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Editorial · As instituições interessadas em manter permuta podem enviar cartas para a bibliotecária Mariléa Fabião Borralho, EMATER/RS, Rua Botafogo, 1051, 2° andar, Bairro

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3Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

Editorial

Reconhecendo a complexidade: ecossistema e sociedade (sustentável)O respeito e a observância à complexidade da

interação dos sistemas sociais e ecológicos sãodefinidores do maior ou menor processo entrópico.Várias substâncias aparentemente inertes, comoos disruptores endócrinos, por exemplo, sãobioativas e afetam a vida da maioria das espéciesanimais, acumulando-se em processos de intoxi-cação crônica sem precedentes na históriaevolutiva do planeta (ver Santamarta). Inclusivenos humanos, estas substâncias vêm determi-nando reações em cadeia de prazo indefinido, cujosefeitos podem permanecer ocultos por várias ge-rações. Dados dos últimos 50 anos mostram quea fertilidade masculina de alguns grupos amostraisvem sofrendo redução. Mantida a atual tendên-cia, já em meados deste século "os homens pode-riam ser incapazes de se reproduzir de forma na-tural". A razão essencial deste problema estariana proteção pública a interesses econômicos pri-vados que, por "presunção de inocência", ignoramo princípio da precaução (a ausência de evidênci-as jamais poderia ser interpretada como evidên-cia de ausência de ameaças). Aliás, abordagemsobre OGMs (Porto e Nodari) informa que doisterços das publicações científicas sobre os trans-gênicos indicam que estes provocam diversos ti-pos de danos sobre os ecossistemas. Uma vezcolocados na natureza, genes recombinados se-rão disseminados via transferência lateral oumesmo sexual, com impacto ainda impossível deser avaliado. Seus riscos potenciais resultam dointeresse privado de pequeno grupo de transnaci-onais, à revelia do princípio da precaução. A omis-são das autoridades públicas, em relação a essetema (ver Opinião), revela-se no apoio oficial aempresas que atuam no sentido de restringir apropriedade natural das sementes e de apropriar-se da herança biológica universal (construída pe-las gerações passadas). Tal omissão é especial-mente danosa, pois permite que complexos gené-tico-industriais direcionem o progresso tecnoló-gico para ampliar seus lucros privados, impondouma forma de vida para a qual não há qualquerindício de demanda social. Este rejuvenescimen-to da revolução verde é inaceitável: atualmente, émonolítico o controle do conhecimento por em-presas transnacionais, é generalizada a adesãodos órgãos públicos e são universais as leis deproteção à propriedade intelectual e de restriçãoao fluxo de informações e materiais especializa-dos. Esta discussão revela uma das dimensõesda crise do padrão moderno de agricultura, exa-minada por Paulus e Schlindwein, para quem a

agricultura familiar e seus processos produtivosconstituem sistema complexo que resulta de prin-cípio organizador e produtor de complexidade.Assumindo que a dinâmica da agricultura famili-ar é determinada pela operacionalização das pro-priedades de seus componentes, destacamunicidade entre estrutura e função e perguntam:"a maneira como os tipos de agricultura (conven-cional e alternativo) se estruturam permitirá queelas atendam as funções a que se destinam?" Aresposta é negativa para o modelo convencional econdicionada para o modelo alternativo, onde de-penderá de como o novo modelo se propõe a aten-der múltiplas dimensões da sustentabilidade,particularmente no que tange à valorização dascomunidades rurais. Neste caso, a diversidadecultural seria tão importante quanto a biodiversi-dade vegetal e animal, e os processos sociocultu-rais traduziriam processos de aprendizagem tãomais persistentes quanto maior sua capacidadede complexificar agroecossistemas. Sob esta óti-ca, a crise na agricultura seria um dos traços dacrise do processo civilizatório, onde o homem, aonão se experienciar como parte da natureza e aointerpretar a si mesmo como força exterior desti-nada a subjugá-la, avança em direção a uma crisesem retorno. Esta separação estaria ocultando ofato de que é no encontro com a natureza que ohomem encontra a si mesmo e aos outros ho-mens. Noutro artigo, Denardi analisa as políticaspúblicas oferecidas pelo governo federal à agri-cultura familiar, destacando aspectos estruturaisque deveriam ser alterados em favor do alcancede maiores níveis de sustentabilidade. Como de-safio adicional, aponta a reconversão dos valorespor que se pautam os técnicos das ciências agrá-rias. Além das deficiências de formação, insegu-rança e falta de apoio, haveria notável envelheci-mento dos serviços de pesquisa e extensão emque atuam, justificando a necessidade de profis-sionais com novo perfil e novas habilidades. Emsuma, reclama-se por profissionais capazes deestudar sistemas de produção, analisar cadeiasprodutivas, pesquisar oportunidades de mercadoe apoiar organizações comunitárias, valorizandoa educação para a cidadania. Nessa complexa re-lação ecossistema e sociedade, cresceriam em im-portância, então, os processos de aprendizagemcoletiva, ampliando as oportunidades de contri-buição individual por parte dos profissionais com-prometidos com a construção de um novo mundo(sustentável), que cremos ser possível. Boa lei-tura a todos.

4Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

Revista da Emater/RSv. 2, n.3, Jul/Set/ 2001

Coordenação Geral : Diretoria Técnica da EMATER/RS

Conselho Editorial: Ângela Felippi, Alberto Bracagi oli, AriHenrique Uriartt, Dulphe Pinheiro Machado Neto, Ero s MarionMussoi, Fábio José Esswein, Francisco Roberto Capor al,Gervásio Paulus, Jaime Miguel Weber, João Carlos Ca nuto, JoãoCarlos Costa Gomes, Jorge Luiz Aristimunha, Jorge L uiz Vivan,José Antônio Costabeber, José Mário Guedes, Leonard o AlvimBeroldt da Silva, Leonardo Melgarejo, Lino De David , LuizAntônio Rocha Barcellos, Nilton Pinho de Bem, Renat o dosSantos Iuva, Rogério de Oliveira Antunes, Soel Anto nio Claro.

Editor Responsável: Jorn. Ângela Felippi - RP 7272Editoração de Texto: Mariléa Fabião BorralhoProjeto Gráfico e Ilustração: Sérgio BatsowDiagramação: Nina de OliveiraRevisão: Deise MietlickiFotografia: Kátia Farina Marcon, Rogério da S. Fern andes,Leonardo MelgarejoPeriodicidade: TrimestralTiragem: 3.000 exemplaresImpressão: Palotti.Distribuição: Biblioteca da EMATER/RS

EMATER/RSRua Botafogo, 1051Bairro Menino Deus90150-053 - Porto Alegre - RSTelefone: (051) 233-3144Fax: (051) 233-9598

Endereço eletrônico da revistahttp://www.emater.tche.br/docs/agroeco/revista/revista.htm

E-mail: [email protected]

A Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é umapublicação da Associação Riograndense de Empreendimentos deAssistência Técnica e Extensão Rural - EMATER/RS.

Os artigos publicados nesta Revista são de inteira responsabilidadede seus autores.

CartasAs instituições interessadas em manter permuta podem enviar cartas

para a bibliotecária Mariléa Fabião Borralho, EMATER/RS, RuaBotafogo, 1051, 2° andar, Bairro Menino Deus, CEP 90.150.053

Porto Alegre/RS ou para [email protected] .ISSN 1519-1060

SUMÁRIO

Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.| Porto Alegre| v. 2| n.3| p.1-72| jul./set.2001

EEntrevista 5

José Lutzenberger e a agricultura sustentável

OOpinião 9Associação Médica Britânica recomenda precauçãoa OGMs

RRelato de EExperiência 13Galinha-d´ Angola no controle da broca da erva-mate

AA rtigo 18A ameaça dos disruptores endócrinosSantamarta, José

AA rtigo 30Impactos ambientais das plantas transgênicasGuerra, Miguel Pedro e Nodari, Rubens Onofre

AA lternativa TTecnológica 42Avicultura colonial

AA rtigo 44Agricultura sustentável ou (re)construção do significadode agricultura?Paulus, Gervásio. e Schlindwein, Sandro Luis

EEconotas 53

Eco Links 55

AA rtigo 56Agricultura familiar e políticas públicasDenardi, Reni Antonio

RResenha 63

NNormas editoriais 68

DDica AAgroecológica 69Uso do cinamomo como inseticida e repelente

5Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

Entrevista/José Lutzenberger

"A verdadeira contestação é ampliar o horizonte"

Felip p i, Â n g ela*

Pioneiro do movimento ecológico do RioGrande do Sul, José Lutzenberger é símbolode contestação. Das lutas contra os agrotóxi-cos, nos anos 70, ao combate aos transgêni-cos e à globalização, nesse início de século, éreconhecidamente um dos nomes mais im-portantes no país no trabalho de preservaçãodo planeta e dos que vivem nele.

Às vésperas de completar 75 anos, Lutzen-berger continua combativo, voltado para pro-moção do desenvolvimento rural sustentável,difusão da agricultura regenerativa e educa-ção ambiental, dando assessoramento atra-vés da Fundação Gaia, que fundou em 1987 epreside. O ecologista e agrônomo com maisde 40 prêmios no currículo, tem sua marcana criação da lei de Agrotóxicos do Rio Gran-de do Sul, primeira do país, na criação daAGAPAN - Associação Gaúcha de Proteção aoAmbiente Natural - e em projetos contra odesmatamento, extinção da fauna e poluiçãoambiental. Foi Secretário Especial de MeioAmbiente entre 1990 e 1992, durante o gover-no Collor, contribuindo para a demarcação dosterritórios indígenas, entre outros projetos.

Nessa entrevista, Lutzenberger fala sobreas perspectivas da agricultura sustentável,dos agricultores familiares e dos transgêni-cos e a perda da autonomia do agricultor.

Revista Agroecologia e DRS- Como o se-nhor vê os resultados da luta ambiental queo senhor iniciou décadas atrás?

José Lutzenberger - Eu acho que hoje háuma mudança fundamental na filosofia. En-quanto que uns 30 anos atrás quem levanta-va esta questão da maneira como eu levanta-

va era considerado meio louco, hoje, o esque-ma oficial, pelo menos para o Rio Grande doSul, está querendo levar a agricultura para ocaminho ecológico sustentável e a gente vê,a cada dia, notícias nos meios de comunica-ção de agricultores que por iniciativa própriaestão procurando caminhos de produção semveneno. Por isso, já não estou nem brigandocontra os agrotóxicos. A luta intelectual já estáganha. O que nós temos que fazer agora é pro-mover uma agricultura sadia e estou conten-te de ver que a EMATER/RS, nesse sentido,mudou de orientação, o que não se pode dizerquanto à EMBRAPA (Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuária).

Revista - Quais as perspectivas para o fu-turo? Poderemos chegar a uma agriculturasustentável?

Lutzenberger - Se não chegarmos, não te-remos agricultura. É o único caminho. Depen-

* Ângela Felippi é jornalista da Emater/RS. A entrevistateve a colaboração do Conselho Editorial da Revista.

6Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

Entrevista/José Lutzenberger

de muito das políticas oficiais. Se, por exem-plo, na próxima eleição um outro partido resol-ver desfazer tudo o que foi feito agora, podere-mos ter um retrocesso. Não é que eu seja de-fensor do PT, mas pelo menos o Olívio (Dutra,governador do Rio Grande do Sul) quer fazeruma agricultura mais sustentável, mais eco-lógica, sobretudo socialmente mais justa. Te-mos que salvar o campesinato.

A grande tecnocracia está estruturando umgoverno mundial tecnoditatorial. Ela quer aca-bar com tudo que é empreendimento autôno-mo. Na agricultura, eles querem deixar sobre-viver somente, num extremo, a grande mono-cultura, como a de soja; e no outro, somenteaquele pequeno agricultor que se enquadra nosesquemas de integração vertical, como noscampos de concentração de galinhas, nas fá-bricas de ovos, no fumo e ultimamente até noscalabouços de porcos.

Na grande monocultura como a de soja, oagricultor é um terceirista da tecnocracia.Todos os insumos, tem quecomprar da indústria, a preçosdeterminados por eles, onde elenão tem a mínima ingerência.Ele tem que entregar o seu pro-duto também à grandetecnocracia, sem a mínima in-gerência nos preços. Se me de-dicar a, por exemplo, ganhar avida com criação de frango, te-nho apenas a ilusão de ser umempresário autônomo, mas souum operário sem carteira, semsalário garantido, sem horas deserviço estabelecidas, toda família tem que tra-balhar, não tem sábado, domingo, férias e pagoa minha própria previdência social. É umanova forma não digo de escravidão, mas é umaquase-escravidão.

Então temos esses dois extremos. O colono,que está no meio, e produz para si, para suacomunidade, para o mercado local, está sendomarginalizado. Tudo porque tudo o que ele tem

que comprar, o preço está lá em cima, e tudo oque ele tem que vender, o preço está lá embai-xo. Uma das razões porque nós (Fundação Gaia)estamos sem dinheiro é que tudo o que a gen-te produz não se consegue vender ou se con-segue um preço que não paga nem a mão-de-obra. Nós chegamos a ter 500 porcos, alimen-tados com produtos da própria propriedade, masos preços não pagam a mão-de-obra.

No Vale do Taquari, no Caí, no Pardo vocêsvão ver a metade das propriedades agrícolasabandonadas, é bosque secundário e plantaçãode acácia. Onde vemos colono, está o velho ca-sal. Gente de mais de 60 anos. Os filhos foramembora porque não têm futuro. O casal vive datriste previdência social. Como não tem condi-ções de pagar mão-de-obra, plantam três ouquatro canteirinhos de verdura para o próprioconsumo. Daqui a dez, quinze anos acaba tudo.

Revista - Qual seria a alternativa para oagricultor diante desse quadro mundial?

Lutzenberger - Precisamosde uma política agrária dife-rente. Não é uma reformaagrária no sentido de tirar deum e dar para outro, isso nãoresolve nada. O Brasil é sufi-cientemente grande. Precisa-mos, isto sim, promover a pro-dução local para o consumo lo-cal e regional. Hoje, nós prefe-rimos a exportação. O governofederal promove a exportação.

Revista - E a agriculturaregenerativa?

Lutzenberger - Dizer que a agricultura re-generativa é menos produtiva, é uma grandeilusão. Ela não é menos eficiente em termosde mão-de-obra, não é menos eficiente emtermos de produtividade por hectare. Temosque ver o quadro inteiro.

Regenerativa quer dizer regenerar aquiloque foi destruído, refazer a fertilidade do solo,

"O que era o campesinato

tradicional? Um esquema

autárquico de produção,

manipulação e distribuição

de alimentos (...) não preci-

sava de bancos, não precisa-

va de transnacionais, produ-

zia seus próprios insumos"

7Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

Entrevista/José Lutzenberger

refazer a diversidade biológica da pai-sagem. Por isso, preferimos a palavraregenerativa, não alternativa, ecológi-ca ou orgânica. Alternativa significaapenas diferente, pode ser pior. Ecoló-gica, pode ser até uma grande mortan-dade. Orgânica, refere-se apenas ao as-pecto químico. O DDT é uma substân-cia orgânica.

Revista - Então, a agricultura re-generativa poderia...

Lutzenberger -Lutzenberger - É a única que pode

nos salvar. Quando dizem que a agri-cultura moderna é a única soluçãopara a fome no mundo, comparam coi-sas que não dá para comparar. Dizemassim: em 1900, 60% da população trabalha-vam no campo para alimentar os 100% e se-guido faltava comida; hoje, na agriculturamoderna, menos de 2% da população alimen-tam toda a população.

O que era o campesinato tradicional? Eraum esquema autárquico de produção, mani-pulação e distribuição de alimentos. O siste-ma era autárquico, não precisava de bancos,não precisava de transnacionais, produziaseus próprios insumos. O adubo era o estercode seus animais, era a rotação de cultivos,era a adubação verde, eram leguminosas, etc.Não precisava de petróleo, porque a energiavinha dos animais a tração, alimentado naprópria propriedade. Isso era energia solar,indefinidamente sustentável. As enxadas, osarados, as carretas eram produzidos pelosartesãos na aldeia. Esses estavam incluídosnos 60% de população rural. A pouca manipu-lação que se fazia de alimentos naquela épo-ca era feita, ou na propriedade agrícola, ou naaldeia. Não havia o agribusiness que temhoje. E o agricultor entregava seu produto nafeira semanal, praticamente na mão do con-sumidor. Em português, sobrou uma relíquiamuito importante daquele tempo, quando cada

dia o agricultor ia a um bairro para venderseus produtos. Domingo era a primeira feira.Então era domingo, segunda, terça, quarta,quinta, sexta-feira e sábado, dia em que nãohavia feira.

Agora, o agricultor moderno é um tratoris-ta, nada mais, um espalhador de veneno. Agri-cultura moderna começa lá nos campos depetróleo, passa pelas refinarias, pelas fábri-cas de adubo e de agrotóxicos. O economistamoderno, quando olha a fábrica de adubo e deagrotóxicos, diz que é indústria química e co-loca nas estatísticas como indústria quími-ca. Mas isso é agricultura moderna.

Revista - É então muito mais que 2% dapopulação?

Lutzenberger - Mas é claro. A pessoa queestá no banco, sentada diante do computador,trabalhando com os créditos do agricultor, estáno negócio de produção, manipulação e dis-tribuição de alimentos. O esquema vai até osupermercado. Então, se eu quiser compararo tradicional camponês com o que fazemoshoje, tenho que somar todas as horas de tra-balho que vão direta ou indiretamente na pro-dução, manipulação e distribuição de alimen-

8Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

Entrevista/José Lutzemberger

tos. Ninguém fez essa conta, até hoje, porquenão está dentro do paradigma convencional.Mas eu tenho certeza de que se fizermos essaconta dá mais do que 60%. Nos países comagricultura moderna, como os Estados Unidose a Europa, temos que incluir até parte dashoras de trabalho das pessoasque nada têm a ver com a agri-cultura. Por exemplo, um den-tista alemão. O trabalho dele,numa proporção muito elevadatalvez, uns 10% ou 20%, é paraganhar o dinheiro para pagaros impostos, para pagar osimensos subsídios para aqueletipo de agricultura, que são 60bilhões de dólares. Ninguémfaz essa conta.

O que realmente houve na agricultura ditamoderna foi uma desapropriação do campo-nês. Tiraram dele todas aquelas partes desuas atividades que dão segurança de sobre-vivência. Deixaram com ele apenas os riscos.O risco de má colheita por mau tempo.

Revista - E a questão dos transgênicos,então?

