos para a vida em socieda-de, Deus quis garantir a con-tinuidade da obra que criara, (...) No plano espiritual o freio da lei representa ainda os juí-zos de Deus em forma de guer-ras, terremotos, tufões, inun-dações, epidemias, desastres,

38 Freio — frear significa travar, conter, re-primir. A lei como freio, por conseguinte, é um meio de repressão. (Cf. GOERL, op. cit., p. 75.)

39 WARTH, 1992, op. cit., p. 4-5.

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doenças e toda sorte de infor-túnios que se abatem sobre nós. Esses flagelos em si não levam nenhum descrente a Jesus, mas podem quebrar sua altivez, seu orgulho, sua auto-suficiência e reduzir seu mito de grandeza a um montículo de pó (...) O ho-mem reconhece, nestes transes, que há alguém mais poderoso sobre ele.40

O primeiro uso da lei, como já foi dito, serve como uma espécie de freio que serve para a manutenção da ordem e da honestidade exterior no mundo, “impedindo de certa maneira o desenfreamento grosseiro do pecado.”41 O Dr. Martim Carlos Warth descreve como Deus age pela lei no seu primeiro uso, da seguinte maneira:

Ora, os “homens refratários, desobedientes” dificilmente podem ser alcançados pela lei revelada nas Escrituras Sa-gradas. No entanto, Deus os atinge através das doutrinas do mundo, também chamadas “ordens”. Através do governo, do casamento, da família, do povo, da honra, da economia,

40 GOERL, op. cit., p. 75.41 LUTERO, Martinho, e outros autores.

Catecismo Menor. Porto Alegre: Concór-dia. 31a edição, 1995, p. 67.

que surge no mundo como re-sultado da lei natural para evi-tar o caos, e que são na verdade “ordens” da “mão esquerda” de Deus.42

A lei natural é revelada por Deus como se encontra no Decálogo. As-sim confirma e dá certeza aos conte-údos da lei natural. Mas ela vai além, pois aponta para os elementos que a humanidade não consegue desven-dar na lei natural por causa da inimi-zade com Deus e sua lei. A respeito disto o Dr. Warth diz:

A lei natural pode forçar o cumprimento do quarto ao oitavo mandamento, pois di-zem respeito as relações sociais básicas. Mas não atinge a “cobiça” do nono e do décimo mandamento, nem a re lação com Deus nos primeiros três mandamentos. A compreensão destes aspectos da lei natural original apenas pode ser com-

42 WARTH, Martim C. O terceiro uso da lei. Igreja Luterana. São Leopoldo, núme-ro 40, I trimestre, p. 44, 1980.

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pletada negativamen te pelo uso da lei e positivamente pelo ter-ceiro uso da lei.43

Da mesma forma a lei no primei-ro uso também é aplicada para os crentes. Porém, não são considera-dos castigos para o novo homem.

Para o crente, o freio da lei não deixa de ter aplicação di-ferente. Embora ele, pela fé em

43 WARTH, 1992, op. cit., p. 6-7.

Cristo, seja nova criatura, e, quanto ao estado espiritual do novo homem, esteja acima de qualquer lei, ele ainda arras-ta consigo a carne corrompida, o velho homem, que jamais o largará. Sofrimentos e dores são para o velho homem um es-pinho na carne, um freio pesa-do, mas jamais um castigo para o novo homem, e sim provas do amor de Deus, que por meio da cruz salutar quer fortale-cer a fé, enrijecer nosso espírito, aumentar a confiança e desta maneira fazer crescer a nova criatura dentro de nós. 44

2.2 O Segundo Uso da Lei.A lei escrita de Deus tem uma

função peculiar. Esta é a sua função própria, principal ou teológica. É a função de completar a lei natural, não somente quanto ao seu conteú-do explícito mas também quanto a sua finalidade. A lei natural é, antes de mais nada, uma carta magna da liberdade humana: tudo o que não é proibido é permitido. Mas o que é proibido des trói a vida. A consciên-cia controla o certo e o errado. Então as ordens sociais ajudam com sua lei delegada a controlar o certo e o erra-

44 GOERL, op. cit., p. 75 e 76.

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do. Mas elas podem ser manejadas.45

A lei escrita de Deus não pode ser manejada: ela é invariável. Deus não pode ser subornado, embora a pes-soa sempre o tente novamente. En-quanto as ordens sociais apontam o erro e o castigam, eliminando assim o complexo de culpa, Deus procede de uma forma singular. Este é o se-gundo uso da lei.46

O segundo uso da lei serve como uma espécie de espelho, onde ensi-na de modo especial aos homens a reconhecerem verdadeiramente os seus pecados e que precisam da aju-da graciosa de Deus.47

Ao mencionar Romanos 3.20, Goerl afirma:

Ouvimos do apóstolo Paulo que ‘pela lei vem o pleno conhe-cimento do pecado.’ Romanos 3.20. É espelho de puro cristal. Nada esconde, nada deforma, nada retoca: reflete a imagem com nitidez e fidelidade. É o que torna cruel e terrificante. Eis o contraste! Deus nos quer santos, justos, sem mácula. Jesus resume os Dez manda-mentos em dois: amor a Deus — amor ao próximo. ‘Segundo

45 WARTH, 1992, op. cit., p. 7.46 Ibidem, p. 747 LUTERO, Martinho, e outros autores.

Catecismo Menor. Porto Alegre: Concór-dia. 31a edição, 1995, p. 67.

é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós em todo vosso procedimento.’ 1 Pedro 1.15. E o que vemos no espelho? Isaías no-lo diz: ‘To-dos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças como trapo da imundícia.’ 64.6. 48

Deus atribui ao erro da pessoa uma qualidade teológica: não se tra-ta apenas de uma fraqueza, de um deslize, de uma dívida que se pode pagar. Trata-se de uma ofensa ao Criador. Todo erro é “pecado”, isto é, o erro atinge toda uma estrutura de relações entre criatura e Criador. Não é que um pequeno deslize limi-tado tenha relevância tão transcen-dente, mas é que a pessoa total está em estado de alienação em relação a Deus e continua afrontando Deus com sua conduta inconveniente. Quando a pessoa erra, ela não so-mente precisa prestar contas à so-ciedade humana. Ela precisa prestar contas ao Criador. Nesta pres tação de contas a pessoa não pode subor-nar, nem repor. Não pode porque tudo o que faz já traz a marca da ruptura com Deus desde a primei-ra cobiça da humanidade, passada como herança básica para to das as

48 GOERL, op. cit., p. 76.

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pessoas.49

Portanto, a função do segundo uso da lei de Deus é a teológica. Teológica porque é a acusação do Deus Criador à sua criatura que se encontra num estado contínuo de oposição intransferível. Isto devido à sua essência pecaminosa que está constantemente em rebelião contra Deus, pois originalmente está cor-rompido. Pela análise da lei a pessoa chega a con clusão de que Deus está exigindo a perfeição que ninguém é capaz de realizar. A respeito disto o apóstolo Paulo diz o seguinte: “Mas eu não teria conhecido o pecado, se-não por intermédio da lei; pois não teria eu conhecido a cobiça, se a lei não dissera: Não cobiçarás.” (Roma-nos 7.7). Também: “Mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guer-reando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros.” (Ro-manos 7.23). Desta forma, a lei co-loca a pessoa como devedora antes dela poder reagir e ainda lhe diz na face: “Tua culpa!” E mais, lhe dá o destino trágico: “A alma que pecar, essa morrerá!”, pois “O salário do pecado é a morte!” (Ezequiel 18.4; Romanos 6.23). Esta morte não é apenas tempo ral. Ela é eterna sepa-

49 WARTH, 1992, op. cit., p. 7.

ração do amor de Deus.50

Sobre isto nos diz a Apologia da Confissão, no artigo IV, sobre justi-ficação:

Toda a Escritura, toda a igreja clama que não se pode satisfa-zer à lei. Por isso, aquele cum-primento iniciado da lei não agrada por si mesmo, senão por causa da fé em Cristo. De mais a mais, a lei somente nos acu-sa.51

Elert afirma, com as Confissões, que o uso principal da lei é o segun-do, o uso teológico, segundo o qual a lei mostra ao homem que é peca-dor.52

A Fórmula de Concórdia diz as-sim no artigo sobre lei e evangelho:

Pois, visto que a mera procla-mação da lei, sem Cristo, ou faz pessoas presunçosas, que imagi-nam poder cumprir a lei com obras externas, ou faz com que caiam em desespero total, Cris-to toma a lei em suas mãos e a explica espiritualmente Ma-teus 5, Romanos 7. ...Com isso eles são remetidos à lei e dela é que aprendem a realmente re-

50 Ibidem, p. 8. Também conferir: LIVRO DE CONCÓRDIA, op. cit., p. 99-109.

51 LIVRO DE CONCÓRDIA, op. cit., Ap. IV, 166-167, p. 134.

52 WARTH, 1980, op. cit., p. 43.

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conhecer seus pecados,... 53

Neste mesmo sentido, de que a lei faz a pessoa reconhecer seus pe-cados, Forell nos diz o seguinte:

Deus usa a lei para nos mos-trar que somos pecadores, e nós podemos usar a lei para perce-ber a nossa situação desespe-rançada ante o trono divino. Do ponto de vista do cristão, a

53 LIVRO DE CONCÓRDIA, op. cit., FC, DS V, 10, p. 599.

função principal da lei divina é mostrar ao homem a desespe-rança de sua situação. É como o termômetro para medir a febre: não cura doenças, mas auxilia aos doentes a perceber que estão doentes e necessitam de um médico.54

Esta é a razão porque o segundo

54 FORELL, George W. Ética da decisão. São Leopoldo: Sinodal, 5ª edição, 1994, p. 64-65.

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uso da lei é chamado de teológico: ele cumpre o verdadeiro objetivo da lei quando Cristo age pelo Espírito Santo para convencer o homem de seu pecado (uso acusatório) e as-sim o prepara para receber a men-sagem do perdão em Cristo (uso pedagógico).55

Na função acusatória, a pessoa é convencida de seu estado de ruptura em que cada erro é pecado que leva à morte. Como é uma situação incon-tornável a pessoa nada pode fazer para su perar a crise. Todo esforço de reposição, transferência de culpa, a negação da culpa, ou a indife rença não resolvem a crise.56

Aí entra a função “pedagógica” do segundo uso da lei. Deus toma a pessoa pela mão e a conduz para fora da sua imanência. Ela já descobriu que dentro de si mesma não há re-cursos para superar a crise. Se houver uma solução ela precisa vir de fora. A única solução é reconhecer a sua incapacidade e apelar para o próprio Criador. Se houver uma saída, o Sal-vador tem que ser Deus mesmo.57

Aqui cessa a função teológica da lei. Agora precisa haver uma outra palavra de Deus. Esta palavra existe: é o evangelho.

55 WARTH, 1980, op. cit., p. 45.56 WARTH, 1992, op cit., p. 8. 57 Ibidem, p. 8.

2.3 O Segundo Uso da Lei Diante do Evangelho58

O evangelho59 é o pressuposto para a lei de Deus, pois Deus reve-lou a lei natural por escrito ao “seu povo”. O seu povo era Israel, com o qual Deus tinha feito a aliança do evangelho. Por isso Deus ini-cia o Decálogo, dizendo: “Eu sou Yahweh o teu Deus!” (Êxodo 20.2). Lutero entendeu que essa afirma-ção era o evangelho que garante a aliança básica: “Eu sou o teu Deus. Tu és o meu povo!” (Levítico 26.12; Ezequiel 37.26; 2 Coríntios 6.16; Hebreus 8.10). Deus estava aceitan-58 Como o objetivo deste trabalho não é

falar especificamente sobre evange-lho, devido a isto não houve um maior aprofundamento deste; porém, sem o mesmo estaria incompleto e não seria possível compreender o que se quer apresentar neste trabalho.

59 “O Evangelho é a boa nova da graça de Deus em Jesus Cristo.” João 3.16; Ro-manos 1.16. Cf. LUTERO, Martinho, e outros autores. Catecismo Menor. Porto Alegre: Concórdia. 31a edição, 1995, p. 70; “o Evangelho, conforme diz o nome, é a boa nova de Deus destinada ao mundo pecador, anunciando-lhe a sal-vação através da morte expiatória de Jesus”. Efésios 1.13; 1 Timóteo 1.15. Cf. GOERL, op. cit., p. 70; e, “o Evangelho traz a mensagem da graça, oferece per-dão dos pecados, opera no coração a aceitação de sua oferta, e assim con-verte o homem.” Cf. KOEHLER, Alfred W. Sumário da doutrina cristã. Porto Alegre: Concórdia, 5a edição, p. 108.

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do aquele povo rebelde como “seu povo” por causa do perdão que Deus mesmo estava preparando por meio do Messias Salvador.60

A aliança não é simplesmente recíproca como as alianças dos reis do oriente com os seus povos, em que as duas partes concordavam a respei to de um assunto. Aqui as duas partes estão num estado de ruptura e alienação. Só Deus é fiel. O povo não era fiel por sua própria capaci-dade. Por isso o “povo” se tornou “não-povo” (Oséias 6.7; 1.9) desde a cobiça origi nal. Somente um, que fosse também Deus, podia ser fiel e restabelecer a aliança. Este represen-tante do povo já havia sido indicado desde o início como “o descendente” da mulher (Gênesis 3.15). Ele seria também o represen tante de Deus, pois seria o próprio “Filho de Deus” (Isaías 9.6), este é Jesus Cristo ( João 1.14). Ele veio como homem-Deus para restabelecer a aliança com fi-delidade. Morreu a morte que a humanidade mereceu e ressuscitou “para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” ( João 3.16). Seu sangue derramado em substituição da humanidade é o “sangue da aliança” (Marcos 14.24), da “nova aliança eterna” ( Jeremias

60 WARTH, 1992, op. cit., p. 8.

31.31; 32.40).61

Mueller, referindo-se as Confis-sões, dá uma definição para evange-lho e ao mesmo tempo resume tal ideia acima mencionada da seguinte forma:

O evangelho, em seu sentido restrito ou próprio, é pela... con-fissão definida como “doutrina tal que ensina o que deve crer62

61 Ibidem, p. 9.62 Porém, este “deve crer” não pode ser

mal-entendido, ou melhor, não deve ser como se estivesse requerendo fé como condição necessária para justificação e salvação, como se o homem fosse justi-ficado, não somente através da fé, mas também devido à fé, por causa da fé e à vista da fé. A respeito disso, Walther diz o seguinte: “Quando a palavra de Deus diz que o homem é justificado e salvo através da fé, ela não quer dizer outra coisa senão isto: o homem é salvo, não através de nossos próprios feitos, mas somente através da vida e morte de seu Senhor e Salvador Jesus Cristo, o Re-dentor de toda a humanidade. Teólogos recentes, entretanto, afirmam que, na salvação do homem, entram em consi-deração dois tipos de atividade. Em pri-meiro lugar, é necessário que Deus faça algo. A ele cabe a parte mais difícil, a sa-ber, a redenção do homem. Todavia, em segundo lugar, exige-se igualmente algo da parte do homem. Pois não é assim sem mais nem menos que o homem, agora que foi redimido, entra no céu. O homem também deve fazer a sua par-te, algo realmente expressivo — deve crer. Essa doutrina derruba o Evangelho por completo.” (Cf. WALTHER, C. F. W. Lei e Evangelho. Porto Alegre: Concórdia, 2a edição, 1998, p. 83).

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o homem que não observou a lei e é pela mesma condenada, a saber, que Cristo expiou e pa-gou todos os pecados e para ele conseguiu e adquiriu sem qual-quer merecimento sua remis-são dos pecados, justiça válida perante Deus e vida eterna.”63

“Este evangelho é aceito pela fé que o Espírito Santo dá a todos a quem os dons da salvação são ofe-recidos através dos meios da graça oferecidos. Os meios para receber perdão e vida eterna são a Palavra do evangelho e os sacramentos (Batis-mo e Santa Ceia).”64

Para esta “nova aliança eterna” todo o povo pode voltar. Toda a hu-manidade tem acesso ao perdão que existe em Jesus Cristo, concedida no evangelho. Assim nos diz a Fórmula de Concórdia sobre esta mensagem de perdão:

Cremos, ensinamos e confessa-mos que o evangelho... é senão proclamação de consolo e men-sagem alegre que não censura nem aterroriza, porém con-forta as consciências contra o terror da lei, dirigi-as apenas

63 MUELLER, John T. Dogmática cristã., Porto Alegre: Concórdia, Vol. 2, 3a edição p. 150. Também cf. LIVRO DE CON-CÓRDIA, op. cit., p. 515.

64 WARTH, 1992, op. cit., p. 9.

ao mérito de Cristo e as reer-gue com a amável pregação da graça e do favor de Deus, ad-quiridos através do mérito de Cristo. 65

Carl Ferdinand Wilhelm Wal-ther escreve o seguinte, ao definir evangelho:

O evangelho revela e anuncia atos de Deus, em sua graça,... O evangelho constitui-se pura-mente de promessas. O evan-gelho não contém outra coisa senão graça e verdade!... O evangelho não contém amea-ças de espécie alguma; apenas palavras de consolo... Quando o evangelho requer fé, ele nos oferece e dá esta fé no próprio ato de requerer... O evangelho, de maneira nenhuma, censu-ra o pecador, antes afasta dele todo o terror, todo medo, toda ansiedade, enchendo-o de paz e alegria no Espírito Santo... O evangelho não exige que o homem apresente algo de bom: um bom caráter, uma melhora em seu modo de ser, religiosida-de, amor a Deus e aos homens. Nada disso. O evangelho não emite ordens, mas muda o ho-

65 LIVRO DE CONCÓRDIA, op. cit., FC, Ep. V, 7, p. 515.

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mem. Ele implanta o amor em seu coração e o capacita para todas as obras. Ele não exige nada; ele dá tudo.66

Deus mesmo resolveu o proble-ma da crise humana. Pela fé em Jesus Cristo há perdão e ressurreição em uma nova vida. Esta vida já come-çou aqui e agora, e atravessa a morte para continuar na vida eterna. Pela fé todos podem ser o povo de Deus, receberão perdão e uma nova von-tade para viver diante de Deus. Por isso, a lei escrita de Deus inicia com “Eu sou o teu Deus”, esta lei fala, an-tes de tudo, ao povo de Deus. Este povo tem uma relação de amor e de perdão com Deus. Com isso a lei já não é apenas um freio (primeiro

66 WALTHER, op. cit., p. 21-22.

uso) ou espelho que acusa (segundo uso), mas adquire uma nova função de norma do Deus de amor em seu terceiro uso.67

2.4 O Terceiro Uso da Lei.A lei permanecerá a fim de man-

ter a ordem e a disciplina, mesmo se a pessoa concordar ou não — este é o primeiro uso da lei, o seu uso po-lítico. O segundo uso é o teológico, para convencer a pessoa do pecado e apontar a necessidade de um salva-dor que esteja fora dela. Aqui entra em cena o evangelho — “a boa nova de Deus destinada ao mundo peca-dor, anunciando-lhe a salvação atra-vés da morte expiatória de Jesus”.68

67 WARTH, 1992, op. cit., p. 9.68 GOERL, op. cit., p. 70.

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A proclamação do evangelho esta-belece a aliança com a humanida-de perdida que volta a ser “povo de Deus”. A maldição da lei (Gálatas 3.13) perdeu seu valor pelo perdão em Jesus Cristo, como Paulo afirma em Romanos 10.4: “0 fim da lei é Cristo!”.69 A proclamação do evan-gelho é o meio que Deus decidiu empregar para dar o Espírito Santo que opera a fé no evangelho.

Contudo, a lei continua, só que “agora podemos falar de lei como uma norma que quer instruir, guiar e orientar na santificação da vida”.70 Aquele que está na fé busca o abrigo na nova vida em Cristo. As Confis-sões Luteranas dizem o seguinte so-bre o terceiro uso da lei:

69 WARTH, 1992, op. cit., p. 9-10. 70 GOERL, op. cit., p. 77.

Cremos, ensinamos e confessa-mos que, conquanto os homens genuinamente crentes e verda-deiramente convertidos a Deus foram libertados, por intermé-dio de Cristo, da maldição e co-erção da lei, todavia não estão, por isso, sem lei,... Cremos,... que se deve insistir com dili-gência na pregação da lei não só entre os incrédulos e impe-nitentes, mas também entre os crentes genuínos, verdadeira-mente convertidos, regenerados e justificados pela fé... contudo, neste mundo, tal regeneração e renovação não é completa, mas apenas começada... é necessário que a lei de Deus brilhe cons-tantemente diante deles. 71

71 LIVRO DE CONCÓRDIA, op. cit., FC, Ep.

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A lei no seu terceiro uso tem ago-ra uma função muito importante que é a função didática.

