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PENTAGRAMA LECTORIUM ROSICRUCIANUM Julho/Agosto 1999 - ano vinte e um nº 4 Revista bimestral do O QUE A MITOLOGIA GREGA TEM A DIZER AO HOMEM MODERNO? A CRIAÇÃO, SEGUNDO OS ANTIGOS GREGOS OS MISTÉRIOS DE ELÊUSIS NO CAMINHO DO SACERDÓCIO REAL ÍCARO: A ELEVAÇÃO PARA A LUZ ULISSES, OU UMA VIAGEM DE RECONHECIMENTO DENTRO DE SI MESMO PODEMOS FIXAR A ETERNIDADE NO TEMPO? A ESCOLHA ENTRE O PRAZER E O DEVER E A SENDA DA IMORTALIDADE O ROUBO DO MANTO DA ALMA

PENTAGRAMA · que já se iniciou para o desenvolvimento da humanidade. O Pentagrama tem sido, através dos tempos, o símbolo do homem renascido, do novo ... no final da era atlante,

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PENTAGRAMAL E C T O R I U M R O S I C R U C I A N U M

J u l h o / A g o s t o 1 9 9 9 - a n o v i n t e e u m n º 4

R e v i s t a b i m e s t r a l d o

O QUE A MITOLOGIA

GREGA TEM A DIZER AO

HOMEM MODERNO?

A CRIAÇÃO, SEGUNDO OS

ANTIGOS GREGOS

OS MISTÉRIOS

DE ELÊUSIS

NO CAMINHO DO

SACERDÓCIO REAL

ÍCARO: A ELEVAÇÃO

PARA A LUZ

ULISSES, OU

UMA VIAGEM DE

RECONHECIMENTO

DENTRO DE SI MESMO

PODEMOS FIXAR

A ETERNIDADE NO

TEMPO?

A ESCOLHA

ENTRE O PRAZER

E O DEVER E A SENDA

DA IMORTALIDADE

O ROUBO DO

MANTO DA ALMA

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ÍNDICE

2 O QUE A MITOLOGIA

GREGA TEM A DIZER AO

HOMEM MODERNO?

4 A CRIAÇÃO, SEGUNDO

OS ANTIGOS GREGOS

8 OS MISTÉRIOS DE

ELÊUSIS

13 NO CAMINHO DO

SACERDÓCIO REAL

17 PODEMOS FIXAR

A ETERNIDADE NO

TEMPO?

22 ULISSES, OU UMA VIAGEM DE

RECONHECIMENTO

DENTRO DE SI MESMO

27 ÍCARO: A ELEVAÇÃO

PARA A LUZ

32 A ESCOLHA ENTRE O

PRAZER E O DEVER E A

SENDA DA IMORTALIDADE

39 O ROUBO DO MANTO

DA ALMA

1999 ANO VINTE E UM

NÚMERO 4

A revista Pentagrama propõe-se a atrair

a atenção de seus leitores para a nova era

que já se iniciou para o desenvolvimento da

humanidade.

O Pentagrama tem sido, através dos tempos,

o símbolo do homem renascido, do novo

homem. Ele também é o símbolo do universo

e de seu eterno devir, por meio do qual o plano

de Deus se manifesta.

Entretanto, um símbolo somente tem valor

quando se torna realidade. O homem que

realiza o Pentagrama em seu microcosmo,

em seu próprio pequeno mundo, consegue

permanecer no caminho de transfiguração.

A revista Pentagrama convida o leitor a operar

esta revolução espiritual em seu próprio interior.

© Stichting Rozekruis Pers. Reprodução proibida sem autorização prévia.

PENTAGRAMA

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Por volta de 2.000 antes de Cristo, a

vida na Grécia era dominada por

aquilo que hoje chamamos de “mito-

logia grega”: um formigamento mati-

zado de deuses, semi-deuses e

heróis, engajados nas mais fantásti-

cas aventuras. Muitas destas narra-

tivas sobreviveram em versões que

foram sendo freqüentemente mutila-

das. A Grécia apresenta uma gran-

de riqueza de ruínas de seu passa-

do glorioso: os atores destes dra-

mas míticos foram esculpidos milha-

res de vezes em argila, em bronze,

em pedra, e sempre servem para

enfeitar os jardins “em estilo clássi-

co” do mundo inteiro. Mas a maior

parte da sabedoria que estava ocul-

ta por detrás destes mitos foi-se per-

dendo.

As três grandes obras que relatamestas histórias maravilhosas são aTeogonia de Hesíodo, a Ilíada e aOdisséia de Homero. Nestes textos, osdeuses são apresentados comohomens e se comportam de uma manei-ra tão comum ou incongruente quantoeles. Como não havia nem ensinamentorevelado, nem rituais, nem livros sagra-dos, nem códigos de conduta, estes tex-tos oferecem uma possibilidade quaseque infinita de interpretações.

Euêmero (por volta de 300 antes deCristo) pensava que os mitos gregosprovinham de pequenas histórias e queos personagens principais tinham sidoelevados até o nível de deuses. O filóso-fo Pródico ensinava que os deuses eram

personificações de forças naturais. ParaHeródoto, que foi o “pai da História”, éevidente que a tradição grega tem comofonte os Mistérios egípcios.

A sabedoria oculta dos Mistérios gre-gos somente era transmitida nasEscolas de Mistérios. As narrativas e asinúmeras peças de teatro eram osmeios de comunicar esta sabedoria eseus valores subjacentes, de dar ali-mento espiritual a todos aqueles quenão estavam nas escolas. Como aatmosfera ainda não era tão poluída, ecomo talvez o coração tivesse umacomposição diferente, um coração aber-to podia assimilar estes valores semque fosse preciso dar outra forma deexplicação.

Sete níveis estreitamente imbricados

A sabedoria revestia o manto do mito.Isto significa que estas narrativas nãotinham nenhuma base realista ou histó-rica. Ora, o uso da forma mítica permiteque várias inverossimilhanças e elipsessejam introduzidas nesta forma deexposição. A epopéia dos deuses olím-picos, por exemplo, é descrita e comen-tada na Doutrina Universal em seteníveis estreitamente imbricados:• ações de forças naturais dotadas de

inteligência• ações de forças cósmicas• os cargos celestes• os deuses• poderes psíquicos e espirituais• reis divinos na terra ou encarnações

de deuses• heróis ou homens terrestres

O QUE A MITOLOGIA GREGA TEM A DIZER

AO HOMEM MODERNO?