Lutzenberger - O transgênico é mais umamanobra para tirar uma das últimas coisasque o agricultor ainda tem domínio próprio,que é a semente. Na Alemanha, hoje, se umagricultor trocar a semente com seu vizinhojá é punido. Se nós deixarmos entrar os trans-gênicos, não demora, vamos poder plantarsomente as sementes registradas. Hoje, jánão se consegue crédito para milho que nãoseja híbrido.

Revista - O governo do Rio Grande do Sulquer que o Estado seja livre de transgêni-cos. O senhor acha que é possível?

Lutzenberger - Claro que é possível. Te-mos como fazer isso. Não precisamos nemproibir os transgênicos. É só não aceitar aspatentes e pronto. Aí eles não oferecem mais

essa semente.Baseada nas patentes, a Monsanto já pro-

cessou mais de quatro mil agricultores nosEstados Unidos. Isso significa que a lavouradeles é destruída, eles são obrigados a pagarmultas de dezenas de milhares de dólares e

acabam entregando a proprie-dade ao banco.

Essas grandes empresasquerem o controle total dosinsumos. Agricultura modernaé isso. E nem o agricultor, nemo consumidor têm como se de-fender. Temos que olhar o pa-norama completo, em vez desimplesmente bater palmaspara a globalização, achar queisso é bom.

O agricultor e o consumidor não têm maisescolha. Esta se estruturando um governomundial tecnoditatorial, que não precisa fa-zer repressão. Não precisa soldados. Não pre-cisa proibir. Através de infra-estrutura tec-noburocrática legalizada, cada vez maisabrangente, criam-se contingências tecno-lógica inescapáveis.

Revista - Como está a formação dos pro-fissionais das ciências agrárias?

Lutzenberger - Eles aprendem pacotes tec-nológicos prontos. Em geral, eles não apren-dem a pensar e não têm horizonte científicoamplo. Aqui vai meu apelo aos jovens profis-sionais: ampliem seu horizonte intelectualem ciências naturais, tecnologia e filosofia.Isso não significa trabalho árduo, ao contrá-rio, as ciências naturais são a maior aventu-ra do espírito humano. Não tem prazer maiorque o prazer de desvendar os mistérios danatureza.

A verdadeira revolução, a verdadeira con-testação é ampliar o horizonte científico, téc-nico e filosófico. Só quem tem esse horizontetem condições de se dar conta do que estáacontecendo.

"O que realmente houve na

agricultura dita moderna foi

uma desapropriação do

camponês. (...) Agora, o

agricultor moderno é um

tratorista, nada mais, um

espalhador de veneno."

AA

9Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

piniãoO

Transgênicos: Associação Médica Britânicarecomenda precaução*

Re co me nd açõ e s

a) Precauções ambientais e riscos à saú-de pública

1) O princípio da precaução teria que seraplicado para o caso dos cultivos de alimentosmodificados geneticamente, já que não pode-mos, neste momento, saber se existem séri-os riscos para o ambiente e para a saúde hu-mana, resultantes da produção de cultivosOGM e do consumo de produtos alimentíciosOGM.

Os efeitos adversos podem ser irreversí-

*Traduzido por Francisco Roberto Caporal, do originalintitulado El impacto de la Manipulación Genética enla Agricultura, la Alimentación y la Salud. Mayo de1999. 21 pág. (mimeo). O texto completo está

disponível na Biblioteca da EMATER/RS.

veis: uma vez que os OGMs sejam liberadosno meio ambiente não podem ser controla-dos. Portanto, é essencial que a liberação nãose realize até que se tenha um nível de cer-teza científica suficiente, para se correr umrisco aceitável. Isto requererá um estudo decusto/benefício e uma avaliação de impactoà saúde, comparativamente entre as modifi-cações gênicas e outras formas de engenha-ria agrícola. A Associação Médica Britânica(ABM) elaborou um guia para ver como a ava-liação de impacto ambiental e à saúde podeser conduzida para contribuir, de algumamaneira, para determinar o nível de riscoambiental.

2) É necessário ter uma cuidadosa aten-ção sobre os efeitos dos OGMs nas práticasagrícolas, no campo e na vida silvestre, e, por-

10Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

tanto, recomendamos uma moratória para aplantação de cultivos OGM no Reino Unido. Amoratória teria que continuar enquanto nãoexista consenso científico (ou um acordo ra-zoável) sobre os efeitos potenciais, a longo pra-zo, no meio ambiente.

3) Os produtos alimentícios OGM deveriamser separados desde o lugar de produção, parapermitir a identificação e a rastreabilidadedaqueles que são OGMs. Isto é importante, jáque há dúvidas consideráveis sobre o compor-tamento dos OGMs uma vez que tenham sidoespalhados no meio ambiente. Isto tambémfacilitará o monitoramento no âmbito da saú-de pública. É inaceitável que neste momentoalguns produtos OGM e não OGM sejam mis-turados na fonte de produção e não sejam ade-quadamente rotulados.

4) Se a indústria da biotecnologia insisteem misturar produtos OGM e não-OGM, aAgência de Normas de Alimentos teria queconsiderar a possibilidade de proibir a impor-tação de tais produtos (até que possíveis ris-cos, se é que existem, sejam identificados),ou insistir que tais produtos sejam rotuladospara indicar que não existe nenhuma garan-tia de que estejam livres de OGMs.

5) O comitê de regulamentação aprovouque a distância regulamentar entre cultivosOGM e não-OGM deveria ser revisada à luzde uma nova pesquisa sobre os riscos dapolinização cruzada.

6) Deveria haver uma proibição no uso degens marcadores com resistência aos antibió-ticos na comida OGM, já que o risco da resis-tência a antibióticos (por parte de microorga-nismos) para a saúde humana é uma das mai-ores ameaças públicas que se enfrentará noséculo XXI. O risco de que a resistência anti-biótica possa passar às bactérias que afetamos seres humanos, através de gens marcadores

presentes na cadeia alimentar, é algo que nomomento não se pode descartar.

7) Devido à potencial magnitude do uso dematerial OGM no meio ambiente e na cadeiaalimentar, existe a necessidade de um con-siderável esforço dos sistemas de supervisãode doenças no Reino Unido, em todos os ní-veis. A supervisão das doenças e, inclusive,os procedimentos de monitoramento neces-sitarão ser suficientemente fortes para tra-tar com o surgimento potencial de novas en-fermidades associadas com material OGM, eque será incerto e difícil de diagnosticar.

8) O risco de que os cultivos OGM possamaumentar o uso de agrotóxicos (inseticidas,fungicidas e herbicidas) no meio ambientenecessita ser avaliado com amplitude para de-terminar o impacto ambiental total. As em-presas biotecnológicas devem proporcionarevidência satisfatória de que tal uso químiconão aumentará. Se não for assim, o uso decultivos OGMs deve ser considerado comoambientalmente inaceitável.

b) Pesquisas necessárias

9) A Associação Médica Britânica conside-ra que os produtos alimentares geneticamen-te modificados poderiam contribuir substan-cialmente para melhorar a nutrição e a saú-de (não só porque uma boa nutrição leva auma boa saúde, mas também porque as vaci-nações poderiam efetuar-se através de ali-mentos OGM), entretanto, pesquisas neces-sitam ser conduzidas sobre os possíveis ris-cos para a saúde provocados por alimentosOGM. Em particular, se necessita uma pes-quisa profunda sobre os mecanismos de rea-ção alérgica aos produtos OGMs e os riscospara a saúde surgidos da resistência antibió-tica.

10) Deveria haver uma pesquisa de longo

piniãoO

11Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

prazo sobre os efeitos am-bientais dos OGMs, em par-ticular, para considerar oefeito acumulativo dosOGMs no meio ambiente ena cadeia alimentar e odestino do DNA transgêni-co metabólico (ou digesti-vo) nos animais e nos se-res vivos.

c) Processo de regula-mentação

11) A Agência de Nor-mas, com poder oficial, de-veria estabelecer para si,com urgência e como prio-ridade, a responsabilidadede ter em conta as implicações mais amplas,a longo prazo, da comida OGM sobre a saúdehumana. Isto proporcionará maior coerêncianas regras e normas do que o enfoque atual,de caso a caso, sobre o consumo e produçãode OGM e estabelecerá um único ponto de re-ferência para a pesquisa em todos os aspec-tos da cadeia alimentar, desde o plantio até acomida. A inclusão de peritos médicos nos no-vos comitês consultivos e nos atuais é essen-cial.

12) Uma vez que se obtenha consenso ci-entífico sobre a segurança das plantações decultivos OGM, a Agência de Normas dos Ali-mentos deveria introduzir novos controlesregulatórios para conduzir o monitoramentoe a supervisão posterior à liberação dos culti-vos OGM plantados comercialmente.

13) Devem ser realizados, em todas as si-tuações, estudos exaustivos sobre impacto dosOGMs sobre a saúde e o meio ambiente e es-tes estudos devem ser de conhecimento pú-blico. Deveriam ser apresentadas, abertamen-te, as evidências sobre a segurança proporci-

onada pelas empresas de biotecnologia e elasdeveriam estar sujeitas a uma revisão críti-ca. A confidencialidade comercial não pode sermais importante que a transparência de in-formações relacionadas com a saúde pública.

14) Devem ser revisadas as brechas daslegislações e normas sobre locais de cultivosOGMs, adotando-se medidas fiscais adequa-das. Em particular, devem ser estabelecidasmultas para as empresas que ignoram asmedidas de controle de riscos requeridas le-galmente, que sirvam como elemento de for-te pressão contra eventuais ações ilegais.

d) Desenvolvimento no Terceiro Mundo

15) Os procedimentos de regulamentaçãode OGMs no Terceiro Mundo deveriam ser tãorigorosos como aqueles adotados nas naçõesdesenvolvidas, para evitar-se que as empre-sas escapem das restrições legais. Teria quehaver um esforço coordenado entre indústri-as e governos de todo o mundo para assegu-rar que as regulamentações e previsões queafetam os produtos OGM não favoreçam os

piniãoO

12Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

sejam rotulados de maneira clara, consisten-te e compreensível.

19) Deveriam estar disponíveis ao públicoem geral mais informações sobre as novas tec-nologias científicas, especialmente o desen-volvimento em biotecnologia. Isto teria queincluir informações sobre os custos e benefí-cios para a saúde, meio ambiente e outrosaspectos sociais. O governo e a indústria dabiotecnologia não deveriam ignorar o interes-se público e deveriam procurar diminuir aspreocupações através do diálogo, de consul-tas públicas efetivas e muita transparênciana informação. Isto requereria um serviço deinformação centralizado para consultas públi-cas relacionadas com os OGMs e uma basede dados facilmente acessível sobre a aprova-ção de locais para plantios experimentais eos resultados das pesquisas. A menos que aconfiança pública sobre os cultivos e alimen-tos OGM se restabeleça consideravelmente,existe o perigo de que os avanços médicosbiotecnológicos venham a ser rechaçados pelopúblico, de forma análoga ao que está ocor-rendo, com um grande custo, para o progres-so da medicina.

países desenvolvidos às custas das nações emdesenvolvimento, que são mais vulneráveis.

16) A exportação de alimentos OGM a paí-ses em vias de desenvolvimento deveria sermonitorada cuidadosamente para assegurarque a embalagem, rotulagem e suas possíveisconseqüências ambientais sejam totalmen-te regulamentadas.

17) O governo do Reino Unido deveria con-versar com os governos europeus e de outrospaíses para dar respaldo a uma revisão doAcordo Mundial do Comércio, a fim de asse-gurar que os governos e não as empresas,sejam quem determina se os países aceitam,com ou sem restrições, a importação, o usode sementes, plantas e alimentos OGM.

e) A escolha do consumidor: áreas de in-teresse público

18) Os governos deveriam assegurar queos alimentos não-modificados geneticamen-te continuem amplamente disponíveis e quesejam economicamente acessíveis para todosos consumidores e que os alimentos OGM

piniãoO

AA

13Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

RExperiênciaelato

de

M allm an n , Á lv aro J o s é (1 ),S zep an iu c k , A lit a M ar ia (2 ),S t er t z, Eld o (3 ) e M arm it t ,

Lu is A n t ô n io (4 )*

1 O p ro b le ma

De todos os problemas de cunho fitossani-tário que ocasionam perdas economicamen-te significativas para a matecultura, a brocada erva-mate (Hedypathes betulinus, COL.:Cerambycidae) é o mais importante, visto queapenas uma larva pode destruir parcial oucompletamente uma erveira.

Controle da broca da erva-mateatravés da galinha-d'Angola

* (1) Eng. Florestal e Assistente Técnico Regional doEscritório Regional da EMATER/RS de Estrela; (2)

Extensionista Social do Escritório Municipal da EMA-TER/RS de Cruzeiro do Sul; (3) Eng. Agr. do EscritórioMunicipal da EMATER/RS de Mato Leitão; (4) Téc.

Agr. do Escritório Municipal da EMATER/RS deVenâncio Aires.

Muitos fatores tornam a broca da erva-matede difícil controle. As larvas, que ocasionam oprincipal dano ao escavarem as galerias notronco, nas raízes ou nos galhos, compactamatrás de si serragem resultante, obstruindo,desta forma, o orifício e tornando quase im-possível acessá-las. Os adultos ocorrem embaixa densidade populacional, procuram asregiões mais protegidas da planta para se abri-garem, possuindo ainda uma longevidade pro-longada. As fêmeas apresentam uma grandehabilidade materna representada pelo extre-mo cuidado com que protegem suas posturas.Os ovos colocados em fendas escavadas espe-cialmente para abrigá-los ficam protegidoscontra a dessecação, bem como dificilmentesão alcançados por predadores. A viabilidadeé alta, pois de cada estação de postura, 85%dos ovos em média se transformam em inse-tos adultos.

O uso de agrotóxicos não é aconselhávelpois, além de ocasionar desequilíbrios na

14Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

entomofauna, destruindo inimigos naturaise determinando o surgimento de pragas se-cundárias, também poderia deixar resíduosnos produtos (chá, chimarrão) e acarretar ris-cos de intoxicação aos trabalhadores e aosanimais domésticos. Além disso, cabe salien-tar que não existem princípios ativos regis-trados para a cultura, não se sabe da eficiên-cia destes produtos e, além disto, seriam ne-cessárias várias aplicações, devido ao prolon-gado período em que os níveis populacionaisde adultos de praga, fase mais apropriada paracontrole, estão presentes no cultivo.

2 A b ro ca d a e rva-mat e

2.1. Descrição do inseto

O inseto adulto é um besouro do grupo dosserradores, que mede aproximadamente 25milímetros de comprimento. O corpo apresentacoloração geral preta, sendo recoberto em qua-se toda a sua superfície por pelos brancos (fi-gura 2). Na parte mediana das asas coriáceas(élitros), ocorrem manchas escuras que secaracterizam pelo formato de "M". As antenassão longas e finas, apresentando de forma al-ternada manchas claras e escuras.

As larvas possuem coloração branca. A par-te anterior é um pouco mais larga do que aposterior.

As fêmeas realizam as posturas principal-mente no tronco da erveira, próximo ao solo.Também são preferidos as raízes expostas eos brotos ladrões (brotos que se originam docolo da planta). Os adultos possuem prolonga-da longevidade e estão presentes em abun-dância no período compreendido entre os me-ses de setembro e maio.

2.2 Danos provocados pela broca da erva-mate

Os danos mais severos são ocasionadospelas larvas, mas os adultos também provo-cam perdas que usualmente não são percebi-das pelos produtores.

As larvas, durante o processo de alimenta-

ção, constroem galerias no tronco e nas raízesdas erveiras, dificultando a circulação da sei-va, o que debilita a planta, que geralmenteapresenta queda de folhas. Um erval pode tersua produção reduzida em até 50% quandoaltamente infestado por este inseto. Se obroqueamento é muito intenso, ou se ocor-rem sucessivas gerações de praga, os galhosda planta podem secar e, muitas vezes, ocor-re a morte da erveira.

Os adultos roem a casca dos ramos, ocasio-nalmente anelando-os, o que determina queestes murchem e sequem. Ao comerem ospecíolos das folhas, ocasionam a queda destas.

3 A gal i nha-d 'A ngo la

3.1. Origem

No Brasil, a galinha-d'Angola é conhecidapor vários nomes, dependendo da região. NoRio Grande do Sul e em Santa Catarina é maisconhecida como "tô fraco", "angolista" e "gali-nha-d'Angola". Originária da África, foiintroduzida no Brasil pelos colonizadores por-tugueses, que a trouxeram da África Ociden-tal, passou a ser conhecida aqui como gali-nha-d'Angola. É bastante rústica, aclimatou-se muito bem no Brasil.

3.2. Comportamento

As aves ficam nervosas à toa. São extre-mamente agitadas, muitas vezes chegam aoestresse. São aves de bando: vivem em ban-dos, locomovem-se em bandos e precisam dobando para se reproduzir, pois só assim sen-tem estímulo para o acasalamento. E, comogrupo, são organizadas. Cada um tem seu lí-der, o que é fácil de constatar no momentoem que se alimentam: o líder vigia enquantoseus companheiros comem, e só depois deverificar que está tudo em ordem é que co-meça a comer.

Na hora do acasalamento a iniciativa é dafêmea. O período de abril a agosto (intervalode postura) é aquele em que as angolas estão

RExperiênciaelato

de

15Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

RExperiênciaelato

de

mais sociais, vivendo emgrandes grupos, e no qualtrocam as penas. No finaldessa fase, vão escolhen-do seus pares (duas fême-as para um macho), depoisocorrem os acasalamen-tos. O período principal depostura vai de setembro amarço, com uma média desetenta a oitenta ovoscada fêmea.

São aves rústicas e fá-ceis de criar, exceto numponto: deixadas soltas, es-condem os ninhos com orequinte de botar os ovosem camadas e ainda co-bertos por palha ou outromaterial disponível. É im-portante salientar que ten-tou-se realizar a incuba-ção através de incubadoras, porém, os resul-tados não foram satisfatórios. As galinhas-d'Angola não são boas mães, fazem posturasconjuntas, ninhadas de até 40 ovos, dispostosem camadas, desta forma somente os ovos decima recebem o calor da ave e descascam.São inquietas, arrastam os pintos para aumidade, podendo comprometer a sobrevivên-cia dos pintos.

4 Co mo surg i u a e xp e r i ê nci a

Este trabalho teve início no município deVenâncio Aires, em 1993, por ocasião de umareunião sobre a cultura da erva-mate. Nasdiscussões sobre controle de pragas, o agicultorOdilo Hickmann, possuidor de 13 hectares deerva-mate, consorciados com diversas cultu-ras anuais, enfatizou em meio à reunião comcerca de 40 produtores e técnicos que a gali-nha-d'Angola era um predador natural da bro-ca da erva-mate. A declaração, a princípio,causou espanto e risos por parte de alguns

agricultores, que no pri-meiro momento não acre-ditaram na história conta-da pelo senhor Hickmann.

