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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Relações Internacionais SEGURANÇA, DESENVOLVIMENTO E RECONSTRUÇÃO DE ESTADOS: O caso da Libéria (2003-2008) Letícia Carvalho de Souza Belo Horizonte 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Relações Internacionais

SEGURANÇA, DESENVOLVIMENTO E RECONSTRUÇÃO

DE ESTADOS:

O caso da Libéria (2003-2008)

Letícia Carvalho de Souza

Belo Horizonte

2010

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Letícia Carvalho de Souza

SEGURANÇA, DESENVOLVIMENTO E RECONSTRUÇÃO

DE ESTADOS:

O caso da Libéria (2003-2008)

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Relações Internacionais da

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,

como requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Relações Internacionais.

Orientador: Paulo Luiz Moreaux Lavigne Esteves

Belo Horizonte

2010

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Letícia Carvalho de Souza

Segurança, Desenvolvimento e Reconstrução de Estados:

O caso da Libéria (2003-2008)

Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora designada pelo Colegiado do

Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais, como parte dos requisitos necessários para obtenção do grau de Mestre em

Relações Internacionais.

Belo Horizonte, 2010.

___________________________________________

Prof. Dr. Paulo Luiz Moreaux Lavigne Esteves (Orientador) – PUC Minas

___________________________________________

Prof. Dr. João Pontes Nogueira – PUC Rio

___________________________________________

Prof.ª Dra. Matilde de Souza – PUC Minas

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Para o meu querido Otávio, senhor das magias

coincidentes, encantador de computadores e melhor

companheiro do mundo, que torna minha vida muito

mais feliz... E mais fácil também!

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq –

Brasil, pelo apoio e financiamento concedidos por meio do Programa Renato Archer de Apoio

à Pesquisa em Relações Internacionais.

Ao meu orientador, a pessoa mais brilhante e generosa que conheço, por todas as lições

(aprendidas ou não), pela adoção durante todos esses anos... Vou sentir demais a sua falta!

À minha mãe, confidente e colaboradora de todas as minhas idéias maluquinhas, pela

curiosidade e pelos olhos atentos que devem ter passado por essas páginas quase tanto quanto

os meus.

Ao meu pai, que sempre me viu correndo mundo e me faz ir mais longe.

Ao meu irmão Pedro, que me acha tão sabida e me ensina tanto...

Ao meu querido Otávio, pelo amor e pela compreensão em todas as coisas, grandes e

pequeninas.

Aos meus avós, que trouxeram alegria para o meu nome e a renovam, sempre, me ensinando a

colorir a vida.

Às minhas tias Marta, Ana e Rita, à Helena e à galera do sítio, por tudo.

À Lelena, amiga querida, companheira de andanças e guardiã das minhas palavras.

Aos meus caros amigos, pela compreensão diante dos encontros que perdi, dos convites que

não pude aceitar e dos filmes que não vimos nos últimos tempos, com açúcar, com afeto!

Aos meus professores, colegas e a todo o pessoal do Mestrado, por terem tornado esses anos

muito mais interessantes, agradáveis e divertidos do que eu jamais imaginei!

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RESUMO

A dissertação trata das principais transformações dos mecanismos de segurança coletiva após

o fim da Guerra Fria, com ênfase nas operações de manutenção da paz (OMP) e reconstrução

de Estados, realizadas pela ONU. Mais especificamente, pretende-se discutir o processo de

emergência das operações multidimensionais e a reorganização das atividades relacionadas a

elas em três grandes áreas – segurança, assistência humanitária e assistência ao

desenvolvimento – e a abertura à participação de um leque diverso de atores, com base na

operação realizada na Libéria, entre 2003 e 2008. A pesquisa orientou-se por duas hipóteses

de trabalho: (i) a reformulação das OMP relacionou-se à emergência de um novo

entendimento acerca da paz e dos caminhos para alcançá-la, informada pela consolidação de

um nexo discursivo entre segurança e desenvolvimento; e (ii) tal nexo rearticulou a segurança

como condição para o desenvolvimento e, paralelamente, o desenvolvimento como elemento

essencial para a manutenção da segurança a longo prazo.

Palavras-chave: Segurança; Desenvolvimento; Operações de Manutenção da Paz;

Governamentalidade; Paz Democrática; Libéria.

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ABSTRACT

This dissertation explores major transformations of collective security mechanisms

after the Cold War, emphasizing UN peacekeeping operations and State reconstruction

processes. Specifically, it discusses the emergence of multidimensional operations, the

reorganization of its tasks in three critical areas – security, humanitarian assistance and

development assistance – and the participation of various actors, based on the operation that

took place in Liberia, between 2003 and 2008. The research sets out two hypothesis: (i) the

rise of multidimensional peacekeeping operations relates to the emergence of a new

understanding of peace and the means that lead to its establishment, informed by a security-

development nexus; and (ii) this nexus rewrites security as a condition for development, and,

at the same time, development as an essential condition for long-term security.

Key-words: Security; Development; Peacekeeping Operations; Governmentality; Democratic

Peace; Liberia.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: Mecanismos de manutenção da paz ............................................................... 49

FIGURA 2: Fases e principais atividades das operações de manutenção da paz

multidimensionais ............................................................................................................ 50

FIGURA 3: Organograma da UNMIL .............................................................................. 78

FIGURA 4: Organograma do Escritório Imediato do Representante Especial do

Secretário-Geral ............................................................................................................... 79

FIGURA 5: Distribuição das Políticas de Reconstrução do Estado na Libéria nas áreas

de Segurança (OMP), Assistência Humanitária (CAP) e Assistência ao

Desenvolvimento (UNDAF) ............................................................................................ 104

FIGURA 6: Distribuição das Organizações que participam do processo de

reconstrução da Libéria nas áreas de Segurança (OMP), Assistência Humanitária

(CAP) e Assistência ao Desenvolvimento (UNDAF) ........................................................ 106

FIGURA 7: Processo de reconstrução da Libéria e a formulação da UNDAF ................... 137

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LISTA DE MAPAS

MAPA 1: Deslocamento das milícias, confrontos com o governo e fluxos

populacionais na Libéria (2003) ....................................................................................... 74

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1: Número de Operações de Paz realizadas pela ONU por década. .................. 38

GRÁFICO 2: Voz e Accountability na Libéria (1996-2008) .............................................. 124

GRÁFICO 3: Qualidade da Regulação na Libéria (1996-2008) ........................................ 124

GRÁFICO 4: Estabilidade Política na Libéria (1996-2008) .............................................. 124

GRÁFICO 5: Primado da Lei na Libéria (1996-2008) ...................................................... 124

GRÁFICO 6: Efetividade do Governo na Libéria (1996-2008) ......................................... 124

GRÁFICO 7: Controle da Corrupção na Libéria (1996-2008) .......................................... 124

GRÁFICO 8: Performance econômica (evolução do PIB per capita em dólares norte-

americanos) e tensão política na Libéria (1960-2005) ....................................................... 129

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1: Principais componentes da Doutrina Capstone ............................................ 47

QUADRO 2: OMP realizadas pela ONU (1948-1989) e principais componentes do

mandato ........................................................................................................................... 53

QUADRO 3: OMP realizadas pela ONU (1990-2009) e principais componentes do

mandato ........................................................................................................................... 57

QUADRO 4: Componentes da UNMIL e Ocorrência por Ano (2003-2008) ..................... 85

QUADRO 5: Componentes da UNMIL e Elementos a eles relacionados (2003-2008) ...... 86

QUADRO 6: Componentes do CAP e Ocorrência por Ano (2003-2008) .......................... 91

QUADRO 7: Componentes do CAP e Elementos a eles relacionados (2003-2008) ........... 92

QUADRO 8: Componentes da UNDAF e Ocorrência por Ano (2003-2008) .................... 99

QUADRO 9: Componentes da UNDAF e Elementos a eles relacionados (2003-2008) ..... 100

QUADRO 10: Principais objetivos da PRS, UNDAF e sua relação com as Metas de

Desenvolvimento do Milênio ........................................................................................... 136

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1: Valores adicionados por setor na Libéria (1987-2005), em dólares norte-

americanos ....................................................................................................................... 129

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LISTA DE SIGLAS

ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados

ACS – American Colonization Society

AG – Assembleia Geral

BM – Banco Mundial

BoB – Bureau of Budget

CAP – Consolidated Appeal Process

CBL – Banco Central da Libéria

CBO – Organização de Base Comunitária

CCA – Common Country Assessment

CDU – Conduct and Discipline Unit

CHAP – Consolidated Humanitarian Appeals

CSH – Comissão sobre Segurança Humana

COE – Contingent Owned Equipment System

CS – Conselho de Segurança

CGG – Comissão sobre Governança Global

CSO – Organização da Sociedade Civil

DDRR – Desarmamento, Desmobilização, Reabilitação e Reintegração

DFS – Department of Field Support

DPKO: Department of Peacekeeping Operations

DST – Doenças Sexualmente Transmissíveis

EACDH – Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos

ECOMIL: Economic Community of West African States‘ Mission in Liberia

ECOMOG: Economic Community of West African States‘ Monitoring Group

ECOWAS: Economic Community of West African States

EUA – Estados Unidos da América

FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação

FFT – Food for Training (Trabalho por Instrução)

FFW – Food for Work (Trabalho por Comida)

FMI – Fundo Monetário Internacional

GAC – Comissão Geral de Auditoria

GEMAP – Governance and Economic Management Assistance Program

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GOL – Governo da Libéria

GRC – Comissão de Governança e Reforma

GSA – Agência de Serviços Gerais

GTZ – Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit

HIV/AIDS – Vírus da Imunodeficiência Humana/Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

IBRD – International Bank for Reconstruction And Development

ICISS – International Commission on Intervention and State Sovereignty

ICRC – Comitê Internacional da Cruz Vermelha

IDPs – Internally Displaced Persons

IEC – Informação, Educação e Comunicação

IFC – International Finance Corporation

IMPP – Integrated Mission Planning Process

ITS – Integrated Training Service

JAM – Joint Assessment Missions

LPRC – Corporação de Refino de Petróleo da Libéria

LSD – Logistics Support Division

LURD – Liberians United for Reconciliation and Democracy

MIGA – Multilateral Investment Guarantee Agency

MLME – Ministério da Fazenda, Mineração e Energia

MODEL – Movement for Democracy in Liberia

MoF – Ministério das Finanças

MTP – Medium Term Plan

NFI – non-food items

NPA – Autoridade Portuária Nacional

NPFL – National Patriotic Front of Liberia

OCHA – Office for the Coordination of Humanitarian Affairs

OI – Organização Internacional

OIM – Organização Internacional para as Migrações

OIT – Organização Internacional do Trabalho

OMP – Operações de Manutenção da Paz

ONG – Organização Não-Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

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ONUC – United Nations Operation in the Congo

OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte

OUA – Organização da União Africana

PBPS – Peacekeeping Best Practices Section

PCNA – Post-Conflict Needs Assessment

PETD – Policy Evaluation and Training Division

PIB – Produto Interno Bruto

PNUD – Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento

PRC – People‘s Redemption Council

PRS – Poverty Reduction Strategy

PRSP – Poverty Reduction Strategy Papers

SGBV – Sexual and Gender-Based Violence (Violência Sexual e de Gênero)

TI – Tecnologia da Informação

UNAIDS – United Nations Joint Programme on HIV/AIDS

UNAMSIL: United Nations Mission in Sierra Leone

UNCT – United Nations Country Team

UNDAF – United Nations Development Assistance Framework

UNDG – United Nations Development Group

UNDOF – United Nations Disengagement Observer Force

UNEF I – First United Nations Emergency Force

UNEF II – Second United Nations Emergency Force

UNESCO – United Nations Economical Social and Cultural Organization

UNFICYP – United Nations Peacekeeping Force in Cyprus

UNFPA – Fundo de População das Nações Unidas

UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher

UNIFIL – United Nations Interim Force in Lebanon

UNMIL – United Nations Mission in Liberia

UNMOGIP – United Nations Military Observer Group in India and Pakistan

UNOL – United Nations Peace-building Support Office in Liberia

UNOMIL – United Nations Observer Mission in Liberia

UNOPS – United Nations Office for Project Services

UNTSO – United Nations Truce Supervision Organization

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

WATSAN – Abastecimento de Água e Saneamento

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WBG – World Bank Group

WFP – World Food Programe

WVI – World Vision International

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 17

2 OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ E TRANSFORMAÇÕES DO

SISTEMA DE SEGURANÇA COLETIVA .................................................................. 22

2.1 Paz e Estabilidade no Sistema Internacional da Guerra Fria ................................ 23

2.2 Pós Guerra Fria: uma Agenda para a Paz .............................................................. 30

2.3 Transformações Operacionais ................................................................................. 38

2.4 Doutrina Capstone .................................................................................................... 46

2.5 Transformações do Sistema de Segurança Coletiva ............................................... 52

3 SEGURANÇA, ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA, ASSISTÊNCIA AO

DESENVOLVIMENTO E RECONSTRUÇÃO DO ESTADO NA LIBÉRIA ............ 68

3.1 Breve História da Libéria ........................................................................................ 69

3.2 UNMIL: multidimensionalidade e reconstrução do Estado na Libéria ................. 73

3.3 Organização da Missão ............................................................................................ 82

3.3.1 Segurança ............................................................................................................... 83

3.3.2 Assistência Humanitária ........................................................................................ 88

3.3.3 Assistência ao Desenvolvimento ............................................................................. 95

3.3.4 Nexo entre segurança, desenvolvimento e assistência humanitária ....................... 102

4 GOVERNAMENTALIDADE E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL ............................ 108

4.1 Governamentalidade e constituição de Estados na Modernidade .......................... 109

4.2 Emergência de um espaço internacional governamentalizado ............................... 113

4.3 Governamentalização internacional pela via liberal-democrática ......................... 118

4.4 Segurança, desenvolvimento e transformação social na Libéria ............................ 128

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 139

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 141

APÊNDICE .................................................................................................................... 162

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1. INTRODUÇÃO 1

Os processos de construção e reconstrução de Estados são recorrentes ao longo da

história do que se conhece hoje como sociedade internacional. Seja nas guerras de

independência do século XVIII, ou nas Operações de Manutenção da Paz (OMP)

multidimensionais do XXI, a criação de arranjos estatais foi tomada como a principal maneira

de promover a estabilidade nas regiões em conflito e, de forma mais ampla, a manutenção da

ordem no sistema internacional. Ainda que os objetivos gerais tenham sido preservados, a

forma de realizá-los sofreu importantes transformações por séculos afora, com destaque para a

crescente participação das organizações internacionais. Particularmente, a partir da Segunda

Guerra Mundial, a (re)construção de Estados teve lugar em torno da Organização das Nações

Unidas (ONU), que se constituiu, desde então, em fórum de reconhecimento e ator

fundamental para tais processos.

O final da Guerra Fria marcou um importante ponto de inflexão para as atividades da

ONU, especialmente no que se refere às ações voltadas para a manutenção da paz e da

estabilidade internacionais. Nesse período, além do aumento da quantidade de operações,

pode-se observar uma mudança significativa dos tipos de conflito que demandaram

intervenção por parte da Organização. Se, no período da bipolaridade, as tropas da ONU eram

normalmente mobilizadas para auxiliar a resolução de conflitos entre Estados, agora se viam

compelidas a agir para solucionar conflitos internos e combater a deterioração das condições

econômicas, políticas, sociais e humanitárias. Como resposta a esses desafios, a ONU iniciou

um enorme esforço no sentido de estabelecer novas diretrizes de ação para intervir em

conflitos, o que culminou na produção de uma série de agendas e relatórios que inauguraram

o que Weiss, Forsythe e Coate (2004) chamaram de uma nova geração de operações de paz,

caracterizadas, fundamentalmente, pela multidimensionalidade.

Para além da demarcação de fronteiras e da restituição da soberania, as operações de

manutenção da paz multidimensionais prevêem a reconstrução ampla das instituições e da

infraestrutura dos Estados, de acordo com princípios de democracia e boa governança. Para

tanto, documentos como a Doutrina Capstone (2008), sugerem a divisão das ações

relacionadas à reconstrução em três áreas – segurança, assistência humanitária e assistência ao

desenvolvimento – e a participação mais incisiva, em cada uma delas, de atores

1 A elaboração do trabalho considerou as mudanças decorrentes da reforma ortográfica da língua portuguesa

(VOLP, 2009).

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especializados; como, por exemplo, as diversas agências da ONU, Organizações

Internacionais, Organizações Não Governamentais Nacionais e Internacionais, coordenadas

pela missão da ONU no país em reconstrução. Essas novas diretrizes parecem emergir em

meio à consolidação de um nexo discursivo entre segurança e desenvolvimento, no qual, cada

vez mais, a segurança passa a ser colocada como condição para que um Estado possa

conseguir, junto à sociedade internacional, os recursos necessários para levar à cabo seu

desenvolvimento; paralelamente, o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida das

populações são redefinidos como bases para a construção da paz e para a manutenção da

segurança e da estabilidade a longo prazo.

A elaboração do trabalho pautou-se na analítica interpretativa e na genealogia

foucaultianas, como instrumentos de re-descrição das práticas que produzem, reproduzem e

transformam a dinâmica social e política, moldando a forma como elas se apresentam para

nós hoje (RABINOW; DREYFUSS, 1995). Ambas dão atenção especial à linguagem e ao

discurso como elementos centrais da atividade cognitiva. Para Foucault, não existem verdades

exteriores ao discurso, e, mesmo as estruturas mais gerais de inteligibilidade e conhecimento,

são constituídas discursivamente. A linguagem não é vista a partir de sua suposta função

referencial, e, sim, como um estoque de ativos discursivos que constituem identidades,

habilitam espaços sociais e agenciam práticas políticas (SHAPIRO, 1992).

Os atos discursivos podem ser caracterizados pela pretensão de criar verdade e

inteligibilidade, o que só pode ser realizado quando aquele que enuncia é dotado de

autoridade discursiva (SHAPIRO, 1992). Essa autoridade é dada pela articulação entre poder

e conhecimento e sustenta as justificativas institucionalizadas e sistemáticas que afirmam

como verdade determinados atos discursivos. Os enunciados autorizados, isto é, capazes de

articular poder e saber, geram práticas discursivas que traçam linhas separando o que é

considerado normal e patológico; verdadeiro e falso. Essas distinções resultam de um embate

discursivo entre pretensões concorrentes de verdade, e de sua capacidade de normalizar o

mundo, valendo-se de práticas políticas que têm impacto material.

O que a genealogia faz é lançar um olhar diacrônico em relação à história, em uma

tentativa de dissolver a coerência das estruturas de verdade que sustentam a ordem e seus

processos de normalização (RABINOW; DREYFUSS, 1995). A genealogia permite ver como

político aquilo que é tido como natural (SHAPIRO, 1992), além de possibilitar uma

compreensão crítica da ordem e dos sistemas de significados que regem o mundo presente.

Como observa Foucault, ―para a genealogia não há essências fixas, nem leis subjacentes, nem

finalidades metafísicas. A genealogia busca descontinuidades ali onde desenvolvimentos

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contínuos foram encontrados‖ (FOUCAULT, 1979b, p.18). A verdade profunda que interessa

ao genealogista ―é o segredo de que [as coisas] não têm essência, ou que sua essência foi

construída, peça por peça, a partir de figuras que lhe eram estranhas‖ (p. 19). Diferente das

abordagens históricas tradicionais, que tomam aquilo que prevalece como natural e ignoram

possibilidades alternativas apresentadas por discursos derrotados, ―Foucault, como Nietzsche,

entende que há um leque indeterminado de ‗subjetividades‘ possíveis e que toda versão

institucionalizada da ‗subjetividade‘ representa uma vitória política‖ (SHAPIRO, 1992, p. 16,

tradução livre). 2

É importante notar que, para Foucault (1979c), o poder tem caráter dinâmico e

produtivo, não simplesmente repressivo; participa da constituição e da sustentação de

sistemas de valores e significados, da produção de sujeitos, da construção das identidades e do

conhecimento, perpassando a organização de todas as sociedades. Segundo o autor, o poder

deve ser considerado como uma ―rede produtiva que atravessa todo o corpo social, muito mais

do que uma instância negativa que tem por função reprimir‖ (FOUCAULT, 1979c, p. 8).

Assim, as práticas discursivas sancionadas pelo poder, e articuladas a ele, convertem-se em

economias políticas historicamente produzidas de significados, valores e práticas.

Partindo dessa perspectiva, estudou-se as principais transformações normativas,

institucionais e operacionais relacionadas às operações de manutenção da paz, em geral, e à

reconstrução de Estados, mais especificamente, para compreender como ocorre a distribuição

das ações da ONU nas três grandes áreas – segurança, assistência humanitária e assistência ao

desenvolvimento – e a interação entre elas, à luz de seu papel como instrumentos do sistema

de segurança coletiva. O recorte proposto refere-se às operações realizadas pela ONU após a

Guerra Fria, com ênfase no processo de reconstrução do Estado na Libéria, entre 2003 e 2008.

A pesquisa orientou-se por duas hipóteses de trabalho: (i) o processo de reformulação

normativa, institucional e operacional das operações de paz no pós Guerra Fria relacionou-se

à emergência de um novo entendimento acerca da paz e dos caminhos para alcançá-la,

informada pela consolidação de um nexo discursivo entre segurança e desenvolvimento; e (ii)

tal nexo rearticulou a segurança como condição para o desenvolvimento e, paralelamente, o

desenvolvimento como elemento essencial para a manutenção da segurança a longo prazo, o

que se refletiu na porosidade das fronteiras entre as áreas, fazendo com que a maior parte dos

projetos fosse desenvolvida de forma interligada.

2 ―Foucault, like Nietzsche, assumes that there is an indeterminant range of possible selves and that every

institutionalized version of the self represents a political victory‖.

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Para estudar a pertinência das hipóteses propostas, utilizou-se o método da análise de

discurso, tal como proposto por Lene Hansen (2006), no qual os textos são tomados

simultaneamente como únicos (individuais) e interligados (dividem concepções), de modo

que os significados não podem ser apreendidos com base em um só texto. Assim, a análise

recorre à ideia de intertextualidade, ―que ressalta que os textos estão situados entre e contra

outros textos, os quais são citados na construção de identidades e políticas, revisão e

apropriação do passado e construção de autoridade‖ (HANSEN, 2006, p.55, tradução livre). 3

A intertextualidade, portanto, toma um texto em relação a outro, construindo uma rede que

permite compreender como os textos se ligam, como constroem autoridade e uma certa

estabilidade na maneira de lidar com assuntos particulares. Mais do que isso, permite estudar

a ligação de diferentes modos de autoridade, construção, interligação e mobilização de

discursos que viabilizam o exercício do poder (HANSEN, 2006). De acordo com os objetivos

do trabalho, a utilização da análise de discurso procurou viabilizar a construção de uma rede

intertextual que permitisse perceber as categorias-chave com base nas quais a ONU opera na

manutenção da paz e na reconstrução de Estados – como segurança, desenvolvimento e

democracia –, bem como a forma pela qual essas categorias são traduzidas dos documentos

que propõem diretrizes políticas, para a linguagem dos operadores de campo.

As transformações das diretrizes normativas, institucionais e operacionais dos

instrumentos utilizados pela ONU para manter a paz e reconstruir Estados, desde sua criação

até o ano de 2008, foram abordadas no Capítulo 1, que enfatizou a reorganização das

atividades relacionadas a esses instrumentos em três áreas – segurança, assistência

humanitária e assistência ao desenvolvimento –, como reflexo da incorporação do

desenvolvimento a uma nova agenda de segurança internacional. No Capítulo 2, com base no

caso da OMP realizada na Libéria (2003 a 2008), procurou-se identificar evidências da

tradução das diretrizes gerais para a linguagem dos operadores de campo, por meio da análise

de documentos que detalham as atividades realizadas pela ONU e seus parceiros no país, com

vistas à identificação dos principais componentes e elementos que integram suas atribuições e

das diversas formas de interação entre eles. Esse esforço foi complementado pela

identificação das agências e organizações encarregadas do desenvolvimento dessas atividades,

e das áreas de atuação de cada uma delas. Finalmente, no Capítulo 3, a reformulação dos

meios pelos quais a sociedade internacional passou a promover a paz e a segurança, a partir

3 ―It highlights that texts are situated within and against other texts, that they draw upon them in constructing

their identities and policies, that they appropriate as well as revise the past, and that they build authority by

reading and citing that of others‖.

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do final da Guerra Fria, foi reinterpretada, com base no conceito de governamentalidade,

formulado por Foucault, como uma forma de colonização do espaço social internacional, e de

suas fronteiras, por meio da difusão de modos de existência liberais, inspirados pela

consolidação de um nexo entre segurança e desenvolvimento, que se articula em torno da

ideia de Paz Democrática.

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2 OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ E TRANSFORMAÇÕES DO SISTEMA

DE SEGURANÇA COLETIVA

Os processos de construção e reconstrução de Estados são recorrentes ao longo da

história do que se conhece hoje como sociedade internacional. Seja nas guerras de

independência do século XVIII, ou nas Operações de Manutenção da Paz (OMP)

multidimensionais do XXI, a criação de arranjos estatais foi tomada como a principal maneira

de promover a estabilidade nas regiões em conflito e, de forma mais ampla, a manutenção da

ordem no sistema internacional. Ainda que os objetivos gerais tenham se mantido, a forma de

realizar essa tarefa sofreu importantes transformações por séculos afora, com destaque para a

crescente participação das organizações internacionais. Particularmente, a partir da Segunda

Guerra Mundial, a (re)construção de Estados teve lugar em torno da Organização das Nações

Unidas (ONU), que se constituiu, desde então, em fórum de reconhecimento e ator

fundamental para tais processos.

O capítulo aborda o papel desempenhado pela ONU na (re)construção de Estados à luz

de sua função mais ampla de manter a ordem e a estabilidade no sistema internacional.

Inicialmente, serão discutidos os principais instrumentos de pacificação e reconstrução

utilizados pela Organização, bem como as modificações sofridas por eles, desde sua criação

até o ano de 2008, com ênfase no período posterior à Guerra Fria. Nesse período, serão

discutidas as novas diretrizes normativas, institucionais e operacionais das OMP, e a

incorporação do desenvolvimento como componente de uma nova agenda de segurança

internacional. Tal incorporação, como aqui defendida, ocorre de duas maneiras:

conceitualmente, por meio da consolidação da noção de segurança humana; e,

operacionalmente, com a criação das operações multidimensionais.

Finalmente, pretende-se tratar da nova estrutura das missões de paz, tal como proposta

na Doutrina Capstone (2008). Nesse sentido, interessa principalmente perceber como as

tarefas realizadas pelas missões são reorganizadas em torno de três áreas: segurança,

assistência humanitária e assistência ao desenvolvimento. Pretende-se ainda identificar e

descrever o processo de atribuição de papéis entre atores, dentro e fora do sistema ONU – tais

como agências estatais e organizações não governamentais (ONGs) –, e de interação entre

eles para realização de tarefas cada vez mais complexas que constam da agenda das operações

de paz que envolvem (re)construção de Estados.

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2.1 Paz e Estabilidade no Sistema Internacional da Guerra Fria

Para Bartelson (1995), a constituição do mundo moderno teria partido do

questionamento sobre a origem da relação entre homem, linguagem e nação, em decorrência

do qual esses três elementos, além de historicizados, passaram a ser entendidos dentro de um

―jogo de espelhos‖, obedecendo às mesmas regras e constituindo as condições de

conhecimento, com base na reflexividade entre ser e saber. Isso permitiu que comunidades

interpretativas ganhassem existência objetiva e atribuiu ao Estado uma subjetividade análoga

à do homem (BARTELSON, 1995). O Estado passou a ser entendido como uma pessoa moral

e a soberania foi despersonalizada, isto é, deixou de referir-se à pessoa do soberano e passou a

ser atribuída à nação. Nesse sentido, os Estados nacionais modernos são constituídos por meio

da lógica de exclusão que separa o interno e o externo. Por analogia, as relações externas dos

Estados foram interpretadas com base na mesma lógica de exclusão territorial, fazendo da

soberania o princípio organizador das relações sociais no interior dos Estados e entre eles

(BARTELSON, 1995). Essa dualidade possibilitou a emergência do internacional como um

regime de poder que produz a sociedade internacional, gerando indivíduos – Estados

nacionais – e normalizando as relações entre eles – sociedade internacional. Assim, pode-se

considerar a soberania como o dispositivo 4 que, reunindo poder e conhecimento, constituiu

Estados como sujeitos e os dispôs em uma ordem social: a sociedade internacional

(ESTEVES, 2006).

O funcionamento adequado dessa sociedade, ou seja, a manutenção da ordem,

pressupõe a observância de regras e depende da capacidade de expansão do modelo para

outros espaços, o que é feito por meio de várias estratégias de poder, tecnologias e técnicas. 5

Valendo-se delas, a sociedade internacional pode transformar comunidades políticas em

Estados nacionais soberanos e transplantar para eles uma série de padrões de organização do

governo, das relações políticas e sociais que compõem o modelo de sujeito internacional.

4 O conceito de ―dispositivo‖ é entendido, segundo a obra de Foucault, como um conjunto de práticas coerentes

que organizam a realidade social, reúnem poder e saber, e estabelecem relações de forças, produzindo formas de subjetividade consistentes com o regime de poder a que se encontram referidos (RABINOW; DREYFUSS,

1995). 5 Entende-se aqui estratégia como o emprego da racionalidade na escolha dos meios para alcançar um objetivo,

obter uma vantagem ou uma vitória. As estratégias de poder, por sua vez, seriam o ―conjunto dos meios operados

para fazer funcionar ou para manter um dispositivo de poder.‖ (RABINOW; DREYFUSS, 1995, p.248). Já o

conceito de técnica vem do grego techné, saber fazer, e se refere ao conjunto de processos de uma arte ou

ciência, especificamente relacionados à prática. Essa ideia de saber fazer, conforme entendida pelos antigos, se

opõe à de saber pensar, relacionada ao conceito de tecnologia, entendida como conjunto de conhecimentos,

especialmente princípios, que se aplicam a um determinado ramo de atividade.

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Com isso, promove a disciplina nas relações entre comunidades políticas, criando unidades

homogêneas capazes de atuar na sociedade de Estados de acordo com regras preestabelecidas

que garantirão a perpetuação do próprio regime de poder que as constituiu.

A construção de Estados, ou pelo menos de unidades administrativas que reproduziam,

em larga medida, a forma de organização das relações políticas e sociais proposta pelos

arranjos estatais, foi, historicamente, uma das principais estratégias de expansão do modelo de

sujeito internacional para além das fronteiras europeias. Inicialmente, essa expansão se deu

pelo recurso a técnicas como o processo de colonização empreendido pelos europeus ao redor

do mundo, que, de acordo com a descrição oferecida por Watson (2004), baseou-se nos

princípios que regiam a própria sociedade européia. Em seguida, com a primeira onda de

processos de liberação nacional – ou descolonização – coube aos europeus administrar a

reinserção das antigas colônias em seu sistema de Estados, agora como unidades soberanas.

Ainda segundo Watson (2004), a preponderância exercida pelos europeus no sistema teria

sido solapada diante da destruição provocada pela segunda Guerra Mundial, que teve como

efeitos principais, por um lado, a transferência do controle sobre o sistema para as mãos dos

grandes vitoriosos do conflito, os Estados Unidos (EUA) e a União Soviética (URSS); e, por

outro, o desencadeamento de uma nova onda de movimentos de reivindicação de

independência entre as colônias e possessões das antigas potências, principalmente na África

e na Ásia.

A prerrogativa de reconstruir a ordem internacional no pós-guerra impôs às potências

dois grandes desafios. O primeiro deles, a recomposição de um sistema de segurança coletiva,

no intuito de devolver a estabilidade às relações entre os Estados e garantir a perpetuação do

modelo de relacionamento entre eles. O segundo, a administração dos processos de

reivindicação de independência para garantir que seu desenrolar não ameaçasse a existência

das unidades que já constituíam o sistema. Nesse período, a construção de Estados se aliou a

duas outras estratégias – demarcação das zonas de influência das potências e descolonização –

como parte do esforço de redefinição dos contornos da ordem internacional, de acordo com a

lógica da Guerra Fria. A demarcação das zonas de influência previa a divisão do mundo em

dois blocos, um alinhado à URSS e outro aos EUA, sendo que caberia a cada uma das

potências preservar a ordem e a estabilidade dentro de seu bloco. A descolonização, por sua

vez, garantiria independência às regiões coloniais sob domínio europeu, sua inscrição, agora

como Estados, nas zonas de influência, e seria uma forma de legitimar a nova ordem e por um

fim definitivo à proeminência europeia no sistema (WATSON, 2004).

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Em parte, a operação do sistema de segurança coletiva, bem como a entrada dos novos

Estados no sistema internacional foram relegadas à ONU, criada em 1945, para preservar a

paz e a estabilidade. Os processos de construção de Estados liderados pela ONU ocorreram

pelo recurso a duas grandes técnicas: as operações de paz, desenvolvidas para restaurar a

segurança em casos de conflito; e a tutela, delineada especialmente para lidar com casos de

descolonização. A primeira será tratada detalhadamente, ao passo que a segunda será descrita

de forma breve, para fornecer base de comparação. Em ambos os casos, é possível perceber

que a atuação da ONU foi pautada pelo respeito à noção de equilíbrio de poder e ao princípio

da soberania, o que denota a importância dos instrumentos de controle dos Estados nacionais

para a governabilidade e a preservação do sistema internacional. Dessa forma, a Organização

procurou garantir a demarcação das fronteiras dos Estados e o estabelecimento de governos

fortes que pudessem exercer controle efetivo sobre seu território e sua população, garantindo

a preservação da ordem interna. Paralelamente, a reorganização das comunidades políticas na

forma de Estados permitiria sua inscrição no sistema de zonas de influência criado pelas

potências.

A tutela funcionou, no imediato pós-guerra, como substituta para o sistema de

mandatos da Liga das Nações, com o objetivo de conduzir povos considerados atrasados ao

autogoverno. Para tanto, a Carta da ONU determinou a criação do Conselho de Tutela como

um dos seis órgãos da Organização. 6 O Conselho era composto por representantes dos

Estados-membros cuja atuação deveria centrar-se na coleta de informações, discussões e

recomendações sobre os territórios tutelados para as nações responsáveis por sua

administração, ainda que sem poderes coercitivos legais (ZIRING; RIGGS; PLANO, 2002). 7

Pelos acordos firmados em 1946 e 1947, os mandatos dos territórios que, de acordo com os

6 Os outros cinco órgãos são a Corte Internacional de Justiça, a Assembléia Geral, o Conselho de Segurança, o

Conselho Econômico e Social e o Secretariado. O último território sob mandato do Conselho de Tutela, a Ilha de

Palau, tornou-se independente em 1994. Desde então, as atividades do Conselho foram interrompidas, mas, para evitar emendas à Carta, o órgão continua a existir formalmente (WEISS; FORSYTHE; COATE, 2004). 7 O órgão tinha também a prerrogativa de receber petições enviadas por nativos diretamente, além do direito de

enviar missões aos territórios tutelados, para averiguar as condições em primeira mão (ZIRING; RIGGS;

PLANO, 2002). Vale ressaltar que os países encarregados da administração dos territórios tutelados procuraram,

ao longo do tempo, desenvolver mecanismos para resguardar sua capacidade de controle em relação à

interferência da ONU. Exemplo disso foi a salvaguarda conseguida pelos Estados Unidos sobre a administração

das ilhas do Pacífico, que previa que, se os territórios tutelados estivessem comprovadamente envolvidos em

questões estratégicas, os assuntos relacionados a eles sairiam do âmbito do Conselho de Tutela e passariam para

a jurisdição do Conselho de Segurança (ZIRING; RIGGS; PLANO, 2002).

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critérios da Liga, pertenciam às classes B e C 8 foram automaticamente colocados sob tutela,

enquanto os da classe A ficaram dispostos em uma escala para definição rápida da

independência 9. Além dos territórios herdados da Liga, a Carta da ONU colocava a tutela

como uma opção para a administração dos territórios retirados dos Estados derrotados na

Segunda Guerra Mundial (ZIRING; RIGGS; PLANO; 2002).

Os territórios entravam no sistema de tutela por meio de acordos desenhados pelos

Estados-membros que exerciam autoridade administrativa sobre eles e submetidos à

aprovação da Assembléia Geral. Uma vez aprovados os acordos, a ONU estabelecia os termos

dos mandatos, designava um tutor para cada caso, o que poderia ser o país que propôs o

acordo, ou não, ficando as decisões submetidas à supervisão do Conselho (ZIRING; RIGGS;

PLANO; 2002).

Como lembram Ziring, Riggs e Plano (2002), ainda que o poder da ONU sobre os

administradores não fosse tão grande, estes eram obrigados a lidar com os possíveis

constrangimentos da supervisão internacional. Segundo os autores, as petições e missões

viabilizadas pelo Conselho teriam contribuído para o aumento da pressão internacional sobre

os administradores para ampliação das fontes de informação sobre as condições dos territórios

tutelados e do espaço para que os nativos pudessem expressar opiniões sobre seu futuro.

Assim, ―considerada como um todo, a tutela ajudou a elevar os padrões de administração nos

territórios tutelados e apressou a chegada da independência‖ (ZIRING; RIGGS; PLANO,

2002, p.309, tradução livre). 10

Além disso, teria encorajado demandas nacionalistas nativas;

preparado as regiões para o autogoverno; contribuído para que a transição do poder fosse

pacífica; e aberto caminho para o que, em alguns anos, tornar-se-ia um combate veemente das

8 A Liga das Nações classificava os territórios administrados em A, B ou C, segundo critérios, como,

desenvolvimento político, condições econômicas e posição geográfica. Os territórios de classe A eram aqueles

considerados de maior sofisticação política e melhores condições econômicas, que, no entender da Liga, estariam

aptos ao autogoverno após um período relativamente curto de assistência e conselhos administrativos providos

pela nação mandatária. Os territórios assim classificados foram reconhecidos como provisoriamente

independentes; consequentemente, os mandatos dos encarregados de sua administração tinham previsão de

encerramento no curto prazo. No outro extremo da classificação estariam os territórios de classe C, habitados por

povos tidos como incapazes de se autogovernarem, no curto ou médio-prazo, devido a fatores como dispersão

populacional, tamanho reduzido do território ou localização remota em relação ao que a Liga considerou ser o

centro da civilização. Esses territórios que incluíam, por exemplo, a África do Sudoeste (atual Namíbia) e

algumas ilhas alemãs no Pacífico, deveriam ser administrados pelas nações mandatárias como parte integral de seus próprios territórios e por prazos indefinidos. À classe B foram relegados os territórios intermediários, os

quais não seriam anexados e sim governados como colônias, sem previsão explícita de independência definitiva

ou autogoverno. Esse era o status, por exemplo, das demais possessões alemãs na África (ZIRING; RIGGS;

PLANO, 2002). 9 Os territórios de classe A da Liga que passaram para a administração do Conselho de Tutela foram

Transjordânia (Jordânia); Síria; e Líbano, independentes em 1946, além da Palestina. Ainda que o estado

palestino não tenha saído do papel, Israel tornou-se independente em 1948 (ZIRING; RIGGS; PLANO, 2002). 10 ―Considered as a whole, trusteeship helped raise standards of administration in the trust territories and

hastened the coming of independence‖.

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Nações Unidas contra a colonização (ZIRING; RIGGS; PLANO, 2002). Até 1975, todos os

territórios sob tutela tornaram-se independentes ou uniram-se, por meio de plebiscitos

aprovados pela ONU, a Estados independentes, exceto as Ilhas do Pacífico, que só

conquistaram autonomia nos anos 1990. 11

À parte do debate sobre a descolonização, a ONU assumiu a responsabilidade pela

operação do sistema de segurança coletiva, especialmente nas regiões que não despertavam

grande interesse das potências. Para tanto, o principal mecanismo encontrado pela

Organização foram as operações de manutenção da paz (OMP), entradas em cena pela

primeira vez em maio de 1948, com o estabelecimento da UNTSO (United Nations Truce

Supervision Organization), um grupo não armado de observadores militares enviados para

monitorar o armistício entre o recém criado estado de Israel e seus vizinhos árabes (ONU,

2009a). Logo em seguida, em janeiro de 1949, foi criado o UNMOGIP (United Nations

Military Observer Group in India and Pakistan), também com objetivo de observar e

monitorar a resolução do conflito (ONU, 2009). Essas operações – ambas estendidas até hoje

– marcaram o início de um tumultuado processo de definição de princípios e prerrogativas das

OMP como instrumento de manutenção da paz e da segurança internacionais.