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Os deuses vão mudando de aspectoe de nome cada vez que aparecem ourepresentam uma situação específica.Além disso, quem criou e manteve anatureza espiritual foi a mais profundaSabedoria e os deuses solares elabora-ram a natureza material. Esta dinâmicaturbulenta é difícil de ser aceita pelohomem moderno, que tem uma cons-ciência ávida de provas. Mas os gregos,com sua alegria de viver e sua grandealma, não tinham nenhuma dificuldadeem reconhecer-se nestes textos. Esteshomens estavam inaugurando o períodode desenvolvimento do autoconheci-mento. A agitação da vida afetiva quecaracteriza a vida astral –– as disputasentre os deuses, semi-deuses e heróis–– iria dar nascimento a uma nova facul-dade: a de discernir entre “fora” e “den-tro”, entre o que é “exterior” e o que é“interior”. Fazer a diferença entre “eu”, “oque está dentro de mim” e “o que estáfora de mim” era a prioridade destaépoca. Reconhecemos este processoem muito mitos.

O homem do século XX, na melhordas hipóteses, chegou ao final de seudesenvolvimento. A personalidade estáconstituída e o indivíduo pode ver a simesmo conscientemente. A partir desteponto de vista, é lógico que a mitologiagrega esteja ressurgindo na cultura oci-dental e que as interpretações do“homem devotado à razão” se impo-nham à inteligência evoluída. Ao mesmotempo, os aspectos puramente míticos,e realmente inexplicáveis, chegam aexpressar-se na consciência do homemmoderno –– por exemplo, na arte detonalidade clássica.

Hoje, a luta dos deuses, semi-deusese heróis acontece na consciência de

cada pessoa. Não é de se estranhar queas comédias e tragédias gregas sempreestejam sendo representadas. E é parase estranhar menos ainda que umaexpedição heróica seja sempre qualifi-cada de “odisséia”, ou que um dramafamiliar seja comparado a uma “tragédiahomérica”. Quem não se lembra deseus próprios sentimentos ao ler a nar-rativa das aventuras de Ulisses, deHércules, de ícaro ou de Édipo? As peri-pécias enigmáticas da vida de umHércules ou de um ícaro podem manter,em muitos seres, a aspiração por umavida superior.

Como os mitos e as lendas transmi-tem uma sabedoria milenar que nãoexiste nas religiões estabelecidas, elescontinuaram a existir como se fossemuma correnteza subterrânea, em todasas civilizações. A Igreja e o Estado ten-tam fazer esta sabedoria milenar ressur-gir apenas nos momentos dramáticos;mas ela persiste, desde sempre, parti-cularmente na sabedoria popular doOcidente.

Portanto, não é de se espantar queas pessoas que atualmente estão bus-cando valores superiores possam des-cobrir seu ponto de partida nosMistérios gregos. Neste número temáti-co da revista Pentagrama, diversosautores tentam estabelecer a ligaçãoentre as experiências pessoais e o queestá no próprio fundo destes mitos.Esperamos que eles tenham consegui-do tornar mais fácil para os leitores asolução dos mistérios da vida.

A Redação

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De acordo com numerosas cosmo-

gonias, somente um Deus criou o

céu e a terra. Os antigos gregos

conheciam, entretanto, uma família

de deuses, que se ocupavam tanto

do bem quanto do mal da criação e

de seus habitantes, os humanos. Os

deuses ficavam no alto do Olimpo. O

Deus supremo, Zeus, e onze mem-

bros de sua família estavam espe-

cialmente relacionados com os ele-

mentos fogo, ar, terra e água.

Por volta de sete séculos antes deCristo, Hesíodo escreveu sua Teogonia,poema de 1022 versos em que ele conta,de modo detalhado, todas as histórias damitologia grega. Inúmeros elementosforam tirados do Rig-Veda (que era doismil anos mais antigo). De acordo com aDoutrina Universal, a origem da mitologiaremonta à época da Atlântida –– maisanterior ainda. Isto quer dizer que elaengloba pelo menos um período de mui-tas centenas de milhares de anos da his-tória da humanidade, portanto de evolu-ção das raças principais e de sub-raçasdivinas desde o início.

Segundo Hesíodo, no princípio so-mente o Caos reinava. Esta palavra“caos” pode ser traduzida por “espaçoaberto, vazio” ou por “espaço ainda nãoordenado”, ao contrário da palavra “cos-mos” que significa “ordem”. O Caos po-de assim ser relacionado com o éter, asubstância primordial, a mãe original.De acordo com os Mistérios de Orfeu,era a matéria intermediária entre Deus ea criatura, o “arqueus” ou a alma domundo.

Como o universo surgiu

O mundo organizado desenvolveu-sea partir do mundo desorganizado. Emoutras palavras, do Caos saiu a primei-ra geração divina. Primeiro surgiu oabismo tenebroso, o Tártaro. Depoissurgiu Eros, que fez a ligação com Gaia,filha de Caos e também mãe e esposade Uranos (Urano, o céu). Gaia é a mãeda Terra. Nos Mistérios de Orfeu fala-sede um ovo que se encontrava no Caos:a metade superior era a abóboda celes-te e a metade inferior, a Terra. Entre asduas, inflamou-se o núcleo de luz deonde saiu toda a criação.

Sob a influência de Eros, Uranofecundou sua esposa Gaia e, destaforma, chamou à existência a criação.Da ligação entre o céu e a terra nasce-ram os representantes do fogo divino:os Titãs. Ora eles são sete, ou múltiplosde sete, ora são doze: seis masculinos eseis femininos. Em seguida, Gaia colo-cou no mundo os três Cíclopes que, naDoutrina Universal, pertencem às trêssub-raças divinas e cujos olhos mate-riais ainda não estavam desenvolvidos.Enfim, a Terra gerou três entidades quetinham 50 cabeças e 100 braços, queUrano lançou também no Tártaro commedo que elas dominassem.