A criação ampliou-se apartir do ano de 1995, de-pois de introduzida com acolaboração de produtorespioneiros. A SecretariaMunicipal da Agricultura,o Sindicato dos Trabalha-dores Rurais e a EMATER/RS foram entidades de co-ordenação do trabalho, di-vulgação através da RádioVenâncio Aires, jornais Fo-lha do Mate (VenâncioAires), Zero Hora (PortoAlegre) e Gazeta do Sul(Santa Cruz do Sul) e pelaRBS TV, entre outros mei-os de comunicação. Os

produtores pioneiros em Venâncio Aires foramos responsáveis pela reprodução e criação des-ta ave, principalmente para controlar o besou-ro da broca da erva-mate, formigas pimenta ecortadeiras, além de outros insetos que atual-mente prejudicam as culturas cultivadas.

Atualmente, existem outras pesquisas queestão sendo desenvolvidas por entidades, parao controle da broca da erva-mate, através deferomônios e catação manual, sendo quequanto mais métodos de controle nos ervais,haverá maior eficiência e, conseqüentemen-te, um leque de opções maior terão as famíli-as rurais, de acordo com cada realidade, paradiminuir os prejuízos com a queda de produti-vidade e a mortandade de plantas.

5 O rgani zação d o s p ro d ut o re sAs campanhas de distribuição de pintos de

angola tiveram início com a introdução da avenos ervais do município de Venâncio Aires,primeiramente na propriedade de OdiloHickmann em Linha Travessa e de Loreno de

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RExperiênciaelato

de

Borba, em Linha São João do Erval, estenden-do-se posteriormente para outros colaboradores.

A galinha-d'Angola sempre esteve presen-te em Venâncio Aires e outros municípiosonde ocorreu a colonização açoriana, porémcom a finalidade de ornamentação sendo quemais recentemente, através de observaçõesnos ervais, o controle do besouro da broca daerva-mate passou a ser realizada.

Em 1995, foram distribuídos os primeirospintos de angolistas para os produtores de Li-nha São João do Erval, ocasião em que a Se-cretaria Municipal da Agricultura, a EMATER/RS e o Sindicato dos Trabalhadores Ruraisorganizaram produtores que realizaram a in-cubação dos ovos e posteriormente o repassedas aves para os produtores envolvidos.

A partir deste período, sucessivamente to-dos os anos foram realizadas as distribuiçõesde pintos com esta organização.

Já no ano de 1999, foi realizado o primeiroconcurso Angola Ecológica, com o objetivo devalorizar os produtores envolvidos no proces-so e divulgar o controle do besouro da broca daerva-mate com este método. Neste concurso,participaram 61 produtores que inscreveram1290 aves entre adultas e pequenas, basica-mente na região de concentração de erva-mate.

Atualmente, as campanhas de distribuiçãode pintos de angolista continuam, porém acomercialização é realizada pelas casasagropecuárias de Venâncio Aires, que regu-lam os preços de comercialização.

Com a organização obtida pelos produtores,hoje já existe autogestão de produção das aves,iniciando a preocupação de conquista de mer-cados para a comercialização de ovos e carnes.

Estima-se que em Venâncio Aires há 250produtores adotadores e cerca de 2.500 aves,com as mais diversas funções ecológicas.

Outros municípios da região como MatoLeitão e Cruzeiro do Sul também já apresen-tam resultados significativos com a utiliza-ção da galinha-d'Angola nos ervais plantados

e nativos e no controle de pragas de outrasculturas.

Após este período de 1999 em diante, os pro-dutores de pintos passaram a repassar dire-tamente para as agropecuárias locais a dis-tribuição para produtores interessados nagalinha-d'Angola.

Outros trabalhos foram observados juntocom produtores rurais, como controle da va-quinha no feijão, lagartas e outros insetos empequenas hortas, formigas pimenta e corta-deiras em pomares de laranja e bergamota,entre outros.

No ano de 1998, foi realizado o ConcursoGalinha-d'Angola Ecológica, tendo como par-ticipantes 67 produtores com 1290 aves ins-critas, pois o regulamento, elaborado pelospróprios produtores, determinava que para seinscrever o produtor deveria ter no mínimodez aves adultas.

6 . Co mo é f e i t o o co nt ro le d ab ro ca d a e rva-mat e co m uso d a

gal i nha-d 'A ngo laO controle da Broca da erva-mate através

da galinha-d'Angola ocorre com maior fre-qüência quando a fêmea do "cascudo corinti-ano" vai realizar a postura, momento em quea fêmea se encontra mais vulnerável poisestá mais próxima do solo, embora a galinha-d'Angola também capture os insetos nas par-tes mais altas da erva-mate, saltando (voan-do) após identificar o seu movimento nos ra-mos das plantas.

Ainda, os insetos adultos têm o hábito dedefesa de se desprender dos ramos quandoameaçados. Se as angolistas não obtiveremsucesso no ataque sobre os cascudos quandoem vôo, os mesmos se arremessam sobre osolo e são capturados neste local pelo bandode angolas que estão mais próximas.

A nova sistemática de condução dos ervaiscom podas mais intensas reflete em plantasde menor porte e por conseqüência fica maisfácil a captura desta praga que está mais pró-

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coleta, ao se examinar a erveira, deve-se pres-tar especial atenção para os vestígios da ati-vidade do besouro, como casca dos ramos re-centemente roída, presença de fezes frescas(moles) nos galhos e de ramos cujas folhasforam cortadas junto ao pecíolo. Estes sinaisindicam que o besouro está próximo e que aplanta merece ser melhor vistoriada.

Cabe destacar que os galhos e troncos mor-tos pela ação da broca devem ser retirados doerval e destruídos, uma vez que se permane-cerem no campo permitirão que a praga ter-mine o seu ciclo e ataque outras erveiras.

7 O ut ras vant age ns d a cr i açãod a gal i nha-d 'A ngo la

As galinhas-d'Angola, circulando em ban-dos pelas lavouras, formando um verdadeiro"arrastão", procuram se alimentar com todo equalquer tipo de insetos que encontram, como,por exemplo, as cigarrinhas, lagartas, besou-ros, cascudos, formigas e outros, os quais ape-tecem o paladar das angolistas.

Até o momento não foi constatado que, nassuas andanças, as aves tenham causado danoeconômico expressivo nas plantações.

Além desses benefícios, a carne e os ovossão apreciados na culinária, podendo tornar-se, num futuro próximo, mais uma fonte derenda para as famílias rurais da região. Asvariações no preparo da carne da galinha-d'Angola são idênticas à carne da galinha co-lonial. É excelente para uma "angolada" (emsubstituição à "galinhada") bem como ao mo-lho. Os ovos são usados da mesma forma enas mesmas receitas que os ovos médios dagalinha colonial.

xima das angolistas.Por questão de hábito as galinhas-d'Angola

se movimentam em bando, em alinhamen-tos predeterminados, com pequena distânciaentre as mesmas, e com este movimento re-alizam uma espécie de "arrastão" dentro doservais, capturando todos os cascudos que fo-rem identificados no percurso.

De uma forma geral, o controle da broca daerva-mate com o uso da galinha-d'Angola re-presenta uma prática totalmente ecológica,porque apenas as angolistas são envolvidasno processo de controle, além de refletir aconsciência dos produtores que adotaram estaprática, mesmo diante de críticas de outrosagricultores, investindo em pintos, instala-ções e alimentação para a criação e a manu-tenção dos animais.

Outro método de controle que é preconiza-do para este inseto é a coleta manual dosadultos, visto que em ervais onde este proce-dimento é rotineiro os danos ocasionados pelocorintiano não são expressivos. Todavia, quan-do não é realizado, a população da praga au-menta em um ano, aproximadamente, qua-tro vezes. Além disto, o método é muito eco-nômico, podendo ser dependente apenas damão-de-obra familiar e não ocasiona desequi-líbrios. Cabe destacar que a adoção do métodopor um grupo de produtores o torna ainda maiseficiente do que quando adotado apenas porum agricultor.

A coleta de adultos deve ser realizada noperíodo que vai de setembro até maio. O ho-rário mais adequado se estende das 10 horasàs 16 horas. Os melhores resultados são obti-dos nos dias quentes e ensolarados, quando oinseto apresenta maior atividade. Durante a

Bi b l i o graf i a co nsul t ad a

AA

ANUARIO BRASILEIRO DA ERVA-MARTE 1999. Santa

Cruz do Sul: Gazeta Grupo de Comunicações,

1999.63p.

ANUARIO BRASILEIRO DA ERVA-MARTE 2000. Santa

RExperiênciaelato

de

Cruz do Sul: Gazeta Grupo de Comunicações, 2000.79p.

FRANCO, Maria Virgínia (Cons.) Galinha-d’Angola.

Revista Globo Rural , Rio de Janeiro, v.5,n.49,p.92-

95,nov. 1989.

18Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

A r t i go

* Texto traduzido por Francisco Roberto Caporal,Diretor Técnico da EMATER/RS, com autorização do

autor.** José Santamarta é revisor e editor da edição em

espanhol do livro Nosso Futuro Roubado e diretor daedição em castelhano da revista World Watch.

A ameaça dos disruptores endócrinos *

S an t am ar t a , J o s é * *

Resumo: Este artigo, publicado original-mente na edição em espanhol da revista WorldWatch, é uma abordagem sobre o conteúdo dolivro Nosso Futuro Roubado. O autor resgataaspectos centrais das pesquisas já realizadaspara alertar a todos nós que estamos sendovítimas de certas substâncias químicas que,por diferentes mecanismos, estão afetandoespecialmente os processos reprodutivos deaves e mamíferos. Tais substâncias, agindono sistema endócrino, inclusive dos seres hu-manos, podem colocar em risco nossa sobre-vivência como espécie.

Os chamados disruptores endócrinos (ouburladores, fraudadores) não são venenos clás-sicos, eles interferem no sistema hormonal,sabotando as comunicações e alterando osmensageiros químicos que se movem, perma-nentemente, dentro do nosso corpo. Como re-sultado, estamos sujeitos a um conjunto deefeitos maléficos à saúde, o que inclui anor-malidades sexuais em crianças e adultos,homens e mulheres. Nos homens, pesqui-sas mostram a redução drástica do númerode espermatozoides no sêmen.

Não obstante, os riscos incontroláveis dosdisruptores endócrinos, a indústria químicacontinua colocando no mercado, anualmen-te, cerca de mil novas substâncias, enquantoa capacidade para exames e pesquisas con-clusivas sobre potenciais externalidades e

riscos desses produtos não supera a 500 subs-tâncias por ano. Deste modo, somente conhe-cemos os reais efeitos maléficos de uma mi-noria das 100 mil substâncias químicas sin-téticas que podem, potencialmente, funcionarcomo disruptores endócrinos.

Portanto, o alerta presente neste artigopretende ajudar na reflexão sobre nosso modode vida e de consumo, ademais de sugerir anecessidade de medidas que alterem o rumoda lógica perversa de nosso estilo de desen-volvimento e de nosso conceito de progresso.

Palavras-chave: agrotóxicos, disruptoresendócrinos, compostos sintéticos, doençashormonais, reprodução humana

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A r t i go

1 Int ro d ução

Numerosas substâncias químicas, como asdioxinas, PCB's, agrotóxicos, ftalatos, alquil-fenóis e o bisfenol-A, ameaçam nossafecundidade, inteligência e sobrevivência.

Em 1962, o livro de Rachel Carson, Prima-vera Silenciosa, deu o primeiro aviso de quecertos produtos químicos artificiais haviamse difundido por todo o planeta, contaminan-do praticamente a todos os seres vivos, aténas terras virgens e mais remotas. Aquelelivro, que se constituiu num marco destesestudos apresentou provas do impacto queestas substâncias sintéticas causavam sobreas aves e fauna silvestre. Entretanto, até ago-ra, não tínhamos sido advertidos sobre as ple-nas conseqüências desta absurda invasão,que está transtornando o desenvolvimentosexual e a reprodução, não só de numerosaspopulações de animais, senão que, também,dos seres humanos.

Nosso Futuro Roubado, escrito por TheoColborn, Dianne Dumanoski e Pete Myers1,reuniu, pela primeira vez, as alarmantes evi-dências, obtidas em estudos de campo, expe-rimentos de laboratório e estatísticas huma-nas, para tratar em termos científicos, masacessíveis para todos, o caso deste novo peri-go. Este livro começa onde terminou a Prima-vera Silenciosa, revelando as causas primei-ras dos sintomas que tanto alarmaram aRachel Carson. Baseando-se em décadas depesquisa, os autores apresentam um impres-sionante informe que segue a pista de defei-tos congênitos, anomalias sexuais e falhas nareprodução, evidenciados em populações sil-vestres, até encontrar sua origem: substân-cias químicas que substituem os hormôniosnaturais, transtornando os processo normaisde reprodução e desenvolvimento.

Os autores de Nosso Futuro Roubado estu-daram a pesquisa científica que relacionaestes problemas com os "disruptores endó-crinos", agentes químicos que dificultam a re-

produção dos adultos e ameaçam com gravesperigos seus descendentes em fase de desen-volvimento. Explicam como estes contami-nantes chegaram a converter-se em parteintegrante da nossa economia industrial, di-fundindo-se com assombrosa facilidade portoda a biosfera, do Equador aos pólos. E estu-dam o que podemos e devemos fazer para com-bater este perigo onipresente. Nosso FuturoRoubado, como afirma Al Gore, ex-vice-pre-sidente dos Estados Unidos e autor do prólogo,é um livro de importância transcendental, quenos obriga a pensar em novas perguntas so-bre as substâncias químicas sintéticas quetemos espalhado por toda a Terra.

2 O s d i srup t o re s e nd ó cr i no s

Um grande número de substâncias quími-cas artificiais que foram colocados no meioambiente, assim como algumas substânciasnaturais, tem o potencial para perturbar o sis-tema endócrino dos animais, inclusive os dosseres humanos. Entre elas se encontramsubstâncias persistentes, bioacumulativas eorganohalógenas, que incluem alguns agro-tóxicos (fungicidas, herbicidas e inseticidas)e as substâncias químicas industriais, outrosprodutos sintéticos e alguns metais pesados.Muitas populações de animais já foram afe-tadas por estas substâncias. Entre estas re-percussões, figuram a disfunção da tireóideem aves e peixes; a diminuição da fertilidadeem aves, peixes e crustáceos e mamíferos; adiminuição do sucesso da incubação em aves,peixes e tartarugas; graves deformidades denascimento em aves, peixes e tartarugas;anormalidades metabólicas em aves, peixese mamíferos; anormalidades de comporta-mento em aves; desmasculinização e femi-nilização de peixes, aves e mamíferos ma-chos; desfeminilização e masculinização depeixes e aves fêmeas; e o perigo para os sis-temas imunológicos de aves e mamíferos.

Os disruptores endócrinos interferem no

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A r t i go

Os disruptores endócrinos podem

pôr em perigo a sobrevivência de

espécies inteiras e, a longo prazo,

da própria espécie humana.

funcionamento do sistema hormonal, medi-ante algum dos três mecanismos seguintes:substituindo os hormônios naturais; bloque-ando a ação hormonal; aumentando ou dimi-nuindo os níveis de hormônios naturais. Assubstâncias químicas disruptoras endócrinasnão são venenos clássicos, nem carcinogêni-cos típicos. Funcionam por regras diferentes.Algumas substâncias químicas hormonal-mente ativas apresentam pouco risco de cân-cer. Nos níveis em que se encontram normal-mente no nosso ambiente, as substânciasquímicas disruptoras hormonais não matamcélulas nem atacam o ADN. Seu objetivo sãoos hormônios, os mensageiros químicos quese movem constantemente dentro da rede decomunicação do corpo.

As substâncias químicas sintéticas hormo-nalmente ativas são como delinqüentes daautopista da informação biológica, que sabo-tam as comunicações vitais. Atacam os men-sageiros e os substituem, ocupando seu lu-gar.

Mudam de lugar os sinais. Misturam asmensagens. Plantam desinformação. Causamtoda a classe de estragos. Dado que as men-sagens hormonais organizam muitos aspec-tos decisivos do desenvolvimento animal, des-de a diferenciação sexual até a organizaçãodo cérebro, as substâncias químicas disrup-toras hormonais representam um perigomuito especial antes do nascimento e nasprimeiras etapas da vida. Os disruptores en-dócrinos podem pôr em perigo a sobrevivên-cia de espécies inteiras e, provavelmente, alongo prazo, da própria espécie humana.

As pautas dos efeitos dos disruptores endó-crinos variam de uma espécie para outra ede uma substância para outra. No entanto,podem ser formuladas quatro hipóteses ge-rais:

a) As substâncias químicas que preocupampodem ter efeitos totalmente distintos sobreo embrião, o feto e o organismo perinatal, em

relação ao adulto;b) Os efeitos se manifestam com maior fre-

qüência nos filhos do que no progenitor ex-posto;

c) O momento da exposição no organismoem desenvolvimento é decisivo para determi-nar seu caráter e seu potencial futuro;

d) Ainda que a exposição crítica ocorra du-rante o desenvolvimento embrionário, asmanifestações óbvias podem não se produziraté a maturidade.

A espécie humana carece de experiênciaevolutiva com estes compostos sintéticos.Estes imitadores artificiais dos estrógenosdiferem em aspectos fundamentais dos estró-genos vegetais. Nosso organismo é capaz dedescompor e excretar os imitadores naturaisdos estrógenos, mas muitos dos compostosartificiais resistem aos processos normais dedecomposição e se acumulam no organismo,submetendo humanos e animais a uma con-taminação de baixo nível mas de longaduração. Esta forma de contaminação crôni-ca por substâncias hormonais não tem pre-cedentes em nossa história evolutiva e, paraadaptar-se a este novo perigo nos faltariammilênios e não décadas de evolução.

A indústria química prefere pensar que,uma vez que já existem na natureza tantosestrógenos naturais, como a soja, não há porque preocupar-se com compostos químicos sin-téticos que interferem nos hormônios. Entre-tanto, é importante ter em mente as diferen-ças que existem entre os impostores hormo-nais naturais e os agressores sintéticos. Os

21Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

A r t i goMuitos dos compostos artificiais

resistem aos processos normais de

decomposição e se acumulam no

organismo, submetendo humanos e

animais a uma contaminação de

baixo nível mas de longa duração

imitadores hormonais artificiais supõem umperigo muito maior que os compostos natu-rais, porque podem persistir no corpo duranteanos, enquanto que os estrógenos vegetaispodem ser eliminados em um dia.

