( Espiritismo) - # - Nadja C Vale - Reflexoes À Luz Do Espiritismo

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Nadja do Couto Vale Reflexes Luz do Espiritismo 2a Edio, revista 2010 ICEB Edies

Todos os direitos de reproduo, cpia, comunicao ao pblico e explorao econmica desta o sto reservados nica e exclusivamente para o Instituto de Cultura Esprita do Brasil - ICEB. Proibida a reproduo parcial ou total da mesma, atravs de q ualquer forma, meio ou processo eletrnico, digital, fotocpia, microfilme, internet, cd -rom, sem a prvia e expressa autorizao da Editora, nos termos da lei 9 610/98 que regulamenta os direitos de autor e conexos. A todos os Amigos que, ao longo dos anos, em ambos os planos da vida, me ajudaram, me ajudam e ainda me ajudaro a chegar ao Grande Destino de Luz, A meu pai, Nildston do Couto Valle, in memoriam, A minha me, Nadir Guimares Valle, meus amantssimos Educadores, pela inestimvel bno de ser filha, A Fabiola e Isabella do Valle Zonno, modelos de amigas e sobrinhas, A Fabiola do Valle Zonno, pelo projeto da capa, que inclui pintura de sua autori a, Ao Instituto de Cultura Esprita do Brasil, Casa de Deolindo Amorim, pela oportunidade do convvio fecundo nessa Atenas do Conhecimento Luz do Espiritismo, A Csar Reis, Mana Amlia Serrano e Ronaldo Serrano, que conduzem no plano material o nosso ICEB, A Ftima Moura, pelo carinho e companheirismo na digitalizao das alteraes para esta ed io, Por tudo, e sempre, minha gratido profunda. Sumrio Prefcio. .09 Introduo 11 Captulo 1 - Um Olhar sobre Kardec 13 Captulo 2 - O Esprito como Realidade: do Mtico ao Cientfico .21 Captulo 3 - Entendei-vos quanto s Palavras 59 Captulo 4 - Liberdade e (In)Tolerncia Religiosa 77 Captulo 5-Perdidos no Tempo e no Espao? 91 Captulo 6 - Mediunidade e a tica do Dar 103 Captulo 7 - Da Satisfao das Necessidades Felicidade. .111 Captulo 8 - Religio, Multiculturalismo e Simbiosofia 123 Captulo 9-Do Homem Velho ao Homem Novo 151 Captulo 10 - Sinais dos Tempos e o Novo Religare 167 PREFCIO Ns, espritas, somos econmicos em elogios. No entanto, difcil conter o entusiasmo ao ler este livro. Ele , ao mesmo tempo, preciso e instigante, denso e

leve, claro e sutil, esperanoso e crtico, profundo e simples. um livro que descons tri e constri, acenae orienta, ancora e leme, com realismo e otimismo. Que nos perdoe nossa querida amiga e irm Nadja, em sua modstia e humildade, mas o ICEB sada o Reflexes Luz do Espiritismo como uma fuso de bons momentos dignos de Herculano Pires, Hermnio Miranda, Jorge Andra e Carlos Pastorino. Quando termin amos a leitura, fica bvio que o Espiritismo uma cincia que uma filosofia uma religio.

A Casa de Deolindo Amorim est feliz com este lanamento de sua expositora que fala como pensa e escreve to bem quanto fala, e reafirma o encontro de sua mente poderosa com o seu corao magnnimo. Este livro uma celebrao. Refletir com ele um priv lgio. Nosso respeito e nossa gratido a Nadja do Couto Valle. Csar Soares dos Reis Diretor Presidente do ICEB - Instituto de Cultura Espiritado Brasil INTRODUO Esta pequena coletnea de textos espelha alguns recortes da realidade que o mundo atual enfrenta, quando so chegados os tempos, tal como anunciou Jesus. A perplexidade humana imensa, perante os cataclismos fsicos, sociais e morais com que se defronta a Humanidade e diante das incessantes inovaes com que a tecnologi a avana, prenunciando um mundo que se renova praticamente a cada ano. luz do Espiritismo, todas as situaes e manifestaes do homem na Terra encontram a exp licao justa e clara no pano de fundo das claridades espirituais da Doutrina codificada pelo iluminado Allan Kardec Como estudante do Espiritismo, buscamos m odestamente trazer essa luz por sobre alguns dos temas da atualidade, e partilha r essas reflexes singelas com nossos companheiros de ideal esprita, com os simpatiza ntes da Doutrina Esprita, bem como com todos que se interessam pelo descortino de explicaes para os movimentos da vida em suas vrias instncias.

Trs dos artigos que aqui reunimos foram publicados em Reformador', rgo da Federao Espr ita Brasileira, com a 11 nica alterao de separao por tpicos apenas para manter uma certa uniformizao na aprese formal dos textos. Outros resultam de participao em Congressos nacionais e internacionais, e outros ainda atendem solicitao do ICEB de registrarm os algumas idias que desenvolvemos em palestras na Casa de Deolindo Amorim. Sobre o contedo deste pequeno volume no repousa qualquer mrito seno o de buscar divu lgar, ainda que palidamente, a riqueza da contribuio do Espiritismo para a anlise dos quadros da vida e das conquistas do pensamento, gerando esperanas e e stmulos para esforos mais avanados. Reconhecendo que nos faltam os valores espirituais e culturais necessrios tarefa em sua expresso mais alta, rogamos aos companheiros que nos honrarem com a leitur a destas pginas, que as aceitem como preito de fraternidade e de alegria na comunho em torno dos valores eternos do Esprito, pelo que nosso pequenino corao agradece e roga a Deus e a Jesus as bnos abundantes da Paz, do Amor e da Luz por sobre todos . Assim seja.

12 Captulo 1 UM OLHAR SOBRE KARDEC I. Todo ms e todo dia celebramos Kardec quando estudamos a Doutrina Esprita, quand o alargamos o descortino das compreenses mais dilatadas sobre os "comos" e os "porqus", os motivos e consequncias da vida e da morte, suas leis e fatos, foras e fenmenos, bem como os da natureza e dos sentimentos humanos; sobre o reconhecimen to da Paternidade Divina e da comunho universal de todos os seres; sobre a mediunida de. E quando praticamos a mediunidade - celebramos Kardec! E o fazemos do modo como certamente mais agrada ao mestre de Lyon, sem alardes n em fanfarras, com disciplina e rigor metodolgico, sinceridade de propsitos e desej o de servir e progredir, boa vontade e o cuidado de preservar a impessoalidade e a pureza doutrinria do Espiritismo. II. A Tarefa No entanto, devido ao zelo na busca dessa preservao, frequentemente Kardec referid o como sendo "apenas" o Codificador, "s" o Codificador. Mas um breve momento de reflexo nos informa que codificar colocar sob um cdigo, dispor, arrumar, grupar ideias afins; formatar, disciplinar ideias e procedimentos visando constituir um corpus terico com a necessria garantia de coerncia interna e externa. Isto ser po uco? 13 A extenso e a natureza do material a ser codificado podem apresentar desafios adi cionais tarefa. No caso de Kardec, o material chegou-lhe de vrias localidades do planeta, em muitos cadernos com apontamentos medinicos. Diante desse desafio, sua habilidade no trato de seis sistemas lingusticos, e tambm a sua capacidade de organizao lgica do pensamento e de identificar a essncia de cada comunicao e de cad a assunto, certamente muito o ajudaram a grupar aqueles apontamentos em grandes blocos de ideias e princpios. Valeram-lhe tambm, por certo, sua formao erudita e vasta cultura geral, seu bem des envolvido raciocnio filosfico (que diferente de conhecer informaes sobre histria da filosofia) e a capacidade inegvel, encontrada em sua mais alta expresso entre os grandes professores como ele: a de perguntar. Mas de perguntar? Sim, a de perguntar. Muitas vezes, em Cincia e principalmente em Filosofia, isto parti cularmente verdadeiro: mais vale uma boa pergunta do que uma boa resposta. por isto que podemos ter a segurana inabalvel de poder dizer que todas as nossas p erguntas esto respondidas pelo Espiritismo. Porque Kardec foi capaz de fazer as perguntas certas, que esgotam todos os assuntos, que antecipam todas as conqu istas nos vrios campos do conhecimento e atuao do homem, que atendem saudvel curiosidade daquele que, em qualquer idade cronolgica ou espiritual, quer aprende r, esgotando os assuntos em suas nuanas e emprestando ao cotidiano humano na Terr a a importncia da grandeza das Leis Divinas, alando-o, portanto, ao nvel das importnci as transcendentais. E, alm disso, Kardec aliou a esse tipo superior de pergunta, que necessariamente no tem que vir sob forma 14 interrogativa, a preciso da organizao lgico-dedutiva, sequncia e dosagem no trato do contedo que tinha em mos. Isto tudo sem violentar o prprio universo de cada rea do conhecimento humano e preservando a clareza didtica imprescindvel a qualquer educador ou obra que pretenda ensinar.

Tudo isto certamente no pouco e j o torna o grande Codificador. III. O Mtodo Mas h ainda uma outra caracterstica extraordinria do grande Mestre de Lyon: o Mtodo. Buscando analis-lo, precisamos considerar o clima da segunda metade do sculo XIX, em que se respiravam grandes inovaes nos vrios campos do conhecimento hum ano: Biologia, Fsica, com destaque para a rea da energia, Qumica, Astronomia, Matemtica, Estatstica, etc. IV. Angulaes na Abordagem ao Conhecimento Por falar em conhecimento, h que se lembrar a discusso, pela Filosofia, sobre a or igem, a natureza e a extenso do conhecimento ou das possibilidades de conheciment o. 4.1A origem do conhecimento est nos sentidos, na experincia, segundo o Empirismo, ou na razo, para o Racionalismo, enquanto que o Criticismo de Kant, para o qual convergem as duas vertentes anteriores, assume uma posio relativista quanto ao con hecimento: aceita o valor e a infalibilidade do conhecimento humano dentro dos limites da experincia, mas considera-o inadequado para transcender esses limites, que so o domnio da razo prtica, com os imperativos categricos a fundamentar esse campo que o da moral. 15 4.2 A natureza do conhecimento definida pelo tipo de relao que se pode estabelecer com o que se quer conhecer, como exemplificam as chamadas cincias humanas e cincias fsicas. 4.3 Aextenso do conhecimento diz respeito possibilidade de podermos atingir o abs oluto e a natureza ntima das coisas, inclusive Deus e a alma, como estatui o chamado dogmatismo de Plato e Hegel; ou se nosso conhecimento nos limita ao mundo dos fenmenos, como postulam o agnosticismo e o positivismo de Kant e Comte, no nos autorizando, portanto, a nos pronunciarmos sobre os problemas fundamentais d a natureza da matria, da essncia e da imortalidade da alma humana, e da existncia de Deus. Mas, na esteira do tempo, desgastaram-se a vertente do Empirismo de John Locke, datado do sculo XVII, que postula que todo conhecimento provm dos sentidos, na linha aristotlica, e que possibilitou o Positivismo de Comte, e a vertente do Rac ionalismo, com destaque para Descartes, que postula que todo conhecimento provm da razo. Esgotadas as possibilidades investigatrias das duas correntes, de uma cer ta forma estavam paralisadas a Filosofia e a Cincia na Terra, at que o pensamento de Kant veio resolver a questo, conciliando criativamente esses dois caminhos. Quanto natureza do conhecimento, importa considerar uma espcie de "personalidade" de cada rea de investigao, mas, no caso do sculo XIX, as chamadas cincias humanas foram desenvolvidas, de um modo geral, sob a tica da psicologia social de Auguste Comte, que propunha o desenvolvimento delas regido pelo vezo ou angulao das cincias fsicas, aplicando as leis destas quelas, observados os experimentos de laboratrio e de mensurao precisa. 16 Quanto extenso do conhecimento, no universo intelectual dominado pelo Empirismo e pelo Positivismo, o limite era o da constatao no laboratrio, ficando, portanto, fora de suas cogitaes o que no pudesse ser susceptvel de anlise pelos equipamentos e procedimentos laboratoriais. Nesse mbito do incognoscvel estariam a existncia e a natureza de Deus, a natureza e a imortalidade da alma e a natureza da matria. No a esfera do atesmo, que nega Deus, mas a do agnosticismo, que admite sua impossibilidade de penetrar o conhecimento de tais coisas, cuja natureza diversa da de seus objetos de conhecimento do mundo fsico. Contrape-se ao dogmatismo, com destaque para Plato, que postula que possvel conhecer a essncia das coisas, inc