A lei tem uma função muito importante para aqueles que “estão em Cristo” (2 Coríntios 5.17). Ela tem a função didá-tica. Ela se transforma em “lei de Cristo” (Gálatas 6.2; João 15.12; I Coríntios 9.21) que se resume na lei do amor que está disposto a “levar as car-gas” dos outros. Isto significa que para o po vo de Deus a lei não apenas evita o caos e obriga a pessoa humana a ser “tutor de seu irmão” (Gênesis 4.9) mesmo contra a sua vontade, mas ela ago ra é “lei de Cristo” (João 15.12) que encontra no povo de Deus um “espírito vo-luntário” (Salmo 51.12) para amar e servir o próximo, assim como Cristo amou e serviu a humanidade e esteve pronto a sofrer. A lei agora tem a função didática de uma norma que indica as oportunidades e os limites para servir com grande “agape” (amor), que respeita a pessoa humana como criatura amada de Deus (sua dignida-de própria) e remida por Cristo (sua digni dade alheia). O cris-

2-4, p. 517.

tão está pronto a sofrer, quan-do isso faz parte do desígnio de Deus. A lei natural é diferente porque a cosmovisão é diferen-te: o povo vê o mundo na pers-pectiva do amor do Deus.72

A lei no seu terceiro uso serve de guia para os cristãos, conforme des-creve Koehler:

A lei deve ser o guia que mos-tra aos cristãos o caminho que devem seguir, e as obras em que devem exercitar a fé. O evangelho é o poder que os tor-na capazes e dispostos a seguir esta norma e fazer estas obras (Romanos 12.1,2). Cristãos, na medida em que renascem com o homem interior, fazem o que é agradável a Deus não por coerção legal, mas pela re-novação do Espírito Santo, de coração, voluntária e esponta-neamente.73

Na Declaração Sólida, os confes-sores defendem o terceiro uso da lei contra aqueles que não o aceitam e aos que argumentam que “o regene-rado cumpre o que Deus exige dele, por inspiração e impulso do Espíri-to Santo, da mesma forma como o Sol cumpre o seu curso regular sem 72 WARTH, 1992, op. cit., p. 10. 73 KOEHLER, op. cit., p. 109.

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algum impulso, por si mesmo,”74 os confessores respondem da seguinte forma:

Ainda que os verdadeiros cren-tes efetivamente são movidos pelo Espírito de Deus, e assim, segundo o homem interior, fa-zem a vontade de Deus de es-pírito livre, todavia o Espírito Santo faz uso, para com eles, da lei escrita, para ensino, e atra-vés disto também os verdadei-ros crentes aprendem a servir a Deus não de acordo com seus próprios pensamentos, mas se-gundo a sua lei e palavra escri-tas, que é regra e norma certa para instituir vida e procedi-mentos piedosos, em harmonia com a eterna e imutável vonta-de de Deus.75

74 LIVRO DE CONCÓRDIA, op. cit., FC, DS VI, 2, p. 604.

75 Ibidem, FC, DS VI, 3, p. 604.

A Fórmula de Con-córdia, no artigo VI, so-bre a lei no seu terceiro uso, afirma que “se deve insistir com diligência na pregação da lei entre os crentes genuínos, verda-deiramente convertidos, regenerados e justifica-dos por fé,” para, assim, “terem norma certa de acordo com a qual cum-

pre que regulem e governem toda sua vida.” Contudo, ressalta que estes são frutos de um espírito vo-luntário, ou como as Confissões se referem: “frutos do Espírito — são as obras que o Espírito de Deus, que habita nos crentes, opera atra-vés dos regenerados, e que são feitas pelos crentes enquanto renascidos como se não tivessem conhecimen-to de nenhum preceito, ameaça ou recompensa.”76

Somente neste sentido e a partir disto que o terceiro uso da lei pode ser corretamente entendido e ensi-nado. De outra maneira que não seja esta, cairemos num ensino errado da salvação do homem pelas obras da lei. Assim, passamos a falar a respei-to da correta aplicação da lei no seu terceiro uso.

76 Ibidem, FC, Ep. VI, 1 e 6, p. 516-517.

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3. A correta aplicação do terceiro uso da lei.

3.1 A Lei Precisa Ser Pregada ao Cristão?

O debate no século XVI produ-ziu o consenso de que a lei também tem aplicação à vida do cristão.

Os confessores decidiram que o terceiro uso da lei se aplica aos cris-tãos porque é ensinamento bíblico. A este respeito, encontramos várias evidências bíblicas, como também, várias referências em diferentes tex-tos das Confissões Luteranas. Rece-bem destaque os citados abaixo. Por exemplo:

Deuteronômio 12. 28 — “Guar-da e cumpre todas estas palavras que te ordeno, ...quando fizeres o que é bom e reto aos olhos do Senhor, teu Deus.”

Salmo 1.1-2 — “o seu prazer está na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite.”

Salmo 119: “Bem-aventurados os... que andam na lei do Senhor.” (vv.1); “Ensina-me, Senhor, o ca-minho dos teus decretos, e eu os seguirei até o fim.” (vv. 33); “Guia--me pelas veredas dos teus manda-mentos, pois nela me comprazo.” (vv. 35, 70); “Terei prazer nos teus

mandamentos, os quais eu amo” (vv. 47); “meditarei nos teus decretos.” (vv. 48, 77, 78); “observo a tua lei... guardo os teus preceitos.” (vv. 55, 56, 69); “Não me esqueço da tua lei.” (vv. 61); “Senhor,... ensina-me os teus decretos.” (vv. 64, 68, 73); “Para mim vale mais a lei que procede da tua boca...” (vv. 72); “Quanto amo a tua lei! É a minha meditação, todo o dia!” (vv. 97).

João 15.12 — “O meu manda-mento é este: que vos ameis uns aos outros assim como eu vos amei.”

Romanos 6.14-15: “Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça. E daí? Havemos de pecar porque não estamos debaixo da lei? De modo nenhum!.”

Romanos 8: “...isso fez Deus en-viando o seu próprio Filho... e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não anda-mos segundo a carne, mas segundo o Espírito. Porque os que se inclinam para a carne cogitam das coisas da carne; mas os que se inclinam para o Espírito, as coisas do Espírito... Portanto, os que estão na carne não podem agradar a Deus. Vós, porém, não estais na carne, mas no Espíri-to,... Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de

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Deus. Porque não recebestes o espí-rito de escravidão, para viverdes, ou-tra vez aterrorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai.” (vv. 3-5, 8-9, 14-15).

Romanos 12.1-2: “...apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, san-to e agradável a Deus, que é o vosso culto racional... transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agra-dável e perfeita vontade de Deus.”

Romanos 13.8,10: “...quem ama o próximo tem cumprido a lei. O amor não pratica o mal contra o pró-ximo; de sorte o cumprimento da lei é o amor.”

1 Coríntios 9.21, 27: “Procedi,... aos sem lei, como se eu mesmo o fosse, não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo,... esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado.”

2 Coríntios 7.1: “Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifique-mo-nos de toda impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiço-ando a nossa santidade no temor de Deus.”

Gálatas 5.13-15: “Porque vós, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar oca-

sião a carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor. Porque toda lei se cumpre em um só preceito, a saber: Amarás o teu próximo com a ti mesmo... Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis a con-cupiscência da carne.” Igualmente, encontramos palavras de recomen-dações em Gálatas 6.1-10.

Efésios 2.10: “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de ante-mão preparou para que andássemos nelas.”

1 Tessalonicenses 5.18-19: “Em tudo daí graças, porque esta é a von-tade de Deus em Cristo Jesus para convosco. Não apagueis o Espírito.” Praticamente todo capítulo 5 é uma exortação.

1 Timóteo 1.8-10: “Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo legítimo, tendo em vista que não se promul-ga a lei para quem é justo, mas para transgressores... e para tudo quanto se opõe a sã doutrina,...” Aqui não há de se entender isso despidamente no sentido que os justos devam viver sem lei.

2 Timóteo 3.16-17: “Toda a Es-critura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para repreensão, para a correção, para a educação na justi-ça, a fim de que o homem de Deus

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seja perfeito e perfeitamente habili-tado para toda boa obra.”

Hebreus 13.15-16: “Por meio de Jesus Cristo, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confes-sam o seu nome. Não negligencieis, igualmente, a prática do bem e a mútua cooperação; pois, com tais sacrifícios, Deus se compraz.” Neste capítulo de Hebreus há várias admo-estações.

1 Pedro 2.5: “também vós mes-mos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecer-des sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cris-to.” Todos estes textos são mencio-nados em um contexto cristão, são para os filhos de Deus.77

Warth argumenta que Lutero ressaltou que a lei de Deus foi dada primeiramente para orientar seu povo, e neste sentido no seu terceiro uso:

Na explicação dos Dez Man-damentos Lutero ressaltou que a lei escrita era, antes de qual-quer coisa, uma lei para o povo do Deus. Logo, entendeu a lei escrita no seu terceiro uso para os filhos de Deus. Isto fica cla-

77 Ver também a citação direta da nota 90.

ro na forma em que explicou os mandamentos. Inicia todos com o pressuposto do povo de Deus: “devemos temer e amar a Deus”. Ora, temer e amar a Deus é prerrogativa do povo de Deus pela fé. Então Lutero descreve os limites da liberda-de, dizendo de um lado o que é proibido e leva à morte, e de outro lado coloca as oportuni-dades amplas da liberdade do povo de Deus. Lute ro expande inclusive, o “mandamento”, enumerando algumas formas po sitivas de servir o próximo para terminar, finalmente, no espaço amplo dos “serviços infi-

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nitos do amor”. A “lei de Cris-to” se espelha em todos os man-damentos para o povo de Deus. Talvez se possa resumir mais completamente na explicação de Lutero do quinto manda-mento: “devemos ajudar o pró-ximo e ser-lhe útil em todas as necessidades corporais”. Mais ampla não pode ser a liberda-de do cristão. Este é terceiro uso da lei na sua essência bonita da “lei de Cristo” para o povo de Deus.78

No artigo VI da Fórmula de Con-

78 WARTH, 1992, op. cit., p. 13.

córdia os confessores defendem que a lei ainda continua tendo a sua vali-dade para o cristão regenerado, não somente como freio (uso político) e espelho (uso teológico), mas tam-bém como norma (uso didático). E que esta lei como norma (terceiro uso) “brilhe constantemente diante deles”, a saber: os cristãos. Assim re-latam os confessores:

Cremos, ensinamos e confessa-mos que, conquanto os homens genuinamente crentes e verda-deiramente convertidos a Deus foram libertados, por inter-médio de Cristo, da maldição e coerção da lei, todavia não estão, por isso, sem lei, porém foram redimidos pelo Filho de Deus, a fim de se exercitarem nela dia e noite. Salmo 119.1... Cremos,... que se deve insistir com diligência na pregação da lei não só entre os incrédulos e impenitentes, mas também entre os crentes genuínos, ver-dadeiramente convertidos, regenerados e justificados pela fé...contudo, neste mundo, tal regeneração e renovação não é completa, mas apenas começa-da... é necessário que a lei de Deus brilhe constantemente diante deles.79

79 LIVRO DE CONCÓRDIA, op. cit., FC, Ep.

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Na Declaração Sólida, os con-fessores argumentam que a lei no seu terceiro uso é para o ensino dos crentes, para que assim aprendam a servir a Deus, não conforme sua pró-pria vontade humana, mas de acor-do com a vontade de Deus:

Ainda que os verdadeiros cren-tes efetivamente são movidos pelo Espírito de Deus, e assim, segundo o homem interior, fa-zem a vontade de Deus de es-pírito livre, todavia o Espírito Santo faz uso, para com eles, da lei escrita, para ensino, e atra-vés disto também os verdadei-ros crentes aprendem a servir a Deus não de acordo com seus próprios pensamentos, mas se-gundo a sua lei e palavra escri-tas, que é regra e norma certa para instituir vida e procedi-mentos piedosos, em harmonia com a eterna e imutável vonta-de de Deus... Pois a lei é espelho em que a vontade de Deus e o que lhe agrada é devidamen-te retratado. Deve-se pôr isso constantemente diante dos olhos dos crentes e inculcar-lho com diligência e sem cessar. 80

Algo semelhante a isso encon-

VI, 2-4, p. 517.80 Ibidem, FC, DS IV, 3-4, p. 604.

tramos no Catecismo Maior, onde Lutero explica, na conclusão dos Mandamentos, que a vida dos cris-tãos deve ser regida pela lei de Deus. Assim se expressa Lutero:

Temos, pois, os Dez Manda-mentos, modelo de doutrina divina para o que devemos fa-zer, a fim de que toda a nossa vida agrade a Deus, e a verda-deira fonte e canal de que deve manar e por que deve fluir tudo quanto quer ser boa obra. Fora dos Dez Mandamentos, por conseguinte, nenhuma obra e conduta pode ser obra agradável a Deus, por grande e preciosa que seja aos olhos do mundo.81

Porém, é necessário se ter cuida-do ao ensinar o terceiro uso da lei. Pois, se não houver o cuidado de ensina-lo corretamente, poderá se cair num ensino legalista, que leva-rá o cristão a praticar a lei tendo em vista a sua salvação, e assim, também não terá consolo no seu coração, que é oferecido somente pelo evangelho. Tendo em mente isto e o que vimos até aqui, passaremos a considerar como a lei no seu terceiro uso deve ser corretamente ensinada.

81 Ibidem, CM I, 311, p. 443.

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3.2 A Correta Aplicação da Lei no Seu Terceiro Uso.

Para que o terceiro uso da lei seja corretamente aplicado, acima de tudo é necessário se ter em mente que o terceiro uso da lei vale somen-te para os cristãos; que há diferença entre o primeiro uso da lei e o ter-ceiro uso da lei; que a justificação precede a santificação; e, que há dis-tinção entre obras da lei e frutos do Espírito. Dessa forma, dificilmente haverá confusão e erro na aplicação do terceiro uso da lei. Visto que só poderá ser corretamente ensinado e entendido a partir do evangelho. Assim as pessoas não vivem através do constrangimento da lei, mas mo-vidas pelo espírito voluntário que quer viver conforme a vontade de Deus. “A lei no terceiro uso, agora serve de norma, ela mostra ao rege-nerado quais são verdadeiramente as boas obras.” 82

Primeiramente, o terceiro uso da lei é corretamente aplicado somente para o cristão, ou seja, para quem é nascido do Espírito de Deus. E dessa forma, somente o cristão é capaz de realizar frutos do Espírito. Confor-me vemos na Declaração Sólida:

Quando, porém, o homem nas-82 LUTERO, Martinho, e outros autores.

Catecismo Menor. Porto Alegre: Concór-dia. 31a edição, 1995, p. 67.

ce de novo do Espírito de Deus é libertado da lei, isto é, quan-do está livre desse propelidor e é impelido pelo Espírito de Cristo, aí então vive de acor-do com a imutável vontade de Deus, compreendida na lei, e, enquanto renascido, tudo faz de espírito livre e disposto. E tais obras, propriamente, não se chamam obras da lei, senão obras e frutos do Espírito... Destarte, nunca estão sem lei, e contudo não estão debaixo da lei senão na lei, vivem e an-dam na lei do Senhor, e toda-via nada fazem por impulsão da lei.83

A lei, no seu primeiro uso, impõe uma obrigação que constrange a pes-soa a realizar as obras da lei, mesmo contra sua vontade; o terceiro uso da lei não constrange a pessoa, mas ela o pratica voluntariamente a par-tir do evangelho, em decorrência da obra do Espírito Santo.

A diferença, pois, entre o pri-meiro uso e o terceiro uso da lei não está apenas em si, mas na perspectiva da pessoa. O primeiro uso impõe uma obri-gação à pessoa mesmo contra

83 LIVRO DE CONCÓRDIA, op. cit., FC, DS VI, 17-18, p. 607.

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a sua vontade alienada. Esta obrigação acontece con tra a na-tureza alienada do não-cristão e mesmo do cristão, que ainda permanece com essa corrupção (velho homem) até a morte. As atitudes podem ser objetiva-mente boas, mas não recebem a aprovação plena de Deus porque o agente não está em relação de paz com Deus. São, por isso, “obras da lei”, porque são motivadas pelo constrangi-mento da lei. No terceiro uso desaparece o constrangimento da lei porque o agente está em paz com Deus. Esta é a posição do cristão quando age como “es-piritual”, isto é, do acordo com a nova vontade recebida com a fé na presença de Deus Espirito Santo (novo homem). Os atos emanados deste agente estão qualificados com os “frutos do Espiri to”, isto é, são “boas obras” porque vêm qualificados por “amor, alegria, paz, paciência, ternura, bondade, fidelidade, amabilidade, e auto-controle” (Gálatas 5.22). A lei perma-nece a mesma, mas o evangelho tirou o constrangimento, pois pela fé o cristão tem um “espíri-to voluntário” (Salmo 51.12) para cumpri-la como a “lei de

Cristo” (João 15.12).84

Na Fórmula de Concórdia, Epí-tome, os confessores descrevem da seguinte forma a diferença entre as obras da lei e os frutos do Espírito; tal diferenciação é fundamentai para a correta aplicação da lei no seu ter-ceiro uso. Diz assim o Epítome:

Cremos, ensinamos e confessa-mos que as obras feitas segundo a lei são e se chamam obras da lei enquanto arrancadas aos homens apenas mediante o urgir com o castigo e a ameaça da ira de Deus. Frutos do Es-pírito, porém, são as obras que o Espírito de Deus, que habita nos crentes, opera através dos regenerados, e que são feitas pe-los crentes enquanto renascidos como se não tivessem conhe-cimento de nenhum preceito, ameaça ou recompensa. Pois é dessa maneira que os filhos de Deus vivem na lei e andam de acordo com a lei de Deus, o que São Paulo, em suas epís-tolas, chama lei de Cristo e lei da mente. E assim estão “não debaixo da lei, e sim da graça. Rm 7 e 8.”85

84 WARTH, op. cit., p. 13.85 LIVRO DE CONCÓRDIA, op. cit., FC, Ep.

VI, 5-6, p. 517.

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Na Declaração Sólida os con-fessores descrevem que, a partir da pregação do evangelho, o Espírito Santo instrui os crentes a andar con-forme a lei de Deus:

A lei diz, sem dúvida, ser von-tade e ordem de Deus que an-demos na vida nova; não dá, entretanto, o poder e a capaci-dade para que possamos come-çar e fazer. O Espírito Santo, que não é dado e recebido pela lei, e sim por intermédio da pregação do evangelho Gl 3, é quem renova o coração. De-pois o Espírito Santo emprega a lei, a fim de por ela instruir os renascidos e lhes mostrar e indicar, nos Dez Mandamen-tos, qual seja “a boa e agradável vontade de Deus” 86

Dessa forma a lei agora pode ins-truir a pessoa que conhece a vonta-de de Deus e que quer praticá-la de acordo com o espírito voluntário. Logo, Deus dá ao seu povo o que ele próprio exige. Deus torna a pes-soa novamente capaz de se relacio-nar com Deus e com o próximo em amor, isto porque Cristo repassa tal amor ao povo de Deus.

O amor do povo de Deus tem uma norma: a lei escrita de

86 Ibidem, FC, DS VI, 11-12, p. 606.

Deus que determina a liber-dade e os limites do amor é a “lei de Cristo”, porque Cristo dá o que exige: a fé dá a capa-cidade para amar com amor sacrificial que Cristo repassa ao povo de Deus... A lei somente é cumprida “em Cristo”, quan-do o seu perdão apaga todas as falhas do povo de Deus. Mas o povo de Deus não tem apenas falhas, pois com o novo “espí-rito voluntário” quer acertar sempre de novo a sua vida, sa-bendo que as falhas serão sem-pre compensadas pelo Senhor e Salvador Jesus Cristo. Es ta é a liberdade e alegria do viver, amar, servir e sofrer do povo de Deus como poderemos ver uma análise da lei escrita de Deus,

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especialmente no Decálogo. 87

Para que não haja confusão ao se aplicar a lei como norma, também é necessário que se mantenha a corre-ta sequência da justificação (a men-sagem do perdão dos pecados) sem-pre antes da santificação. Sobre isto escreve Walther:

Antes de podermos viver uma vida santificada, é necessário que tenhamos sido justifica-dos... Fazer confusão entre jus-tificação e santificação é um dos erros mais terríveis. O pecador somente poderá compreender e ter certeza de que ele está sob a graça de Deus, quando se faz uma rigorosa separação entre justificação e santificação; e essa compreensão lhe dará forças, para andar numa nova vida.88

Walther menciona que também não pode haver inversão no que se diz a respeito da correta ordem entre a graça de Deus e as boas obras. A graça de Deus sempre deve antece-der as boas obras. Diz Walther:

Quando você recebe a graça, Deus fez de você uma nova criatura. Nesse novo estado, você pratica boas obras; você não pode continuar debaixo

87 WARTH, 1992, op. cit. p. 10.88 WALTHER, op. cit., p. 39.

do domínio do pecado... Como primeiro passo, nos é revelada a graça, e esta então passa a edu-car-nos. Somos colocados de-baixo da divina pedagogia da graça. No momento em que o indivíduo aceita esta graça que fez com que Deus abandonasse os céus e viesse ao mundo, esta graça principia nele um proces-so de educação. O objetivo dessa educação é ensinar-lhe a prati-car boas obras e viver uma vida correta.89

Na argumentação feita por Wal-ther referindo-se a Carta aos Ro-manos, está evidente o uso da lei de Deus como norma e como deve ser corretamente ensinado, observan-do-se a devida ordem sequencial. Diz assim:

A Carta aos Romanos contém a doutrina cristã em sua tota-lidade. Nos três primeiros ca-pítulos, deparamo-nos com a mais severa pregação da lei. A isso segue-se, na parte final do terceiro capítulo e nos capítu-los 4 e 5, a doutrina da justi-ficação — e nada além dela. A começar no capítulo 6, o após-tolo não fala de outra coisa que não seja santificação. Temos

89 Ibidem, p. 40.

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aqui um modelo exato da se-quência que se deve observar: em primeiro lugar a lei, que ameaça os homens com a ira de Deus; segue-se o evangelho, a mensagem das consoladoras promessas de Deus. Como com-plemento, segue a instrução quanto ao que devemos fazer agora que somos novo homem. Igualmente os apóstolos, no momento em que seu ouvintes se mostravam amedrontados, não faziam outra cousa senão consolá-los e anunciar-lhes o perdão. Somente depois disso, eles diziam aos seus ouvintes: “Agora devem demonstrar sua gratidão a Deus”. Eles não emi-tiam ordens; eles não ameaça-vam, quando os seus manda-dos eram desconsiderados, mas apenas apelavam e rogavam a seus ouvintes que, pelas mise-ricórdias de Deus, se conduzis-sem como convém a cristãos.90

Na Apologia da Confissão, Me-lanchthon descreve claramente a ordem lógica da justificação antes da santificação. Esta ordem é funda-mental para a correta aplicação da lei no seu terceiro uso:

Essa fé é atribuída como justi-

90 Ibidem, p. 40-41.

ça diante de Deus”, (Romanos 4.3,5). E quando o coração é erigido e vivificado dessa ma-neira pela fé, recebe o Espírito Santo, que nos renova de modo que possamos cumprir a lei, amar a Deus em aflições, ser castos, amar o próximo, etc. Ainda que estas obras por ora distam muito da perfeição da lei, agradam, contudo, em ra-zão da fé, pela qual somos re-putados justos, em virtude de crermos que temos um Deus re-conciliado por causa de Cristo.