Ninguém sabe ainda que quantidades des-tas substâncias químicas disruptoras endó-crinas são necessárias para que representemperigo para o ser humano. Os dados indicamque poderiam ser quantidades muito peque-nas, se a contaminação ocorre antes do nas-cimento. No caso das dioxinas, estudos recen-tes têm demonstrado que a contaminação porínfimas doses já é perigosa.

A maioria de nós leva várias centenas desubstâncias químicas persistentes em nossoorganismo, entre elas muitas que foram iden-tificadas como disruptores endócrinos. Poroutro lado, as levamos em concentrações quemultiplicam por milhares os níveis naturaisdos estrógenos livres, isto é, estrógenos quenão estão enlaçados com proteínassangüíneas e que são, portanto, biologicamen-te ativos.

Se descobriu que quantidades insignifican-tes de estrógenos livres podem alterar o cur-so do desenvolvimento do útero, em quanti-dades tão insignificantes como um décimo departe por milhão. As substâncias químicasdisruptoras endócrinas podem atuar juntas e,pequenas quantidades, aparentemente insig-nificantes, de substâncias químicas individu-ais, podem ter um importante efeito acumu-lativo. A descoberta de que podem existir subs-tâncias químicas que alteram o sistemahormonal em lugares inesperados, inclusiveem alguns produtos que se consideravam bi-ologicamente inertes, como os plásticos, co-loca em xeque as idéias tradicionais sobre acontaminação por estes químicos.

3 O s ef e i t os sobre os seres humanos

Os seres humanos também foram afeta-dos pelos disruptores endócrinos. O efeito do

DES (dietilestilbestrol), um agente estrogêni-co, foi apenas um claro aviso. O risco do cân-cer é insuficiente porque as substâncias quí-micas podem causar graves efeitos à saúde,distintos do câncer. Causa grande preocupa-ção a crescente freqüência de anormalidadesgenitais em crianças, como: testículos nãodescendidos (criptorquidia), pênis sumaria-mente pequenos, além de hipospadias, umefeito no qual a uretra que transporta a urinanão se prolonga até o final do pênis. Nas zo-nas de cultivo intensivo na província de Gra-nada (Espanha), onde se usa o endosulfan eoutros pesticidas, foram registrados 360 ca-sos de criptorquidias. Alguns estudos comanimais indicam que a exposição a substân-cias químicas hormonalmente ativas, duran-te o período pré-natal ou na idade adulta, au-menta a vulnerabilidade a tipos de câncersensíveis aos hormônios, como os tumoresmalignos na mama, próstata, ovários e útero.

Entre os efeitos dos disruptores endócrinosestá o aumento dos casos de câncer de testí-culo e de endometriosis, uma doença na qualo tecido que normalmente recobre o útero semove, misteriosamente, para o abdome, osovários, a vagina ou para o intestino, provo-cando crescimentos que causam dor, abun-dantes hemorragias, infertilidade e outrosproblemas.

O sinal mais espetacular e preocupante deque os disruptores endócrinos podem já tercobrado um alto preço se encontra nos relató-rios que indicam que a quantidade e mobili-dade dos espermatozóides dos homens caiu

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A r t i go

Dentro de 50 anos, os homens

poderiam ser incapazes de se

reproduzir de forma natural,

tendo que depender de técnicas

de inseminação artificial ou de

fecundação "in vitro"

em queda livre nos últimos cinqüenta anos.O estudo inicial, realizado por uma equipe daDinamarca, liderada pelo doutor Niels Ska-kkebaek e publicado no Bristish MedicalJournal, em setembro de 1992, descobriu quea quantidade média de espermatozóides mas-culinos havia caído 45%, de uma média de113 milhões por mililitro de sêmen, em 1940,para apenas 66 milhões por ml, em 1990. Aomesmo tempo, o volume de sêmen ejaculadohavia caído 25%, razão pela qual a queda realna quantidade de espermatozóides havia sidode 50%. Durante este período, havia triplicadoo número de homens que tinham quantida-des extremamente baixas de espermatozói-des, da ordem de 20 milhões/ml. Na Espanha,se passou de uma média de 336 milhões deespermatozoides por ejaculação, em 1977,para 258 milhões, em 1995. Esta queda ame-aça à capacidade fertilizadora masculina. Secontinuar esta tendência de queda, dentro de50 anos, os homens poderiam ser incapazesde se reproduzir de forma natural, tendo quedepender de técnicas de inseminação artifi-cial ou de fecundação "in vitro".

A exposição pré-natal a substâncias quími-cas imitadoras de hormônios pode estar exa-cerbando também o problema médico maiscomum que afeta o homens ao envelhecer: ocrescimento doloroso da glândula prostática(próstata), que dificulta a excreção da urinae, freqüentemente, requer intervenção cirúr-

gica. Nos países ocidentais, 80% dos homensapresentam sinais desta enfermidade aos 70anos e, 45% dos homens sofrem um gravecrescimento da próstata. Nas últimas déca-das, ocorreu um espetacular aumento destadoença.

A experiência com o DES (dietilestilbestrol)e os estudos com animais sugerem, também,uma vinculação entre as substâncias quími-cas disruptoras endócrinas e vários problemasde reprodução nas mulheres, especialmenteabortos, gestações ectópicas e endometriose.A endometriose afeta, hoje em dia, cinco mi-lhões de mulheres americanas. No início doséculo XX, a endometriose era uma doençaquase desconhecida. As mulheres que pade-cem de endometriose têm níveis mais eleva-dos de PCB's no sangue que as mulheres quenão apresentam esta enfermidade. Diferen-tes estudos concordam em afirmar que entre60% e 70% das gravidezes são perdidas na faseembrionária inicial e outros 10% terminamnas primeiras semanas por aborto espontâ-neo.

Mas a tendência sanitária mais alarman-te, especialmente para as mulheres, é a cres-cente taxa de câncer da mama, que é o câncerfeminino mais comum. Desde 1940, nos pri-mórdios da química, as mortes por câncer deseio aumentaram nos Estados Unidos em umpor cento ao ano e se sabe de aumentos seme-lhantes em outros países industrializados.

4 A i nd úst r i a q uí mi ca

Nosso Futuro Roubado abre um novo ho-rizonte que, muito provavelmente, concluacom novos tratados internacionais, assimcomo ocorreu com os CFC's, que afetam a ca-mada de ozônio, mesmo contra a posição dasindústrias químicas. Atualmente, podemosencontrar no mercado umas 100 mil substân-cias químicas sintéticas. Cada ano sãointroduzidas mil novas substâncias, a maio-ria sem nenhuma verificação ou revisão ade-

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A r t i go

quada. No melhor dos casos, as instalaçõesde verificação e teste existentes no mundopodem submeter à prova unicamente 500substâncias por ano. Na realidade, só umapequena parte desta cifra é submetida a pro-vas. Já foram identificados 51 produtos quí-micos que alteram o sistema hormonal, masse desconhecem os possíveis efeitos hormo-nais da grande maioria. Um dos aspectos maisinquietantes dos disruptores endócrinos é quealguns de seus efeitos se produzem com do-ses muito baixas.

As normas atuais, que regulamentam acomercialização dos produtos químicos sinté-ticos, se desenvolveram sobre a base do riscode câncer e de graves problemas de nascimen-to e se calculam estes riscos tendo como re-ferência um jovem masculino de 70 Kg depeso. Não é levada em consideração a especi-al vulnerabilidade das crianças antes do nas-cimento e nas primeiras etapas da vida, nemos efeitos no sistema hormonal. As normasoficiais e os métodos de teste da toxidade ava-liam, atualmente, cada substância químicapor si mesma, enquanto que no mundo real,encontramos complexas misturas de substân-cias químicas. Nunca existe uma sozinha. Os

estudos científicos mostram com claridadeque as substâncias químicas podem interagirou podem agir juntas para produzir um efeitosuperior ao que produziriam individualmen-te (sinergia). As leis atuais ignoram estesefeitos aditivos ou interativos.

Os fabricantes, por sua vez, utilizam as leissobre segredos comerciais para negar acessopúblico às informações sobre a composição deseus produtos. Deste modo, se os fabricantesnão colocam rótulos completos em seus pro-dutos, os consumidores não terão a informa-ção que necessitam para proteger-se de pro-dutos hormonalmente ativos. Em alguns ca-sos, as substâncias químicas podem se de-compor em substâncias potencialmente maisperigosas que a substância química original.

A indústria química trata de desacreditaras conclusões de Nosso Futuro Roubado, domesmo modo que até bem pouco tempo faziacom respeito aos CFCs, ou como as campa-nhas da indústria do fumo, negando a relaçãoentre o hábito de fumar e o câncer de pul-mão. A Chemical Manufacturers Association,entidade que reúne as maiores multinacio-nais da indústria química, o ChlorineChemistry Council, o American Plastics

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A r t i go

Council, a Society of the Plastics Industry e aAmerican Crop Protection Association (dosgrandes fabricantes de agrotóxicos) recolhe-ram grande quantidade de dinheiro entre suasassociadas para lançar uma campanha con-tra o livro Nosso Futuro Roubado . Quando em1962 se publicou o livro de Rachel Carson,Primavera Silenciosa (Silent Spring), a re-vista da Chemical Manufacturers Association,respondeu usando o título Silence, MissCarson. A indústria do cloro, agrupada noChlorine Council, que reúne as empresas DuPont, Dow, Oxychem e Vulcan, gasta, anual-mente, nos Estados Unidos, 150 milhões dedólares em campanhas de imagem e de into-xicação informativa. Na Espanha, a empresaencarregada pelos fabricantes de PVC, de in-toxicar a opinião pública com suas informa-ções é a Burson - Marsteller.

Trinta e cinco anos depois, a mesma in-dústria que quase acabou com a camada deozônio, que ocasionou o acidente de Bhopal eque fabrica milhares de substâncias tóxicas,enfrenta agora o desafio de Nosso Futuro Rou-bado. As empresas Burson-Marsteller, Edel-man e Hill & Knowlton, dedicadas à lavagem

da imagem da indústria do fumo, do PVC e deempresas contaminantes, muitas delas dosetor químico, realizam campanhas de "into-xicação" contra os pesquisadores, jornalistase ONGs, tratando de impedir, ou ao menosreduzir, os efeitos de livros como Nosso Futu-ro Roubado e dezenas de estudos científicos,relatórios e artigos, sobre os efeitos das subs-tâncias químicas que funcionam como disrup-tores endócrinos.

Uma boa prova do quanto são corretas asconclusões do livro Nosso Futuro Roubado éque o governo dos Estados Unidos gasta de 20a 30 milhões de dólares, em 400 projetos, paraanalisar os efeitos das substâncias químicasno sistema endócrino. O objetivo da Agênciade Meio Ambiente (EPA) dos EUA é desenvol-ver toda uma estratégia para pesquisar e sub-meter à prova 600 agrotóxicos e 72.000 subs-tâncias químicas de uso comercial nos Esta-dos Unidos, com a finalidade de verificar seusefeitos como possíveis disruptores endócri-nos. A National Academy of Sciences dos Es-tados Unidos realizou um amplo estudo paraaprofundar os conhecimentos sobre os peri-gos dos disruptores endócrinos. É difícil o mês

25Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

A r t i go O Governo dos Estados Unidos

gasta de 20 a 30 milhões de

dólares, em 400 projetos, para

analisar os efeitos das substâncias

químicas no sistema endócrino

em que não se publica algum artigo, nas maisprestigiosas revistas científicas, confirman-do e aprofundando sobre os riscos das subs-tâncias químicas.

O mercado mundial de agrotóxicos repre-sentou 2 milhões de toneladas em 1999 e in-cluía 1.600 substâncias químicas. O consu-mo mundial de agrotóxicos continua crescen-do. Os agrotóxicos são uma classe especial desubstâncias químicas, na medida em que sãobiologicamente ativos por desenho e se dis-persam intencionalmente no ambiente. Hojeem dia se usam nos Estados Unidos 30 vezesmais agrotóxicos sintéticos do que em 1945.Neste mesmo período, o poder biocida por qui-lo destes venenos foi multiplicado por 10. Hoje,35% dos alimentos consumidos têm resíduosdetectáveis de agrotóxicos. Os métodos deanálise, entretanto, só têm capacidade paradetectar um terço dos mais de 600 agrotóxi-cos em uso. A contaminação dos alimentospor agrotóxicos é, freqüentemente, muito su-perior nos países em desenvolvimento.

5 Re cupe rar No sso Fut uro Ro ub ad o

Defender-nos de todos estes riscos, requera ação de várias frentes, com a intenção deeliminar as novas fontes de disruptores en-dócrinos e minimizar a exposição a poluentesque interferem no sistema hormonal e queagora estão no meio ambiente. Para isto, seránecessário mais pesquisa científica, redese-nho das substâncias químicas, dos processosde produção e dos produtos das empresas; no-vas políticas governamentais e esforços pes-soais para protegermos a nós mesmos e anossas famílias. A agricultura ecológica, semagrotóxicos e outras substâncias químicas, éuma alternativa sustentável e viável. (grifodo tradutor).

Com 100 mil substâncias químicas sinté-ticas no mercado, em todo o mundo, e maismil novas substâncias a cada ano, há poucaesperança de descobrir como afetarão os e-

cossistemas e quais serão seus efeitos paraos seres humanos e outros seres vivos, atéque os danos já tenham ocorrido. É necessá-rio reduzir o número de substâncias quími-cas que se usam em um determinado produ-to e fabricar e comercializar somente aque-las substâncias químicas que possam ser de-tectadas facilmente com a tecnologia atual ecuja degradação no meio ambiente seja co-nhecida. Estas substâncias não alteraram aestrutura genética básica da nossa humani-dade. Eliminem-se os disruptores presentesna mãe e no útero e as mensagens químicasque guiam o desenvolvimento poderão che-gar outra vez sem obstáculos. Não obstante, aproteção da próxima geração dos efeitos dosdisruptores endócrinos requererá uma vigi-lância de anos e, inclusive, de décadas, por-que as doses que chegam ao feto dependemnão somente do que ingere a mãe durante agravidez, senão que também dos poluentespersistentes acumulados na gordura corporalaté este momento da sua vida. As mulherestransferem esta reserva química acumuladadurante décadas a seus filhos, durante a ges-tação e durante a amamentação.

O sistema atual dá por suposto que as subs-tâncias químicas são inocentes, até que sedemonstre o contrário. O ônus da prova deveatuar de modo contrário, porque o enfoqueatual, a presunção de inocência, fez com quemuitas vezes tivéssemos efeitos maléficossobre a saúde das pessoas e danos aos ecos-sistemas. As provas que surgem sobre assubstâncias químicas hormonalmente ativasdevem ser utilizadas para identificar àquelasque apresentam maior potencial de risco afim de eliminá-las do mercado. Cada novo pro-duto deve ser submetido a estes testes, antes

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de que se permita que seja levado ao merca-do. A avaliação do risco é utilizada hoje paramanter os produtos perigosos no mercado atéque se demonstre que são culpados. As políti-cas internacionais e nacionais deveriam ba-sear-se no princípio da precaução. Uma polí-tica adequada para reduzir a ameaça das subs-tâncias químicas que alteram o sistemahormonal requer a proibição imediata de agro-tóxicos como o endosulfan e o metoxicloro,assim como fungicidas como a vinclozolina eherbicidas como a atrazina, os alquilfenóis,os ftalatos e o bisfenol-A.

Para evitar a geração de dioxinas, é neces-sária a eliminação progressiva do PVC, dopercloroetileno, de todos os agrotóxicosclorados, assim como o branqueamento dapasta de papel com uso do cloro e a incinera-ção de resíduos.

6 Para co nhe ce r as sub st ânci asq uí mi cas q ue f unci o nam co mo

d i srup t o re s e nd ó cr i no s

Entre as substâncias químicas que apre-

sentam efeitos disruptores sobre o sistemaendócrino figuram:

– as dioxinas e furanos, que são geradas a par-tir da produção de cloro e compostos clorados,como o PVC, os agrotóxicos clorados, o bran-queamento da pasta de papel e a incineraçãode resíduos;– as PCBs - atualmente proibidas. As concen-trações em tecidos humanos permanecemconstantes nos últimos anos, ainda que amaioria dos países industrializados tenhamparado a produção de PCBs há mais de umadécada. Isto ocorre porque dois terços dasPCBs produzidas em todas as épocas continu-am em uso nos transformadores e outros equi-pamentos elétricos e, por conseguinte, podemser objeto de liberação acidental. Na medidaem que vão ascendendo na cadeia alimentar,a concentração de PCB's nos tecidos animaispode aumentar até 25 milhões de vezes.– Numerosos agrotóxicos, alguns proibidos eoutros em uso, como o DDT e seus produtosde degradação, o lindane, o metoxicloro, pire-tróides sintéticos, herbicidas de triazina,

A r t i go

27Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

kepona, dieldaim, vinclozolina, dicofol eclordane, entre outros;– O agrotóxico Endosulfan, de amplo uso naagricultura, apesar de estar proibido em mui-tos países;– O HCB (hexaclorobenzeno), usado em sínte-ses orgânicas, como fungicida para tratamen-to de sementes e como preservador de ma-deira;– Os ftalatos, utilizados na fabricação de PVC.Cerca de 95% do DEHP (di-2etilexil-ftalato) seutiliza na fabricação de PVC;– Os alquilfenóis, antioxidantes presentes nopoliestireno modificado e no PVC, assim comoo produto da degradação dos detergentes. Opnonilfenol, pertencente à família de substân-cias químicas sintéticas alquilfenóis. Os fa-bricantes acrescentam nonilfenóis ao polies-

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tireno e ao cloreto de polivinila (PVC) comoantioxidante para que estes plásticos sejammais estáveis e menos frágeis. Um estudodescobriu que a indústria de processamento eembalagem de alimentos utilizava PVCs quecontinham alquilfenóis. Outro informava adescoberta de contaminação por nonilfenol emágua que havia passado por canos de PVC. Adecomposição de substâncias químicas pre-sentes nos detergentes industriais, agrotóxi-cos e produtos para o cuidado pessoal, pode darorigem, também, ao nonilfenol;– O bisfenol-A, de amplo uso na indústria ali-mentícia (normalmente recobrindo o interiorde embalagens metálicas de estanho) e tam-bém por dentistas. Um dos pioneiros pesqui-sadores sobre os efeitos do bisfenol-A é o mé-dico espanhol Nicolás Olea.