Como lembram Weiss, Forsythe e Coate (2004), o conceito de operação de

manutenção da paz (peacekeeping) não consta na Carta da ONU e teria sido idealizado pela

reunião de medidas previstas em dois capítulos do documento: o VI, que trata dos métodos de

solução pacífica de disputas; e o VII, que prevê a possibilidade de respostas mais incisivas por

parte da Organização – inclusive o uso da força – em situações nas quais já houve quebra da

paz. Dessa forma, as OMP se enquadraram no que o então Secretário-Geral Dag

Hammarskjöld chamou de ―Capítulo VI e meio.‖ Além de terem enfrentado o que os autores

chamaram de falta de base constitucional (WEISS; FORSYTHE; COATE, 2004), essas

operações tinham que lidar com a desconfiança dos países em relação às intenções uns dos

outros nas intervenções militares e às diversas possibilidades de interpretação dos artigos da

Carta (ROBERTS, 2004). Segundo Dobbins et al (2005), essa desconfiança era reforçada pela

própria lógica da Guerra Fria, na qual os conflitos regionais foram muitas vezes entendidos

como moedas na disputa entre os blocos, de modo que a preocupação com sua resolução

ficasse subordinada a outra, que dizia respeito à possibilidade de um dos lados auferir ganhos

relativos da situação.

11 Para Ziring, Riggs e Plano (2002), a tutela não apresentou grandes inovações em relação aos mandatos da

Liga, o que poderia ser creditado ao fato de as potências não considerarem vantajoso investir nesse tipo de

arranjo.

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Esse clima de desconfiança e disputa implicou enorme dificuldade para alcançar um

consenso sobre as OMP. Em decorrência disso, o posicionamento da ONU em relação aos

conflitos internacionais no período teve duas características principais: primeiro, o exercício

sistemático do poder de veto por parte das potências em reuniões do Conselho de Segurança

nas quais eram discutidas possibilidades de intervenção 12

; e depois, o privilégio dado à

manutenção do status quo em conflitos nos quais as potências concordavam sobre a

necessidade de intervir, o que se consolidou sob a prédica do respeito ao princípio da

soberania. Como reflexo dessas características, Weiss, Forsythe e Coate (2004) afirmam que,

para que as OMP pudessem navegar nas águas turbulentas da Guerra Fria, tiveram que ser

incorporadas a elas regras como imparcialidade e suporte da ONU; limitação da escala e do

escopo das missões; emprego reduzido da força e consentimento das partes.

Assim, as operações de manutenção da paz foram definidas pelo Subsecretário-Geral

Marrack Goulding como:

Operações de campo das Nações Unidas nas quais pessoal internacional, civil e/ou

militar entra em ação com o consentimento das partes e sob o comando das Nações

Unidas para ajudar no controle e solução de conflitos internacionais reais ou

potenciais ou conflitos internos com dimensões internacionais claras (GOULDING, 1991 apud WEISS; FORSYTHE; COATE, 2004, p.54, tradução livre). 13

De modo geral, essas operações tinham como objetivo: (i) observar a paz por meio do

monitoramento e da produção de informações sobre acordos de cessar-fogo; (ii) manter a paz

pela separação dos beligerantes e pelo estabelecimento de zonas de desengajamento entre

eles; e (iii) dar suporte a esforços políticos de construção de confiança e resolução dos

conflitos por meios pacíficos (WEISS; FORSYTHE; COATE, 2004; ONU, 2009a.). Para

tanto, passavam pela restauração da soberania do(s) Estado(s) afetado(s) pelo conflito

(ROBERTS, 2004) ou pela construção de unidades soberanas para controlar regiões instáveis.

Ainda que a ausência de consenso sobre o modus operandi das OMP tenha resultado

em improvisações segundo exigências conjunturais específicas de cada caso (WEISS;

FORSYTHE; COATE, 2004), é possível afirmar que, durante a Guerra Fria, as operações se

dedicavam à (re)construção de Estados de forma limitada, como parte de uma agenda de

segurança que visava principalmente à estabilidade das relações no plano internacional. Tal

12 A sistematicidade do poder de veto acabou por gerar o que Roberts (2004) chamou de uma percepção geral de

paralisia do Conselho durante a Guerra Fria. 13 United Nations field operations in which international personnel, civilian and or military are deployed with the

consent of the parties and under United Nations command to help control and resolve actual or potential

international conflicts or internal conflicts which have a clear international dimension.

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agenda excluía preocupações referentes à organização interna dos Estados, tais como formas

de governo ou bem-estar da população, além de, na maioria das vezes, ignorar as causas dos

conflitos e os fatores que os sustentavam. Nesse sentido, Dobbins et al (2005) afirma que o

objetivo das missões ―[...] não era garantir a solução dessas longas disputas, e sim

desencorajar sua escalada‖ (DOBBINS et al, 2005, p.213, tradução livre). 14

Segundo David Chandler (2007), a preponderância de uma agenda de segurança

informada por preocupações geopolíticas sobre outras pode ser considerada traço definidor da

política internacional durante a Guerra Fria, especialmente no que se refere às intervenções

internacionais. Entre essas agendas, pode-se citar a do desenvolvimento, que, no período,

estaria condicionada ―ao reconhecimento e ao compartilhamento do compromisso geral

acerca da manutenção da estabilidade internacional e [...] ao posicionamento em relação aos

dois grandes blocos ideológicos‖ (SANTOS FILHO, 2005, p.36). Para Chandler (2007), a

segurança privilegiava ameaças militares e interesses geoestratégicos dos blocos, ao passo que

as políticas de desenvolvimento eram utilizadas, principalmente, entre os capitalistas, como

forma de atrair e dar suporte a aliados políticos. 15

Dessa forma, ainda que políticas de

desenvolvimento contribuíssem para a vigência da ordem, elas não desempenhavam papel

importante no combate aos conflitos internacionais; consequentemente, não constavam nos

mandatos das OMP, idealizadas para responder direta e quase exclusivamente à agenda de

segurança 16

(DOBBINS et al, 2005; ROBERTS, 2004; WEISS; FORSYTHE; COATE,

2004).

Com o fim da bipolaridade, as atribuições das OMP se tornaram mais abrangentes e,

cada vez mais, passaram a incluir questões relacionadas ao combate às causas dos conflitos e

à reconstrução da estrutura interna de um número crescente de Estados afetados pela guerra.

As principais transformações normativas, institucionais e operacionais das OMP no pós

Guerra Fria, bem como a redefinição de seu lugar como grande instrumento de manutenção da

ordem e da estabilidade no sistema internacional serão tratadas nas próximas seções. Tais

14 ―[...] was not to enforce resolution of these longstanding disputes but rather to discourage their escalation‖. 15 Nesse período, a agenda do desenvolvimento englobava basicamente o aporte de conhecimento tecnológico e

de capital para catalisar a mudança das estruturas de produção dos países considerados atrasados, aumentar a

eficácia produtiva do conjunto das forças de trabalho e, assim, gerar crescimento econômico e prosperidade, possibilitando ao país o atendimento das necessidades humanas (SANTOS FILHO, 2005). 16 A primeira OMP armada foi a UNEF I (First United Nations Emergency Force), enviada para combater a crise

de Suez, em 1956. Nos anos 1960, a ONU realizou a primeira operação de larga escala, a ONUC (United

Nations Operation in the Congo), que envolveu mais de 20 mil soldados e revelou a fragilidade das bases

operacionais das OMP. Nos anos 1960 e 1970, a organização deu início a intervenções de longa duração no

Chipre (UNFICYP) e no Oriente Médio (UNEF II, UNDOF e UNIFIL). Até os anos 1990, a ONU realizou 13

OMP (ONU, 2009). Os principais elementos dos mandatos dessas missões estão relacionados no Quadro 2

(p.53), e evidenciam sua relação quase exclusiva com uma agenda de segurança voltada à manutenção da

estabilidade.

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transformações seriam decorrentes da emergência de um novo entendimento acerca da

segurança internacional no período, no qual preocupações geoestratégicas acabaram por ceder

espaço a temas até então subsumidos a elas, como o desenvolvimento. A hipótese é que a

inserção da agenda do desenvolvimento – também modificada pelas propostas de

reconfiguração do sistema internacional – como componente da agenda de segurança

articulou-se ao surgimento de uma nova geração de operações de paz nos anos 1990 de duas

maneiras: conceitualmente, pela noção de segurança humana; e, operacionalmente, com as

OMP multidimensionais.

2.2 Pós Guerra Fria: uma Agenda para a Paz

O final da Guerra Fria inaugurou um período de grandes transformações no sistema

internacional. Por um lado, cresceu enormemente o número de conflitos violentos e guerras

civis; por outro, o aumento da interdependência entre os Estados sinalizava o fortalecimento

do multilateralismo e o maior engajamento das organizações multilaterais nos assuntos

internacionais. De uma forma ou de outra, a velha ordem, gerida por duas superpotências,

estava arruinada, o que abriu espaço para um embate discursivo entre propostas para o

estabelecimento de uma nova ordem, capaz de devolver o equilíbrio ao sistema internacional.

Entre essas propostas, destacou-se um conjunto de princípios de cunho liberal que afirmava a

primazia dos direitos individuais e apontava para a possibilidade de que tais direitos fossem

realizados e garantidos internacionalmente. Para os defensores dessas ideias, os anos 1990

inaugurariam uma nova era de paz e prosperidade para a sociedade internacional, na qual a

superação da barreira criada pela ideologização, pela profunda clivagem entre os blocos e

pelos conflitos entre as potências criaria um ambiente de aproximação e diálogo entre os

povos, cada vez menos limitados pelas fronteiras nacionais.

De forma geral, parecia haver a expectativa de consolidação de uma grande

comunidade, da qual fariam parte todos os habitantes do planeta. Essa comunidade seria

protagonizada pelas pessoas, que, imbuídas de forte senso de internacionalismo e

compartilhando valores comuns, favoreceriam a criação de uma ordem internacional mais

justa, capaz de se sobrepor àquela dos Estados nacionais. As organizações internacionais

teriam papel fundamental na conformação dessa nova ordem, atuando como orquestradoras da

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governança internacional, formulando regras e garantindo sua implementação segundo

valores universais e uma ética de responsabilidade.

Não por acaso, essas ideias ganharam eco nos posicionamentos oficiais de várias

dessas organizações, que tentavam traduzi-las em propostas consistentes de reformulação

sistêmica. Com intuito de tomar a frente nesse esforço, a ONU realizou, em 31 de janeiro de

1992, a primeira reunião do Conselho de Segurança a contar com a presença dos chefes de

estado e do governo dos Estados-membros. A pauta enfocou as transformações recentes no

cenário internacional e os caminhos para ampliar o peso e a eficiência da atuação da

Organização em um novo contexto. Os temas e estratégias abordados no encontro culminaram

com a elaboração da ―Agenda Para a Paz‖, um relatório encaminhado pelo então Secretário

Geral Boutros-Ghali ao Conselho, ainda em 1992. No documento, o Secretário afirmava que o

fim do antagonismo entre as potências daria uma nova oportunidade para a ONU; uma

segunda chance para que os Estados pudessem se comprometer com os princípios da Carta e

garantir a realização dos objetivos e o cumprimento das promessas nela enunciadas.

Nesses últimos meses, cresceu a convicção entre as nações, grandes ou pequenas,

que uma nova oportunidade foi dada para alcançar os grandes objetivos da Carta –

uma Organização das Nações Unidas capaz de manter a paz e a segurança

internacionais, proteger a justiça e os direitos humanos e promover, nas palavras da

Carta, ‗progresso social e melhores condições de vida em um ambiente de maior

liberdade‘. Tal oportunidade não pode ser desperdiçada. A Organização não deve nunca mais ser paralisada como o foi na era que agora se encerra (ONU, 1992, § 3, tradução livre). 17

Entretanto, para que pudesse aproveitar essa oportunidade, a ONU teria que contar

com o compromisso de seus membros e enfrentar uma série de desafios, como a nova

natureza dos conflitos, que passaram a ocorrer em menor escala entre os Estados e

aumentaram sensivelmente dentro deles. Na tentativa de lidar com esses desafios, ―seu braço

de segurança, antes desabilitado por circunstâncias que não foi criado ou equipado para

controlar, emergiu como instrumento central para a prevenção e a resolução de conflitos e

para a preservação da paz‖ (ONU, 1992, § 15, tradução livre). 18

Um dos grandes objetivos da

Agenda para a Paz foi, exatamente, propor maneiras de tornar mais forte e eficiente esse

braço, revisitando os conceitos de diplomacia preventiva, peacemaking e peacekeeping

17 In these past months a conviction has grown, among nations large and small, that an opportunity has been

regained to achieve the great objectives of the Charter - a United Nations capable of maintaining international

peace and security, of securing justice and human rights and of promoting, in the words of the Charter, "social

progress and better standards of life in larger freedom". This opportunity must not be squandered. The

Organization must never again be crippled as it was in the era that has now passed. 18 ―Its security arm, once disabled by circumstances it was not created or equipped to control, has emerged as a

central instrument for the prevention and resolution of conflicts and for the preservation of peace‖.

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(OMP) e acrescentando outro, intimamente relacionado aos anteriores: o peacebuilding pós-

conflito.

De acordo com a Agenda, cada um dos instrumentos desempenharia um papel

específico na promoção e manutenção da segurança internacional. Cada papel relacionar-se-ia

a um dos novos objetivos da atuação da ONU, que seriam: (i) identificar, o mais cedo

possível, situações potencialmente conflituosas e neutralizá-las, por meio da doplomacia

preventiva, antes que resultem em violência; (ii) uma vez iniciado o conflito, engajar-se em

interrompê-lo e buscar soluções para suas causas, o que seria feito via peacemaking; (iii) com

o peacekeeping (OMP), trabalhar para preservar a paz e assistir a implementação de acordos

onde as batalhas tiverem sido suspensas; e (iv) assistir a reconstrução das instituições e da

infraestrutura dos Estados afetados pela guerra e construir laços pacíficos e mutuamente

benéficos entre países, por meio do peacebuilding pós-conflito (ONU, 1992, § 15).

Entre as consequências das transformações propostas pela Agenda, parece

especialmente interessante aos propósitos do trabalho, a que trata da emergência de um novo

entendimento acerca das OMP, no qual o foco foi redirecionado para atividades de

reconstrução, ―[...] cada vez mais aplicadas a conflitos intra-estatais e guerras civis‖ (ONU,

2009, p.3, tradução livre) 19

. Em vez de simplesmente estabilizar a situação – como ocorria no

período anterior –, as operações de paz deveriam, agora, se preocupar em prevenir a retomada

das hostilidades, buscando solucionar os problemas que as precipitaram. Para tanto, as OMP

tradicionais seriam suplementadas pelo peacebuilding, como forma de ―[...] identificar e dar

suporte a estruturas capazes de fortalecer e solidificar a paz com vistas a evitar a volta do

conflito‖ (ONU, 1992, § 21, tradução livre). 20

Nesse sentido, a ONU passou a defender que ―[…] somente um trabalho sustentado e

cooperativo que trate os problemas econômicos, sociais, culturais e humanitários que

subjazem aos conflitos podem garantir uma fundação durável à paz alcançada‖ (ONU, 1992, §

57, tradução livre). 21

Como resultado, as OMP foram reinterpretadas como um primeiro

estágio do processo de reconstrução e pacificação, no qual a deposição das armas abre

caminho para o ―[...] suporte à transformação de estruturas nacionais deficientes e capabilities

19 ―[…] increasingly applied to intra-State conflicts and civil wars‖. 20 ―[…] identify and support structures which will tend to strengthen and solidify peace in order to avoid a

relapse into conflict‖. 21 ―[…] only sustained, cooperative work to deal with underlying economic, social, cultural and humanitarian

problems can place an achieved peace on a durable foundation‖.

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e para o fortalecimento de novas instituições democráticas‖ (ONU, 1992, § 59, tradução livre)

22, descrito na Agenda como obrigação da ONU.

A definição de novos caminhos para a paz, tal como enunciada na Agenda para a Paz

(1992), refletiu a transformação da própria ideia de segurança internacional. Para a ONU, o

final da Guerra Fria ―mudou a configuração da sociedade global, mudou também a natureza

da segurança global‖ (CGG, 1996, p.59). A lista de ameaças à segurança, antes protagonizada

pelas disputas entre os Estados ou as potências, passou a incluir fatores difusos, que não

respeitam as fronteiras, como, por exemplo: a proliferação de armas convencionais e de

destruição em massa; os problemas ambientais; o terrorismo; ou o transbordamento de

conflitos civis para Estados vizinhos, seja pela luta armada em si ou pelas ondas de refugiados

e pelo fortalecimento de alianças capazes de disseminar a instabilidade por continentes

inteiros (ONU, 1992). Diante das novas ameaças, ―o conceito de segurança global deve ser

ampliado, passando a abranger não só a tradicional segurança dos Estados, como também a

segurança das pessoas e do planeta‖ (CGG, 1996, p.57).

Dessa forma, consolidou-se um discurso que afirmava que o princípio de segurança

coletiva – focado na estabilização das relações entre os Estados – precisava dar lugar ao de

segurança comum, segundo o qual a segurança internacional só será duradoura quando

compartilhada pela humanidade como um todo. Para que isso fosse possível, a ONU apontava

para a necessidade de combater as ―causas profundas dos conflitos: desespero econômico,

injustiça social e opressão política‖ (ONU, 1992, § 15, tradução livre). 23

A articulação dessas

propostas parece ter ocorrido em torno do conceito de segurança humana, definido pela

primeira vez no Relatório de Desenvolvimento Humano, publicado pelo Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 1994. Segundo o documento, a ―segurança

humana abrange a proteção contra ameaças crônicas, como fome, doenças e repressão, e

também contra o rompimento dos padrões da vida cotidiana‖ (apud CGG, 1996, p.59) e

desdobrar-se-ia em sete áreas: segurança econômica; alimentar; pessoal; comunitária; política;

de saúde e do meio ambiente (PNUD, 1994).

O sucesso inicial do conceito foi reforçado pela publicação, ainda em 1994, de uma

série de estudos do Banco Mundial, intitulada Voices of the Poor. Na realização dos estudos,

o Banco entrevistou mais de 60 mil pessoas de 60 países pobres sobre suas condições de vida,

as principais necessidades, anseios e preocupações em relação ao futuro. Surpreendentemente,

22 ―[…] support for the transformation of deficient national structures and capabilities, and for the strengthening

of new democratic institutions‖. 23 ―[…] the deepest causes of conflict: economic despair, social injustice and political oppression‖.

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os resultados indicavam a segurança como a primeira preocupação entre os mais carentes,

deixando para trás necessidades básicas, como abrigo e comida (CHANDLER, 2007). De

acordo com os estudos, a segurança seria condição de possibilidade para a melhoria das

condições de vida das populações mais pobres, especialmente as diretamente afetadas por

conflitos violentos. Entretanto, naquele contexto, a segurança não poderia significar

simplesmente a observância dos interesses estratégicos dos Estados mais poderosos, tal como

no passado; o conceito teria de ser alargado para incluir elementos da ordem interna

relacionados à melhoria das condições de vida das populações.

Conforme a definição da ONU, a

Segurança humana, em sua forma mais ampla, engloba muito mais que a ausência

de conflitos violentos. Inclui direitos humanos, boa governança, acesso à educação e

à saúde e a garantia de que cada indivíduo tenha oportunidades e escolhas que

proporcionem a realização de todo o seu potencial. Cada passo nessa direção é também um passo rumo à redução da pobreza, ao crescimento econômico e à

prevenção de conflitos (CSH, 2003 p.4, tradução livre). 24

A consolidação do conceito de segurança humana marcou a inserção definitiva do

desenvolvimento como componente da agenda de segurança internacional. O novo papel das

políticas de desenvolvimento na ordem internacional foi sistematizado na Agenda para o

Desenvolvimento (1994), documento no qual o Secretário-Geral afirmou que o

―desenvolvimento é um direito humano fundamental [e] a base mais segura para a paz‖

(ONU, 1994, § 3, tradução livre). 25

Esta relação entre desenvolvimento e paz deu azo à

noção, enunciada no relatório final da Carnegie Commission on Preventing Deadly Conflict

(1997), de que o sucesso da prevenção de conflitos pelo tratamento de suas causas profundas

(estruturais) dependeria da capacidade da sociedade internacional, em geral, e das

organizações internacionais, mais especificamente, de induzir e coordenar processos de

transformação das sociedades em conflito, baseados na consolidação de estruturas de proteção

dos direitos fundamentais, instituições democráticas e políticas de desenvolvimento. Com

isso, a segurança humana se firmava como um conceito capaz de informar a reestruturação de

todo o leque de políticas de combate às ameaças à paz e à segurança internacionais

implementadas pelas mais diversas agências da ONU.

24 Human security in its broadest sense, embraces far more than the absence of violent conflict. It encompasses

human rights, good governance, access to education and health care, and ensuring that each individual has

opportunities and choices to fulfill his or her own potential. Every step in this direction is also a step towards

reducing poverty, achieving economic growth and preventing conflict. 25 ―Development is a fundamental human right. Development is the most secure basis for peace‖.

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A apropriação do conceito logrou especial sucesso no campo das operações de paz,

servindo de base para a emergência de debates em torno do problema da intervenção

humanitária, bem como para a enorme diversificação das atividades incluídas nos mandatos

das missões a partir dos anos 1990. Em meio a esse processo, as OMP tradicionais acabaram

por dar lugar às operações multidimensionais (DPKO, 2007b), mais ambiciosas e intrusivas,

lançadas ―[...] com o objetivo de auxiliar a reconstrução das bases políticas, econômicas e

sociais dos países em vias de sair de processos de guerras civis [...]‖ (PARIS, 2007, p.405,

tradução livre) 26

e, assim, ―[...] aliviar o sofrimento humano, criar condições e construir

instituições para a paz auto-sustentável‖ (DPKO, 2007a, tradução livre). 27

De acordo com o

Departamento de Operações de Paz (DPKO), as principais atribuições das missões de paz

conduzidas pela ONU passaram a ser: (i) prevenir a eclosão do conflito ou sua difusão além-

fronteiras; (ii) estabilizar situações conflituosas depois do cessar-fogo com vistas à criação de

um ambiente no qual as partes possam chegar a um acordo de paz duradouro; (iii) assistir a

implementação dos acordos de paz; e (iv) guiar Estados ou territórios na transição para

governos estáveis, baseados em princípios democráticos, boa governança e desenvolvimento

econômico (DPKO, 2007a). Em face disso, pode-se afirmar que o foco da maior parte das

operações de paz deixou de ser simplesmente a interrupção imediata das hostilidades,

conforme ocorria durante a Guerra Fria, para abranger a transformação das sociedades

marcadas pela violência. Nas palavras de Dobbins et al (2007):

Durante a Guerra Fria, as tropas da ONU foram normalmente empregadas para

separar combatentes, policiar zonas desmilitarizadas e para monitorar cessar-fogos.

Nos últimos anos, os objetivos dessas missões se expandiram, passando a incluir a

reunião de sociedades divididas, desarmamento de adversários, desmobilização de

ex-combatentes, organização de eleições, instauração de governos representativos e

promoção de reforma democrática e crescimento econômico (p.XVII, tradução

livre). 28

As novas operações de paz, portanto, ―[...] envolvem o uso da força como parte de um

esforço mais amplo para promover reformas políticas e econômicas com objetivo de

transformar aquelas sociedades saindo de conflitos em sociedades em paz consigo mesmas e

26 ―[...] aimed to help reconstruct the political, economic and social foundations of countries that were just

emerging from civil wars […]‖. 27 ―[…] to alleviate human suffering, and create conditions and build institutions for self-sustaining peace‖. 28 During the Cold War, UN troops were usually deployed to separate combatants, to police demilitarized zones,

and to monitor ceasefires. In recent years, the objectives for these missions have expanded to include reuniting

divided societies, disarming adversaries, demobilizing former combatants, organizing elections, installing

representative governments, and promoting democratic reform and economic growth.

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com seus vizinhos‖ (DOBBINS et al, 2007, p.XVII, tradução livre). 29

Dessa forma, em

consonância com as ideias de segurança humana e prevenção, a implementação de políticas

de desenvolvimento e a construção de instituições democráticas foram colocadas como parte

do processo de pacificação das sociedades sujeitas à intervenção. Sobre a relação entre paz,

desenvolvimento e democratização, Dobbins et al (2007) esclarecem que

O principal objetivo da maioria das missões é tornar pacíficas as sociedades

violentas, não tornar prósperas sociedades pobres, ou democráticas as sociedades

autoritárias. Contudo, esses três elementos estão interconectados e a maior parte das

missões bem sucedidas alcança os três, ainda que em graus diferentes. Assim, transformações bem sucedidas de sociedades violentas em sociedades pacíficas são

quase sempre acompanhadas por algum grau de desenvolvimento econômico e

reforma política (DOBBINS et al, 2007, p.189, tradução livre). 30

É importante ressaltar que, por mais que as propostas de reformulação das operações

de paz retomadas aqui façam referência a noções como direitos individuais e ressaltem o

papel da sociedade internacional na pacificação das regiões em conflito, a garantia da

segurança a longo prazo continua a passar pela construção – ou reconstrução – de arranjos

estatais. Mesmo nas formulações mais universalistas, a defesa dos direitos básicos dos

indivíduos cabe fundamentalmente a Estados particulares, e só deve ser assumida pela

sociedade internacional quando estes mostrarem-se incapazes de garanti-la. Seguindo essa

lógica, na Agenda para a Paz, a ONU reconhece ―[...] a importância e a indispensabilidade do

Estado soberano como entidade fundamental desta comunidade internacional‖ (ONU, 1992,

§10, tradução livre). 31

Em outro trecho, o documento faz referência à forma soberana dos Estados,

reafirmando sua importância para a pacificação da sociedade internacional. Paralelamente,

sugere que o exercício das prerrogativas soberanas deve estar cada vez mais atrelado a um

conteúdo específico, composto de práticas de boa governança.

A base desse trabalho é e deve continuar sendo o Estado. O respeito por sua

soberania e integridade fundamentais é crucial para todo progresso internacional

comum. Contudo, o tempo da soberania absoluta e exclusiva já passou; sua teoria

29 ―[…] involve the use of armed force as a part of a broader effort to promote political and economic reforms with the objective of transforming a society emerging from conflict into one at peace with itself and its

neighbors‖. 30 The prime objective of most missions is to make violent societies peaceful, not to make poor societies

prosperous or authoritarian societies democratic. Nevertheless, the three are interconnected, and most successful

missions accomplish all three, albeit to different degrees. Successful transformations of violent societies into

peaceful ones are thus almost always accompanied by some degree of economic development and political

reform. 31 ―[…] the importance and indispensability of the sovereign State as the fundamental entity of this international

community‖.

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nunca esteve de acordo com a realidade. É tarefa dos líderes dos Estados hoje

entender isso e encontrar um equilíbrio entre as necessidades da boa governança

interna e as exigências de um mundo cada vez mais interdependente (ONU, 1992,

§17. Tradução livre, tradução livre). 32

O reforço da importância dos Estados para a manutenção da paz e a necessidade de

reformar muitos deles para que possam dar conta de tal tarefa fizeram com que as doutrinas

de operações de paz incluíssem, de forma marcante, orientações para a reconstrução da

estrutura estatal em todos os seus aspectos, o que está na base da ideia de

multidimensionalidade. Essa orientação amplia o escopo das missões e as torna mais

complexas. Em meio a esse processo de reestruturação, é interessante perceber como as

missões de paz do pós Guerra Fria passam a prever a participação de um número crescente de

agências da própria ONU e agências governamentais, além de atores não estatais, como

ONGs, e atribuem a eles papéis cada vez mais relevantes. Nesse sentido, Paris (2007) afirma

que as operações de paz teriam ressurgido a partir dos anos 1990 como uma

[…] rede vasta, complexa e crescente de agências privadas e públicas que fornecem

um tipo de ‗suporte à vida‘ a estados frágeis emergindo de conflitos – um sistema

descentralizado (e algumas vezes caótico) para reestruturar a sociedade civil

pacífica, a governança efetiva e a vida econômica nos estados tomados pela guerra

(p.410, tradução livre, tradução livre). 33

Para dar conta da multiplicidade e da complexidade das tarefas e do número cada vez

maior de atores envolvidos em sua realização, as operações de paz passaram por um amplo

processo de reformulação operacional, que teve início ainda em meados dos anos 1990 e se

estendeu pelos primeiros anos do novo século. Essas transformações procuraram redefinir as

regras de engajamento das forças da ONU e de elaboração dos mandatos das missões;

consolidar os processos de captação e utilização de recursos; integrar os projetos realizados;

reforçar os mecanismos de coordenação dos atores envolvidos; e fornecer orientações táticas e

estratégicas para as equipes das OMP no campo. Em meio a esse processo, é possível

identificar a reorganização das missões em três grandes áreas: segurança; desenvolvimento; e

assistência humanitária. A reestruturação operacional da arquitetura das OMP, a definição das

três áreas e a interação entre elas serão analisadas nas próximas seções.

32 The foundation-stone of this work is and must remain the State. Respect for its fundamental sovereignty and

integrity are crucial to any common international progress. The time of absolute and exclusive sovereignty,

however, has passed; its theory was never matched by reality. It is the task of leaders of States today to

understand this and to find a balance between the needs of good internal governance and the requirements of an

ever more interdependent world. 33 [...] a vast, complex, and growing network of private and public agencies that provided a kind of ‗life support‘

to fragile states just emerging from conflict – a decentralized (and at times chaotic) system for reconstituting a

peaceful civil society, effective governance and economic life in war-torn states.

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2.3 Transformações Operacionais

Seguindo as primeiras modificações nos propósitos e regras das OMP, observa-se um

rápido crescimento do número de operações. Entre 1989 e 1994, o Conselho de Segurança

autorizou 20 operações, aumentando o contingente das OMP de 11 para 75 mil (ONU, 2009).

O Gráfico 1 mostra o número de operações de paz realizadas pela ONU por década e ilustra o

maior espaço reservado a elas na tentativa de manter a segurança internacional. É importante

ressaltar que, além do aumento quantitativo, as operações do início dos anos 1990 mudaram

qualitativamente, passando a incluir em seus mandatos atividades como construção de

instituições democráticas; monitoramento da situação dos direitos humanos; desarmamento,

desmobilização e reintegração de ex-combatentes; retorno de refugiados e deslocados internos

(IDPs); e programas de conciliação nacional (DPKO; DFS, 2008).

Gráfico 1: Número de Operações de Paz realizadas pela ONU por década.

Adaptado de: ONU, 2009.

Para a ONU, essas mudanças fizeram com que as expectativas em relação às OMP se

tornassem maiores do que a capacidade da Organização para realizá-las, o que se deveu,

principalmente, a falhas na definição dos mandatos, envio de contingente menor do que a

situação exigia; falta de recursos ou de suporte político; e envio de tropas a lugares nos quais

os conflitos ainda não haviam cessado e as partes envolvidas não conseguiam chegar a um

acordo (ONU, 2009). Em casos como o da antiga Iugoslávia, Somália e Ruanda, esses

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problemas minaram a capacidade da ONU de consolidar o fim das hostilidades e prosseguir

com o processo de reconstrução e pacificação, tendo a Organização sido envolvida em

verdadeiras catástrofes humanitárias – incluindo alto índice de baixas entre os contingentes

das OMP – que minaram sua reputação (ONU, 2009). Os fracassos dessas operações e as

consequentes críticas fizeram com que o Conselho de Segurança limitasse o número de

operações nos anos que se seguiram 34

e iniciasse amplos debates sobre as OMP (ONU,

2009).

Com a redução do número e da importância das operações entre 1995 e 1999 – e,

consequentemente, do número de tropas empregadas, a Assembléia Geral determinou que o

DPKO deixasse de usar os funcionários emprestados pelos Estados, conhecidos como ―gratis

personnel” (A/RES/51/243, 1997). 35

Segundo William Durch et al (2003), esses

funcionários, especializados em planejamento, logística e atividades operacionais diversas

relacionadas às missões, foram fundamentais para que a ONU conseguisse lidar com o rápido

crescimento das OMP nos anos anteriores. A dispensa dos funcionários ‗gratis‘ foi concluída

em fevereiro de 1999 e, para o autor, ―[...] minou drasticamente boa parte da capacidade de

suporte operacional e da memória institucional de planejamento militar e logístico do DPKO‖

(DURCH et al, 2003, p.3, tradução livre). 36

Poucos meses depois, uma nova onda de

conflitos fez com que a demanda pelas OMP retomasse seu crescimento. Em apenas um ano,

[...] as Nações Unidas foram chamadas para: administrar o Kosovo, sob proteção das

forças terrestres da OTAN; substituir as forças lideradas pela Austrália no Timor-

Leste e governar, em caráter temporário, a nação emergente; substituir as forças

regionais lideradas pela Nigéria em Serra Leoa e implementar um [...] acordo de

paz; supervisionar um frágil cessar-fogo no conflito regional que tinha se entranhado

na República Democrática do Congo; [...] monitorar o cessar-fogo e dar suporte ao acordo de separação de forças entre Etiópia e Eritréia (DURCH et al, 2003, p.4-5,

tradução livre). 37

34 Mesmo com a redução do número de operações a partir de 1995, a ONU deu continuidade às operações de

longo prazo no Oriente Médio, Índia, Paquistão e Chipre e autorizou novas operações em Angola, Croácia,

Bósnia-Hezergovina, Haiti e Guatemala (ONU, 2009), além de algumas operações de observação. Contudo, a

maior parte das operações foi considerada de pequena escala e sem grande importância (DURCH et al, 2003). 35 De acordo com a Resolução, a utilização de ‗gratis personnel‘ só continuaria a ser permitida em casos de

urgência, ou diante da indisponibilidade de funcionários especializados para a realização de funções especiais. 36 ―[…] left much of DPKO‘s operational support capacity and institutional memory for military and logistical

planning severely depleted‖. 37 […] the United Nations was called on to: administer Kosovo under the protection of NATO ground forces; to

replace Australian-led forces in East Timor and provide a temporary government for that emerging nation; to

replace Nigerian-led regional forces in Sierra Leone implementing a […] peace accord; and to oversee a shaky

cease-fire in the regional war that had engulfed the vast Democratic Republic of Congo; […] help verify a

ceasefire and support a force separation agreement between Ethiopia and Eritrea.

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Mesmo com as tropas triplicadas, mais de dois terços dos contingentes à disposição da

ONU foram empregados nessas missões, o que, aliado às dificuldades operacionais

enfrentadas, trouxe novamente à tona as antigas fraquezas das operações de paz e as

limitações de um já sobrecarregado DPKO, sugerindo o que Durch et al (2003) chamou de

uma crise potencialmente terminal das OMP. Diante dessa situação, em março de 2000, o

Secretário-Geral Kofi Annan estabeleceu o ―Painel sobre as Operações de Paz das Nações

Unidas‖ 38

, ―[...] composto por especialistas em prevenção de conflitos, OMP e

peacebuilding, no intuito de avaliar as falhas do sistema existente e fazer recomendações

específicas e realistas para mudanças‖ (ONU, 2009, p.3, tradução livre). 39

O relatório final do

Painel, que ficou conhecido como Relatório Brahimi – em referência ao Subsecretário-Geral

Lakhdar Brahimi, que chefiou a equipe – foi concluído em agosto de 2000 e enviado por

Annan para a Assembléia Geral, o Conselho de Segurança e os chefes de estado e governo,

que logo começaram a trabalhar em sua implementação (DURCH et al, 2003).

O Painel concentrou-se nas OMP, consideradas ―[...] o mais custoso e visível aspecto

das operações de paz‖ (DURCH et al, 2003, p.6, tradução livre) 40

e também o mais ameaçado

pelos problemas enfrentados nos últimos anos. Além disso, os especialistas concluíram que o

sucesso das atividades de reconstrução dependeria da capacidade das forças de intervenção de

manter a segurança nas regiões que receberiam as equipes da ONU; portanto, qualquer

esforço de reforma deveria concentrar-se neste instrumento (ONU, 2000). De forma geral, o

Relatório Brahimi convocava os Estados-membros a renovarem seu comprometimento

político com as operações de paz e ressaltava a necessidade de maior suporte financeiro e da

realização de uma série de reformas institucionais (ONU, 2009). Segundo os especialistas,

para serem efetivas, as missões precisariam de equipes maiores e mais completas, recursos e

equipamentos adequados e de um novo entendimento que elevasse as tarefas realizadas pelos

escritórios centrais de suporte às operações ao grupo de atividades centrais das Nações Unidas

(ONU, 2009). Além disso, deveriam ser estabelecidas regras robustas de engajamento e

caberia ao Conselho de Segurança dar, a cada operação, um mandato ―claro, crível e

alcançável‖ (ONU, 2000, p.10, tradução livre). 41

O Relatório também contemplou especificidades de áreas centrais das OMP, como a

comunicação entre oficiais da ONU, Estados e equipes; planejamento, logística e liderança

38 ―Panel on United Nations Peace Operations‖. 39 ―[…] composed of individuals experienced in conflict prevention, peacekeeping and peacebuilding, to assess

the shortcomings of the existing system and to make specific and realistic recommendations for change‖. 40 ―[…] the most costly and visible aspect of peace operations […]‖. 41 ―Clear, credible and achievable‖.

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das operações; disponibilidade e envio rápido de tropas, contingentes policiais e civis; e

questões relacionadas aos direitos humanos e ao primado da lei (DURCH et al, 2003). Apesar

do grande número de temas incluídos, Durch et al (2003) consideram que o Painel não

conseguiu tratar adequadamente diversas questões importantes, tais como treinamento,

segurança, cuidados médicos e estratégias de saída das equipes no campo; o problema do

HIV/AIDS; e questões relacionadas a gênero, que foram retomadas na sequência do processo

de implementação.

De qualquer maneira, a publicação do Relatório Brahimi (2000) marcou a

intensificação do processo de reformulação das operações de paz, que se estendeu por toda a

década. Em meio a esse processo é possível destacar, do ponto de vista normativo, o relatório

da ICISS (International Commission on Intervention and State Sovereignty), de 2001, que

tinha como objetivo revisitar os conceitos de segurança internacional e direitos humanos e

estabelecer novas bases que ampliassem a capacidade da ONU de lidar com questões

sensíveis relacionadas a eles, como genocídios, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes

contra a humanidade (ICISS, 2001). O título do relatório, ―A Responsabilidade de Proteger‖ é

bastante elucidativo em relação ao seu conteúdo, uma defesa da ideia de que os Estados

soberanos têm a responsabilidade de proteger seus próprios cidadãos de catástrofes que

podem ser evitadas; porém, quando estes se mostrarem incapazes ou pouco empenhados na

realização dessa tarefa, a responsabilidade pela vida e bem-estar de sua população recairá

sobre a comunidade de Estados, e, especialmente, sobre a ONU (ICISS, 2001).

Em 2003, outro relatório, desta vez da Comissão sobre Segurança Humana (CSH),

afirmava que era chegado o momento de as pessoas – e não mais os Estados – serem

colocadas como protagonistas da segurança internacional e preocupação central das

organizações encarregadas de preservá-la. Mais do que isso, o ―Human Security Now‖ (2003)

redefinia os termos da responsabilidade da sociedade internacional em relação às pessoas e

afirmava que a melhor maneira de defendê-las das ameaças enfrentadas seria garantir a

segurança humana, pela reunião dos ―[...] elementos humanos da segurança, dos direitos e do

desenvolvimento‖ (CSH, 2003, p.4, tradução livre). 42

De acordo com a Comissão, a

segurança das pessoas estaria intimamente relacionada à dos Estados: ―liberdade em relação à

necessidade; liberdade em relação ao medo; e liberdade para as futuras gerações herdarem um

42 ―[…] the human elements of security, of rights, of development‖.