Não cumprimos nem podemos cumprir a lei antes de reconciliados com Deus, justificados e renascidos. Nem agradaria a Deus esse cumpri-mento da lei a menos que fôssemos aceitáveis em virtude da fé. E visto os homens serem aceitáveis em ra-zão da fé, por isso mesmo agrada o cumprimento iniciado da lei, e tem galardão nesta vida e depois dela.91

Evidentemente que o cristão, vis-to que continua sendo pecador, não realiza obras que por si só Deus pu-desse aceitar como boas obras. Isto devido a contínua condição corrom-pida do ser humano na sua essência, da qual nada brota como bom em

91 LIVRO DE CONCÓRDIA, op. cit., Ap. IV, 293 e 368, p. 158 e 172.

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relação a Deus. Ou seja, o ser humano, devido a

sua condição pecaminosa, não tem “a potência ou os dons de produzir temor ou confiança relativamente a Deus”. A humanidade não tem “a faculdade, de por forças próprias, amar a Deus sobre todas as coisas e cumprir seus mandamentos”, pois não está “na posse da justiça ori-ginal”, isto porque a sua natureza original está corrompida; a isto as Confissões denominam “pecado original”92. “Pecado original é carên-cia de justiça original”93. Contudo, mesmo que a culpa da humanidade tenha sido absolvida com a mor-te redentora de Cristo na cruz, e as pessoas, particularmente, são redi-midas por Deus mediante a fé em Jesus Cristo, elas ainda continuam pecadoras. Assim, aquele que crê em Cristo é justo e pecador ao mesmo tempo. Por isso, a lei e o evangelho devem ser permanentemente anun-ciados. Pois “não se pode entender a magnitude da graça de Cristo se-

92 “O pecado original é o pecado que herdamos de Adão, isto é, a completa corrupção de toda a natureza humana, agora privada da justiça original, inclina-da para todo o mal e sujeita à conde-nação” (Cf. LUTERO, Martinho, e outros autores. Catecismo Menor. Porto Alegre: Concórdia. 31a edição, 1995, p. 68-69)

93 LIVRO DE CONCÓRDIA, op. cit., Ap. II, 28, p. 105.

não depois de conhecidas as nossas enfermidades.”94

Isto é descrito da seguinte forma por Warth:

Claro, ainda será humano e cheio de falhas, pois o povo do Deus é “justo e pecador” ao mesmo tempo. Mas é um novo começo para restaurar a ima-gem divina. A imagem só será restaurada plenamente na res-surreição. Até lá o povo de Deus luta, por força do Espírito San-to, contra a velha corrupção e cobiça e consegue as vitórias do amor de Deus na sua vida com o próximo. Nessa luta diária o povo de Deus precisa além da alimentação contínua do evan-gelho, também a orientação que recebe através da lei escrita de Deus, agora no seu terceiro uso. Isto inclui o Decálogo e as Bem-aventuranças (Mateus 5). 95

Contudo, faz-se ne-cessário alertar para o cuidado que se deve ter ao aplicar o terceiro uso da lei, para que este não venha a substituir a doce e consoladora mensagem do

94 Ibidem, Ap. II, 33, p. 105. Cf. todo artigo II da Apologia, p. 99-109.

95 WARTH, 1992, op. cit., p. 10.

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evangelho, e assim, se tornar uma mensagem legalista que constran-ja as pessoas a produzir boas obras. Walther nos alerta para que tal fato não aconteça:

Que grande tolice, portanto, quando um pregador pensa que a situação de sua con-gregação vai melhorar, caso ele troveje lei por cima de seu povo e lhe apresente um qua-dro bem vivo do inferno e da condenação. Isso nada adian-ta no sentido de melhorar as pessoas... a lei não pode ope-rar uma mudança de coração, nem capacitar o homem a amar a Deus e ao semelhante. Se alguém é movido pela lei a praticar determinadas boas obras, ele as pratica apenas por constrangimento,...96

96 WALTHER, op. cit., p. 134.

A solução para que o povo de Deus faça boas obras sem o cons-trangimento da lei, só é possível a partir da mensagem do evangelho. Dessa forma os cristãos são moti-vados a fazer o que agrada a Deus. Buscam, assim, a vontade de Deus manifesta na sua lei e não conforme a sua própria vontade humana.97

Se você quiser reavivar suas futuras congregações bem como fazer com que o Espírito da paz, da alegria, da fé e da con-fiança, da mentalidade sim-ples, e Espírito da tranquilida-de da alma tome conta da vida de seus congregados, então, pelo amor de Deus, não empregue a lei para atingir tal propósito.(...)Que nenhum pregador pense

97 Ver a citação direta da nota 80.

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que não vai conseguir que os recalcitrantes façam a vontade de Deus através da pregação do evangelho e que se justifica pregar a lei e anunciar-lhes as ameaças de Deus. Se isto é tudo que ele sabe fazer, então ele cer-tamente conduzirá as pessoas ao inferno. Ao invés de bancar o policial em sua congregação, ele deve transformar os corações de seus membros para que eles, sem constrangimento, façam aquilo que agrada a Deus com um coração alegre e exultante. Aquele que tem a devida com-preensão do que representa o amor de Deus em Cristo Jesus, fica assombrado diante desse fogo abrasador que enche o céu e a terra. No momento em que ele crê nesse amor, não pode fazer outra coisa senão amar a Deus e, em gratidão por sua palavra, perguntar: “que posso fazer pelo seu amor e para sua glória?” 98

Por fim, a lei, que sempre é a mes-ma, permanecerá constantemente em seus três usos, também para o cristão, pois ele continua com a sua natureza corrompida e necessita da justiça de Cristo, que o impulsiona

98 WALTHER, op. cit., p. 135 e 136-137.

a realizar “exercícios da fé” sem o constrangimento da lei.

Como o cristão continua jus-to e pecador ao mesmo tempo, pois ainda precisa lutar contra a natureza corrompida (velho homem), seus atos nunca são puros. A “justiça” própria do cristão é parcial, porque a na-tureza corrompida só segue o “espírito voluntário” do novo homem (terceiro uso) por força do constrangimento da lei no seu primeiro uso. Sempre a lei no segundo uso precisa levar o cristão ao arrependimento di-ário para refugiar-se na justiça de Cristo pela fé. A justiça final de Cristo é, por isso, sempre uma justiça alheia, a justiça que recebe por lhe ser atribuí-da a justiça do Salvador Jesus Cristo. Só nesse sentido o cris-tão é justo, santo e perfeito. Em sua natureza corrompida continua pecador. A perfeição do cristão consiste em arrepen-dimento e fé. A vida do cristão de acordo com a “lei de Cristo” (terceiro uso da lei) consiste, na realidade, em “exercícios da fé” para vencer a afronta diária do mal que se insinua pela corrup-ção da imagem divina da pes-

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soa humana.99

Neste sentido a Escritura indica a nova vida daquele que está em Cris-to — “Cristo vive em mim”. Assim podemos notar que o terceiro uso da lei só é corretamente aplicado quan-do é ensinado a partir da doce e con-soladora mensagem do evangelho, e não de outra forma. Não por cons-trangimento e ameaça da lei; mas, com um espírito voluntário, de livre e espontânea vontade, como sendo frutos do Espírito, sem ter em mente alguma recompensa. Caso contrá-rio, se ensinará uma falsa doutrina e se cairá no legalismo, levando as pes-soas a depositarem a sua esperança e força em cumprir inutilmente a lei com a finalidade de assim obterem a salvação eterna.

Conclusão

Podemos notar que a lei no seu terceiro uso tem o seu lugar e vali-dade no ensino para os cristãos; po-rém, só é corretamente entendido e ensinado a partir do evangelho. Mas, se não existir este correto entendi-mento e ensino, inevitavelmente haverá um ensino legalista, ou seja, os cristãos irão buscar a salvação por suas próprias obras motivadas pela

99 Ibidem, p. 12.

lei. Em vez disso, sempre se deverá apontar para a salvação em Cristo. Cristo é o puro e doce evangelho. E a partir daí, usando a lei como guia, os frutos naturalmente irão aparecer na vida do crente sem que se preocu-pe com isso, e assim será uma bênção para si mesmo e para os que estão a sua volta. Isto sem nenhum cons-trangimento da lei, mas movido por um espírito voluntário.

Por causa da facilidade de con-fundir ou de colocar o terceiro uso da lei no lugar do evangelho, é impor-tante reexaminar o tema permanen-temente. Levando em consideração que o terceiro uso da lei é herança da Reforma Luterana e percebendo-se em alguns casos, também entre nós da IELB, que as pessoas são moti-vadas a viverem pela lei, em vez de viverem uma vida santificada a partir evangelho, este assunto merece con-sideração.

Queremos ressaltar alguns pon-tos relevantes que percebemos du-rante a elaboração deste trabalho. Primeiramente, que o terceiro uso da lei tem o seu devido lugar no ensino aos cristãos, isto porque Deus quer que os seus filhos vivam conforme a sua vontade e não segundo cada pes-soa bem entender. Segundo lugar, que é necessário fazer algumas dis-tinções, para assim compreendê-lo

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e aplicá-lo corretamente, como por exemplo: a pregação da justificação sempre deve anteceder a pregação da santificação. E finalmente, que a lei no seu terceiro uso só é corretamen-te ensinado a partir da pregação do evangelho.

Concluímos, lembrando o que Walther diz a respeito de como pro-ceder em relação aos filhos de Deus, para que eles, a partir do evangelho, produzam voluntariamente frutos do Espírito:

Se você quiser reavivar suas fu-turas congregações bem como fazer com que o Espírito da paz, da alegria, da fé e da confiança, da mentalidade simples, e Espírito da tranquilidade da alma tome conta da vida de seus congregados, então pelo amor de

Deus, não pregue a lei para atingir tal propósito.

Que nenhum pregador pense que não vai conseguir que os recal-citrantes façam a vontade de Deus através da pregação do evangelho e que se justifica pregar a lei e anun-ciar-lhes as ameaças de Deus. Se isto é tudo que ele sabe fazer, então ele certamente conduzirá as pessoas ao inferno. Ao invés de bancar o poli-cial em sua congregação, ele deve transformar os corações de seus membros para que eles, sem cons-trangimento, façam aquilo que agra-da a Deus com um coração alegre e exultante. Aquele que tem a devida compreensão do que representa o amor de Deus em Cristo Jesus, fica assombrado diante desse fogo abra-

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sador que enche o céu e a terra. No momento em que ele crê nesse amor, não pode fazer outra coisa senão amar a Deus e, em gratidão por sua palavra, perguntar: “que posso fazer

pelo seu amor e para sua glória?” 100

Rev. André Hönke é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil.

100 WALTHER, op. cit., p. 135 e 136-137.

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Apresentação

Cristo para todos é mais do que o lema da IELB (Igreja Evangéli-

ca Luterana do Brasil). É um projeto de Deus registrado nas Escrituras Sagradas. O próprio Senhor Jesus é quem envia: “Ide, portanto, fazei dis-cípulos de todas as nações, batizando--os em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guar-dar todas as coisas que vos tenho orde-nado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século” (Mt 28.19,20). A história mostra que em nenhum momento os discípulos (também nós) se sentem sozinhos nesta missão. Deus está presente acompanhando cada passo, confor-me sua promessa.

A igreja cristã de todos os tempos teve a percepção de sua responsabili-dade em tornar conhecido ao mun-do estas verdades a respeito do evan-gelho. Homens, mulheres, crianças e jovens, todos têm o privilégio em

Festival Missionário;Uma estratériga

Rev. Waldyr HoffmannFeStivaL MiSSionário

ser um missionário de Jesus onde vi-vem, dentro do seu contexto social. Por isso, em resposta ao envio dado por Jesus a IELB se propõe, entre as suas diversas ações visando à evange-lização, os Festivais Missionários, re-comendando sua aplicação em todas as suas congregações ou paróquias.

Para tanto o DEM (Departa-mento de Expansão Missionária — da IELB) preparou um mate-rial que pode ser utilizado, revisto e adaptado em cada realidade onde os festivais forem sendo executa-dos. A ideia é de que todos os membros estejam juntos nesta ação missionária, respeitando os dons de cada um. Também importante é ressaltar que os Festivais Missioná-rios fazem parte do Planejamento IELB 2014.

Oramos ao Se-nhor que a realização dos Festivais Missio-

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Festival Missionário;Uma estratériga

FeStivaL MiSSionário

nários se torne uma grande opor-tunidade para a expansão do Reino de Deus neste mundo. Somos uma igreja cristã que tem uma mensagem do amor de Deus para com as pes-soas. Pedimos ao Senhor Deus sua bênção para este grande desafio.

Justificativa

A IELB está sempre buscan-do a melhor forma para a sua

intervenção missionária. Ações como novas frentes missionárias, divisão de pa-

róquias e a criação do PEM são alguns reflexos desta sua

preocupação em levar o evangelho a um número cada vez maior de pes-soas, efetivando, assim

o seu lema Cristo para todos.Estamos conscientes de

que as ações não se es-gotam e precisam ser

revisadas continuamente em virtude das próprias mudanças que ocorrem na sociedade e de forma tão rápida. Precisamos a todo tempo buscar por novas adequações (ou adaptações) do nosso trabalho e modelo de in-tervenção.

O Festival Missionário é uma das ações propostas pela IELB com a finalidade de ajudar as congrega-ções a se tornarem ainda mais efeti-vas na área da evangelização. Desta forma a IELB se compromete com a comissão de Jesus (“ide” - Mt 28) dada aos discípulos e à igreja. Além dos cultos, Estudos Bíblicos e reu-niões de departamentos, que por si só são formas de evangelização, acre-ditamos que seja o desejo de todos participarem ainda mais deste anun-ciar o evangelho às pessoas que não conhecem a Jesus. Para que isso seja possível precisamos encontrar (ou construir) as estratégias para a ação evangelística.

O Festival Missionário consis-

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te num evento que mobiliza toda a igreja para missão e evangelização. Sua organização inicia com a esco-lha de uma data, tema, pregadores, grupos musicais, entre outras coisas. Já temos congregações que tiveram esta experiência e os resultados sem-pre são surpreendentes porque se observa uma mobilização dos mem-bros na organização bem como uma participação expressiva de visitantes nas atividades oportunizando um crescimento da igreja.

O projeto é um reflexo da busca da IELB por estratégias missionárias que visem mobilizar as igrejas e seus membros individualmente. O obje-tivo sempre é motivar e instrumen-talizar para a missão. Há um cami-nho longo para ser percorrido e em cada região a IELB precisa entender melhor a formação histórica da reli-giosidade brasileira e local. Assim ela terá maior conhecimento de causa e, com isso, sua ação será mais eficaz. Entender sobre quem é quem no território brasileiro, sua cultura, seus gostos e anseios são passos decisivos para a evangelização. O Festival mis-sionário, por exemplo, pode perfei-tamente ser aplicado a qualquer re-alidade e trará bons resultados para a IELB.

O que se propõe, portanto, com este projeto é avaliar a nossa cami-

nhada até aqui e construir junto com as congregações as estratégias para a evangelização respeitando o contex-to local, mas em nenhum momento se abstendo da nossa responsabilida-de em levar Cristo para todos.

O Festival Missionário foi pensa-do em ser efetivado em quatro eta-pas:

a. Estudo teológico da missão na IELB;

b. Fase de sensibilização (ativida-des pré-festival), levando em conta as particularidades de cada região e preparação do evento.

c. Evento em si;d. Desdobramentos do evento.

a. Estudo Teológico da Missão na IELB

Vivemos num país pluricultural e plurirreligioso, com as suas espe-cificidades em cada região, do Norte ao Sul. Os valores éticos, morais e religiosos de cada pessoa estão pre-sentes nas suas falas, na forma como celebram a espiritualidade, nas suas expressões culturais, levando-se em conta a história de cada um. É evi-dente que, com o passar do tempo, muitas modificações dos valores co-meçam a surgir, alheios até à nossa vontade, mas que acabam desviando

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a forma original de alguns, até mes-mo no viver da sua religiosidade.

A teologia está sempre presente na vida das pessoas. Assim elas ce-lebram a sua religiosidade. Não im-porta onde este povo esteja vivendo, cada um, por si, alimenta a sua ex-periência da fé. As igrejas fazem um contrabalanço a estas experiências, enfatizando os seus dogmas e refe-renciais teológicos, o que se torna em elemento de unidade entre elas. A IELB também tem a sua visão a respeito do conceito de missão, bem como sua prática, que passamos a ex-por a seguir.

Conceito de Missão na IELB

O conceito de missão da IELB está ligado à sua filosofia de cres-cimento da Igreja onde a “palavra missão expressa a ideia de enviar” (HUNTER, 1993, p. 26)1. A igreja não se limita ao seu espaço de cul-to onde as pessoas se reúnem para adoração, mas ela “está reunida no dia do Senhor em torno da Palavra e sacramentos2 apenas para se espalhar

1 HUNTER, Kent R. Fundamentos para o Crescimento da Igreja. São Paulo: ICSP, 1993.

2 A IELB aceita como Sacramentos o Ba-tismo e a Santa Ceia. Têm como carac-terísticas o fato de serem instituídos por Deus, ligados à Palavra de Deus, o uso

novamente através da comunidade próxima” (HUNTER, 1993, p. 26). Com isso se entende que a missão da Igreja se torna efetiva quando o povo se sente enviado a proclamar o Evangelho ao mundo. Entende-se Evangelho como boa nova, e evan-gelizar como levar a boa nova do Reino a todos, cristãos ou não cris-tãos, levando-os à fé. Diz Martinho Lutero:

Vivemos na terra com nenhum outro propósito senão o de ser útil aos outros. Se não fosse as-sim, seria melhor para Deus tirar a nossa vida logo após o Batismo, quando começamos a crer. Mas Ele permite que vi-vamos a fim de que levemos ou-tros à fé, fazendo por eles o que Deus tem feito por nós (Manu-al de Evangelização3, p. 9).

Ou, conforme diz o teólogo lu-terano, Erni Walter Seibert (1988, p.83)4:

Como a igreja tem por missão

de meios externos ou visíveis e oferece-rem perdão dos pecados.

3 O Manual de Evangelização foi compi-lado em 2000 e faz parte do Projeto do PEM e quer ser uma ferramenta para pastores e leigos com vistas ao treina-mento evangelístico.

4 SEIBERT, Erni Walter. Congregação Cristã; Enfoques Teológicos e Práticos. São Paulo: ICSP, 1988.

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pregar o Evangelho, evange-lizar é algo que ela não pode deixar de fazer. Da execução desta tarefa resulta, mediante ação do Espírito Santo, a cria-ção da fé verdadeira em Jesus Cristo, o Salvador. É através do testemunho da igreja que Deus planejou levar a boa nova da salvação a todas as pessoas. Quando a igreja é infiel no cumprimento desta tarefa, ela não apenas se retrai do conta-to com os meios da graça5 de Deus, mas também presta um desserviço ao mundo, deixando de ser sal e luz.

Uma ênfase na IELB é que o evangelismo deva partir de uma te-ologia sadia, e uma teologia ligada à vida diária. Isto significa uma cons-trução de referenciais ou matrizes teológicas da missão, levando em conta um alicerce teológico, sem, no entanto, desconsiderar as necessida-des daqueles que são objetos da nos-sa prática missionária. O que segue é um resumo dos princípios teoló-gicos que norteiam a prática missio-nária da IELB, tendo por base o seu Manual de Evangelização.

5 Meios da Graça = Palavra e Sacramen-tos.

1. O Evangelismo começa com Deus

O princípio da evangelização, a partir de Deus, já começou com Adão e Eva (Gn 3.8-9, 15). O intui-to de Deus foi buscar e redimir o ho-mem caído. Fez a promessa de enviar o Salvador. Fez aliança com Abraão, Isaque, Jacó, Moisés e Davi reafir-mando o Seu propósito de salvar o Seu povo, reconciliando-o consi-go (2 Co 5.19). A Igreja tem

u m papel importante, como instrumen-to de Deus. “A igreja é igreja devi-do à ação graciosa de Deus e, se ela está em missão no mundo, é porque Deus a comissionou para tal (cf. Mt 5.13,16; 2 Co 2.15, 3.2-2; 1 Pe 2.9-10, 3.15)” (Manual de Evangeliza-ção, p. 11). O desejo de Deus sempre foi que todos sejam salvos pela fé em Jesus Cristo (Ef 2.8,9) e cheguem ao

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pleno conhecimento da verdade. A igreja tem uma missão con-

ferida por Deus. “A tarefa da igreja sempre estará incompleta enquanto houver pessoas que não conhecem ou não creem em Jesus Cristo como o Salvador” (SEIBERT, 1988, p. 25). Todos são convocados a exerce-rem a evangelização do mundo. Não há lugar para acomodados. Para que

isso se torne possível é n e c e s s á r i o

a igreja organizar-se, envolvendo a todos no trabalho, e preparando pessoas e líderes para execução das tarefas. A capacitação de cada um depende muito da liderança desen-volvida pelo seu pastor.