lusive Deus e a alma. Todo o ambiente no qual Kardec estava mergulhado era de cunho, influncia e domnio positivista, tendo sido ele prprio formado nesse ambiente que lhe forjara o rigor cientfico; mas este, na intimidade do Prof. Rivail, foi conciliado com as i nspiraes humanas do universo educacional de Pestalozzi. V. O Desafio e a Soluo Kardec est diante de um grande dilema. Os fenmenos de mediunidade ostensiva, como os raps, mesas girantes e cestas falantes, do ponto de vista de sua origem, insc revemse no universo de investigao do Empirismo e do Positivismo. Mas sua natureza e extenso inscrevem-nos nas cincias do campo humano, do ponto de vista dos mdiuns e, simultaneamente, na esfera do incognoscvel - o campo do Esprito, portanto, tran scendental. O Prof. Rivail resolveu competente e consistentemente a questo, para cuja soluo for am indispensveis a inquestionvel 17 ousadia intelectual, a coragem da abordagem dialtica, o inquebrantvel carter concil iador, a inabalvel confiana na proposta de trabalho e no poder da razo inaugurando o - apenas aparente - paradoxo da metodologia do que poderamos chamar de "positivismo transcendental" ou "positivismo metafsico", de que exemplo mximo O Livro dos Mdiuns. Com isto, o Prof. Rivail resolveu tambm as questes historicamente exclusivas da es fera da f, integrantes de correntes teolgicas desgastadas e que no mais se sustentavam - e assim estatuiu intelectualmente a f raciocinada. Ou seja, codific ou na linguagem intelectual da filosofia e da cincia o recado espiritual de conci liao, de que tudo est em tudo. Ps o constructo terico do Empirismo e do Positivismo a ser vio da metafsica, conciliando o que era tido como inconcilivel. Uma tarefa de gigante. Por isso no de se estranhar que a formatao, a estrutura e o arcabouo formal da Codif icao da Doutrina Esprita sejam positivistas com sua sequncia lgico-objetiva, perguntas encadeadas, esquemas, classificaes, hierarquizaes, exemplificao e correlao a chamada realidade objetiva - enquanto que seu contedo predominantemente de natureza transcendental, metafsica, como a existncia de Deus e do Esprito, a imo rtalidade da alma, e a comunicabilidade entre os planos da vida. Mas a coragem intelectual do Prof. Rivail/Kardec no para a. Ele mobilizou os vasto s recursos que como Esprito armazenou ao longo de encarnaes, que ele certamente aproveitou como verdadeiras jias, para ser tambm uma espcie de profeta, codificando as antecipaes veladas ou 18 no que os Orientadores Espirituais da Humanidade nos traziam. Em suas Notas preci osas, que ele acrescentou valorosamente s instrues desses Benfeitores Espirituais, Kardec sustentou, com linhas argumentativas de natureza filosfica e cientfica, tod as as predies que o Espiritismo oferecia aos homens e que a cincia nada mais tem feito seno corroborar, confirmar. Deste ponto de vista, o Prof. RivailKardec torna-se o profeta ou co-profeta na a ntecipao das conquistas que hoje se vo estruturando, corporificando diante de ns, nos vrios campos de atuao da humanidade. Outros aspectos grandiosos da marca inconfundvel do processo de Codificao da Doutri na Esprita podem tambm, e ainda, ser levantados e alinhados. Mas o que aqui dissemos no basta para que ele se erga como O Codificador, esteio encarnado para

a consubstanciao da promessa de Jesus Humanidade? 19 Captulo 2 O ESPRITO COMO REALIDADE: DO MTICO AO CIENTFICO I. Desde tempos recuados, registros indiciam a crena em um retorno, e revelam uma intuio da realidade metafsica como uma espcie de nostalgia do infinito, tornada manifesta na cosmoviso dos povos primitivos, de ndios em toda parte, egpcios, hindu s, gregos, essnios, dentre outros. Tais registros do conta do Esprito como algo que transcende a chamada realidade ob jetiva, vale dizer, o corpo fsico, a morte. Assim o conceito de imortalidade faz-se presente na cosmoviso de todos os povos, revelando uma coisa em comum, uma essncia, um quid, ou essa realidade suprafsica e independente que transcende a personalidade no mundo material. II. A intuio da imortalidade Os homens da poca pr-histrica, chamada megaltica, sepultavam os mortos colocando-lhe s nos tmulos armas e adornos, o que induz concluso de que tais populaes primitivas tinham a intuio de uma existncia segunda, sucessiva terrena, patenteando , portanto, a intuio da imortalidade, ou da realidade espiritual, ou seja, a de que o 21 homem no morre de todo. Em toda parte, inclusive nas Amricas, e particularmente no Brasil, os ndios enterram seus mortos observando certas condies que levam mesma concluso. Ao longo dos tempos, e mesmo nos dias atuais, as tribos mais selvagens crem em um a certa imortalidade do ser pensante, como o caso de comunidades mencionadas no sculo XIX por Ferdinando Denis, em seu Universo pitoresco, como as tribos da O ceania, da Amrica e da frica, e ainda outras tantas citadas por Taplin, em seu Folklore manners ofAustralian aborgenes. Narrativas de viajantes atravs dos tempos tm atestado a sobrevivncia da alma como crena de tribos primitivas. III. A conscincia mtica Que faz com que todas as criaturas, em todas as latitudes e em todos os tempos, tenham revelado essa intuio de algo sobrevivente aps a morte? Se a conscincia filosfica tiver humildade para reconhecer a possibilidade de se estabelecer uma l eitura, em continuidade, do progresso do pensamento humano, reconhecer a existncia de uma conscincia mtica, e mais do que isso, reconhecer que dela nasceu, e dela se separou lentamente. Tal conscincia no desvalorizada de inteligncia, atestando, antes, uma posio permanente do pensamento humano em geral. Essa conscincia arcaica primitiva corresponde, na verdade, a um primeiro estabelecimento do homem na Terra. Essa proposta, de Georges Gusdorf, em Mito e metafsica, em nada faz eco de August e Comte sobre a lei dos trs estados, segundo a qual a humanidade evoluiria de 22 maneira contnua da idade teolgica - em que recorreria a seres transcendentes e div inos para explicar os fenmenos da experincia - idade metafsica, em que recorre a entidades racionais, abstratas, at alar-se idade positiva, caracterizada pela su bordinao da imaginao e da argumentao observao, na qual se pretende entender os fatos unicamente em sua realidade emprica, e em suas relaes cientficas. Na verdade, nem Comte pode negar, e no chegou a negar mesmo, os registros de trib os primitivas, indicativos da intuio da sobrevivncia do Esprito ao corpo fsico, que dizem respeito ao tempo dos mitos, pr-histria da filosofia, em que reinam abso

lutos, sem concorrncia com o chamado pensamento racional. O primitivo tem uma leitura nica, indissociada, das imagens do mundo: ele l a imag em "real", "objetiva", junto com a "mtica". Assim, o mito a estrutura do conhecim ento que o homem adquire de si mesmo e de seu entorno: na verdade o seu primeiro conh ecimento. Desse modo, conclui Gusdorf, a conscincia humana afirma-se, desde sua origem, como estrutura do universo. IV. O mito

De Rousseau e Diderot a D. H. Lawrence e Melville, o "bom selvagem" sonha com um a espcie de retorno ao seio maternal do universo, numa espcie de nostalgia de uma integridade perdida, guardada pelo mito, e que traz em seu bojo o que Gusdorf ch ama de "inteno restitutiva". O mito tem ento a funo de retorno ordem, de (re)integra 23 Religio, o que est presente no mito pode ser expresso do sentido e vivido em condio p r-natal, como postulam Scrates e Plato e, portanto, essa inteligibilidade e formulao podem muito bem emergir na vida material como narrativa ps-natal, para d ar roupagem nostalgia de infinito e integridade perdida, entrevistas nas estruturas mticas, que tm validez permanente, no histrica, mas ontolgica. A ontologia primitiva apresenta, pois, uma estrutura platnica, pois o mito um fat o que se deve repetir, segundo a observao de Van der Leeuw, que est em consonncia com o princpio da metafsica primitiva, tal como formulado por Mircea Eliade, no se ntido de que um objeto ou um ato tornase real na medida em que ele imita ou repe te um arqutipo. A idia de repetio, enunciada por Eliade como "eterno retorno", no implic a, como a expresso e o conceito gregos evocam, a ideia de tempo, porque o pensamento primitivo no tem conscincia do tempo. O mito no perde sua modalidade e xistencial justamente porque se passa fora do tempo, ou seja, em um tempo transt emporal, ou na extenso total do tempo. Na ltima fase do pensamento de Schelling, caracterizada pela integrao do problema d o pensamento religioso em sua filosofia, a mitologia considerada um sistema simblico de ideias, com sua prpria estrutura apriorstica, que, desvendada, revelari a como os mitos constituem formas de expresso da volta ao absoluto divino. Para Schelling, a mitologia precede a revelao de um Deus nico, o que pode reforar a ideia de que o homem primitivo efetivamente intua, ou "conhecia" a realidade 26 da instncia espiritual que lhe constitua o ser, pois Schelling crtico decisivo da t ese alegorista dos mitos, por esta no levar em conta a anterioridade do elemento divino da mitologia, que no alegrica, mas tautegrica. Para ela, os deuses so seres q ue existem realmente, que no so nem significam uma outra coisa, mas significam somente aquilo que eles so. Para o filsofo, o essencial do mito o seu sentido dire to, pois as representaes mitolgicas no foram nem inventadas, nem livremente aceitas, e, como produtos de um processo independente do pensamento e da vontade , elas eram, para a conscincia que lhes fazia o registro, de uma realidade incont estvel e irrefutvel. E no que diz respeito realidade imortal do Esprito, a ideia encontra -se no seio de todos os povos. V. Ritos e crena no Esprito imortal Mesmo em civilizaes consideradas adiantadas em tempos mais recuados, como as do Eg ito, China e ndia, ou principalmente nessas, encontram-se registros e ritos indicativos da crena na realidade do Esprito imortal. Mas a despeito de avanadas, a