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ambiente natural saudável – estes são os blocos fundamentais e inter-relacionados da

segurança humana e, portanto, nacional‖ (CSH, 2003, p.4, tradução livre). 43

Para garantir a realização e a preservação da segurança humana, o ―Human Security

Now‖ (2003) prevê que ―a responsabilidade dos Estados e da comunidade internacional de

proteger as pessoas nos conflitos deve ser complementada pela responsabilidade de

reconstruir – inclusive depois de intervenções militares internacionais‖ (2003, p.57, tradução

livre). 44

Assim, de acordo com o relatório, ―a medida do sucesso de uma intervenção não é a

vitória militar – é a qualidade da paz deixada por ela‖ (CSH, 2003, p.57, tradução livre) 45

,

que seria traduzida pelo avanço do desenvolvimento e do processo de construção de

instituições democráticas que respeitassem os direitos humanos e fossem capazes de

empoderar as pessoas (CSH, 2003). Apesar das medidas sugeridas em ambos os relatórios

darem conta das transformações normativas propostas, a capacidade das OMP de realizar as

novas tarefas atribuídas a elas ainda dependia de amplo processo de reformulação

institucional e operacional, capazes de traduzir em diretrizes práticas os novos conceitos

adotados pela ONU, questão abordada em documentos subsequentes.

Foi com esse objetivo que o documento final do World Summit (2005) propôs a

criação de um mecanismo institucional para reforçar o suporte às operações de paz, em

especial aos seus componentes de reconstrução e reconciliação: a Comissão de Peacebuilding.

No documento, os membros reconhecem o papel vital da ONU para recuperar, reintegrar e

reconstruir Estados saindo de conflitos e afirmam a necessidade de integrar esforços e

estratégias nesse sentido (ONU, 2005). Assim, a Comissão deveria focar esforços de

reconstrução física e institucional para que os Estados possam se:

[...] recuperar do conflito, e dar suporte ao desenvolvimento de estratégias integradas

para lançar as bases do desenvolvimento sustentável. Além disso, [a Comissão] deve

dar recomendações e informações para melhorar a coordenação de todos os atores

relevantes, dentro e fora da ONU; desenvolver melhores práticas; ajudar a garantir o

financiamento dos gastos previstos para as primeiras atividades de recuperação; e

ampliar o período de assistência da comunidade internacional à recuperação pós-conflito (ONU, 2005, § 98, tradução livre). 46

43 ―Freedom from want, freedom from fear and the freedom of future generations to inherit a healthy natural

environment—these are the interrelated building blocks of human, and therefore national, security‖. 44 ―The responsibility of states and the international community to protect people in conflict should be

complemented by a responsibility to rebuild – including after an international military intervention‖. 45 ―The measure of an intervention‘s success is not a military victory—it is the quality of the peace that is left

behind‖. 46 […] recovery from conflict and support the development of integrated strategies in order to lay the foundation

for sustainable development. In addition, it should provide recommendations and information to improve the

coordination of all relevant actors within and outside the United Nations, develop best practices, help to ensure

predictable financing for early recovery activities and extend the period of attention by the international

community to post-conflict recovery.

Page 45:  · Letícia Carvalho de Souza Segurança, Desenvolvimento e Reconstrução de Estados: O caso da Libéria (2003-2008) Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora designa

43

Sobre o financiamento das atividades de reconstrução, o documento chamava atenção para a

necessidade de aumentar a transparência e o volume de dados disponíveis para os principais

contribuintes, de modo a aumentar a confiança, garantir a continuidade e, se possível, a

ampliação da ajuda. Com esse intuito, ficou estabelecido que as reuniões da Comissão de

Peacebuilding seriam acompanhadas por representantes do Banco Mundial (BM), do Fundo

Monetário Internacional (FMI) e das demais instituições doadoras que dão suporte à

reconstrução em cada caso (ONU, 2005, §102).

Ainda em 2005, os aspectos administrativos e orçamentários das missões de paz foram

objeto do relatório ―Peace Operations 2010‖ (2005), produzido pelo DPKO, que discutia a

implantação de políticas e procedimentos que ampliariam a capacidade de suporte do

Departamento às missões de paz na próxima década. De acordo com o relatório, para que as

recentes mudanças nas atribuições das operações surtissem efeitos positivos, estas deveriam

ser acompanhadas por ampla reformulação da maneira de conduzir as operações em cinco

áreas centrais: recursos; pessoal; parcerias; estrutura organizacional e doutrina (ONU, 2005).

As recomendações foram incorporadas a um documento enviado pelo secretariado à

Assembléia Geral (A/60/696) no ano seguinte, e, com a aquiescência dos Estados-membros,

teve início a reforma do DPKO – ainda não concluída. De imediato, foram realizados

investimentos em tecnologia e informação; comunicação estratégica; capacidade de envio

rápido de tropas; revisão do perfil dos cargos, recrutamento e treinamento de pessoal; e

monitoramento de disciplina e conduta. Além disso, o DPKO se esforçou para melhorar a

integração entre a ONU e outras organizações no planejamento e condução das atividades

previstas nos mandatos das missões, estabelecendo regras de cooperação e realizando

treinamentos conjuntos.

Entre estas parcerias, merece destaque a firmada entre o DPKO e o Banco Mundial,

baseada no reconhecimento de que ―[...] nos Estados saindo de conflitos, nem a segurança

militar nem a assistência econômica são, em si mesmas, suficientes para fazer florescer a

recuperação sustentável‖ (ONU, 2005, §18, tradução livre). 47

Assim, ambas as organizações

acreditavam que ações internacionais concertadas aumentariam as chances de sucesso das

atividades pós-conflito, especialmente no que se refere ao restabelecimento da autoridade e

das instituições estatais (ONU, 2005). É interessante notar que a parceria com o Banco

Mundial não se limitou à realização de reuniões regulares e treinamentos conjuntos entre as

47 ―[…] in post-conflict States, neither military security nor economic assistance is, in itself, sufficient to bring

about sustainable recovery‖.

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44

equipes; incluiu também projetos de pesquisa sobre os grandes desafios encontrados no

campo, a busca de soluções operacionais inovadoras e o intercâmbio de equipes para dar

suporte ao processo de formulação de políticas específicas para os casos (ONU, 2005).

A estrutura organizacional do DPKO e das próprias missões também foi bastante

discutida no documento e sofreu algumas mudanças, a começar pelo diálogo estratégico com

o PNUD para esclarecer a atribuição de papéis e responsabilidades às diferentes agências da

ONU e demais organizações na realização de tarefas integradas nas operações. Nesse sentido,

as principais demandas eram: (i) o estabelecimento de estruturas mais flexíveis, capazes de

integrar escritórios centrais e atividades de campo para prover o suporte adequado às

diferentes fases das missões de paz; e (ii) a criação de grupos integrados de especialistas para

dar suporte ao pessoal de campo relacionado a conduta, disciplina, treinamento conjunto,

formulação de políticas e execução de atividades primordiais, como DDR (ONU, 2005).

Entretanto, o próprio DPKO reconhecia que, para que as mudanças fossem efetivas,

seria preciso esclarecer, definir e articular o que as OMP podem e não podem fazer, realizar

estudos sobre as atividades primordiais das missões e as funções de suporte mais importantes,

estabelecer metas e padrões claros para os escritórios centrais e as atividades de campo e

formular orientações específicas sobre como alcançá-los, tanto para profissionais da ONU

quanto de outras organizações (ONU, 2005). Nesse sentido, o DPKO considerou que seria

fundamental reunir as experiências colecionadas ao longo dos quase 60 anos de operações de

paz e utilizar as práticas testadas e aceitas para guiar as equipes na realização de suas funções

e responsabilidades, seja em novas missões seja em novas atribuições para operações já em

curso. Nas palavras do Departamento, o resultado desse esforço deveria ser a elaboração de

uma nova doutrina de OMP, bem como de um conjunto completo de manuais com

coordenadas sobre expectativas e procedimentos da Organização, dirigidos principalmente ao

pessoal de campo e disponibilizados na internet (ONU, 2005).

No fundo, o DPKO defendia a institucionalização do processo de aprendizagem sobre

as operações de paz e a padronização das atividades centrais, inclusive as de seus parceiros,

independentemente do contexto local ou temporal de sua realização. Para permitir a

elaboração dessa nova doutrina, em 1 de julho de 2007 foi criada a Divisão de Políticas,

Avaliação e Treinamento (Policy, Evaluation and Training Division, PETD), reunindo a

Peacekeeping Best Practices Section (PBPS), Integrated Training Service (ITS) e pequenos

grupos dedicados à avaliação e às parcerias (DPKO, 2009). A função da Divisão seria prover

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45

Capacidade integrada de desenvolver e disseminar políticas e doutrinas;

desenvolver, coordenar e realizar treinamento padronizado; avaliar o progresso da

missão em relação à implementação do mandato; e desenvolver políticas e

frameworks operacionais para a cooperação estratégica entre diversos parceiros

dentro da ONU e externos (DPKO, 2009, p.1, tradução livre). 48

Na mesma época da criação da Divisão, a Assembléia Geral determinou o

estabelecimento do Department of Field Support (DFS), pensado para complementar o

trabalho do DPKO pela prestação direta de auxílio às atividades de campo. Logo de início, o

DFS assumiu a responsabilidade sobre as 13 operações em curso lideradas pelo DPKO,

contando com um orçamento de mais de cinco bilhões de dólares (GA/10602, 2007). Dentro

do DFS, funcionam o LSD (Logistics Support Division), responsável por implementar e

monitorar todas as atividades logísticas das operações de paz (LSD, 2009), e a CDU (Conduct

and Discipline Unit,) 49

, que formula procedimentos disciplinares e de conduta, monitora sua

aplicação, treina funcionários e investiga denúncias de abuso ou conduta imprópria, além de

realizar estudos, elaborar relatórios e divulgar informações para os parceiros do DPKO/DFS e

para a mídia (CDU, 2009). O DFS também é o responsável pela operação do Contingent

Owned Equipment System (COE System), que organiza e supervisiona as contribuições dos

Estados para a realização das operações de paz (DFS, 2009). Finalmente, é importante

mencionar que, como resultado do processo de reforma, a Policy Division do DPKO foi

fortalecida, e o Departamento passou a contar com os escritórios de Assuntos Militares

(Office of Military Affairs) e de Primado da Lei e Segurança (Office of Rule of Law and

Security), o que robusteceu sua estrutura institucional e operacional (GA/10602, 2007).

Paralelamente, os estudos realizados pelo DPKO – agora em conjunto com o DFS –

continuaram e acabaram resultando na publicação de um documento que sistematiza as

principais mudanças das OMP ao longo de sua história, redefine suas bases e atribuições,

organiza a participação dos parceiros e oferece orientações sobre como as pessoas ligadas às

operações devem proceder na realização de seu trabalho. A Doutrina Capstone (Capstone

Doctrine), de março de 2008, talvez seja o mais completo inventário já produzido pela ONU

sobre as operações de paz e veio suprir a demanda levantada em vários documentos por

orientações normativas, institucionais e operacionais das quais as missões careciam desde o

final da Guerra Fria. Dessa forma, a Doutrina Capstone (2008) acaba por enunciar alguns dos

48 an integrated capacity to develop and disseminate policy and doctrine; develop, coordinate and deliver

standardized training; evaluate mission progress towards mandate implementation; and develop policies and

operational frameworks for strategic cooperation with various UN and external partners. 49 Em 2005, com objetivo de aumentar a transparência e accountability das missões de paz, a ONU criou o

Conduct and Discipline Team (CDT). Em meio às reformas do DPKO em 2007, o CDT teve seu mandato

reformulado e passou a fazer parte do DFS como a Conduct and Discipline Unit (CDU).

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46

elementos-chave para compreender as operações de paz realizadas pela ONU, especialmente

no século XXI. A próxima seção deverá analisar o conteúdo do documento e a reconfiguração

das OMP para que, no próximo capítulo, possa ser analisada a operação realizada na Libéria a

partir de 2003 à luz de suas determinações.

2.4 Doutrina Capstone

De acordo com o Subsecretário-Geral para Operações de Paz, Jean-Marie Guéhenno, a

Doutrina Capstone (2008) veio suprir a demanda pela codificação de um conjunto de

princípios e experiências – de maneira geral não escrito – que informou e informa as OMP,

para proporcionar aos que as colocam em prática um melhor entendimento acerca de seus

conceitos, operação, potencialidades e limitações (DPKO; DFS, 2008). Trata-se de ―[...] uma

publicação interna do DPKO/DFS‖ (DPKO; DFS, 2008, p.9, tradução livre) 50

que deveria

servir de guia para suas atividades, de modo que todas ―[...] as diretivas, orientações,

procedimento de operação, manuais e materiais de treinamento formulados pelo DPKO/DFS

[...]‖ (p.9, tradução livre) 51

sejam adequadas ao seu conteúdo.

O documento é composto por 10 capítulos, dispostos em três partes: (i) evolução das

OMP; (ii) planejamento das operações; e (iii) estratégias de sucesso na implementação do

mandato. A descrição dos principais conteúdos dos capítulos que compõem cada uma das

partes encontra-se no Quadro 1.

50 ―[…] an internal DPKO/DFS publication‖. 51 ―[…] directives, guidelines, standard operating procedures, manuals and training materials issued by

DPKO/DFS‖.

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47

Parte Capítulos Principais Conteúdos

I: Evolução

das OMP das

Nações Unidas

Capítulo 1: Framework

normativo para as

Operações de Paz

das Nações Unidas

Carta da ONU

Direitos Humanos

Direito Humanitário

Papel do Conselho de Segurança

Capítulo 2:

Evolução do papel

das Operações de Paz das Nações

Unidas

Espectro das Atividades de Paz e Segurança: prevenção de

conflitos; peacemaking; peacekeeping (OMP); peace

enforcement; peacebuilding.

Discussão sobre interseções e vínculos entre as atividades.

Diferenças entre OMP tradicionais e multidimensionais:

participação direta nos esforços políticos para a

resolução do conflito.

OMP Tradicionais: (i) observação, monitoramento e

produção de relatórios, com consentimento das partes; (ii) supervisão de cessar-fogo e suporte a mecanismos de

verificação; (iii) interposição entre as partes e construção

de confiança.

OMP Multidimensionais: (i) criar ambiente estável e

seguro, fortalecer a habilidade do Estado de prover

segurança, com respeito às leis e aos direitos humanos; (ii) facilitar processo político, promover diálogo e

conciliação e dar suporte ao estabelecimento de

instituições de governança legítimas e efetivas; (iii) garantir condições para que a ONU e seus parceiros

possam realizar suas atividades no país de maneira

coerente e coordenada.

Reconstrução nas OMP: restaurar a capacidade do Estado

de prover segurança e manter ordem pública; fortalecer o

primado da lei e o respeito aos direitos humanos; dar suporte à emergência de instituições políticas legítimas e

processos de participação; promover recuperação e

desenvolvimento social e econômico, incluindo retorno e restabelecimento de IDPs e refugiados.

Suporte a outros atores para realização de tarefas

específicas, especialmente recuperação e desenvolvimento social e econômico.

Capítulo 3:

Princípios Básicos das OMP das

Nações Unidas

(i) consentimento das partes (pode ser necessário usar a força para induzi-lo); (ii) imparcialidade (em relação às

partes, não ao mandato); e (iii) não utilização da força, exceto para autodefesa (e defesa do mandato, ressalva

acrescentada no pós Guerra Fria).

Aos princípios, são acrescentados mais três fatores de

sucesso: (a) legitimidade da missão (mandato do CS);

(b) credibilidade (efetividade e capacidade de corresponder às expectativas); (c) promoção de

ownership (reconstrução das instituições, capacidade

nacional e devolução do controle à população local).

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48

II: Planejando

as OMP das

Nações Unidas

Capítulo 4:

Decidindo o envio de uma OMP das

Nações Unidas

Opções e condições de engajamento: comprometimento das

partes com acordos de paz; comprometimento dos vizinhos e engajamento das organizações regionais nos

processos de paz; suporte de CS; mandato alcançável e

disponibilidade de recursos.

Consulta aos contribuintes para planejar, decidir e

implementar, garantindo a chegada dos recursos.

Processo de planejamento integrado entre a ONU e seus

parceiros: assistência humanitária (CAP/CHAP); assistência ao desenvolvimento (CCA/UNDAF);

reconstrução (JAM/PCNA); e estratégias de redução da

pobreza (PRSP).

Capítulo 5:

Planejando uma

OMP das Nações Unidas

III: A arte de implementar

mandatos com

sucesso

Capítulo 6: Estabelecimento e

atividades iniciais das Operações de

Paz das Nações

Unidas

Detalhamento das fases do estabelecimento da missão.

Envio das tropas.

Administração do processo de estabelecimento da missão.

Capítulo 7: Administrando

OMP das Nações

Unidas

Relação entre escritórios e campo.

Integração e coordenação.

Participação de novos atores.

Capítulo 8: Suporte e Sustentação das OMP das Nações

Unidas

Logística e administração.

Recursos humanos.

Segurança das equipes.

Capítulo 9: Mantendo o Suporte

à Missão

Administração dos impactos da missão.

Comunicação.

Capítulo 10:

Transição e Saída

Parcerias e planejamento da transição.

Transferência de atribuições e redução da presença.

Quadro 1: Principais componentes da Doutrina Capstone Adaptado de: DPKO; DFS, 2008.

A análise do Quadro 1 nos permite perceber que, entre os temas abordados no

documento, ênfase é dada à natureza multidimensional das operações, bem como às formas de

organizar e coordenar os papéis desempenhados pelos mais diversos atores nas operações de

paz. A questão da multidimensionalidade aparece logo no Capítulo 2, que afirma que a

mudança da natureza dos conflitos nos quais a ONU é chamada a intervir a partir dos anos

1990 levou a uma dissolução parcial das fronteiras entre os principais instrumentos da

Organização para a manutenção da paz e da segurança: diplomacia preventiva; peacemaking;

peace enforcement; peacekeeping (OMP) e peacebuilding. Como resultado, as OMP passaram

a ser vistas como parte de um processo político mais amplo de reconstrução pós-conflito e

prevenção de sua recorrência e também como medidas mais intrusivas para induzir a paz –

inclusive o uso da força –, como ilustra a Figura 1.

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49

Figura 1: Mecanismos de manutenção da paz

Adaptado de: DPKO; DFS, 2008, p.19.

Nesse novo contexto, a quantidade e a complexidade das tarefas que devem ser

realizadas no curso das operações aumentam consideravelmente, tornando indispensável a

participação de novos atores nos processos de paz. Assim, cada vez mais, a função das

operações passa a ser a criação de condições para que estes possam desempenhar suas funções

de maneira coordenada, para potencializar seus resultados. De acordo com a Doutrina

Capstone (2008), o processo de paz poderia ser dividido em três grandes fases – estabilização;

consolidação da paz; e recuperação e desenvolvimento a longo prazo –, sendo que cada uma

delas seria caracterizada por um conjunto específico de tarefas a serem realizadas e, portanto,

deveria contar com determinado grupo de atores responsáveis. A Figura 2 ilustra a sucessão

das fases (note-se a sobreposição entre elas), os principais objetivos de cada uma delas e os

atores relacionados à sua realização.

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50

Figura 2: Fases e principais atividades das operações de manutenção da paz multidimensionais

Adaptado de: DPKO; DFS, 2008, p.23.

Entretanto, o documento chama atenção para o fato de que o encadeamento bem

sucedido dessas fases não ocorre de forma espontânea; pelo contrário, depende de um

planejamento amplo, cuidadoso e integrado da missão, com participação de todos os atores

envolvidos. A organização e condução do planejamento das missões é atribuição do DPKO e

é a principal questão abordada na Parte III, especialmente no Capítulo 5, dedicado ao

Processo Integrado de Planejamento da Missão (IMPP: Integrated Mission Planning

Process). De acordo com a Capstone (2008), o processo de planejamento deve centrar-se na

definição de entendimentos comuns sobre os objetivos estratégicos de cada missão, com

engajamento de todos os atores relevantes envolvidos e de modo a refletir considerações

orçamentárias. Mais especificamente, o planejamento deve prover um ―[...] framework

inclusivo para o engajamento de parceiros externos‖ (DPKO; DFS, 2008, p.56, tradução livre)

52 cuja participação ―[...] é necessária para que as Nações Unidas alcancem seus objetivos

mais amplos‖ (p.56, tradução livre). 53

Além do planejamento próprio das OMP (segurança), voltado para a estabilização e

para as primeiras atividades de reconstrução, a Doutrina ressalta duas outras áreas que

requerem planejamento específico, as ações humanitárias e o desenvolvimento. É interessante

notar que, tal como as fases das operações, as atividades dessas áreas se sucedem e se

sobrepõem. Antes mesmo de as missões serem autorizadas formalmente, organizações de

assistência humanitária ligadas à ONU iniciam suas atividades nas regiões em conflito e,

muitas vezes, são responsáveis pelo repasse de informações determinantes para o

estabelecimento das missões. No caso da Libéria, por exemplo, essas organizações

52 ―[…] an inclusive framework to engage external partners‖. 53 ―[…] is necessary for the United Nations to achieve its broader objectives‖.

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51

elaboraram um documento que detalhava a situação e as principais necessidades humanitárias

na região, e definia estratégias de intervenção ainda durante a fase mais violenta do conflito,

quando as equipes da ONU tinham sido retiradas do país (CAP LIBERIA, 2003). Esse

documento foi citado no relatório do Secretário-Geral que recomenda a instituição da OMP na

Libéria, inclusive como uma das fontes de um estudo encomendado por ele para definir as

prioridades da missão e delinear estratégias de intervenção (S/2003/875, 2003).

Uma vez que as tropas da ONU chegam à região, passam a trabalhar em conjunto com

as organizações humanitárias na estabilização da situação. Nesse sentido, o mandato da

UNMIL classifica o suporte à assistência humanitária como uma das prioridades da missão, o

que seria feito pela garantia de acesso amplo e seguro das organizações de ajuda à população

necessitada (S/RES/1509, 2003). Paralelamente, o estabelecimento da OMP foi determinante

para que o trabalho das organizações humanitárias fosse ampliado, inclusive por meio do

retorno ao país das equipes que tinham saído em decorrência do conflito e da chegada de

novos grupos, recursos e equipamentos (CAP LIBERIA, 2004).

A garantia de níveis mínimos de segurança e o início do processo de reconstrução das

instituições e da infraestrutura do Estado marcam o início da fase de consolidação da paz, na

qual entram em cena as organizações vinculadas ao desenvolvimento, como, por exemplo, os

órgãos do Banco Mundial voltados para a reconstrução e promoção de investimentos nos

países mais pobres, sem grande apelo para o capital internacional. 54

De acordo com seus

formuladores, a assistência ao desenvolvimento funcionaria como elo entre o alívio das

condições humanitárias, a manutenção da segurança e o processo de reconstrução,

assegurando que a paz promovida pelas agências e organizações internacionais possa ser

preservada a longo prazo (UNDAF LIBERIA, 2003). No caso da Libéria, é interessante

observar que as ações de desenvolvimento tiveram como foco a reforma das instituições do

estado de acordo com padrões (e práticas) internacionais de boa governança, inspiradas,

principalmente, nos estudos realizados pelo Banco Mundial (UNDAF LIBERIA, 2003). Essas

medidas, aliadas à garantia da segurança e da melhoria das condições de vida básicas da

população – inclusive a recuperação do mercado interno – foram consideradas imperativas

54 Esses órgãos compõem o chamado Grupo do Banco Mundial (WBG, World Bank Group). Entre eles, citam-se

o IBRD (International Bank for Reconstruction and Development), que financia projetos de promoção do

desenvolvimento humano sustentável nos países mais pobres, inclusive naqueles em reconstrução (IBRD, 2009);

a IFC (International Finance Corporation), que financia o setor privado nos países pobres e em

desenvolvimento (IFC, 2009); e a MIGA (Multilateral Investment Guarantee Agency), que promove o

Investimento Externo Direto (IED), também nos países pobres e em desenvolvimento, provendo garantias aos

investidores interessados em fazer negócios nesses países (MIGA, 2009). Todas essas organizações participam

do processo de reconstrução da Libéria, inclusive em parceria com a UNMIL, conforme será tratado no próximo

capítulo.

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52

para que o processo de recuperação e desenvolvimento ganhe força e comece a ser realizado

pelo contato direto entre o governo local e as organizações internacionais, como o Banco

Mundial propriamente dito e o FMI (UNDAF LIBERIA, 2003). Na Libéria, o sucesso, pelo

menos parcial, da reforma do Estado foi atestado pela publicação da Estratégia de Redução da

Pobreza (PRS), um plano de reconstrução e desenvolvimento, elaborado pelo governo eleito,

que transplantava as boas práticas relacionadas à governança para o contexto local, e que

passou a balizar toda a assistência prestada ao país pelas agências e organizações

internacionais ligadas ao desenvolvimento (UNDAF LIBERIA, 2008; LIBÉRIA, 2008).

De acordo com a Doutrina Capstone (2008), a organização da assistência humanitária

teria como base dois tipos de documentos, o CHAP (Consolidated Humanitarian Appeal

Process), e o CAP (Consolidated Appeal Process), que apresentam, anualmente, a descrição

dos projetos propostos por agências da ONU, ONGs e governos de outros países para

determinado país/emergência, o percentual de financiamento que cada um deles recebeu, e o

status dos projetos listados nos relatórios do ano anterior (DPKO; DFS, 2008; CAP LIBERIA

2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008). Já a assistência ao desenvolvimento seria determinada

com base em dois grupos de documentos: o primeiro, produzido pelo UNDG (United Nations

Development Group), trataria com maior especificidade as fases iniciais do processo de

reconstrução, e seria composto pelo JAM (Joint Assessment Missions) e pelo PCNA (Post-

Conflict Needs Assessments); e o segundo, composto pelo CCA (Common Country

Assessment), UNDAF (United Nations Development Assistance Framework), e PRSP

(Poverty Reduction Strategy Papers), que contêm a descrição dos projetos a serem realizados

e estabelecem as bases para a cooperação entre o sistema ONU, governo e parceiros do

desenvolvimento, como ONGs locais e internacionais (DPKO; DFS, 2008; UNDAF

LIBERIA, 2003). Finalmente, o planejamento detalhado das atividades a serem realizadas

especificamente na área de segurança deveria constar no mandato das missões e nos

orçamentos anuais, elaborados pelo DPKO/DFS e aprovados pelo Conselho de Segurança.

2.5 Transformações do Sistema de Segurança Coletiva

A criação da ONU teve lugar em um contexto de reconstituição do sistema

internacional de segurança coletiva, que tentava devolver a estabilidade às relações entre os

Estados como reação ao legado de profunda instabilidade deixado pela Segunda Guerra

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53

Mundial. Em meio a esse esforço, a concepção wilsoniana de paz, universal e indivisível, foi

reescrita como limitação e proscrição do uso da força; e classificação do ato de agressão como

uma espécie de ―ilícito internacional‖, ao qual todos os demais Estados estariam compelidos a

responder de forma conjunta. Entretanto, o fim da Guerra marcou também a emergência de

duas superpotências e de uma nova ordem internacional, forjada por elas, na qual não havia

espaço para um mecanismo de reação indiscriminada contra os violadores da paz. Mesmo

assim, alguns elementos do sistema de segurança coletiva foram preservados, com o endosso

das potências, na construção da nova ordem, com destaque para as ideias de limitar o uso da

força entre os demais integrantes do sistema internacional; e de combater a escalada dos

conflitos. Esta última, reforçada pelo temor de que o envolvimento de norte-americanos e

soviéticos em disputas regionais pudesse precipitar entre eles uma guerra nuclear de

proporções desastrosas para todos.

De fato, entre seus inúmeros efeitos, a divisão do mundo impingiu às potências grande

parte das responsabilidades e dos custos envolvidos na operação do sistema de segurança

coletiva, cada uma em seu bloco. Com isso, o recurso a mecanismos multilaterais para

combater ameaças à paz, como os oferecidos pela ONU, foi bastante esvaziado, e, em geral,

reservado a casos que não atraiam grande atenção das potências. As OMP foram a fórmula

clássica encontrada para lidar com esses casos, e se mantiveram consistentes com o objetivo

de limitar o uso da força e estabilizar as situações, principalmente por meio da separação entre

os beligerantes e restituição da autoridade soberana nas áreas afetadas. A proeminência desses

elementos fica bastante evidente nos mandatos das operações realizadas entre 1948 e 1989,

sintetizados no Quadro 2.

Sigla Nome da

Operação Local Mandato Início Término

UNTSO

United

Nations Truce Supervision

Organization

Palestina

Auxiliar o Mediador das Nações Unidas; supervisionar a

observância da trégua (os

Acordos Gerais de Armistício de 1949 e o cessar-fogo na área do

Canal de Suez e nas Colinas de

Golã); auxiliar e cooperar com

a UNDOF e a UNIFIL.

Maio 1948

Presente

UNMOGIP

United

Nations

Military Observer

Group in

India and

Pakistan

Índia e

Paquistão

Supervisionar o cessar-fogo nas

províncias de Jammu e

Kashemira firmado entre a Índia e o Paquistão.

Janeiro

1949 Presente

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54

UNEF I

First United Nations

Emergency

Force

Suez

Assegurar e supervisionar o fim das hostilidades, incluindo a

retirada das forças armadas da

França, de Israel e do Reino Unido do território egípcio e,

após a retirada, atuar como

tampão entre as forças israelenses e egípcias; prover

supervisão imparcial do cessar-

fogo.

Novembro

1956

Junho

1967

UNOGIL

United

Nations

Observation Group in

Lebanon

Líbano

Garantir, como um grupo de

observação, que não haja

entrada ilegal de pessoal ou

suprimentos de armas e outros

materiais pelas fronteiras libanesas.

Junho

1958

Dezembro

1958

ONUC

United

Nations

Operation in

the Congo

Congo

Prover assistência militar ao

governo até que as forças de

segurança nacionais estejam prontas para cumprir plenamente

com suas funções; garantir a

retirada das forças belgas; e

auxiliar o governo a manter a

lei e a ordem. A função da

ONUC foi posteriormente modificada para incluir também:

a manutenção da integridade

territorial e a independência

política do Congo, a prevenção

de conflitos civis e a

certificação da retirada do

Congo de todo o pessoal estrangeiro militar, paramilitar e

de assessoria que não estejam sob

o comando da ONU.

Julho

1960

Junho

1964

UNSF

United

Nations

Security Force in West

New Guinea

Nova

Guiné Ocidental

Manter a paz e a segurança no território sob a Autoridade

Executiva Temporária das

Nações Unidas; monitorar o

cessar-fogo; e auxiliar na

promoção da lei e da ordem

durante o período de transição.

Outubro

1962

Abril

1963

UNYOM

United

Nations

Yemen Observation

Mission

Iêmen

Observar e certificar a

implementação do acordo de

desengajamento entre a Arábia Saudita e as Repúblicas Árabes

Unidas.

Julho

1963

Setembro

1964

UNFICYP

United Nations

Peacekeeping

Force in

Cyprus

Chipre

Prevenir a recorrência de lutas

entre as comunidades cipriotas

gregas e turcas e contribuir para

a manutenção e restauração da lei e da ordem. Depois do

estabelecimento de um cessar-

Março

1964 Presente

Page 57:  · Letícia Carvalho de Souza Segurança, Desenvolvimento e Reconstrução de Estados: O caso da Libéria (2003-2008) Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora designa

55

fogo em 1974, o mandato do UNFICYP foi expandido para

incluir também: a supervisão do

cessar-fogo e a criação de uma

zona de segurança entre as

linhas.

DOMREP

Mission of the

Representativ

e of the Secretary-

General in the

Dominican

Republic

República

Dominica-na

Observar a situação na

República Dominicana e

comunicar o Conselho de

Segurança em caso de

descumprimento do cessar-fogo ou qualquer outro evento que

possa afetar a manutenção da paz

e da ordem no país.

Maio

1965

Outubro

1966

UNIPOM

United Nations India-

Pakistan

Observation Mission

Índia e Paquistão

Supervisionar o cessar-fogo ao

longo da fronteira entre Índia e Paquistão (exceto nas províncias

de Jammu e Kashmira) e o recuo

de todas as tropas para as posições em que se encontravam

antes de 5 de Agosto de 1965.

Setembro 1965

Março 1966

UNEF II

Second

United

Nations Emergency

Force

Suez e

Sinai

Supervisionar o cessar-fogo

entre Egito e Israel;

supervisionar a remoção das

forças egípcias e israelenses; e

administrar e controlar as

zonas de segurança estabelecidas pelos acordos de 1974 e 1975.

Outubro

1973

Julho

1979

UNDOF

United

Nations

Disengagement Observer

Force

Colinas de

Golã

Manter o cessar-fogo entre

Israel e Síria; supervisionar a

remoção das forças israelenses e sírias; e supervisionar as áreas

de separação e limitação.

Junho

1974 Presente

UNIFIL

United Nations

Interim Force

in Lebanon

Líbano

Garantir a retiradas das forças

israelenses do Líbano; restaurar

a paz e a segurança; auxiliar o governo libanês a restaurar sua

efetiva autoridade na região.

Devido à crise de Julho/Agosto de 2006, o Conselho de

Segurança ampliou o efetivo da

força e decidiu que, além de seu

mandato original, também iria, entre outras coisas: monitorar o

Março

1978 Presente

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56

cessar das hostilidades;

acompanhar e dar suporte às

forças armadas libanesas à

medida que estas se instalassem no sul do Líbano; e estender sua

assistência para ajudar a

garantir o acesso das ações humanitárias às populações

civis e o retorno seguro e

voluntário dos deslocados civis.

UNGOMAP

United Nations Good

Offices

Mission in

Afghanistan and Pakistan

Afeganis-tão e

Paquistão

Ajudar a garantir a implementação dos Acordos

sobre a Resolução da Situação no

Afeganistão; investigar e relatar

possíveis violações a qualquer das previsões dos Acordos.

Maio

1988

Março

1990

UNIIMOG

United Nations Iran-

Iraq Military

Observer Group

Irã e Iraque

Verificar, confirmar e

supervisionar o cessar-fogo e a

retirada de todas as forças para as fronteiras internacionalmente

reconhecidas, enquanto se

aguardava uma solução definitiva. As atividades da

UNIMOG foram encerradas em

Fevereiro de 1991, depois que Irã

e Iraque fizeram a retirada completa de suas forças para as

referidas fronteiras.

Agosto 1988

Fevereiro 1991

Quadro 2: OMP realizadas pela ONU (1948-1988) e principais componentes do mandato Adaptado de: DPKO, Current Operations, 2010; DPKO, Past Operations, 2010.

Conforme foi discutido, o epílogo da Guerra Fria deu azo à emergência de um novo

entendimento acerca da paz e da segurança, no qual a observância de direitos individuais tidos

como universais e a garantia de condições básicas de vida e bem-estar a todos os seres

humanos ganharam proeminência. Em decorrência dessa transformação, os mecanismos de

combate às ameaças, especialmente às OMP, também mudaram. A partir desse momento, não

se tratava mais de limitar a força e restituir a soberania pura e simplesmente; era necessário

reconstruir o Estado como um todo: instituições; infraestrutura; capacidade de conduzir a

população no caminho do desenvolvimento humano sustentável; e, assim, eliminar as causas

dos conflitos violentos e evitar sua recorrência. O novo corolário das OMP se refletiu na

mudança notável de seus objetivos, em relação àqueles observados no período anterior, como

pode ser percebido pelos novos componentes dos mandatos das missões realizadas a partir

dos anos 1990, sintetizados no Quadro 3.

Page 59:  · Letícia Carvalho de Souza Segurança, Desenvolvimento e Reconstrução de Estados: O caso da Libéria (2003-2008) Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora designa

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Sigla Nome da

Operação Local Mandato Início Término

UNAVEM I

United

Nations

Angola

Verification Mission I

Angola Verificar a retirada das

tropas cubanas do território

angolano.

Janeiro

1989

Junho

1991

UNTAG

United

Nations Transition

Assistance

Group

Namíbia

Entre outras funções, auxiliar o

Representante Especial do

Secretário-Geral a garantir a

independência da Namíbia

por meio de eleições livres e

justas, sob a supervisão e

controle da ONU.

Abril

1989

Março

1990

ONUCA

United Nations

Observer

Group in Central

America

Costa

Rica, El

Salvador,

Guatemal

a

Honduras

e

Nicarágua

Verificar o cumprimento, pelos governos da América

Central, da decisão de cessar

toda a ajuda a forças

irregulares e movimentos

insurgentes na região e de

impedir a utilização de seu

território para que estes lancem ataques a outros estados. Além

disso, coube à ONUCA

auxiliar na desmobilização voluntária da Resistência

Nicaraguense e monitorar o

cessar-fogo e a separação das

tropas tal como acordado entre as partes no processo de

desmobilização.

Novembro

1989

Janeiro

1992

UNIKOM

United

Nations Iraq-

Kuwait

Observation Mission

Iraque e Kuwait

Monitorar a zona desmilitarizada ao longo da

fronteira entre Iraque e Kuwait,

além de deter possíveis

violações a essa fronteira e

comunicar o Conselho sobre

qualquer ação hostil.

Abril 1991

Outubro 2003

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58

MINURSO

United Nations

Mission for

the

Referendum in Western

Sahara

Saara

Ocidental

Monitorar o cessar-fogo;

verificar a redução das tropas

marroquinas no território;

monitorar o confinamento das tropas marroquinas e da

Frente POLISARIO aos locais

designados; negociar com as

partes a libertação de todos os

prisioneiros políticos de Saara

Ocidental; acompanhar as

trocas de prisioneiros de guerra;

implementar o programa de

repatriamento; identificar e

registrar eleitores; além de

organizar um referendum livre e justo.

Abril

1991 Presente

UNAVEM II

United Nations

Angola

Verification

Mission II

Angola

Verificar o cumprimento das

decisões acordadas pelo governo de Angola e a União

Nacional para a Independência

Total de Angola, com o fim de

monitor o cessar-fogo e a

atuação da polícia angolana

durante esse período, além de

acompanhar as eleições, de acordo com os Acordos de Paz.

Junho 1991

Fevereiro 1995

ONUSAL

United Nations

Observer

Mission in El Salvador

El Salvador

Verificar a implementação de

todos os acordos entre o

governo de El Salvador e a Frente Farabundo Marti para la

Liberacíon Nacional, incluindo

o cessar-fogo, a reforma e a

redução das forças armadas,

a criação de uma nova força

policial, a reforma do

judiciário e do sistema

eleitoral, e proteção aos

direitos humanos, entre outros.

Julho 1991

Abril 1995

UNAMIC

United

Nations

Advance Mission in

Cambodia

Camboja

Auxiliar na manutenção do cessar-fogo entre as partes do

conflito no Camboja, além de

treinar a população civil

cuidados com minas terrestres. Posteriormente, o mandato

passou a incluir também um

programa de retirada de minas.

Outubro

1991

Março

1992

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59

UNPROFOR

United

Nations Protection

Force

Iugoslávia

Garantir a desmilitarização

das áreas designadas; dar

suporte à entrega de ajuda

humanitária; monitorar as

zonas de voo proibido e as

zonas de segurança. O

mandato foi posteriormente estendido para incluir o

monitoramento preventivo

nas áreas de fronteira na

Macedônia.

Fevereiro 1992

Março 1995

UNTAC

United

Nations

Transitional Authority in

Cambodia

Camboja

Garantir a implementação dos Acordos de Ampla

Resolução Política do Conflito

no Camboja, assinado em 1991. O mandato incluía aspectos

relacionados a direitos

humanos, organização e

realização de eleições,

reformas militares,

administração civil,

manutenção da lei e da

ordem, repatriação e

reassentamento de refugiados

e deslocados internos, e

reabilitação da infra-

estrutura cambojana.

Março

1992

Setembro

1993

UNOSOM I

United Nations

Operation in

Somalia I

Somália

Monitorar o cessar-fogo em Mogadísco e acompanhar

entregas de suprimentos

humanitários. O mandato foi ampliado posteriormente para

permitir a proteção aos

comboios humanitários e o estabelecimento de um

ambiente seguro para a atuação

da assistência humanitária.