2. O pecado torna o evangelismo urgente e necessário

A Bíblia Sagrada narra a história da misericórdia de Deus para com o homem por causa do seu pecado. O homem, ao dar ouvidos ao diabo, cai e traz todas as consequências do seu ato para a humanidade. Seu desejo se tornou um grande erro e, por esta razão, o ser humano ficou privado de uma comunhão mais próxima de Deus, sem levar em conta o seu resultado final, a morte. O homem está distante de Deus, quebrou o laço de harmonia atraindo a ira de Deus ( Jo 3.36) e sofrerá castigo e destruição eterna (2 Ts 1.8-9) se não se arrepender. Segundo Lutero:

Ensina-se, outrossim, entre nós que depois da queda de Adão todos os homens naturalmente nascidos são concebidos e nasci-dos em pecado, Isto é, que desde o ventre materno todos estão plenos de concupiscência e in-clinação más, e por natureza não podem ter verdadeiro te-mor de Deus e verdadeira fé em Deus. Também, que essa inata pestilência e pecado hereditá-rio verdadeiramente é pecado e condena à eterna ira de Deus a quantos não renascem pelo batismo e pelo Espírito Santo (Livro de Concórdia, 1983, p. 29)6.

6 LIVRO de Concórdia. 3. Ed. Tradução:

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As atitudes do ser humano não condizem com a realidade de paz estabelecida por Deus. O próprio Senhor Jesus testifica isso quando afirma que “é do coração do homem que procedem maus desígnios, ho-micídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blas-fêmias” (Mt 15.19). Então cada in-divíduo traz consigo as marcas do pecado e age de forma descompro-missada com o Evangelho de Deus, com atitudes de violência contra o outro, seja esta verbal ou com ações, gerando enormes dificuldades nas relações humanas.

Por isso, é urgente a evangeliza-ção. A mensagem do Evangelho tem como propósito resgatar o pecador

Arnaldo Schuler, Porto Alegre: Concór-dia e São Leopoldo: Sinodal, 1983.

de sua vida ímpia e levá-lo a refletir sobre as promessas e perdão da parte de Deus. Esta condição do ser huma-no é um reflexo do pecado herdado, original, e de suas práticas diárias, contrapondo, assim, com a vontade de Deus revelada nas Escrituras Sa-gradas. Somente a partir do ouvir da Palavra que o indivíduo é converti-do, fazendo parte do povo de Cristo novamente.

3. O evangelismo está centrado em Jesus Cristo

A iniciativa do resgate do ho-mem pecador está em Deus e se con-cretiza em Jesus Cristo, que se tor-nou homem ( Jo 1.14) a fim de dar a sua vida por todos. Desde o texto de Gênesis 3.15, quando é feita a pro-messa do Salvador, passando pelos

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profetas e todo o Antigo Testamen-to e se cumprindo com o nascimen-to, morte e ressurreição de Jesus, é que vemos a centralidade de Jesus na história da salvação. Ele, por meio do seu sangue derramado, reconci-lia o homem a Deus. Jesus fez tudo como planejado por Deus. Torna-se o centro da promessa e corresponde, com a sua vida, morte e ressurreição, ao cuidado de Deus para com o ser humano. Por isso o apóstolo Paulo afirma: “Justificados, pois, median-te a fé, temos paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo; por intermédio de quem obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes” (Rm 5.1,2). Diz Hunter (1983, p. 34):

A cruz é a maior demonstração da paciência de Deus em favor da salvação da humanidade. Ele não poupa nem seu úni-co Filho (Rm 8.32). Quando Jesus declarou: “Meu Deus, meu Deus, por que me desam-paraste?” (Mc 15.34), ele não estava apenas passando por um momento de fraqueza e so-lidão próximo da morte. Jesus foi abandonado por Deus, em favor de todas as pessoas. Ele tomou sobre si o julgamento de Deus que os homens mereciam. Embora Jesus fosse perfeito em

todos os sentidos, ele tomou sobre si o pecado da humani-dade. O resultado foi morte e separação do Pai. Quando o plano de Deus atingiu este pon-to, Jesus pode dizer “está con-sumado” (Jo 19.30). O plano do perdão estava realizado. A obra de Cristo em favor da sal-vação do homem estava feita. Mas o plano de Deus incluía a ressurreição.

Esta é a mensagem proclamada pelos cristãos de todas as épocas. “A igreja proclama com alegria Jesus Cristo e a sua obra redentora como o centro de sua mensagem evangelísti-ca, pois não há salvação em nenhum outro. É por meio do nome de Jesus, e de ninguém mais no mundo, que podemos ser salvos (cf. Jo 14.6; At 4.12)” (Manual de Evangelização, p. 12).

4. O Espírito Santo e o evangelismo

O Espírito Santo está intrinse-camente ligado ao evangelismo. Ele convence o mundo do pecado e da incredulidade ( Jo 16.8). O Espírito Santo usa a Palavra inspirada por ele mesmo como meio para atuar nos corações das pessoas, criando e mantendo a fé em Jesus Cristo (cf. 1

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Co 2.1-4, 13; Gl 4.7; Tt 3.5-7). Cria uma nova vida, de paz e liberdade. Por isso, o homem, fortalecido pelo Espírito Santo, pode “afogar a sua velha natureza e viver em novidade de vida, testemunhando Cristo e au-xiliando a edificar o corpo de Cristo (Gl 5.22-26; Ef 4.22-24; 1 Co 12.4-13, 25)” (Manual de Evangelização, p. 13). Por esta razão, a Igreja conti-nua evangelizando o mundo na cer-teza de que o Espírito Santo tem lhe dado este poder.

O Espírito Santo quebra as bar-reiras culturais do nosso tempo as-sim como o fez entre gentios e ju-deus (At 10.44-48). “Ele continua atuando por meio da palavra pre-gada e da administração dos sacra-

mentos” (Manual de Evangelização, p. 13). E a Igreja de Cristo cresce à medida que estes meios da graça são colocados à disposição das pessoas. Diz Hunter: “Sempre que há um amplo crescimento da igreja é por-que o Espírito Santo está chamando as pessoas a si, reunindo a igreja cris-tã, iluminando as pessoas com seus dons e santificando (alimentando) e mantendo elas na fé verdadeira” (HUNTER, 1993, p. 36). Portan-to, sempre é de Deus a iniciativa de trazer o homem ao arrependimento e à fé e ele o faz pela Palavra e Sacra-mentos. Diz Jeremias: “Se Deus não nos converter não seremos conver-tidos” ( Jr 31.18). “Foi a graça que moveu a Deus a redimir o homem

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pela morte de seu Filho, e é a graça, e em nenhum sentido o mérito do homem, que move a Deus a conver-ter o homem, e dar-lhe as bênçãos da redenção de Cristo” (KOEHLER, 1981, 125)7. Estas são as marcas re-gistradas da Igreja cristã.

5. Evangelismo é Cristo para todos

Desde o ano de 1991, a IELB tem adotado o lema Cristo para to-dos, por entender que a evangeliza-ção é universal. Não escolhe etnia ou posição social ( Jo 1.29, 2 Co 5.19). A Palavra de Deus surtirá efeito na vida de qualquer pessoa quando houver o seu anúncio. E o evange-lismo começa onde está a igreja, seja ela local ou individual (At 1.8). E a evangelização interna é tão necessá-ria quanto a externa. A mensagem do amor de Deus pelos pecadores é de reconciliação (Rm 5.8ss). Todos os cristãos passam a serem embai-xadores de Deus (2 Co 5.20). Este lema tem o seu respaldo no próprio Cristo que antecipa Sua comissão de evangelizar o mundo quando diz em Mateus 5.14: “Vós sois a luz do mundo” e em Mateus 5.16: “Assim brilhe também a vossa luz diante

7 KOEHLER, Edward W. A. Sumário da Doutrina Cristã. Porto Alegre: Concórdia, 1981.

dos homens, para que vejam as vos-sas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus”. Mais tarde Ele ordena: “Ide, portanto, fazei discí-pulos de todas as nações, batizando--os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guar-dar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação dos séculos” (Mt 28.19,20). Ele ordena a evangelização e promete estar junto. E assim continua até os dias de hoje. O Espírito Santo, o Consolador, foi enviado para nos acompanhar.

A igreja se torna cooperadora deste Cristo para todos. O tempo da salvação continua o mesmo (2 Co 6.2). Enquanto a igreja se cala, ami-gos, parentes e mesmo inimigos es-tão morrendo sem a fé no Salvador. Seus interesses pelo materialismo e/ou mundanismo são cada vez maio-res. Por isso, Deus está desafiando a cada cristão e a cada igreja a serem evangelistas, rompendo com o co-modismo missionário.

6. Evangelismo requer envolvimento pessoal

A partir do momento que se sen-te chamado à comunhão com Deus, por meio da fé em Jesus Cristo, o cristão quer ter um envolvimento pessoal com o seu Salvador. O pró-

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prio Jesus afirma que o cristão é “sal” e “luz” (Mt 5.13-16). Neste espírito ele vai testemunhando a sua fé e es-palhando o Evangelho da vida. Na-turalmente se espera que o crente vá nutrindo a sua relação com Deus com o

estudo da palavra (cf. Sl 119.105; Jo 5.39-40; 2 Tm 3.14-17; 1 Ts 5.8-11); parti-lhando com os demais irmãos as dificuldades, bênçãos e ale-grias (cf. Rm 1.11-12, 15.32; Hb 10.19-25), orando uns pelos outros (cf. Ef 6.18-20; Cl 4.2-4; 2 Ts 3.1-5), testemu-nhando e encorajando uns aos outros (cf. Rm 12.9-10, 15; Cl 3.13-14) (Manual de Evange-lização, p. 14).

Isto significa que o cristão tem a sublime tarefa de testemunhar, bem como a de se integrar ao trabalho da igreja, nas suas mobilizações para a evangelização. Em suma, evangelis-mo é o povo de Deus em ação.

Diante do exposto tem-se a ideia de que a IELB precisaria estar em missão. Leonardo Neitzel (1992, p. 13)8, teólogo luterano, afirma:

A missão da IELB é a mis-são de Deus (missio Dei). Em

8 NEITZEL, Leonardo. A missão da IELB. Vox Concordiana. São Paulo, SP, 8, no. 2, 1992.

outras palavras, a IELB está em missão no mundo; está no mundo a serviço do Pai. Esta missão Jesus Cristo, a Cabeça da Igreja, tornou transparen-te em todo o seu ministério, e resume-se numa frase: Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido (Lc 19.10). Essa é a missão da IELB: tor-nar a salvação em Cristo conhe-cida a todos os perdidos. Dessa forma cada cristão individual-mente, independente de sexo, raça, idade ou contexto em que vive — é um instrumento na propagação do kerygma da sal-vação em Cristo.

Com isso em mente, a IELB ma-nifesta a sua consciência pela neces-sidade de cumprir com a Grande Comissão de Jesus. O seu programa PEM (Programa de Evangelização e Mordomia), criado em 1990, tem contribuído nesta reflexão, pois, ano após ano, mais comunidades e in-divíduos são alertados, instruídos e motivados a assumirem o seu com-promisso dentro do Reino. A partir deste programa foram idealizadas al-gumas estratégias evangelísticas que estão sendo usadas pelas igrejas da IELB espalhadas pelo país, entre os quais o Festival Missionário.

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b. Fase de sensibilização e preparação do evento

Esta é uma fase muito importan-te na organização do Festival Missio-nário. A partir do momento em que a congregação ou paróquia optar pela realização do Festival Missioná-rio, isso demanda reuniões prepara-tórias, o que por si só já é um grande ganho para os membros, pois além de estarem se capacitando, estarão ampliando a sua comunhão e com-preensão do que significa ser cristão para os outros.

É necessário que esta fase (atividade pré-festival) leve em conta as particularidades de cada região. A proposta do festival é que seja feito em duas noites (sábado e domingo) nas congregações (ou pa-róquias) pelas seguintes razões:

+ É uma oportunidade das con-gregações avaliarem sua cami-nhada até aqui. Pode ser feito um levantamento gráfico so-bre o crescimento da igreja como a integração dos mem-bros.

+ Favorece o envolvimento de todos nos processos prepara-tórios, de execução e posterior. Fazer um acompanhamento dos membros — equipe.

+ Os resultados localizados são mais fáceis de serem mensura-dos e despertam a comunida-de.

A partir disto a igreja cristã or-ganizada perceberá que tem dois objetivos na evangelização (missão), atentos ao lema da IELB Cristo para todos:

a) Cuidar daqueles que fazem parte da igreja

+ Ensinando-lhes a respeito do reino e vida cristã

+ Capacitando-os a serem boas testemunhas do rei-no aos outros, através da Doutrina, Escola Domi-nical, Sermões, Estudos Bíblicos, Palestras, juven-tude, etc.

b) Buscar aqueles que estão afas-tados ou fora da igreja.

+ Membros inativos — aco-lher e integrar.

+ Novos membros — desde que estes não estejam en-volvidos em outras igre-jas cristãs (não pescar no aquário alheio)

Nada impede a realização dos fes-tivais de outra forma, seja esta regio-nal, distrital ou em aproveitamento de algum evento maior. No entanto, fica o incentivo a que seja feito em nível local para de fato envolver a congregação e construir uma cultura de evangelização por parte de todos os membros. Em formatos maiores, normalmente os lideres acabam se

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inserindo e os demais ficam de fora. Se quisermos uma congregação mais forte na evangelização este é o mo-mento impar para que isso aconteça.

Para a realização do Festival, este já precisa estar na agenda com bastante antecedência para não se perder o foco, bem como desde o princípio orar por ele. Uma das su-gestões é de que com três meses de antecedência a congregação comece a se articular para o evento, com reu-niões, preparo de material, convites às bandas, coral, pregadores ou ou-tros grupos. Também é o período de treinamento de recepcionistas, evangelistas e a equipe de escola dominical, uma vez que ela estará diretamente ligada ao projeto. Va-mos assim chamar esta fase de sen-sibilização da igreja. A área da ação evangelística precisa ser delimitada, escolha do local do evento, convites confeccionados, faixas, cartazes e

outras formas de divulgação. Podem ser colocados convites em caixas de correio nas residências próximas ao local do evento (com repetição dos convites nos dias próximos ao even-to). É um período para integrar a igreja com a mobilização para even-to.

Como dito anteriormente a Es-cola Dominical terá um papel im-portante no processo. A ideia é tra-balhar duas tardes com as crianças — elas teriam uma pequena apresen-tação à noite (o que também desper-ta interesse dos seus familiares).

Reuniões preparatórias para o festival missionário

As reuniões preparatórias con-tribuirão para o levantamento de possibilidades de ação com o en-volvimento de toda a congregação.

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Tarefa Responsáveis Prazo SituaçãoAgendar reuniõesContato com a mídiaArrumação da igrejaContatos com músicos e coraisParte elétricaData showCadeirasKit visitanteLocalCarro de somCamiseta (identificação do encontro)Internet - divulgaçãoMaterial para contato posterior (cartão, literatura....)Contato com pregadoresHinos / CânticosEstacionamentoLancheMaterial evangelístico/literaturaFaixas e cartazesConvitesFotos?????

Numa espécie de mutirão todos os membros precisariam estar inseridos no programa. A Igreja estando sensi-bilizada para a sua responsabilidade em levar o evangelho é o grande de-safio do pré-festival. Sendo a salva-ção um bem tão precioso não pode ficar escondida ou limitada a um pe-queno grupo de fieis. Todos são al-

vos da mensagem do amor de Deus e a igreja abre suas portas e torna isso possível com a evangelização.

Quanto às tarefas para o evento elas são diversificadas. Não deve fi-car a responsabilidade sobre poucos. Abaixo está um exemplo de uma possível planilha que poderá ser usa-da:

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1ª. Reunião — DiretoriaA diretoria da congregação tem um papel importante nesta etapa. Por isso

esta reunião visa à exposição dos objetivos do Festival Missionário e sua sensi-bilização para o mesmo. Ela fará um primeiro mapeamento das necessidades para a realização do evento. Ex.: local, data, divisão de tarefas, etc.

O momento também é de oração. Deus conduz toda a ação da igreja. Te-mos consciência disso.

Reflexão (estudo) para esta 1ª. reunião.

Tema: Evangelizando de todas as formas

Introdução

Seguidamente temos sido advertidos da nossa falta de empenho na evan-gelização, o que não é nenhuma inverdade. Se pararmos um pouco para pen-sar sobre isso chegaremos à conclusão que o tempo está passando, vamos ficando mais velhos e queremos deixar para depois a evangelização. Ou até mesmo imaginamos ser isso tarefa dos mais jovens ou de quem esteja apo-sentado e dos pastores. Jesus não escolhe idade nem sexo quando envia os discípulos (não somente os doze, mas também os outros seguidores — a igre-ja) para anunciar o evangelho a todas as nações (Mt 28). Portanto, todos nós somos evangelistas e o fazemos de todas as formas.

Somos capacitados para esta tarefa

É comum ouvirmos as pessoas dizerem: mas eu não sei o que falar. Es-tamos conscientes de que esta não é a verdade. O que pode estar ocorrendo é uma fuga ou o esconder-se atrás de uma ideia de que não esteja apto para falar. O mais correto seria afirmar: Eu não tenho o hábito de falar sobre Jesus para as pessoas. Conversamos sobre muitos assuntos, esportes, tempo, gover-no, novela, mas sobre Jesus temos dificuldades. Parece que trava tudo e em consequência disso afirmamos nossa inaptidão.

Entretanto, desde cedo somos capacitados para esta tarefa. Fomos bati-zados, integrados à família de Deus, participamos da Escola dominical, ins-trução de confirmandos (Doutrina), juventude, cultos, palestras, congressos,

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etc. São inúmeras as oportunidades para a aprendizagem o que nos tornam aptos a falar. Agora basta uma coisa: Praticar, criar o hábito. Deus colocará as palavras certas em nossos lábios (Dt 18).

Como evangelizar?

Muito simples! Cada um fará a partir da sua realidade, seja família, am-biente de trabalho, estudo, ou lazer. O testemunho vale muito. Não negar a fé ou sua identidade cristã é uma porta aberta a fim de acolher as pessoas. Muitas são as possibilidades para falarmos a respeito do amor de Deus. Apro-veitem uma a uma, sem medo, criem um hábito, sem serem considerados ex-tremistas. Logo seremos notados pela diferença positiva que fazemos para as pessoas. O evangelismo pessoal que leva em conta os relacionamentos do in-divíduo é tão importante e pode impactar mais do que grande concentração.

A igreja e o evangelismo

Antes de pensarmos na igreja como estrutura, templo, precisamos pensar que cada um individualmente faz parte da igreja. Então não podemos pensar igreja como ELA, mas NÓS. Ou seja, a responsabilidade recai sobre cada individuo (todos). Pastores e lideranças serão importantes na direção da mes-ma, mas todos precisam se apoiar mutuamente para a evangelização, como num mutirão.

Enganam-se aqueles que pensam que a igreja é um fim em si mesmo, pen-sando ser ela para batizar, confirmar, casar e enterrar. A igreja é uma agência de Deus para o mundo com o propósito de levar as verdades de Jesus a todas as pessoas a fim de que estas, ouvindo a palavras sejam orientadas pelo Espíri-to Santo a chegarem à fé salvadora.

Por isso a igreja irá procurar por todas as formas para levar este evangelho de Cristo para todos.

Conclusão

A tarefa de evangelizar é de cada um. Fazemos isso individualmente mes-mo que seja a partir de estratégia missionária usada pela igreja. A missão de evangelizar é das pessoas que estão naturalmente ligadas a uma igreja cristã.

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Questões para reflexão:

Quais são as nossas ações missionárias que já estão sendo desenvolvidas a partir da Congregação?

Como os membros da igreja estão sendo capacitados para a evangeliza-ção?

2ª. Reunião — Departamentos (todos eles em separado)Após a reunião da diretoria, esta, com o pastor

se organizam juntamente com os departamentos da congregação (servas, leigos, jovens, Escola domini-cal, coral, Casais, singulares, músicos, etc.). Desta forma todos estarão integrados no projeto. Poderá ser aplicado o mesmo estudo preparatório feito na reunião da diretoria. Sugere-se que estas reuniões sejam realizadas separadamente com os departa-

mentos a fim de que no grupo menor haja maior interação e apropriação do projeto. É importante assegurar o envolvimento de toda a congregação no evento. Desta forma todos estarão voltados para o mesmo objetivo, se capaci-tando bem como construindo uma nova cultura que visa à evangelização. O evento em si é um motivo para a igreja se mobilizar para sua ação missionária. Acredita-se que a congregação não será mais a mesma após estas reuniões preparatórias e a efetivação do projeto em si. Haverá um desencadeamento de inúmeras outras ações missionárias por parte de todos os que estiverem envolvidos. Os dons são diversos e precisam ser direcionados para aquilo que convém ao servo de Deus. É, portanto, um privilégio especial levar a mensa-gem de Jesus às pessoas.