A criação começou com três forçasque no hinduísmo são denominadas os3 “gunas” e descritas como as faces deuma pirâmide de três lados: Sattva,Rajas e Tamas. Sattva é comparada aEros, Rajas a Gaia e Tamas ao Tártaro.No Bhagavad Gita, o livro sagrado doshindus, Krishna adverte seu discípulo:“liberta-te dos três gunas, Arjuna.”Estes gunas são as forças que dirigem

A CRIAÇÃO, SEGUNDO OS ANTIGOS GREGOS

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o campo dialético de vida, que é a natu-reza da morte, onde todas as criaturasum dia nascem, se elevam a um ápice edepois mergulham na morte.

Urano, como dizíamos, prendeu suascriaturas porque elas provocavam sofri-mento e discórdia. Ele próprio haviacomeçado este desenvolvimento, massuas criações não lhe davam nenhumaalegria. Portanto, Urano também é con-siderado como o causador da queda, dodistanciamento e separação de Deus.

Cronos e os deuses da segundageração

No livro Arquignosis Egípcia, Tomo III,capítulo XIX, Jan van Rijckenborghescreve:

“Com a expressão “Uranos e Cronos”são indicadas as sublimes forças da luzcom que o tempo e a eternidade esta-vam ligados numa bela unidade, e que,no final da era atlante, na aurora da dis-pensação ariana, entraram em contatocom a humanidade. Trata-se aqui dasmanifestações espirituais divinas queforam criadas e formadas por essasentidades há muitos milhões de anos.Estes semeadores ou “saturnais”(Cronos: Saturno) trouxeram a sementeáurea para a nova humanidade manifes-tada. Estes semeadores que se encon-travam no mundo, mas que já não eramdo mundo, possuíam um corpo, porémpodiam atuar fora dele, a fim de teste-munhar, em primeira mão, da magníficavisão da majestade da natureza funda-mental aos que ainda permaneciamfora dela.”

Cronos, o filho mais novo de Urano,

roubou de seu pai o poder criador, dizHesíodo em sua Teogonia. A DoutrinaUniversal acrescenta que desde então acriação já não se desenvolveu de acor-do com “a vontade do criador”, mas porpropagação. Cronos, o Tempo, fez surgira temporalidade, o fim dos seres e dascoisas. Tudo o que ele gerava ele reto-mava para si. Cronos devorava seuspróprios filhos, diz Hesíodo.

Cronos, que equivale a Saturno, édescrito como um homem com umafoice que vem cortando indistintamentetudo o que floresceu; depois, comoaquele que promoveu a Idade de Ouro:o tempo em que o aspecto material domundo se desenvolveu e quando houveabundância de tudo. É assim que éordenada a manifestação da forma e oCaos é vencido.

Em conseqüência deste desenvolvi-mento do tempo, surgem os deuses que

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Hermes: “Deus faz a eternidade, a eternidade faz o mundo, o mundo faz o tempo e o tempo faz a gênese. O bem, o belo, abem-aventurança e a sabedoria formam, por assim dizer, a essência de Deus; a essência daeternidade é imutabilidade;a essência do mundo é ordem; aessência do tempo é mutabilidade;e a essência da gênese é vida”.

(Pimandro a Hermes, Segundo Livro do Corpus Hermeticum, em: Arquignosis Egípcia, Jan vanRijckenborgh, Tomo I, páginas 225 e 226, 1ª edição, 1984, LectoriumRosicrucianum, São Paulo, Brasil).

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representam o declínio, a morte, o sono,o sonho: em seguida, os três portadoresdo Destino, que dão de presente aohomem uma certa porção de bem e demal; e depois Nêmesis, que é o karma,a sorte, o destino. Estes deuses vãogerando muitos outros: Abuso, Impo-tência, Velhice, Discórdia. E estes, porsua vez, produzem Tristeza, Fome,Doença, Luta, Assassinato, Guerra,Destruição, Briga, Mentira, Hipocrisia,Injustiça, Baixeza...

Os Titãs se opõem a uma grandematerialização

Hesíodo conta que os deuses danova geração, sob a direção de Zeus (odeus da quarta raça), escolheram oOlimpo para morar. Então começou aluta com os Titãs. A humanidade mer-gulhou mais profundamente ainda namatéria e os fogos divinos (os Titãs),depois de um longo combate, acaba-ram se extinguindo debaixo de blocosde rochedos da matéria, que foi ficandocada vez mais densa.Trata-se dos com-bates entre os filhos dos céus e osfilhos da terra: entre o homem interiorespiritual e o homem de carne e desangue.

Os deuses do Olimpo encarnavam,entre outras forças, as forças queinfluem sobre o microcosmo do homeme deviam, no início, desenvolver a cons-ciência e o poder mental. O fogo astral(os Titãs) estava associado a isto. NoTártaro, os Titãs sempre estão exercen-do influência sobre o subconsciente dosseres humanos. Além disso, os deusesdo Olimpo não podiam atingir sua metasem o auxílio do homem, que deveriaadquirir a autoconsciência. Também se

dizia que Hércules era “renascido de simesmo” porque ele tinha cumpridoseus doze trabalhos.

Este combate entre os deuses é umaimagem universal. Ele é descrito não

Plutarco diz que Cronos inventou otempo e que, por isso, ele é o deusdas estações e governa a matéria.É o primeiro deus que deixa de ser imortal: ele envelhece e tem de transformar-se. Esta idéia ébaseada em tradições anteriores àTeogonia. A história de Cronos dá a entender que o cosmos não temfim, que há um Criador eterno, masque os deuses da gerações seguin-tes governarão durante um períodolimitado e, portanto, serão mortais.Esta idéia repousa no movimentodas estrelas e dos planetas.Plutarco leva em conta o ano egíp-cio de 360 dias. A viagem do sol(Osíris), filho de Cronos, dura 12 vezes 30 dias. A revolução deSaturno (Cronos) é de 30 anos.Seth, o irmão de Osíris, arma um plano com seus 72 irmãos para matar Osíris, e constrói, emsegredo, um túmulo para ele.O túmulo mede 72 X 30 = 2160,cifra que corresponde ao númerode anos necessário para que o sol retrograde de um signo do zodíaco.Segundo Plutarco, conclui-se queuma “Idade de Ouro” é de 12 X 2160 = 25.920 anos. Ora, esta é a duração de um ano estelar! O mesmo mito também dá a revolu-ção de certas constelações assimcomo a aparição e o desapareci-mento de certos planetas. Muitotempo antes do desenvolvimento

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somente na mitologia grega, mas tam-bém nas antigas lendas hindus e bíbli-cas. É preciso que o homem primeiroatinja a autoconsciência para depoispoder devotar-se a um ideal mais alto.