Abril

1992

Março

1993

ONUMOZ

United

Nations

Operation in Mozambique

Moçambi-

que

Ajudar na implementação do

Acordo Geral de Paz;

monitorar o cessar-fogo e a

retirada das forças

estrangeiras; dar segurança às

linhas de suprimentos; e prover

assistência técnica e acompanhamento a todo o

processo eleitoral.

Dezembro

1992

Dezembro

1994

Page 62:  · Letícia Carvalho de Souza Segurança, Desenvolvimento e Reconstrução de Estados: O caso da Libéria (2003-2008) Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora designa

60

UNOSOM II

United Nations

Operation in

Somalia II

Somália

Tomar as ações necessárias,

incluindo medidas de coação,

para estabelecer em toda a

Somália um ambiente seguro

para a assistência

humanitária. Com esse fim, a

UNOSOM II deveria completar, por meio do

desarmamento e

reconciliação, a missão

iniciada pela Unified Task Force para restaurar a paz, a

estabilidade, a ordem e a lei.

Março

1993

Março

1995

UNOMUR

United

Nations Observer

Mission

Uganda-Rwanda

Uganda e

Ruanda

Monitorar a fronteira entre Uganda e Ruanda e assegurar

que nenhuma ajuda militar

fosse provida por ela.

Junho

1993

Setembro

1994

UNOMIG

United Nations

Observer

Mission in

Georgia

Geórgia

Averiguar o cumprimento do acordo de cessar-fogo entre o

governo da Geórgia e as

autoridades do Abkhaz na

Geórgia.

Agosto

1993

Junho

2009

UNOMIL

United Nations

Observer

Mission in Liberia

Libéria

Exercer bons ofícios em suporte

aos esforços da Comunidade Econômica de Estados da

África Ocidental e do Governo

Nacional de Transição da

Libéria para a implementação

dos acordos de paz; investigar

as possíveis violações ao

cessar-fogo; auxiliar na

desmobilização de

combatentes; dar suporte à

assistência humanitária;

averiguar violações aos

direitos humanos e ajudar

grupos locais de direitos

humanos; além de observar e verificar a realização de

eleições.

Setembro 1993

Setembro 1997

UNMIH

United Nations

Mission in

Haiti

Haiti

Ajudar o governo a

estabelecer um ambiente

estável, a profissionalizar as

forças armadas e a criar uma força policial separada, além de

auxiliar a condução de eleições

livres e justas.

Setembro

1993

Junho

1996

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61

UNAMIR

United

Nations

Assistance Mission for

Rwanda

Ruanda

Ajudar a implementar o Acordo de Paz de Arusha,

assinado em 1993. O mandato

da UNAMIR foi alterado diversas vezes frente aos

trágicos acontecimentos de

genocídio que se seguiram.

Outubro

1993

Março

1996

UNASOG

United Nations

Aouzou Strip

Observer

Group

Chade

Verificar a retirada das

tropas e da administração

líbia da Faixa de Aouzou de

acordo com a decisão da Corte

Internacional de Justiça.

Maio

1994

Junho

1994

UNMOT

United Nations

Mission of

Observers in Tajikistan

Tajiquistão Monitorar o cessar-fogo acordado entre o governo e a

oposição.

Dezembro 1994

Maio 2000

UNAVEM III

United

Nations

Angola Verification

Mission III

Angola

Auxiliar o governo de Angola

e a União Nacional para a Independência Total de Angola

(UNITA) a restaurar a paz e a

alcançar a reconciliação nacional.

Fevereiro

1995

Junho

1997

UNCRO

United

Nations Confidence

Restoration

Operation in Croatia

Croácia

Realizar as funções designadas

a ela pelo acordo de cessar-fogo de 29 de Março de 1994;

colaborar com a

implementação do acordo

econômico de 2 de Dezembro de 1994; monitorar a

passagem de pessoal militar,

equipamento, suprimentos e armas pelas fronteiras

internacionais especificadas;

facilitar a chegada de assistência humanitária à

Bósnia e Herzegovina pelo

território croata; monitorar a

desmilitarização da península Prevlaka.

Maio

1995

Janeiro

1996

UNPREDEP

United Nations

Preventive

Deployment Force

Macedônia

Continuar desempenhando as funções antes exercidas pela

UNPROFOR, tais como:

monitorar as áreas de fronteira e comunicar qualquer

fato possa abalar a estabilidade

da Macedônia ou ameaçar seu

território.

Março 1995

Fevereiro 1999

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62

UNMIBH

United

Nations

Mission in Bosnia and

Herzegovina

Bósnia-

Hezergó-vina

Coordenar as atividades da

ONU na Bósnia-Hezergóvina

relacionadas a ajuda

humanitária e aos refugiados,

retirada de minas, proteção

aos direitos humanos,

realização de eleições,

reabilitação da infra-

estrutura e reconstrução econômica.

Dezembro

1995

Dezembro

2002

UNTAES

United

Nations

Transitional

Administration for Eastern

Slavonia,

Baranja and Western

Sirmium

Croácia

Ajudar a reintegrar

pacificamente a Slavonia

Oriental, a Baranja e a Sirmium Ocidental à Croácia;

supervisionar e acompanhar

a desmilitarização; monitorar

o retorno de refugiados;

contribuir para a manutenção

da paz e da segurança;

estabelecer um força policial

temporária; realizar funções

relacionadas a administração

civil e de serviços públicos; e organizar eleições, entre outras

atividades.

Janeiro

1996

Janeiro

1998

UNMOP

United

Nations

Mission of Observers in

Prevlaka

Croácia e

Iugoslávia

Monitorar a desmilitarização da península de Prevlaka,

dando sequência ao trabalho

desempenhado pela UNCRO.

Janeiro

1996

Dezembro

2002

UNSMIH

United

Nations

Support Mission in

Haiti

Haiti

Coordenar as atividades do

Sistema ONU nas ações de

reconstrução institucional,

reconciliação nacional e

reabilitação econômica, além de auxiliar o governo a

profissionalizar sua polícia e a

manter um ambiente seguro e

estável.

Julho

1996

Julho

1997

MINUGUA

United

Nations

Verification Mission in

Guatemala

Guatemala

Supervisionar a

implementação do Acordo de

Cessar-fogo Definitivo assinado pela governo da Guatemala e a Unidade

Revolucionária Nacional

Guatemalteca.

Janeiro

1997

Maio

1997

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63

MONUA

United

Nations

Observer Mission in

Angola

Angola

Auxiliar as partes em conflito em Angola a consolidar a paz

e alcançar uma reconciliação

nacional, ampliando a confiança mútua e criando um

ambiente favorável à

estabilidade de longo prazo,

ao desenvolvimento

democrático e à reabilitação

do país.

Junho

1997

Fevereiro

1999

UNTMIH

United

Nations Transition

Mission in

Haiti

Haiti

Auxiliar o governo do Haiti,

dando suporte e contribuindo

para a profissionalização da

Polícia Nacional Haitiana.

Agosto

1997

Dezembro

1997

MIPONUH

United

Nations Civilian

Police

Mission in

Haiti

Haiti

Auxiliar o governo a

profissionalizar a Polícia Nacional, em especial

treinando unidades policiais

especializadas. Outras funções

incluíam avaliar a atuação da polícia e acompanhar os

policiais em suas atividades

rotineiras.

Dezembro

1997

Março

2000

UNPSG

UN Civilian Police

Support

Group

Croácia

Continuar com o

monitoramento da

performance da polícia croata

na região do Danúbio, particularmente com respeito ao

retorno de deslocados

internos, além de assumir funções de vigilância antes a

cargo da UNTAES, devido ao

fim do mandato desta.

Janeiro

1998

Outubro

1998

MINURCA

United Nations

Mission in the

Central African

Republic

República Centro

Africana

Auxiliar na manutenção e

fortalecimento da segurança e

da estabilidade em Bangui e arredores; supervisionar,

estocar e monitorar a deposição

de armas advindas do processo de desarmamento; ajudar na

capacitação da força policial;

e fornecer suporte técnico

para as eleições.

Abril

1998

Fevereiro

2000

UNOMSIL

United

Nations

Observer Mission in

Sierra Leone

Serra Leoa

Monitorar a situação em Serra Leoa, em especial quanto à

segurança e ao processo de

desarmamento e

desmobilização de ex-combatentes. Também tinha

como missão a de ajudar a

monitorar o respeito às leis humanitárias internacionais.

Julho

1998

Outubro

1999

Page 66:  · Letícia Carvalho de Souza Segurança, Desenvolvimento e Reconstrução de Estados: O caso da Libéria (2003-2008) Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora designa

64

UNMIK

United

Nations Interim

Administratio

n Mission in

Kosovo

Kosovo

Exercer o papel de administração de transição e,

ao mesmo tempo, gerar as

condições para o desen-

volvimento de instituições de

auto-governo democráticas,

com vistas a restaurar a paz e a normalidade para a população

do Kosovo. Progressivamente,

a UNMIK se deslocou da

posição administrativa para a de monitoramento e suporte às

instituições locais.

Junho

1999 Presente

UNAMSIL

United

Nations

Mission in Sierra Leone

Serra Leoa

Cooperar com o governo e as outras partes para a im-

plementação do Acordo de Paz

de Lome e auxiliar o processo de desarmamento, desmobili-

zação e reintegração.

Outubro

1999

Dezembro

2005

UNTAET

United

Nations Transitional

Administratio

n in East

Timor

Timor

Leste

Administrar o território,

exercer a autoridade exe-

cutiva e legislativa durante o

período de transição e dar

suporte ao desenvolvimento

das condições de auto-

governo.

Outubro

1999

Maio

2002

MONUC

United

Nations Organization

Mission in the

Democratic Republic of

the Congo

República

Democrá-tica do Congo

Monitorar o cessar-fogo e o

desengajamento das forças e

fazer com que todas as partes continuem respeitando o

Acordo de Cessar-fogo, entre

outras funções.

Novembro 1999

Presente

UNMEE

United Nations

Mission in

Ethiopia and

Eritrea

Etiópia e

Eritréia

Manter contato com todas as

partes e estabelecer um mecanismo para verificar o

cessar-fogo. A partir de

Setembro de 2000, a UNMEE

também ficou responsável por

monitorar o cessar de

hostilidades e ajudar a garantir

a observância aos compromis-sos firmados.

Julho

2000

Julho

2008

UNMISET

United

Nations

Mission of Support in

East Timor

Timor

Leste

Prover assistência ao Timor

Leste por um período de dois anos até que todas as

responsabilidades operacionais

fossem plenamente transferidas

às autoridades locais.

Maio

2002

Maio

2005

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65

UNMIL

United

Nations

Mission in Liberia

Libéria

Auxiliar na implementação

do acordo de cessar-fogo e no

processo de paz; proteger as

instalações, o staff e os civis

da ONU; dar suporte às

atividades humanitárias e de

direitos humanos; e ajudar na

reforma da segurança

nacional, incluindo treina-

mento de policiais e formação de uma nova e reestruturada

força militar.

Setembro

2003 Presente

UNOCI

United

Nations

Operation in

Côte d'Ivoire

Costa do

Marfim

Auxiliar na implementação,

pelas partes do conflito na

Costa do Marfim, do acordo de

paz assinado em 2003, dando continuidade ao trabalho

desenvolvido anteriormente

pela MINUCI.

Abril

2004 Presente

MINUSTAH

United

Nations Stabilization

Mission in

Haiti

Haiti

Manter a ordem e a

segurança pública; proteger

pessoal e instalações da ONU;

garantir liberdade de ir e vir;

monitorar e reformar a

polícia nacional; proteger

civis; promover primado da

lei, dar suporte aos processos

constitucional e político,

promover governança

democrática e desenvol-

vimento institucional; dar

suporte ao processo eleitoral, diálogo e reconciliação

nacional; estender autoridade

nacional e boa governança em

todo o país; monitorar, promover e proteger os Direitos

Humanos (incluindo refugiados

e IDPs), evitar abusos e prestar assistência às vítimas.

Junho

2004 Presente

ONUB

United

Nations

Operation in Burundi

Burundi

Dar suporte à implementação

dos compromissos assumidos pelos burundianos para

estabelecer uma paz

duradoura e a reconciliação

nacional, tal como disposto no Acordo de Arusha.

Junho

2004

Dezembro

2006

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66

UNMIS

United

Nations

Mission in the Sudan

Sudão

Dar suporte à implementação

do Acordo Amplo de Paz;

monitorar e verificar o

respeito ao acordo de cessar-fogo e averiguar possíveis

violações; manter contato com

os doadores bilaterais; observar e monitorar a movimentação de

grupos armados; auxiliar o

programa de desarmamento,

desmobilização e reintegração; promover o

entendimento a respeito do

processo de paz e do papel da UNMIS por meio de

campanhas informativas;

auxiliar a reestruturação do

serviço policial no Sudão; ajudar as partes a promover o

primado da lei e a proteger os

direitos humanos; dar suporte

à realização de eleições;

incentivar e acompanhar o

retorno voluntário de refugiados e deslocados

internos; coordenar a

assistência humanitária;

prover auxílio para as atividades de limpeza de áreas

minadas; atuar no sentido da

proteção de civis. O mandato também prevê que a UNMIS

estaria autorizada a tomar

todas as ações necessárias

para proteger o pessoal da

ONU, suas instalações, além

de civis sob ameaça iminente.

Março

2005 Presente

UNMIT

United Nations

Integrated

Mission in Timor-Leste

Timor-

Leste

Dar suporte ao governo para que este possa consolidar a

estabilidade, fortalecer a

cultura de governança

democrática, e incentivar o diálogo político entre

stakeholders timorenses, com

vistas a promover uma ampla reconciliação nacional e

fomentar a coesão social.

Agosto 2006

Presente

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67

UNAMID

African Union-United

Nations

Hybrid Operation in

Darfur

Sudão

Proteger os civis, contribuir

para a segurança da

assistência humanitária,

monitorar e verificar a implementação dos acordos,

colaborar para a promoção dos

direitos humanos e o primado da lei, e relatar ao Conselho

sobre a situação ao longo das

fronteiras do Sudão com o

Chad e a República Centro Africana.

Julho

2007 Presente

MINURCAT

United Nations

Mission in the

Central African

Republic and

Chad

República Centro

Africana e

Chad

Contribuir para a proteção de

civis, promover os direitos

humanos e o primado da lei e

auxiliar no processo de

estabelecimento da paz na

região.

Setembro

2007 Presente

Quadro 3: OMP realizadas pela ONU (1989-2009) e principais componentes do mandato Adaptado de: DPKO, Current Operations, 2010; DPKO, Past Operations, 2010.

Os novos objetivos dos mandatos podem ser reinterpretados como novos meios para

manter a segurança internacional, caracterizados pela inclusão de elementos da agenda do

desenvolvimento e da assistência humanitária na acepção mais tradicional da segurança. Tal

inclusão motivou a reformulação das OMP como mecanismos de preservação e promoção

dessa segurança internacionalmente e consolidou sua reorganização em três áreas, quais

sejam, segurança, assistência humanitária e assistência ao desenvolvimento, cuja dinâmica

alterna momentos de integração e especialização, tanto de objetivos quanto de atores. Essas

mudanças foram circunscritas pela ONU à rubrica da multidimensionalidade.

No próximo capítulo, deverá ser mostrado, por meio da análise da missão realizada na

Libéria, no período de 2003 a 2008, como se processa a divisão de tarefas (e de atores) entre

essas três grandes áreas; e a interação entre elas, com vistas a fornecer elementos para discutir

a hipótese da articulação de um nexo entre segurança coletiva, assistência humanitária e

assistência ao desenvolvimento no âmago das OMP pós Guerra Fria.

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3 SEGURANÇA, ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA, ASSISTÊNCIA AO

DESENVOLVIMENTO E RECONSTRUÇÃO DO ESTADO NA LIBÉRIA

Como discutido no capítulo anterior, se tomadas em conjunto, as transformações

normativas, institucionais e operacionais das missões de paz que tiveram lugar a partir dos

anos 1990 podem ser entendidas como parte do processo de emergência de uma nova geração

de OMPs conduzidas pela ONU. Entre as características de tais operações, podem-se destacar

a multidimensionalidade e a participação de novos atores, que evidenciam o envolvimento

mais consistente da sociedade internacional nos processos de pacificação e reconstrução de

Estados nacionais. Contudo, é interessante observar que, apesar da cadência e coerência

aparentes entre propostas e decisões, a reconstituição dessas operações como instrumentos de

manutenção da paz e da segurança internacionais após a Guerra Fria foi muitas vezes marcada

pela descontinuidade. Grande parte das inovações hoje codificadas em documentos como a

Doutrina Capstone (2008), resultou, de fato, da compilação de experiências realizadas de

maneira ad hoc, para atender a necessidades específicas impostas pelas particularidades,

internacionais ou domésticas, que cercaram cada um dos casos nos quais a ONU se envolveu.

Outra questão digna de nota diz respeito ao fato de que, sob a égide da

multidimensionalidade, as operações passaram a ser mais intrusivas – especialmente no que

concerne ao princípio de soberania estatal –, e destinadas a realizar tarefas complexas.

Consequentemente, tornaram-se mais dispendiosas, tanto política quanto economicamente, e

seu sucesso, traduzido aqui como realização efetiva dos projetos e programas tidos como

essenciais, progressivamente condicionado ao suporte dado pelos Estados à operação. Dessa

forma, a aplicação dos novos conceitos, padrões e técnicas relacionados às operações de paz

dependeu não só de seu desenvolvimento e disponibilidade, como também do apoio

internacional recebido em cada caso. Ao longo dos anos, as operações capazes de combinar

inovações e recursos de forma bem sucedida foram utilizadas pela ONU na definição de um

rol de práticas testadas e aceitas (melhores práticas) que serviriam de base para experiências

subsequentes.

Entre essas operações, merece destaque a realizada na Libéria a partir de 2003,

considerada pela ONU como um dos casos de maior sucesso em sua história (UN FORUM,

2005; UN FOUNDATION, 2009). Além de incorporar princípios e técnicas desenvolvidos até

então, a UNMIL (United Nations Mission in Liberia) teve êxito em criar novas soluções e

incorporar, ao longo de sua atuação, práticas que se mostraram eficientes em outros casos.

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Dessa forma, a missão foi considerada pela ONU uma das mais bem acabadas representantes

da nova geração das operações de paz, tornando-se referência para futuras intervenções e uma

das principais fontes para documentos como a Doutrina Capstone (2008).

Neste capítulo, pretende-se descrever a montagem e o funcionamento da operação na

Libéria e identificar evidências das orientações normativas, institucionais e operacionais que

informam os processos de pacificação e reconstrução de Estados após a Guerra Fria, tratadas

no capítulo anterior. Especialmente, pretende-se detalhar o processo de divisão de tarefas e

interação entre elas nas três grandes áreas isoladas anteriormente – segurança, assistência

humanitária e assistência ao desenvolvimento – para discutir em que medida a

multidimensionalidade implica a definição de um novo papel para a ONU nas OMP, qual

seja, o de coordenar um processo de divisão de trabalho entre agências e organizações cada

vez mais especializadas, de modo a garantir objetivos comuns, definidos como a preservação

da paz e da estabilidade. A hipótese de trabalho é que as transformações sofridas pelas OMP

refletem uma redefinição do que significa a paz e dos meios pelos quais ela deve ser

alcançada, principalmente no que concerne à mudança dos regimes. Finalmente, pretende-se

reunir evidências que permitam discutir como se processa o nexo entre segurança coletiva,

assistência humanitária e assistência ao desenvolvimento no pós Guerra Fria.

3.1 Breve História da Libéria

A Libéria é um pequeno país da África Ocidental, que ganhou notoriedade por ter sido

o primeiro Estado africano a declarar independência, em 1847, sem ter vivido intensa

dominação colonial. Apesar disso, sua história é marcada por grande instabilidade política e

profunda ligação com o exterior, especialmente com os Estados Unidos (MORGAN, 2006). A

região, conhecida como ―Costa da Pimenta‖, foi descoberta pelos portugueses no século XV,

mas a dominação durou pouco e, nos anos seguintes, a zona litorânea que hoje compõe o

território da Libéria foi disputada por corsários e exploradores, especialmente britânicos e

holandeses, que procuraram estabelecer entrepostos comerciais para lidar, sobretudo, com

compra e venda de escravos (DAVID, 1984; SAWYER, 2004). Em 1821, a região do Cabo

Mesurado – a mesma que recebeu os portugueses séculos antes – foi adquirida pela American

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Colonisation Society (ACS) 55

, uma organização fundada nos Estados Unidos em 1816, com

objetivo de enviar de volta à África os escravos negros que, segundo eles, não teriam mais

lugar na sociedade norte-americana; expandir as relações comerciais dos EUA com a África; e

civilizar a população nativa (ANING, 1999; WICKSTROM, 1960; DAVID, 1984). No ano

seguinte, aportaram os primeiros colonos e o empreendimento logo foi copiado por outras

sociedades colonizadoras norte-americanas, que estabeleceram assentamentos ao longo da

costa e acabaram por fundar uma espécie de commonwealth, com o lema ―o amor pela

liberdade nos trouxe até aqui‖ (NELSON, 1984). 56

Como observam Aning (1999) e Sayle et al (2009), desde sua criação, a Libéria

contou com um aparato administrativo semelhante ao colonial, no qual a ACS exercia o papel

de um quase Estado, organizando a produção, o comércio e as relações sociais. Sobre esse

último aspecto, Nelson (1984) e Levitt (2005) destacam a submissão imposta pelos imigrantes

vindos dos EUA aos nativos, classificados como ―aborígenes não civilizados‖ (NELSON,

1984, p.XXIV), que teve início no período de administração branca (1822-1842), foi

legalizada na Constituição de 1847 – posterior à independência –, e perdurou, pelo menos, até

os anos 1980, ainda que não mais constitucionalmente. Mesmo depois da independência, os

laços entre a Libéria e os EUA continuaram fortes, com a promulgação de uma constituição

de inspiração norte-americana e a ascensão ao poder de um presidente negro nascido na

Virgínia. Além disso, grande parte das atividades produtivas desenvolvidas no país era

financiada por empresas ou pelo governo dos EUA, que também concedia empréstimos

frequentes ao governo local (ANING, 1999).

Se comparada à maior parte dos Estados africanos, é possível afirmar que, após a

independência, a Libéria passou a desfrutar de uma posição política relativamente tranquila no

cenário internacional (SAYLE et al, 2009). Contou com o reconhecimento e o apoio das

potências europeias e dos EUA e participou da fundação da ONU, obtendo inclusive certo

destaque na defesa da independência das colônias africanas na Organização. Paralelamente, a

política interna do país era marcada pela fragilidade estrutural e institucional e pela

55 A ACS, fundada por Robert Finley, era composta, majoritariamente, por brancos e seus recursos eram

provenientes da venda de certificados de pertença e do apoio de seus membros, instituições religiosas e até do Congresso dos EUA. Apesar de não se tratar de uma organização do governo, a ACS recebeu o apoio do

presidente James Monroe (a capital da Libéria, Monróvia, recebeu esse nome em homenagem a ele) e dos

estados da Virgínia, Maryland, Kentucky, Carolina do Norte e Missouri, inclusive por meio de contribuições em

dinheiro. No final do século XIX, a ACS entrou em decadência e passou a se dedicar a atividades educativas e ao

envio de missionários para diversas regiões, até sua dissolução em 1964 (PURVIS, 1997). 56 Entre as sociedades colonizadoras que criaram assentamentos na costa da Libéria, Aning (1999) cita a

Colonisation Society of Virginia; Young Men’s Colonisation Society of Pennsylvania; Colonisation Society of

New York; e Mississippi Colonisation Society. O nome ―Libéria‖, do latim ―terra livre‖, foi oficializado em 1824,

já com o lema ―The Love of Liberty Brought Us Here‖ (ANING, 1999; NELSON, 1984).

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inabilidade dos líderes políticos de mediarem relações sociais tensas, especialmente com as

tribos nativas (ANING, 1999). Em 1980, essa tensão culminou com a deposição e execução

do então presidente William Tolbert Jr a mando do sargento Samuel Doe, do Conselho de

Redenção Popular (People’s Redemption Council, PRC), eleito presidente em 1985, em um

pleito que excluiu a oposição (ADEBAJO, 2002). Durante os anos de seu governo, Doe

fomentou rivalidades internas e disputas étnicas, além de ter se beneficiado de maneira ilícita

dos recursos naturais explorados na Libéria (HARRIS, 1999). Mesmo assim, o presidente

contou com o apoio dos Estados Unidos que, interessados em manter um aliado contra os

soviéticos na África, destinaram à Libéria mais de US$ 500 milhões entre 1980 e 1989

(HOWE, 2001). Em 1989, grupos guerrilheiros, a maioria composta por integrantes de

minorias étnicas perseguidas por Doe, liderados pela NPFL (National Patriotic Front of

Liberia) se rebelaram contra as forças do governo, dando início à guerra civil (ADEBAJO,

2002).

De acordo com dados da ONU, o conflito deixou mais de 200 mil mortos – inclusive o

presidente – e desalojou cerca de 80% da população do país (que é de 2,5 milhões de

pessoas), entre deslocados internos (IDPs) e refugiados, que contribuíram para o agravamento

da já precária situação dos Estados vizinhos, especialmente Serra Leoa e Costa do Marfim

(UNDAF, 2003). A primeira tentativa internacional de intervir na Libéria foi liderada pela

Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Economic Community of West

African States, ECOWAS), com o envio de uma força de paz em 1990, a ECOMOG

(ECOWAS Cease-fire Monitoring Group), que contou com o apoio da ONU e da Organização

da Unidade Africana (ANING, 1999). Em 1992, o Conselho de Segurança decidiu enviar um

representante para auxiliar a ECOWAS nas negociações com as partes em conflito e

determinou que,

de acordo com o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, [...] todos os Estados

devem, com o propósito de estabelecer a paz e a estabilidade na Libéria,

implementar imediatamente o embargo geral e completo de todas as entregas de

armas e equipamentos militares à Libéria, até que o Conselho de Segurança decida o

contrário (S/RES/788, 1992, §8,tradução livre). 57

Entretanto, mesmo depois do embargo, a participação da ONU no caso da Libéria se

manteve indireta por um período de quase um ano. Somente quando a ECOWAS conseguiu

negociar o cessar-fogo entre as partes (Acordo de Paz de Cotonou, 1993), o Conselho de

57 Under Chapter VII of the Charter of the United Nations, [...] all States shall, for the purposes of establishing

peace and stability in Liberia, immediately implement a general and complete embargo on all deliveries of

weapons and military equipment to Liberia until the Security Council decides otherwise.

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Segurança determinou a criação de uma OMP na região, a UNOMIL (United Nations

Observer Mission in Liberia), a primeira na história da ONU a ser realizada em conjunto com

uma operação preexistente conduzida por outra organização, neste caso a ECOWAS

(S/RES/866, 1993).

No que concerne ao mandato, a UNOMIL pode ser enquadrada na transição entre as

OMPs tradicionais e as novas, inspiradas nas propostas da Agenda para a Paz (1992),

discutidas no capítulo anterior. Por um lado, o estabelecimento da missão indica a disposição

da ONU para intervir em um conflito intraestatal/guerra civil; e de fazê-lo contando com o

apoio de outros atores, como a ECOWAS e algumas organizações de assistência humanitária,

práticas pouco usuais durante a Guerra Fria e que a Agenda classificou como necessárias para

lidar com os conflitos que se apresentavam a partir dos anos 1990. Por outro lado, as tarefas

realizadas pela UNOMIL, como o próprio nome indica, eram bastante limitadas à observação

e monitoramento de uma série de quesitos, como acontecia nas operações realizadas nas

décadas anteriores, sendo as ações de reconstrução, tão enfatizadas na Agenda, praticamente

ausentes. De acordo com o texto do Conselho, a UNOMIL tinha como atribuições principais:

monitorar o cumprimento [...] do Acordo de Paz [...] e verificar sua aplicação

imparcial; assistir o monitoramento do cumprimento do embargo ao fornecimento de

armas e equipamentos militares à Libéria e o alojamento, desarmamento e

desmobilização dos combatentes; observar e verificar o processo eleitoral [...];

assistir a coordenação das atividades de assistência humanitária no campo [...];

planejar e angariar recursos para a desmobilização de combatentes; comunicar

qualquer violação grave do direito humanitário internacional [...]; coordenar, em

conjunto com a ECOMOG, a identificação de minas e bombas e assistir seu

desarmamento (S/RES/866, 1993, § 3, tradução livre). 58

Em 1995, após o reaparecimento de focos de tensão na região, o mandato da UNOMIL

foi ajustado – ainda que não de forma significativa –, dando à missão papel mais ativo na

implementação de acordos e programas e suporte às atividades de assistência humanitária e

aos grupos de direitos humanos, além da recomendação de medidas para prevenir a retomada

do conflito (S/RES/1020, 1995). Com a realização de eleições e o estabelecimento de um

novo governo em 1997, a ONU considerou que a tarefa da missão havia sido cumprida e

encerrou suas atividades em 30 de setembro daquele ano. Ainda em 1997, o Conselho de

58 To monitor compliance […] of the Peace Agreement […] and to verify its impartial application; to assist in the

monitoring of compliance with the embargo on delivery of arms and military equipment to Liberia and the

cantonment, disarmament and demobilization of combatants; to observe and verify the election process […] to

assist […] in the coordination of humanitarian assistance activities in the field […];to develop a plan and assess

financial requirements for the demobilization of combatants; to report on any major violations of international

humanitarian law […]; in cooperation with ECOMOG, coordinate the identification of mines and assist in the

clearance of mines and unexploded bombs.

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Segurança determinou a criação da UNOL (United Nations Peace-building Support Office in

Liberia), que deveria trabalhar junto com o governo da Libéria para facilitar a promoção de

reconciliação nacional e boa governança e ajudar a mobilizar suporte internacional para

planos de reconstrução e desenvolvimento (UN, 2000). A UNOL foi a primeira experiência de

organização de suporte à reconstrução pós conflito criada pela ONU; contudo, suas atividades

foram posteriores à OMP na região, e não parte dela 59

. Para Adebajo (2002), os esforços e

recursos da UNOL foram claramente insuficientes para alterar a situação no país, que

continuou a sofrer com a fome, infraestrutura precária e corrupção generalizada (HOFFMAN,

2006).

Dessa forma, ainda que apresentasse alguns traços característicos das operações de paz

do pós Guerra Fria, a missão realizada na Libéria entre 1993 e 1997 não tinha como objetivo a

reconstrução das instituições e da infraestrutura estatais; tampouco sua abordagem definida

como multidimensional. Isso posto, o período não será objeto da análise proposta no trabalho,

que deverá concentrar-se na missão iniciada em 2003 e com término previsto para 2010; esta

sim, multidimensional e com vistas à ampla reconstrução do aparato estatal. O

estabelecimento da missão e a realização de suas atividades serão descritos e analisados nas

próximas seções, na tentativa de identificar os elementos que redefinem a ideia de paz e os

passos necessários para alcançá-la, especialmente depois do ano 2000. Nesse sentido,

interessa, principalmente, fornecer evidências que ajudem a entender como se processa o nexo

entre segurança coletiva, assistência humanitária e assistência ao desenvolvimento, forjado no

âmago das OMPs multidimensionais.

3.2 UNMIL: multidimensionalidade e reconstrução do Estado na Libéria

Com a posse do presidente Charles Taylor e o encerramento da missão da ONU em

1997, a tensão que permeava as relações sociais na Libéria voltou a emergir. Grupos rebeldes

e milícias passaram a contestar a autoridade do governo e assumiram o controle sobre

algumas regiões do país, dando início à escalada de violência, abusos sistemáticos dos direitos

humanos, perseguições e criminalidade generalizada, praticados não só pelos milicianos como

59 As atividades da UNOL foram encerradas em 2003, quando, em decorrência da retomada dos conflitos, a

ONU estabeleceu uma nova operação de paz na Libéria, a UNMIL, cujas atividades serão descritas e discutidas

em seguida.

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também pelo governo (SAWYER, 2004). Entre os rebeldes, destacaram-se o LURD

(Liberians United for Reconciliation and Democracy), que estabeleceu domínio paralelo no

norte; e o MODEL (Movement for Democracy in Liberia), cuja preponderância crescia no sul

(SAYLE et al, 2009). Esses grupos foram apoiados pelos países vizinhos – Guiné e Serra

Leoa –, que mantinham relações conflituosas com a Libéria, principalmente em decorrência

do suporte dado pelo presidente Taylor a milícias contrárias aos governos desses países (ICG,

2003). Célebre exemplo desse apoio foi o treinamento oferecido por Taylor a integrantes do

RUF (Revolutionary United Front), grupo guerrilheiro acusado de cometer verdadeiras

atrocidades durante os conflitos em Serra Leoa, em troca de participação na exploração de

minas de diamantes no país (NDUMBE; BABALOLA, 2005). A precariedade das condições

de vida na Libéria catalisou o fortalecimento das milícias, fazendo com que, já em 2003,

apenas um terço do território permanecesse controlado pelo governo (SAYLE et al, 2009;

HOFFMAN, 2006). Em pouco tempo, o acesso ao sul foi bloqueado pelo MODEL, enquanto

o LURD cercava a capital Monróvia, o que marcou o reinício da guerra civil (S/2003/875,

2003). O Mapa 1 ilustra o deslocamento das milícias, seus confrontos com as forças do

governo e a direção dos fluxos populacionais decorrentes do conflito.

Mapa 1: Deslocamento das milícias, confrontos com o governo e fluxos populacionais na Libéria (2003)

Fonte: CAP LIBERIA, 2003.

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Diante do agravamento do conflito e da proposta da ECOWAS, apoiada pelos EUA,

de enviar tropas para região, o então Secretário-Geral Kofi Annan remeteu uma carta ao

Conselho de Segurança na qual sugeria a realização de intervenção internacional na Libéria, a

ser desdobrada em três fases: (i) envio de tropas da ECOWAS; (ii) envio de força

multinacional; e (iii) estabelecimento de OMP da ONU (S/2003/769, 2003). Em resposta, o

Conselho autorizou o envio imediato dos contingentes, ancorando sua ação no Capítulo VII

da Carta da ONU, visando à criação de condições para o estabelecimento de uma OMP, a qual

deveria ser delineada pelo Secretário o mais rápido possível (S/RES/1497, 2003).

Paralelamente ao envio das tropas, a ONU passou a negociar o acesso livre e seguro de todos

os atores humanitários à população da Libéria (S/2003/875, 2003). Assim que foi firmado um

acordo de paz entre as partes (Accra Comprehensive Peace Agreement), possibilitando o

estabelecimento do governo provisório, o Secretário-Geral elaborou um relatório sobre a

situação na Libéria, no qual recomendava a criação imediata da OMP e delineava seus termos

(S/2003/875, 2003). Acatadas as sugestões, o Conselho de Segurança determinou a instituição

da UNMIL (United Nations Mission in Liberia), ainda em 2003, com mandato de 12 meses

(S/RES/1497, 2003). As atividades foram iniciadas em seguida e, após sucessivas

prorrogações do mandato, seu encerramento está previsto para setembro de 2010

(S/RES/1855, 2009).

Conforme descrito pela ONU, a partir de 2003, o caso da Libéria demonstra

claramente como a deterioração das condições humanitárias e a continuidade dos conflitos

internos podem ultrapassar fronteiras nacionais e impingir riscos ao sistema internacional

como um todo. Mais do que isso, o diagnóstico e o corolário de medidas proposto pela

Organização vai ao encontro das ideias de que (i) a manutenção da paz e da estabilidade

dependem da habilidade de combinar o combate às ameaças no presente à sua prevenção no

futuro; e (ii) que isso seria viabilizado por uma abordagem multidimensional voltada,

principalmente, para a reforma das instituições e da infraestrutura estatal e para a realização

de programas de desenvolvimento econômico e social, responsáveis por minar as causas mais

profundas das disputas violentas.

Nesse sentido, o Conselho de Segurança reconheceu a relação entre a degeneração das

condições humanitárias e a intensificação do conflito e afirmou que a situação ―[...] constitu i

ameaça à paz e à segurança internacionais, à estabilidade na subregião da África Ocidental; e

ao processo de paz na Libéria‖ (S/RES/1497, 2003, p.1, tradução livre). 60

Tal situação seria

60 ―[…] constitutes a threat to international peace and security, to stability in the West Africa subregion, and to

the peace process for Liberia‖.

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agravada, principalmente, pelo ―[...] deslocamento generalizado da população, pobreza, alto

índice de desemprego e proliferação de pequenas armas [...]‖ (S/2003/875, 2003, § 23,

tradução livre) 61

, falência das instituições, corrupção generalizada, falta de confiança no

Estado, infraestrutura deteriorada, tensão permanente entre grupos sociais – incluindo

disputas territoriais e elementos criminais –, violação e abusos generalizados dos direitos

humanos e do direito humanitário internacional e militarização e fragmentação da sociedade

civil (S/2003/875, 2003). Finalmente, o Secretário-Geral concluiu que o equacionamento

dessas questões ―[...] requer uma resposta abrangente, multidimensional e sustentada da

comunidade internacional‖ (S/2003/875, 2003, § 116, tradução livre) 62

, por meio de ações

coordenadas entre a OMP e as mais diversas organizações envolvidas em atividades para

atenuar os efeitos do conflito na Libéria e evitar sua recorrência no futuro (S/2003/875,

2003).63

A coordenação entre diversos atores e a multidimensionalidade da abordagem

sustentavam todo o leque de medidas recomendadas pelo Secretário e apropriadas pelo

Conselho. Sobre esse aspecto, é interessante notar que as recomendações basearam-se em

estudos encomendados pelo próprio Secretário-Geral, que detalhavam as condições que a

OMP encontraria na Libéria; definiam prioridades relacionadas à manutenção da paz e da

estabilidade; e delineavam planos e cronogramas de ação para que os objetivos da ONU na

região fossem alcançados (S/2003/875, 2003). Compunham as equipes responsáveis pelos

estudos funcionários das mais diversas agências da ONU e OIs – com destaque para o Banco

Mundial (S/2003/875, 2003). As propostas das ONGs vinculadas à assistência humanitária

também foram contempladas, mediante inclusão nas propostas do CAP/CHAP, de documento

elaborado por elas – em parceria com agências da ONU e doadores – que contém a lista de

projetos a serem desenvolvidos em ―setores vitais‖ (S/2003/875, 2003, § 40). 64

De acordo com as recomendações incorporadas ao mandato, a grande prioridade da

UNMIL seria estabilizar a situação de segurança na Libéria e oferecer suporte às organizações

humanitárias ali presentes. Mais especificamente, a instituição da missão deveria garantir o

acesso dessas organizações à população local, criando condições para a ampliação da ajuda e

61 ―[…] widespread population displacement, poverty, high unemployment and a proliferation of small arms

[…].‖ 62 ―[…] requires a comprehensive, multidimensional and sustained response from the international community.‖ 63 Na descrição do Secretário, é interessante notar o papel preponderante exercido pela OMP no sentido de

garantir a segurança dos demais atores e seu acesso à população, além de prover a eles amplo suporte logístico e

assumir a coordenação geral das atividades realizadas no país. Entre as organizações consideradas, encontram-se

agências da ONU, OIs, ONGs, Organizações da Sociedade Civil (CSOs) e Organizações de Base Comunitária

(CBOs). 64 ―Vital sectors‖. A relação de setores e projetos será descrita e discutida posteriormente.

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para o estabelecimento, na região, das principais agências da ONU relacionadas à assistência

humanitária, permitindo a plena realização dos projetos propostos de forma conjunta no

CAP/CHAP de 2003 (e dos anos seguintes) para a Libéria (S/2003/875, 2003).

Em seguida, caberia à UNMIL dar início à reconstrução das instituições e da

infraestrutura do Estado, com destaque para o setor de segurança; e conduzir o processo

eleitoral, tarefas que seriam realizadas ora em conjunto com o governo provisório, ora

assumindo funções de Estado (S/RES/1509, 2003). O peso dado pelo mandato às ações de

reconstrução, principalmente institucionais; assistência humanitária; e à coordenação das

atividades realizadas pelos parceiros, em especial pelas ONGs, fica evidente na observação do

organograma da missão (Figura 3). Nele, pode-se perceber que o comando da operação, que

fica a cargo do Representante Especial do Secretário-Geral, é dividido em quatro dimensões:

duas relacionadas ao suporte institucional, a Divisão de Administração e o Comando das

Forças; e duas relacionadas à reconstrução e à ajuda, o Setor de Operações e Primado da Lei,

e o Setor de Coordenação Humanitária, Reabilitação, Recuperação e Reconstrução (A/58/539,

2003).