rigor, tecnicamente, no tinham entrado na histria. Como observa Gusdorf, a histria, dimenso antropolgica, corresponde a uma nova tomada de conscincia da expe rincia da qual a escrita, assim como a cronologia, no so um sinal suficiente. Segundo ele, at quase nossos dias, a China e a ndia, que h tanto tempo conheciam a escrita, no haviam entrado na histria no sentido antropolgico do termo. necessrio mais do que a inveno de uma ou outra tcnica particular, a escrita ou a cro nologia, para passar de uma conscincia ontolgica para uma conscincia de estrutura histrica: e esta tem-se revelado, em essncia, a 27 dificuldade de se afirmar a crena no Esprito imortal. Talvez em nenhum povo o sentimento da sobrevivncia tenha sido to vivo quanto entre os chineses, em cujo seio pulsa o culto aos Espritos desde a mais remota antigui dade. Prestavam honras e cultos aos Espritos e s almas dos antepassados, crenas respeitad as por Confcio, que certo dia admirou mximas escritas um e meio milnio antes, sobre uma esttua de ouro, no Templo da Luz, sendo uma delas a seguinte, citada po r Gabriel Delanne: "Falando ou agindo, no penses, embora te aches s, que no s visto, nem ouvido: os Espritos so testemunhas de tudo."3 No Celeste Imprio dos chi neses antigos, os cus so povoados, como a Terra, no somente pelos gnios, mas tambm pelas almas dos homens que viveram no mundo material. Na vetusta ndia, os textos mais antigos de que se dispe, os hinos do Rigveda, ates tam, trs e meio milnios atrs, que os homens que viviam no Sapta Sindhu, ou pas dos sete rios, tinham intuies claras sobre o alm da morte. E depois de muitos scu los, os sacerdotes, com base provavelmente em vises em sonho, e em aparies naturais, codificaram a vida futura, sendo o cu vdico a morada definitiva dos deus es imortais, a sede da luz eterna, a manso de constante alegria, a origem e base de tudo o que , morada divina habitvel pelo ser humano. Na antiga Prsia, atual Ir, a doutrina do grande legislador Zoroastro concebe emanaes abaixo do Ser Incriado, gnios celestes, e tambm uma srie de Espritos, de "gnios", 28 de ferers, pelos quais o homem pode crer que tem em si algo de divino, cuja funo se ria insuflar o pensamento do bem no crebro do homem e vigiar, guardar essa criatura amada do deus. Assim, a Zoroastro pode ser atribuda a paternidade da con cepo do que hoje se chama o "eu" superior, a conscincia subliminal, e da teoria dos anjos guardies. J no Egito, nada conseguiu destruir ou abalar a f em uma segunda vida do homem, id eia que atravessou, intacta e imutvel, os tempos e as civilizaes egpcias, sendo que a mais antiga crena data de cinco milnios a.C, e considera a morte como uma simples suspenso da vida fsica. Por isso a presena de tantos ritos pela ocasio da morte. sabido de h muito que o mito se distingue do simples relato ou da lenda pelo fato de estar ligado a uma ao religiosa, a um rito, que fundamentalmente o mito em curso. Gestos, palavras, comportamentos rituais no so, portanto, meros automati smos da f, mas enquanto instrumentos do rito visam, em si mesmos, suscitar o mito. A prpria ao ritual realiza, pois, no imediato, uma transcendncia vivida, facultando ao indivduo, em seu cotidiano dessacralizado, o acesso a uma sobrerrealidade que transfigura tanto a ele mesmo quanto ao quadro de sua vida. Assim, o rito pa ssa a ter o sentido de uma ao essencial e primordial, pela referncia que institui do profano ao sagrado. VI. O sentido do sagrado

No entanto, diante desse desmembramento, ou ruptura, a conscincia mtica realiza in cessantemente a unidade. 29 Desse modo, como observa Gusdorf, o sagrado seria uma reserva de significao, em ve z de ser um contedo puro ou uma forma pura, e desse ponto de vista a matriz de possveis sentidos do universo. Ele assinala ainda que o sentido do sagr ado aparece, assim, na origem mesma da metafsica. Os egpcios, ritualizando a transcendncia da morte, ao promoverem, para seus mortos , a travessia do rio com todos os pertences e elementos que lhes atendiam as necessidades durante a vida material, evidenciam que o sentido do sagrado acaba perpetuando, em sua afirmao religiosa ou parareligiosa, o anseio de satisfao plena de todos os valores humanos. E revelam ainda o sentido de unidade que a co nscincia mtica realiza incessantemente, tendo institudo o rio, como linguagem, na funo de hfen entre os dois mundos, material e espiritual, ou entre os dois plano s da vida. As cerimnias fnebres realam o fato de que o mundo mtico imortal, o que justifica os objetos guardados, ou remetidos, junto com os mortos. A arte entra ento, ainda que na condio de elemento de ordem material, como instrumento ilustrativo da imortalidade, atendendo urgncia de formas imperecveis. Assim, a arte, bem como certos rituais de enviar tudo com o cadver, evidenciam enfrentamento da expe rincia da morte, assegurando o triunfo do princpio ontolgico da conservao ou da imortalidade. As cerimnias fnebres informam ainda que, por trs das barreiras do sagrado, abriga-s e o mundo dos mitos, dos espritos, dos poderes e das onipotncias metafsicas, 30 e objetos de crena. igualmente no sagrado, para os fins do rito, que se inscrevem o tempo sagrado e o espao sagrado. O mito, em sendo, ou exatamente por ser, objeto de f, move-se em um tempo origina l, simultaneamente eterno e atual, ou seja, assume a feio temporal-transtemporal. O simbolismo do mito faz o homem triunfar da morte. J o espao mtico ope-se ao espao vazio e formal dentro do qual se situam nosso pensame nto e nossa atividade, no qual colocamos coisas, objetos, pessoas. O espao do primitivo no apenas um continente de coisas, mas um lugar absoluto, no exclusiv amente racional, funcional. tambm o espao dos espritos na vida futura, de certa forma antecipando, guardadas as propores, a Plato. Em sua La mentalit primitive, Lvy-Brhl, citado por Gusdorf4, assinala que "as regies do espao no so concebidas, nem propriamente representadas, mas antes sentidas em conjuntos complexos, onde cada uma delas inseparvel daquilo que ocupa . A participao entre o grupo social e a regio, que a sua, no se estende somente ao solo e caa que nele vive: todos os poderes msticos, espritos, foras mais ou menos claramente imaginadas que nela se situam, tm a mesma relao ntima com o grupo." VII. O Esprito como realidade Os egpcios acreditavam que, depois da imobilidade cadavrica, o corpo retomava o "s opro" e ia habitar muito longe, a oeste deste mundo. Mas antes mesmo das primeir as 31 dinastias, passou a vigorar a ideia de que apenas uma parte do homem ia viver um a segunda vida, em um corpo diferente, ainda que proveniente do primeiro, porm ma is leve, menos material, que eles chamavam de ka, o duplo, ao qual se prestava o cu lto dos mortos entre 5004 e 3064 a.C Ao longo do tempo, a imortalidade do corpo foi

substituda pela imortalidade do Esprito, com a noo de que o corpo e seu duplo perman eciam para sempre no tmulo, enquanto que a almainteligncia, servindo de "corpo" ou invlucro essncia luminosa (ba ou ba) - que compunha a pessoa humana, jun to com o corpo fsico, com o ka, e com a substncia inteligente ou khou ia viver com os deuses a segunda vida. Essa idia do ka encontrada tambm no pensamento hindu, segundo o qual, depois da mo rte, a alma revestida de um novo corpo, luminosa nvoa resplandecente, de forma brilhante, que transportada morada divina. Delanne lembra a citao que G Paut hier faz de Confcio, a esse propsito: "Como so vastas e profundas as faculdades dos KociChin (Espritos diversos)! A gente procura perceb-los e no os v; procura ouvilos e no os ouve. Identificados com a substncia dos seres, no podem ser dela separados. Esto por toda parte, acima de ns, nossa esquerda, nossa direit a; cercam-nos de todos os lados. Entretanto, por mais sutis e imperceptveis que sejam, eles se manifestam pelas formas corpreas dos seres; sendo real, verdad eira, a essncia deles no pode deixar de manifestar-se sob uma forma qualquer."5 O corpo fludico do Princpio pensante, Nephesh para 32 os cabalistas, ou intrpretes do esoterismo judeu, s foi incorporado ao pensamento dos hebreus, na Judeia, ao tempo de Moiss, ao contato daquele povo com o cativeir o de Babilnia, que ento assimilou, de seus vencedores, a ideia da imortalidade e a d a verdadeira composio do homem. No de se estranhar que em Homero seja frequente os moribundos profetizarem, e a a lma de Ptroclo visitar Aquiles em sua tenda, porque tambm os gregos, desde a mais alta antiguidade, estiveram de posse da verdade sobre o mundo espiritual. Para eles, a generalidade dos humanos era guiada por Espritos comuns, e os douto s por Espritos superiores. Thales ensinava, seis e meio sculos antes de nossa era, q ue o Universo era povoado de demnios e de gnios, testemunhas secretas de nossas aes, mesmo dos nossos pensamentos, sendo tambm nossos guias espirituais. Ideia circ ulante tambm na China. Epimnides, contemporneo de Slon, declarava-se guiado por Espritos e frequentemente recebia inspiraes divinas. Scrates, e principalmente Plato, povoaram de Espritos a distncia entre Deus e o home m, considerando-os gnios tutelares dos povos e dos indivduos, ao mesmo tempo em que eram tambm inspiradores dos orculos. Cada homem tem por guia um demnio particular, ou Esprito familiar, e o prprio Scrates tinha o seu daimon - palavra com que os gregos designavam os Espritos - que constantemente lhe falav a e o guiava em todas as circunstncias. Para os gregos da poca clssica, a alma preexiste ao corpo e chega ao mundo dotada do conhecimento das ideias eternas, mas, quando da unio com o corpo, esse conheci mento 33 fica obnubilado e vai-se desvelando com o tempo, o trabalho, o uso da razo e dos sentidos. Assim, aprender recordar, e morrer voltar ao ponto de partida e tornar ao estado primitivo: de felicidade para os bons, e de sofrimento para os maus. Tal como os egpcios, tambm os gregos, para explicar a unio do Esprito ao corpo fsico, conceberam a existncia de uma substncia mista, que chamaram de ochema, que lhe servia de envoltrio, e que os orculos, por sua vez, designavam por veculo l eve, corpo luminoso, carro sutil, e Hipcrates por enormon, ou corpo fludico. J Allan Kardec, no sculo XIX, cunhou a palavra perisprito para design-lo, usada pela primeira vez em O Livro dos Espritos, em 1857. Quase toda a antiguidade mais ou menos admitiu essa doutrina, embora fossem vagos e incompletos os conhec imentos de ento sobre o corpo etreo. medida que a meditao em torno do tema prosseguiu, aumentando automaticamente a distncia conceitual entre a alma e o cor

po, foram surgindo vrias teorias que explicitavam a diferenciao entre as duas substncias. Assim surgiram as "almas mortais" de Plato, as "almas animais e vegetativas" de A ristteles, o ochema e o eidolon dos gregos, o nephesh dos hebreus, o ba dos egpcios , o "corpo espiritual" de So Paulo, os "espritos animais" de Descartes, o "mediador plstico" de Cudworth, o "organismo sutil" de Leibniz, ou a sua "harmonia pr-estabe lecida", o "arqueu" de Van Helmont, o "corpo aromai" de Fourier, as "ideias-fora" de Fouil l, e muitas outras, permanecendo todas como constructos da razo, a que a Doutrina Esprita veio dar, no sculo XIX, 34 a demonstrao pela via da cincia ou seja, da observao e da experincia. VIII. Cosmoviso A conscincia mtica trabalha com a unidade e, no sentido da unidade, essencialmente conscincia de unidade e, como tal, pode-se dizer que abrange os dois planos da vida, ou seja, a Vida unidade. Tal postura torna-se manifesta inclusive na co nstatao dos especialistas de que o primitivo no tem nenhuma representao particular da ideia de alma, enquanto distinta do corpo e da matria em geral, ou seja, -lhe c ompletamente estranha a dicotomia encontrada junto aos gregos, egpcios e outros povos que, ao conceberem essa distino, revelam-se j em outro estgio. Na verdade, a estrutura mental do primitivo no lhe permite beneficiar-se dessa "u biquidade", no sentido de transitar pelo tempo e pelo espao atravs da memria, como meio de se "multiplicar" no mundo: ele no consegue estar presente fisicament e em um lugar e transportar-se como Esprito, mentalmente apenas, para um outro lugar que requeira sua presena total. Como bem observa Gusdorf: "O universo do moderno estende-se segundo as indicaes ma is ou menos contraditrias de uma conscincia que sabe pelo menos alguns rudimentos de histria, de geografia, de astronomia, de biologia, de fsica. J a conscincia mtica, de modo muito mais simples e sem nenhuma segunda inteno, conscincia do universo, clave humana 35 do real em sua integralidade. O mundo no seu conjunto a ela se entrega como o Gr ande Espao ontolgico no qual confluem todos os lugares particulares, justificao e autorizao de todos os espaos - o Grande Espao do Mito, princpio de orientao no ser, orque ele se afirma na medida exata da conscincia em expanso de sentido e de valor." E ainda:

"Estar no mundo estar no tempo. O tempo se nos d como a procisso dos "agora" entre os horizontes do passado e do futuro. A conscincia temporal liga-se, assim, ao desenvolvimento da aventura humana cujo sentido, progressos ou fracassos, pre tende decifrar. (...) A reao bergsoniana contra o tempo espacializado pela contami nao do esprito cientfico, fator de homogeneidade e de inteligibilidade discursiva, com o tambm a paciente empresa da fenomenologia, oferecem-se a ns como um retorno "s prprias coisas", experincia mais ingnua deformada pela influncia de maus hbitos se ulares."6 Do tempo mtico, que por natureza qualitativo, talvez se possa audaciosamente dize r que uma espcie de "rascunho" da dure de Bergson, afinizando-se com o "sentimento " de eternidade, o que inclui a imortalidade do Esprito. Para o poeta e filsofo Nova lis, a mitologia contm a histria do mundo dos arqutipos e encerra o passado, o presente e o futuro.

Do ponto de vista da fenomenologia da percepo, o indivduo atravessa basicamente trs estgios no mecanismo de captao da chamada realidade objetiva. No primeiro 36 deles, h a apreenso gestltica, ou de conjunto, em que o indivduo percebe o todo, o c onjunto, sem lhe discernir os elementos constitutivos. Isto comea a acontecer no segundo estgio, em que se percebem grandes blocos desses elementos, sem ainda identificar cada um deles. Este processo s vai completar-se no terceiro estgio, quando ento o indivduo capaz de perceber, de per si, os elementos que constituem o todo percebido.

Se tomarmos por base o raciocnio ou princpio de que a ontognese repete a filognese, podemos dizer que a conscincia mtica representa o primeiro estgio, o que no significa renncia razo, pois ela pode at encerrar um sentido de alargamento e enr iquecimento da razo, por poder ser entendida como o locus de todas as afirmaes de transcendncia, a expresso do homem integral, em sua constituio fsico-mento espiritual. No fundo, s a permanncia da conscincia mtica permite reduzir unidade as diversas formas de transcendncia: teologia, ontologia, doutrin as sociais - outras tantas formulaes da exigncia mtica. Em sua condio de homem da plenitude, e da unidade, o homem mtico ou primitivo no se percebe como parte integrante do conjunto, ele se percebe como conjunto. Essa primeira conscincia pessoal est presa na massa comunitria e nela submergida e, embora dependente e relativa, ainda assim no uma ausncia de conscincia: uma conscincia em situao, extrnseca. Como diz Gusdorf7,"pode-se dizer que a personal idade no existe 37 entre os primitivos." No fundo, como se o primitivo fosse constitudo e institudo n a Grande Pessoa que seria o seu grupo. IX. Da conscincia mtica conscincia intelectual Mas no curso incessante do desenvolvimento humano, ele passa ento ao segundo estgi o, que requer a percepo de sua figura existencial descolada do todo que percebia assim: gestalticamente. o momento de disjuno: a revoluo socrtica traz o advento e a a firmao do "eu" para o pensamento primitivo e, com isso, a legitimao do espiritual. Ou a conscincia intrnseca. A reflexo consagra o fim da inocncia mtica e a perda do lugar ontolgico, garantido pelo mito. O homem passa ento da conscincia mtica para a conscincia intelectual, depois de ter expelido os demnios, os espritos e os deuses que povoaram o universo mtico, particularmente se for considerada como a idade do mito a da pr-histria, que escap a aos historiadores e que trabalhada pelos mtodos de exterioridade, como os da geologia, antropologia e paleontologia. H simultaneamente dois acontecimentos: o da universalidade e o da personalidade. Este ltimo aparece no momento decisivo para a tradio filosfica do ocidente assinalada pela revoluo socrtica. Em seus estudos sobre o universo mental primitivo, Lvy-Brhl indica que o progresso deve realizar-se do coletivo para o conceitual. Atesta isso a constatao de que quanto mais se determinam os conceitos sobre os seres e objetos, e quanto ma is eles se fixam e ordenam em classes, tanto mais apresentam-se contraditrias e at absurdas certas pr-ligaes 38 msticas. Por isso o pesquisador demonstra preocupao em opor a mentalidade pr-lgica ao pensamento positivo. Isto equivale tambm a dizer que essa idade nova consagra a passagem da comunidade objetividade. sem dvida com Scrates que se extingue o reino das representaes coletivas, que se do o encerramento da mentalidade primitiva e a ascenso do homem de retorno a si mesmo, ou antes, do partir de si mesmo. Mas a posio do filsofo no diretamente a de ser adversrio das representaes coletivas, mas acaba sendo-o, por

ser o fundador da razo. Inaugura-se ento uma nova idade mental da humanidade, centrada na Razo soberana, n a qual a determinao dos conceitos, mediante a maiutica, ou a tcnica dos dilogos socrticos, faz o homem mergulhar na profundidade de si mesmo, instncia de determin ao sobre o verdadeiro ou falso, o que implica em a dialtica ser interior ao pensamento. O "conhece-te a ti mesmo" fundamenta o cogito como origem de uma nec essidade humana. Em Fdon, 67a, est dito por Plato que "somente por ns mesmos que conheceremos a autenticidade de cada coisa". Por isso Gusdorf assinala que, a partir de ento, o homem torna-se o "arteso da ver dade", quando "a reflexo consagra o fim da inocncia mtica."8 Da em diante a razo vai dar sentido s coisas e acontecimentos, constituindo-se esse olhar racio nal uma nova chave de transcendncia, que vai fazer eco at o sculo XIX, no qual podemos dizer que 39 conviveram vrios espiritualismos, decorrentes de vrias tradies, inclusive na linhage m socrtica, como Lon Brunschvicg, que citamos, dentre muitos outros, em nosso "Materialismo e espiritualismo na filosofia: culminncias e snteses", segundo o qual "o homem pode chegar conscincia intelectual, negando o egosmo e o apego ao "eu" psicolgico, para atingir a Deus, que no sendo realidade transcendent e, constitui-se realidade interior ao prprio homem."9 O homem primitivo, que era dado a si mesmo pelo lado de fora, pois a conscincia mt ica vive da percepo socializada e dogmtica, tem agora acesso ao sentido de pessoa, com o advento do eu e, a partir de ento, tem acesso emancipao, mediante a c onscincia refletida, ou conscincia reflexiva, que desponta como uma segunda ontologia, afirmada como reclamao individual. Esse eu que se apresenta como cogito socrtico, depois como cartesiano, que impe o primado do eu reflexivo, conhecido antes de Deus e do mundo, passa igualmente pela crtica kantiana, que pe em destaque a estrutura do eu transcendental que marc ar o conjunto do conhecimento humano. Em sua Philosophie der Symbolischen Formen, Cassirer, citado por Gusdorf10, obse rva que "o eu, essncia prpria do homem, no se descobre seno pela via do eu divino". 40 A conscincia de si afirma-se como descoberta do corpo, como localizao territorial d a autonomia pessoal, e o eu psicolgico, antes visto como errante ou difuso por todas as partes longe do corpo, enfim vai fixar-se na percepo da posse do corp o. Mas como o corpo evidentemente individualizado, h, portanto uma contrapartida na personalizao do pensamento e da vida, como promoo espiritual do eu. A este novo c unho da ontologia corresponde uma noo de alma, como dimenso nova da vida, elaborada, no pensamento grego, em Plato, Aristteles e nos esticos, reconhecendo as sim, em cada indivduo, um destino separado que se realiza isoladamente. A dualidade da natureza humana explicita-se com toda nitidez em Descartes e em K ant, que tm a preocupao em reduzir as paixes e neutralizar o elemento menos saudvel, institudo no pensamento humano pela existncia do corpo. Pode-se dizer que o progre sso realiza-se com rigor crescente, como atesta a trajetria do pensamento moderno , de Descartes a Spinoza, Malebranche e Leibniz, e de Kant a Fichte e Hegel. A inteligncia secularizada suscita, pois, o conhecimento objetivo, abrindo assim caminho para a construo progressiva das cincias, eis que o homem moderno, tendo perdido seu posto ontolgico, e procurando-o sem cessar, vai inventar a religio, a filosofia, a poltica, visando recuperar a segurana perdida. Com Descartes, o racionalismo assumiu "seus traos caractersticos - o valor do conh ecimento, a racionalidade, a importncia do mtodo, o subjetivismo e a preocupao

central no problema gnosiolgico: o primado da razo, 41 depois do primado da f, no perodo medieval, que faz a investigao filosfica voltar-se de Deus para o homem, do cu para a terra."11 Portanto, depois do perodo em que a conscincia mtica cultuava espritos sem qualquer balizamento lgico - embora hoje se lhe reconhea uma lgica prpria; e depois do advento da razo com a revoluo socrtica, da qual defluram tanto sistemas filosficos e morais, como cientficos, com relevo para a especulao de natureza filosfico-religiosa, com a patrstica e o tomismo, em que filosofia e teologia eram um amlgama s - o pensamento moderno, com o primado da razo, inobstante, contempla a existncia do esprito. N. Malebranche, o mais clebre defensor de Descartes, que aceita as teses cartesia nas fundamentais, fala dessa relao, embora s admita o inatismo ontolgico: "vemos as ideias de todas as coisas no prprio intelecto de Deus, isto , ns temos a intuio da mente divina, o verdadeiro lugar das ideias ou o lugar dos espritos, [...] o que o leva a sistematizar o ocasionalismo, segundo o qual devemos entend er tudo como "ocasio" ou instrumento da vontade divina, ou seja, toda energia pro dutora de ser e de atividade pertence propriamente a Deus."12 X. A realidade do Esprito: a culminncia da discusso A conscincia intelectual, j na sua origem socrtica, no exclui a realidade do Esprito, antes, afirma-a, desdobrando-se 42 a partir de ento, uma srie de sistemas que a confirmam. Esse estgio do desenvolvime nto do homem na Terra voltou-se, no entanto, tambm para a sua negao, ensejando o pensamento materialista. Em verdade, antes do Cristo, Tales, em Mileto, j interrogava sobre o Esprito e a M atria, preocupado com a constituio da vida, inaugurando-se, nessa poca, o pensamento metafsico que se iria desdobrar, logo depois, nas escolas idealista e atomista, que tentaram assim balizar os planos da Criao. O materialismo um fenmeno recorrente na histria do pensamento, remontando ao atomi smo e epicurismo gregos, ao averrosmo medieval e ao mecanicismo moderno, mas atinge uma culminncia no sculo XIX como movimento filosfico, e passa, no sculo XX, a movimento cultural de amplas propores. A experincia sensitiva e o mtodo cientfico, alados categoria de critrio de verdade, fundamentaram uma interpretao mate rialista do real. No sculo XIX, o positivismo imperou quase que dogmaticamente no panorama do pensa mento, mas errou ao restringir ao campo das cincias experimentais toda a possibil idade de conhecimento, descartando campos de natureza diferente, como a metafsica, a ar te, a moral e a religio. Isto acabou por gerar uma crise interior da cincia mecani cista, idolatrada, idealizada pelo positivismo. A essa fase seguiu-se uma outra, de reconstruo filosfica, em nome da razo, que admit e as exigncias metafsicas ou espiritualistas, e que vai estimular correntes antipositivistas, espiritualistas, ainda no sculo XIX, e vai constituir a filosof ia do sculo XX. 43 Como assinalamos em nosso "Materialismo e espiritualismo na filosofia: culminncia s e snteses", "trs foram as razes principais que motivaram esse movimento generaliz ado de reao ao positivismo: o aprofundamento das pesquisas cientficas, que levou a cinci