Antes que seja possível atingir esteobjetivo superior, é preciso que a ativi-dade da Luz original se estabeleça pri-meiro nas trevas.

da mitologia grega, os planetas eas constelações eram consideradosdeuses e nomeados como tais.

O mito de Cronos oferece, portanto,3 níveis de significação. O últimonível pôde ser atingido agora porque, graças a um programa de cálculos astronômicos, um com-putador pode dar a posição dosplanetas e das estrelas há, porexemplo, 11.000 anos. O computa-dor traduz os mitos a partir dosmovimentos dos corpos celestes eos interpreta para as civilizaçõesde, por exemplo, 4.000 a 7.000anos! Mas continuamos a indagar:como Plutarco tinha este conheci-mento? O sacerdote egípcio deSaís, que ouvira falar do filósofoSólon (639-559 a.C.) observou que,no que dizia respeito ao conheci-mento do passado, os gregos aindaestavam de fato “engatinhando”. Osgigantes eram, sem dúvida, mortais.Mas um deles, Alcione, era conside-rado invencível desde que estivessepisando o solo de sua pátria. Depoisde tê-lo transpassado com uma fle-cha, Hércules conseguiu matá-loporque o arrastou para fora dasfronteiras de seu país. Isto faz pen-sar nas limitações do homem natu-ral que devem ser ultrapassadas afim de que ele possa triunfar sobreas forças e os instintos do sangue.Vencer a alma natural somente é

possível quando a alma imortal e oEspírito divino estabelecem umaligação e quando a consciência seliberta da natureza.Zeus, o pai dos deuses, não gerousomente deuses, mas também mui-tos heróis concebidos por mulheresmortais. Com auxílio de Atenas, adeusa que tinha “feito jorrar todo um exército da fronte de Zeus”, estes heróis tinham sem-pre a missão de se libertar das atividades da natureza para adquirir uma consciência seme-lhante à consciência divina. Se eles conseguissem, agiriam em sintonia com os deuses e, comoHércules, passariam a tomar parteda imortalidade. Mas, quando istoainda não era possível para eles,começava uma tragédia que traziasofrimento para os homens, como,por exemplo, a que veio com a história de Édipo.Com o herói, a queda continuou no mundo dialético, onde tudo é passageiro e mortal. Por suas lutas contra as forças da naturezaque eles submetiam, eles ultrapassavam seus limites e transformavam seu destino. Assim, os semi-deuses podem ser considerados como pioneiros que tiveram de abrir novos cami-nhos para a humanidade, a fim de que esta tivesse a possibilidade de segui-los.

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O que se passava nas Escolas de

Mistérios da Grécia antiga somente

era conhecido por aqueles que eram

admitidos nestas escolas. Ou seja:

de fato, todos os gregos de conduta

corretíssima, assim como escravos

e mulheres. Em Elêusis, até mesmo

os estrangeiros eram bem recebi-

dos. O que acontecia dentro dos

templos dos Mistérios era estrita-

mente secreto. Quem faltasse a esta

regra do segredo cometia um crime

contra o Estado, era banido ou

enviado à morte.

Apesar de tudo, o conhecimento decertos rituais transpirava para o exterior.Conceitos e fragmentos podiam serrecolhidos nos textos que circulavam (oque, nos séculos que se seguiram, per-mitiu que os pesquisadores tivessemuma idéia do que deveria ter acontecidodentro dos templos dos Mistérios daantiga Grécia). Evidentemente, seuestado de consciência deu a estas inter-pretações diferentes matizes: geralmen-te elas eram bastante contraditórias.Algumas eram puramente históricas;outras limitavam-se a uma visão científi-ca; e um pequeno número somente ofe-recia uma visão ampla proveniente deuma compreensão mais profunda.

Apesar de, em parte, ser possíveltirar os véus que ocultam a realidade, osMistérios, tanto antigamente como hoje,não liberam tão facilmente seus segre-dos. O que conhecemos deles aindadeixa muito lugar para especulações.

Diz-se que os Mistérios de Elêusiseram provenientes do Egito e que eles

eram baseados no culto da Grande Mãedo Mundo. Na Grécia, a veneração daMãe Original encontrava sua melhorexpressão nos mitos que tratavam deDeméter e sua filha Perséfone, mitosque eram conhecidos por todos os gre-gos e que formavam uma parte que nãodevemos deixar de lado e diziam respei-to a sua visão da vida cotidiana e dosacontecimentos que nela se desenrola-vam.

Constrangidos pela matéria

Existem muitas variantes destesmitos. Aqui, limitar-nos-emos ao centrodeles. Deméter morava no Olimpo.Como filha de Réia e de Cronos, ela erairmã de Zeus, o deus supremo, e deHades, que reinava sobre os mundosinfernais. Ela era venerada como deusada agricultura e das colheitas. ComZeus, seu irmão, ela teve uma filha:Perséfone. Hades desejou Perséfonepara esposa. Zeus consentiu e Hadeslevou Perséfone, enquanto ela estavacontemplando um narciso, colhendo flo-res. Hades a levou para o reino dos mor-tos e Deméter, desesperada, buscousua filha pelo mundo inteiro, sem encon-trá-la. Por fim, ela cansou-se de talforma deste mundo que ameaçou torná-lo estéril. Então, Zeus decidiu quePerséfone deveria deixar Hades com acondição de que ela não tivesse comidonenhuma das sete sementes do fruto dopé de romã plantado nos Infernos (querepresentavam o núcleo, a parte centraldas diferentes regiões de desenvolvi-mento). Como isto já havia acontecido eela já havia engolido as sete sementes,

OS MISTÉRIOS DE ELÊUSIS

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Zeus decidiu que Perséfone deveria per-manecer perto de sua mãe durante aprimeira metade do ano, e que ela deve-ria retornar ao mundo infernal durante aoutra metade. Estas metades foramcomparadas como sendo primavera--verão e outono-inverno.