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Figura 3: Organograma da UNMIL

Adaptado de: A/58/539, 2003.

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As duas primeiras dimensões dão suporte ao pessoal de campo, incluindo setores de

orçamento, pessoal, contratos, logística e suprimentos, além da manutenção da segurança de

instalações-chave e das equipes e instalações da ONU e de alguns parceiros, responsabilidade

do comando geral das tropas (A/58/539, 2003). Já as últimas concentram ações de

reconstrução, como a reforma dos sistemas legal, judiciário e prisional e da infraestrutura,

além da coordenação dos trabalhos, que ganhou unidade especial (A/58/539, 2003). As tarefas

de reconstrução são reforçadas pelo Escritório Imediato do Representante Especial do

Secretário-Geral (Figura 4), dedicado ao planejamento político e à introdução de boas

práticas, com unidades de consultoria e treinamento de profissionais (A/58/539, 2003).

Figura 4: Organograma do Escritório Imediato do Representante Especial do Secretário-Geral Adaptado de: A/58/539, 2003.

Finalmente, o texto do Conselho reconheceu que, para que a paz e a estabilidade

alcançadas se perpetuassem, seria necessário considerar como a comunidade internacional

―[...] pode ajudar o desenvolvimento econômico futuro na Libéria, com vistas a alcançar

estabilidade a longo prazo [...] e a melhorar o bem-estar de seu povo.‖ (S/RES/1509, 2003,

§15, tradução livre). 65

As conclusões sobre os caminhos da assistência ao desenvolvimento

seriam apresentadas inicialmente no CCA (Common Country Assessment) e, de forma mais

65 ―[…] might help future economic development in Liberia aimed at achieving long-term stability […] and

improving the welfare of its people‖.

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completa, na UNDAF (United Nations Development Assistance Framework), (UNDAF

Libéria, 2003), que reúne os projetos de desenvolvimento a serem empreendidos no país de

2003 a 2005 e, posteriormente de 2008 a 2012, em esforços conjuntos de agências da ONU,

ONGs e OIs, com destaque para o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O desenrolar das atividades da UNMIL, como descrito no mandato da operação

(S/RES/1509, 2003), pode ser relido de acordo com a dinâmica do processo de paz proposta

pela Doutrina Capstone (2008) 66

, e dividido em três momentos: (i) estabilização; (ii)

consolidação da paz; e (iii) recuperação e desenvolvimento a longo prazo, cada um deles

contando com um conjunto mais ou menos específico de atores responsáveis. Relacionada à

divisão em estágios, é também possível identificar uma classificação das tarefas em três

grandes áreas, que são planejadas de forma integrada e devem operar da mesma maneira: (a)

segurança e reorganização institucional do Estado, detalhada no mandato e demais

documentos de planejamento da OMP; (b) assistência humanitária, delineada nos documentos

do CAP/CHAP; e (c) assistência ao desenvolvimento, cujo planejamento final é apresentado

na UNDAF. Contudo, é importante ressaltar que a divisão entre as etapas e entre as áreas não

pode ser demarcada de forma precisa; pelo contrário, os limites entre elas são fluidos, com

grandes zonas de sobreposição e interseção.

De qualquer maneira, é possível perceber que o planejamento e organização da

UNMIL incorporaram, de forma marcante, as orientações normativas, institucionais e

operacionais relacionadas à redefinição da própria noção de paz e dos caminhos para sua

consecução, observada no período posterior à Guerra Fria. Com a inclusão da assistência

humanitária e da assistência ao desenvolvimento como eixos norteadores das atividades da

OMP – ao lado da segurança – e como pilares da construção de um cenário de paz e

estabilidade duradouro, os oficiais da ONU consideraram que a UNMIL teve êxito em colocar

em prática a ideia da multidimensionalidade, o que a levou a ser inscrita entre operações de

maior sucesso conduzidas pela Organização em prol da segurança coletiva. Para que isso

fosse possível, além da incorporação de técnicas aceitas e inovações que se provaram úteis, a

operação contou com considerável apoio internacional, principalmente dos EUA, e com o

engajamento de ONGs e OIs parceiras, refletidos na grande quantidade de projetos e recursos

destinados à melhoria das condições na Libéria.

Como evidência tanto da ampliação do escopo da operação quanto do apoio recebido,

pode-se citar o volume expressivo de recursos humanos e materiais envolvidos na realização

66 Ver Figura 2 na página 50.

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da missão e o volume de contribuições recebidas. Enquanto a missão realizada anteriormente

na Libéria, a UNOMIL (1993-1997) contou com um contingente militar máximo de 303

pessoas e orçamento de cerca de US$ 103,7 milhões (UNOMIL, 2009), a UNMIL chegou a

contar com 15250 soldados, entre 2005 e 2006 (UNMIL, 2009), e um orçamento de mais de

US$ 4,1 bilhões, considerando-se os gastos realizados entre 2003 e 2009 e os aprovados até

setembro de 2010, quando está previsto o encerramento do mandato (A/58/539, 2003;

A/58/744, 2004; A/59/630, 2005; A/60/653, 2006; A/61/783, 2007; A/63/734, 2008;

A/63/734, 2009; A/C.5/63/25, 2009; A/59/736/Add.11, 2004; A/60/852, 2005;

A/61/852/Add.7, 2006; A/62/781/Add.10, 2007; A/63/746/Add.8, 2008). 67

Além disso, os

recursos empregados na ajuda humanitária somam cerca de US$ 400 milhões entre 2003 e

2008, considerando exclusivamente os fundos contabilizados no CAP (OCHA, 2003; 2004;

2005; 2006; 2007; 2008). 68

Dadas essas condições, a UNMIL consagrou-se como uma das mais bem acabadas

representantes da nova geração de OMP e tornou-se um exemplo a ser seguido por operações

futuras, sendo, inclusive, uma das grandes fontes de documentos que contém, de forma

precisa, conceitos e técnicas para informar seu planejamento e realização efetiva, como a

Doutrina Capstone (2008). As próximas seções serão dedicadas à identificação e descrição

mais detida dos componentes em torno dos quais se estruturou o processo de paz conduzido

pela ONU na Libéria (2003-2008), bem como das ações e atores a ele relacionados. Tal

identificação/descrição será realizada tomando por base as três grandes áreas identificadas

anteriormente – segurança e reorganização institucional do Estado; assistência humanitária; e

assistência ao desenvolvimento. Finalmente, será produzida uma matriz geral da atuação da

ONU e de seus parceiros na Libéria, com intuito de mostrar a disposição de ações e atores em

relação a cada uma das áreas, as zonas de afastamento e interseção entre elas. Com isso,

pretende-se reunir elementos que possam ajudar a compreender a complexa rede discursiva

67 Os dados sobre o contingente de civis e voluntários envolvidos nas missões não são muito claros, por isso; foi

considerado somente seu componente militar. Quanto ao custo de cada uma das operações, no caso da UNOMIL

foram consideradas as despesas totais informadas pela ONU para o período de 1993 a 1997 (UNOMIL, 2009). Já

no caso UNMIL, como essa conta ainda não foi fechada, somaram-se os gastos previstos nos orçamentos anuais

da missão (A/58/539; A/58/744; A/59/630; A/60/653; A/61/783; A/63/734) e confirmados pelos relatórios

financeiros de 2003 a 2008 (A/59/736/Add.11; A/60/852; A/61/852/Add.7; A/62/781/Add.10; A/63/746/Add.8) e os gastos aprovados no orçamento até 30 de setembro de 2010 (A/63/734; A/C.5/63/25), sobre os quais ainda

não há relatórios financeiros disponíveis. 68 Não foram encontrados dados disponíveis sobre os gastos com ajuda humanitária entre 1993 e 1997. Em 2009,

a Libéria deixou de ser classificada pelo OCHA como um caso de emergência complexa e a ajuda humanitária

enviada ao país foi exclusivamente destinada a combater uma infestação de insetos (OCHA, 2009). Como esses

recursos não estão destinados a programas ligados às atividades da missão, os mesmos foram desconsiderados.

Até 15 de janeiro de 2010, ainda não havia nenhum registro de apelo ligado à Libéria especificamente (OCHA,

2010). Os recursos empregados na assistência ao desenvolvimento durante os períodos analisados não são

apresentados de forma clara ou consolidada; portanto, também foram desconsiderados.

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que sustenta as inovações normativas, institucionais e operacionais que emergiram a partir dos

anos 1990, especialmente no que se refere à forma como parece ter se processado o nexo entre

segurança coletiva, assistência humanitária e assistência ao desenvolvimento no período.

3.3 Organização da Missão

A abordagem multidimensional das OMPs conduzidas pela ONU implicou, ao longo

dos anos, em progressivo aumento do leque de atividades desenvolvidas nas regiões sob

intervenção internacional. Com isso, a realização efetiva dos programas e projetos

considerados essenciais para que as operações resultem em paz duradoura passou a exigir um

número também crescente de recursos e profissionais especializados. Essa demanda articulou-

se a um discurso que afirmava a universalidade dos princípios que orientavam a instituição

das operações e a definição de suas prioridades, como democracia e desenvolvimento, o que,

no limite, funcionaria como garantia de comunhão de objetivos entre os mais diversos atores

interessados em engajar-se nos processos de paz. A consolidação dessas ideias abriu espaço

para que as OMPs passassem a incorporar grande número de novos atores e promover a

divisão, entre eles, de uma parte do trabalho relacionado ao processo de paz. Entretanto, para

que tal divisão surtisse efeito positivo no campo, era necessário ampliar e aperfeiçoar os

mecanismos de coordenação das atividades entre os envolvidos, tarefa que foi incluída entre

as atribuições do DPKO/DFS.

Esse processo possibilitou ao Departamento concentrar seus esforços na manutenção

da segurança – definida como condição sine qua non para a realização de qualquer tarefa – e

nos aspectos centrais da reconstrução do Estado, especialmente as leis, instituições e

infraestrutura. Ao conduzir uma operação de paz, portanto, o DPKO/DFS ficou responsável

por forjar as bases sobre as quais a paz pudesse ser edificada, mediante trabalho coordenado

de sua equipe e demais agências e organizações parceiras. Dessa forma, é possível

reinterpretar o processo de reorganização das atividades – que deu azo à emergência da

assistência humanitária e da assistência ao desenvolvimento como áreas das OMP –, como um

de divisão do trabalho relacionado à paz e à segurança, que se articulou às transformações

normativas, institucionais e operacionais sofridas por elas desde o epílogo da Guerra Fria.

A relação entre as três áreas pode ser descrita como de simbiose, na qual observam-se

traços de integração – relacionados principalmente aos fins e ao processo de planejamento –, e

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de independência – garantida pela especificidade dos caminhos trilhados por cada uma delas.

Conforme fica claro na Doutrina Capstone (2008), o Processo Integrado de Planejamento da

Missão (IMPP) visa à definição de objetivos comuns entre os parceiros das OMPs; porém,

―esses atores têm diferentes papéis, processos de tomada de decisão, cronogramas de

engajamento, procedimentos, pressões orçamentárias e autoridades de supervisão‖ (ONU,

2008, p.55, tradução livre). 69

Isso implica que, ainda que os objetivos sejam comuns, os

processos são paralelos, cabendo aos coordenadores da missão ―[...] manterem-se informados

sobre os demais processos de avaliação e planejamento [...] e buscarem ativamente a criação

de integração substantiva entre eles, sempre que possível‖ (ONU, 2008, p.56, tradução

livre).70

A montagem das operações de paz é bastante elucidativa em relação a esse aspecto e

mostra que, apesar de serem pensadas separadamente, as atividades desenvolvidas pelas três

áreas são parte de um todo comum. Esse processo será discutido com base no caso da Libéria,

considerando em um primeiro momento, as três áreas separadamente; e depois, a dinâmica da

interação entre elas. A utilização de um caso concreto permitirá acessar, de forma mais direta,

as políticas desenvolvidas no campo e, com base nelas, perceber como os principais conceitos

que informam as OMPs são transpostos das doutrinas da ONU para o dia-a-dia dos

profissionais que atuam no campo. Ademais, será possível notar como as tarefas

compreendidas em cada uma das áreas acabam por se misturar, o que muitas vezes torna

difícil reconstituir as fronteiras entre elas.

3.3.1 Segurança

O processo de instituição da OMP na Libéria a partir de 2003, como relatado nas

seções anteriores, seguiu o mesmo caminho de grande parte das operações: inicialmente,

recomendada e delineada pelo Secretário-Geral; e, posteriormente, autorizada pelo Conselho

de Segurança, órgão responsável também por definir os termos finais da intervenção. Ainda

que em outros casos o processo possa ocorrer de forma um pouco distinta, uma vez autorizada

a missão, cabe ao secretariado remeter à Assembleia Geral (AG) o orçamento anual das

69 ―These actors have different roles, decision-making processes, deployment time-lines, procedures, budgetary

pressures and supervising authorities‖. 70 ―[...] be aware of the other assessment and planning processes [...] and actively seek to create substantive

linkages between them wherever possible‖.

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atividades, como foi feito para a UNMIL (A/58/539, 2003), composto pelo resumo da

situação na região; pela descrição do mandato, das atividades a serem desenvolvidas, dos

recursos requeridos; e da estrutura da missão, incluindo a especificação do pessoal envolvido.

Para que os trabalhos prossigam, é necessário que esse documento seja aprovado pela AG,

que, em seguida, libera os recursos. Esse procedimento se repete anualmente, salvo alguma

eventualidade 71

, enquanto durar a missão.

No caso da UNMIL, o mandato da operação foi dividido em cinco grupos de medidas

(S/RES/1509, 2003), que foram traduzidas no orçamento como cinco componentes da missão:

(i) Cessar-fogo; (ii) Direito Humanitário e Direitos Humanos; (iii) Reforma do Setor de

Segurança; (iv) Processo de Paz; e (v) Suporte (A/58/539, 2003). Esses componentes se

mantiveram relativamente constantes durante todo o período considerado (2003-2008). As

principais alterações foram realizadas em 2007, mas se limitaram à denominação do

componente, sem se estender de maneira significativa ao seu conteúdo. A única exceção é o

componente ―Cessar-fogo‖, que foi oficialmente excluído das atribuições da missão nessa

época, quando a ONU considerou que as atividades essencialmente relacionadas a ele já

tinham sido concluídas, ou poderiam ser plenamente realizadas pelo governo local dali em

diante. 72

A relação dos componentes da UNMIL e sua ocorrência por ano, como aparece nos

orçamentos anuais (2003-2008), estão resumidas no Quadro 4, a seguir.

71 Invariavelmente são elaborados orçamentos anuais das OMPs. Entretanto, ao longo do ano, esses orçamentos

podem ser suplementados por outros, o que ocorre, principalmente em decorrência de eventos inesperados que

alteram o curso das atividades, como catástrofes naturais ou epidemias. Outra possibilidade de mudança é a

prorrogação do mandato. O orçamento de 2010 da UNMIL, por exemplo, cobria as atividades até 30 de junho,

quando estava previsto o encerramento da missão; porém, com a prorrogação do prazo até setembro

(S/RES/1855, 2009), foi necessário elaborar um orçamento suplementar (A/C.5/63/25, 2009). 72 Cabe aqui uma ressalva relacionada ao DDRR: concluída a fase de desarmamento e desmobilização, em julho

de 2005, as tarefas de reabilitação e reintegração foram transferidas para o componente "Direitos Humanitários e

Direitos Humanos" (posteriormente ―Primado da Lei‖), e o DDRR deixou de integrar o componente cessar-fogo.

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2003 2004 2005 2006 2007 2008

Cessar-fogo Cessar-fogo Cessar-fogo Cessar-fogo - -

Direitos

Humanitários

e Direitos

Humanos73

Direitos

Humanitários

e Direitos

Humanos

Direitos

Humanitários

e Direitos

Humanos

Direitos

Humanitários

e Direitos

Humanos

Primado da

Lei

Primado da

Lei

Reforma do

Setor de

Segurança

Reforma do

Setor de

Segurança

Reforma do

Setor de

Segurança

Reforma do

Setor de

Segurança

Setor de

Segurança

Setor de

Segurança

Processo de

Paz

Processo de

Paz

Processo de

Paz

Processo de

Paz

Consolidação

da Paz

Consolidação

da Paz

Suporte Suporte Suporte Suporte Suporte Suporte

Quadro 4: Componentes da UNMIL e Ocorrência por Ano (2003-2008)

Adaptado de: A/58/539, 2003; A/58/744, 2004; A/59/630, 2005; A/60/653, 2006; A/61/783, 2007; A/63/734,

2008 (Orçamentos); A/59/736/Add.11, 2004; A/60/852, 2005; A/61/852/Add.7, 2006; A/62/781/Add.10, 2007; A/63/746/Add.8, 2008 (Relatórios de Desempenho Financeiro).

Nesses orçamentos, a ONU também define, para cada um dos componentes, um

conjunto de ações, resultados esperados e indicadores de sucesso, que são atualizados de

acordo com o andamento das atividades. Paralelamente, são divulgados Relatórios de

Desempenho Financeiro, também anuais, que contêm a prestação de contas da missão, ações

realizadas, resultados obtidos e avaliação geral de acordo com os indicadores de sucesso. Tais

informações são ainda apresentadas, de maneira sumária, no orçamento do ano seguinte.

Partindo da análise das informações apresentadas nos documentos referentes à UNMIL, foi

possível isolar uma lista de elementos relacionados a cada um dos componentes previstos nos

orçamentos. Os resultados dessa análise foram sintetizados no Quadro 5, com objetivo de

reunir indícios que permitam inferir definições mais claras para os termos empregados pela

ONU na definição dos objetivos da UNMIL e das OMPs em geral.

73 O termo original utilizado nos documentos relacionados à UNMIL é ―Humanitarian and Human Rights‖.

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Componentes Principais Elementos

Cessar-fogo

Garantir liberdade de ir e vir

Garantir ausência de armas não autorizadas

DDRR

Garantir segurança de instalações-chave, das equipes e

instalações da ONU e organizações parceiras

Primado da Lei, Direitos

Humanitários e Direitos

Humanos

Facilitar a assistência humanitária, garantir acesso amplo e

seguro à população

Melhorar condições humanitárias

Promover e proteger direitos individuais, liberdades

fundamentais e reconciliação nacional

Reabilitar e Reintegrar ex-combatentes

Reforma do Setor de

Segurança

Consolidar a lei da ordem; criar capacidade operacional efetiva

para a polícia nacional

Criar instituições judiciais e correcionais sustentáveis

Reestruturar o exército

Processo de Paz

Reconstruir instituições governamentais e estrutura

administrativa

Restabelecer e consolidar autoridade nacional em toda a

Libéria

Organizar eleições nacionais

Suporte Dar suporte logístico, administrativo, médico, comunicação/

informação e transporte à missão

Quadro 5: Componentes da UNMIL e Elementos a eles relacionados (2003-2008) Adaptado de: A/58/539, 2003; A/58/744, 2004; A/59/630, 2005; A/60/653, 2006; A/61/783, 2007; A/63/734,

2008 (Orçamentos); A/59/736/Add.11, 2004; A/60/852, 2005; A/61/852/Add.7, 2006; A/62/781/Add.10, 2007;

A/63/746/Add.8, 2008 (Relatórios de Desempenho Financeiro).

Nesse sentido, observa-se que os elementos relacionados aos componentes ‗Cessar-

fogo‘ e ‗Reforma do Setor de Segurança‘ são condizentes com o objetivo de devolver ao

Estado a capacidade de manter a segurança internamente e o monopólio sobre os meios de

violência, além de possibilitarem a reconstituição da sociedade civil, especialmente após os

processos de desmobilização e desarmamento. No componente ‗Processo de Paz‘, os

elementos de reconstrução institucional e da estrutura administrativa fazem parte dos esforços

para reerguer as bases do Estado soberano para que ele possa, progressivamente, recuperar

sua independência em relação aos principais estados e atores no nível internacional e, no nível

doméstico, estender autoridade por todo o território sob sua jurisdição. Além disso, com a

inclusão da condução do processo eleitoral entre os elementos do processo de paz, percebe-se

que a independência desse Estado que será recriado como sujeito da sociedade internacional

não inclui a prerrogativa de definir a forma de organizar as relações políticas internamente.

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Nesse quesito, a democracia se impõe como modelo universal e único caminho possível para

levar à paz.

A inclusão dos elementos de proteção e promoção dos direitos fundamentais e

liberdades individuais revela a importância atribuída à definição de marcos legais e jurídicos,

característicos dos Estados de direito. Novamente, a intervenção internacional procura

garantir que aspectos da ordem interna do Estado em construção sejam adequados a modelos

de governar, circunscritos à rubrica da boa governança, e que lograram êxito em se afirmar

como ideais no plano internacional. A permanência de elementos relacionados à assistência

humanitária ao longo dos anos de intervenção, além de viabilizar o controle de uma situação

de emergência, procura garantir a melhoria das condições de vida básicas da população, como

o acesso à educação, à saúde e a padrões apropriados de nutrição. O componente conta ainda

com o elemento de reabilitação e reintegração, relacionado, essencialmente, a ensinar ofícios

a ex-combatentes e grupos afetados pela violência em troca de alimentos e/ou remuneração; e,

posteriormente, da criação de empregos e financiamento das atividades produtivas por eles

desenvolvidas. Assim, além de a população ter oportunidades de trabalho e sustento, o

mercado interno seria reconstituído tanto do ponto de vista da produção quanto do consumo.

A existência de mercado interno, aliada à segurança e ao suporte oferecido pelos marcos

jurídico-legais e de padrões internacionais liberais de gestão dos recursos e das relações

econômicas, credenciaria o novo Estado a receber investimentos e empréstimos externos para

fomentar sua recuperação e participar do mercado internacional.

Tomando por base os componentes e elementos 74

constitutivos da missão, percebe-se

que o processo de reconstrução empreendido pela UNMIL na Libéria não visa à edificação de

um Estado qualquer, e, sim, de um Estado democrático de direito, com mercado interno livre

e sólido e administração pública pautada por padrões de boa governança. Tal Estado seria

capaz de trabalhar para garantir melhores condições de vida para sua população e atuar como

membro pleno da sociedade internacional e de suas principais instituições. A concretização

desse projeto, contudo, depende do suporte oferecido, por um lado, por ações humanitárias, e,

por outro, por programas de desenvolvimento, que serão discutidos a seguir.

74 Como o componente ―Suporte‖ e os elementos a ele relacionados dizem respeito à organização da missão e

não ao processo de reconstrução propriamente dito, o mesmo foi desconsiderado, pelo menos por hora.

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3.3.2 Assistência Humanitária

No caso da Libéria, como ocorre na maior parte dos casos de intervenção, as

atividades de assistência humanitária, principalmente aquelas empreendidas por ONGs de

ajuda, precederam a própria autorização da UNMIL e, posteriormente, foram adaptadas para

acompanhar o desenrolar da missão. Os principais projetos desenvolvidos pelas organizações

humanitárias em qualquer país considerado em situação de emergência são apresentados nos

documentos do CAP (Consolidated Appeals Process), que reúnem os apelos por recursos das

diversas organizações de ajuda. O órgão responsável pelo desenvolvimento do CAP é o

OCHA (Office for the Coordination of Humanitarian Affairs), que o define como ―[...] uma

ferramenta desenvolvida pelas organizações de ajuda em um país ou região para angariar

fundos para a ação humanitária bem como para planejar, implementar e monitorar suas

atividades em conjunto‖ (OCHA, 2009b, § 1, tradução livre). 75

Ainda de acordo com o

OCHA, desde sua criação, em 1992, o CAP tornou-se a principal referência da comunidade

humanitária, da qual participam ―organizações não governamentais, agências da ONU e

demais organizações locais e internacionais‖ (OCHA, 2009b, § 3, tradução livre). 76

Nesse

período, o CAP teria promovido o que o OCHA (2009b) chamou de ―abordagem mais

estratégica‖ (§ 2, tradução livre) 77

para a provisão de ajuda e fomentado a cooperação das

agências entre si e com governos e doadores (OCHA, 2009b). 78

Como acontece em muitos países, o diagnóstico de deterioração das condições

humanitárias em decorrência dos longos anos de tensão, motivou a inclusão da Libéria na lista

de emergências complexas e a elaboração de apelos humanitários (CAP LIBÉRIA, 2003).

Com a explosão da guerra civil em 2003, esses apelos foram revisados e o CAP daquele ano

passou a apresentar uma abordagem mais completa para o caso (CAP LIBÉRIA, 2003).

Entretanto, dado o grau de instabilidade e segurança na região, grande parte das equipes das

organizações de ajuda teve que deixar o país, permanecendo somente aquelas dedicadas a

75 ―[…] a tool developed by aid organisations in a country or region to raise funds for humanitarian action as well as to plan, implement and monitor their activities together‖. 76 ―[...] non-governmental organisations, United Nations agencies, and other international and local

organizations‖. 77 ―[…] a more strategic approach‖. 78 De fato, o CAP apresenta os projetos das organizações de ajuda e solicita recursos para sua realização a toda a

comunidade internacional. A maior parte desses recursos é doada pelas próprias organizações envolvidas no

apelo (incluindo as agências da ONU) e pelos Estados-membros, muitas vezes por meio de agências de

assistência humanitária e cooperação. Os recursos podem ser destinados a financiar o CAP como um todo, ou

dirigidos a um ou mais projetos especificamente.

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prestar assistência altamente emergencial e, mesmo assim, em número reduzido (CAP

LIBÉRIA, 2003). Dessa forma, ainda que os projetos do CAP tivessem sido apresentados em

grande número e considerassem um leque bastante abrangente de questões, a maior parte

deles não teria implementação imediata, ficando à espera de apoio internacional,

principalmente relacionado à segurança (CAP LIBÉRIA, 2003). Essa situação, classificada

como a primeira fase do trabalho de ajuda, foi descrita no documento da seguinte maneira:

os conflitos continuam dentro e ao redor de Monróvia, matando e ferindo civis em

áreas distantes das frentes de batalha. Toda a equipe internacional da ONU foi

evacuada da Libéria e a equipe nacional opera em um ambiente de segurança

severamente constrangido. Um pequeno número de equipes de ONGs internacionais

e do ICRC [Comitê Internacional da Cruz Vermelha] continua ativo nos setores de

saúde, água e saneamento. Agências da ONU e organizações humanitárias perderam

e continuam a perder suprimentos, veículos, geradores, equipamentos de escritório e outros materiais para saqueadores armados. Durante esta fase, a assistência

humanitária, conduzida pela equipe nacional da ONU e ONGs parceiras,

permanecerá concentrada em intervenções multissetoriais para salvar vidas, quando

e onde o conflito diminuir. A equipe internacional da ONU continuará de prontidão

fora da Libéria, mas poderia retornar se uma pausa nas batalhas fosse acompanhada

de garantias suficientes de segurança. […] Suprimentos humanitários serão alocados

nos países vizinhos e de lá transportados para a Libéria para serem distribuídos

como e quando for possível. Navios serão posicionados para oferecer abrigo seguro

para a equipe internacional, bem como para transportar itens de socorro altamente

prioritários e para o repatriamento de refugiados, assim que possível (CAP

LIBERIA, 2003, p.5, tradução livre). 79

A interrupção do conflito e as garantias de segurança que, de acordo com o texto do

CAP, permitiriam a volta das equipes de assistência humanitária e a ampliação de suas frentes

de trabalho, foram mencionadas pelo Secretário-Geral e pelo Conselho de Segurança e

classificadas como ações prioritárias relacionadas à Libéria e uma das razões para o

estabelecimento de OMP na região (S/2003/769, 2003; S/RES/1509, 2003). Posteriormente, o

Direito Humanitário, juntamente com os Direitos Humanos, foi definido como um dos cinco

componentes de UNMIL (A/58/539, 2003), e o acesso amplo e seguro das equipes de ajuda à

população, como sendo elemento a ele relacionado. Mais do que isso, a melhoria das

79 Fighting is continuing in and around Monrovia, and indiscriminate mortar fire is killing and injuring civilians

in areas away from the front line. All UN international staff have been evacuated from Liberia, and national staff

are operating in a severely constrained security environment. A small number of international NGO and ICRC staff remains active in the health and water and sanitation sectors. UN agencies and humanitarian organisations

have lost and continue to lose relief supplies, vehicles, generators, office equipment, and other assets to armed

looters. During this phase, humanitarian assistance, managed by UN national staff and NGO partners, will

continue to concentrate on multi-sector, life-saving interventions whenever and wherever the fighting subsides.

UN international staff will remain on standby outside Liberia, but would return if a pause in the fighting were to

be accompanied by sufficient security guarantees. […] Humanitarian supplies will be prepositioned in

neighbouring countries and then transported into Liberia for distribution as and when feasible. Ships will be

chartered for the purposes of establishing an offshore safe haven for international staff, as well as for the

purposes of transporting high priority relief items and for refugee repatriation at the first opportunity.

Page 92:  · Letícia Carvalho de Souza Segurança, Desenvolvimento e Reconstrução de Estados: O caso da Libéria (2003-2008) Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora designa

90

condições humanitárias serviria de suporte ao processo de paz tendo sido relegada, em larga

medida, às organizações de ajuda, conforme planejamento previsto no CAP.

Com o desdobramento das forças internacionais, teria início a segunda fase da

assistência humanitária, cujo ―foco será no aumento significativo da assistência às populações

afetadas pela guerra em Monróvia e seu entorno‖ (CAP LIBERIA, 2003, p.5, tradução

livre).80

Nessa fase, estariam previstos ainda o início da assistência a IDPs e refugiados, o

início da substituição das unidades de saúde temporárias por permanentes e a reabilitação do

sistema de distribuição de água (CAP LIBERIA, 2003). Com o estabelecimento da OMP e a

garantia de segurança em todo o país, o CAP prevê o início da terceira e última fase, na qual o

retorno completo das equipes das organizações humanitárias criaria as condições para uma

―[...] assistência humanitária massiva para responder ao colapso da infraestrutura e ao

subdesenvolvimento crônico que vinham se prolongando‖ (CAP LIBERIA, 2003, p.6,

tradução livre). 81

Assim como nos orçamentos das missões, os projetos do CAP são classificados em

componentes (subáreas), aos quais relacionam-se elementos e projetos. O documento inclui

ainda a descrição sumária dos projetos a serem realizados em cada componente, aponta os

responsáveis por sua condução, faz a estimativa dos custos e presta contas em relação ao

status de financiamento obtido por cada um dos projetos, incluindo a origem dos recursos. Os

Quadros 6 e 7 a seguir, elaborados com base nos CAPs relacionados à Libéria de 2003 a 2008,

sintetizam os componentes e elementos da assistência humanitária no país, e sua ocorrência

por ano (no caso dos componentes). Como pode-se observar, a lista se mantém relativamente

constante ao longo de todo o período.

80― The focus will be on significantly increasing the delivery of relief assistance to war affected populations in

Monrovia and environs.‖ 81 ―[…] massive humanitarian assistance to respond to the prolonged collapse of infrastructure and chronic

underdevelopment‖.

Page 93:  · Letícia Carvalho de Souza Segurança, Desenvolvimento e Reconstrução de Estados: O caso da Libéria (2003-2008) Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora designa

91

2003 2004 2005 2006 2007 2008

Agricultura Agricultura Agricultura Agricultura Agricultura Agricultura

Serviços de

Coordenação e

Suporte

Serviços de

Coordenação

e Suporte

Serviços de

Coordenação

e Suporte

Serviços de

Coordenação

e Suporte

- -

Educação Educação Educação Educação Educação -

Alimentação Alimentação Alimentação - - Alimentação82

Saúde Saúde Saúde Saúde Saúde Saúde

Ação

antiminas83

- - - - -

Multissetorial84

Multissetorial Multissetorial Multissetorial Multissetorial -

Proteção,

Direitos

Humanos e

Primado da Lei

Proteção,

Direitos

Humanos e

Primado da

Lei

Proteção,

Direitos

Humanos e

Primado da

Lei

Proteção,

Direitos

Humanos e

Primado da

Lei

Proteção,

Direitos

Humanos e

Primado da

Lei

-

Segurança da

equipe e das

operações

Segurança da

equipe e das

operações

- - - -

Abrigo e Itens

Não

Alimentícios

Abrigo e Itens

Não

Alimentícios

Abrigo e

Itens Não

Alimentícios

Abrigo e

Itens Não

Alimentícios

Abrigo e

Itens Não

Alimentícios

-

Água e

Saneamento

Água e

Saneamento

Água e

Saneamento

Água e

Saneamento

Água e

Saneamento

Água e

Saneamento

-

Recuperação

Econômica e

Infraestrutura

Recuperação

Econômica e

Infraestrutura

Recuperação

Econômica e

Infraestrutura

Recuperação

Econômica e

Infraestrutura

-

- Setor Não

Especificado85

Setor Não

Especificado

Setor Não

Especificado

Setor Não

Especificado

Setor Não

Especificado

Quadro 6: Componentes do CAP e Ocorrência por Ano (2003-2008) Adaptado de: CAP LIBERIA, 2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008.

82 Volta associada à ampliação do acesso às escolas. 83 Principais ações: levantamento de ocorrência, verificação de rotas e campanhas de conscientização e combate.

Como o componente só aparece em 2003 e o número de minas terrestres na Libéria não era significativo, ele foi

desconsiderado. 84 Atividades relacionadas, principalmente, à assistência prestada a refugiados e IDPs 85 Não há descrição dos projetos e a maioria não recebeu financiamento efetivo; portanto, o componente foi

desconsiderado.

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92

Componentes Principais Elementos

Agricultura e Segurança

Alimentar

Distribuição de insumos agrícolas, recomposição de rebanhos,

propagação e diversificação de mudas, sementes e tubérculos

Treinamento em agricultura, serviços veterinários,

gerenciamento ambiental e controle de pestes

Desenvolvimento de sistemas de irrigação e instalação de

poços

Coordenação de atores e projetos, gestão da informação,

monitoramento e desenvolvimento de sistemas de aviso (early-

warning systems)

Serviços de Coordenação e

Suporte

Fundos de respostas emergenciais e serviços humanitários

gerais

Centros logísticos, serviços de transporte e telecomunicações

Planejamento, capacity-building, coleta, gestão e divulgação

de informações, coordenação de atores e projetos

Recuperação Econômica e

Infraestrutura

Reabilitação de infraestrutura, gestão de recursos naturais,

disponibilização de microcrédito e desenvolvimento de

microempresas

Programas para sustento de famílias, contratações diretas,

geração de emprego, programas de trabalho por comida e

treinamento (FFW/FFT), cursos para desenvolver habilidades

Suporte para participantes dos programas de DDRR, seus

dependentes e comunidades receptoras

Educação

Construção de escolas (incluindo FFW), construção de

unidades temporárias de aprendizado

Suprimento de materiais e equipamentos para as escolas,

suporte e treinamento de professores

Ações de educação para a paz e reconciliação

Alimentos

Distribuição de alimentos, FFW, alimentação para as escolas

Suporte logístico para transporte e armazenamento de

alimentos, manutenção de estoques

Monitoramento das condições de segurança alimentar,

subsistência e nutrição

Saúde

Provisão temporária (direta ou indireta) de cuidados médicos

primários e secundários; provisão de materiais; transfusão de

sangue; respostas médicas e psicossociais a problemas mentais

e violência sexual; tratamento e suporte a pessoas

desabilitadas; alimentação suplementar e terapêutica

Imunização; controle vertical de doenças (ex. Malária);

respostas emergenciais a epidemias; saúde ambiental (controle

de vetores); prevenção e tratamento de HIV/AIDS e DSTs;

saúde reprodutiva

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93

Monitoramento das condições nutricionais e de saúde;

treinamento e capacity-building; educação sobre cuidados

preventivos e cuidados com a saúde; suporte para o

restabelecimento da provisão permanente de materiais e

treinamento (incluindo reabilitação)

Multissetorial

Assistência multissetorial a refugiados e IDPs; repatriação,

realocação e reintegração; suporte à subsistência

Preparação para emergências, sistemas de aviso (early warning

systems), pré-posicionamento

Serviços multissetoriais ou diversos

Proteção, Direitos

Humanos e Primado da Lei

Proteção de civis, IDPs, refugiados, repatriados, crianças;

monitoramento e reunificação de famílias

Advocacy, monitoramento, treinamento e capacity-building

para DH (princípios e convenções); educação e treinamento em

cultura para a paz e resolução de conflitos; prevenção e

combate à impunidade em casos de violência sexual e de

gênero; promoção de reconciliação, peace-building, prevenção

de conflitos; suporte ao judiciário e enforcement da lei;

prevenção e tratamento da violência; educação cívica

Suporte legal; defesa de direito à propriedade e à terra

(especialmente para IDPs); registros de nascimento;

monitoramento das condições de detenção e tentativa de

garantir padrões mínimos (Direito Internacional Humanitário);

produção e divulgação de informações e relatórios

Segurança da Equipe e das

Operações

Estabelecimento de postos de segurança

Envio de oficiais de segurança

Segurança das comunicações

Abrigo e Artigos Não

Alimentícios

Armazenamento e pré-posicionamento de artigos não

alimentícios (NFI, non-food items)

Abrigos temporários, distribuição de NFI/kits de repatriação,

transporte e logística

Abrigos semipermanentes pós-emergência

Água e Saneamento

Suprimento temporário e/ou emergencial de água e

saneamento (campos de IDPs e refugiados, emergências de

saúde)

Suprimento, a médio e longo prazo, de água e saneamento

(áreas de reassentamento, ou campos semipermanentes de

IDPs e refugiados)

Capacity-building, suporte institucional, teste e monitoramento

da qualidade da água, tratamento de água, preparação para a

seca

Quadro 7: Componentes do CAP e Elementos a eles relacionados (2003-2008) Adaptado de: CAP LIBERIA, 2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008.

Observando a divisão da assistência humanitária em fases e sua organização de acordo

com os componentes e elementos apresentados no Quadro 7, pode-se classificar a ajuda em

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94

duas categorias: assistência humanitária emergencial e assistência vinculada à reconstrução. A

primeira começou a ser entregue antes mesmo da instituição da UNMIL (ainda na fase I do

CAP), sendo composta, principalmente, pela provisão de cuidados médicos e sanitários, água

e proteção a alguns civis, refugiados e IDPs (especialmente crianças), tudo em caráter

emergencial e, na maioria das vezes, em instalações provisórias (CAP LIBERIA, 2003). A

assistência à reconstrução, por sua vez, só teve início quando a vigência da OMP foi capaz de

garantir condições básicas de segurança para as organizações humanitárias, que puderam,

assim, aumentar as equipes e ampliar as frentes de trabalho. Os projetos de reconstrução já

constantes do CAP de 2003 ganharam mais peso nos apelos dos anos seguintes, passando a

ocorrer paralelamente às atividades emergenciais, que também se estenderam, ainda que em

menor grau, até o final do período considerado (CAP LIBERIA 2004; 2005; 2006; 2007;

2008).

Se com a UNMIL, a ONU seria capaz de assegurar, progressivamente, ao novo Estado

o monopólio dos meios de violência, garantindo a segurança em sua acepção mais tradicional,

a assistência humanitária concentrou-se em desenvolver a capacidade desse Estado de prover

a segurança em seus aspectos humanos, como citado na definição do PNUD. Seguindo essa

definição, a segurança econômica seria alcançada por meio de investimentos diretos nas

atividades produtivas – como as realizadas por ex-combatentes, IDPs e refugiados assentados

e nas comunidades que os receberam –, como a disponibilização de microcrédito, distribuição

de insumos produtivos e realização de cursos de capacitação de trabalhadores (CAP LIBERIA

2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008). A segurança alimentar é objeto, simultaneamente, das

ações de distribuição direta de alimentos, em caráter emergencial, dos programas de ―trabalho

por comida‖ (DDRR); e de fomento à produção agrícola e às demais atividades econômicas

(CAP LIBERIA 2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008). Esses programas relacionam-se ainda

à segurança comunitária, fomentada pelas próprias atividades de suporte à economia e de

melhoria dos níveis de nutrição, e também por projetos de reconciliação e educação para a

convivência pacífica e democrática entre os habitantes de uma mesma região (CAP LIBERIA

2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008).