a a reconhecer seus prprios limites; o reconhecimento de que persistiam as questes ticas e metafsicas, a despeito de o positivismo ter tentado abaf-las como estgios pr-cientficos, ou manifestaes da imaturidade do homem; e a convico de que somente uma viso espiritualista pode resolver adequadamente esse esp ectro de questes. O quadro vincula-se atitude crtica de Kant, que no s identificou as pretenses de uma "razo metafsica", como tambm aplicou-se "razo cientfi a", cujo mtodo no lhe permite apreender plenamente certas dimenses no imediatamente redutveis matria, tais como a vida, a ao, o conhecimento, os valores , a vontade, dentre outras. "13 Na verdade, o desenvolvimento da razo no afastou o homem da preocupao com sua instnci a espiritual, mas veio mesmo contribuir para que ele firmasse essa especulao, inclusive com os recursos da cincia. O Esprito, inicialmente considerado como princpio vital, sopro de vida, como lembr a a autora espiritual Joanna de ngelis, foi-se deslocando entre os gregos para uma diferenciao da alma, que seria a expresso das manifestaes inferiores, enquanto el e passava representao das afeies superiores, princpio mais elevado 44 do que o indivduo. Com a doutrina aristotlica essa conceituao apresenta-se mais ou m enos definida, dando origem formao ideolgica entre o carter metafsico e o psicolgico do Esprito. A mesma autora espiritual lembra ainda que "com Hegel, o Esprito foi colocado fil osoficamente em termos compatveis, porquanto foram excludas todas as teorias que o tornavam "fixo e imutvel", apresentando a hiptese da sua evoluo, transformaes e interrelacionamentos de todos os fatos que o influenciam."14 Maine de Biran, o mais vigoroso pensador francs da primeira metade do sculo XIX, a dmite que acima da vida humana h a vida do Esprito, mediante a qual o homem, no fundo de sua interioridade, entra em contato com Deus, em uma espcie de estado mstico no qual encontra a certeza mxima.

Alm dele, tambm na Frana, a realidade do Esprito reafirmada por Royer-Collard e Vict or Cousin, Scrtan, Ravaisson e Lachelier, Hamelin e Brunschvicg, Lequier, Renouvier e Boutroux, Blondel e Bergson, com destaque para o seu intuicionismo. Alm da reao catlica s filosofias sensistas e materialistas, que tomou o nome de tradicionalismo, em meados do sculo XIX surgiu, ainda, uma filosofia espiritua lista, autodenominada Espiritismo, original na concepo, porque procede de Espritos Orientadores da Humanidade, mediante a via medinica; no posicionamento histrico-fi losfico, porque faz a sntese, to inesperada quanto desafiadora, das linhas 45 argumentativas da cincia e da religio, da razo e da f; na formatao, porque um homem q em lhe d a sistematizao da forma, o intelectual, cientista, poliglota, escritor, educador, professor Hippolite-Lon Denizard Rivail, sob o pseudnimo de AU an Kardec Tambm chamada neoespiritualismo, associa razo e sentimento, cincia e f: doutrina filosfica, com fundamento cientfico - incorporando ambos os mtodos e p or isso, tambm, o que tiver sido por eles avalizado - e que tem consequncias religiosas.15 XI. A realidade do Esprito sob o crivo da cincia

No final do sculo XIX, a revoluo tecnolgica reduziu a matria condio de "energia cond ada" e, portanto, os laboratrios de pesquisa material passaram a investigar a mente, o Esprito, que, a partir de ento, se destacam como objeto de p esquisa. assim que pouco a pouco o Esprito vem-se apresentando ao investigador consciente como realidade alm da estrutura somtica - ou corpo fsico, a esta precede nte e a ela sobrevivente. O saber v-se, pois, na contingncia de reavaliar-se cada vez que a viso da cincia se

transforma, transformando, por isso mesmo, a imagem do mundo assim como a do homem. A cincia, como uma das linguagens do pensamento, no poderia indefinidame nte prescindir de uma metafsica, ou seja, da interveno de uma viso prvia do humano para unificar a imagem plural do mundo cientfico. 46 Desde o sculo XIX, particularmente, o homem convive com descobertas do micro e do macrocosmo, com a idia de espaos infinitos, e tudo isto abre perspectivas para a meditao e reflexo sobre novos caminhos para o saber na Terra. A histrica separao entre cincia e religio criou obstculos ao desenvolvimento dos campo s do saber na Terra, cuja marcha pode ser atrasada, mas no impedida. Foi o que aconteceu, e tem acontecido. Assim, alguns postulados da religio tm cado, superados por conquistas da cincia, perante Galileu e Darwin, por exemplo, o mesmo tendo sucedido com posicionamentos extremados de Estados, como a excomun ho da relatividade de Einstein pelo Estado nazista. Esse ridculo, no entanto, no privativo da instncia de Estados, mas ocorre tambm na do indivduo e na de sistemas de pensamento, como quando a cincia permanece inadaptada realidade humana. A rigor, a cincia permite definir trs nveis, ou trs ordens de realidade: o mundo apr esenta caractersticas distintas na escala microscpica da teoria atmica, na escala molar da fsica clssica, assim como na escala csmica da relatividade. Gusd orf exemplifica com a linha, que vemos como reta, mas que indefinidamente quebrada na perspectiva atmica e curva no espao da relatividade. E a cincia no tem c omo escolher, porque tem que seguir seu curso, no havendo, portanto, nenhuma razo cientfica para ela escolher apenas o mundo em que estamos, ou a instncia de mu ndo em que estamos. 47 O mesmo d-se com o Esprito. Hoje, expe-se ao ridculo aquele que lhe negar realidade. O Esprito , hoje, tema cientfico e tambm de filmes, de novelas na televiso, de romances e de conversa entre amigos, em qualquer lugar. A cincia atual abre novas perspectivas em todos os campos. Particularmente a nova fsica tem uma viso nova do mundo, do universo, quanto s escalas e aos componentes minsculos da matria, concebendo o universo como um todo, em movimento e transformao. Com isso ela auxilia a compreenso das questes que tradicionalmente se inscrevem no campo das religies, posicionando-se como me das cincias no plano mater ial e agora tambm no espiritual, pois investiga o mundo nas instncias fsica, parafsica e espiritual. O ser humano hoje visto como um complexo mentofsico-perispirtico. Tomamos este ltim o termo da palavra perisprito, cunhada por Allan Kardec, em O Livro dos Espritos (1857), para definir o corpo intermedirio, semimaterial e semifludico, que os orientais e esoteristas desdobram em vrios corpos, e que j era conhecido dos antigos, como j mencionamos anteriormente, sob as designaes de ochema, ka e out ras. O corpo humano, constitudo de bilhes de clulas, funciona como uma usina viva, sob o impulso de oscilaes eletromagnticas, de 0.002 mm de comprimento de onda, da mente espiritual, que comanda a vida fisiopsicossomtica16. E quanto 48 mais evoludo, sbio, moralizado o Esprito, mais poderosa e complexa a sua estrutura orgnica perispiritual, capaz de viver em domnios cada vez mais amplos de tempo e espao. A mente espiritual alimenta-se de energias csmicas de natureza eminentemente divi na, das quais haure recursos para autossustentao, e transforma esses recursos em energia dinmica, eletromagntica. Essa energia espiritual mantm a mente espiritua l em contato com o citoplasma, impressionando, pois, a intimidade das clulas com os reflexos da mente17. Por isso Jesus, em vrias oportunidades, disse aos que O procuraram: "Tua f te curou", porque quem de fato cresce, definha, adoece e

se cura o Esprito. As concluses de vrias pesquisas, no recentemente institudo campo da psiconeuroendocrinoimunologia, atestam essa verdade milenar, que s agora a cincia agenda como objeto de investigao. O pensamento uma radiao da mente espiritual, dotada de ponderabilidade e de propri edades quimioeletro-magnticas, que se difunde por todo o cosmo orgnico, atinge todas as clulas do organismo e projeta-se no exterior18. E pelo fluido mentomagnti co que a mente age diretamente sobre o citoplasma e exerce o poder de cura, ou autocura, como atestam vrias pesquisas sobre o poder da orao, do otimismo, do ri so, e as demais conquistas na rea da psicologia transpessoal. As clulas corporais, materiais, respondem automaticamente 49 s indues espontneas, poder-se-ia dizer "hipnticas", que lhes so enviadas pela mente, r evigorando-se com elas ou sofrendo-lhes a agresso. Se imposta distonia s clulas, elas adoecem, pois tal processo provoca a ecloso de males que po dem ir desde a toxiquemia at o cncer. Como se v, desde a cincia materialista positivista do sculo XIX, que via as coisas como "independentes e separadas", a noo do que seja a complexidade da estrutura do homem foi sendo modificada em virtude das descobertas dos prprios cientistas e m direo totalidade, ao mstico e ao csmico. O conceito moderno que invadiu o pensamento da fsica atual o da unidade de todas as manifestaes da nossa realidade csmica. A fsica moderna e o Espiritismo encaram o universo como um todo nico, praticamente um produto do Pensamento do Cr iador, e os fsicos de hoje fazem aluso a um oceano de pura conscincia, de que tambm falou, dcadas antes, o autor espiritual Andr Luiz, em sua obra Mecanismos da medhmidade, psicografada pelos mdiuns Francisco Cndido Xavier e Waldo Vieira. Em verdade, "nos fundamentos da Criao vibra o pensamento imensurvel do Criador, e s obre esse plasma divino vibra o pensamento mensurvel da criatura, a constituirse no vasto oceano de foras mentais em que os poderes do Esprito se manifestam."19 O pesquisador em fsica terica das altas energias, Fritjof 50 Capra, assinalou que alm das mudanas dessa nova fsica, comea a emergir uma viso estre itamente relacionada s concepes sustentadas pelo misticismo oriental, porque, segundo ele, h impressionantes paralelos entre os conceitos da fsica moderna e as ideias expressas nas filosofias religiosas do hindusmo, budismo e taosmo.