Provavelmente, este mito era repre-sentado nos Pequenos Mistérios deElêusis, que eram celebrados em feve-reiro como iniciação. Para compreenderum pouco o efeito que estes Mistériospoderiam ter sobre o candidato, é preci-so saber que os antigos gregos nãotinham nenhuma noção de reconcilia-ção com a morte. Os deuses viviameternamente no Olimpo. Os heróis,depois de morrerem, iam para a regiãoluminosa do Empíreo. E os mortos, porsua vez, ficavam vagando, como som-bras obscuras, nas trevas dos mundos

infernais de Hades. Não havia escapató-ria para esta situação.

Uma chance para sair disto

Entretanto, o mito de Perséfone abriuuma nova perspectiva e os candidatoseram cuidadosamente preparados paraela. Eles deveriam purificar-se duranteum certo período, praticando jejum,entre outras coisas, fazendo oferendase assimilando os ensinamentos. Emseguida, eles eram envolvidos no dramasagrado como participantes ativos.

No começo do Mistério, uma rápidaalternância de luz e de obscuridade, deruídos de vozes inexplicáveis, apariçõesassustadoras, uso de drogas, melodias

Perséfone guar-dada por Cérbero(Edmond Dulac,1914-1918).

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e cantos especiais deviam suscitar umgrande terror. Depois, os candidatoseram trazidos de volta à tranqüilidade esentiam-se liberados de seus sentimen-tos e de suas paixões. Os métodos exa-tos que permitiam obter estados deconsciência diferentes foram objeto demuitas especulações: na verdade, nadasabemos a respeito disto. Entretanto,seus efeitos são certamente conheci-dos.

Depois desta preparação, o candida-to aos Mistérios reconhecia que o desti-no de Perséfone era o de sua alma: suaorigem divina, a ligação entre o Espíritoe a Mãe Original, seu nascimento a par-tir desta união e sua queda para foradas esferas celestes. Sua alma estavaperdida na contemplação de um narcisoe assim ela tinha centrado toda a suaatenção exclusivamente sobre elamesma, exatamente como Narciso. Aflor de narciso pode ser considerada,neste sentido, como o símbolo do ego-centrismo. Foi isto que fez com que eladescesse aos mundos infernais, aquirepresentados pelo Reino das Trevaspor oposição ao Reino da Luz. Engo-lindo as sementes de romã, ela ficou li-gada setuplamente às forças que regemo Reino das Trevas, de tal modo que ametade de seu ser tornou-se mortal.

Por causa disto mesmo, para o candi-dato iniciado nos Pequenos Mistérios,morar no Reino dos Mortos já não eracompletamente inevitável. O poder deHades havia sido quebrado e o candida-

to tinha, assim, a possibilidade de liber-tar-se deste poder.

Os grandes mistérios de Perséfone e de Iaco

De cinco em cinco anos, a partir dooutono, eram celebrados os grandesmistérios Dionisíacos. A abertura destafesta era anunciada no dia 15 de setem-bro em Atenas. Durante 9 dias, todas aspossíveis guerras eram interrompidas eo comércio fechava. A população deixa-va-se tomar por um “santo júbilo” e oscandidatos percorriam a “senda sagra-da” de Atenas a Elêusis.

A segunda parte do mistério aconte-cia sob o signo do mito de Dionísio, filhode Zeus e de Semele, que por sua vezera filha do rei de Tebas. Dionísio era umsemi-deus. Os Titãs, provocados porHera, esposa de Zeus, apoderaram-sede Dionísio nem bem ele nasceu, des-membraram seu corpo e o cozinharamem pedaços em um grande caldeirão.Sua avó recolheu seus pedaços e osuniu. Mas, em seguida, Hera fez comque ele ficasse louco. Assim, fala-se emum Dionísio que também se chamavaIaco, que quer dizer “grito de alegria”.Ele era filho de Deméter e de Zeus: por-tanto, era irmão de Perséfone. Este Iacoaparecia como um salvador e esposodivino de Perséfone.

Aqui estamos falando a respeito dos

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Ao alto, Dionísionascendo da co-xa de Zeus esendo recebidopor Hermes (bai-xo-relevo do Mu-seu do Vaticano,em Roma).Ao lado, Dionísiocoberto de uvas(afresco da Casadel Centenario,Museu Nacionalde Nápoles).

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mitos dos dois Dionísios de uma formabem abreviada e simplificada. Vistossuperficialmente, estes dois persona-gens têm muito pouca coisa em comum.Às vezes eles até chegam a estar emtotal contradição. Geralmente, as situa-ções que decorrem disto indicam queeles fazem parte de dois mundos opos-tos. O Dionísio cortado em pedaços fazlembrar Osíris, o deus egípcio, quesofre o mesmo destino, a fim de espa-lhar sua energia vital para que ela retor-ne em seguida à unidade: da mesmaforma que o Criador, que iria se multipli-car em sua criação para em seguidareunir todos os seres em seu coração.

Nos Mistérios, Dionísio-Iaco era overdadeiro esposo de Perséfone,enquanto Dionísio descia para a criaçãoe aí provocava um grande tumulto. Iacoainda era uma criança. No 9º dia defesta, na qualidade de segundoDionísio, ele era carregado em meio auma jubilosa procissão pública, pelasenda sagrada que unia Atenas aElêusis. Na noite seguinte, os candida-tos aos Mistérios se uniam a seus paresfora do local dos Mistérios: depois disso,eles estavam aptos a subir até o Olimpo.

Este processo pode ser comparadoao das “núpcias alquímicas” deChristian Rosenkreuz: a libertação finalda alma por meio do renascimento. Édaí que vem o nome Iaco: ele é o liber-tador que renasce na alma jubilosa, eque permite que a alma mergulhe noEspírito. Renovada e preparada paraser receptiva, depois conduzida nacomunidade das almas que possuem amesma diretriz, ela atingia, pela inicia-ção, a “Epoptéia”, que é a beatitude dacontemplação divina.

Será que os Mistérios gregos atin-giam, efetivamente, este estado supe-rior? Apenas podemos fazer suposi-ções. Ao menos os candidatos adqui-riam a compreensão de sua origem, dascausas de seus males, assim comotomavam conhecimento do caminho deretorno e da entrada no campo de vidaoriginal.