3ª. Reunião — Com toda a igrejaEstando já a diretoria e todos os departamentos sensibilizados para o Fes-

tival Missionário, agora é o momento de toda a igreja entrar em ação. Poderá haver um ato público em prol do Festival Missionário. O espaço do culto po-derá ser muito bem apropriado para este momento. A partir daí a igreja será convidada a se engajar no projeto, como um todo (tipo mutirão). Abaixo segue uma sugestão de uma possível mensagem para este momento (sujeita a

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adaptações).

Tema: Jesus quer as almas.

Texto: Jo 4.1-30Amados em Cristo, há costumes que vão passando pelas gerações e che-

gam até nós. Como exemplo vemos aquele senhor de idade, com seu chapéu na cabeça que, ao cumprimentar alguém, o tira e inclina a sua cabeça. Ao chegarmos à casa de alguém, batemos palmas antes de entrar. Outros costu-mes estão relacionados ao vestuário, ao modo como os filhos são educados, etc. Na época de Jesus não era diferente. Haviam costumes que eram seguidos rigorosamente pelas pessoas. No texto do Evangelho de João (4.1-30) vemos Jesus se chocando com alguns destes costumes. Por exemplo, vemo-lo con-versando com uma mulher — os fariseus evitavam contato com mulheres não parentas; teve contato com uma samaritana — na opinião dos rabinos, todos os samaritanos eram imundos; ensinou a uma mulher — os fariseus eram da opinião que seria melhor queimar a Torá (lei) do que entregá-la a uma mulher. Jesus, ao que parece, não estava muito preocupado com isto. Ele quer ganhar a alma daquela mulher. Por isso, logo abre o diálogo fazendo-lhe um pedido: Dê-me água.

Percebemos neste seu pedido que sua palavra e modo de agir revelam o seu desejo: ganhar a alma. Assim foi durante o tempo em que viveu neste mundo. Muitos creram nele em vista daquilo que viram e ouviram. As pala-vras de Jesus nos evangelhos apontam para a sua ênfase missionária. Somado a isto, sua ações revelaram que o objetivo final era um encontro da pessoa com Cristo. Ao retornar para o Pai, os apóstolos continuaram divulgando a mesma mensagem de Jesus. Entre eles destacamos o apóstolo Paulo, um incansável propagador do evangelho com vistas à salvação de todos.

Nesta busca pela alma do indivíduo, Jesus não escolhe as pessoas em par-ticular para transmitir o seu ensino. Um exemplo disso está registrado neste Evangelho onde vemos que Jesus se aproximou de uma mulher samaritana. Judeus e samaritanos não se misturavam. Mas o objetivo de Jesus era a alma daquela mulher. Faz-lhe uma explanação sobre a água da vida e este seu ensi-no despertou o interesse daquela mulher. Muitas vezes, até temos vontade de ajudar alguém, expor o evangelho, mas ficamos com medo, envergonhados. Giramos, giramos e não chegamos ao ponto “x” da questão. Ocorre que mui-

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tos amigos e parentes nossos acabam se perdendo por nossa causa, porque não lhes damos assistência espiritual.

Como estratégia Jesus revela o pecado daquela mulher. O pecado não lhe permite servir a Deus. Há necessidade de reconhecimento da culpa e arre-pendimento verdadeiro. Muitos querem continuar vivendo no erro, mesmo estando conscientes de sua decisão. Dão espaço ao diabo, à carne, ao mundo. Guardam o seus segredos imaginando que Deus não os conhece. O que, em sua opinião, Deus não pode saber? Se não houver arrependimento e fé verda-deiros, jamais a pessoa pode viver na esperança da vida com Jesus. A mulher samaritana reconhece que sua vida estava toda errada, se arrepende e confia na graça de Deus revelada por Jesus.

Assim, Jesus poderá agir em nossa vida. Sua palavra revela quem ele é. Ele é a água da vida. Aqueles que nele creem, não terão mais sede. Somos mais do que consolados com este evangelho. Sentimo-nos seguros contra todo o mal.

A atitude de Jesus cria o desejo de testemunhar. A mulher, após a conversa com ele, após ter sido convencida sobre a sua vida, vai correndo e chama mui-tos para se encontrarem com Jesus. Está estimulada a testemunhar. Aquele que sente a ação de Deus na sua vida, também está estimulado a testemunhar de Jesus. A igreja não vai ficar parada. O mundo precisa ouvir do Salvador. Esta tarefa foi dada por Jesus a todos nós.

Concluindo, o texto nos orienta quanto à evangelização, partindo do exemplo de Jesus:

a. Não pensou em si, mas nas necessidades espirituais da mulher peca-dora, v. 6;

b. Começou por um assunto em comum: água, v.7;c. Falou da salvação em termos atuais, vv. 9-15.d. Mostrou o pecado, vv. 20-22.e. Ensinou a verdade, vv. 23-24.f. Falou do Messias, vv. 25-26.

A sublime mensagem do evangelho de Jesus Cristo e do seu amor é para ser anunciada ao mundo. Ao examinarmos à nossa volta chegaremos à con-clusão de que muitos continuam nas trevas, perdidos, sem um destino seguro para as suas vidas. De fato, quando sentimos todo o amor de Deus em nossa vida somos impulsionados ao evangelismo. Este amor é demonstrado em Jo 3.16; Mt 9.35-36 e 1 Co 9.22.

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Orientações Gerais na Preparação do Evento

A fase de sensibilização e prepa-ração (capacitação) é muito impor-tante para a execução Festival Mis-sionário. Nesta diversos elementos precisam ser pensados em conjunto. O que segue, portanto, são orienta-ções gerais para facilitar a todos na construção do processo do evento.

1. Escolher localPode ser na igreja, mas há possi-

bilidades em ser realizado em outros locais tais como ginásio, salões ou mesmo em praça pública. Precisa-mos pensar em quantas pessoas gos-taríamos de alcançar com o evento. Se a opção for convidar uma banda talvez necessite de um local mais amplo (salão, ginásio). O mesmo se

tiver um grande coral. Não podemos nos esquecer do possível teatro dos jovens que talvez necessite de um lo-cal mais apropriado. É evidente que cada congregação (até mesmo distri-to) estará segura do que quer fazer o melhor possível garantindo o êxito do evento. O importante é fazer o primeiro Festival. Depois poderão ser tiradas as conclusões para a rea-lização de outros eventos.

2. Demarcar regiãoPara um melhor aproveitamento

dos convites a serem entregues em caixa de correio (convites personali-zados — vizinhança) a demarcação em especial deveria ser feita nas ruas próximas onde será realizado o even-to. Sendo uma cidade maior, esta demarcação poderá ser feita nas re-giões mais próximas ao evento (bair-

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ro ou quadras). Se, entretanto optar por um bairro ou em se tratando de cidade pequena/vilas mais pessoas poderão ser contatadas. Isso vai de-pender da localidade.

3. Escola DominicalParticipação de crianças no cul-

to. Uma boa sugestão para o evento é a Escola Domincal. Poderia se op-tar pela atividade com as crianças à tarde para inserção delas à noite, no culto. Para isso é necessário preparar bem os professores além de ter uma boa equipe de apoio, tanto para os convites como também para ajudar na e durante a organização. Confor-me o número de crianças que que-remos atingir a equipe aumenta ou diminui. Não podemos nos esque-cer de que a elas também é levado o evangelho de Jesus e são alvos deste Festival Missionário. Não podemos usar isso como pretexto para a pre-sença dos pais (famílias) à noite, mas sem dúvida que este será o desdobra-mento.

4. Treinamento das equipes

Precisamos fazer um mapea-mento dos dons (ou de quem pode ajudar). Procurar envolver o maior número de pessoas possível. O trei-

namento é muito importante. Rece-ber bem a todos, ser sorridente, estar pronto para ajudar, enfim cada local verificará como melhor fazer isso.

5. ConvitesEstes devem ser feitos durante

a preparação do evento. Quem irá participar? Coral ou banda, prega-dores — os convites deverão ser fei-tos com antecedência. Nada impede que o pregador seja o pastor da con-gregação, mas havendo possibilida-de de convidar outro colega pastor para dirigir a mensagem no evento isso pode trazer um resultado posi-tivo.

6. Seu vizinho, um visitante

Como as relações entre vizinhos facilita a comunicação, cada mem-bro é convidado a chamar o seu vi-zinho. Envolver também as crianças e os jovens.

7. Projeto lotar bancosMinha responsabilidade — se

o evento for realizado na igreja ob-servar quantas pessoas cabem num banco e cada membro é convidado a chamar o número de pessoas para preencher o referido banco. Ex.: Se for realizado em dois dias, terão

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que preencher o banco nestes dias. Importante que cada membro apre-sente o seu visitante como forma de reconhecimento pela sua ação mis-sionária.

9. DivulgaçãoComo todo grande evento tam-

bém a divulgação para o Festival Missionário torna-se necessária. Há várias formas para que isso seja fei-to. A Congregação local irá mapear suas possibilidades. O que segue são sugestões: Banners, cartazes, a utili-zação da mídia para divulgação (jor-nal, rádio, carro de som, internet), camisa, boné (alusiva ao evento). O DEM estará disponibilizando um blog sobre os festivais, com fotos, depoimentos, banco de dados (ou-tros materiais), etc. Nada impede que os cartazes sejam preparados pelos membros. É uma forma de integrá-los mais.

10. Material necessário (literatura)

A IELB tem bom material mis-sionário a partir da Concórdia e Hora Luterana. Além disso, é de fácil acesso a literatura fornecida pela Sociedade Bíblica do Brasil (SBB). Até mesmo podemos convi-dar pregadores para o festival que es-teja ligado a estas instituições acima. Um kit visitante pode ser preparado (colocado numa sacola uma mensa-gem, literatura, informativos etc.).

É evidente que todo o evento demanda reuniões de preparação

8. Envolvimento dos departamentos

Como a sugestão de que os Fes-tivais Missionários sejam realizados em dois dias seguidos, haverá gran-de espaço para os departamentos da congregação se integrar. Jovens — peças de teatro ou música — pode-ria ser teatro de rua? Ou outro tipo de arte que possa fazer ao ar livre? Se as crianças foram envolvidas po-deriam ensaiar algo para apresentar à noite, o que também traz os seus pais. Assim também com os jovens que poderão ter duas peças teatrais (uma para cada dia). E, se na pri-meira noite houver uma boa frequ-ência, é mais fácil os participantes divulgarem para os seus familiares e amigos convidando-os para a noite seguinte. Ainda poderá ser incluídos dança litúrgica, coral, bandas e outros grupos. Nem é preciso dizer muita coisa a este respeito. Se o objetivo da igreja é levar o evangelho, TODOS são considerados de extrema importância para o projeto.

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e capacitação. Naturalmente isso fortalecerá a unidade dos membros (comunhão) e dará uma grande con-tribuição para a vida congregacio-nal. Em toda a preparação a oração deve ser uma constante, pedindo ao Senhor para abençoar o evento bem como as pessoas que estão envolvidas e os visitantes.

C. O evneto em si

O tema geral do evento pode estar relacionado aos enfoques da IELB para o período bem como po-derá ter outro recorte. Para o ano de 2012 a sugestão é a que segue:

Tema geral: A Igreja comunica a Vida

Enfoque 2012: Fundamentando (Jesus — a rocha firme)

“O Senhor é a minha rocha po-derosa e o meu abrigo.” Salmo 62.7 (NTLH).

Uma sugestão é de que o evento em si seja realizado num período não muito longo (acredito que até 1h20 seja o ideal). Mas isso também fica na liberdade de cada local. A agenda do culto poderá estar assim representada (apenas como modelo, pois cada congregação tem a liberda-

de para mudar, se necessário):a. Momento de louvor (músicas)b. Mensagens curtas (objetivo de

levar as pessoas a refletirem so-bre a vida e sua dependência de Deus).

c. Participação de grupos (coral, banda, teatro e Escola Domi-nical).

d. Mensagem central — de cunho evangelístico.

e. Momento de oraçãof. Momento da despedida e ape-

log. Lanche — após o evento —

para comunhão e conheci-mento mútuo

h. Certificar-se de que o visitante tenha recebido o kit com ma-terial e se deixou o seu nome para uma visita posterior.

Além disso, temos outras suges-tões de formatos para os Festivais:

+ Noite gospel — com bandas, corais e teatro.

+ Teatro de rua — até mesmo em praça pública (ou em cima da carroceria de um caminhão).

+ Música na praça (ou no calça-dão no centro da cidade).

+ A Congregação que está loca-lizada em área rural também pode fazer o evento.

+ A Congregação pode aprovei-tar os festejos de aniversário e

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promover o evento.+ Culto na época da Reforma.+ Na Semana Santa, Páscoa e

Natal também são boas opor-tunidades a serem exploradas.

Estas são algumas sugestões que pode ser apreciadas. O importante é fazer a obra do Senhor e levar a ge-nuína palavra de Cristo para todos, com o envolvimento de toda a con-gregação.

d. Desdobramentos do evento

Contatos posteriores: Nos dias seguintes ao evento o visitante pre-cisa ser contatado, dando prosse-guimento ao festival. Acredita-se que sua presença é um motivo para continuar dialogando sobre o amor de Deus em sua vida. Este contato poderá ser feito da seguinte forma:

+ Enviar cartão — agradecendo pela presença

+ Contatos com famílias que moram perto

+ Agendar uma visita da equipe de evangelismo ou mesmo do pastor.

+ Enviar mais Literatura — pelo menos por um período (esta-belecido pela congregação).

+ Se a congregação tem seus gru-pos do PEM, estes têm o papel

de integrar o visitante no gru-po.

+ Se o visitante for um jovem, a juventude pode se encarregar de fazer o contato posterior e integrá-lo ao grupo.

+ O mesmo se dará no caso das crianças. A equipe da Esco-la Dominical terá a sublime tarefa em procurar a criança, integrando-a ao grupo (com o consentimento da família).

É importante lembrar que precisamos esgotar todas as possibilidades em anunciar o evangelho. Os convites também poderão ser feitos para as atividades da igreja (cultos e departamentos). Imagina-se que a igreja, com a pre-paração do festival também tenha tomado uma boa postura em relação aos visitantes a fim de integrá-los cada vez mais no seu grupo. Que eles se sintam bem acolhidos é o ob-jetivo final. Por isso acreditamos que a iniciativa do festival irá mobilizar a congregação para a sua ação mis-sionária. Não precisamos forçar as pessoas a serem membros da igreja. Isso é consequência que surge natu-ralmente com o passar do tempo.

Conclusão

O DEM (Departamento de Ex-

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pansão Missionária da IELB) dará apoio a todos os Festivais Missio-nários que estarão sendo realizados pela igreja. Gostaríamos de sermos informados de todos eles, datas, lo-cais, fotos e como estão sendo ideali-zados, além dos resultados. Um blog estará veiculando todas as informa-ções bem como compartilhando as experiências que as congregações te-rão com a realização do evento.

O resultado do Festival será uma grande bênção para a Igreja Lutera-

na. Deus está abrindo portas para fa-larmos da boa nova do Evangelho a muitos que não conhecem o Senhor Jesus.

Acreditamos neste projeto. Con-siste numa estratégia para mobilizar a todos nesta tarefa tão especial, le-var Cristo para todos.

Texto aprovado pelo DEM (Departamento de Expansão Missionária — da IELB)

Estátua do Apóstolo Paulo, no Va-ticano — Certamente um dos maiores

missionários de todos os tempos

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Sobre esta chacina numa escola dos EUA, o psicanalista gaúcho Luiz Antônio Araujo observa

que “os criminosos se comprazem em apagar os próprios rastros por meio da eliminação de crianças como as que um dia foram, de parentes pró-ximos e, por fim, de si mesmos”. O Herodes do Natal foi um psicopata com estas características. Eliminou parentes, filhos, e por fim os inocen-tes de Belém para manter o seu rastro de poder (Mt 2.16-18) e assinar com sangue a história bíblica. São as infa-mes narrativas natalinas reprisadas e com agenda certa enquanto o mun-do não acabar. Mas, se pensarmos no real sentido do nascimento de Jesus, é por isto mesmo que ele veio e um dia voltará. É para dar um basta definitivo aos filhos de Caim. Bem disse o profe-ta: “As botas barulhentas dos soldados e todas as suas roupas sujas de san-

gue serão completamente destruídas pelo fogo. Pois já nasceu uma criança, Deus nos mandou um menino que será nosso rei. Ele será chamado de Conselheiro Maravilhoso, Deus Po-deroso, Pai Eterno, Príncipe da Paz” (Isaías 9.5,6).

E a solução terrena para tanta violência? Será que está em atitudes políticas de restrições no uso das ar-mas ou de leis mais severas? Regras e punição são indispensáveis, no en-tanto, o jeito mais eficaz está no poder da notícia angelical: “Nasceu o Salva-dor de vocês”. Isto muda o coração e as atitudes. Mas é preciso encontrar a criança enrolada em panos e deitada em manjedoura. Ou seja, é necessário desenrolar o coração dos trapos do pecado e crer na singeleza e simplici-dade do amor divino. Ou então con-tinuar atrás da redenção na compli-cada lógica humana ou na sofisticada tecnologia. Mas, e se déssemos uma chance para a promessa do Ema-

nuel, o Deus conosco? De que Ele enxugará dos nossos olhos to-

das as lágrimas, e não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor? (Ap 21.4). Foi ele quem dis-se: “Felizes são as pessoas que choram, pois Deus as consolará” (Mt 5.4).Rev. Marcos Schmidt — Novo Ham-burgo, é pastor da Igreja Evangélica

Luterana do Brasil

Massacres de NatalRev. Marcos Schmidt

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A respeito da pregação luterana, já foi dito e escrito muita coisa. Es-crevo isto na convicção de que nosso Sínodo, em particular e o luteranis-mo em geral, está enfrentando um grave problema nesta área. Minha convicção cresce pela noção de que, mais cedo ou mais tarde, vou preci-sar voltar-me a todos os meus paro-quianos e todos os meus queridos colegas, que me empurram para, de tempos em tempos, fazer uma inves-tigação sobre o que está acontecen-do nos púlpitos luteranos, e o que esperam que aconteça. Ofereço aqui alguma coisa dessas investigações.

Dito isso, desejo ser compreendi-do ao oferecer a meus leitores uma perspectiva e uma atitude sobre a pregação luterana. Não posso fazer mais do que oferecer. Não tenho mecanismos pelo quais pudesse pes-quisar. Na verdade, despertei para esse tema ao ler o sermão de Lutero sobre o cego de nascença em João 9, pregado na quarta-feira, após Laeta-re, dia 17 de março de 1518.

A Proclamação LuteranaRobert W. Schaiblyh

Trad. Rev. Horst R. Kuchenbecker

Proclamação, não comunicação

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Lutheran Preaching: Proclamation, not Communication Concordia Journal, January, 1992. Vol 18, nº 1, p.6 Tradução de Horst R. Kuchenbecker, São Leopoldo, 11/12/2011

Vocês sabem, meus amigos em Cristo, que eu não entendo muito sobre pregação, e por isso prego um sermão louco; por ser um louco eu agradeço a Deus. Por isso, preciso ter ouvintes loucos. Todo aquele que não deseja ser louco, pode fechar seus ouvidos. Este evangelho me impulsiona a tomar esta atitude. Como vocês ouviram, este evangelho de Cristo é lido somente por cegos. E Cristo conclui que todos os que vêem são cegos e todos os sábios e prudentes são tolos. Estas são suas palavras. Se eu tivesse dito isso, seria tido como um novo profeta. Mas Cristo não men-te. Pois, todos nós somos cegos, nossa luz e iluminação vem somente de Cristo, nosso bom e gracioso Deus.1

1 Luther`s Works, Am. ed., vol. 51, pp. 35-36.

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A Proclamação LuteranaProclamação, não comunicação

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I — O Conteúdo da Pregação Luterana

A pregação luterana é uma ati-vidade que não é feita num vácuo. Antes, ela acontece dentro de um contexto, sim de vários contextos. Como uma atividade da linguagem, a pregação luterana vive no contexto linguístico, e se defronta com uma exigência da gramática local. Como uma atividade na Igreja, a pregação luterana vive no contexto litúr-gico e suas implicações locais. E como uma atividade da pro-clamação da Palavra de Deus, a pregação luterana vive no con-texto da teologia lutera-na. Estes contextos juntos formam o meio ambiente no qual a atividade da pregação lu-terana acon-tece. Vamos considerar cada contexto.

O contexto linguístico da pregação luterana

Pode parecer que a respeito do contexto linguístico da pregação luterana há pouco a dizer, a não ser algo sobre a necessidade de um som claro e distinto, de frases claras e distintas. Mas tal simplicidade ilude quanto a tarefa. Primeiro, o mundo linguístico não é monolítico (bloco único). Há nela diferenças conside-ráveis, por exemplo, entre a palavra escrita e falada.

A primeira palavra no mun-do foi falada: E disse Deus: Haja... A primeira palavra desenvolvida na sociedade foi falada. A primeira palavra

pronunciada por vossos filhos são palavras

faladas. Há

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algo básico com a palavra falada. A respeito disto, Richard Lischer es-creve:

A voz viva com sua capacidade, variações e entonação, gritos e força, torna possível um nível de clareza não conhecida pela forma escrita da comunicação. A leitura e a televisão fazem de nós espectadores externos, mas o som é a chave para o interior. A classe pode examinar-me, o novo professo, quanto tempo quiserem, mas nada do que eu sou será revelado, exceto quan-do abro minha boca para falar. O que é mais revelador do que a linguagem?