A r t i go

AA

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29Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

1 N.T. - A resenha do livro Nosso Futuro

Roubado foi publicada no v. 2, n. 1, da Revista

No t as

Agroecologia e Desenvolvimento RuralSustentável.

a) Alquilfenoles = Alquilfenóis e Bisfenol-A, sãoprodutos químicos industriais, polímeros como oAlquilfenol Poliglicoleter e Nonilfenol Poliglicoleter,que são usados como espalhantes adesivos; OBisfenol-A apresenta-se à temperatura ambienteno estado sólido sob a forma de micropérolas,branco, com ligeiro odor fenólico. Tem aplicaçõesna fabricação de resinas epóxi, poliéster e fenólicas;fungicida na indústria têxtil; bactericida; agentecurtidor do couro; PVC; borracha; antioxidante eestabilizante de cor para fluídos hidráulicos.

b) "Disruptores endócrinos" são estafadoresquímicos... = (burladores, fraudadores,ludibriadores,);

c) O rganohalógenas = Organo-halógenas ouOrgano-halogenadas, são substâncias sintéticascom potencial deletério para o sistema hormonal,como as dioxinas, PCBs e percloroetileno.

d) DES (Dietilestilbestrol) são substâncias sintéticas,derivadas do Esti lbeno (hidrocarboneto sól ido,incolor, cujas moléculas contêm 2 anéis benzênicose uma insaturação; Fórm. C14H22), que têm aatividade semelhante à de certos esteróideshormonais usados como indutor de crescimentoem gado de corte, mas que está banida em váriospaíses por ser considerada cancerígena(C18H20O2).

e) Gestações ectópicas (extra-uterinas) eendometriose (uma doença na qual o tecido quenormalmente recobre o útero se desloca

No t as d e e sclare ci me nt o ( me lho r e nt e nd i me nt o d e alg uns t e rmo s t é cni co s)

misteriosamente para o abdome, os ovários, avagina, a bexiga ou o intestino, provocandocrescimentos que causam dor, abundanteshemorragias, infertilidade e outros problemas.

f) PCBs = Bifenilas policloradas ou policlorados debifenilas são hidrocarbonetos aromáticos formadospor dois anéis benzênicos ligados, cujos derivadosclorados usados como isolantes termelétricos emtransformadores antigos, contaminam muitolandfills e lixões industriais.

g) CFCs = Clorofluorocarbonos são gases compostospor átomos de cloro, flúor e carbono, usados comoagentes propulsores nos aerossóis, na produção daespuma (por exemplo extintor de fogo); emrefrigeradores, condicionadores de ar. Foramdesenvolvidos na década de 30 e são a causaprincipal da destruição do ozônio na estratosfera.Os CFCs têm uma vida de aproximadamente 20-100 anos e podem consequentemente continuar adestruir o ozônio por um período longo. Umamolécula de CFC pode resultar na perda de 100.000moléculas do ozônio. A Lei Daudt, proibiu a utilizaçãodesse produto no RS.

h) Endosulfan, metoxicloro, vinclozol ina =

Endosulfan e metoxicloro são inseticidasclassi f icados no grupo dos organoclorados.

Metoxicloro foi proibido no Brasil. Vinclozolina é

um fungicida atualmente registrado apenas parauso exclusivo em feijoeiro irrigado. Antes de 1995

era também permitido em várias outras culturas.

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30Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

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Impactos ambientais das plantastransgênicas: as evidências e as incertezas*

G u erra, M ig u el Ped ro e N o d ar i,Ru b en s O n o f re* *

Resumo: A inserção das modernas biotec-nologias na agricultura mundial vem promo-vendo um animado debate mundial sobre opor-tunidade, impactos e implicações da sua tec-nologia mais polêmica; a que envolve as plan-tas transgênicas. No Brasil, o cultivo comer-cial dos chamados transgênicos encontra-sesuspenso por decisão judicial. A análise deimpactos, benefícios e riscos das plantastransgênicas deve ser baseada em uma ma-triz que considera os aspectos de saúde e se-

*Trabalho originalmente submetido para a publicaçãona revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural

Sustentável, Emater/RS, v.2., n.3, 2001.

**Professores Titulares, Curso de Pós Graduação emRecursos Genéticos Vegetais, Dep. de Fitotecnia-CCA,

Universidade Federal de Santa Catarina,Florianópolis, SC, 88040-900

[email protected], [email protected]

gurança alimentar, ecológicos, econômicos esociais, cuja complexidade aumenta propor-cionalmente à escala envolvida. A análisecaso a caso e passo a passo deve ser a baliza-dora destes estudos. No presente artigo, sãoapresentadas e discutidas estas questões,com ênfase àquelas associadas aos impactosambientais. Esta ênfase é justificada pelosomatório recente e crescente de evidênciasde que pouco ainda sabemos sobre estes ris-cos e impactos, e que, portanto, é necessárioque se invista mais na pesquisa sobre estesimpactos e riscos, proporcionalmente aos es-tudos de performance agronômica, muitosdeles travestidos de estudos de biosseguran-ça. As incertezas nesta área devem encon-trar guarida no princípio da precaução, cujopostulado principal nos lembra que a falta deevidências científicas não deve ser usadacomo razão para postergar a tomada de medi-das preventivas, ou que, a ausência de evi-dência não pode ser tomada como evidênciada ausência. Não se pautar por este princípio

31Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

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significa aceitar sua outra face, o princípioda familiaridade que gerou, entre outros, osdanos ambientais e de saúde causados pelospesticidas e a doença da vaca louca.

1 Int ro d ução

A expressão 'engenharia genética' surgiunos anos 70 do século passado, quando foramdescobertas as enzimas de restrição. Estas,são capazes de reconhecer uma pequena se-qüência de pares de bases e então cortar oDNA neste sítio de reconhecimento ou de cor-te. Como existem outras enzimas (ex: ligases)capazes de ligar dois fragmentos de DNA, sur-giu a possibilidade de se recombinar fragmen-tos de DNA. Assim, o DNA de uma espécie podeser cortado e ligado ao DNA da mesma ou deoutra espécie. Para resumir estes procedi-mentos surgiram duas expressões: engenha-ria genética ou tecnologia do DNA recombi-nante, e seus produtos passaram a ser deno-minados Organismos Geneticamente Modifi-cados (OGMs), dos quais as plantas transgê-nicas passaram a ser um de seus elementosde maior impacto.

Como decorrência, o advento das chama-das 'novas biotecnologias' pode possibilitar,entre outras, a reprogramação da vida, inclu-sive a do ser humano e, adicionalmente, avaloração econômica e as tentativas de apro-priação dos conhecimentos gerados, media-das por acordos internacionais de proprieda-de intelectual, e de acesso aos recursos ge-néticos, provocaram em vários países, inclu-sive no Brasil, mudanças na legislação inci-dente sobre este tema (Nodari et al., 2001).

Neste contexto, este artigo procura discu-tir, não o poder das biotecnologias em si, nemos cenários que podem ser desenhados naaplicação de suas técnicas para resolução deinúmeros problemas da agricultura brasilei-ra. Este potencial de uso é limitado apenaspela criatividade e pelo julgamento inadequa-do do valor de um gene, desde que se conside-

re a disponibilidade de tecnologias de isola-mento e transformação de uma dada espécie.Este artigo procura, então, contribuir para adiscussão dos principais elementos envolvi-dos na análise de riscos de alguns produtosoriundos destas biotecnologias: os transgêni-cos. Como proposta em aberto, ele não pre-tende esgotar o tema, mas contextualizar econfrontar os principais argumentos utiliza-dos na discussão das biotecnologias e especi-almente da transgenia e suas implicaçõessobre a biodiversidade e a agricultura.

Por que biodiversidade e agricultura? Por-que, o esgotamento do modelo agrícola vigen-te permitiu a geração de um ambiente noqual, por um lado coloca consumidores cadavez mais conscientes e exigentes e que de-sejam se alimentar com produtos de alta qua-lidade biológica e, de outro, a percepção de queé necessário alterar substancialmente osparadigmas vigentes na matriz da exploraçãoagrícola e seus reflexos sobre a degradaçãoambiental e a redução ou perda da biodiversi-dade. Em ambos os casos, os profissionais dasciências agrárias e biológicas, bem como osagricultores e usuários, podem desempenharum papel relevante (Guerra e Nodari, 1999;Nodari et al., 2001).

2 A re co mb inação d e DNAi n v i t ro : no cami nho d a se gund aco nq ui st a d a e sp é ci e humana?

Organismo transgênico é aquele cujogenoma recebeu genes exógenos por meiode técnicas de engenharia genética. Atransgenia se constitui, então, num proces-so que permite o rompimento da barreira se-xual e numa alternativa de introdução degenes em plantas. Assim, tornou-se possívela reprogramação genética de todo e qualquerser vivo, uma competência adquirida sem pre-cedentes na história da humanidade. O fogo,considerado a primeira conquista tecnológi-ca do homem, também teve enormes impli-

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cações, pois possibilitou transformar parte domundo inanimado da natureza em mundo depura utilidade (Rifkin, 1998).

Ao contrário das outras biotecnologias, atransgenia, por ser de abrangência ampla ede caráter muldisciplinar, apresenta profun-das implicações relacionadas aos seus impac-tos ao meio embiente e à saúde humana, bemcomo suas implicações sobre aspectossocioeconômicos e culturais, à bioética e àsrelacões políticas e institucionais, notada-mente aquelas relacionadas com o papel dasagências regulatórias.

3 . M e lho rame nt o ge né t i co( t rad i c i o nal) e t ransge ni a:

e q ui vale nt e s?

Métodos de melhoramento geram novascombinações genéticas por meio de cruzamen-tos sexuais entre plantas que apresentam ascaracterísticas desejadas. Cruzamentos sãofeitos entre plantas da mesma espécie e, oca-sionalmente, entre espécies do mesmo gêne-ro e, muito raramente, de gêneros afins. Dasmetodologias utilizadas pelo melhoramento deplantas, a introgressão de genes, feita por re-trocruzamentos sucessivos do F1 para ogenótipo recorrente, é a que mais se asse-melha à transgenia, em termos de obtenção

A transgenia apresenta profun-

das implicações relacionadas aos

seus impactos ao meio embiente e

à saúde humana, aos aspectos

sócio-econômicos e culturais, à

bioética e às relacões políticas e

institucionais.

de uma nova associação alélica. Contudo,existem muitas diferenças entre ambas, queestão explicitadas na Tabela 1.

Na transgenia, seqüências de DNA são cor-tadas por enzimas restrição, ligadas a outrasseqüências, incluindo as regulatórias einseridas em uma célula que deve regeneraruma planta transgênica. Assim, a Soja RRtransgênica resistente ao Round-up, contémmaterial genético de pelo menos quatro dife-rentes organismos: vírus-do-mosaico-da-cou-ve-flor, petúnia e duas seqüências gênicas de-rivadas de Agrobacterium.

Do ponto de vista legal, no Brasil, Organis-mo Geneticamente Modificado (OGM) é o or-ganismo cujo material genético (ADN/ARN)tenha sido modificado por qualquer técnica deengenharia genética. A Lei 8.974, de 5/01/95, definiu ainda engenharia genética comoa atividade de manipulação de moléculasADN/ARN recombinantes. Ou seja, os trans-

gênicos são diferentesdos não-transgênicos nãosó quanto a natureza,mas também do ponto devista legal1 (tabela 1).

4 . Bi o t e cno lo g i asx b i o sse gurança:

d uas f ace s d ame sma mo e d a?

"As biotecnologias emseu sentido mais amplo,compreeendem a mani-pulação de microorganis-

Retrocruzamento TransgeniaObjetivo Alterar ou introduzir uma característica Alterar ou introduzir uma característicaNatureza Substituição de alelos Adição de novas seqüências (quiméricas)Tempo 3 a 6 anos VariávelTecnologia Simples SofisticadaPool gênico Limitado IlimitadoCusto Baixo ElevadoResultados Previsíveis/ Limitados Imprevisíveis/IlimitadosEfeitos adversosRaros Freqüentes

Ex: alelos indesejáveis Ex.: efeitos pleiotrópicos*; toxinas;Distribuição Instituições públicas e privadas, Grandes empresas, grandes(provável) dos agricultores e consumidores. agricultores, cientistas, melhoristasbenefíciosAdaptado de Nodari e Guerra (2001)*- Quando um ou mais genes produzem efeitos fenotípicos diversos, diz-se que sua expressão épleitrópica.

Tabela 1. Comparação entre o método do retrocruzamento e a trans-genia.

33Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

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mos, plantas e animais, objetivando a obtençãode processos e produtos de interesse" (Nodariet al., 2001). Já a "biossegurança é o conjuntode ações voltadas para a prevenção, minimiza-ção ou eliminação dos riscos inerentes as ativi-dades de pesquisa, produção, ensino, desenvol-vimento tecnológico e prestação de serviços, ris-cos estes que podem comprometer a saúde hu-mana, dos animais, das plantas, do meio ambi-ente" (Teixeira e Valle, 1996).

Enquanto a primeira aborda o potencial ea natureza das tecnologias, a segunda discu-te os impactos e os riscos dos produtos oriun-das da primeira. Boa parte da polêmica queestá hoje estabelecida em nível mundial de-corre de uma tentativa deliberada de confun-dir ambas, que são de natureza e objeto dife-rentes, tendo características próprias. Assim,uma das críticas que vem sendo feita no Bra-sil à atuação da CTNBio deriva do fato de suaatuação perpassar a impressão de uma pau-ta menos associada à biossegurança e mais

à promoção das técnicas dos OGMs. É impor-tante mencionar que diferentes produtosoriundos de uma mesma tecnologia podemapresentar riscos e impactos diferenciados.Daí a importância da análise caso a caso epasso a passo.

5 . Ri sco s ao me i o amb i e nt e :f at o s o u mi t o s?

A ameaça à diversidade biológica em con-seqüência da liberação de OGMs decorre daspropriedades do transgene no ecossistema oude sua transferência e expressão em outrasespécies. A adição de um novo genótipo numacomunidade de plantas pode desencadear efei-tos indesejáveis, como o deslocamento ou aeliminação de espécies não-domesticadas, aexposição de espécies a novos patógenos ouagentes tóxicos, a geração de plantas dani-nhas ou pragas resistentes, a poluição gené-tica, a erosão da diversidade genética e a in-

terrupção da ciclagem denutrientes e energia(Tiedje et al., 1989; Fon-tes et al., 1996; Ho et al.,1998 ; Nodari e Guerra,2001).

Uma revisão publica-da em dezembro de 2000revelou que em dois ter-ços dos trabalhos cientí-ficos, o cultivo de plantastransgênicas causou da-nos aos componentes doecossistema (Wolfenbar-ger e Phifer, 2000). Os es-tudos analisados revela-ram que seus efeitos ( ta-bela 2) foram distintos,porque diferentes trans-genes foram emprega-dos.

Além dos efeitos emorganismos não-alvo aci-

Espécie/ Tipo de Estudo Fonte da toxina Efeitos verificadosBorboleta monarca, Danaus Pólen de milho Bt Bt - 56% sobrevivênciaplexippus Não Bt - 100% sobrevivênciaBorboleta monarca, Danaus Pólen de milho Bt Bt - 20% mortalidadeplexippus Não Bt - 0 a 3% mortalidadeBorboleta Papilio polyxenes Pólen de milho Bt Sem diferenças na mortalidade;

Com alta dose de pólen - 20% desobrevivência

Eulophus phenicornis Presa (Lacanobia Sem efeito no número de ovos,oleracea) alimentada tamanho da fêmea ou tempo de decom GNA (de batata) senvolvimento

'Green lacewing' (Crysoperla carnea) Presa (S. littoralis e O . Bt -62% mortalidade x 37% comnubilalis) alimentada milho não Btcom milho Bt

Joaninha (Adalia bipunctata) Afídios colonizados em Efeito negativo na fecundidade,batata GNA viabilidade de ovos e(Galanthus nivalis agglutin) longevidade dos adultos

Joaninha (Hippodamia convergens) Afídios colonizados em Sem efeito no peso da pupa,batata Bt fecundidade ou longevidade das

progêniesMicroorganismos de solo Batata GNA Diferenças transientes na microbiota

do soloMicroorganismos de solo Canola RR Mudança na estrutura e menor

diversidade na comunidadebacteriana na rizosfera

Fonte: Wolfenbarger e Phifer, 2000.

Tabela 2. Efeitos verificados de OGMs em componente s não alvo dos ecossistemas.

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ma mencionados, relatos científicos vêm com-provando outros riscos ambientais (Tabela 3),anteriormente previstos (Tiedje et al., 1989).

Os impactos ecológicos da transferência depólen, um mecanismo reprodutivo pelo qual aintrogressão pode ocorrer, dependem da ca-pacidade dos híbridos em sobreviver e repro-duzir. Taxas de sobrevivência ou de reprodu-ção indicam a oportunidade da introgressãode transgenes em populações naturais, de-pendendo do fluxo gênico subseqüente e dapressão de seleção (Wolfenbarger e Phifer,2000). Estes autores relataram 11 casos deformação de híbridos entre variedades trans-gênicas e plantas aparentadas e/ou dani-nhas. Para se tornar uma ameaça, como umaplanta invasiva, os híbridos precisam ser viá-veis e competitivos, além de férteis quandodependem da reprodução sexual para propa-gação. Com base no se conhece hoje, nem to-dos os híbridos vão atingir a úl-tima fase.

Por outro lado, a dissemina-ção de genes via não-sexualcomo a transferência horizon-tal ou lateral é praticamenteinevitável (Syvadan, 1994). Ca-sos de transferência horizontal(ex: de plantas para bactérias)também já foram relatados (Ta-bela 3).

6 . A s re laçõ e s e nt re o sO GM s e a agr i cul t ura:

p ro b le mas e vi zi nhança

Dentre os riscos para a agri-cultura, os mais relevantes seriam o aumentoda população de pragas e microorganismosresistentes e/ou patogênicos, o aumento oupromoção de plantas daninhas resistentes aherbicidas, contaminação de variedades cri-oulas mantidas pelos agricultores, contami-nação de produtos naturais como o mel, dimi-nuição da diversidade em cultivo com o au-

mento da vulnerabilidade genética, dependên-cia dos agricultores a poucas empresas pro-dutoras de sementes, produtividade e incer-teza dos preços dos produtos transgênicos. Par-te destes riscos já foram comprovados (Tabe-la 4, na página 35) com alguns produtos já es-tudados.

Um exemplo ilustra um risco inquestioná-vel: os efeitos maléficos das endotoxinas co-dificadas por genes de Bacillus thuringiensis

(Bt) que causam a morte de muitos insetos.Os genes que produzem tais toxinas são cha-mados impropriamente de genes de resistên-cia. Se houver uma grande área plantada comvariedades transgênicas resistentes a um in-

seto, somente os resistentes sobreviverão, ge-rando progênies recombinantes, que eventu-almente, apresentarão maior nível de resis-tência à toxina. Após vários ciclos de recom-binação, deverão aparecer insetos resisten-

tes ao gene Bt. No caso desta resistência sercondicionada por genes dominantes, como éo caso do milho (Huang et al., 1999), a veloci-dade do aumento da freqüência dos alelos deresistência é extraordinariamente maior,comparativamente àquela observada paraalelos recessivos, permitindo o surgimento deuma superpraga. Assim, os insetos que hoje

Tabela 3. Exemplos selecionados de riscos e impacto s de plantas transgênicas no ambiente.