Na hora da despedida, eles recebiam

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um cesto onde havia um ovo, uma ser-pente enrolada e uma pinha. Estes sãoos símbolos do caminho que devemoscompletar para adquirir a alma. Tendosaído do ovo do mundo, os candidatosdevem seguir os inúmeros meandros desua consciência (a serpente) para final-mente perceber sua ligação com omacrocosmo, graças à renovação dapineal (a pinha). Não sabemos se estecesto teria realmente relação com ocaminho da transfiguração.

É preciso não deixar de lado o aspec-to profético destes Mistérios. De acordocom alguns autores, Iaco coroado, queé o segundo Dionísio, representa oCristo que está para vir, o noivo daalma, que liberará todos os deuses gre-gos e seu mundo. Segundo estes auto-res, a senha estrita do silêncio tratavadesta parte dos mistérios. Este conheci-mento era destinado apenas aos inicia-dos.

A palavra Elêusis significa “vir”.Schelling associa esta palavra à idéiade “O Advento”, o tempo que precede avinda de Cristo. Neste sentido, osMistérios de Elêusis eram o anúncio davinda do “deus desconhecido”, ao qualos atenienses haviam consagrado umaltar.

Acredita-se que o culto de Elêusissurgiu por volta de 1400 a.C.. Oshierofantes eram consagrados emum banho de imersão. Recebiamum novo nome, um manto púrpurae uma coroa. A grande popularida-de desta iniciação fazia com que10.000 pessoas, entre homens emulheres, tomassem parte dela.Os sacerdotes eram ricos e pode-rosos e gozavam de grande consi-deração em toda a Grécia. No iní-cio, somente as famílias privilegia-das pelos deuses participavam dacelebração ritualística.Posteriormente, foram sendo misturados os estrangeiros, comoHéracles e os Dióscoros; maistarde ainda, foram os imperadoresromanos. Cinqüenta e cinco diasantes dos Mistérios não era permi-tido nenhum combate na Gréciainteira. Quem era admitido nosPequenos Mistérios adquiria o graude “teleté” (aquele que chegou aofim). Em Atenas, os candidatoseram iniciados nos GrandesMistérios. No começo, eles eram “mystes” e depois “époptès” palavraque significava que eles tinhamacesso efetivo à contemplação do divino. Para os gregos, estasmanifestações se revestiam deuma grande importância, tanto para sua vida terrena como parasua vida no além.Em 395 d. C., os godos puseramum final à celebração pública desses Mistérios que, no entanto,subsistiram secretamente até oséculo VIII.

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A mitologia grega sempre descreveu

a queda do homem na matéria e o

desenvolvimento do eu autônomo

como uma luta contra o pai. Édipo é

o filho de Laios –– “aquele que não é

um sacerdote”: o “laico”, de acordo

com o significado original desta pala-

vra. É por isso que se dizia que Laios

não tinha o poder criador. Esta

imperfeição não lhe dava paz e ele

foi pedir conselho ao oráculo de

Delfos. Lá, ele ouviu que sua impo-

tência era, na realidade, uma bên-

ção, porque se ele tivesse um filho,

este o mataria e depois se casaria

com sua própria mãe.

Existem numerosas versões desta nar-rativa e um número maior ainda de inter-pretações. Neste artigo, nos limitaremosaos aspectos que se relacionam com omistério da vida humana. Laios não securva à advertência dos deuses e geraum filho, que ele abandona em umamontanha, com os pés trespassadospor flechas e inchados. Ele é encontra-do por pastores que o levam até Políbio,rei de Corinto, que o adota, com reco-nhecimento, por não ter filhos. Os feri-mentos dos pés da criança fazem comque seu nome seja Édipo, que significa:“aquele que tem os pés inchados”.

Foi assim que Édipo nasceu: contrao conselho dos deuses. Por causadisto, ele representa o ser que perdeua ligação com a ordem divina e, conse-qüentemente, deve seguir seu própriocaminho. Tirado de sua mãe e impedi-do de fugir, por ter os pés feridos, ele

é entregue às forças da natureza, per-dido e marcado por seu trágico aban-dono. Mas é claro que o Criador queele rejeitou sempre o estará dirigindo.Os deuses conduzem Édipo até ocaminho que lhe fará encontrar nova-mente sua pátria, embora sua teimosiaem seguir sua vontade pessoal façacom que ele passe por duras experiên-cias.

Este ato podia ser justificado?

O casal real de Corinto, que era ocentro dos Mistérios de Afrodite, ado-tou Édipo. Mas alguém observou queele não se parecia em nada com seuspais –– e ele ficou profundamente sen-tido com isto. Em sua inquietude, elevai a Delfos para perguntar ao oráculoquem é ele. Em Delfos, ele fica saben-do que matará seu pai e se casará comsua mãe. Assim, ele decide não voltarpara casa e começa a correr mundo.Um dia, atravessando uma passagemestreita, um estrangeiro dificulta seucaminho e ele fica furioso com isto. Elemata este homem e a predição se cum-pre: sem querer, ele assassinou seupróprio pai. Ele não sabia que era seupai que estava impedindo sua passa-gem: ele não poderia saber. Mas seráque este ato poderia ser justificado poristo?

O que está errado é o seu pensa-mento, assim como seus esforços parafugir da profecia dos deuses. Ele nãotem nem capacidade nem vontadepara perceber que a profecia tinhacomo objetivo único fazer com que elevisse seu destino: o destino que diz

NO CAMINHO DO SACERDÓCIO REAL

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respeito à humanidade inteira. Por faltade compreensão e de conhecimento,Édipo continua o desenvolvimento jáiniciado desde a origem dos tempos.Da mesma forma que seu pai, ele sefechou para a verdade, pois não pôdesuportá-la e aceitá-la. Ele também nãoaceita, como seu pai, sua falta depoder criador. Entretanto, ele não querser o assassino de seu pai, nem secasar com sua mãe: ele deseja ser umhomem honesto e poupar seus pais.