Modernamente denomina-se geometrodinmica do espao ao conjunto de conhecimentos ace rca da gravitao, desenvolvida nos moldes da teoria de Einstein. E partindo das avanadas concepes da geometrodinmica quntica, os fsicos esto procurando introduzir a conscincia na viso csmica proporcionada pelo modelo que criaram, e h uma tendncia de cotejarem os ensinamentos do pensamento antigo com as concluses finais s quais chegaram pelas mais arrojadas teorias de sua rea. A nova fsica est delineando uma espantosa concluso: a de que h evidncias de que nossa mente, em certas circunstncias, consegue desprender-se das amarras do corpo fsico e sair por a em um corpo no fsico, mas to real quanto ele. E nesse novo e stado, a conscincia individual poderia fundir-se com a conscincia csmica e apreender diretamente certas verdades, certos conhecimentos que podem tambm ser adquiridos normalmente, mas apenas depois daqueles laboriosos processos experim entais e racionais usados pela cincia. Enfim, a cincia est comeando a provar a intuio e a med iunidade, desenvolvendo premissas j constantes do corpus terico da Doutrina Esprita, lanada em 1857, com Allan Kardec, e do pensamento grego clssico b

em como das filosofias orientais. 51 Assim, a religio v-se trazida do cu para a terra, uma vez que, como afirma Lon Bruns chvicg, em sua La raison et la religion " razo verdadeira, tal como se revela pelo progresso do conhecimento cientfico, compete chegar at a religio verdad eira, tal como esta se apresenta reflexo do filsofo, isto , como uma funo do esprito que se desenvolve segundo as normas capazes de garantir a unidade e a integridade da conscincia."20

Esta a postura do Espiritismo, contemporneo de Brunschvicg, com o postulado da f r aciocinada, defluente do trplice aspecto dessa doutrina: filosofia, cincia e religio. Entre seus maiores propagadores esto o filsofo Lon Denis e os cientistas Camille Flammarion, Gabriel Delanne, Ernesto Bozzano, Gustave Geley, A. Aksakof, dentre outros. Brilhantes inteligncias deram testemunhos insuspeitos e respeitveis sobre a realidade do Esprito imortal, tais como: o juiz Edmonds, Presidente do Senado e da Suprema Corte dos Estados Unidos; A. de Morgan, presidente da Soc iedade Matemtica de Londres; o sbio William Crookes; o astrnomo alemo Zollner; os professores Ulrici, Weber e Seckner, da Universidade de Leipzig; o filsofo Car i du Prel; o criminalista italiano Lombroso; o astrnomo Schiaparelli, diretor do Observatrio de Milo; o fsico Gerosa; o fisiologista deAmicis os professores Bout lerow e Ostrogradsky, da Universidade de So Petersburgo, Sir Arthur Conan Doyle, Victor Hugo e muitos outros, de todos os campos do saber. 52 Com sua estrutura, o Espiritismo esclareceu sobre a origem e a natureza, a forma e ubiquidade dos Espritos; sobre os diferentes graus ou a taxionomia dos Espritos , segundo seu nvel de adiantamento em moralidade; sobre o processo da encarnao e da d esencarnao; sobre a pluralidade das existncias; sobre aspectos da vida esprita e as percepes, sensaes, alegrias e sofrimentos dos Espritos; sobre os vrios nveis de e ancipao da alma, desde o sono at o xtase; sobre a interveno dos Espritos no mundo corporal, comprovando a comunicabilidade entre os dois planos d e existncia; sobre o conceito de espao vibratrio e o de durao, na acepo de Bergson, como a sucesso de mudanas qualitativas dos estados de conscincia, refor mando assim os conceitos teolgicos de felicidade e graa, e de sofrimento e inferno, ampliando o escopo dessas vivncias de estados de conscincia para ambos os planos de existncia.21 Com isto a Doutrina Esprita antecipou muitas das descobertas da cincia atual, no q ue diz respeito realidade do Esprito, como a chamada EQM, ou experincia de quase morte; as concluses do pesquisador Ian Stevenson sobre casos sugestivos de reencarnao, os trabalhos da Dra. Elizabeth Kbler-Ross, a recente pesquisa sobre a vida aps a morte, desenvolvida, em Tucson, Arizona, com o mdium Lorry Campbell, pelo Prof. Gary Schwartz, que concluiu que os dados atualmente disponveis sugerem fortemente que h vida depois da morte. E antecipou tambm, como j foi dito, as desco bertas da nova fsica, algumas delas j citadas, dentre muitos outros estudos e pesquisas. 53 Uma outra antecipao, dentre muitssimas, que est em vias de ser corroborada pela cinci a, diz respeito individualidade consciente - o esprito propriamente dito, cuja natureza desconhecemos - que se acha revestida de um envoltrio semimat erial, o perisprito, que lhe permite atuar sobre o prprio corpo, enquanto encarnad o, e depois da morte - quando normalmente guarda a aparncia de sua ltima encarnao e pod e tambm atuar sobre um mdium que lhe transmite as ideias. Respondendo pergunta 135a, de Kardec, em O Livro dos Espritos, os Espritos Orienta dores da Humanidade responderam que "o lao que liga a alma ao corpo" "semimateria l, isto , de natureza intermdia entre o Esprito e o corpo. preciso que seja assim para que os dois se possam comunicar um com o outro. Por meio desse lao que

o Esprito atua sobre a matria e reciprocamente." Interessante observar que o conce ito expresso pela palavra "semimaterial" foi antecipado quando ainda no se conhec iam a estrutura corpuscular da matria e sua constituio base de energia. O prprio Kardec usou a palavra, ao formular a pergunta n 94, em O Livro dos Espritos. Os Espritos Superiores atestam, assim, que j conheciam perfeitamente a existncia de diferentes graus de condensao da matria, cujos nveis mais sutis escapam nossa percepo, mesmo com os recursos da sensvel e sofisticada aparelhagem de que di spomos hoje. Embora a cincia oficial ainda no tenha avanado o suficiente nessa direo, os Espritos S uperiores tambm anteciparam, nessa resposta, e em vrios outros momentos das obras da Codificao de Allan Kardec, que o pensamento atua sobre as instncias en ergticas do ser, infundindo-lhes movimento e certas 54 propriedades. Apesar desse descompasso ainda existente, h relatos de experincias s obre telepatia e telecinesia, dentre as quais citam-se as realizadas pelo Dr. Joseph Banks Rhine e sua equipe na Universidade de Duke (EUA), nas dcadas de 1930 e 1940. Como j mencionado anteriormente, o Esprito ureo ensina ue o pensament o uma radiao mental da mente espiritual, que atinge todas as clulas do organismo e projeta-se no exterior graas a suas propriedades quimioeletromagnticas , dentre outras. Com o passar do tempo, cada vez mais facilmente constata-se hoje, pela via da cin cia, o que o homem deixou, desde os mais recuados tempos, nos papiros, livros, pedras paredes das cavernas, nos ritos e cerimnias de cunho religioso, revelando uma intuio do ser espiritual imortal que . Sem desdizer, em essncia, o produto da conscincia mtica a esse respeito, ao longo d o tempo, a ratio formulou a imortalidade do Esprito, atravs de filsofos, telogos e, hoje, de cientistas, que cada vez mais fazem cair por terra a disjuno e as barreiras que tradicionalmente ergueram-se entre Esprito e matria, entre Razo e F, posto que a religio foi considerada campo exclusivo da especulao sobre o Es prito at cerca de um sculo e meio atrs, quando, em 1857, a Doutrina Esprita veio estabelecer a aliana entre a cincia e a religio, a razo e a f. A realidade do Esprito deixou de ser uma questo para os mticos e para os msticos, in screvendo-se atualmente como um dos mais fascinantes campos de pesquisa para a cincia, que j tangencia essa realidade, estando fadada a afirm-la, em seus prprios limites. Tal 55 desmitizao e desmisticizao pela cincia no impli cam em um rebaixamento da espiritualid ade, mas antes reforam a grandeza de Deus, que infundiu a conscincia23 e razo ao homem, permitindo-lhe desvendar, pelo esforo nobre de suas faculdades, a Sua presena em Suas leis, objeto primrio da cincia que antes desenhava seus limites no alcance da matria, mas que hoje expande-os para alcanar o homem, em sua instncia como Esprito imortal, que passou a inscrever-se agora como campo de investigao, privilegiado e inescapvel, no espectro da Criao. 56 BIBLIOGRAFIA COMTE, Auguste. Curso de Filosofia Positiva: Discurso preliminar sobre o conjunt o do positivismo;Catecismo positivista. Traduo Jos Arthur Giannotti e Miguel Lemos 5. ed. So Paulo: Nova Cultural, 1991. (Coleo Os Pensadores) COUTO VALLE, Nadja do. Materialismo e espiritualismo na filosofia: culminncias e snteses. In: Em torno de Rivail: O mundo em que viveu Allan Kardec Bragana Paulist a, SP: Lachtre, 2004.

DELANNE, Gabriel. A reencarnao. Traduo Carlos Imbassahy. 11. ed. Rio de Janeiro: FEB , 1998. A evoluo anmica. Traduo Manuel Quinto. 5. ed. Braslia: FEB, 1988. A alma imortal. Traduo Guillon RibeiroAed. Rio de Janeiro: FEB, 1978. DENIS, Lon. Depois da morte. Traduo Joo Loureno de Souza. 14. ed. Rio de Janeiro: FEB , 1987. No invisvel. Traduo Leopoldo Cirne. 11. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1985. FRANCO, Divaldo. Estudos espritas. Pelo Esprito Joanna de ngelis. 3.ed. Rio de Jane iro: FEB, 1983. GUSDORF, Georges. Mito e metafsica. Traduo Hugo Di Primio Paz. So Paulo: Convvio, 197 9. KARDEC, Allan. O Livro dos Espritos. Traduo Guillon Ribeiro. 71.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1991. 57 O Livro dos Mdiuns. Traduo Guillon Ribeiro. 45.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1982. O Evangelho segundo o Espiritismo. Traduo Guillon Ribeiro. 71.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1977. O cu e o inferno ou a justia divina segundo o Espiritismo. Traduo Guillon Ribeiro. 34.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1987. A gnese: Os milagres e as predies segundo o Espiritismo. Traduo Guillon Ribeiro. 25. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1982. O que o Espiritismo.Traduo Guillon Ribeiro. 55.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2009. Obras pstumas. Traduo Guillon Ribeiro. 27.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1995. REVISTA ESPIRITA: jornal de estudos psicolgicos. Publicada sob a direo de Allan Kar dec, em Paris, 1858- 1869. Rio de Janeiro: FEB, 2005. 12v. PADOVANI, H.; CASTAGNOLA, L. Histria da filosofia. 4. ed. So Paulo: Melhoramentos, 1961. SANTANNA. Hernni T. Universo e vida. Pelo Esp rito ureo.2.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1987. SCHELLINQ Friedrich von. Obras escolhidas. Seleo, traduo e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho.5. ed. So Paulo: Nova Cultural, 1991. (Coleo Os Pensadores.) THIESEN, S. O Livro dos Espritos e a fsica moderna: Os Espritos antecipam a Verdade Reformador. Ano 117, n. 2045, p. 20-23,ago.l999. XAVIER, Francisco Cndido; VIEIRA, Waldo. Evoluo em dois mundos. Pelo Esprito Andr Lui z. 7. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1983. Mecanismos da mediunidade. Pelo Esprito Andr Luiz.9.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1986 .