Risco/Impactos Tipo de planta/gene/estudo Autor/FonteTransferência de trasngene Agrostis Wipff e Fricker, 2000para plantas de espéciesafins via cruzamentossexuais interespecificosTransferência horizontal DNA de plantas para Nielsen et al., 2000

Acinetobacter sp.Pleiotropia - Alteração gene BAR Al-Kaff et al., 2000do fenótipo da plantaReação adversas da Milho Bt na ração x Kestin e Knowles, 2000alimentação de animais mortalidade em frangosRecombinação ilegítima/ Recombinase x Ratos Schmidt et al., 2000fragmentação de DNAReação imunogênica Toxina de Cry1Ac Vazquez-Padrón et al., 1999Reação alergênica Toxina de Cry9C FIFRA, 2000; RSC, 2000;Recombinação de vírus Greene e Allison, 1994em plantas

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Tabela 4. Exemplos selecionados de riscos e impacto s de plantas transgênicas na agricultura.

Risco/Impactos Tipo de planta/gene/estudo Autor/FonteContaminação por pólen Milho, Canola FIFRA, 2000; RSC, 2000;Transferência de trasngene Canola, trigo, sorgo e beterraba Chèvre et al., 1998; Steven et al.,1998;para plantas daninhas via Arriola e Ellstrand, 1998; New Scientist,cruzamentos sexuais 21/10/2000interespecificosPleiotropia - Alteração do gene BAR Al-Kaff et al., 2000fenótipo da plantaReação imunogênica Toxina de Cry1Ac Vazquez-Padrón et al., 1999Aumento de fusarium Resistência ao Roundup Kremer et al., 2000Reação adversas da Milho Bt na ração X Kestin e Knowles, 2000alimentação mortalidade em frangosAumento do nematóide Resistência ao Roundup Colyer et al., 2000das galhas

são suscetíveis ao Bt, serão resistentes no fu-turo, restando saber em quanto tempo.

Dois exemplos ilustram que a transgeniatambém pode levar ao aumento de pragas desolo. No primeiro, houve um aumento nasuscetibilidade de uma cultivar transgênicade algodoeiro ao nematóide-das-galhas (Me-loidogyne incógnita) comparativamente aocultivo com não-transgênicos (Colyer et al.,2000). No segundo exemplo, o uso do glifosatocombinado ou não com outros herbicidas, apli-cado nas doses recomendadas, na Soja RR,resultou numa maior incidência de fusariosenas raízes uma semana após a aplicação, com-parativamente à soja não-transgênica(Kremer et al., 2000).

A contaminação genética causada por pó-len transgênico já é considerada um fato pre-ocupante. Em vários casos, nos Estados Uni-dos e no Canadá, foram detectadas sementesde variedades não-transgênicas contamina-das por transgenes. Duas conseqüências sãoimediatas: conflitos judiciais entre agricul-tores e empresas ou entre os próprios agri-cultores e a alteração da natureza do produto,que conforme o caso, pode causar prejuízosfinanceiros e biológicos, como é o caso degrãos e do mel. Este fato confirma que a agri-cultura é vizinhança também. A atividade emuma propriedade não é necessariamente iso-lada do contexto onde está inserida.

Os riscos socio-econômicos tam-bém podem ser dis-cutidos. De umlado estão os con-sumidores brasi-leiros que, pelapesquisa do IBOPErealizada em agos-to de 2001, em suagrande maioria(74%) não desejamconsumir alimen-tos transgênicos,

acompanhando assim a tendência européia.Assim, quais as tendências de mercado paraos produtos transgênicos e não transgênicos?De outro lado a incorporação de tecnologias emsementes ameaça a sobrevivência das peque-nas e médias empresas de sementes, confe-rindo uma vulnerabilidade no fornecimento desementes, devido à alta concentração de pou-cas empresas no controle deste setor. O agri-cultor se tornaria um refém das poucas em-presas produtoras de sementes protegidas pelaLei de Proteção de Cultivares e com tecnolo-gia patenteada pela Lei de Proteção Industri-al.

Por se tratar de uma nova tecnologia e con-siderando o reduzido conhecimento científi-co a respeito dos riscos e impactos de OGMs,torna-se indispensável que a liberação paraplantio e consumo em larga escala de plantastransgênicas seja precedida de uma análisecriteriosa de risco, respaldada em estudos deimpacto ambiental, conforme apregoa a legis-lação vigente. Ou seja, o licenciamento am-biental deve ser considerado indispensável.

É justamente o escasso conhecimento so-bre o controle destes genes após a sua inser-ção no genoma da célula hospedeira que tor-na a imprevisível tecnologia do DNA recombi-nante. Esse status representa o principal en-trave para a aplicação destas biotecnologiasavançadas na agricultura, pois a tecnologia

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ainda não permite controle sobre o sítio deinserção do transgene, a expressão gênica,o destino do transgene e os efeitos de suadisseminação. A recente descoberta da pre-sença de seqüências extras de DNA (534pares de bases) na Soja RR (Windels et al.,2001) e os numerosos casos de efeitos nãoesperados ilustram a falta de precisão e con-trole da tecnologia.

7 Uma p ro po st a d e aval i ação d er i sco s: pe rt i nê ncia para o país?

A avaliação de risco é a avaliação siste-mática dos riscos associados à saúde e à se-gurança humana e ambiental. Os procedi-mentos devem incluir a identificação dos pe-rigos e a estimativa de suas magnitudes efreqüências de ocorrência, bem como das al-ternativas ao OGM. Como os riscos associa-dos a uma variedade transgênica dependemdas interações complexas decorrentes da mo-dificação genética, da história natural dos or-ganismos envolvidos e das propriedades doecossistema no qual o OGM é liberado(Peterson et al., 2000; Wolfenbarger e Phifer,2000), esses procedimentos devem ser apli-cados em escala ampla, em termos espaciaise sociais (ver Figura 1).

A liberação de uma cultivar transgênicapara o cultivo comercial em larga escala deveser precedida de um estudo de impacto ambi-ental que inclua a avaliação de riscos, caso acaso e passo a passo. A abrangência desta ava-liação de risco deverá ser baseada numa ma-triz, a qual, de um lado, inclua a escala espa-cial (planta, parcela, lavouras agrícolas e re-gião) e, de outro lado, os efeitos diretos e indi-retos na agricultura, ecologia e socioeconomia(Nodari e Guerra, 2001; Nodari et al, 2001).

Quando os biólogos moleculares afirmamque foram feitos estudos e não foram detecta-dos efeitos adversos, eles normalmente es-tão se referindo à primeira das várias célulaspossíveis de serem analisadas (Figura 1). Exis-

tem também estudos em parcelas a campo(segunda célula da Figura 1), associados pre-dominantemente à performance agronômicada planta transgênica, e que, a rigor, não po-dem ser tomados como estudos de impactos eriscos ambientais. Não há estudos científicosrelacionados a todas as células relevantesdesta matriz. Existem sim, relatos científicosde estudos isolados com algumas espécies,muitos dos quais foram anteriormente apre-sentados.

A complexidade da avaliação é decorrentedo fato de que os riscos e os benefícios associ-ados a uma cultura específica mudam e tor-nam-se mais difíceis de serem avaliados namedida em que a área de cultivo aumenta eoutros aspectos são considerados. Impactosindiretos nos ecossistemas são muito maisdifíceis de investigar, monitorar e, portanto,predizer (Peterson et al., 2000). Segundo es-ses autores, esta é uma das origens da con-trovérsia estabelecida entre os ambientalis-tas e os biólogos moleculares. Enquanto os pri-meiros referem-se aos impactos sociais e nosecossistemas, os últimos fazem menção aostestes feitos com uma ou poucas plantas emlaboratório ou em casa de vegetação.

Embora desenvolvida por vários pesquisa-dores de diversos países, esta proposta aten-de o que é apregoado tanto pela Política Naci-onal do Meio Ambiente, bem como pelas nor-mas de licenciamento ambiental atualmen-te em vigor, nas quais o princípio da precau-ção está presente.

Escala EspacialImpactos dos OGM Riscos e Benefícios Potenciais

Pequeno GrandeDiretos Planta Parcela Propriedade Região

Agricultura SimplesEcologia

Indiretos Social DifícilFigur a 1Figur a 1. Ef eitos dir etos e indir etos de plantas tr ansgê nicas(OGMs) e as inter aç õ es complexas que f azem par te da avali-aç ã o de r isco ambiental (Adaptado de Peter son et al., 2000).

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A r t i go A introdução das plantas transgê-

nicas na agricultura brasileira é uma

falsa questão, principalmente por-

que as plantas desenvolvidas até o

momento não atendem às necessi-

dades da pequena propriedade

familiar.

8 . Re laçõ e s e nt re b i o t e cno lo gi as,b i o d i ve rsi d ad e e agr i cul t ura: o s

cami nho s e o s d e saf i o s

Existem alternativas às plantas transgê-nicas? As principais demandas dos mais deseis milhões de pequenos agricultores fami-liares no Brasil, e que são os responsáveisprincipais pela produção da maior parte dosalimentos, não estão associadas à necessi-dade das plantas transgênicas, mas, sim, àimplementação de políticas agrícolas e agrá-rias consistentes e adequadas às suas neces-sidades. Assim, a introdução das plantastransgênicas na agricultura brasileira é umafalsa questão, principalmente porque as plan-tas transgênicas desenvolvidas até o presen-te momento não atendem às necessidadesdessa pequena propriedade familiar. As evi-dências científicas da utilização de plantastransgênicas com características de resistên-cias a herbicidas (por exemplo, RR) ou porta-doras de biocidas (por exemplo, Bt) na produ-ção de commodities agrícolas nas grandes pro-priedades revelam aumento na freqüência deplantas invasoras e insetos resistentes aostransgenes, implicando em vida curta dessastecnologias. Isto gerará demandas de novastecnologias (variedades transgênicas e/ouagrotóxicos), o que aumentará o grau de de-pendência dos agricultores. A avaliação derisco deve necessariamente conter informa-ções sobre outras alternativas, bem como umcomparativo e um balanceamento entre os be-nefícios e riscos das diversas soluções.

Assim, é preciso avaliar simultaneamen-te alternativas sustentáveis do ponto de vistaagrícola e ambiental. Uma delas seria o usosustentável da agrodiversidade, termo em-pregado para definir a diversidade genética(intra-específica) e a diversidade de espécies(interespecífica) em cultivo nas propriedadesagrícolas. Recentemente, observou-se que ocultivo em uma mesma área de diferentesvariedades de arroz suscetíveis e resistentes

à bruzone, resultou em 89% de acréscimo naprodutividade e em uma redução de 94% deseveridade dessa moléstia comparativamen-te à monocultura (Zhu et al., 2000). O suces-so dessa técnica, que é a simples mistura dediferentes variedades, foi tão significativoque, no segundo ano, não foi necessária aaplicação de fungicidas.

Para a maioria das variedades transgêni-cas existem alternativas. Para exemplificar,tome-se o caso do arroz dourado, famoso porconter genes para a síntese de beta-caroteno.O desenvolvimento deste produto faz uso deprocessos e produtos protegidos por 70 paten-tes, pertencentes a 32 empresas. Vitamina A(beta-caroteno) pode ser encontrada em deze-nas de espécies comestíveis, dentre elas al-face "Uberlândia 10 mil" (10.200 U de vit. A)da UF de Uberlândia; moringa, um arbusto quechega a cinco metros de altura, que além deanticancerígena, contém 22 000 U de vit. Aem 100 g e algumas variedades de mandioca(http://revista.fapemig.br; Revista Minas FazCiência N° 4 09/11-2000; Folha de São Paulo,p.A27, 5/11/2000).

Alternativas a medicamentos produzidospor engenharia genética também existem nanatureza. Um exemplo disto é yacón, umaplanta originária do Equador e que em suaraiz, parecida com a batata-doce, produzinulina, substância semelhante ao amido, eideal para o consumo por diabéticos.

O Brasil, que detém a maior diversidadede espécies vegetais do planeta, apresenta

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um número de espécies comestíveis eagricultáveis capazes de proporcionar diferen-tes dietas balanceadas para as diferentes po-pulações, respeitando-se sua cultura e suasnecessidades. O fato é que as plantas trans-gênicas estão sendo consideradas como aúnica maneira de aumentar a produtividadee a competitividade. Contudo, análises com-parativas com outras matrizes de produçãoagrícola ainda não foram feitas.

9 Pre caução e é t i ca nat ransge né t i ca: f aláci a o u

ne ce ssi d ad e ?

O princípio de precaução está hoje no cen-tro dos mais animados debates científicos,tecnológicos e éticos (Testart, 2001). Este prin-cípio estipula que a ausência de certeza nãopode retardar a adoção de medidas efetivas eproporcionais para evitar danos graves e ir-reversíveis. Pelo princípio da precaução, aspolíticas ambientais e de saúde devem visarà predição, à prevenção e ao ataque às cau-sas dos danos. Quando há razões para suspei-tar de ameaças de redução sensível ou de per-da de biodiversidade ou de riscos à saúde, afalta de evidências científicas não deve serusada como razão para postergar a tomada de

medidas preventivas. De certa forma, esteprincípio já havia sido consagrado na afirma-ção "ausência de evidência não pode ser toma-da como evidência da ausência" ("Absence ofevidence is never evidence of absence") con-tida no Relatório ao governo da Noruega(Traavik, 1999).

Como interpretar os desdobramentos do re-ferido princípio? O primeiro deles reconhecea falibilidade e a incerteza científica e reme-te a uma questão crucial: é melhor errar per-dendo os benefícios potenciais, visando a evi-tar danos potenciais ou arriscar-se aos danospara realizar os benefícios? O segundo propõeuma primazia em favor dos valores ambien-tais e de saúde e sugere que é melhor errarem favor da segurança. O terceiro relaciona-se com a dicotomia entre abordagem proativaversus abordagem reativa para os riscos, pro-pondo: a) a execução de pesquisas para a iden-tificação de riscos inaceitáveis; b) a não-apli-cação da tecnologia até a redução da incerte-za dos riscos, e; c) a geração e aplicação detecnologias para a redução dos riscos. O quartoe último, consagra a aplicação de um princí-pio jurídico, associado ao ônus da prova. As-sim, caberia às empresas interessadas na li-beração das plantas transgênicas, a respon-sabilidade (ou ônus) da prova de que determi-

A r t i go

39Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

nado OGM é seguro (Raffensperger e Tikck-ner, 1999).

A principal dificuldade em aceitar o princí-pio da precaução relaciona-se com o fato deque até pouco tempo todos os impactos de de-terminadas tecnologias encontravam-se soba égide do princípio da familiaridade ou dagestão dos riscos. Este princípio propõe quese avance, enquanto não houverem provas deque as conseqüências da introdução de umanova tecnologia sejam realmente nocivas.Aplicado à tecnologia dos OGMs, este princí-pio sugere que não existem evidências de queas plantas transgênicas sejam nocivas à saú-de humana ou animal ou causem danos am-bientais e assim, baseado em outro princípio,o da equivalência substancial2, parte signifi-cativa das agências regulatórias vem decidin-do pela aprovação dos pedidos de liberaçãopara o cultivo comercial de plantas transgê-nicas. Contudo, é importante mencionar que,ao longo do tempo, as abordagens baseadas noprincípio da familiaridade ou da gestão dos ris-cos, nos trouxeram, como legado, os efeitos da-nosos à saúde humana e animal, e ao meioambiente, provocados pelos pesticidas; ou en-tão à catástrofe da doença da vaca louca.

Em um instigante artigo publicado no LeMonde Diplomatique, Berlan e Lewontin(1999) chamaram a atenção para as grandescompanhias do chamado 'complexo genético-industrial', referindo-se a elas como 'estasestranhas empresas das ciências da vida' queconspiram contra a maravilhosa propriedadedas sementes em reproduzirem a si mes-mas e se multiplicarem nos campos dosagricultores. Observam estes autores que ariqueza de variedades de plantas foi criada poragricultores de todo o mundo, em especialaqueles do Terceiro Mundo. A domesticaçãoe a seleção/adaptação feita por agricultores,durante milhares de anos, gerou uma heran-ça biológica que beneficiou as nações indus-trializadas. A pujança da agricultura ameri-cana, por exemplo, foi construída em cima

destes recursos, livremente importados doresto do mundo, sendo injusto que poucas com-panhias se apropriem desta herança biológi-ca universal. Enfatizam que o aumento semprecedentes nas colheitas do mundo indus-trializado, assim como do Terceiro Mundo,pode ser atribuído ao livre movimento de co-nhecimento, recursos e à pesquisa pública.Argumentam que a experiência recente temdemonstrado que o custo de privatizar o 'pro-gresso genético' é, e será, exorbitante e quedesistir dos direitos sobre esta herança sig-nifica liberar o complexo genético-industrialpara direcionar o progresso tecnológico uni-camente para os lucros. Concluem, finalmen-te, que não há demanda social para OGMs eque o termo é somente uma cortina de fuma-ça para encobrir as demandas do complexo ge-nético-industrial.

Finalizando, é oportuno traçar um paralelosobre os principais eventos associados à Re-volução Verde e aqueles associados à chama-da Revolução Biotecnológica. Por mais críti-cas que sejam feitas ao legado da primeira, ésempre importante mencionar que ela foigerada e ambientada em um momento histó-rico marcado pelo predomínio, em nível mun-dial, da pesquisa pública e pelo fluxo livre deinformações e germoplasma vegetal. Já, asegunda, vem ocorrendo em um momentomarcado pelo predomínio da pesquisa desen-volvida por grandes empresas transnacionaise pelas restrições do fluxo de informações ematerial vegetal, sob a égide de leis de prote-ção à propriedade intelectual e de direitos demelhoristas. Uma reflexão sobre estas ques-tões nos auxilia a compreender a nova inser-ção na agricultura das grandes empresas dochamado complexo genético-industrial.

Não há demanda social para

OGMs. O têrmo é uma cortina de

fumaça para encobrir as deman-

das do complexo

genético-industrial.

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1No presente artigo, transgênico será

utilizado como sinônimo de OGM.