De fato, ele se conhece de formamuito imperfeita e não tem nenhumaidéia do processo no decorrer do qualo ego, que está separado de seuCriador, deve anular-se. O destino,que ele queria descartar agindo apa-rentemente bem, toma agora um novorumo, mais trágico ainda. A bondade,sobre a qual o ser humano faz umaimagem imperfeita, sempre estágerando um caos que vai crescendocada vez mais: então, é preciso queele mesmo determine o que é bem e oque é mal. Mas, como não pode selivrar de repente nem de um nem deoutro, quando o resultado de seusatos são situações desastrosas, elesempre suspira: “Eu não queria fazeristo!”.

O protetor da alma

O bem aparente que Édipo pretendeseguir tem dois aspectos. Às portas deTebas, a Esfinge propõe a ele uma per-gunta em forma de enigma. Por um lado,a Esfinge é o símbolo do protetor daalma; por outro, os habitantes da cidadesentem que ela é um perigo. No destino

A Esfinge páraÉdipo e lhe fazsua pergunta(GustaveMoreau, 1861,Museu GustaveMoreau, emParis).

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de Édipo, ele toma certos traços deNêmesis, que é a justiça vingadora. Maseste é também um aspecto do átomo-centelha-do-espírito, que é a voz dasabedoria original.

Depois de Laios ter sido assassinado,Tebas espera por um novo rei, que seráo esposo da rainha Jocasta. O conceitode “rei” remete à idéia de governo e dire-ção. A partir deste ponto de vista, o novorei pode ser considerado como a novaconsciência. Mas que tipo de consciên-cia? Será que ela é tão cristalizadaquanto o eu, ou será aberta para o ver-dadeiro bem?

O ponto mais baixo do desenvolvimento humano

Édipo somente poderá resolver apergunta enigmática da Esfinge a par-tir de sua consciência e de suas nor-mas terrestres. Ora, não é ele próprio ohomem abandonado que, quando eraum bebê, andava de quatro; depois selevantou para crescer como “homosapiens” e que, em sua velhice, preci-sará de uma bengala para andar? Eledá a resposta que liberta Tebas dopoder da Esfinge: então, ele se torna orei de Tebas e se casa com Jocasta,sua mãe. Assim, seu destino se cum-priu. Levando uma vida que o vai afas-tando cada vez mais de sua origemdivina, ele se liga totalmente à matéria,aqui designada como “sua mãe”. Destamaneira, ele se aproxima do pontomais baixo de seu desenvolvimento.Ele conquista o cetro de Tebas e achaque é o homem mais feliz e maishumano de toda a cidade.

É neste momento que o contrasteentre a aparência e a realidade ficamaior. Édipo e Jocasta têm quatro filhose Tebas vive um período de prosperida-de. Mas, depois de alguns anos, aconte-ce uma epidemia de peste. Segundo ooráculo, o assassino de Laios deverá serprocurado e punido. Édipo faz o quepode e oferece inúmeros sacrifícios, emvão. Tentando descobrir a causa distotudo, ele segue os conselhos do oráculode Delfos e convoca o adivinho cegoTirésias. Então, começa uma longa epenosa série de mal-entendidos, decóleras e de falsas acusações. Édipoaprende a conhecer-se a si mesmo e averdade vai-se esboçando pouco apouco. Ele não tem medo da verdade.No entanto, ele não quer acreditar que éo assassino de seu pai, antes de ouvirum escravo que foi testemunha doassassinato de Laios.

A consciência divina não é exterior ao homem: ela está dentro

Segundo a mitologia grega, Apoloenviou a esfinge até as portas deTebas para ali fazer a seguinte pergunta, a todos que passavam:“Qual é a criatura que se movimen-ta de manhã com quatro patas, aomeio-dia com duas e à noite comtrês? Quem não sabia responder,era devorado. Édipo deu a respos-ta certa: “O homem!”. A Esfinge ati-rou-se no abismo e Édipo tornou--se o rei de Tebas.

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de seu coração

Neste momento terrível, ele é atingidocomo que por um clarão. Quanto aJocasta, não há possibilidade de vidapara ela: ela se enforca. Então, Édipointervém pela última vez no curso de seudestino: ele pega o broche que estáespetado na roupa de sua mãe e fura ospróprios olhos. Ele já não quer ver, já nãoquer o poder, e se mutila a si mesmo.

Assim, sem ter consciência disto, elese encontra diante do grande mistério dahumanidade: o homem terrestre estámutilado, é uma marionete, uma criaturaartificial. Ele é cego, foi cegado, separa-do da Luz divina e fica rodando em falso,perdido nas trevas. Aí está a verdade: e,diante desta verdade, ele se fecha.

Ele precisa de apoio para encontrar ocaminho certo. Entretanto, ele não quere nem pode ainda receber esta ajuda.Apesar disso, como ele aprende arenunciar a sua teimosia e a sua própriasabedoria, ele vai-se transformando len-tamente em um homem verdadeiro quese tornou cego para o mundo, mas queaprendeu a ver em seu ser interior. Elejá não ouve a voz divina como se viessedo exterior, através de um oráculo, mascomo um chamado que ressoa no maisprofundo de seu ser.

A nova alma conhece o caminho de sua pátria

Édipo já não firma nenhum compro-misso com ninguém. Ele deixa que seusfilhos o expulsem da cidade e começasua viagem, que é a caminhada miste-

riosa do homem rejeitado pelo mundodas oposições. Antígona, sua filha, par-tilha seu banimento e o conduz em seucaminho. Ela é “sua terceira perna”, anova alma que conhece o caminho queleva à verdadeira pátria. Neste caminho,Édipo voltou-se e seguiu o verdadeirobem de acordo com as palavras doNovo Testamento: “Que seja feita a tuavontade e não a minha”.

Assim, ele chega a Colonos. Seu bas-tão já não é o cetro da realeza exterior,mas o caduceu de Hermes, o cetro dosacerdócio da realeza interior. Colonosé a colina funerária do bosque sagradodos erineus. Para Édipo, é o lugar ondeele será libertado de sua antiga vida. Eleaceitou seu destino. As deusas vingado-ras que se opunham a ele estão bemdispostas com relação a isto. Elas oconduzem até o bosque proibido, que setornou para ele o bosque sagrado, onde,depois de depor seu corpo material, elepoderá prosseguir no caminho da trans-formação total: o caminho que o recon-duzirá até sua origem divina.