Num nível mais profundo, a fala cria um tipo de comunicação que não somente transmite informações, mas requer respostas.2

Ali está a palavra falada, e ela está intimamente unida à palavra de Deus. Como já indiquei, Richard Lischer, escreve: Ali está a palavra es-crita! Nós ouvimos a palavra falada de Deus. Nós lemos a palavra escrita de Deus. A palavra escrita e a palavra falada têm uma dinâmica diferente. Eles são na verdade uma linguagem diferente, têm um impacto diferente

2 Richard Lischer, A theology of Preaching: The Dynamics of the Gospel. (Nashville: Abingdon, 1981), p. 69.

sobre nós. É característica da palavra escrita, mover-nos a pensar e con-templar. A palavra escrita pode fazer isto, por causa de suas propriedades. A palavra escrita “permanece firme” onde ela está e permite a todos, mes-mo ao mais grosseiro dos leitores a tomá-la ou deixá-la onde ela está, pensar ou não pensar algo. É uma característica da palavra falada de mover-nos a percepções e intenções. Obviamente estas características sobressaem. A palavra falada pode convidar à contemplação, mas, pela virtude de sua propriedade, quando ela o faz, ela leva o ouvinte além. A palavra falada não permanece quie-ta. Quando ela deixa de pensar, core seu próprio risco, e perde por cada pausazinha que faz. E quando que, pela virtude de suas propriedades, a palavra escrita move alguém à ação, esta ação faz a pessoa abandonar a palavra escrita e ir além por si mes-ma. Enquanto a palavra escrita fica ali onde foi jogada.

Pregar é palavra falada, com os benefícios e possibilidades que pro-vém destas propriedades. Mas isto não é o fim da história. A pregação luterana nunca é um mero exercício da palavra escrita. A pregação lutera-na é normada pela Escritura, como veremos a seguir. Mas esta observa-ção também tem significado aqui,

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pois a Bíblia é a palavra escrita, com todas as propriedades da palavra es-crita. E novamente, esta não é toda a história, para estas palavras escri-tas. Primeiramente, por um fato es-pecial: Esta palavra escrita deve ser falada e ouvida! Birger Gerhardson atesta: “a maior parte da literatura antiga é destinada mais para os ou-vintes, e nem tanto para os olhos. Palavras eram entendidas como sons, os autores escreviam, traba-lhavam o que pensavam para serem lidas em voz alto.”3 Claramente, esta observação é verdadeira, com respei-to à Escritura pela virtude de como nós achamos os textos sagrados de-vem ser manejados, na narrativa da Escritura, e por instrução explicita na leitura dos textos, como tais.

O fato de a palavra escrita ser es-crita para ser falada, nos faz esperar ainda mais do sermão como palavra falada, baseada na palavra escrito para prover isto que característica da palavra falada, a saber, criar vivas percepções e formar intenções nos ouvintes. O sermão é bem apropria-do para a proclamação de ambos, da culpa e do perdão. Sermões são bons veículos para admoestações e exorta-

3 Birger Gerhardsson, Memory and Ma-nuscript, trans. Eric J. Sharpe, Acta Sminarii Neotestamentici Upsaleinsis, XXVII (Upsala, Sweden: Gleerup, 1961), p.163; cited in Lischer, p. 68.

ções. Sobre tudo, podemos falar de ambos os benefícios e das variações destas propriedades da palavra fala-da relacionados à pregação luterana. Mas, neste ponto, é suficiente dizer que a pregação luterana necessi-ta conscientemente ser conduzida como uma visão às propriedades de uma atividade linguística oral.

O contexto litúrgico da pregação luterana

Anos atrás, na era da televisão preto e branco, existia um herói pis-toleiro, chamado Paladin. Ele tinha uma arma e queria viajar. Tal não é a natureza do pregador luterano. Nosso o assunto não é: Tu tens um sermão? Queres viajar? A pregação luterana usualmente ocorre num contexto litúrgico no meio de uma congregação subordinada ao arti-go 14 da Confissão de Augsburgo: Da ordem eclesiástica se ensina que sem chamado regular ninguém deve publicamente ensinar ou pregar, ou administrar os sacramentos na Igre-ja. Aqui nós nos comprometemos a limitar a pregação luterana aos que possuem um chamado regular de uma congregação. Onde este cha-mado falta, tal como em convoca-ções ou convenções, ali o pregador, normalmente, dispensa vestimentas

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e estolas litúrgicas para visualizar que esta não é a situação normal, mas um momento especial. Assim, a atividade da pregação luterana é contextualizada pela liturgia e a vida congregacional.

Dizer que a pregação luterana é moldada pelo contexto litúrgico não deve ser entendido como um convidar ara a etiqueta do sacerdo-talismo, embora nestes dias cinzen-tos e posteriores aos epitáfios dos romanistas, chauvinistas e neo-do-natistas. Eu de bom grado me con-formo com o sacerdotalismo. Não obstante, até para neo-sacerdotalis-mo entre nós, é claro que para o lute-rano a adoração ocorre, para a maior parte de nós, no contexto do culto. Por isso estamos conformados que o sermão ocorre no contexto litúrgico histórico da igreja4. No entanto, coi-sas inapropriadas para um contexto geral de adoração não acontecem em um sermão regular sem graves con-sequências. Você pode ir ao púlpito uma vez vestido de anjos, ou com o telefone celular como auxílio, ou mesmo com um gráfico, mas nem todos os domingos. O ambiente de

4 Horace Hummel underscores the un-queness of Lutheranism over against fundamentalism on the basis of this very contexdtual issue; cf. Lutheranismo and the Inerrance of Scripture” Concor-dia Journal, 14 Abril de 1988, p. 107.

culto na igreja não permite esse tipo de pregação como algo regular.

Além disso, dando ênfase à for-ma do “culto histórico”, (como nossa Comissão de Culto e liturgia o cha-ma) a pregação luterana é formada pela expectativa de prover alimento para a fé. A liturgia coloca o sermão com o ofício da palavra de Deus, que a congregação escuta como a “voz de Cristo.” A pregação luterana é a ex-pressão da Palavra de Deus, na qual o cristão fiel espera ouvir, na pers-pectiva de Lei e Evangelho tirados da palavra de Deus, o que seja dito a eles. O sermão luterano não é um es-tudo bíblico, nem é uma lição da his-tória da igreja, dos quais os fiéis, sem dúvida alguma, podem ter proveito. A pregação luterana é a proclamação da Palavra, mais kerygmática do que didática5, assim é dado ao evangelho

5 Recentemente um convertido, adulto, me disse: Pastor, sou meio encabulado

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uma predominância maior, como o Dr Walther apropriadamente ad-moesta. Como o confessamos publi-camente de que o principal culto a Deus é a pregação do Evangelho.6

Este destaque congregacional, no entanto, não pode perturbar ou distorcer o próprio contexto da pre-gação. Não podemos desenvolvendo a doutrina do sacerdócio universal de todos os crentes de Walther, sem falar do contexto bíblico. Instruí-mos os pastores luteranos sobre o que deve ser pregado, dando à pre-gação o seu lugar na congregação. O sermão de certa forma é a voz dos fiéis, mas não de todos os fiéis. Não no sentido de que cada um dará sua opinião, dizendo o que gostaria de

para lhe dizer isto, mas eu penso que tenho mais proveito do Estudo Bíblico para adultos, do que do seu sermão. Minha resposta foi: Este é o caminho normal. Nós queremos aprender e aprendemos pelo estudo. Isto é assim na vida. Como crianças, quando que-remos aprender, nós perguntamos, nós estudamos. Isto nos dá conhecimentos. Mas na vida da família absorvemos muitos conhecimentos úteis para a vida, aprendemos a viver, nem sempre esta-mos conscientes disso. O estudo nos dá conhecimento, a liturgia cultiva vida em nós. A escola Dominical nos dá conheci-mentos bíblicos, a liturgia cultiva a vida espiritual. Mais tarde ele me disse que achou a resposta verdadeira e isso lhe ajudou muito.

6 AC XV, 42

ouvir. Todas as diferenças próprias da pregação luterana fiel podem ser resumidas na frase do famoso G. K. Chesterton: “A Igreja é a única verdadeira democracia, a única or-ganização que não tira o voto de seus membros simplesmente porque já faleceram”. A pregação luterana é a voz confessional de seus fiéis, na totalidade desta sua voz, a riqueza com a qual falamos na liturgia, por isso, “com anjos e arcanjos e toda a companhia celeste”. Na verdade, uma das muitas bênçãos da liturgia, um benefício notado pelas confissões7, é este, de aqui somos lembrados des-ta ampla voz do coro do qual somos parte, aqui somos os membros mais jovens da família de Deus e ainda os mais novos e menos informados, os miúdos no bloco eclesiástico.

O contexto teológico na pregação luterana

A teologia no cenário luterano norma a pregação que é feita no seu contexto. Não somos somente com-promissados a dizer do púlpito lute-rano: Assim diz o Senhor, em vez de “me parece”. Somos compromissados também a não termos nossa própria opinião sobre o que o Senhor diz ao momento atual; antes estamos com-

7 Ap XV; XXIV, XXVI, Ap XV

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promissados a proclamar Palavra de Deus como ela é expressa em nossas Confissões Luteranas. A pregação luterana é uma atividade normatiza-da pelo contexto das Escrituras e das Confissões Luteranas.

Isto todos nós conhecemos bem. Mas as implicações desse conheci-mento muitas vezes são esquecidas. Visto que a pregação luterana é nor-matizada pelas Confissões Lutera-nas, segue que a pregação luterana é teologia. Ela não pode ser normati-zada condicionalmente e por outra coisa tal como a sociológica, o acon-selhamento de grupos, ou advertên-cia pastoral, etc. A pregação lute-rana é teologia, e, da mesma forma teologia num contexto luterano é pregação. Luteranos são, por último, aqueles sermões que permanecem no contexto luterano, que são teolo-gia. Esta é a parte contextual da na-tureza do trabalho do pregador. Esta teologia é teologia evangélica lutera-na, não contemporânea protestante, esta teologia é ortodoxa no sentido luterano, esta teologia é católica, no sentido histórico, não no sentido do termo romano.

Novamente, tudo isto pode pare-cer evidente em si mesmo, mas esta evidencia é contestada hoje por uma série de pensamentos a respeito da atividade da pregação. Dizem-nos

que sermões devem satisfazer (su-prir) as necessidades dos ouvintes. Somos encorajados a estar espiri-tualmente elevados em nossa apre-sentação. Isto demanda, no entanto, muitas vezes conflitos com o texto, com a teologia da cruz sob a qual vivemos, e com a verdadeira neces-sidade de nossos ouvintes, muitas vezes não sentida no início do ser-mão, a saber, por contrição, arrepen-dimento e a necessidade de confiar em Cristo. Sermões que são teolo-

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gicamente evangélicos, ortodoxos e católicos não vão, ao mesmo tempo, aos grandes temas atuais: Como pos-so estar contente no meu trabalho. Te-nha a certeza, o texto escriturístico pode ser relacionado à doutrina cris-tã das vocações, e tal doutrina pode trazer os frutos da fé ao contexto do trabalho, mas a pregação luterana não é um recipiente metodológico, e por isso não centralizado na pes-soa, como perguntas: Como fazer? A centralização na pessoa não é com-patível com a teologia luterana, nem para o pregador ou o ouvintes. Lute-ro lembra:

Não são os feitos humanos ou suas habilidades que fazem de alguém um pastor, e não são os feitos humanos que tornam al-guém um cristão, nem o ouvir a palavra ou um sermão agra-dável, mas é um feito divino e nada mais do que um dom, um presente, do além, contra a natureza, como somente Deus o efetua em nós, sem ajuda ou ideias nossas8.

A pregação luterana por isso não é aquela que é atrativa à Comunidade, nem deve ser um barômetro daquilo que foi registrado como as últimas necessidades do povo. Novamente,

8 Luther`s Works, Am. Ed., vol. 28, p.89

a razão é simples: Tal característica não é característica confessional, ela não flui da compreensão confessio-nal, por isso ela não pode ser iden-tificada com a verdadeira pregação luterana.

Assim, a pregação luterana é uma atividade nos contorno do contex-to, linguagem, liturgia e teologia. A pregação luterana é a palavra falada pela qual o cristão é guiado com a voz atual de Deus; é teologia confes-sional da palavra de Deus que aplica Lei e Evangelho no contexto litúrgi-co da vida da igreja. Como isto deve ser feito, veremos no próximo capí-tulo.

II — A designação ou o do papel da pregação luterana

O que o pregador luterana deve fazer? Aqui, eu acredito, chegamos ao ponto mais concreto do estudo da homilética de nosso Sínodo e da Igreja Luterana em geral. Até aqui tocamos em alguns pontos perni-ciosos na pregação, embora as rei-vindicações permaneçam feitas aos pregadores em nossas congregações, tais como a exigência por relevância, medida no “sentir as necessidades”. A isto se soma a necessidade de en-tretenimento, a exigência por “li-

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bertação dinâmica”, e a necessidade de promover programas do púlpito, para mover as pessoas. Na segunda parte deste estudo, abordaremos o papel apropriado da pregação.

Comunicação ou Proclamação

Olhando para a lista do que se re-quer da pregação luterana, com um olhar popular, torna-se evidente: “boa comunicação.” Constantemen-te os pregadores ouvem a admoes-tação: vocês precisam aprender a se comunicar com o povo.

Bem, se por comunicação alguém se refere ao que tecnicamente pode ser chamado de micro-comunicação, na qual alguém se refere a certas práticas tais como enunciação, pro-nunciação, uso da voz, técnicas da retórica pública e costumes, então a recomendação é bem vinda. Nin-guém pode negar os benefícios em usá-los e no usar a linguagem do povo (não a gíria).

Mas este não é o escopo da de-manda da pregação luterana na comunicação. A grande acusação contra a pregação luterana é de que ela falha na comunicação. A razão articulada para este julgamento con-tra o púlpito luterano é esta, para comunicar é preciso estabelecer um

contacto com os ouvintes. A prega-ção típica luterana, como é ensinada, falha em estabelecer este contacto, porque esta pregação não diz o que a pessoa na verdade deseja ouvir. Por isso ela não comunica e precisa ser mudada.

Logo no início deste trabalho, eu coloquei a afirmação de que a pre-gação luterana está com problemas, problemas sérios, não estou prepa-rado para analisar o problema do nosso tempo desse ângulo. A natu-reza de minha posição, no entanto, é muito diferente. Se nós estamos em condições de compreender o que precisa ser corrigido no púlpito luterano, então precisamos em pri-meiro lugar inverter o julgamento contra a pregação luterana contido no chamado para “comunicar” do púlpito”9 (Obs.: do tradutor) O que implica também no Lema da IELB de “Comunicar a vida”).

Na verdade, a pregação luterana necessita conhecer algo a respeito dos ouvintes, mas não é isto que é questionado pelos advogados da co-

9 E.g., “Contato com a audiência começa com a atitude com respeito à comunica-ção, e comunicação pode tornar-se mais infecciosa quando líderes tentam con-seguir respostas de vários públicos ao mesmo tempo.” (David Luecke, Evan-gelica Style and Lutheran Substance: Facing América`s Mission Challenge (St. Louis: Concordia, 1988), p. 107.

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municação. Os ouvintes não necessi-tam o som da cultura, mas o som de Cristo; não a discussão a respeito do que o povo entende por necessida-des, mas a necessidade interior; não necessidades, problemas e sintomas exteriores, mas a profunda razão de-les que é o pecado, só conhecível à luz da Palavra de Deus. Não uma voz popular e persuasiva, mas a destemi-da voz profética. Não o pensamento corrente da mente moderna, mas a intenção original do texto sagrado. Em resumo, o que a pregação lutera-na necessita não é comunicação, mas proclamação.

Qual é, então, precisamente a diferença entre comunicação e pro-clamação? Ambas as atividades li-dam com pessoas; ambas envolvem uma conexão entre o que fala e o que ouve; ambas anunciam uma mensa-gem, sim, mas a diferença entre as duas atividades é grande. Ambas, co-municação e proclamação envolvem motivação; mas o processo emprega-do é muito diferente entre os dois.

A comunicação trabalha com aquilo que pode ser chamado de estrutura do sinergismo. A comu-nicação requer a cooperação do ou-vinte; sem esta cooperação, não há comunicação. Comunicação apela à razão de forma reflexiva para o con-sentimento. Aqueles, que lutam pela

comunicação, colocam o dualismo, que procura influenciar poderosa-mente o ouvinte, concedendo-lhe o direito de decisão. O ouvinte vem a ser parte do processo, que a comuni-cação tem como fim. O ouvinte vem a ser juiz no modelo da comunica-ção. O ouvinte recebe o direito para dizer: O que sei e vejo como verdade, isso afirmo; o que não conheço ou o que não reconheço como verdade, eu nego. Na comunicação, o ouvinte é movido a querer, se o ouvinte não chega a esta ação, a comunicação fa-lhou.10

A proclamação trabalha com o que pode ser chamado de estrutura

10 Esta implicação sinergistas é claramen-te pretendida e inevitável no contexto atual do debate acima, sobre a dire-ção adequada da pregação luterana; é possível usar o termo “comunicação” de uma forma para evitar esta impli-cação sinergistas, como por exemplo Richard Klann o faz, quando ele usa “comunicação na forma como sinônimo de “proclamação” neste artigo: “ Se o Evangelho pode ser efetivamente re-sistido e rejeitado, como podemos falar de uma comunicação efetiva do evan-gelho? Conforme a Escritura, podemos responder de forma série e simples: Deus o Espírito, que Cristo envia para este propósito, autentica o evangelho quando a pessoa comunica o mesmo de forma pura. Seu poder nunca é dimi-nuído pela incredulidade daqueles que rejeitam seu convite de serem seus; em “Writing Dogmatic Theology, Concórdia Journal, 13 de abril de 1987, p. 148.

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monergística. A proclamação requer a presença (obviamente), mas não necessariamente a cooperação do ouvinte; mesmo sem esta coopera-ção, a proclamação ocorre (assumi-do que o evangelho tenha sido pro-nunciado). A proclamação não apela à reflexão da razão para consenti-mento. Proclamação é revelação, e como Löwenich claramente nota, “revelação adereça-se a si mesma à fé, não ao ver, não à reflexão da razão.”11 Porque proclamação não apela à re-flexão racional, ela não opera num nível dualista, e não capacita o ou-vinte a ser o árbitro final da verdade comunicada. O ouvinte pode dizer: Isto eu não aceito, mesmo assim, a proclamação ocorreu, onde o evan-gelho foi pregado, e ali, como nos o confessamos publicamente: “O Es-pírito Santo é dado, que opera a fé, onde e quando lhe apraz, naqueles que ouvem o evangelho.”12

O trabalho da comunicação é gerar e desencadear motivação, en-quanto que a obra da proclamação é engendrar identificação. O modelo de comunicação é encorajar alguém a consentir, o modelo da proclama-ção encoraja a ponderar. A comu-

11 Walther Von Löwenich, Luther`s The-ology of the Cross, trans. Herbert J. A. Bouman (Minneapolis: Augsburg, 1976) p.37-38.

12 AC V.2

nicação leva o ouvinte a aprender; a proclamação a desaprender. Por isso, o modelo da comunicação trabalha bem quando é dado ao ouvinte a oportunidade de memorizar o que é dito; o modelo da proclamação tra-balha bem quando é dado ao ouvin-te perceber o que ouviu.

O modelo de comunicação na

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pregação oferece um texto narrativo para que o ouvinte estude as ações no texto; o modelo da proclamação na pregação oferece o mesmo texto para que o ouvinte venha a ser iden-tificado com as ações no texto.

Aidem Kavanaugh capta esta distinção em sua comparação de quadros e ícones. Pinturas, ele ob-

serva, são sobre significados. Ícones são sobre o ser.13 Neste sentido pre-gação é mais do que ícones, do que um quadro no seu impacto. Prega-ção, quando verdadeira na liturgia na qual ocorre, trata mais do ser de que de opiniões. Seres são recebidos, enquanto que opiniões são desen-volvidas pelo acerto do coração e do consentimento dos ouvintes. A comunicação distribui opiniões (no pleno sentido popular), a proclama-ção concede ser.

O chamado para que a pregação luterana adote a solução da comu-nicação é o verdadeiro problema no púlpito luterano. Após anos, um modelo muito familiar tornou-se evidente na igreja luterana. O mo-delo pode ser encontrado na história da Reforma Luterana, onde o méto-do teológico de Lutero da coerência, inerface, e correlação foi substituída pela abordagem geral da ortodoxia da pós-reforma que o reverteu para o método teológico da escolástica de correspondência, particularida-de causativa.14 Na pregação histó-rica do Sínodo de Missouri, é fácil 13 Aiden Kavanagh, On Liturgical Theology

(New York: Pueblo Publishing Company, 1984), p.4.

14 Entre outros, esta tese é encontrada em Ulrich Asendorf, Die Theologie Martim Luthers nach seinem Predigten (Göttlin-gen: Vandenhoeck & Ruprecht; 1988). 13-24.

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discernir uma mudança semelhante no sermão da proclamação para a in-formação. Esta mudança veio muito cedo, e se instalou no corpo da igre-ja, onde ambos, pastores e leigos fo-ram criados a esperaram este tipo de pregação.