Em sua dimensão pessoal e política, a garantia de segurança seria sustentada pelo

fortalecimento das instituições e da infraestrutura estatal. Para tanto, as organizações

humanitárias se dedicaram à implementação de projetos e programas voltados para a criação

de leis e de um sistema judiciário sólidos, forjados com base no respeito aos direitos humanos

e à manutenção da paz, da proteção direta de civis e da criação de mecanismos de

monitoramento das condições. Além disso, essas organizações passaram a dar suporte à

Page 97:  · Letícia Carvalho de Souza Segurança, Desenvolvimento e Reconstrução de Estados: O caso da Libéria (2003-2008) Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora designa

95

difusão da democracia entre os funcionários e pessoas públicas e também entre os civis, por

meio de treinamentos, construção de capacidades, programas de reconciliação nacional e

educação para a paz (CAP LIBERIA 2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008). Os programas de

treinamento de pessoal e educação seriam ainda centrais para auxiliar a garantia da segurança

ambiental, interessados, principalmente, em ensinar maneiras mais eficientes e justas de gerir

os recursos naturais do país, de modo que os mesmos possam ser usados para a melhoria geral

das condições de vida da população (CAP LIBERIA 2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008).

Finalmente, a segurança relacionada à saúde seria asseverada pela melhoria das instalações,

distribuição de água e saneamento. A provisão direta de cuidados médicos e o treinamento de

equipes locais para planejar e implementar políticas de saúde (profiláticas e de tratamento) e

prestar assistência à população, complementariam este trabalho (CAP LIBERIA 2003; 2004;

2005; 2006; 2007; 2008).

De acordo com as agências, os esforços para aumentar a capacidade do Estado de

proteger e cuidar de sua própria população, com democracia, crescimento econômico, redução

da pobreza e melhoria generalizada das condições de vida, têm impacto direto na prevenção

da recorrência de conflitos e catástrofes humanitárias (CAP LIBERIA 2003; 2004; 2005;

2006; 2007; 2008). Entretanto, a obtenção dos melhores resultados para os projetos e

programas relacionados nos CAPs não depende somente das ações de assistência humanitária

e das desenvolvidas diretamente pela OMP. Sua sustentabilidade, a longo prazo, dependeria

da suplementação e integração às políticas de desenvolvimento, planejadas e implementadas,

principalmente, de acordo com as propostas da UNDAF, que serão discutidas a seguir.

3.3.3 Assistência ao Desenvolvimento

A UNDAF (United Nations Development Assistance Framework) foi criada em 1997,

como parte de um programa de reforma para melhorar e trazer maior coerência ao trabalho

das Nações Unidas no campo do desenvolvimento, especialmente no nível local (UNDAF

LIBERIA, 2003). Trata-se de um ―[...] framework de planejamento que consiste em objetivos

comuns, estratégias de cooperação e cronogramas [que] [...] lançam as bases para a

cooperação entre o Sistema ONU, governo e demais parceiros do desenvolvimento‖ (UNDAF

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96

LIBERIA, 2003, p.2, tradução livre). 86

Contudo, os Estados em vias de deixar para trás

situações de conflito ou crise violenta por meio de ações de reconstrução, muitas vezes,

apresentam necessidades que vão além das contempladas na UNDAF tradicional. Para atender

a esses países, a ONU desenvolveu a ―UNDAF Modificada‖ (UNDAF LIBERIA, 2003, p.2,

tradução livre) 87

, especialmente pensada para ―[...] combinar assistência humanitária e peace-

building em um continuum de desenvolvimento‖ (UNDAF LIBERIA, 2003, p.2, tradução

livre). 88

O documento resume as principais ações de desenvolvimento a serem empreendidas

em uma região como forma de complementar a reconstrução do Estado e a assistência

humanitária e, assim, consolidar o processo de paz (UNDAF LIBERIA, 2003). O texto da

UNDAF, elaborado para dar conta do caso da Libéria, expõe as motivações e objetivos gerais

das ações previstas no documento. De acordo com a equipe de assistência ao

desenvolvimento,

paz, segurança, direitos humanos e desenvolvimento são agora reconhecidos como

condições independentes para o progresso humano. O objetivo da UNDAF

modificada será definir uma rota estratégica para acelerar o processo de recuperação

nacional e reconstrução e institucionalizar uma abordagem que liga construção da paz e desenvolvimento. A UNDAF modificada ampliará o impacto da cooperação

do Sistema ONU com vistas a equacionar as necessidades e prioridades nacionais da

Libéria (UNDAF LIBERIA, 2003, p.2, tradução livre). 89

Para tanto, a definição das ações leva em conta o plano de reconstrução nacional e a estratégia

de desenvolvimento propostos pelo governo provisório (MTP, Medium Term Plan), com

86 ―[…] planning framework which consists of common objectives, common strategies of cooperation and time frames […] lays the foundation for cooperation among the UN System, government and other development

partners‖. 87 ―Modified UNDAF‖. 88 ―[...] bring together humanitarian assistance and peace-building in a development continuum.‖ 89 Peace, security, human rights and development are now recognized as interdependent conditions for human

progress. The objective of the modified UNDAF will be to define a strategic path that will accelerate the national

recovery and reconstruction process and institutionalize an approach linking peace-building and development.

The modified UNDAF will increase the impact of cooperation of the UN system in addressing Liberian national

needs and priorities.

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97

auxílio das equipes internacionais de reconstrução, além das prioridades estabelecidas pelo

time da ONU no local (UN Country Team) e pelo CAP (UNDAF LIBERIA, 2003). 90

De acordo com o diagnóstico apresentado na UNDAF, a raiz da guerra civil na Libéria

estaria na relação de causalidade mútua entre conflitos e pobreza.

Conflitos induzem a pobreza. Conflitos deslocam populações, arruínam atividades

produtivas, destroem infraestruturas sociais, como escolas, instalações de saúde, distribuição de água e energia. Além disso, a gestão inadequada dos recursos

naturais os impede de participar do desenvolvimento. Como efeito colateral, os

conflitos minam a capacidade efetiva do governo de governar. No limite, todas essas

condições levaram à redução do padrão de vida do povo da Libéria. Da mesma

maneira, a pobreza leva ao conflito. A pobreza é um solo fértil para a violência. A

pobreza induz conflitos e gera oportunidades para o enriquecimento pessoal

(UNDAF LIBERIA, 2003, p.5, tradução livre). 91

Assim, tanto o equacionamento quanto a prevenção dos conflitos dependeriam de uma

―[...] abordagem integrada, holística e multifacetada para aliviar a pobreza [...], uma vez que

suas causas são múltiplas‖ (UNDAF LIBERIA, 2003, p.4, tradução livre). 92

A identificação

dessas causas é a base de todo o trabalho proposto na UNDAF, que as traduz como

determinantes da pobreza e afirma que a relação entre elas e os conflitos passa por sua

capacidade de solapar o desenvolvimento humano sustentável (UNDAF LIBERIA, 2003). De

forma mais precisa, o documento classifica como principais determinantes da pobreza: ―taxa

de crescimento populacional; desemprego; educação; habitação; insegurança alimentar;

90 A UNDAF é um mecanismo frequentemente utilizado pela ONU para estabelecer orientações comuns para as

políticas de desenvolvimento e coordená-las de forma mais eficiente, em um leque amplo de países. Nesses

casos, utiliza-se a UNDAF regular (modelo clássico). A UNDAF modificada, por sua vez, é utilizada para

atender às necessidades de desenvolvimento que normalmente se apresentam nos primeiros estágios de

reconstrução de um país, enquanto a maior parte das funções que caberiam ao governo local é exercida pela

OMP. Quando o governo nacional é restabelecido em caráter permanente, cabe a ele formular um documento que contemple as ações de desenvolvimento que devem ser realizadas para consolidar a paz, traduzidas em

termos de uma Estratégia de redução da Pobreza (PRS, Poverty Reduction Strategy), e formulado com auxílio de

consultores internacionais. Com base nesse documento, o Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas

reavalia as ações de desenvolvimento que a ONU e seus parceiros julgam pertinentes para dar apoio ao governo

na consecução de seus objetivos, por meio da formulação de uma nova UNDAF, dessa vez, regular. No caso da

Libéria, a UNDAF modificada foi planejada para o período de 2003 a 2005 e teve suas principais atividades

estendidas ao longo dos anos de 2006 e 2007. Em seguida, o governo da presidente eleita Ellen Johnson Sirleaf,

que tomou posse em 2006, elaborou a PRS, apresentada em abril de 2008, na qual as Metas de Desenvolvimento

do Milênio aparecem com grande destaque. Desde então, as ações de desenvolvimento da ONU no país têm sido

orientadas por esse documento, conforme fica claro pela leitura da nova UNDAF elaborada para a Libéria, que

cobre o período de 2008 a 2012, com ênfase na conclusão do processo de transição das atribuições da UNMIL para o governo nacional (UNDAF LIBERIA, 2008). 91 Conflicts induce poverty. Conflicts dislocate populations, disrupt productive activities, destroy social

infrastructures such as schools, health facilities, water works and power installations. Besides, the

mismanagement of natural resource divert national resources from development. Collaterally, conflicts

undermine government capacity to govern effectively. All of these ultimately lead to a lowered standard of living

of the Liberian people. Conversely, poverty leads to conflict. Poverty is a breeding ground for violence. Poverty

induces conflicts and provides opportunities for self-enrichment. 92 ―[…] an integrated, holistic, multifaceted approach to alleviating it […] [s]ince the causes of poverty are

multiple‖.

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98

acesso seguro à água potável, saneamento e aos serviços de saúde; e a prevalência do

HIV/AIDS [...] o estado da infraestrutura [...] [e] finalmente, governança‖ (UNDAF

LIBERIA, 2003, p.4, tradução livre). 93

Problemas de governança, aliás, seriam o centro das

mazelas que assolavam a Libéria, e se manifestariam de diversas formas, em particular na

―falta de transparência e accountability; desrespeito ao primado da lei; baixa participação

popular na formulação das políticas nacionais; sanção contra oponentes; e abusos de direitos

humanos‖ (UNDAF LIBERIA, 2003, p.4, tradução livre). 94

Partindo desse pressuposto, a UNDAF foi dividida em uma série de componentes e

elementos que, em sua maioria, estão relacionados à reconstrução do Estado na Libéria e à

institucionalização de uma abordagem capaz de ligar ―[...] construção da paz, assistência

humanitária e alívio da pobreza com vistas à promoção do desenvolvimento humano

sustentável‖ (UNDAF LIBERIA, 2003, p.6). Os Quadros 8 e 9, a seguir, resumem os

principais componentes e elementos da UNDAF que basearam os projetos e programas

desenvolvidos pelas organizações de assistência ao desenvolvimento na Libéria.

93 ―population growth rate; unemployment; education; housing; food insecurity; access to safe drinking water, to

sanitation, and to health services; and HIV/AIDS prevalence […] [t]he state of infrastructures […] [and]

[f]inally, governance‖. 94 ―the lack of transparency and accountability; disrespect for the rule of law; low popular participation in

national policy formulation; sanctions of opponents; and human rights abuses‖.

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2003 2004 2005 2006 2007 2008

Resolução de

Conflitos,

Peace-

Building e

Alívio

Resolução de

Conflitos,

Peace-

Building e

Alívio

Resolução de

Conflitos,

Peace-

Building e

Alívio

- - Paz e Segurança

Boa

Governança

Boa

Governança

Boa

Governança - -

Boa Governança

e Primado da Lei

Segurança

Alimentar e

Recuperação

Sustentável

Segurança

Alimentar e

Recuperação

Sustentável

Segurança

Alimentar e

Recuperação

Sustentável

- -

Desenvolvimento

Sócioeconômico

Equitativo

Saúde

Reprodutiva,

Combate ao

HIV/AIDS,

malária e

outras

doenças

Saúde

Reprodutiva,

Combate ao

HIV/AIDS,

malária e

outras doenças

Saúde

Reprodutiva,

Combate ao

HIV/AIDS,

malária e

outras

doenças

- -

HIV/AIDS:

Prevenção,

tratamento e

cuidado

- - - - - Educação e

Saúde

Cross-

Cutting

Issues

(gênero,

proteção à

criança, meio

ambiente)

Cross-Cutting

Issues (gênero,

proteção à

criança, meio

ambiente)

Cross-Cutting

Issues

(gênero,

proteção à

criança, meio

ambiente)

- -

Cross-Cutting

Issues

(juventude,

gênero, meio

ambiente, DH,

conflitos,

desenvolvimento

de capacidades)

Quadro 8: Componentes da UNDAF e Ocorrência por Ano (2003-2008) Adaptado de: UNDAF LIBERIA 2003-2005; 2008-2012

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100

Componentes Principais Elementos

Resolução de Conflitos,

peace-building e Alívio

Diálogo político e reconciliação nos níveis nacional e sub-

regional

Reabilitação e reintegração de ex-combatentes

Restabelecimento e reintegração de IDPs, refugiados e

retornados

Reestruturação e construção de capacidade das forças de

segurança

Construção de confiança e educação para a paz

Boa Governança

Suporte ao processo eleitoral

Fortalecimento do judiciário, primado da lei e capacidade

nacional para promover e proteger Direitos Humanos

Ampliação da capacidade nacional de gerenciamento

econômico e reformas políticas (capacity-building, suporte

técnico e logístico para reformas políticas)

Melhoria e uniformização de sistemas de produção de dados

estatísticos para garantir produção e publicação de dados

confiáveis com regularidade

Segurança Alimentar e

Recuperação Sustentável

Melhoria da segurança alimentar, níveis de nutrição e aumento

da renda do setor agrícola

Suporte ao financiamento de microempresas e às iniciativas do

setor privado

Suporte à recuperação do setor de saúde

Suporte à recuperação do setor de educação

Suporte à recuperação do setor de saneamento e distribuição

de água

Suporte à recuperação do setor de Acessibilidade

Saúde reprodutiva, combate

ao HIV/AIDS, malária e

outras doenças

Promoção da conscientização e apoio (IEC) para prevenção do

HIV/AIDS, controle de doenças prioritárias e saúde

reprodutiva por meio de mudança de comportamento

Suporte ao planejamento e desenvolvimento do protocolo de

tratamento do HIV/AIDS

Melhorar acesso a artigos e serviços de saúde reprodutiva e

suporte aos infectados pelo HIV/AIDS

Suporte a programas de saúde reprodutiva, expectativa de vida

e fertilidade

Cross-Cutting Issues

(Gênero, proteção à criança

e meio ambiente)

Equidade de gênero e empoderamento das mulheres

Promover proteção à criança

Melhorar gestão do meio ambiente e dos recursos naturais

Quadro 9: Componentes da UNDAF e Elementos a eles relacionados (2003-2008) Adaptado de: UNDAF LIBERIA 2003-2005; 2008-2012

Page 103:  · Letícia Carvalho de Souza Segurança, Desenvolvimento e Reconstrução de Estados: O caso da Libéria (2003-2008) Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora designa

101

Analisando os dados, pode-se perceber que a maior parte das ações está relacionada à

reconstrução da capacidade do Estado de governar, com legitimidade, seus recursos e sua

população. Nesse sentido, as atividades incluem: fortalecimento das instituições e

reconstrução da confiança das pessoas no Estado; recuperação de setores chave (como

educação, saúde, distribuição de água e saneamento), no que se refere não só à infraestrutura

como também à capacidade de formular e implementar políticas públicas, monitorar e avaliar

seus resultados; redução das desigualdades; e fomento das atividades de geração de renda.

O desenvolvimento humano sustentável, de forma geral, e o desenvolvimento

econômico, mais especificamente, seriam a conquista final do processo de reconstrução da

Libéria. De acordo com os formuladores da UNDAF, a atração de investimentos do setor

privado e a assistência oficial ao desenvolvimento dependeriam de um ambiente estável de

paz e segurança, capaz de inspirar confiança aos parceiros e garantir que a população do país

tenha condições básicas de viver e buscar a realização plena de seu potencial (UNDAF

LIBERIA, 2003).

A estabilidade política na Libéria é, assim, um imperativo social, econômico e

político. É a fundação da reabilitação e reconstrução pós-conflito da Libéria, bem

como de sua recuperação econômica e crescimento. É o único caminho lógico para o

desenvolvimento humano sustentável. Se a Libéria deve começar o processo de

renovação nacional, então não lhe resta alternativa senão assegurar e manter a paz

duradoura (UNDAF LIBERIA, 2003, p.5, tradução livre). 95

O imperativo da paz, segurança e estabilidade se reflete na atuação das principais

organizações internacionais de assistência ao desenvolvimento, o Banco Mundial e o FMI.

Quando do lançamento da UNDAF, em 2003, a participação do BM, por exemplo, foi

retomada (depois de mais de uma década de ausência) e ocorria quase exclusivamente por

meio de seus órgãos voltados para reconstrução e assistência aos países mais pobres (IBRD;

IFC; MIGA), e não de forma direta (UNDAF LIBERIA, 2003). 96

O FMI, por sua vez, só

passou a atuar na Libéria depois que a OMP e as demais atividades empreendidas na região

encontravam-se em estágio relativamente avançado, em 2008, e o novo Estado já contava com

arcabouço institucional, mercado e atividade econômica interna mínimos, capazes de fornecer

alguma garantia de retorno dos investimentos. Interpretando de outra maneira, a relação direta

95 Political stability in Liberia is thus a social, economic and political imperative. It is the foundation of Liberia‘s

post-war rehabilitation and reconstruction as well as her economic recovery and growth. It is the only logical

route to sustainable human development. If Liberia must begin the process of national renewal, then Liberia has

no alternative but to secure and maintain a durable peace. 96 Como será discutido no próximo capítulo, a normalização das relações entre o Banco e a Libéria só ocorreu

em 2007.

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entre um Estado e as principais organizações internacionais depende de esse Estado preencher

requisitos básicos de pertencimento à sociedade internacional, como instituições

democráticas, respeito aos direitos individuais e padrões liberais de regulação da atividade

econômica. Tomando por base as ações previstas na UNDAF, pode-se perceber que tais

requisitos articulam-se em torno de práticas de boa governança (boas práticas) professadas

por essas organizações. Nesse sentido, a atuação das organizações de assistência ao

desenvolvimento na Libéria tem em vista a adequação das instituições, governantes e

população do país a essas práticas, dando a eles a prerrogativa e a capacidade efetiva de

manter relações diretas com elas, inclusive após o fim do suporte fornecido pela OMP e

demais parceiros da ajuda humanitária e do desenvolvimento. 97

3.3.4 Nexo entre segurança, desenvolvimento e assistência humanitária

Apesar de as áreas de segurança (OMP), assistência humanitária e assistência ao

desenvolvimento terem caráter bastante distinto, o objetivo de manter a paz parece ser uma

constante entre elas. Além disso, a análise dos elementos que cada uma elenca entre os

caminhos para que seu projeto se perpetue permite identificar a emergência de uma acepção

de paz diferente da ―ausência de conflito armado‖, que parece ter sido comum durante a

Guerra Fria. Mais do que preservar a capacidade dos Estados soberanos de governar sua

população de forma independente e de fazê-lo amparado pelo monopólio dos meios de

violência dentro do território sob sua jurisdição, o conceito de paz que emergiu,

discursivamente, no final do século XX e início do XXI, parece ter tido sucesso em incluir

nessa lista aspectos que dizem respeito ao modo de governar e organizar as relações internas.

Essa inclusão, ao que tudo indica, pautou-se na consolidação de uma versão do

pensamento liberal que afirma a existência de um rol de direitos universais e a relação direta

entre a preservação desses direitos e a manutenção da paz (DOYLE, 1996; OWEN, 1996).

Pela reivindicação de universalidade, os partidários dessa versão se julgam capazes de

fornecer modelos que podem (e devem) ser aplicados em qualquer país, de modo que a paz e

o desenvolvimento sejam difundidos e fortalecidos em todo o mundo. Entretanto, a suposta

97 Essa tentativa de transplantar padrões internacionais para o contexto de organização das relações econômicas,

políticas e sociais domésticas será mais bem discutida por meio do conceito de ownership e da análise das

estratégias de desenvolvimento formuladas pelo governo eleito da Libéria (PRS), no próximo capítulo.

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103

universalidade dos modelos tem ainda outra implicação, esta mais diretamente ligada às

OMPs, à assistência humanitária e ao desenvolvimento em Estados que tentam por fim aos

conflitos internos: a comunhão de objetivos e propostas entre os agentes da reconstrução; e a

possibilidade de incluir novos atores entre eles, como as organizações não governamentais.

Uma vez que os objetivos são reescritos como universais, as agendas humanitária, de

segurança e de desenvolvimento tornam-se progressivamente convergentes, o que se reflete

na aproximação entre as políticas circunscritas a cada uma delas. Tal aproximação fica clara

pela observação da Figura 5, um diagrama elaborado com base nos documentos referentes à

organização das três áreas, analisados nas seções anteriores, e na lista de ações definidas em

cada um deles como parte do processo de reconstrução do Estado na Libéria. O diagrama

mostra a distribuição das políticas de reconstrução entre as áreas de Segurança (OMP),

Assistência Humanitária (CAP) e Assistência ao Desenvolvimento (UNDAF), referentes ao

caso da Libéria.

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Figura 5: Distribuição das Políticas de Reconstrução do Estado na Libéria nas áreas de Segurança (OMP), Assistência Humanitária (CAP) e Assistência ao Desenvolvimento

(UNDAF)

Adaptado de: A/58/539, 2003; A/58/744, 2004; A/59/630, 2005; A/60/653, 2006; A/61/783, 2007; A/63/734, 2008 (Orçamentos); A/59/736/Add.11, 2004; A/60/852, 2005;

A/61/852/Add.7, 2006; A/62/781/Add.10, 2007; A/63/746/Add.8, 2008 (Relatórios de Desempenho Financeiro); CAP LIBERIA, 2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008; UNDAF LIBERIA 2003-2005; 2008-2012

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O diagrama mostra a notável convergência entre as políticas desenvolvidas, o que fica

evidente pela densidade da zona de interseção entre as três áreas e, em menor grau, entre pelo

menos duas. De forma geral, as ações de reconstrução e recuperação são empreendidas nas

três áreas, de forma mais ou menos conjunta, o que denota o transbordamento da

multidimensionalidade das OMPs para a prestação de assistência humanitária e ao

desenvolvimento. Mesmo assim, é possível observar certa especialização entre as áreas: as

OMPs concentram ações de reconstrução das instituições básicas do Estado e de manutenção

da segurança, especialmente voltadas para o controle de armas e reestruturação das forças de

segurança; a assistência humanitária (CAP) se dedica ao apoio mais direto às vítimas dos

conflitos, principalmente aos refugiados e deslocados internos, muitas vezes habitantes de

campos; finalmente, a assistência ao desenvolvimento (UNDAF) se destaca por ações de

recomposição do mercado e das atividades econômicas, bem como de adequação às

exigências dos mercados e organizações internacionais.

A convergência marcante entre as áreas, somada à abertura de espaço para a

participação de novos atores, sugere a possibilidade de divisão do trabalho de reconstrução do

Estado entre agências e organizações especializadas, ficando a cargo da ONU, por meio da

OMP, a coordenação das atividades desses atores. Para discutir essa possibilidade, foi

elaborado outro diagrama (Figura 6), que mostra os principais participantes da reconstrução

da Libéria e sua distribuição entre as três áreas. 98

A identificação das agências e organizações

listadas foi feita com base nos participantes indicados nos programas e projetos constantes

nos documentos analisados anteriormente. 99

98 A lista das organizações que aparecem no diagrama encontra-se no Apêndice (pág. 162). 99 Apesar de bastante representativa, a lista de parceiros não é exaustiva. Muitas vezes a descrição dos programas

e projetos é vaga em relação aos responsáveis por sua realização, especialmente quando os mesmos são

Organizações da Sociedade Civil (CSOs) ou Organizações de Base Comunitária (CBOs), normalmente

incorporados de forma genérica.

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Figura 6: Distribuição das Organizações que participam do processo de reconstrução da Libéria nas áreas de Segurança (OMP), Assistência Humanitária (CAP) e Assistência ao Desenvolvimento (UNDAF)

Adaptado de: A/58/539, 2003; A/58/744, 2004; A/59/630, 2005; A/60/653, 2006; A/61/783, 2007; A/63/734, 2008 (Orçamentos); A/59/736/Add.11, 2004; A/60/852, 2005;

A/61/852/Add.7, 2006; A/62/781/Add.10, 2007; A/63/746/Add.8, 2008 (Relatórios de Desempenho Financeiro); CAP LIBERIA, 2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008;

UNDAF LIBERIA 2003-2005; 2008-2012; ONU, 2009 (UN in Liberia, At Work Together).

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Pelo diagrama, percebe-se que a maior parte das agências da ONU (em negrito) atua

nas três áreas, o que condiz com a função de coordenar o trabalho dos demais atores

envolvidos. As principais organizações governamentais e não governamentais (como ICRC,

WVI, OXFAM e CARE) de atuação internacional, bem como algumas agências de

cooperação de governos (ex. GTZ, USAID) também atuam em todas as áreas, ainda que,

muitas vezes, em projetos distintos. Paralelamente, é possível perceber que, entre as agências

e organizações, a especialização ocorre de forma mais marcante, principalmente no caso da

assistência humanitária. Em suma, a ideia de que, nas operações multidimensionais, ocorreria

a divisão de tarefas entre organizações e agências especializadas e que caberia à ONU

coordenar a realização das atividades parece se confirmar.

Finalmente, vale observar que a convergência das políticas implementadas e a divisão

de tarefas entre as organizações apontam para a existência de um nexo entre segurança

coletiva, assistência humanitária e assistência ao desenvolvimento no âmago das operações de

paz multidimensionais. Tal nexo sugere uma importante transformação institucional que

aponta para a consolidação de novas ideias acerca da manutenção da paz e da estabilidade,

cada vez mais pautadas pela redefinição de elementos da ordem interna dos Estados em

reconstrução, como, por exemplo, a forma de governar, e pelo esforço de adequar esses

elementos a padrões aceitos internacionalmente, como as práticas de boa governança.

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4 GOVERNAMENTALIDADE E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

A transformação dos meios pelos quais a sociedade internacional passou a promover a

paz e a segurança a partir do final da Guerra Fria, como discutido nos capítulos anteriores,

pode ser relida como a emergência de novas técnicas para operacionalizar o transplante dos

padrões internacionais de boa governança para os Estados em reconstrução, conduzindo-os

pelo caminho que levaria do conflito e da pobreza, à paz e ao desenvolvimento. Este capítulo

pretende rediscutir esse processo com base no conceito de governamentalidade, formulado

por Foucault, como uma forma de colonização do espaço social internacional e de suas

fronteiras, por meio da difusão de modos de existência liberais, articulados na ideia de Paz

Democrática.

Especificamente, pretende-se enfocar a fase de conclusão do trabalho dos atores

internacionais de reconstrução na Libéria, resumida em dois documentos principais: a

Estratégia de Redução da Pobreza (PRS), formulada pelo governo, e a nova UNDAF, agora

regular, que delineia os termos das políticas de assistência ao desenvolvimento a serem

realizadas no país pela ONU e seus parceiros durante o processo de transição do poder e,

posteriormente, como suporte ao governo nacional. A retomada das rédeas do

desenvolvimento pelo governo, traduzida pela ONU como ownership, consolidaria o

transplante de padrões internacionais de boa governança para o Estado em reconstrução. Esse

transplante, marcaria a transição entre o status de objeto das práticas de ajuda para o de

sujeito da sociedade internacional, o que credenciaria o Estado a estabelecer relações diretas

com suas principais organizações, e a apresentar demandas nacionais em um contexto

sistêmico, sem necessidade de mediação por parte dos agentes de reconstrução. Em outros

termos, a capacidade de agência do Estado no sistema internacional seria, progressivamente,

(re)construída.

Inicialmente, pretende-se retomar o conceito de governamentalidade, como formulado

por Foucault, para, posteriormente, reler as principais transformações dos mecanismos de

manutenção da paz a partir dos anos 1990, como parte de um processo de rearticulação

internacional do conceito. Finalmente, deverá ser enfocada a conclusão dos trabalhos de

reconstrução na Libéria, com vistas a discutir a formação de um nexo entre segurança e

desenvolvimento, amarrado pelas instituições democráticas e pelos padrões de boa

governança, que promoveriam a transformação das sociedades marcadas pelo conflito para

unidades políticas estáveis, dispostas a compartilhar a causa da paz.

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4.1 Governamentalidade e constituição de Estados na Modernidade

Segundo Foucault (1979a), a governamentalidade pode ser tomada como um discurso

histórico-político, que emergiu no final do século XVIII como resultado de uma série de

transformações históricas dos mecanismos utilizados para nortear condutas e organizar

relações entre os indivíduos nas mais diversas sociedades. O governo 100

, entendido como

―condução da conduta‖, sempre foi uma questão presente nas discussões acerca da produção

da ordem social, seja nos tratados para aconselhar o comportamento dos príncipes, seja nas

doutrinas de obediência professadas pela Igreja. Contudo, a partir do século XVI, essa questão

passou a ser progressivamente problematizada, diante de dois movimentos concomitantes e

distintos: por um lado, a dispersão do governo das almas e da vida privada com a dissidência

religiosa; e, por outro, a concentração do poder na forma do Estado territorial centralizado

(FOUCAULT, 1979a). Nesse contexto, a superioridade das racionalidades cosmo-teológicas

de produção da ordem social foi desafiada pela razão de Estado, e a figura divinizada do

príncipe cedeu lugar a princípios seculares, considerados inerentes à razão humana e ao

Estado ele mesmo. Esse momento teria marcado o início da emergência do discurso da

governamentalidade como uma racionalidade autônoma em relação ao soberano (GORDON,

1991).

Foucault (1979a), no entanto, afirma que o discurso da governamentalidade só se

consolidou como método de governo capaz de influenciar a luta política após o século XVIII,

quando se fez possível o desbloqueio da arte de governar, até então limitada por um conjunto

de leis, decretos e regulamentos produzidos pelo mercantilismo, que reforçava as estruturas

institucionais e mentais da soberania, ao mesmo tempo em que restringia a economia à casa e

à família. Para o autor, somente na modernidade, quando a economia foi incorporada à

política – e assim deixou de ser uma questão de comando da família e tornou-se associada à

população 101

–, foi possível reformular a compreensão acerca do fundamento da soberania,

com a introdução de um novo componente: a sociedade. A necessidade de lidar com a

população como um elemento da soberania tornou mais complexa a arte de governar e

100 A palavra ‗governar‘, embora tenha adquirido uma conotação política forte na era do absolutismo, tem um

sentido semântico mais amplo e se refere a todos os cuidados que se pode proporcionar aos indivíduos por meio

do exercício de uma atividade de mando ou de prescrição sempre benevolente. Alude, assim, ao domínio sobre

os corpos, individuais ou coletivos, e não sobre o Estado ou o território (FOUCAULT, 1979a). 101 Ao tratar a emergência da população como um problema, Foucault (1979a) se refere ao reconhecimento de

fenômenos próprios à população, que foram identificados pelo desenvolvimento da estatística, que passa a

revelar as regularidades do domínio demográfico. A partir desse momento, essa nova realidade, agora

quantificada e classificada, não pode mais ser reduzida à esfera da família.

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demandou o desenvolvimento de técnicas mais apuradas de disciplina e controle. Na

formulação de Foucault (1979a),

a ideia de um novo governo da população torna ainda mais agudo o problema do

fundamento da soberania e ainda mais aguda a necessidade de desenvolver a

disciplina. Devemos compreender as coisas não em termos de substituição de uma

sociedade de soberania por uma sociedade disciplinar e desta por uma sociedade de

governo. Trata-se de um triângulo: soberania-disciplina-gestão governamental, que

tem na população seu alvo principal e nos dispositivos de segurança seus

mecanismos essenciais ( p.171).

Nota-se que Foucault não tratou a emergência da governamentalidade como fenômeno

característico de um único Estado; pelo contrário, a definiu como uma faceta que compõe o

diagrama da modernidade e participa da consolidação do modelo de Estado soberano

moderno como principal forma de organização das relações políticas e sociais. A

governamentalidade, assim, teria perpassado o processo de ―legar populações, que estiveram

sujeitas a fontes de autoridade que se sobrepunham, a comandantes soberanos, tidos como

responsáveis primários pelo governo das populações dentro de seu território‖ (HINDESS,

2004, p. 27 tradução livre). 102

Nesse sentido, pode ser pensada em meio a um movimento

transversal de dispersão de estratégias de poder, tecnologias e técnicas, que ocorreu para além

de qualquer fronteira; portanto, internacional como a modernidade ela mesma. Em outros

termos, a governamentalização pode ser interpretada como reconfiguração dos atributos e da

forma de exercer a soberania, tanto para dentro quanto para fora das fronteiras dos Estados.

Ainda que Foucault (1979a) tenha tratado a governamentalidade como algo que não se

limita às fronteiras de qualquer Estado, é importante lembrar que o autor não avançou na

problematização das possibilidades de articulação internacional do conceito. Seu objetivo era

desconstruir o mito do Estado soberano como uma unidade indivisível, dotada de

individualidade e existência absoluta. Em vez de descrever o Estado como uma realidade

concreta, Foucault (1979a) propunha pensá-lo como uma combinação plural de métodos de

governo que não se resumia à lógica do soberano. Nesse sentido, a soberania deveria ser lida

como uma racionalidade que, na modernidade, aliou-se à disciplina e à governamentalidade

na conformação do Estado Moderno. Segundo Husyman,

a soberania é uma matriz de governo particular, definida por uma tensão entre dois

entendimentos de governo, um como primado da lei, e outro como decisão

executiva, na ausência ou nos limites da ordem constitucional. Ela também separa o

102 ―assigning populations that had been subject to overlapping sources of authority to sovereign rulers who were

acknowledged as having primary responsibility for the government of populations within their territories‖.

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governo doméstico – onde o primado da lei é considerado prática normal – e o

governo internacional – onde a decisão executiva é a prática normal e o primado da

lei é a exceção (2006, p.38, tradução livre). 103

Dessa forma, a consolidação da governamentalidade na sociedade moderna foi

possível somente quando outras racionalidades conseguiram impor-se discursivamente em

relação ao domínio até então exclusivo do soberano. Quando a condução da população – não

apenas como uma massa indistinta e subordinada ao soberano, mas em seus detalhes e em

suas nuances – foi definida como objetivo central de governo, os múltiplos aparatos e saberes

específicos sobre como gerenciar essa população ganharam um peso considerável em relação

ao próprio regime de leis. A governamentalidade, assim, teria feito a ligação entre a

capacidade totalizadora da soberania e a característica individualizadora da disciplina

(GORDON, 1991), ao articular uma estratégia de governo que tem seu lugar privilegiado nas

práticas estatais, mas que não pode ser reduzida a elas. Nas palavras de Foucault (1979a), ―o

que é importante para nossa modernidade, para nossa atualidade, não é tanto a estatização da

sociedade, e sim o que chamaria de governamentalização do Estado‖ (p. 171).

Valendo-se da confluência entre emergência da população, instrumentalização do

saber econômico e dos dispositivos de segurança, a governamentalidade permitiu que a arte

de governo se desvinculasse da razão de Estado e se transformasse em uma forma de

gerenciamento plural, capilarizada e produtiva. 104

Essa nova forma de governar teria refletido

o triunfo de ideias liberais como uma lógica capaz de organizar as relações sociais e políticas

e estabelecer os limites para o exercício do poder soberano, ao informá-lo sobre ―[...] como o

governo é possível, o que lhe é permitido fazer e a quais ambições ele deve renunciar para dar

conta de tudo o que está sob seu poder‖ (GORDON, 1991, p.15, tradução livre). 105

Assim, a

população deixou de ser mero objeto das vontades do soberano e foi reconfigurada como

elemento ativo do governo, no sentido tanto de problematizar a ordem baseada na razão de

Estado, quanto de oferecer uma ordem alternativa, baseada no que seria uma capacidade

natural dos indivíduos de regularem a si próprios por meio da criação de arranjos que

garantissem a realização de objetivos de comuns, como a paz e a prosperidade.

103 Sovereignty is a particular matrix of government defined by a tension between government as rule of law and government as executive decision in the absence or at the limits of the constitutional order. It also separates

domestic government where the rule of law is considered the normal practice and international government

where the executive decision is the normal practice and the rule of law the exception. 104 ―O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma

força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso.

Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social, muito mais do que uma

instância negativa que tem por função reprimir‖ (FOUCAULT, 1979c, p.8). 105 ―[...] how government is possible, what it can do, and what ambitions it must needs renounce to be able to

accomplish what lies within its powers‖.

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A lógica do raciocínio liberal, conforme descrita por Owen (1996), pressupõe que

todos os homens compartilhariam o interesse fundamental na autopreservação e no bem-estar

material. Dessa forma, haveria uma tendência natural à harmonia de interesses entre os

indivíduos, desde que estes tivessem garantida a liberdade de agir de acordo com suas

próprias preferências e o fizessem sem violar a liberdade dos demais de agir da mesma

maneira. Por isso, o respeito à liberdade individual foi definido como princípio essencial do

liberalismo, apoiado na existência de um conjunto de instituições voltadas para a organização

da vida pública dos indivíduos de modo a assegurar a proteção de seus direitos fundamentais

(DOYLE, 1996). As instituições – e, de forma mais geral, o próprio liberalismo –, portanto,

apostariam na racionalidade e no comportamento público dos indivíduos e seriam uma forma

de organizar um grupo de seres racionais que demandam leis gerais para sua

sobrevivência, mas que buscam isentar-se e estabelecer suas constituições de

maneira que, apesar de as atitudes privadas serem opostas, estas atitudes privadas

constranjam umas às outras de tal maneira que este [seu] comportamento público

seja semelhante ao que seria se eles não tivessem tais atitudes egoístas (KANT, 1795

apud DOYLE, 1996, p.5, tradução livre). 106

Seguindo esse raciocínio, a existência de boas instituições seria a chave para converter

vícios privados em benefícios públicos, para lembrar a fábula de Mandeville. Como

consequência da valorização do individuo frente ao soberano, o liberalismo, mais do que uma

doutrina filosófica, passou a funcionar como racionalidade norteadora das relações sociais e

definiu a preservação das liberdades e o amadurecimento da razão individual como fins

últimos da política. Para a consecução desses fins, os liberais apostavam na existência de

instituições capazes de garantir um conjunto de direitos – civis, sociais, econômicos e

participativos – e princípios normativos – isonomia jurídica, economia de mercado,

propriedade privada e soberania externa (DOYLE, 1996). Tomados desde uma perspectiva

foucaultiana, tal arcabouço de direitos e princípios pode ser lido como um conjunto de

técnicas governamentais voltadas não para a coerção dos comportamentos, e sim para sua

condução com vistas ao aperfeiçoamento moral dos indivíduos. 107

Nesses termos, ―o

liberalismo é uma lógica particular de governo – uma forma de poder característica da

106 To organize a group of rational beings who demand general laws for their survival, but of whom each inclines

toward exempting himself, and to establish their constitutions in such a way that, in spite of the fact that private

attitudes are opposed, these private attitudes mutually impede each other in such a manner that [their] public

behavior is the same as if they did not have such evil attitudes. 107 O poder liberal pressupõe a existência de sujeitos individualizados, que possam ser controlados, monitorados

e disciplinados por meio de uma gramática normativa de direitos e deveres na qual o próprio indivíduo se torna,

ao mesmo tempo, seu governante e seu guarda. O objetivo do governo, nesse caso, não é restringir ou impedir a

conduta, mas normalizá-la para que ela possa ser livre. Nesse domínio, o poder tem a capacidade de produzir

sujeitos disciplinados pela norma.