Captulo 3 ENTENDEI-VOS QUANTO S PALAVRAS I. "Deveis entendervos quanto s palavras", dizemnos os Espritos Orientadores da Hu manidade, em vrios momentos atravs da Codificao de Kardec, pois o fundamental a ideia, ou seja, a essncia, que se contrape aparncia. No caso, a aparncia pode vari ar segundo a lngua usada, o falante, a cultura que a lngua expressa, o ambiente particular do usurio, tanto cultural, quanto mental e emocional. II. A codificao da mensagem Cada sistema lingustico espelha e traduz a viso de mundo de um povo e a percepo que tem da realidade. As estruturas frasais de uma lngua revelam esses mecanismos perceptuais e filosfico-antropolgicos, como acontece, por exemplo, com as formas v erbais das lnguas portuguesa e inglesa, no que diz respeito a uma ao realizada no passado: a inglesa tem mais tempos verbais para design-la, porque para os povo s que a falam importante a categoria aspectual da ao, ou seja, se a ao j terminou no passado ou se ainda est em curso no momento presente, se o falante sa be disso ou no, ou mesmo 59 se deseja que o interlocutor disponha dessa informao, e assim por diante. Um ato comunicativo em linguagem verbal implica em raciocnio, ideia e palavra. No s atos de comunicao do Evangelho, o raciocnio impecvel da parte de Jesus, e o que se encontra nos demais elementos que integram o Novo Testamento foi supe rvisionado por Espritos Superiores, como, alis, ocorreu tambm com a Codificao da Doutrina Esprita. 2.1 O raciocnio lgico e a lgica do Evangelho Desde Aristteles, principalmente, passando pela especulao lgica de Descartes e de al guns outros, que se fala em raciocnio lgico, pois h necessidade de se observarem certas regras estabelecidas nesse campo da Filosofia, e que so ainda h oje a base da cincia e de correntes filosficas para construir seu posicionamento. Nossa civilizao ergueu-se com essa lgica, mas o raciocnio do Evangelho, que desvela uma lgica diferente da lgica humana, cartesiana, permanece ainda hoje como um grande desafio para a compreenso das verdades eternas de que Jesus se fez emis srio e portador. Afinal, como entenderse a orientao de dar a outra face ao ofensor, dar a tnica a quem roubou o manto, andar mais uma lgua com quem pediu que se camin he uma? Eis a lgica desconcertante, instigante e desafiadora do Evangelho. 2.2 A ideia Pois dos raciocnios lgicos que surgem as ideias, novas ou no. Em Lingustica, elas se chamam significado, instncia mental que no se traduz por palavras, letras, 60 fonemas, mas por conceitos, imagens. Isso fica particularmente claro no aprendiz ado de lnguas estrangeiras, pois a traduo para a lngua materna interferncia grave no processo mental do aprendiz e compromete a qualidade e o prprio uso corr ente daquela lngua. Ideia a noo que o esprito forma de alguma coisa, tem carter intelectual, que a distingue do sentimento, e tem que ser "clara e distint a": segundo Descartes, ela pode provar-se, explicar-se. 2.3 A palavra A palavra o significante, o que "veste" a ideia com os elementos lingusticos. Cad a falante faz um uso do sistema lingustico e em funo do conjunto de experincias que tenha tido em todos os nveis da existncia, constitui um repertrio maior ou meno r de significantes, de palavras, para expressar-se e compreender o que outros

expressam. Se estas questes, que so as bsicas, j apresentam sutilezas e dificuldades para a anlise de um ato de comunicao entre homens, inimaginvel o tamanho do desafio, quando se trata de "vestir", expressar linguisticamente as ideias do Cristo, ou seja, de codific-las, na linguagem dos homens. Deve haver certamente uma srie de outras razes pelas quais Jesus e Scrates no escreveram nada, mas esta, s em dvida, deve estar entre elas, alm de algumas outras, que passamos a comentar em seguida. Um sistema lingustico, ou de representao lingustica, um organismo vivo, no existe par ado no tempo - a no ser que seja uma lngua no mais falada, como o latim - e suas caractersticas e possibilidades esto a servio da comunicao e do entend imento entre os homens na Terra. Um desses mecanismos o cunhar palavras. Mas s se criam palavras 61 para representar o que j est na faixa de experincia da comunidade lingustica, ou sej a, a palavra vem depois da ideia: no se cria nenhuma palavra sem que ela tenha a funo de designar alguma coisaideia. Portanto, para a Lingustica, o sistema s cunha uma palavra a posteriori, vale dizer, depois que o objeto ou coisa, situao, ideia, teoria j existe como realidade mental, ou ideia, dos homens. Isto fica bastante claro quando nos deparamos frequentemente, nos livros da Codi ficao e nas obras espritas de um modo geral, com expresses que nos aconselham e at advertem para nos entendermos quanto s palavras, ou seja, que devemos decidir que significantes - ou palavras - vamos usar para designar algumas ideias que os Espritos Superiores nos oferecem.

A importncia da questo evidente. Com ela Kardec abre a Codificao na parte I da Intro duo a O Livro dos Espritos: "Para se designarem coisas novas so precisos termos novos. Assim o exige a clareza da linguagem, para evitar a confuso inerent e variedade de sentidos das mesmas palavras." Logo em seguida, iniciando a parte II, da mesma Introduo: "H outra palavra [alma] acerca da qual importa igualmente qu e todos se entendam, por (...) ser objeto de muitas controvrsias, mngua de uma acepo bem determinada... A divergncia de opinies... provm da aplicao particular que cada um d a esse termo. Uma lngua perfeita, em que cada ideia fosse expressa por um termo prprio, evitaria muitas discusses." E mais frente, ain da discutindo o uso da palavra alma, que carreia trs ideias distintas: "... considerando apenas o lado lingustico da questo... O mal est em a lngua dispor somen te de uma palavra para exprimir trs ideias... o que se faz mister o entendimento entre todos,...". 62 E um pouco mais frente ainda: "Assim, aquela palavra no representa uma opinio: um Proteu, que cada um ajeita a seu bel-prazer." 2.4 O depoimento dos Espritos sobre a dificuldade parte de outros exemplos em O Livro dos Espritos, lembramos a passagem de Paulo e Estvo, em que Paulo, ao transpor os umbrais da eternidade, surpreendido por cariciosa melodia cuja beleza , segundo o autor espiritual Emmanuel, pela psi cografia de Francisco Cndido Xavier, "intraduzvel na linguagem humana."1 Em O cu e o inferno, Kardec transcreve a resposta que deu o Esprito Sr. Cardon sol icitao de descrever minuciosamente o que vira no intervalo entre suas duas mortes, ou seja entre uma EQM, ou experincia de quase morte, e a desencarnao: "O qu e vi... E podereis compreend-lo? No sei, visto como no encontraria expresses apropriadas compreenso do que pude ver durante os instantes em que me foi possvel deixar o envoltrio mortal." Em seguida, o Esprito Eric Stanislas pergunta: "De que expresses nos servirmos, que traduzam a felicidade dos irmos, desencarnado s, ao perscrutarem o amor que une a todos?"2 Em Devassando o invisvel, Yvonne A. Pereira informanos que "desde o aparecimento

da Codificao, queixam-se 63 as entidades espirituais elevadas da deficincia do vocabulrio humano para expressa r a vertiginosidade da palavra dos Espritos, das dificuldades, das barreiras contra que lutam nossos Guias para escreverem as grandezas do mundo invisvel." E mais frente, relatando a prpria experincia como mdium: "No encontramos vocbulos apropriados para poder bem descrever o que ento [pela viso medinica] se passa."3 E j que o sistema de representao lingustica s cunha um significante para designar uma realidade obviamente j existente, conclui-se que no h, a rigor, linguisticamente falando, sinonmia, eis que cada palavra carreia um sentido especfico, e eventualme nte tambm uma carga emocional ou sutileza prpria, o que fica claro quando se estuda qualquer texto, e principalmente o Evangelho. Assim, o sistema lingustico um sistema de equilbrios: no h duas palavras para ocupar um s espao de significado(s) . 2.5 O desafio da traduo Sobressai ento a questo da traduo, que implica em conhecer excelentemente os dois si stemas lingusticos, o que inclui conhecer as nuanas da viso de mundo da comunidade falante daquele sistema, bem como a carga emocional e as sutilezas ca rreadas por cada significante ou palavra. Nesse campo cumpre ainda considerar a realizao do sistema: a) no momento em que us ado - ou sincronia, sem a preocupao de como o sistema ou estrutura lingustica evoluiu no tempo; e b) em sua evoluo ao 64 longo do tempo - ou diacronia. A verdade sincrnica e a verdade diacrnica confluem na sntese ampla da lingustica pancrnica: "Todo fato lingustico deve ser considerado no sistema de que parte, e na sua histria, que a histria do prprio sistema."4 No caso do Evangelho, cumpre-nos considerar o uso da lngua poca do Cristo e sua re alizao ao longo do tempo, incluindo-se a os textos produzidos pouco depois d'Ele. Sem se apreciar o quadro sincrnico e o diacrnico, apresentamse dificuldades . Um exemplo est no fato de algumas palavras carem em desuso, em funo de a lngua ser um organismo vivo, portanto, mutvel. Assim, quando uma ideia no mais vigora no universo de um grupo ou povo, aquela co munidade lingustica "esquece" o significante, ou palavra, correspondente: ela pode continuar nos arquivos, livros, bibliotecas, na memria de alguns, mas cai em desuso. Pode tambm acontecer que a palavra assuma uma conotao rejeitada pela cultura, ou a coisa que ela designa tenha-se alterado cultural ou sociologicamen te falando: assim, algumas palavras "envelhecem", como, por exemplo, no caso da lngua portuguesa hoje no Brasil, o uso quase exclusivo das palavras "alpargata", "alpa rcata", com variao "alpercata", e "merenda" por pessoas idosas, ou ainda, o caso da palavra "corpinho", anterior ao suti. 3. A codificao da mensagem de Jesus e Scrates Essas brevssimas anotaes comeam a delinear algu65 mas possveis razes pelas quais Jesus e Scrates no escreveram nada de prprio punho, de ixando a tarefa do registro lingustico, importantssimo, alis, para Plato e para os evangelistas, que "vestiram" as ideias com as possibilidades da lngua d e que se serviam. que cada falante ou usurio faz seu uso, pessoal, do sistema lingustico. Portanto, para as grandes mensagens foram escolhidos usurios dotados de capacidad e lingustica e/ou de sensibilidade para a captao de nuanas das ideias que lhes

eram apresentadas. xpressar as Ideias era necessrio que soramento especial

Na verdade, sistema lingustico algum teria instrumental para e que Jesus trouxe Sua poca, e mesmo em nossos dias. Portanto, homens escrevessem segundo sua prpria percepo, ainda que com asses de Espritos Superiores.

Jesus e Scrates traziam verdades, ou expresses da Verdade, que no poderiam ser trad uzidas por qualquer sistema lingustico, ou porque a ideia era inteiramente nova, ou porque as nuanas novas que traziam no encontravam possibilidades nas estr uturas frasais da lngua que usavam. No caso do Evangelho, foram necessrios quatro evangelistas, cada um para dar conta de uma angulao das questes e lies que o C risto trazia, eis que um homem apenas no daria conta de todas as angulaes, sutilezas, nuanas e conotaes necessrias percepo dos homens ao longo dos tempos, como or exemplo, Mateus, cujo Evangelho fala predominantemente individualidade enquanto que o de Lucas fala especialmente personalidade. 66 Os Espritos Superiores afirmam, atravs do trabalho de Roustaing, que a narrativa d e qualquer dos Evangelhos no deve ser separada da dos demais evangelistas, porque "elas se explicam e completam mutuamente, quanto s particularidades. O fundo, com relao aos fatos , em todas, o mesmo. Cada narrador, como sabeis, escreveu dentro do quadro que lhe fora traado pela inspirao medinica, mas conservando a independncia prpria da natureza que lhe era peculiar."5 Para enunciarem as verdades que traziam, Jesus e Scrates valeram-se muito de recu rsos que hoje se inscrevem no campo que conhecemos como inteligncia emocional, em parte porque o estgio intelecto-moral de seus interlocutores no lhes permitiria alcanar a profundidade das Ideias de que eram portadores. Por isso recorreram ao caminho, ou porta, da emoo, ainda que por intermdio da razo, como no caso da maiut ica socrtica, que mobiliza o ntimo do interlocutor em seus valores e percepes, auto- e heteropercepes. Jesus valeu-se de metforas, como nos ensinos parabli cos, a exemplo do que acontece tambm com todas as simbologias das cenas do Apocalipse de Joo. Mas como, ento, foi possvel a eles transmitir as ideias que traziam? Ideia, relemb ramos aqui, noo que o esprito forma, e que distinta, por seu carter intelectual, do simples sentir. A natureza da ideia tem povoado as discusses filosficas ao long o dos tempos. Descartes considerou-a como simples representao, maneira de um "quadro", mas na 67 verdade uma ideia no se representa, compreendida; e isso ocorre mediante uma "rel ao intelectual", ou seja, a ideia coincide com um movimento do esprito, definindo-s e assim, com Leibniz, como "tendncia".