O modelo de pregação informa-ção vê o sermão como um exercí-cio que apresenta proposições aos ouvintes. Criados, como na era da ortodoxia luterana, na objetividade da graça de Deus. O modelo de in-formação estendeu tal objetividade a cada questão de informação, tan-to que ele carregava dentro de si as sementes perigosas de um raciona-lismo belicista. Mesmo sendo um modelo insuficiente, especialmen-te na perspectiva do sermão como meio da graça, ele ainda foi aceito por muitos anos por causa de um respeito geral para com o cargo do pregador, e um reconhecimento ge-ral da natureza objetiva da fé cristã, os quais trouxeram ambos grande escala de consentimento ao que foi pregado. O problema surgiu, como a história novamente nos ensinou em relação ao pietismo, que este modo informacional e proporcional de comunicar a fé gerou uma reação na forma no modo de relacionamento no comunicar a fé, que é precisa-mente isto o que está por trás do

modo de comunicação na área da pregação. Esta abordagem relacional eleva o subjetivo sobre o objetivo, o pessoal sobre o proposital, para a alegria de uma incrível coleção de protestantes evangelicais, católicos romanos carismáticos contemporais e ecumênicos liberais. Tal coleção não é tão surpreendente quando se compreende as implicações desse modelo de comunicação.

O modelo de comunicação é agora oferecido como um caminho melhor para transmitir informações e mover os ouvinte à ação, especial-mente à luz desta nova era da vida pastoral em nosso Sínodo, era na qual o pastor é forçado a dizer, ago-ra como já o falecido Frank Borman afirmou: nós temos que colher nossas folhas cada dia. O modelo de co-municação de fato é uma concessão para minimizar o ofício pastoral, e legitimar o processo do sinergismo de compartilhar a verdade.

Isto, no entanto, é uma solução errada para a pregação luterana. Proclamação, não comunicação, é a solução para a crise em nossos púlpi-tos. Proclamação requer um manei-ra diferente do que a aproximação proposicional do modelo de infor-mação ou a aproximação racional do modelo da comunicação. O modelo da proclamação é de natureza pers-

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pectiva, resgatando a perspectiva de Deus da revelação.

Vamos notar aqui que estes ter-mos proposicional, relacional e perceptível são todos familiares na teoria do conhecimento, da epis-tomologia. Afirmam que a verdade é relativa,15 o que condenamos. A mensagem não é relativa, mas abso-luta, baseada na revelação de Deus, proclamada nos evangelho e aceita em fé. Mas ao usar o termo perspec-tivo neste contexto da proclamação, não é no sentido epistomológico, mas algo mais radical, a saber, um uso ontológico. É o próprio ser, o que é perspectivo, e esta perspectiva não é relativa, mas absoluta, baseada na revelação de Deus, proclamada à fé no Evangelho.

O modelo proclamação abraça ambos, a objetividade da graça e o trabalho de Deus, e a subjetividade de nossa identificação nas neces-sidades como pecadores e nossos benefícios em Cristo. O modelo da

15 Para o propósito de introdução, cf. Ba-sil Mitchell, The Justiication of Religious Belief Knowledge (New York: Herder and Herder, 1972). Para uma mudan-ça mais séria para esta suposição do ponto de vista dofundamentalismo, cf. the Reformation not only rediscovered the Gospel but also the Law of God, in Chemnitz on Law and Gospel, Concor-dia Journal 15 de outubro de 1989, p. 413.

proclamação fala a verdade sem ra-cionalismo e fala ao povo em relação a Cristo sem pietismo. Sobretudo, na igreja de Cristo, todos os relacio-namentos são proposicionalmente firmados, e todas as proposições são firmadas no relacionamento; é uma proclamação que abraça tudo em tudo.

O conteúdo da proclamação na pregação luterana é a identificação de quem você é. Proclamação é a identificação do ouvinte como pe-cador, em sua totalidade, em virtude da natureza pecadora. Proclamação é a identificação do ouvinte como santo, de ponta a ponta, pela virtu-de da justiça de Cristo. Esta procla-mação envolve a aplicação do texto atual ao ouvinte atual, pelos meios da pedra angular da hermenêutica da justificação do pecador diante de Deus através de Cristo, é colocado sobre o ouvinte pela aplicação de Lei e Evangelho. Neste caminho, o pre-gador entrega aquilo que recebeu, a saber, os meios da graça, pelos quais Deus mata e vivifica, como o ouvinte é morto pela lei e ressuscitado pelo evangelho. Todo este status e ativi-dade, na brevidade do seu ser, é invi-sível a nossos olhos e independente da cooperação do ouvinte. Tudo isso é visto pela perspectiva da fé em cada proclamação que a transmite. Vivifi-

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ca, abre os olhos, gera vida. Esta é a natureza da proclamação. É procla-mação, não comunicação, nem mais informação, que nosso povo precisa ouvir e nossos pastores pregar.

O papel da proclamação luterana

Ulrich Asendorf identifica um papel triplo de Lutero como prega-dor, que serve como estrutura para o trabalho na proclamação:

a) levar o evangelho bíblico ao povo;

b) trazer o povo para dentro da igreja histórica; e

c) confrontar os erros que ma-chucam o povo de Deus.16

Vamos considerar os três aspec-tos.

O propósito da proclamação da Palavra de Deus a cada luterano é proclamar Cristo e seu sacrifício aos ouvintes, o que é levar o Espírito Santo aos seus corações para julgar, confortar e alegrá-los, bem como de-fendê-los contra os ataques do dia-bo, e do poder do pecado.17 Sermões proclamam, eles dão, eles agem, eles julgam, eles matam, eles reavivem, eles perdoam, eles sustentam, e tudo isso pelo colocar os ouvintes sob a Palavra de Deus.16 Asendorf, p. 15-1717 AC III, 5

Tudo isso soa bem, e eu penso que isto é adequado, reto e próprio. No entanto, a cultura, o mundo, e nossa própria carne pecaminosa unidos requerem uma coisa diferen-te do sermão. O sermão para mui-tos é uma mensagem behaviorista. É como um guarda-roupas de onde o líder tira um programa pronto e o entrega a um grupo, para que vá e ganha alguns para Cristo. Além disso, para muitos um sermão deve ser moralista, tipo: faça ou não faça.

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De fato, um dicionário padrão defi-niu o sermão como moralista duro, normalmente não apreciada pelo ouvinte. Esta característica do ser-mão, junto com a visão da religião de ambos os lados de dentro como de fora da igreja, e suportado pela dire-ção entre nós luteranos chamamos de “opinio legis”, a propensão ou le-galismo, tudo combina para prover uma constante tentação ao pregador de usar o sermão como moralizador.

Mas o sermão não é para morali-

zação, muito menos para ser usado assim por um pregador luterano. Chemnitz observou isso assim:

Se isto está estabelecido que o ensino próprio do evangelho não é somente matéria de fé na graciosa promessa do benefício de Cristo, mas trata também com renovação ou boas obras, então seguem imediatamente que boas obras entram na ma-téria da justificação como causa

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parcial...18

A proclamação do evangelho não é para a moralização, mas então para que? Não para a moralização, mas para justificação.

Pelos meios da proclamação, a pregação luterana justifica! O ato da justificação é historicamente funda-mentado na cruz e ressurreição de Cristo, proposicionalmente articu-lado no texto inspirado, e relaciona-mento conectado aos fiéis pelo santo Batismo e a Santa Ceia. Este mesmo ato da justificação é dado ao ouvinte na proclamação do evangelho. Isto acontece na proclamação. A pers-pectiva do justificado é reforçada e sustentada na proclamação. Isto é o que o sermão faz, quando coloca o povo de Deus sob a palavra de Deus. É muito importante e necessário para o bem estar espiritual dos fiéis, e este era o papel que Dr. M. Lutero empreendia quando entrava no púl-pito para pregar.

Segundo, Lutero usou a procla-mação para levar o povo para dentro da igreja histórica. Isto é claramen-te uma função de perspectiva. Para Martinho Lutero não era suficiente para o povo ouvir a Palavra de Deus. Eles deveriam ver que isto não era

18 Chemnitz, Loci Theologica (St. Louis: Concórdia, 1985, p.24.

um novo fenômeno; isto não era uma saída radical da igreja histórica. Antes, o povo deveria ver, deveria perceber, que eles estavam ouvindo o que era a única verdade, a única fé ortodoxa e histórica, a única fé, san-ta, católica, e apostólica. Em resumo, eles necessitam perceber a si mesmos como membros deste corpo históri-ca de Cristo, como participantes da corrente humana que Deus ajuntou a partir da cruz, através dos séculos, neste tardio momento da história. Assim, o povo seria preparado me-lhor para lidar com teólogos e men-sagens rivais, e poderiam empregar não somente as palavras e conselhos de Lutero, mas também dos pais da igreja.

Hoje, nosso povo necessita deses-peradamente dessa visão da igreja, para compreenderem nosso lugar na história. Eles são o povo contempo-râneo, sem pátria e sem cultura, pois sua pátria e suas culturas evidenciam o eterno — ampliando o abismo en-tre raízes familiares e sociais de um lado e a família e cidade de Deus do outro lado. O fenômeno desta proclamação muda esta perspectiva, para serem pertencentes à igreja his-tórica.

Peter Berger e Thomas Luck-mann, em seu livro The Social Cons-truction of Reality, tem apresentado

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uma análise sociológica sobre o que acontece com o povo numa cultu-ra, na verdade como uma cultura é comunicada a uma geração nova.19 Existem fortes paralelos entre os ob-jetivos culturais do seu trabalho e o fenômeno da igreja histórica como cultura. Berger e Luckmann argu-mentam que tal cultura é mantida e transmitida em três níveis da ex-periência. Primeiro, há o campo da linguagem comum, e como o povo é trazido para dentro desta cultura, eles começam a absorvê-lo ao ponto em que são absorvidos no campo da linguagem (ambos, linguagem pen-sada e falada). Segundo, há o campo das afirmações da realidade, no qual as verdades pelo qual a cultura vive e é continuamente afirmada e decla-rada. Terceiro, há o campo do co-nhecimento especializado, no qual o contato com aqueles que são espe-cialistas em conhecimentos podem explicar as razões para as afirmações da realidade, e isto reforça e intensi-fica a experiência cultural.

Parece claro que a realidade da fé cristã e a comunidade desta fé é transmitido pelo mesmo dinamis-

19 Peter L. Berger e Thomas Luckmann, The Social Construction of Reality: A re-discovered the Gospel but also the Law of God, in Chemnitz on Law and Gos-pel. Concordia Journal 15 de outubro de 1989, p. 413.

mos. O nível da linguagem comum é a liturgia, a vida litúrgica corpora-tiva da igreja. Aqui, os novos na fé são introduzidos não tanto pela ins-trução da igreja, mas mais pela intro-dução na linguagem sacramental e ações na vida da igreja. Assim como as crianças pequenas apreendem os caminhos da família por tal asso-ciação, assim o neófito, de qualquer idade, aprende esta cultura evangé-lica, católica pela associação da lin-guagem comum e a vida da igreja. O segundo campo é este kerygma (pro-clamação), a proclamação da palavra de Deus na constante afirmação da verdade de nossa vida em Cristo, que não é outra do que o evangelho em todos os seus artigos. Isto é pre-gação. O terceiro campo é a dida-chê (didática), o ensino normativo e instrução com respeito aos fatos bíblicos que estão por base e refor-çam a proclamação do evangelho. Isto é a catequese! Em tal esquema, o papel do pregador inclui a ação de continuamente atuar da perspectiva histórica na proclamação do evange-lho. Lutero considerou isto essencial para o púlpito. Isto é correto.

A terceira consideração de Lu-tero na pregação é combater o erro, especialmente o erro que é a cilada fácil para enganar o povo, a saber, o erro dentro das paredes da igreja.

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Hoje, somos levados a pensar que os grandes erros que afrontam nosso povo os erros comportamentais: da ética e da escolha moral na comuni-dade na qual vivemos. Na verdade, estes perigos estão ali. Mas os ver-dadeiros e grandes erros são aqueles que se escondem na igreja de Cristo, erros que enganam e distorcem seu ser, sua vida, seu ministério, sua tare-fa. Estes erros — nos os chamamos de heresias — outros grandes erros que pisam nosso povo é o jogo lega-lizado, os cinemas pornográficos. A grande necessidade que temos em face de tais erros dentro da igreja é que deve ser compreendida pela visão da realidade da uma, santa,

católica igreja na história. Daqui en-tendemos que a igreja sempre lutou com tais erros. Se julgarmos que eles não existem hoje, tal julgamento tes-tifica de nossa cegueira, não das con-dições dentro das igrejas.

Veja como Lutero trata estes as-pectos como pregador. Ele identifica os erros e sua gravidade. Ele lida com erros e errantes. Ele faz isto por amor ao evangelho. Seu propósito não é difamar ou culpar por associação. Em vez disso, ele diz a seus ouvintes: Tu também estás errado! Tu não te opuseste a esses erros. Tu acreditaste nessas coisas. Tu desonraste a Cris-to. A partir desta perspectiva Lutero volta os corações de seus ouvintes

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novamente ao Evangelho.Nossos dias são dias difíceis e

muito perigosos para a igreja. Aqui também a proclamação da palavra de Deus através da aplicação de lei e evangelho é tarefa da pregação lute-rana. É uma tarefa muitas vezes ne-gligenciada, ou quando não deixada de lado, muitas vezes distorcida sob meras palavras de juízo sobre outros e outros povos. Esta não é a pregação de Lutero no confrontar erros. An-tes tal pregação simplesmente rever-te ao antigo modelo de informação, mais interessante pela maneira em que nós pregadores podemos trans-gredir o oitavo mandamento.

Por isso, a tarefa da pregação lu-terana é como Lutero a descreve, colocar as pessoas sob a palavra de Deus; levar as pessoas para dentro da igreja histórica; e confrontar as pes-soas com os erros que os machucam, especialmente, no meio da igreja. Estas atribuições podem ser alcan-çadas quando nós levamos mais uma vez a sério a pregação luterana, sabendo que ela não é uma questão de informação, muitos menos o es-tar atualizado com as implicações da comunicação, mas sim, que ela é a proclamação do evangelho de Jesus Cristo, pelo qual Deus cria em nossos ouvintes uma identificação um senti-do de ser, a saber, vida em Cristo.

III — A Prática da Proclamação

Muitas vezes, (experimentei) ao ouvir outros desenvolverem uma base teológica para alguns aspectos da vida na igreja, quando termina-ram de colocar a base, eu fiquei me perguntando o que será de tudo isso na vida eterna? Com esta frustração na mente, me pergunto: O que pos-so fazer com isto na vida real. Com esta frustração em mente, eu gos-taria de fazer algumas observações relativas à prática da proclamação luterana. Estas observações são de dois tipos. Primeiro, as observações sobre as estratégicas, na medida em que lidam com os métodos. Segun-do, de cunho mais particular, espe-cificamente usados na pregação, que chamo de observações táticas.

Observações sobre estratégias com respeito ao manejo do Evangelho no sermão:

Primeiro, quero abordar a ques-tão de lei e evangelho no próprio sermão. Nos todos conhecemos a expressão: Lei e Evangelho, tão bem que isto veio a ser o mantra luterano, o nosso pequeno “som luterano”. Às vezes parece que transmitimos lei e

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evangelho, ou a lei ou o Evangelho, simplesmente porque lidamos em nosso sermão com estas palavras, mas não as entendemos bem. Penso que seremos todos beneficiados com uma pequena prática que uso. — Faço isso no meu trabalho a todo o tempo. Procuro tirar do meu sermão toda a palavra luterana, colocando em seu lugar uma palavra parecida. Penso em palavras como: lei, evan-gelho, fé, crer, etc. Não estou falan-do dos conceitos teológicos, algu-mas vezes elas podem ser traduzidas, outras vezes precisamos usá-las e defini-las cuidadosamente. Estou fa-lando a respeito das palavras que não podemos trazer à realidade na qual são pronunciadas. Risque em seu manuscrito todas essas palavras lu-teranas e veja o que vai acontecer se não poderes usar as palavras como: lei, evangelho, crer, etc. Em vez de usar a palavra “lei”, pregue assim que ela aja. Em vez de dizer a palavra “fé”, retrabalhe o sermão de tal forma que a que estejas pregando fé em seus ou-vintes. Pregue e faça a obra sem usar tais palavras.

Isto nos levará a outro proble-ma estratégico com respeito de lei e evangelho. Como pregar a lei e o evangelho? Uma das reclamações que recebi de um leigo abençoado por Deus para me manter humilde,

foi: Pastor! acho que deverias pre-gam demais o evangelho! O que esta comunidade precisa é mais lei! O que está acontecendo aqui?

Primeiro, eles gostam de ouvir o que os outros devem fazer, espe-cialmente se a aplicação da lei pelo pregador for tal que não afrontou as pessoas com a lei na primeira pessoa. Isto é um testemunho de que nossa congregação chegou a amar a lei, não na forma como o salmista o diz, mas de certa forma pervertido! Alguém pode crescer em amar a culpa. Há certo conforto nisso! Isto é um amor perverso que infecta os adolescentes e sádicos, outros, que dizem a si mes-mos como todo o mundo os odeiam e como eles se odeiam a si mesmos! O que eles pensam não é o “eu me odeio”, mas eu odeio o que acontece ao meu amor próprio em mim! Há um conforto nisso, o que tu odeias não é digno desse ódio. Da mesma forma, nosso povo pode achar um conforto variado em ouvir a lei que os condena, enquanto não se sentem condenados, enquanto não sentem “terrores de consciência”.

Isto, eu acredito, é precisamente o problema com nossas pregações do evangelho! O problema, muitas vezes não é com o evangelho como tal, mas com a lei.20 A coexistência

20 Este é o ponto de J.A.O. Preus quando

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pacífica com a lei como ela fala a mim, leva ao desinteresse no evan-gelho. Quando na próxima vez ou-vires alguém dizer: “Sim, pastor, eu creio no evangelho, mas quando você nos dará algo diferente?” Então é melhor começares a te questionar a ti mesmo sobre a aplicação não do evangelho, mas da lei! Dr. Walther nos lembra corretamente, que a lei precisa ser proclamada de tal forma, que ela causa em nós certa identifi-cação, que ele chama de: “Terror de consciência”.21 Isto é o que a pregação da lei deve executar! Mas quantos estão prontos a fazê-lo? Para mui-tos, tal lei é imprópria, e assim nós nos contentamos com frases de “tu e eu”, combinado com o que eu de-nomino de “aplicação espingarda,” na qual o pregador elabora a prega-ção e dispara contra alguns pecados e cita alguns exemplos, julgando que acertará um ou outro. Na verdade, o verdadeiro culpado que necessita ser identificado contigo e seus ouvintes, a saber, a natureza pecaminosa, es-capa sem ser atingida; somente para

ele atesta: A reforma não só descobriu o Evangelho, mas também a lei de Deus, em Chemnitz on Law and Gospel, Con-córdia Journal, 15 de outubro de 1989, p. 413.

21 E Walther tomou sua sugestão direta-mente das Confissões; cf. AC XII, 3,6; Ap IV, 20, 38, 142, 270-271; XII 32,64; XXIV, 73.

dizer que tu mesmo estas enjoado do Evangelho. Mas, note isso: a não ser que tu te identificas como peca-dor abominável que és, do contrário és um cristão somente de fachada. A não ser que sintas os terrores de consciência e descubras teu interior totalmente corrupto, não amarás o evangelho, nem estarás disposto a morrer por Cristo. Deixe o pregador aplicar isso a seus ouvintes e ouça sua resposta do evangelho. Este é o trabalho duro da proclamação lute-rana.

Mas deixe a lei fazer o seu tra-balho, e deixe o evangelho seguir; então nos defrontaremos com outra questão estratégica — o que seguirá? A resposta popular, oferecida por muitos nomes importantes na histó-ria da LCMS, é de volta à lei. A san-tificação, como alguns a chamam. “A admoestação evangélica”, dizem outros. Outros preferem falar em “imperativos evangélicos”, ou o “ter-ceiro uso da lei.” E todos os mencio-nados acima estão prontos a rotular de “antinomistas”, aqueles que dirão um “não” a esta resposta. Tenha, no entanto, certeza de que eu creio no terceiro uso da lei, especialmente no sentido em que é discutido na FC VI, a saber, que o terceiro uso é um dos caminhos nos quais Deus usa a lei.