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sociedade moderna, que opera indiretamente pela produção de indivíduos autônomos e

responsáveis mediante a ‗condução da conduta‘ e de um conjunto de ‗técnicas

governamentais‘‖ (NEUMANN; SENDING, 2007, p.694, tradução livre). 108

Ainda que as faces nacional e internacional da governamentalidade estejam

intrinsecamente relacionadas – uma sendo condição de possibilidade para a outra – pode-se

pensar que o discurso histórico-político da soberania acabou por circunscrever a problemática

da população e o desenvolvimento das artes de governo às preocupações próprias do espaço

doméstico. Ao plano internacional, por sua vez, caberiam preocupações outras, que não a

forma como cada Estado procura controlar e conduzir sua população. Entretanto, após a

Guerra Fria, esse ―como‖ tornou-se uma questão importante para a definição do lugar de cada

Estado na ordem internacional.

4.2 Emergência de um espaço internacional governamentalizado

Até aquele momento, a força do discurso histórico-político da soberania, recuperada

pela lógica da balança de poder, previa que os principais instrumentos de governabilidade

internacional voltados para o controle da população seriam aqueles dos Estados nacionais. A

preservação da soberania garantiria a contiguidade entre Estado, povo e território,

maximizaria a eficácia dos mecanismos de controle e, assim, levaria à estabilização das

relações não só entre indivíduos e Estados, como também da relação entre os próprios Estados

soberanos. Dessa forma, os aparatos de governamentalização, como sistemas de educação,

saúde e encarceramento, eram pensados como políticas de Estado, destinadas a conter e

controlar uma população marcada fundamentalmente pelo pertencimento nacional.

Esse entendimento se refletiu na conformação do sistema internacional durante a

Guerra Fria, pautada pelo respeito à noção de equilíbrio de poder e ao princípio da soberania

como as principais formas de garantir a ordem e a estabilidade, conforme foi discutido no

Capítulo 1. Outro reflexo dessas ideias, também discutido anteriormente, pode ser observado

na forma pela qual a ONU conduzia os processos de paz e (re)construção de Estados até o

início dos anos 1990, privilegiando a demarcação das fronteiras, a restituição da soberania e o

108 ―Liberalism is a particular logic of governing – a form of power that is characteristic of modern society,

which operates indirectly by shaping and fostering autonomous and responsible individuals through the ‗conduct

of conduct‘ and the ensemble of ‗governmental techniques‘‖.

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estabelecimento de governos fortes, que pudessem exercer controle efetivo sobre seu território

e sua população e, com isso, garantir a preservação da ordem interna. Naquele contexto, o

somatório de unidades soberanas domesticamente estáveis e internacionalmente dispostas no

esquema da bipolaridade seria suficiente para garantir a paz e a ordem na sociedade de

Estados, independente dos mecanismos de governo utilizados por cada Estado em particular,

com exceção da predileção demonstrada por eles em relação à proposta ideológica de cada

bloco.

Mesmo com o fim da Guerra Fria, o Estado se manteve como o principal responsável

por dirigir a aplicação de mecanismos de governo. Entretanto, a partir daquele momento, as

formas de governar foram progressivamente problematizadas, à luz da redefinição de

diretrizes sobre como exercer um bom governo – ou sobre como governar da melhor maneira

possível –, lançadas internacionalmente com intensa participação das organizações

internacionais. Nesse cenário, a agenda de segurança internacional, antes tomada por

preocupações estratégicas, passou a incluir uma gama bastante diversificada de questões,

como desenvolvimento, direitos humanos, participação política, meio ambiente e melhoria

geral das condições de vida. Essas questões foram reunidas com a formulação do conceito de

segurança humana e consolidação da ideia de que só seria possível haver paz na medida em

que ela fosse compartilhada por todos os habitantes do planeta (CGG, 1996). Mais do que

isso, a garantia dessa segurança seria possível por meio da aplicação de critérios e

metodologias, também formulados pelas organizações internacionais, que incidiam sobre a

relação entre governantes e população e apontavam para a redução do poder discricionário de

cada Estado sobre a condução da conduta dos indivíduos que habitam seu território.

Essas ideias foram reforçadas por diagnósticos recorrentes, que associavam o declínio

da ordem bipolar ao enfraquecimento do controle dos Estados sobre suas populações e, de

forma mais ampla, ao aumento do número de conflitos devido a essa falta de controle.

Ignatieff (2003), por exemplo, afirmou que o fim do suporte dos grandes blocos aos governos

nacionais, aliado a dificuldades econômicas, infraestrutura precária, multiplicidade de grupos

étnicos e religiosos e instituições políticas incapazes de se estenderem por todo o território,

teria provocado a erosão das bases de muitos Estados e diminuído a habilidade das elites

locais de controlar ou conciliar os interesses dos diversos grupos internos. Como resultado,

vários desses Estados teriam passado por processos de desagregação e falência, que teriam

aberto espaço para a atuação de grupos que contestavam a autoridade do governo, e

precipitado a ocorrência de guerras civis. Para os defensores dessa abordagem, os conflitos

estabeleceriam uma relação de causalidade mútua com a deterioração das condições de vida,

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115

um ciclo vicioso no qual pobreza e violência resultariam em milhares de vítimas, deslocados

internos, refugiados e migrantes, além de uma infinidade de relacionamentos ilegais e

extralegais entre rebeldes e governos, que alimentariam a própria continuidade dos conflitos

(DUFFIELD, 2001).

A identificação das raízes do conflito na Libéria, como proposta por uma série de

autores, incluindo a própria ONU, e recuperada no Capítulo 2, é condizente com esse tipo de

diagnóstico. Sayle et al (2009), por exemplo, destacou que a disputa entre as potências foi

determinante para o apoio recebido dos EUA pelo governo de Samuel Doe nos anos 1980,

mesmo diante da constatação de que o presidente recorria amplamente às ameaças e à

perseguição política contra seus opositores e fomentava disputas sangrentas entre os grupos

étnicos da Libéria para se manter no poder. Como evidência da utilização desses métodos, o

autor lembra que, em 1985, Doe mandou assassinar cerca de três mil pessoas das etnias Gio e

Mano, do condado de Nimba, que faziam oposição ao governo, o que teria provocado

profunda revolta da população local (SAYLE et al ,2009). Paralelamente, Charles Taylor,

antigo aliado de Doe que fora hostilizado pelo presidente, firmou uma aliança com o ditador

líbio Muammar Kadafi, que ofereceu treinamento a Taylor em troca do combate aos aliados

norte-americanos na África (SAYLE et al ,2009). Para Sayle et al (2009), quando as atenções

dos EUA se voltaram para os acontecimentos que poriam fim à Guerra Fria, e,

consequentemente, reduziram seu apoio ao governo Doe, foram criadas as condições para que

Taylor pudesse engendrar um golpe contra o presidente, o qual contou com o apoio maciço da

população de Nimba. A retirada do apoio norte-americano e a guerra civil que se seguiu

teriam causado o colapso da economia na Libéria e reforçado o ciclo entre pobreza e violência

que, de acordo com Sayle et al (2009), somou-se à gestão corrupta e precária dos governos

seguintes e ao domínio de parte do território do país por grupos rebeldes como as principais

causas do novo conflito, a partir de 2003, que motivou a intervenção da ONU.

Diagnósticos como esses, que apontavam a incapacidade de governo do Estado sobre

os indivíduos, reforçaram o aspecto potencialmente problemático das questões populacionais,

tanto no que se refere à relação entre Estado e população quanto à relação entre Estados. Para

muitos autores, a incapacidade apresentada por alguns Estados de controlar (IGNATIEFF,

2003) ou proteger (SHUE, 2004) sua população, em um contexto de distensão das relações

entre as potências e de porosidade cada vez maior das fronteiras, aumentaria as chances de

transbordamento dos conflitos internos para os países vizinhos e de criação de instabilidade

regional, ou, até mesmo, internacional. Vale ressaltar que tais diagnósticos e entendimentos

não se limitaram aos estudiosos de conflitos; pelo contrário, podem ser claramente percebidos

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nos documentos do Conselho de Segurança a partir de 1990, entre eles a Resolução que

determinou a instituição da OMP na Libéria (S/RES/1497, 2003), baseada no reconhecimento

de que a situação no país constituía uma ameaça à estabilidade em toda a região da África

Ocidental, bem como à paz e à segurança internacionais. Em situações como essas, a ONU

teria a responsabilidade de intervir para proteger a vida e o bem-estar da população (ICISS,

2001) e de reconstruir as instituições e a infraestrutura do Estado, como forma de garantir a

preservação da segurança humana a longo prazo (ONU, 2003).

De forma geral, a conclusão desses diagnósticos parece ter sido que o acordo básico de

coexistência entre os Estados, baseado na troca de reconhecimento de jurisdições soberanas e

na prerrogativa de agir como guardiães legítimos dos interesses de cada comunidade política

(BULL, 2002), teria se tornado insuficiente para garantir a paz. Se considerar-se o relativo

sucesso em consolidar tais diagnósticos como enunciados válidos, é possível tomar o final da

Guerra Fria como um momento de reabertura – pelo menos parcial – do embate discursivo

sobre o estatuto da soberania, especialmente no que se refere às regras de autodeterminação e

não intervenção, como forma de organizar as relações no plano internacional. A releitura com

lentes foucaultianas permite perceber que, ao chamarem atenção para as raízes internas dos

conflitos internacionais, tais discursos acabaram por reconstruir a população como

personagem político para as relações internacionais. Um personagem já conhecido pelos

Estados desde o século XVIII (FOUCAULT, 1979a), mas que, até então, não havia sido

enquadrado como um problema a ser tratado nas relações entre eles. Assim, várias questões

relacionadas à população foram classificadas como problemas internacionais e desafios à

própria ordem estatal.

A recolocação do problema da população e de como conduzi-la em termos sistêmicos

desafiou a premissa de que os Estados soberanos seriam os guardiões legítimos da ordem

internacional, tomada como dada nas teorias tradicionais de Relações Internacionais. Esse

desafio funcionou como condição de possibilidade para que técnicas governamentais fossem

apropriadas como instrumentos para a produção de estabilidade no sistema internacional. A

produção dessa estabilidade passaria pela atualização dos instrumentos de governo, o que

seria facilitado por um conjunto de metodologias pré-testadas e comprovadamente eficientes,

definidas como ―boas práticas‖.

O desenvolvimento e a difusão dessas boas práticas pode ser reinterpretado como um

desbloqueio da arte de governar populações no domínio internacional, o que indicaria uma

tentativa de sistematização de técnicas governamentais dispersas como parte de um projeto

político de governança desse espaço social. Com isso, o Estado

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[...] re-emerge simultaneamente como resultado de técnicas de governo e como um

princípio que integra simbolicamente essas práticas governamentais diversas em

uma redenção da comunidade política, [assim] a questão central é se e em que

medida o estado realmente funciona como princípio e domínio de aplicação dessas

técnicas de governo (HUYSMAN, 2006, p. 41-42, tradução livre). 109

Quando a governamentalização passou a ser articulada internacionalmente como um

conjunto de técnicas de governo voltadas para um horizonte de estabilidade, tornou-se

necessária a redefinição dos lugares e papéis desempenhados por indivíduos e populações no

sistema internacional. Entre as propostas que pretendiam dar conta dessa redefinição, ganhou

força uma versão atualizada do liberalismo do século XVIII, cuja particularidade estava na

construção de um aparato que possibilitaria a operacionalização de seu caráter universalista,

agora também, no domínio internacional. 110

A expressão máxima dessa nova aposta do

liberalismo foi a ideia de Paz Democrática, que tem como pano de fundo a crença na

democracia como o princípio, por excelência, de arranjos institucionais capazes de conduzir o

sistema internacional à paz.

Para os defensores da paz democrática, dado que os indivíduos compartilhariam o

interesse natural pela paz e que instituições democráticas garantiriam a liberdade e a

passagem das preferências dos cidadãos para a dimensão da tomada de decisão estatal, a

vigência de regimes democráticos seria capaz de constranger possíveis comportamentos

agressivos dos Estados democráticos, uns em relação aos outros. De acordo com essa lógica, a

difusão do modelo liberal-democrático implicaria a consolidação de padrões de governança

que informariam a conduta interna e internacional dos Estados, tendo como base a primazia

do indivíduo. Nesse sentido, é importante notar que a noção de paz democrática pressupõe a

existência de um conjunto de características e direitos fundamentais, inerentes à condição

humana, que devem ser garantidos incondicionalmente. Tal afirmação revelaria o caráter

cosmopolita do liberalismo, que o tornaria passível de universalização e aplicação em um

leque populacional diverso, como mecanismo de estabilização política e social. Na

modernidade recente, esse passo lógico teria autorizado democracias liberais a falar em nome

109 […] re-emerges as both an outcome of techniques of government and as a principle that symbolically integrates these diverse governmental practices into a rendition of political community, [thus] the central

question is whether and the degree to which the state functions indeed as the principle and domain of application

of these techniques of government. 110 Uma das características centrais do liberalismo é sua pretensão de realizar modelos universais. Entretanto, até

esse momento, tal pretensão esteve articulada a uma lógica de soberania exclusivista, que afirma que o melhor

caminho para se chegar à universalidade seriam desenvolvimentos particulares, empreendidos pelos estados. A

ideia defendida aqui é que os discursos que se apropriaram da lógica liberal no pós Guerra Fria, em especial o da

Paz Democrática, propõem novos caminhos para a concretização de ideais universais, abrindo espaço para que a

sociedade civil ou arranjos multilaterais possam participar do processo.

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de um novo referente político, a população, que, agora dotada de características universais,

passaria a ser confundida com a própria humanidade.

Esse duplo movimento, por um lado, de redefinição da população como um problema

em termos de ameaças difusas para dentro e para fora das fronteiras do Estado; e, por outro,

de contenção e condução dessa população – entendida como humanidade – nos termos da Paz

Democrática, teria permitido o ―desbloqueio da arte de governo‖ no espaço social

internacional. Além disso, teria criado condições para a emergência da governamentalidade

como uma estratégia para ordenar as relações sociais, que se coloca como alternativa à lógica

até então predominante da balança de poder. 111

Ainda que não seja possível falar em uma

vitória absoluta do discurso liberal-democrático como resposta à configuração atual do

problema da população, pode-se afirmar que o conjunto de seus princípios tem sido

efetivamente traduzido em uma série de técnicas, competências e saberes específicos. Esse

aparato reformulou a arte de governo de acordo com métodos que não se sustentam apenas na

relação doméstica cidadão/Estado; orientam-se por certos tipos de identidades e

comportamentos considerados legítimos e efetivos na sociedade internacional. A

operacionalização desse conjunto de princípios pode ser lida como um esforço de

rearticulação internacional da governamentalidade.

4.3 Governamentalização internacional pela via liberal-democrática

Uma das condições para que certos discursos normativos possam emergir e cristalizar-

se na conformação dos sujeitos é a existência de estratégias políticas que os sustentem, ainda

que tais estratégias possam carregar consigo discursos conflitantes (RANSOM, 1997). O

discurso liberal, articulado nos termos da Paz Democrática, consolidou-se pela pluralização e

constante atualização de técnicas governamentalizantes, destinadas a adequar sujeitos às

(boas) artes de governo. O trunfo da estratégia política que orienta esse discurso está na

afirmação da universalidade do modelo liberal-democrático, por meio de dois passos:

primeiro, a estabilização das vontades dos indivíduos, entendidas como derivadas da própria

111 Durante os séculos XVII, XIX e XX, o princípio da balança de poder entre os Estados foi amplamente

reconhecido tanto pelas práticas quanto pelo pensamento político daquele período. Atualmente, apenas a escola

realista argumenta a preponderância desse principio, como sendo o único capaz de garantir a ordem nas relações

internacionais, desconsiderando aspectos normativos (RENGGER, 1999). Por isso, enquanto a lógica da balança

de poder foi capaz de subjugar discursos de ordem concorrentes, não havia espaço para a problematização das

artes de governo no âmbito internacional, uma vez que a razão de estado se sobressaía à lógica da população.

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condição humana, e não mais do pertencimento a uma sociedade ou Estado específico; e

segundo, a proposição de um modelo institucional, também universal, para garantir a

realização dessas vontades, qual seja, a democracia.

Seguindo esse raciocínio, os homens compartilhariam valores que se sobreporiam à

ordem dos Estados, o que possibilitaria a criação de padrões e instrumentos sistêmicos de

governança, que deveriam orientar a conduta dos Estados no que tange à garantia de direitos e

interesses fundamentais dos indivíduos, e até mesmo à prerrogativa de agir em caso de falha

de outros Estados na proteção desses direitos. 112

Isso seria possível na medida em que, por

ser capaz de identificar um modelo universal de indivíduo, a lógica liberal forneceria

elementos para prever não só seus interesses, como também as possíveis causas de conflitos

entre eles e entre os Estados. O raciocínio liberal ofereceria ainda modelos de arranjos

institucionais destinados a tratar essas causas e prevenir a ocorrência ou a recorrência dos

conflitos. Logo, a difusão desses arranjos – baseados em princípios democráticos e liberais –

seria a grande estratégia para reorganizar comunidades políticas; conter e proteger

populações; e, consequentemente, manter a paz no sistema internacional.

A relação entre a democratização dos Estados e a paz internacional, como formulada

pelos liberais, ganhou espaço privilegiado nas propostas de edificação de um novo

ordenamento internacional, formuladas pelas organizações internacionais no pós Guerra Fria.

Especialmente no campo das operações de paz, ela serviu de base para repensar a atuação

dessas organizações em casos de guerra e processos de reconstrução, como o que está em

curso na Libéria. Nesse sentido, a ONU afirma que

a expansão da democracia é uma das tendências mais animadoras dos últimos anos.

Só a democracia permite que as questões de um país sejam conduzidas – e seu

desenvolvimento direcionado – de forma a atender aos interesses e anseios dos povos. A democracia cria condições para que a proteção dos direitos fundamentais

dos cidadãos fique assegurada. É ela que provê a base mais sólida para a paz e a

estabilidade nas relações internacionais (CGG, 1996, p.43).

Entretanto, a própria ONU reconhece que, apesar de seus atrativos – especialmente

ligados às políticas de proteção aos direitos – a democracia não seria capaz de se difundir e se

consolidar no sistema internacional espontaneamente. A constituição de uma ordem

internacional democrática e pacífica dependeria da capacidade de seus defensores de atrair

112 Buchanam e Keohane (2004), por exemplo, defendem a criação de arranjos institucionais ―desenvolvidos para

proteger países vulneráveis contra intervenções injustificadas [...], de modo a garantir que as regras que regulam

o uso preventivo da força sejam aplicadas de maneira justa‖ (p.1). No original, ―designed to help protect

vulnerable countries against unjustified interventions [...], ensuring the fairness of rules governing the preventive

use of force‖.

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novos adeptos, compelindo os Estados a promover a paz e a tentar evitar a guerra. Os

resultados das políticas de desenvolvimento econômico seriam um dos grandes atrativos dessa

nova ordem, trazendo prosperidade e progresso a seus participantes. Isso porque a difusão das

trocas econômicas via mercado possibilitaria a configuração de um acordo de divisão

internacional do trabalho cooperativo, que permitiria que os Estados aproveitassem suas

vantagens comparativas, gerando bem-estar material, fortalecendo a formação de alianças e de

laços de interdependência (DOYLE, 1996). 113

Apoiadas na lógica liberal, as Organizações Internacionais definiram o

desenvolvimento como elemento fundamental para a difusão da democracia – portanto, para a

paz sistêmica –, e assumiram uma relação de complementaridade entre o que seriam os três

pilares da nova ordem internacional: paz, democracia e desenvolvimento. Para a ONU,

a construção da paz, como descrita em ‗Agenda para a Paz‘, requer o fortalecimento

daquelas instituições que mais contribuem para consolidar o senso de confiança e

bem-estar entre as pessoas. Torna-se cada vez mais claro que os elementos

fundamentais desse processo são a democracia e o desenvolvimento. As

democracias raramente entram em choque. A democratização sustenta a causa da

paz. A paz, por sua vez, é pré-requisito do desenvolvimento. Portanto, a democracia

é essencial para que o desenvolvimento se sustente ao longo do tempo. E sem

desenvolvimento não há democracia. As sociedades que não dispõem de um mínimo

de bem-estar tendem a entrar em conflito. Por isso, essas três grandes prioridades

estão interligadas (BOUTROS-GHALI, 1993, apud, CGG, 1996, p.44).

A crença na interdependência entre essas três prioridades constituiu a base dos

projetos de reestruturação dos mecanismos de governança internacional propostos pelas

organizações internacionais no pós Guerra Fria. Neles, democracia, desenvolvimento e paz

foram relacionadas à vontade popular e definidas, simultaneamente, como objetivo universal e

funcional dessas organizações (ZANOTTI, 2005), credenciando-as como promotoras e

gestoras do que seria uma nova ordem. Como parte dessa tarefa, caberia ao corpo técnico das

OIs traduzir o ideal da paz democrática em princípios e técnicas efetivas de governo, capazes

de conduzir sociedades e indivíduos a esse ideal. Como foi discutido na análise da operação

de paz na Libéria (2003-2008), a essa tradução ocorreu, em parte, pela divisão do processo de

reconstrução do Estado em três áreas – segurança, assistência humanitária e assistência ao

desenvolvimento, que teriam como objetivos principais assegurar a interrupção definitiva dos

conflitos violentos; dar início à reconstrução das instituições e da infraestrutura do Estado,

proteger e prestar assistência a ex-combatentes e civis, em especial refugiados e IDPs,

113 Além disso, a ampliação da dimensão do mercado na vida das sociedades acabaria por retirar uma série de

decisões da esfera dos estados, deixando-os fora de muitas crises (DOYLE, 1996).

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recuperar atividades produtivas e recriar as bases para o desenvolvimento sustentável. Pela

descrição dos componentes e elementos das três áreas, foi possível perceber que esses

objetivos seriam alcançados por medidas como: realização de eleições nacionais livres e

democráticas; reconstrução das instituições estatais, ancorada em princípios como direitos

humanos, participação, transparência e accountability; consolidação do primado da lei;

reforma do setor de segurança; ampliação da capacidade nacional de gerenciamento e

reforma; provisão de serviços básicos à população e garantia da segurança alimentar;

recuperação da atividade econômica; e utilização dos recursos naturais de forma equitativa e

sustentável, de modo a promover o bem-estar para toda a população. Essas medidas se

repetem entre as três áreas e têm sido descritas nos arranjos multilaterais como formas de

garantir que o Estado reconstruído seja capaz de cumprir sua responsabilidade com a

população, conduzindo-a ao caminho da segurança, da democracia, do desenvolvimento, e,

sobretudo, da paz; ou, simplesmente, como difusão de práticas de ‗boa governança‘.

O conceito de boa governança foi elaborado, inicialmente, pelo Banco Mundial, que

acabou transformando-se em ator central para sua difusão e definição como racionalidade

política das principais organizações internacionais nos anos 1990 (ZANOTTI, 2005). O

Banco definiu governança como ―a maneira pela qual o poder é exercido na gestão dos

recursos econômicos e sociais de um país, com vistas ao seu desenvolvimento‖ (BANCO

MUNDIAL, 1992 apud ZANOTTI, 2005, p.5, tradução livre). 114

A boa governança, por sua

vez, ―[...] se refere à eficiência do serviço público; primado da lei e respeito aos contratos; à

eficiência do setor judiciário; respeito aos direitos humanos; imprensa livre e uma estrutura

institucional pluralista‖ (ZANOTTI, 2005, p.5 tradução livre). 115

Observando essas

definições, é possível perceber que a noção de boa governança, como formulada pelo Banco

Mundial, se apoia na crença liberal de que a existência de boas instituições seria a chave para

o bom funcionamento das relações políticas e sociais, regulando, controlando e transformando

a vida das populações de modo a conduzi-las à paz e ao desenvolvimento. Como percebe

Moynihan, ―a verdade central dos conservadores é que a cultura, e não a política, determina o

êxito de uma sociedade. A verdade central dos liberais é que a política pode mudar a cultura e

salvá-la de si mesma‖ (apud HARRISON; HUNTINGTON, 2002, p.13).

Pouco a pouco, a boa governança tornou-se um dispositivo em torno do qual as

organizações internacionais passaram a propor e desenvolver aparatos para subsidiar a

114 ―The manner in which power is exercised in the management of a country's economic and social resources for

development‖. 115 ―[…] refers to efficiency in public service, rule of law with regard to contracts, an effective judiciary sector,

respect for human rights, a free press, and pluralistic institutional structure‖.

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expansão universal do modelo liberal-democrático, como pré-condição para a manutenção da

paz. Como parte desse esforço, em 1997, a ONU definiu a boa governança como conceito

central para a reestruturação de suas atividades voltadas para a manutenção da paz e da

estabilidade internacionais. Tais atividades passaram a ter como foco a otimização de arranjos

institucionais considerados adequados, entendidos como meios para canalizar demandas

sociais e fazer com que estas sejam discutidas e equacionadas de forma não violenta. 116

O

caso da Libéria ilustra bem esse trabalho, que, além das instituições próprias do Estado,

também tem em vista o apoio à construção e ao fortalecimento de organizações da sociedade

civil ou de base comunitária, como, por exemplo, grupos de defesa dos direitos humanos ou

relacionados à imprensa, em um horizonte de participação democrática e educação para a paz.

Para Zanotti (2005),

a boa governança é um projeto global de engenharia estatal que trata das instituições

do estado, mas não se limita a tanto. Ela também promove programas de

institucionalização difusa de processos sociais [...]. Isso leva à difusão capilarizada

de mecanismos institucionais no corpo social, à proliferação de processos

codificados e à padronização das informações, de modo que as demandas sociais

possam ser canalizadas, compreendidas e processadas pelos centros de governo (p.7,

tradução livre). 117

Com isso, alguns processos essenciais, como a produção de diagnósticos, classificação

e categorização daquilo que se considera o sujeito/objeto a ser normalizado, bem como o

próprio processo de governamentalização daqueles que ainda não desfrutam do status de

―bons membros‖ da comunidade internacional são reconfigurados transnacionalmente, 118

permitindo a emergência de artes de governo que circunscrevem a arena internacional como

um todo. A formulação e disseminação dessas artes de bom governo permitiriam às

organizações internacionais atuarem de forma mais direta no conhecimento e controle das

116 De acordo com Zanotti (2005), a ONU descreve as atividades com esse propósito como formas de promover

o empoderamento da sociedade civil. Essas atividades visam facilitar a construção de um conjunto de

instituições (ONGs, partidos, grupos de interesse e assim por diante) interessadas em recolher as demandas dos

cidadãos e canalizá-las para os centros de decisão, bem como em prover serviços sociais. 117 Good governance is a global project of state engineering that addresses, but does not limit itself to, state

institutions. It also promotes programs of diffused institutionalization of social processes […]. This process leads to a capillary diffusion into the social body of institutional mechanisms, a proliferation of codified processes, and

a standardization of information so that social demands can be channeled, understood, and processed by

governing centers. 118 Para Huysman (2006), ―a questão é como a transnacionalização das técnicas para governar a insegurança

estão moldando e integrando práticas dispersas na forma de domínios políticos transnacionais, como sociedades

em rede, nas quais as práticas tanto de governo quanto da liberdade são exercidas‖ (p.42 tradução livre). No

original, ―the question is how the transnationalization of techniques of governing insecurity are modulating and

integrating dispersed practices into transnational political domains, such as a network society, where the practice

of both freedom and government is exercised‖.

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populações, evidenciando o esforço desses organismos para a sistematização da

governamentalidade na esfera internacional.

Nesse sentido, o Banco Mundial, desenvolveu uma série de indicadores para medir os

graus de governança alcançados por 212 países e territórios, que dizem respeito ao que seriam

as seis dimensões da governança, de acordo com o Banco: (i) voz e accountability,

relacionada à participação popular, liberdade de expressão, associação e imprensa; (ii)

estabilidade política e ausência de violência, que avalia a estabilidade e a probabilidade do

governo ser destituído por meios inconstitucionais ou violentos; (iii) efetividade do governo,

que diz respeito à qualidade e independência em relação a pressões políticas dos serviços

públicos e civis, à qualidade da formulação e implementação de políticas e à credibilidade do

comprometimento do governo para com essas políticas; (iv) qualidade da regulação, que trata

da habilidade do governo para formular e implementar políticas e regulações relevantes, que

permitam e promovam o desenvolvimento do setor privado; (v) primado da lei, relacionado à

confiança e obediência às regras da sociedade, particularmente cumprimento de contratos,

direitos de propriedade, polícia, tribunais e probabilidade de ocorrência de crimes ou

violência; e (vi) controle da corrupção, associado à utilização do poder público para a

consecução de benefícios privados (KAUFMANN; KRAAY; MASTRUZZI, 2009a).

Os dados da pesquisa são coletados anualmente, desde 1996, pelo próprio Banco

Mundial, organizações internacionais, agências de análise de risco, ONGs, agências

multilaterais e governamentais e organizações do setor público. De acordo com o Banco,

esses dados não são utilizados diretamente na alocação de recursos entre os países; todavia,

servem como parâmetro para propostas de melhoria dos padrões de governança, bem como

para análises de risco realizadas por investidores e até mesmo doadores (KAUFMANN;

KRAAY; MASTRUZZI, 2009a). O mau desempenho dos países em relação à governança é

frequentemente apontado como uma das principais causas dos conflitos internos, como

ocorre, por exemplo, na análise da UNDAF (2003) sobre a guerra civil na Libéria, que

relaciona a má governança à pobreza e à violência. Consequentemente, o documento prevê

que o processo de reconstrução do Estado deveria enfocar a melhoria institucional como

forma de prevenir a retomada do conflito (UNDAF LIBERIA, 2003). Tanto o diagnóstico

quanto a profilaxia propostos na UNDAF parecem ser endossados pela análise dos

indicadores de governança na Libéria, realizada pelo Banco Mundial, conforme apresentação

nos Gráficos 2 a 7.

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Gráfico 2: Voz e Accountability na Libéria (1996-

2008) Fonte: KAUFMANN; KRAAY; MASTRUZZI,

2009b

Gráfico 4: Estabilidade Política na Libéria (1996-

2008)

Fonte: KAUFMANN; KRAAY; MASTRUZZI,

2009b

Gráfico 6: Efetividade do Governo na Libéria

(1996-2008) Fonte: KAUFMANN; KRAAY; MASTRUZZI,

2009b

Gráfico 3: Qualidade da Regulação na Libéria

(1996-2008)

Fonte: KAUFMANN; KRAAY; MASTRUZZI,

2009b

Gráfico 5: Primado da Lei na Libéria (1996-2008)

Fonte: KAUFMANN; KRAAY; MASTRUZZI,

2009b

Gráfico 7: Controle da Corrupção na Libéria (1996-

2008)

Fonte: KAUFMANN; KRAAY; MASTRUZZI,

2009b

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Nos gráficos, pode-se observar que o desempenho do país em quase todos os

indicadores é extremamente ruim no período que antecede a guerra. A partir da instituição da

UNMIL (2003) e do início do processo de reforma do Estado, os indicadores começam a

apresentar melhora, o que coincide com a ampliação do fluxo de assistência humanitária

(CAP, 2003) e ao desenvolvimento (UNDAF, 2003). A presença da ONU possibilitou a

retomada, em 2003, da concessão de recursos do Banco Mundial à Libéria – que esteve

suspensa por mais de uma década –, como parte do programa de reconstrução (BM, 2009).

Entretanto, a normalização das relações entre o país e o Banco só ocorreu em 2007, depois da

consolidação do governo eleito, quando a Libéria pôde, inclusive, se beneficiar do alívio

parcial das dívidas, concedido a países pobres altamente endividados (BM, 2009). No ano

seguinte, acompanhando a conclusão da fase inicial das reformas empreendidas pelo governo

e a melhoria dos índices de governança, o Fundo Monetário Internacional também retomou

suas relações com a Libéria (LIBÉRIA, 2008).

De acordo com Zanotti (2005),

a boa governança, semelhante ao governo governamentalizado de Foucault,

multiplica os instrumentos para conhecer populações e transformar massas

indistintas em ‗sociedades civis‘. Ela promove mecanismos plurais, capilarizados e

difusos para conhecer, ordenar e realizar cálculo em relação a espaços indistintos e

desregulados ( p.7, tradução livre). 119

Esses espaços indistintos coincidem com as localidades ainda não normalizadas pelas artes da

boa governança. No discurso da paz democrática, o subdesenvolvimento e a ausência de

democracia caracterizariam esses espaços como inseguros, construindo-os como outsiders em

relação à nova sociedade internacional, e também como ameaças à forma de existência agora

defendida por ela, cada vez mais relacionada aos conteúdos da liberdade e da democracia.

Com isso, a preservação do modo de vida liberal-democrático depende da sua capacidade de

colonizar suas fronteiras, transformando as sociedades tidas como perigosas por meio de

arranjos institucionais eficientes que as conduziriam à modernização.

Se até a Guerra fria, as preocupações de expansão de normas internacionais limitaram-

se a garantir a sujeição das comunidades políticas (em especial os recém-descolonizados) ao

ideal regulatório oferecido pela forma do Estado soberano, e a estabilizar a relação entre eles

na dimensão sistêmica, de acordo com a lógica bipolar, o fim da ameaça soviética permitiu

uma rearticulação espaço-temporal em que a pertença à sociedade internacional ganhou um

119 Good governance, similarly to Foucault's governmentalized government, multiplies instruments for knowing

populations and transforming indistinct masses into ‗civil societies‘. It promotes plural, yet capillary and

widespread mechanisms for knowing, ordering, and calculating unregulated and indistinct spaces.

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126

conteúdo claro, enraizado em estruturas de sentido liberais. Segundo Walker (2006), mais

recentemente, a autorização para a participação de indivíduos e Estados nessa sociedade tem

passado por um processo de convergência entre critérios temporais e espaciais, nos quais

padrões de organização interna dos Estados nacionais foram elencados entre os requisitos

básicos para o estabelecimento da ordem e a manutenção da integridade sistêmica. Com

efeito, observou-se uma mudança

[...] da forma para substância, do mero sujeito/soberano moderno para a expressão

apropriada da democracia modernizante, de maneira a intensificar a contradição

entre a regra que afirma a jurisdição doméstica e a regra que afirma a necessidade de

incluir/excluir jurisdições domésticas em nome da integridade sistêmica (WALKER,

2006, p.72, tradução livre). 120

Com isso, características referentes à ordem interna, como democracia e economia de

mercado, foram classificadas como novos atributos para legitimar a condição de Estado

soberano e a participação como membro no sistema de Estados (WALKER, 2006). Esse

processo, no qual a essência dos sujeitos modernos passa a ser articulada internacionalmente,

cria espaço para que a delimitação de fronteiras entre normal/anormal seja desenhada com

base em modelos universais. Essa reivindicação de universalidade permite que a prerrogativa

de tomada de decisão seja, em alguma medida, transferida das mãos do soberano para as de

burocratas internacionais, que detém conhecimento específico sobre as boas práticas de

governo e acreditam fielmente em suas técnicas como sendo as mais racionais e acertadas, de

forma que aparências de soberania tomam forma no campo da governamentalidade (JABRI,

2006; BUTLER, 2004). A governamentalização internacional implica, assim, uma articulação

específica entre poder e conhecimento, na qual questões politicamente controversas são

tecnicamente enquadradas por meio de uma linguagem neutra que ―tem como objetivo criar

visibilidade no lugar da obscuridade, transparência no lugar da opacidade, accountability no

lugar da corrupção, eficiência no lugar da redundância, efetividade no lugar da imprecisão,

direitos no lugar dos abusos, primado da lei no lugar da imprevisibilidade‖ (ZANOTTI, 2005,

p.13 tradução livre). 121

Esse processo fica evidente no caso da reconstrução da Libéria, no qual técnicas

voltadas para a produção de ordem interna foram idealizadas e implementadas por atores

120 […] from form to substance, from the merely modern sovereign/subject to the appropriate expression of

modernizing democracy, so as to intensify the contradiction between the rule affirming domestic jurisdiction and

the rule affirming the need to include/exclude domestic jurisdictions on grounds of systemic integrity. 121 ―aims at creating visibility out of obscurity, transparency out of opacity, accountability out of corruption,

efficiency out of redundancy, effectiveness out of aimlessness, rights out of abuses, rule of law out of

unpredictability‖.

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127

internacionais. Nesse sentido, a pretensa universalidade dos modelos não só deu azo à

participação direta e multidimensional desses atores, como também possibilitou a enorme

convergência entre as políticas desenvolvidas por eles no país, conforme mostrado no

diagrama de distribuição das políticas de reconstrução na Libéria, no capítulo anterior (p.104).

Paralelamente, o enquadramento técnico das questões governamentais levou à especialização

dos atores envolvidos nas missões de paz, dedicados a alterar pequenas partes do quadro geral

encontrado no país, sob coordenação da ONU. Tanto a especialização das agências, divididas

entre OMP, assistência humanitária e assistência ao desenvolvimento, quanto a coordenação

das atividades, realizada pela ONU, foram ilustradas pelo outro diagrama, também

apresentado no capítulo anterior (p.106), que mostra a distribuição das organizações e

agências que participam da reconstrução.

4.4 Segurança, desenvolvimento e transformação social na Libéria

Para Mark Duffield (2001), como resultado do processo de globalização, ―[...] houve

uma notável transformação de relações hierárquicas, territoriais e burocráticas de governo

para relações mais poliárquicas, não territoriais e interligadas de governança‖ (p.11, tradução

livre). 122

Tal transformação funcionaria como condição de possibilidade para a emergência de

redes de governança global, bem como para uma nova articulação entre os discursos de

segurança e desenvolvimento. Essa nova articulação discursiva seria marcada por dois

processos que se complementam: por um lado, a reproblematização da segurança, na qual o

subdesenvolvimento passou a ser entendido como perigoso; e, por outro, a radicalização do

desenvolvimento, que passou a implicar a transformação das sociedades como um todo

(DUFFIELD, 2001).

Tanto a reproblematização da segurança quanto a radicalização do desenvolvimento

podem ser claramente identificadas nos diagnósticos e tratamentos propostos pelas

organizações e agências internacionais, e até pelo próprio governo nacional, em relação ao

conflito na Libéria. A UNDAF (2003), por exemplo, defendeu a existência de uma relação de

causalidade mútua entre subdesenvolvimento e conflito, que teria sido a responsável pela

122 ―[…] there has been a noticeable move from hierarchical, territorial and bureaucratic relations of government

to more polyarchical, non-territorial and networked relations of governance‖.

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violência e pelo agravamento dos problemas humanitários no país. De acordo com o

documento,

um ciclo vicioso entre conflito armado, proliferação de pequenas armas, alto índice

de desemprego, especialmente entre os jovens, governança precária e o comércio

ilícito de recursos minerais, como diamantes e madeira, que alimentavam o conflito,

exacerbaram o espiral de violência e pobreza que impediu a resolução do conflito, a

recuperação sustentada e o respeito pelo primado da lei e pelos direitos humanos.

Combinados, o conflito e a pobreza levam ao subdesenvolvimento, que, por sua vez,

promove mais conflito e mais pobreza. Assim, o trio formado por pobreza, conflito e subdesenvolvimento cria um jogo de ‗soma zero‘, no qual o desenvolvimento

humano sustentável fica comprometido (UNDAF LIBERIA, 2003, p. 5, tradução

livre). 123

Essa mesma relação entre subdesenvolvimento e conflito foi recuperada pelo governo

da Libéria, em 2008, para descrever as causas do colapso do Estado nos anos anteriores.

Baseado em dados do Banco Mundial, o governo traçou um paralelo entre exclusão e

marginalização de parte da população das instituições de governança e do aproveitamento de

recursos econômicos; governança precária; má administração dos recursos do país; corrupção;

colapso econômico; e aumento das tensões políticas e da violência ao longo dos anos,

culminando na explosão da guerra civil (LIBÉRIA, 2008). Essa relação foi ilustrada pelo

Gráfico 8, reproduzido a seguir.

123 A vicious circle between armed conflict, the proliferation of small arms, a high level of unemployment,

particularly among youths, weak governance, and the illicit trade of mineral resources, such as diamonds and

timber, used to fuel the conflict have exacerbated a spiral of violence and poverty that have hindered conflict

resolution, sustained recovery and respect for the rule of law and human rights. Combined, both conflict and

poverty lead to underdevelopment, which in turn, promotes more conflict and more poverty. Accordingly, the

trio of poverty, conflict, and underdevelopment conspire and create a ―zero-sum‖ game in which sustainable

human development is ultimately compromised.