J quanto origem, as ideias podem resultar da experincia, chamadas por Descartes de "adventcias", e so "gerais", no sentido em que resultam da repetio de um certo nmero de fatos em uma ordem imutvel. Classifica-se como idia geral, por ex emplo, o frio vir com o inverno e o calor com o vero. Ao longo das encarnaes, o Esprito, ainda que refratrio s consideraes de ordem tico-moral, acabar compreendendo pelas experincias reencarnatrias, a relao entre escolha-ao, e consequncia-reao. H tambm as ideias que tm origem no esprito humano: so as ideias inatas, ou conceitos a priori, como a ideia do dever moral, de justia e tantas outras, inscritas no esprito antes de qualquer experincia, como formulou Kant. Essas ideias no so gera is, so universais. Temos exemplos disso em Dilogos de Plato, que reproduz as conversas de Scrates sobre o que so a justia, a coragem e assim por diante. O fundamento doutrinrio est em O Livro dos Espritos, questo 621: "Onde est escrita a lei de Deus?" "Na conscincia." E por que Jesus, Scrates e outros missionrios precisaram comparecer ao cenrio terrestre para revel-la ao homem? Respondem os Espr

itos Superiores a Kardec na questo 621a: "Ele a esquecera e desprezara. Quis ento Deus lhe fosse lembrada." Para tal fez-se necessrio codific-la, at onde isso po ssvel, na lngua dos 68 homens. Porque para cada tipo de pensamento h um tipo de linguagem adequado. Para o pensamento abstrato e conceituai, que se afasta do sensvel (relativo aos senti dos), do individual, a lngua se apresenta como condio necessria, por ser um sistema de sig nos simblicos que nos permite transcender o dado vivido e construir um mundo de ideias. 4. Alguns recursos didtico-pedaggico-lingusticos de Jesus Para trazer luz do entendimento racional a Lei que est inscrita na conscincia, Jes us usou figuras ligadas experincia direta, sensvel, da vida cotidiana como o campo, colheita, moedas, redes, animais e assim subsequentemente. Incluem-se n essa esfera imagtica, dentre muitos outros elementos, espada, inimigos, diviso, cujos significados, no que diz respeito ao entendimento e codificao lingustica prpri os dos homens, esto em contradio com o conjunto filosfico, tico-moral da Mensagem do Cristo. E que o universo lingustico humano no tem possibilidades pa ra expressar, nem mesmo hoje, as Ideias de Jesus, porque a viso de mundo dos homens no abrange a grandeza da Vida e da beleza espiritual. Em que se baseia ento essa estratgia didtico-pedaggica de Jesus? Estamos diante de b asicamente duas questes: uma de natureza filosfica e outra de natureza lingustica. Do ponto de vista filosfico, e tambm didtico, podemos dizer que essa estratgia consi ste em recorrer imagem para chegar ao conceito. Em Lgica, nos casos citados, a imagem uma representao mental - porque, se fecharmos os olhos, temos a imagem da moeda, da rede e assim por diante - mas , ao 69 mesmo tempo, de natureza sensvel, ou seja, que vem dos sentidos, e, por isso, de certa forma, concreta e particular. J o conceito ou ideia a representao intelectual de um objeto, e, portanto, imaterial, abstrata e geral, caso em que no interessa se a rede grande ou pequena, clara ou escura: importa que tenha as caractersticas essenciais que tornem o objeto uma rede. No mbito da Lingustica, a questo pode ser ilustrada se lembrarmos as lnguas dos povo s para expressar, por exemplo, a ideia "neve". Como cada sistema lingustico revela a percepo ou viso de mundo de um povo, reala ento o fato de que a linguagem el ege determinadas partes da realidade para nomear, e nesse sentido ela "recorta" a realidade. Exemplo clssico o da lngua esquim, que tem seis significantes, ou pala vras, para designar os estados da neve, enquanto que em portugus temos apenas uma palavra, no havendo, no repertrio de nossa lngua, outras opes previstas. Nesse qu adro, o essencial identificar, no nmero maior de palavras, a percepo da realidade desse povo, porque para ele, at pelo seu habitat e forma de vida, im portante descrever os vrios estados da neve, enquanto que, para ns, basta perceber se h neve ou no. 5. A dificuldade de decodificar passagens do Evangelho A residem muitas das dificuldades que temos para interpretar vrias passagens do Ev angelho, como por exemplo, o uso da palavra "irmos", quando Mateus (XII, vv. 46 a 50) e Marcos (III, vv. 20,21 e 31 a 35) relatam que Sua me e Seus irmos mandaram c ham-Lo, e reproduzem, com as mesmas palavras, o que o povo diz a Jesus, provando que as palavras eram do uso comum daquela comunidade lingustica. Os evangelistas registram tambm a resposta de Jesus, indagando quem eram Sua me e Seus irmos, e definindo que esses so aqueles que fazem

a vontade de Deus. A est explicitado o diferente "recorte" da realidade, espelhando a percepo e viso de mundo dos homens da poca de Jesus, considerando a consanguinidad e abrangendo primos e co-irmos como irmos, e as dos homens de hoje, que as consideram de modo mais restrito, reservando, portanto, a palavra "irmos" apen as para designar filhos do mesmo pai e da mesma me. A essa percepo contrape-se a de Jesus, Cujo descortino abrange no a famlia consangunea unicamente, mas a famlia universal. Apesar de ser mecanismo prprio dos sistemas lingusticos, o uso da mesma palavra para designar percepes diferentes da realidade tem-nos trazid o dificuldade para a compreenso dos textos evanglicos. Situao anloga a de outras passagens, nas quais encontram-se, por exemplo, as palavr as "inimigos" e "diviso", que, no entendimento que nos fica da mensagem do Cristo, so-lhe contrrias, na verdade, contraditrias. No contexto do Evangelho, i sto mais ainda assim se configura, se a elas associar-se a palavra amar, como no "Amai os vossos inimigos". Mas que lngua humana poder, mesmo hoje, designar a viso que nos trouxe o Cristo? ce rto que as lnguas, sendo organismos vivos, podem alterar-se, e j poderiam at ler-se alterado em seu repertrio, ter feito cair em desuso a palavra inimigo, e ter criado outra(s) palavra(s) para designar adversrios temporrios, considerado o continuum do tempo de vrias encarnaes. Mas, para isso, seria necessrio 71 que o homem j tivesse avanado moralmente a ponto de perceber a realidade da condio d e efemeridade das averses, entendendo-as como passageiras, ainda que essa condio se consubstancie ao longo de vrias experincias encarnatrias. O mesmo se a plica passagem de Lucas (XIV, vv. 25 a 27 e 33) na qual Jesus dirige-se massa do povo: "Se algum vem a mim e no odeia a seu pai e a sua me, a sua mulher e a seus filhos, a seus irmos e irms, mesmo a sua prpria vida, no pode ser meu discpulo." E ainda, tambm por Lucas (XII, vv. 49 a 53), quando Ele diz que veio trazer a div iso entre as pessoas em uma casa, pois "estaro elas divididas umas contra as outras", reciprocamente pai e filho, me e filha, sogra e nora.s A tendncia humana belicosidade, no presente estgio evolutivo, imediatamente traz m ente a ideia de inimigo, guerra, animosidade. Tanto isso possvel acontecer, que tem acontecido, quando indivduos, grupos e mesmo Estados discordam entre si n o plano das ideias, o que logo se projeta para o plano da ao guerreira, em sentido explcito, ou metafrico, material, psicolgico, social, moral, espiritual. Esse o rec orte da percepo dos homens, mas certamente nunca foi o de Jesus, como consta das anotaes de Mateus (XII, 25): "Jesus, conhecendo-lhes os pensamentos, disse: To do reino que se dividir contra si mesmo ser destrudo e toda cidade ou casa que se dividir contra si mesma no subsistir." 72 Do ponto de vista da separao a que se refere Jesus, ocorre que, ao acatar-lhe a pa lavra, o Esprito muda a sua percepo do mundo e da vida; h, portanto, um alteamento do padro vibratrio. Foi o que aconteceu com Lvia e Publius Lentulus, na obra H dois mil anos, pelo Esprito Emmanuel, pela psicografia de Francisco Cndido Xavier: continuaram a amar-se, embora vibratoriamente tenha acontecido essa separao, ou, n os termos que encontramos no Evangelho, essa diviso. 6. Essncia e aparncia na decodificao da moral do Evangelho Kardec discute a Estranha Moral do Evangelho abordando a contradio, que sabemos ap arente apenas, dos ensinos sobre a paz e a espada, a separao da famlia, o fogo lanado Terra para que ela logo se acenda, concluindo que no h contradio nem blas fmia, e que apenas a forma, "um pouco equvoca", "no lhe exprime com exatido o pensamento, o que deu lugar a que se enganassem relativamente ao verdad eiro sentido delas."

Kardec observa que "Jesus no podia desmentir-se" e ao usar a palavra "equvoca", o Codificador optou por esclarecer o significado que correntemente a palavra carre ia, por isso conclui que "a forma no lhe exprime com exatido o pensamento". Tal explic ao, na verdade, aplica-se a toda e qualquer palavra escolhida e usada pelos evangelistas quando Lhe codificaram os ensinos, pelos motivos que j expusemos. 73 A palavra, em sentido corrente, significa "engano", e mesmo "erro", e tambm "ambgu o". Mas, se tomarmos o texto do prprio Kardec sob a tica da Filosofia, mais especificamente no campo da lgica, verificamos que o termo "equvoco" significa "o que tem vrios sentidos ou interpretaes", mas no na acepo de ambiguidade. Esta, no campo da Filosofia, implica em astcia, em funo de ser ato voluntrio, enquan to que o equvoco frequentemente implica em uma ideia de inadequao, o que pode ser inevitvel como ato involuntrio. Assim, uma ambiguidade "denuncia-se", enq uanto que um equvoco dissipa-se. Como o quadro inscreve-se na esfera do humano, ou seja, dos evangelistas, mesmo com a superviso dos Espritos Superiores, o que no s cumpre fazer: dissipar o sentido "equvoco" nos ensinos evanglicos. Ao texto do Evangelho, tanto mais se aplica tal distino conceitual, quanto mais se reala a situao de que Jesus, de Si mesmo, nada escreveu, ou seja, no usou a linguagem verbal escrita por Si mesmo, pois, por mais que recorresse aos mecan ismos das lnguas na Terra, ainda assim no conseguiria expressar convenientemente as ideias de que era portador, mngua de recursos lingusticos nos sistemas no plane ta. Por isso, ainda hoje os Espritos Superiores nos aconselham e advertem: "Deveis en tender-vos quanto s palavras" , respondendo a pergunta n2 28 em O Livro dos Esprit os: As palavras pouco nos importam. Compete-vos a vs formular a vossa linguagem de ma neira a vos entenderdes. As vossas controvrsias provm, quase sempre, de no vos entenderdes acerca dos termos que empregais, por ser inc