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Depois o Espírito Santo empre-ga a lei, a fim de por ela instruir os renascidos e lhes mostrar e indicar, nos Dez Mandamen-tos, qual seja “a boa e agra-dável vontade de Deus” Rm 12.2 em que boas obras, nas quais “Deus de antemão pre-parou, devem andar.” Ef 2.10 Ele os exorta a isso, e quando, em razão da carne, são re-missos, negligentes e rebeldes, repreende-os por isso pela lei. Assim exerce ambos os ofícios simultaneamente: “tira a vida, e a dá; faz descer ao inferno, e faz subir. (1 Sm 2.6: faz descer à sepultura (inferno) Sei ofício não é apenas confortar, senão também repreender, como está escrito. (Jo 16.8) Quando o Es-pírito santo vier, “convencerá o mundo (que também inclui o velho homem) do pecado, da justiça e do juízo.” Ora, peca-do é tudo quanto é contrário à lei de Deus. E São Paulo diz: Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, etc (2 Tm 3.16) E repreender é o ofício próprio da lei. Por isso, quantas vezes os crentes claudicam, tantas são repreendidos pelo Espírito de Deus da lei, e pelo mesmo

Espírito são reerguidos e conso-lados com a pregação do santo evangelho.22

Duas coisas precisam ser notadas, quando pensamos no que deverá vir após o evangelho. Primeiro, o que muitos querem, e o que muitos pas-tores dizem, não é o terceiro uso da lei, que é puramente informativo em sua natureza e não imperativo. An-tes, muitos pessoas desejam e muitos pastores afirmam é o primeiro uso da lei. O que eles desejam é que a lei modifique o comportamento, pelo controlar tudo o que não cabe na vida cristã. Isto é o primeiro uso, não o terceiro.23

E mais, o que quer que a lei faça, ela sempre acusa. Lex semper accusat! Por causa disto a Fórmula diz, ao dis-cutir o terceiro uso da lei, “reprovar é a verdadeira função da lei”. Agora, se proclamação é o que a pregação

22 FC VI,12-14.23 Mais evidências de que estamos lidan-

do aqui com o primeiro uso da lei, mais do que com o terceiro uso, vemos no pseudo-evangelho da gratidão, que é tão popular na Igreja. Tudo Jesus fez por ti, que farás tu por ele? Tal caminho contém a assim chamada admoestação evangélica, e não é diferente do que uma mãe gentílica que diz a seu filho que vem para casa com um belo sandu-íche dado pelo vizinho, quando a mãe pergunta: Você disse obrigado. Mas, este é o primeiro uso da lei.

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luterana é, e se identificação do meu novo ser como filho de Deus é o que o Evangelho me dá, e se “boas obras fluem da fé, como nossa confissão afirma, porque queremos colocar nossos ouvintes de volta sob a acusa-ção da lei e os terrores de consciên-cia no fim do sermão?

Em vez disso, deixem me propor o que pregadores luteranos conside-ram como “aplicação do evangelho”. Aplicação do evangelho está onde é quando alguém vai além das afir-mações dos fatos do evangelho, tal como “Jesus que morreu por ti” ou “no santo batismo, o povo re-nasce para dento do reino de Deus”. Aplicação do evange-lho ocorre quando, à base dos fatos do evangelho, o pregador, “realmente perdoa os pecados, quan-

do ele declara: “Teus pecados estão perdoados”. “Tu és filhos de Deus”. “Ninguém te tirará de minhas mãos.” Tal aplicação do evangelho é simplesmente um aliviar o raciocí-nio reflexivo, um papel necessário na proclamação.24 Nós não deveríamos deixar o ouvinte imaginar a aplica-ção imediata baseada num princípio

24 Lembre, apelar à razão, estabelece o dualismo que muda a proclamação em comunicação, na verdade em um cami-nho de ida e volta. (interprice).

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conhecido, mas aplicar do Evange-lho a ele, diretamente no sermão25.25 Um conforto para aqueles que querem

ser pregadores confessionais luteranos é que esta nossa herança é constante e continuamente a carga de uma men-sagem incompleta, de não pregarmos o bastante sobre boas obras. Amostra dessa carga reunida numa extensa pes-quisa encontramos no teólogo reforma-do Harold ºJ. Brown: The Image of Christ

Nota do tradutor. Não posso deixar de acrescentar aqui a precio-sa página da Teologia Pastoral de C.F.W.Walhter sobre como pregar a santificação:

in the Mirror of Heresy and Orthodoxy fromthe Apostels to he Presente (Grand Rapids: Baker, 1984), especialy p. 298-394.

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Uma terceira carência é quando um pregador fala sempre de novo e de novo sobre arrependimento e fé, mas não prega sobre a necessidade das boas obras e da santificação, ou sobre boas obras, virtudes cristãs e san-tificação, não dando uma instrução profunda sobre isso. Uma descrição explícita, clara e calma sobre uma verdadeira vida cristã e comportamen-to, alcança mais do que a constante ameaça e o repisar a necessidade da mesma.A respeito disso, Lutero escreve o seguinte: “Meus antinomistas pregam muito bem e (como não posso pensar de outra maneira) com verdadeira sinceridade a respeito da graça de Cristo, o perdão dos pecados, e o que mais é dito sobre a redenção. Mas, da conclusão eles fogem como o diabo da luz. Eles temem falar da terceira parte, da santificação, isto é, da nova vida em Cristo. Eles pensam que a gente não deve assustar ou entristecer as pessoas. Pregam, no entanto, sempre de forma consoladora da graça e do perdão dos pecados em Cristo e ao mesmo tempo evitam palavras similares como: Estas ouvindo? Tu queres ser cristão e ao mesmo tempo és um adúltero e vives no meretrício, como um porco, arrogante, ganancioso, avarento, invejoso, irascível, e queres permanecer perverso, etc.? Ao con-trário eles dizem: Estás ouvindo: Se és um adúltero, prostituto, avarento, ou outro tipo de pecador — mas se tu crês somente, tu estás salvo e não precisas mais temer a lei. Cristo a cumpriu em teu lugar”.“Amigo, diga-me, isto não é admitir a premissa e negar a conclusão que segue? (Antecedens concedirt e Consequens negirt) Na verdade, isto sig-nifica tirar Cristo de alguém, no momento em que Cristo é pregado da forma mais sublime, e reduzi-lo ao nada. Isto é o sim e o não na mesma coisa. Tal Cristo é ninguém e nada, que morreu por tais pecadores que, após o perdão dos pecados, não abandonam o pecado para viverem em novidade de vida. Assim eles pregam bem no fio dialético nestoriano e eutichiano, que Cristo é e não é. Eles são puros pregadores da Páscoa, mas nefastos pregadores de Pentecostes. Pois eles nada pregam sobre a santifi-cação e vivificação do Espírito Santo (sanctificatione et vivificatione Spi-ritus Sancti), mas somente a salvação de Cristo. Em suas pregações, eles exaltam Cristo com convém, que Cristo nos salvou do pecado e da morte, para que o Espírito Santo faça de nós novas criaturas. Mas, então param e não falam do afogar o velho Adão, para que mortos aos pecados, vivamos

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para a justiça (Rm 6.2), como o apóstolo Paulo ensina aos romanos, que iniciemos aqui a nova vida em Cristo e cresçamos e sejamos perfeitos nos céus”.“Cristo não nos conquistou somente a graça (gratiam), mas também o dom (donum) do Espírito Santo, assim que não temos somente o perdão dos pecados, mas também o cessar de pecar (Jo 1.16-17). Quem, no en-tanto, conitnua a pecar, permanece no seu ser pecaminoso anterior, esse deve ter outro Cristo, o dos antinomistas. O verdadeiro Cristo não está ali, e mesmo se todos os anjos gritassem nada mais do que Cristo, Cristo! — nós teríamos que condená-los com o seu novo Cristo” (Sobre o Concílio das Igrejas, 1539; Walch XVI, 2741 s.).Se alguém quer aprender como descrever verdadeiramente a vida cristã conforme sua base interna e sua manifestação externa, essa pessoa tem então, ao lado da Escritura Sagrada, o glorioso modelo na Kirchenpostille de Lutero sobre as epístolas...O pregador que economiza o consolo do evangelho e o oferece pouco, dei-xando a lei predominar, pretendendo promover dessa forma fé viva e verdadeira vida cristã, está enganado. Ele na verdade está impedindo o desenvolvimento da verdadeira fé e vida cristã.Um verdadeiro pregador cristão deve poder repetir as palavras de Lutero: “No meu coração reina este único artigo, a saber, a fé em Cristo, pela qual e na qual todas as minhas reflexões teológicas fluem e refluem dia e noite” (Erlangen, Latin, vol I, p. 3; Prefácio da carta aos Gálatas. WA VIII, 1524).

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Observações táticas no manejo do evangelho no sermão

Duas observações práticas re-querem nossa atenção no contexto desse artigo. Primeiro, com respeito à famosa questão da capacidade de atenção dos ouvintes. Fomos ensina-dos de que uma pessoa tem uma ca-pacidade de prestar atenção somen-

te durante doze minutos, por isso nenhum sermão deveria ser maior do que isso. Mas, isso é ridículo em vários sentidos. Primeiro, ninguém é igual. A atenção varia de dia a dia, momento a momento. Alguém pode distrair-se a qualquer momen-to, mas, visto que a palavra falada do evangelho requer contemplação, e visto o pregador procura pregar assim para ganhar atenção, para re-

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querer a contemplação, a atenção pode ser prolongada pela procla-mação. Eu considero que é uma boa indicação quando um membro diz: “Pastor, muito obrigado, seu sermão interrompeu meu pensamento pelo menos cinco vezes!” Por isso, traba-lhe claramente lei e evangelho, e não se preocupe com a atenção do povo hoje.

Por último, eu gosto de seguir a metodologia textual na proclama-ção luterana. A típica presunção so-bre o relacionamento entre o texto e os ouvintes é tal que o pregador pre-cisa tomar o texto e traduzi-lo para o novo contexto do século XXI. Mas não use para tanto uma alegoria. A alegoria traduz o texto para outro contexto.

Mas, se não é isso, se não é ale-goria, o que faremos? Precisamos transladar a mentalidade do sécu-lo XXI para o primeiro século, ou ao texto do Antigo Testamento. O pregador luterano deve pregar de tal forma que os ouvintes possam identificar-se a si mesmos com o tex-to, andar com Abraão e Isaque, ou-vir a Jesus como Maria, participar da

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coleta para os cristãos de Jerusalém, etc. Neste sentido, a identificação é a chave pela qual a Escritura é trazida à vida pela proclamação do pregador luterano.

Concluo este trabalho da manei-ra como o abri, com um citação de Lutero, especialmente do seu último sermão (15/02/1546, três dias antes de sua morte). Nele vemos Lute-ro, como pregador, trabalhando na proclamação, levando seus ouvintes sob o evangelho conectando-os com toda a igreja, defendendo-os dos erros. É isto que advogamos neste escrito. Nele, ouvimos o claro cha-mado a dar confiante atenção aos objetivos dos meios da graça, diante das tentações do mundo de buscar o significado religioso e entusiasmo em outros lugares, até mesmo apre-goado por seguidores de Lutero. Admitindo que tal fidelidade é mui-tas vezes cansativa e aparentemente sem recompensa. Lutero dirige nos-sa atenção para a voz convidativa de nosso Salvador:26

26 Luther´s Works, Am. Ed., vol 51, p.390-392.

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Isto nos cristãos devemos aprender e conhecer, mesmo que o mundo não queira fazê-lo, nós queremos ser gratos a Deus que nos abençoou tão rica-mente e nos concede ouvi-lo, bem como o próprio Cristo o ouviu e agrade-ceu alegremente por ouvir o pai. Em tempos passados, corremos de uma ponta à outra do mundo ao ouvir que ali poderíamos ouvir a Deus. Ago-ra, o ouvimos cada dia em sermões, na verdade, agora todos os livros estão cheios dele, e não queremos ouvi-lo com alegria. Tu o ouves em tua casa, pai e mãe e crianças canta e falam dele. O pregador fala na paróquia. Tu deverias levantar tuas mãos e jubilar de alegria, pela honra que nos é dado de poder ouvir e falar com Deus por meio de sua palavra. Oh! diz o povo, que é isso? Sobre tudo, eles pregam cada dia, muitas vezes varias vezes ao dia, assim que cedo nos cansamos disto. O que faremos disto? Tudo bem, vai e ouça teu irmão, se não queres que Deus te fale cada dia em sua casa em tua igreja. Seja sábio e procure outra coisa qualquer. Em Tier está o casa de Deus, em Aachen as calças de José. Vai ali. Gasta teu dinheiro, compre indulgências e beije a mão do papa. Estas são coisas valiosas! Mas, não sejamos estúpidos e loucos; sim, cegos e possuídos pelo diabo? Ali, em Roma, está colocada a isca para o pato, com sua bolsa de truques, atraindo todo o mundo a si, com seu dinheiro e seus bens. Ali há todo o tempo alguém para batizar, dar o sacramento e tirar do purgatório. Como somos altamente honrados e ricamente abençoados em sabermos que Deus fala a nós e nos enche com sua Palavra, dá-nos o batismo, as chaves, etc. Mas este povo bárbaro diz: O que, batismo, sacramento, pa-lavra de Deus? Às calças de José, isto faz a coisa. Mas, a nós cabe ouvir a Deus em sua palavra. Ele é nosso mestre. Não temos nada a ver com as calças de José. Cristo diz: Venham a mim, todos os que estais sobre carregados (Mt 11.28) Tome minha palavra e deixe todas as outras coisas. Se estás sobre--carregado, tenha paciência. Eu o tornarei tão leve que o possas carregar. Se há coisas ruins, eu vos darei coragem. Se precisas cruzar tormentas e diabos, não fique preocupado, eu te darei o Espírito. Quando sofres por minha causa, o meu jugo é leve. Eu te ajudo a carregá-la. Permanece fir-me na fé apegado à minha palavra e vencerás. Isto significa que os sábios deste mundo serão rejeitados, e nos queremos

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aprender a não nos julgarmos sábios, antes afastar nossos olhos dos gran-des personagens e olhar somente para Cristo e sua Palavra. Ele nos convi-da amorosamente a dizer: Tu és o meu único e amado Senhor e mestre e eu o teu discípulo.Isto e muita outra coisa poderia ser dito a respeito do evangelho, mas eu estou muito fraco e deixemos isto para outra o ocasião.”

Rev. Horst Reinhold Kuchenbecker — São Leopoldo-RS, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

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LUTERO, Prof. Dr. Martín. El Estudio de La Teologia. Destellos Teológicos. vol. 1 nú-mero 1. Ft. wayne: Concódia Theological Seminary, 1982.

Sinteticamente, Lutero quer explicar que a única base para os estudos te-ológicos e para a pregação da palavra de Deus, é a Bíblia. Não se deve colocar em seu lugar, nenhum outro livro, mesmo que seja o mais conceituado e per-feito sobre o assunto. A Bíblia e, somente ela é a fonte de doutrina.

Deve-se saber também que, a Bíblia é o livro mais importante de todos, pois nela estão os ensinamentos que podem levar à vida eterna. Isto não se encontra em nenhum outro livro.

Para exemplificar, cita-se Davi, que apesar de conhecer os livros de Moi-sés e vários outros, sempre pedia a Deus que o ensinasse: “ensina-me os teus estatutos”. Davi não se deixava levar apenas pelo que os outros haviam escrito.

Nunca se deve deixar de meditar nas Sagradas Escrituras. Deve-se ler, re-ler, meditar e meditar. Se não for assim, nunca seremos teólogos de verdade.

Por outro lado, a tentação também serve para formar um teólogo. Quan-do somos provados, tentados das mais diversas formas e buscamos auxílio na Palavra de Deus, nos tornamos cada vez mais cheios de fé e cada vez conhecemos mais as escrituras e nelas sempre buscaremos consolo, conforto e sabedoria. Esta meditação nunca deve ter um ponto final. Se alguém chega à conclusão de que já sabe tudo, que pode falar melhor do que ninguém à respeito da palavra de Deus, este pobre infeliz, está muito enga-nado. Nunca se saberá o suficiente, nunca se alcançará o pleno entendimento.

reCenSão

BíbliaRev. Jarbas Hoffimann

e a importância de seu estudo

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Jesus, o Bom PastorJesus é representado como

o Bom Pastor na arte cristão primitiva — nas pinturas das catacumbas (Roma, Nápoles, Sarde-nha, Sicília), mas não apenas ali. No ano 210 Tertuliano disse ter visto o símbolo do Bom Pastor em cálices e lâmpadas. No muro traseiro acima da fonte batismal da capela construída no ano de 250, no local que hoje é a Síria, o Bom Pastor e sua ovelha foram gra-vados.

As representações mais antigas mostram um jovem, trajando uma tú-nica, carregando uma ovelha em seus ombros, lembrando as palavras de Jesus sobre o pastor à procura de sua ovelha, que quando a encontra, a co-loca nos ombros e vai para casa se re-gozijando. Os três raios identificam o pastor com Jesus, o Filho de Deus. Ele é mostrado como um jovem resoluto, como alguém que, igual a Davi, pode proteger sua ovelha dos lobos e outros predadores.

Não só comparando Jesus com o Bom Pastor — uma identificação que Jesus faz de si mesmo —, mas também os membros da igreja com suas ovelhas era uma prática afirmada pela igreja.

Jesus é realmente o Bom Pastor,

Rev. Jarbas Hoffimann Pesquisa e Adaptação

atento às necessidades das ovelhas pe-las quais ele deu sua vida e a tomou no-vamente. E nós realmente somos suas ovelhas. Embora fôssemos como ove-lhas perdidas, nós agora fomos recupe-radas pelo Pastor e Guardião de nossas almas, como afirma São Pedro na tra-dicional epístola para o Domingo do Bom Pastor. Nós fomos recuperados de nosso afastamento e retornamos para Jesus, por meio do Santo Batismo.

SiMboLogia

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Ciência e a ressurreiçãoO pai de Ligia morreu há 4 meses deixando profundas saudades. Li-

gia resolveu depositar sua esperança na promessa de que a ciência poderá ressuscitar alguém daqui a 50 anos. Como ela ainda é jovem

enche-se de expectativa de rever o pai — o senhor Luiz Felippe Monteiro.Motivada por essa esperança ela tem gastado boa parte, senão todas as suas

economias!A tristeza de Ligia é real! O desejo de reencontrar seu pai não pode ser criti-

cado — porém podemos questionar se sua esperança não é apenas uma ilusão.Sou um grande admirador da ciência. Sou empolgado e motivado por ela,

mas não acredito que a ciência possa vencer a dor de Ligia e de outros enlutados. Ainda que o coração do senhor Luiz voltasse a bater daqui a 50 anos, ele retor-naria a parar um dia; e a tristeza seria ainda mais arrasadora. Absolutamente podemos dizer que uma das certezas dessa vida é a morte!

Quando o apóstolo Paulo escreve sobre a dor do luto ele diz assim: “Irmãos, queremos que vocês saibam a verdade a respeito dos que já morreram, para que não fiquem tristes como ficam aqueles que não têm esperança. Sabemos que Jesus morreu e ressuscitou!” e “Se a nossa mensagem é que Cristo foi ressusci-tado, como é que alguns de vocês dizem que os mortos não vão ressuscitar? 1Ts 4.13-14, 1Co 15.12.

Acredito na ciência como um dom de Deus ao ser humano. Porém, ela tem seus limites! Limites que podem e são ultrapassados por Jesus, o Senhor da ciên-cia e o vencedor sobre a morte.

A ressurreição já é uma realidade. Se efetivamente queremos continuar vi-vendo e nos reencontrando nesse mundo, então tratemos de cuidar dele, usando nossa ciência, nossas economias, nosso esforço para que nosso meio ambiente tenha qualidade daqui a cinquenta anos.

Por isso, ainda que os lideres das nações não tenham tomado atitudes co-rajosas na Rio+20, cabe a nós, em especial os cristãos, zelarmos pelo mundo

que vivemos, pois é tarefa nossa e desejo de Deus que, enquanto estivermos vivos, cui-demos de tudo (Gn 2.15). Quando nossa vida acabar ou de nossos familiares, re-

pousemos em Jesus, pois ele já venceu a morte, dando-nos a esperança de

um feliz reencontro e uma perfeita ressurreição!

Rev. Ismar Lambrecht Pinz — Pelotas-RS, pastor da Igreja Evangélica Luterana do

Brasil

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Direto ao Ponto

Dias atrás amigos meus de Novo Hamburgo-RS foram à Torres confiando no seu GPS. Só que na divisa de Taquara com Rolante o sistema de na-vegação mandou que seguissem reto, sem ir por Santo Antônio. E assim

trafegaram por uma estrada de chão batido entre as montanhas da Serra do Mar, sem a opção do asfalto e da segurança. Tecnologia tem disto, e ainda tem gente que acha que é a salvação do mundo. Por isto, “quando chegou o tempo certo, Deus enviou o seu próprio Filho” (Gl 4.4). Tempo certo quando as conquistas e o orgulho humano eram territoriais e não científicas. Tempo certo também para os Magos do Oriente que chegaram ao lugar exato porque tinham um GPS confiável. E não foi uma estrela. O que os levou até Jesus foi o inventor das estre-las. Eles conheciam as coordenadas Dele no Antigo Testamento sobre o Messias, igual a esta — de um rei, como uma estrela brilhante, que vai aparecer naquela nação; como um cometa ele virá de Israel (Nm 24.17).

—Vocês querem uma simpatia para lhes trazer muito amor, dinheiro, a con-servação da paz no seu lar e o alívio de qualquer sofrimento? Então escrevam no batente da porta de sua casa os nomes dos Reis Magos. Depois mentalizem: Assim como trouxeram tanta luz para nosso Mestre Jesus, que tragam boas energias para casa, protegendo todos os meus familiares. — É o convite de uma astróloga famosa na virada do ano. Mas que boas energias são estas? Aliás, quais as coor-denadas confiáveis para seguir por 2013? Supertições? A própria tecnologia? Os conhecimentos adquiridos? Autofiança? Posição social? Muito dinheiro no bolso, saúde prá dar e vender? Interessante que saúde e dinheiro os visitantes do Oriente possuíam, mas não estavam satisfeitos. Vieram de longe porque sem Jesus lhes faltava o caminho, a verdade e a vida (Jo 14.6). Por isto as palavras do poeta: “Nosso guia és tu Jesus, através de mais um ano. O teu nome é nossa luz, que nos guardará do engano”. Rev. Marcos Schmidt — Novo Hamburgo, é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

O caminho para 2013

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