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Gráfico 8: Performance econômica (evolução do PIB per capita em dólares norte-

americanos) e tensão política na Libéria (1960-2005)

Fonte: LIBÉRIA, 2008, p.14.

Reforçando a causalidade, o governo, assim como a UNDAF (2003) ressaltam a

relação entre os efeitos do conflito e o agravamento do quadro de subdesenvolvimento do

país, constatado por meio de dados do FMI que demonstram a piora de todos os indicadores

econômicos, bem como de provisão de serviços, que revelam a deterioração da infraestrutura

(LIBÉRIA, 2008). A Tabela 1, reproduzida a seguir, reúne esses indicadores.

TABELA 1

Valores adicionados por setor na Libéria (1987-2005), em dólares norte-americanos

1987 2005

Redução

(%)

PIB Real 1167 401,7 65,6

Agricultura e Pesca 368,7 177,9 51,8

Borracha 59,9 41,5 30,7

Café 0,9 0,1 90,8

Cacau 5,9 1,2 79,5

Arroz 117,1 28,4 75,7

Mandioca 57,4 44 23,3

Outros 127,6 62,7 50,9

Silvicultura 56,6 59 -4,3

Troncos e tábuas 34,4 0 100

Carvão e Lenha 22,2 59 -166,2

Mineração e Garimpo 124,9 0,7 94,4

Minério de Ferro 116,2 0 100

Outros 8,7 0,7 91,9

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Manufatura 86,9 51,7 40,5

Cimento 23 14,9 35,5

Bebidas e Cerveja 52,5 33,7 35,9

Outros 11,4 3,2 71,8

Serviços 529,9 112,3 78,8

Água e Eletricidade 18,2 2,7 85,3

Construção 39 8 79,4

Comércio, Hotéis, etc 71,5 19,2 73,1

Transportes e Comunicação 89,5 27,6 69,2

Instituições Financeiras 141,8 10 93

Serviços Governamentais 129 31,5 75,6

Outros Serviços 40,9 13,3 67,4

Adaptado de: LIBÉRIA, 2008, p.16

Em ambos os documentos, a intervenção da ONU é descrita como uma oportunidade

para quebrar o ciclo de subdesenvolvimento e conflitos e recolocar a Libéria no caminho da

paz e do desenvolvimento sustentável. Para trilhar esse caminho, contudo, ―a sociedade

propícia ao conflito que se encontra na Libéria precisa dar lugar a uma sociedade de paz,

tolerância, justiça e acesso igual às oportunidades‖ (UNDAF LIBERIA, 2003, p.5, tradução

livre). 124

Segundo Mark Duffield (2001), quando as modalidades de subdesenvolvimento são

tomadas como perigosas, a relação entre segurança e desenvolvimento se modifica e a

transformação das sociedades pela substituição de valores e modos de organização

tradicionais pelos liberais torna-se condição fundamental para o estabelecimento de um tipo

específico de paz, a saber, a paz liberal, que

combina e mescla ‗liberal‘ (como nas doutrinas liberais políticas e econômicas

contemporâneas) com ‗paz‘ (a atual predileção política com vistas à resolução de

conflitos e à reconstrução social). Reflete o atual consenso de que a melhor

abordagem para o conflito no Sul é um conjunto de medidas conectadas de melhoria,

harmonização e, especialmente, transformação. Ainda que isso possa incluir a

provisão de alívio imediato e assistência para a reabilitação, a paz liberal incorpora

um humanitarismo novo, ou político, que dá ênfase a coisas como resolução e prevenção de conflitos, reconstrução de redes sociais, fortalecimento de instituições

civis e representativas, promoção do primado da lei e reforma do setor de segurança

no contexto de uma economia de mercado efetiva. Em muitos aspectos, ainda que

124 ―Liberia's conflict prone society has to give way to an enbling society of peace, tolerance, justice and equal

access to opportunities‖.

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contestada e longe de estar garantida, a paz liberal reflete uma agenda radical de

desenvolvimento e transformação social (DUFFIELD, 2001, p.11, tradução livre).125

A paz liberal, portanto, pode ser entendida como um projeto político em si mesmo,

cujo objetivo seria prevenir conflitos e ―transformar as sociedades disfuncionais e afetadas

pela guerra que se encontram em suas fronteiras em entidades cooperativas, representativas e,

especialmente, estáveis‖ (DUFFIELD, 2001, p.11, tradução livre). 126

A promoção e

preservação dessa paz se dão pela atuação de complexos estratégicos, redes de atores

―estatais-não-estatais, militar-civis e público-privados na busca de seus objetivos‖

(DUFFIELD, 2001, p.12, tradução livre). 127

Nesse emaranhado de atores, encontram-se

―ONGs internacionais, governos, estabelecimentos militares, Instituições Financeiras

Internacionais, companhias de segurança privada, Organizações Governamentais

Internacionais, o setor privado, entre outros‖, que podem ser considerados ―estratégicos no

sentido de perseguirem uma agenda radical de transformação social, interessados na

estabilidade global‖ (DUFFIELD, 2001, p.12, tradução livre). 128

Essa nova concepção de paz sugere a consolidação de um nexo discursivo entre

segurança e desenvolvimento, amarrado pela transformação das sociedades por meio do

transplante de instituições e práticas de boa governança, informadas pelo corolário da

democracia liberal. Inicialmente, a operação desse transplante seria feita pelas redes de atores

chamadas por Duffield (2001) de complexos estratégicos. Contudo, a conclusão desse

processo, e, de forma mais ampla, seu sucesso seriam evidenciados pela capacidade das

estruturas governamentais de passar a formular demandas por meio dos padrões e canais

institucionais criados pelos parceiros internacionais responsáveis pela reconstrução. Assim, a

condução da conduta dos indivíduos por parte do governo teria que incorporar a arte da boa

governança, como articulada internacionalmente, o que permitiria a esses países se

125 Combines and conflates ‗liberal‘ (as in contemporary liberal economies and political tenets) with ‗peace‘ (the

present policy predilection towards conflict resolution and societal reconstruction). It reflects the existing

consensus that conflict in the South is best approached through a number of connected, ameliorative,

harmonizing and, especially, transformational measures. While this can include the provision of immediate relief

and rehabilitation assistance, liberal peace embodies a new or political humanitarianism that lays emphasis on

such things as conflict resolution and prevention, reconstructing social networks, strengthening civil and representative institutions, promoting the rule of law, and security sector reform in the context of a functioning

market economy. In many respects, while contested and far from assured, liberal peace reflects a radical

developmental agenda of social transformation. 126 ―[…] to transform the dysfunctional and war-affected societies that it encounters on its borders into

cooperative, representative and, especially, stable entities‖. 127 ―[...] state-non-state, military-civilian, and public-private actors in pursuit of its aims‖. 128 ―[...] international NGOs, governments, military establishments, IFI‘s, private security companies, IGOs, the

business sector, and so on. They are strategic in the sense of pursuing a radical agenda of social transformation in

the interests of global stability‖.

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132

recolocarem na confluência entre consolidação da paz, promoção do desenvolvimento e

recuperação da capacidade de agência no sistema internacional.

Na linguagem proposta pela Doutrina Capstone (2008), uma das evidências da

chegada desse momento seria a elaboração de um documento, no qual o governo nacional

eleito traduzisse a consolidação da paz e da segurança nos termos de uma Estratégia de

Redução da Pobreza (PRS), reforçando o nexo entre segurança e desenvolvimento. Para

lembrar a sucessão das fases de reconstrução descrita pela Doutrina – estabilização,

consolidação da paz e recuperação e desenvolvimento a longo prazo – a Estratégia de

Redução da Pobreza estaria na transição entre a segunda e a terceira fase, na qual,

gradualmente, as rédeas do desenvolvimento deixam as mãos dos atores internacionais e são

legadas ao Estado reconstruído (LIBÉRIA, 2008; LOPES; THEISOHN, 2003).

Vale ressaltar que, mesmo que o processo de reconstrução contribua efetivamente para

a melhoria da capacidade de gestão do Estado e para alguma recuperação econômica, a

situação desses países permanece, em geral, bastante frágil. Dessa forma, quaisquer que sejam

as políticas de desenvolvimento planejadas pelo Estado, sua implementação efetiva ainda

carece, em larga medida, do suporte e dos recursos dos parceiros internacionais, sejam eles

agências da ONU, organizações não governamentais, OIs, investidores privados ou doadores.

Entretanto, as regras que balizam a atuação desses atores preveem, normalmente, uma lista de

critérios que os países precisam preencher para se tornarem elegíveis para as políticas de

desenvolvimento, a despeito das necessidades físicas ou sociais que possam apresentar

(LOPES; THEISOHN, 2003).

Baseado no conhecimento que dispõem sobre cada país e sobre a conduta de seus

governos, esses atores selecionam aqueles que apresentam, pelo menos, um conjunto mínimo

de elementos que participam da definição da condição de membros da sociedade

internacional, o que indicaria sua capacidade de absorver os recursos provenientes das

parcerias que possam firmar e utilizá-los para aprimorar suas técnicas de governo,

consagrando-se como bons membros dessa sociedade. O status de bom membro seria medido,

inicialmente, pelo avanço em relação a quatro metas, definidas como pilares da Estratégia de

Redução da Pobreza: consolidação da paz e da segurança; revitalização da economia;

fortalecimento da governança e do primado da lei; e reabilitação da infraestrutura e da

provisão de serviços básicos (LIBÉRIA, 2008). Quanto maiores os avanços, maior a

autonomia do Estado para negociar os termos de sua relação com os atores internacionais.

Nesse sentido, os Estados teriam sua capacidade de agência progressivamente restituída (ou

reconstruída), o que lhes permitiria traduzir suas particularidades em termos de demandas a

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133

serem consideradas na formulação de projetos e no fechamento de acordos de financiamento,

inclusive no que concerne à negociação das condicionalidades e salvaguardas normalmente

impostas (LOPES; THEISOHN, 2003). Nas negociações com o Banco Mundial, por exemplo,

um pais ganha mais recursos quanto melhor for a implementação de suas políticas

sociais e econômicas na promoção de crescimento econômico e redução da pobreza.

Entretanto, esse critério normalmente funciona contra os países que se recuperam de

conflitos, que tipicamente tem desempenho ruim na implementação dessas políticas,

justamente no momento em que mais precisam de recursos financeiros. O Banco,

portanto, desenvolveu um novo conjunto de indicadores mais condizente com a

situação dos países pós-conflito, como segurança humana e progresso rumo à paz e à

governança (ONU, 2003, p.188, tradução livre). 129

A formulação da Estratégia de Redução da Pobreza (PRS) pelo governo da Libéria,

como era de se esperar, ocorreu quando as atividades da missão de paz no país já

encontravam-se em estágio avançado de implementação, em abril de 2008. Para garantir que

as metas definidas atendessem aos critérios estabelecidos por seus parceiros em potencial,

como o Banco Mundial, o processo de elaboração da PRS foi marcado por inúmeras

consultas, realizadas tanto com a população local quanto com atores internacionais

(LIBÉRIA, 2008). As demandas apresentadas por ambos os grupos eram repassadas para um

comitê responsável por traçar as linhas gerais das políticas de reconstrução e

desenvolvimento, composto pela presidente do país; representantes dos ministérios das

Finanças, Defesa, Planejamento e Assuntos Econômicos e Serviços Públicos; ONU; Banco

Mundial; Fundo Monetário Internacional; União Africana; Comissão Européia; ECOWAS; e

pelos governos dos Estados Unidos e da China (LIBÉRIA, 2008, p.42). Os quatro pilares

foram relacionados ao avanço na implementação das Metas de Desenvolvimento do Milênio,

à garantia da segurança e à melhoria dos indicadores de governança (LIBÉRIA, 2008).

Segundo a Estratégia,

paz e segurança são pré-requisitos para o progresso econômico sustentado e a

redução da pobreza. Sem paz, o crescimento econômico e a redução da pobreza não

procedem. Da mesma maneira, a paz e a segurança nacional serão severamente

ameaçadas se a pobreza crônica continuar a crescer. A paz sustentável dependerá, em larga medida, da habilidade de criar oportunidades econômicas inclusivas e

prover serviços sociais básicos em todo o país. De forma similar, a infraestrutura

básica é necessária para o crescimento mais amplo e para a provisão de serviços

nação afora, e provê as bases para sistemas descentralizados de governança. A

129 A country gets more resources the better its implementation of economic and social policies that promote

growth and poverty reduction. This often works against post-conflict countries, however, since they typically

have performed poorly on this front at the very time they most need financial resources. The Bank, therefore,

devised a new set of indicators better tailored for post-conflict countries, such as human security and progress

towards peace and governance.

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134

governança e o primado da lei garantem as bases institucionais para o desempenho

econômico consistente e alívio da pobreza, e a justiça necessária para assegurar que

as queixas sejam resolvidas por meio do diálogo dentro do sistema político, como

oposição à violência (LIBÉRIA, 2008, p.44, tradução livre). 130

Entre os esforços empreendidos pelo governo da Libéria para a melhoria da

governança no país, merece destaque o Programa de Governança e Gestão Econômica

(GEMAP) 131

, desenvolvido, desde 2006, em parceria entre o Governo da Libéria (GOL) e a

comunidade internacional 132

―[...] para garantir que os fundos das instituições da Libéria e os

recursos naturais cheguem ao governo, que o governo administre esses fundos de maneira

correta e transparente, e os empregue com efetividade na reconstrução do país‖ (GEMAP,

2009, p.1, tradução livre). 133

Uma das principais estratégias do Programa é o recrutamento de

consultores internacionais para trabalhar nos escritórios das principais instituições da

Libéria134

, para treinar líderes locais, construir capacidades, e produzir relatórios sobre o

funcionamento dos sistemas de governança no país, especialmente sobre receitas e gastos

públicos. A expectativa é que o GEMAP ―[...] ajude a promover maior confiança, do povo da

Libéria e da comunidade internacional no governo‖ (GEMAP, 2009, p.1, tradução livre) 135

, e

possibilite que os recursos e investimentos retornem à Libéria, como forma de patrocinar as

políticas de desenvolvimento idealizadas pelo governo do país.

Para Lopes e Theisohn (2003), o exercício de controle e comando sobre as atividades

de desenvolvimento, das ideias aos resultados, garantiria aos Estados a propriedade

(ownership) sobre seu futuro e marcaria a passagem da ajuda para o desenvolvimento. Ainda

segundo os autores, essa ―[...] propriedade significa que os governos internalizaram as

reformas de tal maneira que estão preparados para defendê-las diante do público doméstico‖

130 Peace and security are pre-requisites for sustained economic progress and a reduction of poverty. Without

peace, economic growth and poverty reduction cannot proceed. Likewise, peace and national security will be

severely threatened if chronic poverty continues to rise. Sustainable peace will largely depend upon the ability to

create inclusive economic opportunities and deliver basic social services throughout the country. Similarly, basic

infrastructure is required for broad-based growth and delivery of services nationwide, and provides the basis for

decentralized governance systems. Governance and the rule of law provide the institutional base for strong

economic performance and poverty alleviation, and the justice that is needed to ensure that grievances are settled

through dialogue within the political system, as opposed to violence. 131 Governance and Economic Management Program. 132 Os parceiros do GEMAP são os mesmos que compõem o comitê de reconstrução na formulação da Estratégia

de Redução da Pobreza, com exceção do governo da China (GEMAP, 2009). 133 ―[…] to ensure that the funds from Liberia‘s institutions and natural resources flow into the government, that

the government manages those funds well and transparently, and spends it effectively on rebuilding the country‖. 134 Até hoje, os consultores do GEMAP trabalharam no Ministério das Finanças (MOF); Banco Central da

Libéria (CBL); Bureau de Orçamento (BOB); Ministério da Fazenda, Mineração e Energia (MLME); Autoridade

Portuária Nacional (NPA); Corporação de Refino de Petróleo da Libéria (LPRC); Comissão Geral de Auditoria

(GAC); Agência de Serviços Gerais (GSA); e Comissão de Governança e Reforma (GRC), entre outros órgãos

governamentais (GEMAP, 2009). 135 ―[…] helps provide the Liberian people and the international community greater confidence in the

government‖.

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135

(LOPES; THEISOHN, 2003, p.30, tradução livre). 136

Em outras palavras, isso significa que o

governo estaria preparado para participar da transformação social no país e se recolocar como

membro ativo da sociedade internacional, não mais como receptor passivo da ajuda. Assim,

na carta que abre a Estratégia de Redução da Pobreza, a presidente da Libéria, Ellen Johnson

Sirleaf, afirma que as políticas ali previstas são ―[...] verdadeiramente nossas – cultivadas em

casa, por todos nós‖ (LIBÉRIA, 2008, p.7, tradução livre) 137

, como resultado do processo de

reconstrução do país e de sua entrada no campo de desenvolvimento, e pede que os parceiros

internacionais ―[...] redirecionem suas políticas e programas, de acordo com a Estratégia‖

(p.7, tradução livre). 138

Como a reconstrução da Libéria foi considerada um caso de relativo sucesso, o esforço

do governo de recuperar a propriedade sobre o processo de desenvolvimento do país recebeu

um voto de confiança da sociedade internacional. Como evidência disso, a nova UNDAF

elaborada pelo Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDG) para atender às

necessidades da Libéria, levou em conta as propostas da PRS e foi formulada para auxiliar o

governo na consecução das metas propostas. A primeira UNDAF regular da história do país

foi aberta por uma carta do Ministro do Planejamento e dos Assuntos Econômicos da Libéria,

Amara Konneh, na qual reafirmava o comprometimento do povo e do governo com a paz, a

segurança e a realização das Metas de Desenvolvimento do Milênio, para, em seguida, pedir

apoio internacional para a implementação dos projetos da PRS (UNDAF LIBERIA, 2008).

Em seguida, a Representante Especial do Secretário Geral e coordenadora da UNMIL, Ellen

Margrethe Løj, atestou o sucesso do trabalho de reconstrução até aquele momento e o

comprometimento do governo, além de ter ressaltado a oportunidade histórica, representada

pela PRS, de a Libéria retomar o caminho da paz e do desenvolvimento. As palavras da

Representante foram reforçadas pelos representantes das agências da ONU no país 139

, que

ainda se comprometeram a contribuir para o sucesso da PRS.

Com a participação do governo e o aval dos parceiros internacionais, a UNDAF

(2008) foi pensada para dar suporte à PRS, que, de acordo com o documento, é composta por

―[...] estratégias de desenvolvimento sensíveis à questão do conflito e que procuram tratar

suas causas estruturais, ao mesmo tempo em que asseguram que o desenvolvimento contribua

e equacione, de forma séria, os desafios da construção da paz‖ (UNDAF LIBERIA, 2008, p.5,

136 ―[…] ownership will be taken to mean that governments have internalized reforms to such extent that they are

prepared to defend them before their domestic constituencies‖. 137 ―[…] truly ours – home grown by all of us‖. 138 ―[…] refocus their policies and programs in alignment with the Strategy‖. 139 Assinaram o documento os representantes da FAO; UNESCO; WFP; OIT; UNFPA; OMS; OIM; ACNUR;

BM; EACDH; UNICEF; OCHA; UNAIDS; UNIFEM; PNUD; UNOPS.

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136

tradução livre). 140

Além disso, a UNDAF pretendia auxiliar reformas essenciais, além de

assistir o processo de transferência definitiva das responsabilidades da UNMIL para o

governo nacional, que deve ser concluído em 2010, ainda no período de vigência da UNDAF,

que se estende até 2012 (UNDAF LIBERIA, 2008). A convergência entre os objetivos da

PRS (LIBÉRIA, 2008), da UNDAF (2008) e as Metas de Desenvolvimento do Milênio 141

pode ser observada no Quadro 10, que resume esses objetivos.

Pilares da PRS Objetivos da

UNDAF Metas de Desenvolvimento do Milênio

Consolidação da

Paz e da Segurança Paz e Segurança

Declaração do Milênio: paz, conflito e

desarmamento

Revitalização da

Economia

Desenvolvimento

Sócioeconômico

Equitativo

1. Erradicar a fome a pobreza extrema

3. Promover igualdade de gênero e

empoderamento das mulheres

7. Assegurar sustentabilidade ambiental

8. Criar uma parceria global para o

desenvolvimento

Fortalecimento da

Governança e do

Primado da Lei

Boa Governança e

Primado da Lei

De acordo com a Declaração do

Milênio, intervenções relacionadas à boa

governança têm impacto em todas as

metas

Reabilitação da

Infraestrutura e

Provisão de

Serviços Básicos

Educação e Saúde

2. Educação Universal Primária

3. Promover igualdade de gênero e

empoderamento das mulheres

4. Reduzir a mortalidade infantil

5. Reduzir mortalidade materna

_

HIV/AIDS:

Prevenção,

Tratamento e

Cuidados

6. Combate ao HIV, AIDS, Malária e

outras doenças

Quadro 10: Principais objetivos da PRS, UNDAF e sua relação com as Metas de Desenvolvimento do

Milênio.

Adaptado de: LIBÉRIA, 2008; UNDAF LIBERIA, 2008.

Como foi discutido, a implementação da UNDAF (2008-2012) acompanharia a

conclusão do trabalho de reconstrução e o início de um relacionamento mais direto entre a

Libéria e os parceiros do desenvolvimento. Na linguagem das organizações internacionais, o

140 ―[…] conflict-sensitive development strategies that address the structural causes of conflict, while at the same

time ensuring that development contributes to and seriously addresses peacebuilding challenges‖. 141 A relação entre seus objetivos e as Metas de Desenvolvimento do Milênio é descrita na própria UNDAF

(2008).

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137

país teria dado mais um passo no caminho que leva do conflito ao desenvolvimento, da mera

condição de objeto da ajuda para a de sujeito da sociedade internacional e representante

legítimo dos anseios de seu povo perante essa sociedade. Segundo essas organizações, esse

seria o passo a ser dado pela Libéria, agora, ainda que o desenvolvimento e o pertencimento

pleno levem mais tempo. A Figura 7, retirada da UNDAF (2008), resume todo o processo de

reconstrução empreendido pela ONU, agências e organizações internacionais, ONGs, setor

privado e doadores na Libéria e ilustra essa ideia de passagem da guerra para a paz, da

reconstrução para o desenvolvimento.

Figura 7: Processo de reconstrução da Libéria e a formulação da UNDAF

Fonte: UNDAF LIBERIA, 2008.

Acompanhando a linha do tempo (eixo inferior), observam-se os apelos apresentados

pelos atores vinculados à assistência humanitária (CAP, CHAP), situados no início do

processo; um pouco acima, os projetos apresentados individualmente pelas agências da ONU

e pelo time da organização no país (CCA); e, finalmente, os documentos de planejamento do

próprio governo nacional, que tem na PRS sua expressão máxima. A seta no centro da figura

leva do conflito e dos esforços iniciais de recuperação do pessoal da ajuda, em 2004, ao

desenvolvimento descentralizado, relacionado às Metas do Milênio e coordenado pelo

governo, como representante de todos os cidadãos, situado no futuro. Em meio a tudo isso,

fazendo mediação entre o passado e o futuro, entre as prioridades do governo e os padrões

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internacionais de condução da conduta, encontra-se a UNDAF e, no limite, as propostas de

desenvolvimento apresentadas pela sociedade internacional por meio da ONU. Essa posição

reforça o nexo entre segurança e desenvolvimento, citado anteriormente e sugere um novo

papel para as políticas de desenvolvimento, qual seja, a expansão do modo de vida liberal para

outros espaços mediante suas instituições e práticas de boa governança e de mercado; e a

garantia última para a manutenção da paz e da segurança no sistema internacional.

De acordo com Zanotti (2006), ―a extensão de mecanismos de governo consistentes,

claros e contínuos não é apenas o principal fundamento para a ‗boa governança‘ de cada

Estado em particular, mas é também uma precondição para a ascensão a estruturas

supranacionais‖ (p.13). O acesso a essas estruturas sinaliza o passo fundamental para que as

comunidades políticas possam sair de um caminho de guerra e iniciar um caminho de paz.

Seguindo essa crença, organizações internacionais comprometidas com tarefas de

governamentalização, especialmente aquelas em torno da órbita das Nações Unidas, passaram

a assumir uma posição estratégica na (re)definição de quem já estivesse no caminho da paz –

poderia ser beneficiado por montantes significativos de financiamento para o

desenvolvimento –; já os que estivessem fora desse caminho, demandariam cuidados

especiais no âmbito de um intensivo programa de normalização.

Para além de uma simples divisão de trabalho, as múltiplas dimensões que constituem

essa passagem entre os momentos de estabilização, consolidação da paz e desenvolvimento

sustentado podem ser relidas como uma linha temporal, na qual cada etapa representa a adição

de um novo conteúdo ao processo de modernização. Tal divisão temporal, além de conduzir

esses novos seres em direção à atualização de conteúdos programáticos, relaciona a superação

de cada estágio ao alcance de um conjunto de direitos e deveres que autoriza a capacidade de

agência desses seres na sociedade internacional. Se as operações de paz se encarregam de

incutir procedimentos básicos de vida civilizada – construção de sujeitos – a cooperação para

o desenvolvimento supõe a observância a esses procedimentos como prerrequisito de uma

troca que, por um lado, irá atualizar os conteúdos desses sujeitos/seres; por outro, ampliar a

massa de estados e cidadãos capazes de agir de forma livre e responsável – desenvolvimento

de agentes.

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139

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho procurou abordar as principais transformações normativas, institucionais e

operacionais relacionadas às operações de manutenção da paz a partir da Guerra Fria, bem

como a tradução dessas diretrizes gerais para a linguagem de seus operadores no campo,

como forma de fornecer evidências que permitissem repensar o processo mais amplo de

mudança estrutural do próprio sistema internacional no período. Nesse sentido, é importante

considerar que a descrição tanto da reorganização das atividades da ONU relacionadas à

manutenção da segurança e da estabilidade, quanto do processo de reconstrução do Estado na

Libéria, que perpassou os três capítulos, não foi utilizada com o intuito de avaliar a

capacidade da ONU de realizar as promessas e objetivos estabelecidos por ela, como, por

exemplo, aqueles implicados no conceito de segurança humana; tampouco a qualidade das

instituições construídas na Libéria, ou a solidez da paz implantada no país. Pretendeu-se, de

fato, identificar as diretrizes e os meios de atuação dos agentes internacionais, na tentativa de

acessar o processo pelo qual a própria ideia de paz vem sendo reconstruída no sistema

internacional.

A identificação dos componentes da paz e dos principais elementos a eles

relacionados, que foi possível, especialmente, por meio da análise da operação desdobrada na

Libéria, evidenciou a incorporação de novas dimensões, como o desenvolvimento ou os

direitos humanos, à agenda da segurança internacional, sugerindo uma redefinição do

significado de paz e dos caminhos que levariam a ela, articulados em torno dos diagnósticos e

profilaxias previstos no corolário da Paz Democrática. As atividades relacionadas à

consolidação da paz, como mostradas no diagrama construído no segundo capítulo, apontam

para a superação da noção de equilíbrio de poder como a principal maneira de garantir a

perpetuação dessa paz no sistema internacional, e para sua progressiva substituição por uma

abordagem que aposta na possibilidade de difundi-la pela mudança dos regimes de

governança. Essa mudança seria uma forma de induzir a transformação das sociedades

afetadas pelo conflito em sociedades democráticas, nas quais o respeito a direitos

considerados fundamentais e a operação do livre mercado trabalhariam juntas no sentido de

prevenir a ocorrência (ou a recorrência) de conflitos violentos.

Assim, propor um nexo entre segurança, assistência humanitária e assistência ao

desenvolvimento permite compreender o papel da ONU na reconstrução de Estados como

expressão da própria reconfiguração da noção de paz no sistema internacional, e não como

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140

idealizadora de métodos e técnicas de combate efetivo às causas de conflitos com dimensões

potencialmente internacionais. Entretanto, esse passo lógico só é possível com o recurso a

ideias e conceitos que permitam abordar as propostas de reordenamento das relações

internacionais de forma mais ampla, como o de governamentalidade, que oferece um

entendimento alternativo, pautado na reconfiguração dos atributos e da forma de exercer a

soberania pela inclusão de outros elementos. Na linguagem das organizações internacionais, o

processo de governamentalização teria sua interface na ideia de ownership, conforme

apresentada no terceiro capítulo, que evidencia a necessidade de assimilação desses novos

atributos como condição para a restituição da capacidade de agência no sistema internacional.

Finalmente, vale ressaltar que casos como o da Libéria, no qual atores internacionais

autorizados entram em cena para construir, ou reconstruir, sujeitos de sua sociedade, podem

ser tomados, com base na abordagem de Foucault, como situações-limite, que têm lugar nas

fronteiras do sistema internacional como se apresenta hoje, participando do traçado das linhas

que separam aqueles que fazem ou não parte dele, e da redefinição do tratamento reservado a

cada um deles. Tais situações seriam nichos privilegiados no sentido de permitir ao

observador perceber alguns dos embates que participam da construção de seu próprio tempo e

repensá-los com uma postura crítica.

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141

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APÊNDICE – Lista de Organizações da Figura 6

AASMAM - Anti- AIDS/STD/Malaria Awareness Movement Inc

ACBF - African Capacity Building Foundation

ACDI/VOCA - (ONG norte-americana)

ACF - Action Contre la Faim

ACTED - Agency for Technical Cooperation and Development

ADB - African Development Bank

ADEN - African Development Network (ONG local)

ADRA - Adventist Development and Relief Agency

AEL - Association of Environmental Lawyers

AEL - Association of Evangelical of Liberia

AFELL - Association of Female Lawyers of Liberia

Africare

AGENDA - Actions for Genuine Democratic Alternatives

AGRHA - Action for Greater Harvest

AGROSPHERE

AHA - African Health Assistance

AI - Amnesty International

ANDP - Aid for the Needy Development Programme

ANPPCAN - African Net for the Prevention & Protection against Child Abuse and

Neglect

ANPPCAN - African Network for the Prevention & Protection Against Child Abuse

ARC - American Refugee Committee-International

ASUR (ONG Francesa)

AU - African Union

AVSI - Associazione Volontari Il Servizio Internazionale (Itália)

AWEPA - Association for European Parliamentarians for Africa

CADI - Children Aid Direct

CAI - Church Aid Inc

CAL - Community Aid Liberia

CAM - Christian Aid Ministries

CARD - Comunity Assistance for Rural Development (ONG local)

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CARE

CARITAS

Catholic Hospital

CBOs - Community Based Organizations

CCC - Concerned Christian Communities

CCF - Christian Children's Fund

CEDE - Center for Democratic Empowerment

CEEP - Center for Environmental Education and Protection

CEMESP - Center for Media Studies & Peacebuilding

CEMIR - Conférence Episcopale pour les Migrants et les Réfugiés

CENAP - Centre d'Alerte et de Prévention des Conflits

CENTAL - Center for Transparency & Accountability in Liberia

CES - Catholic Education Secretariats

CESP - Christian Empowerment & Sustainable Program

CGD - Center for Global Development

CHAL - Christian Health Association of Liberia

CHERISH International

Child Art

CHS - Catholic Health Service

CI - Conservation International

CIRID - Centre Independant de Recherches et d'Initiatives pour le Dialogue

CISV - Communita Impregno Servizio Volontariato

CIVICUS - World Alliance for Citizen Participation

CJPC - Catholic Justice and Peace Comission

COBEC-AIDS - Community-Based Education and counselling for HIV/AIDS

CONCERN Worldwide

CONWASA - Concern Women Against the Spread of AIDS (ONG local)

COOPI - Cooperazione Internazionale (ONG italiana)

CORD (ONG do UK)

Cordaid (ONG Holanda)

CPAR - Canadian Physicians for Aid and Relief

CPD - Center for Peacebuilding and Democracy

CRID - Center for the Rehabilitation of the Injured and Disabled

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CRS - Catholic Relief Service

Crusaders for peace

CS - Combat Stress (ONG local)

CSOs - Civil Society Organizations

CTCCR - Center for Trauma Counseling and Conflict Resolution

CUAMM - Medici con l'Africa Cuamm (ONG italiana)

CUSD - Community Union for Sustainable Development

CUSS - Community United for Sanitation Services

CVT - Center for Victims of Torture

DEN'L - Development Education Network for Liberia

DFID - Department for International Development - United Kingdom

DKH - Diakonie Katastrophenhilfe

Don Bosco Homes

DRC - Danish Refugee Council

DWHH - Deutsche Welthungerhilfe

ECOWAS - Economic Community of West African States

ECREP - Evangelical Children Rehabilitation Programme

EFA - Environmental Foundation for Africa

EMSF - Enfance Meurtie Sans Frontiere

EPA - Environmental Protection Agency

EQUIP

ERADRO - Environment Relief and Development Research Organization

ERF Emergency Response Fund

ERS - Emergency Rehabilitation Services (ONG local)

EU - European Union

FACE - Farmers Associated to Conserve the Environment

FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations

FAWE - Forum for African Women Educationalist

FCA - Finn Church Aid

FFI - Fauna and Flora International

FHRD - Foundation for Human Rights and Democracy

FIND - Foundation for International Dignity

FLY - Federation of Liberian Youth

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FOHRD - Foundation for Human Rights & Democracy

FOL - Friends of Liberia

FPAL - Family Planning Association of Liberia

FRC - Finnish Refugee Council

GAA - German Argo Action / Deutsche Welthungerhilfe

GFTAM - Global Fund for Tuberculosis, HIV/AIDS and Malaria

Girls in Crisis

Gold Child (ONG local)

Goya Medical Association

GTZ - Gesellschaft Fűr Technische Zusammerenarbeit

GWSS - Global Water Supply and Sanitation

HDF - Human Development Foundation

HDP - Human Development Program

HELP Liberia Foundation

HI - Hope International

HR - Horn Relief

HRGSH - Human Rights Group to Save Humanity

HRPF - Human Rights and Protection Open Forum

HU - Humanity United

Humanist Watch

IAS - Initiative pour une Afrique Solidaire

IAVE - International Association for Volunteer Effort

Ibis Education for Development

ICG - International Crisis Group

ICRC - International Committee of the Red Cross

ICTJ - International Center for Transitional Justice

IFESH - International Foundation for Education and Self Help

IFRC - International Federation of Red Cross and Red Crescent Societies

ILO - International Labour Organization

IMC - International Medical Corps

IMC - International Missionaries of Charity

IMDD - Institute for Media Development and Dignity

IMF - International Monetary Fund

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INTERSOS - Organizzonazione Umanitaria per L‘emergenza

IOM - International Organization For Migration

IRC - International Rescue Committee

IRD - International Relief and Development

JFK Hospital

JSI - John Snow, Inc.

JUWADA - Julijuah Ward Development Association

JVC - Jesuit Volunteer Corps

LAPS - Liberia Association of Psychosocial Services (ONG local)

LATRU - Lakayta Township Resettlement Union (ONG local)

LCDF - Liberia Community Development Foundation

LCIP - Liberian Community Infrastructure Program

LDI - Liberia Democratic Institute

LEAP - Local enterprise assistance programme

LEHSO (ONG local)

LIFE - Liberia Indigenous Forum for the Environment

LINFU - Liberia National Farmers Union

LINNK - Liberian NGOs Network

LIURD - Liberia Islamic Union of Reconstruction and Development

LMDA - Liberia Medical and Dental Association

LNGG - Liberia National Girls Guides

LNRC - Liberia National Red Cross

LOIC - Liberia Opportunities Industrialization Center

LUHWASA - Liberians United Humanitarian Water & Sanitation Agency

LUSH - Liberians United to Save Humanity

LWF - Lutheran World Federation

LWI - Liberian Women's Initiative

LWMAC - Liberian Women Media Action Committee

MALAO - Movement Contre les Armes Légerès em Afrique de l'Ouest (ONG Senegal)

MARWONET - Mano River Women's Peace Network

MC - Mercy Corps

MCI - Mines Clearance International

MDA - Médecins d'Afrique

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MDM - Medicins du Monde

Medica Mondiale - (ONG alemã)

MENTOR - Malaria Emergency and Technical Operational Response

MERCI - Medical Emergency Relief Cooperative International

MERLIN - Medical Emergency Relief International

MOSWOM - Maryanne's Outreach for Single Women and Mothers

MRU - Mano River Union

MSF - Médecins Sans Frontières

MSG - Management Steering Group

MTI - Medical Teams International

MUSH - Men United to Save Humanity

NARDA - New African Research and Development Agency

New Era Integrated Agriculture and General Construction

NFPR - National Federation for Peacebuilding and Reconciliation

NMC - National Muslim Council

NRC - Norwegian Refugee Council

NUOD - National Union of the Organization of the Disable

NWMTI - Northwest Medical Teams International (ONG cristã)

OCAM - Organisation for Children and Adolescent Mothers

OCHA - Office for the Coordination of Humanitarian Affairs

OCPH - Organisation Catholique pour la Promotion Humaine

OFDA - Office for Disaster Assistance (ONG norte-americana)

OHCHR - Office of the High Commissioner of Human Rights

OSIWA - Open Society Initiatve for West Africa

OXFAM

PAP - Prisioners Assistance Programme

PARACOM (ONG local)

PBRC - Peace Building Resource Center

PCG - Protection Core Group

Phebe Hospital

PMU - Pentecostal Mission Unlimited Inter-life

POCAL - Pollution Control Association of Liberia

PRECA - Prisioner Rehabilitation & Empowerment

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PSI - Population Services International

PU - Premier Urgence

PUL - Press Union of Liberia

PWJ - Peace Winds Japan

READ - Rural Economic & Agricultural Development Corp

Refugee Care

SCF - Save the Children Fund

SCNL - Society for the Conservation of Nature of Liberia

SDA - Service and Development Agency

SDC/SHA - Swiss Agency for Development and Cooperation/Swiss Humanitarian Aid

Unit

SDP - Sustainable Development Promoters

SECADEV - Secours Catholique et Developpement

SEWODA - Southeastern Women Development Association

SFCG - Search for Common Ground

Smile Africa

Solidarité - Aide Humanitaire d'Urgence

SPI - Samaritan's Purse International

Stichting Vluchteling

Susukuu (ONG local)

Swedish Civil Contingencies Agency (MSB)

TCC - The Carter Center

TEARFUND (Christian org)

THINK - (ONG local)

Trocaire - (ONG irlandesa)

UCCA-AIDS - United Christians Campaigning Against AIDS

UMCOR - United Methodist Church Committee on Relief

UNAIDS - Joint United Nations Programme on HIV/AIDS

UNDEF - United Nations Democracy Fund

UNDP - United Nations Development Programme

UNDSS - United Nations Department of Safety and Security

UNEP - United Nations Environment Programme

UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

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UNFPA - United Nations Populations Fund

UNHABITAT - United Nations Human Settlements Programme

UNHCHR - United Nations High Commissioner for Human Rights

UNHCR - United Nations High Commissioner for Refugees

UNICEF - United Nations Children's Fund

UNIDO - United Nations Industrial Development Organization

UNIFEM - United Nations Development Fund for Women

UNMAS - United Nations Mine Action Service

UNOPS - United Nations Office for Project Services

UNSECOORD - United Nations Security Coordinator

US Embassy

USAID - United States Agency for International Development

VETAID

VIA - Visions in Action

WACSI - West Africa Civil Society Institute

WAH - Women Against Hunger

WANP - West Africa Network for Peacebuilding - Liberia

WB - World Bank Group: WB, IBRD, IFC, MIGA*

WDB - World Development Bank

WFP - World Food Programme

WHDN - Women's Health Development Network

WHO - World Health Organization

WIPNET - Women in Peacebuilding Network

WLCU - World Lebanese Cultural Union

WONGOSOL - Women NGO Secretariat of Liberia

WR - World Relief

WVI - World Vision International

YAEHD - Youth Aid Education Health & Development Liberia

YAI - Youth Action International

YMCA - Young Men's Christian Association

YOCAD - Youth Capacity Development International (ONG local)

YUSUD - Youth United for Sustainable Development

YWCA - Young Women Christian Association

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ZOARC - Zoa Refugee Care

ZODWOCA - Zorzor District Women Care (ONG local)