2"Equivalência substancial" é util izada

quando duas var iedades não d i feremsubstancialmente uma da outra nos aspectos

cor, textura, teor de óleo, composição e teorde aminoácidos essenciais e de nenhumaoutra característica bioquímica (Millestone etal., 1999). Este critério é utilizado pelasagências regu latór ias amer icanas naliberaração de OGMs para cultivo e consumo.

No t as

42Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

1. Por que criar galinhas coloniaisA avicultura colonial é uma ótima opção

para produzir alimentos de alto valor nutriti-vo (carne e ovos), com baixo custo, aprovei-tando restos de alimentos existentes na pro-priedade. O custo das instalações é bem maisbaixo do que em aviários confinados. Alémdisso, reduz-se o custo com antibióticos, usa-dos na ração para aves confinadas. As penas,após lavadas e secas, são um excelente ma-terial para enchimento de travesseiros, almo-fadas e cobertores. A procura por carne e ovostem aumentado bastante e está se tornandouma opção interessante também do ponto devista comercial.

2. Sistema de CriaçãoO sistema de criação mais indicado para a

avicultura colonial é o semiconfinado (com pi-quetes), pois permite o contato direto das avescom o solo e o capim e, ao mesmo tempo, man-tém as aves em uma área cercada. No casodos frangos de corte, a criação pode ser dividi-da em duas partes, sendo uma para cria eoutra para terminação. A primeira fase co-meça com o recebimento dos pintos e termi-na em torno dos 28 a 30 dias de idade. Nessafase, os procedimentos são parecidos com osdispensados aos demais tipos de frangos emsua fase inicial, devendo os pintos ter proce-dência conhecida, vacinados e receber aque-cimento nos primeiros dias.

A segunda fase tem início aos 28 dias e vaiaté o abate das aves, por volta dos 85 dias deidade. Nessa fase poderão ser oferecidos grãostriturados ou inteiros, sementes, batata e man-dioca picadas, restos de hortaliças e frutas.

O tamanho deve ser de 10 metros quadra-dos por ave. A área deve ser cercada (com telaou taquara). É importante que no local tenhauma boa cobertura de grama ou outra pasta-gem resistente (quicuio, bermuda, etc).

As galinhas poedeiras também devem teracesso a pastagens, com sistemas de rodízioe com abrigos, os quais devem ter uma cober-tura mínima de 0,20 metros quadrados (m²)por ave.

3 AlimentaçãoO que a galinha procura quando bica? Essa

pergunta vários pesquisadores já se fizeram,e embora as galinhas confinadas sejam ali-mentadas com rações comerciais rigorosa-mente balanceadas de acordo com as neces-sidades nutricionais das aves, nas diferen-

Avicultura Colonial

Fonte: EMBRAPA - CNPSA, s.d. Folder

A lternativaTecnológica

43Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

a New Hampshire (vermelha-clara), RhodeIsland (vermelha-escura), Plymouth Rock(branca, com penas pretas no pescoço e norabo) e Plymouth Rock Barrada (carijó). Paraprodução de ovos, a raça Leghorn (branca) éuma boa opção. Para carne, uma alternativaé a raça Orpignton (preta-amarela). A Embrapade Concórdia desenvolveu um linhagemindicada especialmente para a produção defrango de corte colonial: Embrapa 041, resul-tante do cruzamento entre raças de galinhaspesadas e semipesadas.

A lternativaTecnológica

tes fases de crescimento, o fato é que gali-nhas criadas soltas ou semiconfinadas, pro-duzem ovos mais nutritivos que os "de gran-ja". Além de comer diversos tipos de capim,as aves alimentam-se de resíduos de grãos,cascas de frutas, folhas (repolho, couve), raízes(mandioca, cenoura, batata-doce) e tubércu-los (batata).

4 Escolha das raças que podem ser criadasAs raças para criação nesse sistema po-

dem ser de dupla aptidão (carne e ovos), como AA

EMATER/Rio Grande do Sul. Avicultura ecológica .Porto Alegre, 2001. Folder

EMBRAPA - CNPSA. Embra pa 041: frango deCorte Colonial. Concórdia, s.d. Folder.

Re f e rê nci as Bi b l i o gráf i cas

PAULUS, G.; MULLER, A. M., BARCELLOS, L. A. R.Agroecologia aplicada: práticas e métodos para

uma agricultura de base ecológica. 2. ed. PortoAlegre: EMATER-RS, 2001. 86p.

44Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

A r t i go

Agricultura sustentável ou (re)construçãodo significado de agricultura?*

* Este artigo baseia-se em discussão apresentada na dissertaçãode mestrado do primeiro autor (Do Padrão Moderno à Agricul-

tura Alternativa: possibilidades de transição. Florianópolis:UFSC, 1999. 171 p.)

** Eng. Agr., MSc em Agroecossistemas, Assessor Especial daDiretoria da EMATER-RS. E-mail: [email protected]

*** Eng. Agr., Dr., Prof. Curso de Mestrado em Agroecos-sistemas, UFSC, Florianópolis (SC).

E-mail: [email protected]

P au lu s , G erv ás io .* *S c h lin d w ein , S an d ro . Lu is .* * *

Resumo: Da percepção da crise do padrãomoderno de agricultura emergiu a discussãosobre a necessidade de promover estilos al-ternativos de agricultura, todos eles incluí-dos na idéia um tanto genérica de agricultu-ra "sustentável". Este artigo sustenta que,para além da questão semântica, essa discus-

são remete ao próprio significado da agricul-tura, com profundas implicações nos possí-veis rumos da transição de um padrão tecno-lógico de agricultura para outro. Este textoparte do pressuposto de que para compreen-der as raízes da crise do "padrão moderno" deagricultura, assim como as possibilidades detransição para estilos alternativos, não é su-ficiente considerar a trajetória da moderni-zação ou a emergência das variadas corren-tes alternativas ao modelo hegemônico. Ain-da que essa análise seja importante, é fun-damental compreender como se organiza a"agricultura alternativa", para então apontarpossibilidades de transição. Uma crítica radi-cal à concepção do "padrão moderno" de agri-cultura também pressupõe um questionamen-to da própria concepção de ciência que o pro-duziu. Impõe-se, para a superação da crise re-sultante desse modelo, a busca de novas abor-

45Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

A r t i go

dagens para os problemas agronômicos.Palavras-chave: agricultura sustentável,

significado, transição

1 A cr i se (d e pe rce pção )d a agr i cul t ura

“A explicação científica não consiste, comosomos levados a imaginar, na redução do com-plexo ao simples, mas na substituição de umacomplexidade menos inteligível por uma maisinteligível.”

Claude Lévi-Strauss - O PensamentoSelvagem

O desenvolvimento tecnológico da agricul-tura, sobretudo a partir da segunda metadedo século XX, incorporou um conjunto de tec-nologias "avançadas" ou "modernas" que,indubitavelmente, aumentaram a produção ea produtividade das atividades agropecuárias,a par de alterar relações sociais no campo.Contudo, a incorporação dessas tecnologiasfreqüentemente ocorreu de forma inadequa-da à realidade do meio rural, seja pela ma-neira como se deu esta implantação, seja pelanatureza mesma das tecnologias introduzidas,com conseqüências sociais e impactos sobreo meio físico altamente negativos.

As análises do processo de modernizaçãoda agricultura, assim como as críticas de suasconseqüências, partem, em geral, da idéia de"industrialização da agricultura", valendo-senão raro de uma analogia com as teorias deorganização e administração da indústria (nocaso, o modelo fordista). É necessário consi-derar, contudo, que a maneira pela qual aagricultura se engendra é muito diferente dalógica da produção industrial moderna, nãosendo, portanto, somente anterior a esta. Po-der-se-ia mesmo argumentar que, ainda quehoje tenhamos uma cultura industrial, a ori-gem da nossa civilização resulta muito maisde uma cultura agrícola do que propriamenteindustrial. Isso não significa desconhecer

que, a partir de determinado momento, a for-ma de organização da produção industrial(fordista) viesse a ser incorporada pela agri-cultura. Não se pode negar que, com a aplica-ção da revolução industrial na agricultura,esta encontrou uma forma de produção maiseficiente – e, aparentemente, mais eficaz –em seus propósitos produtivistas. Ocorre queisto só se tornou possível a um custo social eambiental muito elevado, o que coloca em "xe-que" (ou relativiza) também a sua eficáciaeconômica. Cabe ainda observar que fica ex-tremamente difícil, dentro desse esquemaanalítico, fugir de uma metanarrativa. Só épossível falar em "agricultura industrial" ouem "modelo fordista de agricultura" em ter-mos genéricos, o que enfraquece o seu poderdemarcador para caracterizar as múltiplasformas de agricultura co-existentes e, portan-to, para compreender os limites e as possibi-lidades de estilos alternativos de agricultura.Por isso, procuramos nos apoiar em um outroreferencial teórico, que nos permita avançarno entendimento de como a agricultura seengendra e se reproduz em suas múltiplasformas.

2 A agr i cul t ura co mo si st e maaut o -o rgani zad o

O surgimento de sistemas complexos e asua dinâmica espaço-temporal podem ser com-preendidos a partir de uma abordagem queos considera como sendo o resultado de umprocesso de auto-organização. De acordo comuma das muitas concepções dessa abordagem,esses sistemas complexos emergem comoresultado de um princípio organizador (comoapontado por MORIN, 1999), produtor de com-plexidade. Conforme Morin (1999), isso seriaparticularmente válido para os seres vivos, oque os torna muito distintos das máquinas,uma vez que estas não se organizam de acor-do com o mesmo princípio (e todas as suasconseqüências, entre elas, a reorganização

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permanente). Admite-se ainda, nessa abor-dagem, que as transformações no interior deum sistema complexo não se dão mais somen-te devido a forças externas, condição absolu-tamente necessária para a interpretação dadinâmica desses sistemas amparada na me-cânica Newtoniana clássica.

Ainda de acordo com Morin (1999), as par-ticularidades desse princípio organizadorconstituem categorias aplicáveis a toda ordembiológica e, a fortiori, "à ordem sociológicahumana", já que "uma sociedade está emautoprodução permanente por meio da mortede seus indivíduos". Por isso, e em analogia,tomaremos a agricultura e o modo pelo qual oprocesso produtivo agrícola se organiza comoresultante de um processo de auto-organiza-ção.

Sistemas dinâmicos, como sistemas pro-dutivos agrícolas, passam necessariamentepor transições, e é no curso dessas transiçõesque esses sistemas dinâmicos demonstrama sua capacidade auto-organizadora, que é aprópria transição dinâmica, como apontamFlickinger e Neuser (1994). Essa analogia queprocura entender a agricultura como resul-tante de um processo de auto-organização, eque, como tal, pode se autodeterminar de al-guma forma, apóia-se, além disso, nos con-ceitos de estrutura e de organização, comodefinidos por Maturana e Varela (1995): "en-tende-se por organização as relações que de-vem se dar entre os componentes de um sistemapara que este seja reconhecido como membro deuma classe específica. Entende-se por estrutu-

ra os componentes e as relações que concreta-mente constituem uma determinada unidade erealizam sua organização".

Esses dois conceitos desempenharão aquio papel de princípio organizador, conformeapontado anteriormente, já que se apresen-tam como uma maneira de melhor entendercomo operam as mudanças que sistemas di-nâmicos experimentam. Assim, numa pers-pectiva histórica, Maturana e Varela (1995)

Sistemas dinâmicos, como siste-

mas produtivos agrícolas, passam

necessariamente por transições, e

é no curso dessas transições que

demonstram a sua capacidade

auto-organizadora

afirmam que “a dinâmica de qualquer sistemano presente pode ser explicada se mostrarmosas relações entre suas partes e as regularida-des de suas interações, de forma a revelar suaorganização. Mas, para o entendermos plena-mente, não basta vê-lo como uma unidade ope-rando em sua dinâmica interna, mas tambémem suas circunstâncias, no contorno ou contextoem que tal operar se une. Tal compreensão re-quer sempre um certo distanciamento de obser-vação, uma perspectiva que, no caso dos siste-mas históricos, implica referência a uma origem”.

Na abordagem desses autores, os sistemassão determinados estruturalmente, ou seja,a dinâmica desses sistemas é determinadapor sua estrutura, isto é, pela operação da pro-priedade de seus componentes. Como conse-qüência, esses tipos de sistemas não admi-tem que mudanças em sua dinâmica sejaminstruídas, mas tão-somente desencadeadas.A estrutura desses sistemas é produto de suahistória, de sua ontogenia, ainda que estastambém "se criem", também tenham poderestruturante. Há aqui um processo derecursividade que é circular: a forma como osistema – no nosso caso, a agricultura alter-nativa – se organiza reflete a sua estrutura,mas reflete também uma tentativa de cum-prir uma função1. À medida que essa funçãoé cumprida, o sistema vai se re-estruturandopara melhor poder cumpri-la.

Assim, considerando que existe umaintrincada relação entre estrutura e funçãoe assumindo que a resposta que o sistema dáa um estímulo externo (crédito agrícola, in-serção no mercado, articulação com uma redesociotécnica, por exemplo) é sempre condici-

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onada fortemente pela sua estrutura, pode-mos propor algumas questões: a maneira pelaqual a agricultura alternativa se estruturapermite que ela atenda às funções que delase espera? Como e em que intensidade as pos-síveis mudanças de estrutura determinarãocâmbios nas funções esperadas? Em que me-dida as contradições reconhecidas e aponta-das na organização (o que inclui as relaçõesde produção) da agricultura alternativa pode-rão aproximá-la daquela da produção conven-cional, ainda que com um resultado – expres-so no produto final – diferenciado? Sem pre-tender responder essas questões, estamosconvencidos da sua relevância para o debateem torno das possibilidades de transição doprocesso produtivo agrícola e os seus possí-veis resultados.

3 A gr i cul t ura sust e nt áve l: re sul t ad o d a t ransi ção ?

Invariavelmente, as discussões em tornodas possibilidades e da necessidade de alte-ração do padrão tecnológico da agriculturacausam a impressão de que, concluído o pro-cesso de transição na agricultura, esta ine-xoravelmente se encontraria em uma novacondição, comumente qualificada de "susten-tável", de conotação acentuadamente positi-va, ainda que absolutamente nada possa ga-rantir isso2. Há que se reconhecer, além dis-so, que o entendimento que se tem sobre oque seria uma agricultura "sustentável" nãoé homogêneo, ainda que alguns consensos emtorno de suas características gerais possamser identificados. Todavia, cabe assinalar ain-da que inclusive esses consensos padecemigualmente de um mesmo problema: suasproposições são por demais genéricas, nãoindo além, na maior parte das vezes, de umadeclaração de intenções.

Assim, uma vasta literatura apontaunanimamente a necessidade de que umaagricultura sustentável deva apresentar via-

bilidade econômica, ecológica ou ambiental esocial. Altieri (1998) afirma que apesar do con-ceito de agricultura sustentável ser contro-verso e quase sempre indefinido, é útil porreconhecer que a agricultura é afetada pelaevolução dos sistemas socioeconômicos e na-turais. De maneira geral, como já se disse,alguns pressupostos básicos têm sido aponta-dos para que a agricultura possa ser qualifi-cada de sustentável. Para GIPS (citado porREINTJES et al., 1994), a agricultura seriasustentável3 quando fosse:

Ecologicamente correta: esse pressuposto dizrespeito à manutenção da qualidade dos re-cursos naturais, permitindo manter ou me-lhorar a vitalidade de todo o agroecossistema;

Economicamente viável: pressuposto que con-sidera auto-suficiência e geração de renda;

Socialmente justa: o pressuposto aqui é o deuma distribuição justa dos recursos, incluin-do o uso da terra e o acesso ao capital, e odireito à participação de todos na tomada dedecisões. A tensão social pode ameaçar todo osistema social, inclusive sua agricultura;

Humana: essa modalidade de agriculturapressupõe o respeito a todas as formas de vida.No que diz respeito à vida humana, deve serreconhecida a dignidade fundamental de to-dos os seres humanos, e as relações e insti-tuições devem incorporar valores humanosbásicos, tais como confiança, honestidade,auto-respeito, cooperação e compaixão. A in-tegridade cultural e espiritual da sociedadeé, assim, preservada, cuidada e nutrida;

Adaptável: pressuposto que diz respeito àcapacidade de ajuste às mudanças no tempoe no espaço, envolvendo desde o desenvolvi-mento de tecnologias novas e apropriadas atéinovações sociais e culturais.

Apesar de indiscutivelmente desejáveis,esses pressupostos revelam notoriamente ocaráter genérico do entendimento que se temsobre o que seria uma agricultura sustentá-vel, perdendo assim grande parte de seu po-der de demarcação e tornando-os quase sem-

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pre de pequeno significado operacional. O quepode se revelar positivo, todavia, é o fato deque permitem que o contexto no qual se veri-ficam as relações de produção especifique ascaracterísticas do processo produtivo.

Um aspecto importante do conceito de agri-cultura sustentável – que freqüentementenão é contemplado tanto na visão dos ecolo-gistas "puros" (que enfatizam apenas os as-pectos relativos ao meio biofísico), quanto dosdefensores da "ecologia de mercado" (que ten-tam valorar monetariamente toda a nature-za) – é a valorização das comunidades ruraisem seus aspectos sociais, humanos e cultu-rais. Sobre este último aspecto, não pode ha-ver dúvida de que a diversidade cultural4 étão imprescindível quanto a biodiversidadevegetal e animal – e que pode se manifestarem distintas alternativas à agricultura mo-derna – quando se fala de agricultura susten-tável.

O reconhecimento deste último aspecto,mais do que contribuir para uma definição deagricultura sustentável, nos ajuda a fazeruma reflexão sobre o próprio significado deagricultura e, para além desta, de ciência.

4 Ci ê nci a, agr i cul t ura( sust e nt áve l) e se us si gni f i cad o s

A agricultura, antes de ser uma atividadeessencialmente econômica, é uma atividadetambém cultural, e mais do que de processosnaturais, trata-se, fundamentalmente, de pro-cessos socioculturais, de uma construção

A maneira pela qual a agricultura

alternativa se estrutura permite,

que ela atenda às funções que

dela se espera?

humana. Dessa perspectiva, "agriculturasustentável é, portanto, não apenas um modeloou um pacote a ser simplesmente imposto. Émais um processo de aprendizagem" (PRETTY,1995). A rigor, essa observação poderia serfeita para "qualquer tipo" de agricultura, umavez que o homem é essencialmente um sercultural, e é pela cultura que ele se distinguedos demais seres vivos5.

Há que se considerar também que o signi-ficado que a agricultura assume não é a-his-tórico, isto é, muda para diferentes espaços eépocas históricas, e conforme os contextossocioeconômicos e culturais corrresponden-tes. Pretty (1995) lembra que definições pre-cisas e absolutas do que seja uma agricultu-ra sustentável são impossíveis e que "é im-portante clarificar o que está sendo sustentado,por quanto tempo, em benefício e às custas dequem". E conclui que responder a estas ques-tões é difícil, pois implica avaliar a troca de va-lores e crenças. Muito embora não explicitados,esses valores e crenças também jogam umpapel muito importante na produção do conhe-cimento científico, não apenas na definiçãodas linhas de investigação como também nainterpretação de resultados. Por isso, o autorressalta que o conceito de agricultura susten-tável deve ser discutido a partir de uma críti-ca à ciência positivista, uma vez que grandeparte dos problemas ambientais e socioeco-nômicos contemporâneos também decorre daforma como a ciência tem orientado a produ-ção do conhecimento e a geração de tecnolo-gias voltadas à agricultura.

Mas podemos também refletir sobre o sig-nificado de agricultura de uma outra perspec-tiva, nos perguntando se a atividade agrícolasignifica necessariamente o "empobrecimen-to" do meio físico, a simplificação dos ecossis-temas, com a redução da biodiversidade e dasinterações entre organismos. Em outras pa-lavras: existiram ou existem formas de agri-cultura que, em vez de conduzir ao esgota-mento dos recursos naturais locais levam ao

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seu incremento? Se pensarmos somente emlavouras extensivas com monocultura de soja,milho e cana-de-açúcar, por exemplo, facil-mente chegaremos a acreditar que a agricul-tura significa sempre um enfrentamento dasadversidades naturais pelo homem, com opropósito de produzir alimentos e fibras.

Entretanto, não necessariamente isso temque ser assim, pois como veremos com oexemplo a seguir, práticas agrícolas podempromover a complexificação dos ecossistemas.Uma pesquisa etnobotânica realizada numaaldeia de índios caiapós, no Pará, mostrou queé possível manejar um ecossistema de formaa aumentar a sua biodiversidade. Foramregistradas cerca de 58 espécies de plantaspor roça, em sua maioria representadas pordiversas variedades. Esses índios cultivampelo menos 17 variedades de mandioca emacaxeira, 33 variedades de batata-doce,inhame e taioba, sempre de acordo com con-dições microclimáticas bastante específicas(ANDERSON; POSEY, 1987). Além disso, o modocomo interferiam na estrutura das roças aolongo do tempo parecia seguir um modelo quese baseava na própria sucessão natural dostipos de vegetação, cultivando inicialmenteespécies de baixo porte, seguidas por bana-neiras e frutíferas e, por fim, introduzindo es-pécies florestais de grande porte (lembramosque este é um princípio básico de implanta-ção dos SAFs - Sistemas Agro-Florestais). Éinteressante a constatação, feita pelos auto-res, de que o caráter esporádico e a estruturada plantação, semelhante à da vegetação na-tural, fizeram com que o manejo das capoei-ras pelos caiapós só fosse detectado recente-mente. Isso levou os pesquisadores a concluirque "muitos dos ecossistemas tropicais até ago-ra considerados naturais podem ter sido, de fato,profundamente moldados por populações indí-genas". Mas o que queremos destacar nesteexemplo é que não se trata apenas do fato deque estes povos não usam tecnologias sofisti-cadas ou "modernas" para intervir no ecos-

sistema, e sim de perceber que o refloresta-mento do cerrado pelos caiapós, baseia-se numaconcepção de ambiente completamente diversada vigente nas sociedades ocidentais.

O exemplo acima adquire maior significa-ção se considerarmos que, como apontam al-guns autores, a crise ecológica (leia-se a cri-se decorrente da presença de relações ecoló-gicas indesejadas), que também se revela naagricultura, é no fundo uma crise do próprioprocesso civilizatório. Diante dessa crise, omovimento ecológico assumiu um status queultrapassou o estágio da contestação contra aextinção de espécies ou a favor da proteção

Diversidade cultural é tão

imprescindível quando a

biodiversidade vegetal e animal

50Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

ambiental, para transformar-se, nas palavrasde Boff (1995, p.19-25), "... numa crítica radicaldo tipo de civilização que construímos. Ele é al-tamente energívoro6 e devorador de todos os e-cossistemas (...) Na atitude de estar por sobre

as coisas e por sobre tudo, parece residir omecanismo fundamental de nossa atual crisecivilizacional". (Grifos no original).

Uma questão pertinente a propósito da na-tureza das tecnologias e da visão de agricul-tura é se, diante de uma postura dominadorado homem em relação ao meio circundante,com uma abordagem positivista das ciênciasagronômicas, é realmente possível superar opadrão "químico-reducionista" da agricultura7.

Como já afirmava Schumacher (1983)8: "ohomem moderno não se experiencia como parteda natureza, mas como uma força exterior desti-nada a dominá-la e a conquistá-la. Ele fala mes-mo de uma batalha contra a natureza, esque-cendo que, se ganhar a batalha, estará do ladoperdedor."

Almeida Júnior (1995) discute essa ques-tão de maneira original, ao refletir sobre comoas plantas passaram a ser entendidas comomáquinas químicas por um lado e como merca-doria por outro, trazendo profundas implicaçõesnas interações entre o homem e a natureza,como, por exemplo, a grande redução do nú-mero de espécies relevantes para a agricul-tura. Como bem diz esse autor, a raiz do pro-blema da "insustentável maneira de produ-zir" está no fato de que “ao separar os homense a cidade das pedras e das árvores, o pensa-dor separa as relações entre os homens das re-lações entre o homem e a natureza. Retomadoinúmeras vezes, sob múltiplos disfarces, este pro-jeto de separação afirma a possibilidade de queo homem venha a ser senhor e possuidor da na-tureza e implica que o homem continuará sendosenhor e possuidor do homem. Os argumentossão apresentados como se fosse possível esta-belecer uma independência absoluta entre a re-lação com a natureza e a relação com os outroshomens. Mas, no encontro com a natureza, o

homem encontra a si mesmo e aos outros ho-mens”. (ALMEIDA JUNIOR, 1995, p.10).

Ao adotar uma conduta própria da separa-ção entre natureza e sociedade, o técnico nãoestá isento das implicações práticas da i de-correntes. Embora não tenhamos o propósitode aprofundar esta questão no presente traba-lho, consideramos que seria muito rica umareflexão sobre a estreita vinculação entre aconcepção clássica da produção do conheci-mento científico e a consagração de um estilode vida consumista, voltado para a supremavalorização da posse de bens materiais e anegação dos valores filosóficos e espirituais.

5 Um no vo o lhar p ara o sp ro b le mas agro nô mi co s

A superação dos problemas causados pelomodelo tecnológico da agricultura convencio-nal nos coloca diante do desafio de mudançanão apenas do padrão produtivo, mas da pró-pria relação ser humano-natureza. É oportu-no mencionar que entre as várias correntesde agricultura que destoam do que seconvencionou denominar padrão moderno deagricultura, algumas reconhecem na diver-sidade biológica e cultural um componentefundamental e inserem-se na perspectiva deuma concepção da natureza diferente da pre-dominante na sociedade ocidental, isto é, queremete a uma postura de pertença e não dedominação em relação à natureza.

Os problemas agronômicos são ordinaria-mente formulados e abordados de forma ex-clusivamente técnica, pressupondo-se que assoluções devam ser também de naturezaeminentemente técnica. Todavia, ainda quea subjetividade não explique os fenômenos so-ciais, participa destes. Por isso, sensibilizaras pessoas para os problemas que lhes dizemrespeito às vezes pode ser tão ou mais impor-tante do que transmitir informações técnicas,e reconhecer a interferência de valores sub-jetivos na construção do conhecimento cien-

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51Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

ciência e de agronomia que produziu o padrãomoderno de agricultura. Diante disso, é fun-damental buscar novas abordagens para osproblemas agronômicos, que reconheçam nadiversidade cultural um componente insubs-tituível, e que partam de uma concepção in-clusiva do ser humano na natureza.

tífico não significa abandonar a preocupaçãocom o rigor na pesquisa e no uso de concei-tos.

Como apontam Schlindwein e D'Agostini(1998), a Ciência Agronômica "precisa reco-nhecer o caráter associativo entre os diferen-tes saberes e experiências, (...) articulandoas ciências experimentais e as ciências nar-rativas, (...) superando a avassaladora tradi-ção de uma Ciência Agronômica eminente-mente positiva".

A questão que se coloca, portanto, é até queponto pode-se realmente atingir uma concep-ção diferente de agricultura sem um corres-pondente questionamento da concepção de

A superação dos problemas

causados pelo modelo tecnoló-

gico da agricultura convencional

nos coloca diante do desafio de

mudança da própria relação ser

humano-natureza.

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6 Re f e rê nci as b i b l i o gráf i cas

52Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

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1Isto não significa que optemos por uma

anál i se est r i tamente funcional i sta daagricultura, mesmo porque adotamos umaperspectiva dialética na interpretação doprocesso de modernização da agricultura,como se pode verificar nas contradições queapontamos nesse processo. Por outra parte,convém que nos perguntemos sobre qual é afunção que a sociedade espera que aagricultura cumpra.

2Como apontam Rigby e Cáceres (2001), a

palavra sustentável é derivada do latimsustinere, que significa manter existindo,implicando permanência ou ajuda por longotempo. Não se pode inferir somente a partirda palavra, portanto, a modalidade dessaajuda, que pode ser de todo indesejável. Emoutras palavras, sustentável não pode ser, apriori, sinônimo de bom.

3Assumir estas caracter íst icas como

"pressupostos" para uma agr i cu l tu rasustentável, não deixa de ser curioso, uma vezque seria de se esperar que estes aspectospudessem ser caracter i zados como"emergências" de uma agricultura sustentável.

4Aqui vale a pena lembrar as palavras de

LÉVI-STRAUSS (1989), quando diz que "averdadeira contribuição das culturas nãoconsiste na lista de suas invenções particulares,mas no desvio diferencial que oferecem entresi. O sentimento de gratidão e de humildadeque cada membro pode e deve experimentarpara com os outros só poderia fundamentar-se numa convicção - a de que as outrasculturas são diferentes da sua, das maisvariadas maneiras; e isso, mesmo que anatureza destas últimas lhe escape ou se,

apesar de todos os seus esforços, só muitoimperfeitamente consegue penetrá-la."

5O traço distintivo do caráter cultural do

ser humano está na linguagem. Como diz LEVI-STRAUSS (1996): "quem diz homem, dizl inguagem; e quem diz l inguagem, dizsociedade".

6Considerando o Princípio de Conservação

da Energia, o mais correto seria afirmar"altamente entrópico", uma vez que a energiasempre se conserva, e para sistemastermodinamicamente fechados como a Terra,é a entropia que cresce inexoravelmente(grosso modo poderíamos afirmar que aenergia se conserva, mas a sua qualidade sedeteriora, o que é apontado pelo aumento daentropia).

7Lembramos que mesmo em países como

Cuba, com um sistema de controle biológicobastante eficaz e descentralizado, o conceitode praga -entendido como "um inimigo a serdestruído"- por exemplo, continua sendopreponderante nas diretrizes das investigaçõesagronômicas.

8Traduzido para o português como O

Negócio é Ser Pequeno, o livro Small isBeautifull de Schumacher foi publicado em1973 e tornou-se rapidamente uma referênciapara ativistas ambientais. Seu mérito principal,ao propôr um "estudo de economia que levaem conta as pessoas", consiste em chamar aatenção para a finitude dos recursos naturais(é considerado um dos mentores da economiaecológica) e defender a necessidade de adotartecnologias "intermédias" ou apropriadas doponto de vista social e ambiental.

No t as

53Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.2, jul./set.2001

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Produção de soja voltará a ser fiscalizadapelo governo gaúcho

O presidente da Centrais de Abastecimento(Ceasa), Sílvio Porto, disse que na próximasafra todo o produto que entrar nos arma-zéns da Companhia Estadual de Silos e Ar-mazéns (Cesa) será testado para comprovarse é transgênico ou não. Porto participou deaudiência pública da Comissão Especial dosAlimentos Transgênicos da Câmara, em Bra-sília, recentemente. Falou ainda que, no pró-ximo ano, laboratórios credenciados para acertificação de produtos não-transgênicosdeverão entrar em funcionamento. O presi-dente da Ceasa defendeu a produção de baseecológica e afirmou que o momento é de cau-tela quanto à liberação de transgênicos.

Canadenses tentam barrar trigo transgê-nico

Grupos formados por agricultores, represen-tantes da indústria alimentar, profissionais dasaúde e consumidores pediram o auxílio doprimeiro ministro Jean Chrétien para evitar aintrodução do trigo transgênico na cadeiaalimentar canadense. Agricultores e indús-tria de grãos estão receosos com a perda demercado, com os riscos à notável reputaçãodas variedades de trigo canadense, com osimpactos agronômicos e com os efeitos ne-gativos sobre o bem-sucedido setor orgâni-co do país. Muitos agricultores canadensessão contra o t r igo t ransgênico, po isvivenciaram a rápida, incontrolável e expan-siva polinização cruzada da canola resisten-te a herbicida, que nos últimos três anos cri-ou diversos problemas com a vegetação sil-vestre.

Alimento orgânico da Dinamarca contami-nado com transgênicos

Recentemente, as autoridades dinamarque-sas revelaram a presença de transgênicos emvinte de quarenta amostras de alimento or-gânico testadas. Doze amostras continhamtraços de componentes de transgênicos e setecontinham mais de 0,1% de transgênicos,

uma das amostras continha 100% de conta-minação.

Genes humanos em arrozCampos experimentais a céu aberto de ar-roz transgênico contendo genes humanosforam encontrados no centro da tradicionalregião produtora de arroz da Califórnia, afir-ma o Greenpeace. O experimento está sen-do desenvolvido para a produção farmacêu-tica. A natureza dos componentes produzi-dos pelo arroz transgênico em Sutter Countyfoi mantida em segredo, mas o Greenpeaceidentificou duas proteínas produzidas pelosseres humanos – a lactoferrin e a lysozymehumana –, comumente encontradas em leitematerno, na bílis e nas lágrimas.

Agricultores americanos processam AventisN o processo que o fazendei ro Bar tMcCormack move contra a Aventis, fabricantedo milho transgênico StarLink, ele levantauma questão com a qual os agricultores doTennessee e de todo o país devem se con-frontar nos próximos anos. "Se por um ladoos avanços da biotecnologia prometem tra-zer enormes benefícios para os agricultores,em que medida as empresas que estão ofe-recendo estas iniciativas deveriam se respon-sabilizar se as coisas derem errado?" A ação,que foi impetrada na corte do distrito deNashville, procura representar todos os pro-dutores de milho de Tennessee que, comoMcCormack, não produzem Starlink, mas sesentem prejudicados pelos impactos negati-vos causados por ele no mercado de milhoamericano. Estima-se que 5,5 mil agriculto-res no estado estejam nesta categoria.

Protestos contra os transgênicos na NovaZelândia e na França

Cerca de 10 mil manifestantes marcharampelas ruas, dizendo que os neozelandesesnão querem transgênicos. A maioria dos ma-nifestantes acredita que a engenharia gené-tica deve ser testada em laboratório, e nãoem campos experimentais, onde pode con-

54Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.3, jul./set.2001

54Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.2, jul/set.2001

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taminar a cadeia alimentar. Também agricul-tores da França prometeram continuar adestruição de lavouras de produtos transgê-nicos, até que o ministro da agricultura fran-cês proíba este tipo de plantação.

Paraná embarca 550 mil toneladas de sojanão- transgênica

A Sociedade Cerealista Exportadora de Pro-dutos Paranaense está realizando um dosmaiores embarques de soja não-transgênicapelo Porto de Paranaguá, no Paraná. A car-ga de 550 mil toneladas terá como destino omercado francês. A empresa, também, jáembarcou 50 mil toneladas de milho não-transgênico. A suíça SGS, responsável pelacertificação do farelo de soja não-transgêni-co, acompanha todo o andamento do em-barque. A fiscalização se inicia na indústria,quando é feito o carregamento do produtoe se prolonga até a colocação da carga nonavio.

Procter faz reca ll de ba ta ta Pringles noJa pã o

A Procter and Gamble Far East, unidade ja-ponesa da americana Procter & Gamble,anunciou na terça-feira que vai fazer umrecal l de suas batatas f r i tas da marcaPringles. Segundo informações da empresa,foi constatada a presença não-autorizada debatatas geneticamente modificadas em al-guns lotes do produto. Antes de barrar aPringles, o Japão havia proibido a importa-ção de milho transgênico StarLink, da Aventis.

Monsanto pede autorização para venderóleo de semente de algodão transgênico

A gigante de biotecnologia Monsanto espe-ra vender óleo de semente de algodão trans-gênico para indústrias de alimentos na NovaZelândia e na Austrália. O óleo de sementealgodão pode ser usado na cozinha e hámuitas aplicações para o línter de algodão,as fibras grudadas nas sementes. Elas sãonormalmente usadas por fabricantes de sor-

vetes e molhos de saladas. A multinacionaljá solicitou à autoridade neozelandesa e aus-traliana para alimentos para mudar seu có-digo vigente de forma que o óleo transgêni-co possa ser usado.

Ministério Público combaterá nova normade rotulagem de transgênicos

O Ministério Público Federal vai tentar anu-lar o decreto presidencial que criou regraspara a rotulagem dos produtos transgêni-cos. O s procuradores também ameaçammover uma ação penal caso o Ministério daAgricultura descumpra a decisão judicial queproíbe a comercialização de transgênicos nopaís. A ação dos procuradores será feita apartir da representação entregue ao Minis-tério Público Federal pelo Instituto de Defesado Consumidor (Idec), de São Paulo. O Idecquestiona a legalidade do decreto presiden-cial. Os procuradores também consideram odecreto da rotulagem de transgênicos ilegal.O texto aprovado pelo governo, na avalia-ção do Ministério Público, viola o Código deDefesa do Consumidor. Existe uma decisãojudicial de primeira instância da Justiça Fe-deral, confirmada pelo Tribunal Regional Fe-deral (TRF), que condiciona a comercializa-ção de transgênicos à realização de estudode impacto ambiental. A lei também prevê arealização de testes de segurança alimentardos transgênicos.

Contas para sa lvar biodiversidadeArtigo publicado pela revista norte-america-na Science traz as contas de um grupo depesquisadores sobre o possível custo parafrear o declínio da biodiversidade no plane-ta: US$ 30 bilhões. Vinte e cinco bilhões dedólares iriam para os chamados "hotsptots",25 regiões críticas que abrigam 60% das es-pécies animais e 43,8% das vegetais da Ter-ra. A Mata Atlântica e o Cerrado, ecossiste-mas do Brasil, estão entre os "hotsptots" cita-dos. Os estudos foram conduzidos pela ONGConservation International.