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Ao contrário das grandes epopéias

dos heróis gregos, o mito de Narciso

mais parece um belo conto. Seu

tema é sempre atual. Narciso é o

ser que se perde em si mesmo. Sua

história relata a tentativa de fixar a

eternidade no tempo. Este é um

desejo que sempre tentamos reali-

zar hoje, também de uma forma

inconsciente. No livro “Retrato de

Dorian Gray”, o escritor irlandês

Oscar Wilde (1856-1900) descreve

de um modo muito atraente a glorifi-

cação de um homem por si mesmo.

Dorian Gray é um jovem particular-

mente belo: seu rosto irradia uma

beleza ainda intacta e o pintor Basil

Hayward fica fascinado por isto.

Para ele, a beleza é prova de virtu-

de, e ele acredita ter encontrado em

Dorian o modelo de pintura ideal

que havia buscado há muito tempo.

Enquanto ele trabalha neste retrato emtamanho natural, lord Henry Wotton vemlhe fazer uma visita. Este sustenta oprincípio epicuriano(1) de que o prazer éa origem e a finalidade de uma vidafeliz. Em sua opinião, o puro prazer so-mente pode ser atingido por meio dabeleza e da juventude. Como LordHenry vê estes dois aspectos reunidosem Dorian, ele lhe fala sobre este as-sunto com a finalidade de provar suatese. Ele explica que o significado daexistência é satisfazer cada sentimentoe cada pensamento. Enquanto não fizer-mos isto, sempre estará faltando alguma

coisa a nossa alma. O que conta nestemundo é o que pode ser visto e realiza-do. As pessoas se inclinam diante damagnificência da beleza e da juventude.Além disso, o momento é decisivo.

Antes desta conversa, somente abondade da natureza havia provocadoem Dorian sentimentos muito divergen-tes. Mas agora as palavras de Wottonabrem dentro dele uma porta secreta edespertam algo novo em sua consciên-cia: “Eu daria tudo, daria até minhaalma, se pudesse ficar jovem parasempre e se meu retrato pudesseenvelhecer em meu lugar!”, exclamaele depois que o pintor termina seuretrato e ele observa sua beleza pelaprimeira vez. “Aí está o seu trabalho,Henry!” , diz o pintor, consternado.“Mas é o verdadeiro Dorian Gray, nadamais do que isso”, responde lordWotton.

A sugestão de miríades de sentimentos

Dorian Gray fica influenciado por lordHenry. Quer saber mais a respeito dissoe amainar sua sede de verdade.Compreende como o homem é comple-xo com suas miríades de sugestões quechegam a partir de sentimentos e forçasvitais. Marcado desde o início por doen-ças da alma de todos os seus anteces-sores no microcosmo, ele também car-rega seus pensamentos e paixões.“Será que isto nunca vai ter cura?” per-gunta ele, desesperado. Lord Henry res-ponde: “A alma deve ser curada pelossentidos”.

Dorian Gray segue seus conselhos.

PODEMOS FIXAR A ETERNIDADE NO TEMPO?

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Quanto mais ele olha seu retrato, maisse apaixona por sua própria beleza.Enganado pelos argumentos de LordHenry, que agem dentro dele como umveneno invisível, ele seduz a todos osque dele se aproximam. Ele somentequer satisfazer seus desejos: assim, vaiprovocando nestas pessoas sofrimento,amargura, ódio, dor, desespero e até amorte.

Mas um dia ele descobre que algomudou em seu retrato. Um traço decrueldade marca seu rosto como aexpressão visível do rebaixamento desua alma, por causa do pecado. O queele ganhou, às custas de sua própriaalma, por ter pronunciado o desejo

orgulhoso e louco de conservar intactoo brilho de sua beleza, enquantosomente seu retrato envelhecia? Estedesejo vai sendo satisfeito de umamaneira terrível. Seu retrato vai enve-lhecendo enquanto ele continua jovem;mas não é somente isto que acontece:sua imoralidade e os atos que deladecorrem vão-se refletindo neste retra-to de modo repugnante. “A alma é umarealidade inexorável. Podemos vendê--la, livrar-nos dela por um preço alto,envenená-la, ou melhorá-la”, reconhe-ce ele.

Uma mudança de comportamento fictícia

Um desejo ardente vai tomandoconta dele: o desejo de ter a pureza desua juventude. Mas não foi ele quemrejeitou este desejo há tanto tempo? Afrieza de seu cérebro não cristalizou seucoração?

Dorian Gray fecha o retrato em umquarto isolado e tranca a porta com fir-meza. Mas a simples idéia de que eleexiste já o deixa inquieto. Ele quermudar, tornar-se um homem de bem. Aíestá sua firme decisão. Ele muda decomportamento e deixa uma jovem irembora sem abusar dela. Em seguida,ele volta ao quarto, para examinar oretrato. Não há nenhuma transformaçãopositiva: ele percebe apenas umaexpressão de abatimento e de hipocri-sia. Sua mudança de comportamentoera fictícia!

E agora, o que ele deve fazer? Devepagar por seus atos? Destruir o retrato?Esta não seria a solução mais simples?Será que, fazendo isto, vai ficar em paz?Então, ele pega uma faca e crava-a natela: ouve-se um grito que ressoa comose alguém estivesse em perigo mortal!Os empregados acordam sobressalta-dos e correm para o quarto. Na parede,está pendurado um retrato de tamanhonatural de seu patrão em toda a beleza

Narciso era um jovem extremamen-te belo, filho do deus de um rio ede uma ninfa. De acordo com umaprofecia, ele iria viver até ficar bemvelho: mas com a condição de nãocontemplar a si mesmo. Todos osque se encontravam com ele oamavam, mas isto não fazia dife-rença para ele. Foi o que aconteceu com a ninfa dos bos-ques, chamada Eco, que sentia porele um amor ardente, apaixonado.Ela já estava definhando de amor epodia-se ouvir sua voz ao longe,que se repetia infinitamente.Nêmesis, a deusa da justiça vinga-dora, decretou, então, que Narcisopassaria um dia pela sorte detodos os que ele tinha rejeitado.Então, Narciso se inclinou sobre aságuas de uma fonte, e viu seureflexo, sem se reconhecer. E, do-minado pela beleza desta imagem,desejou ardentemente unir-se aela. A partir deste momento, foiimpossível para ele afastar-se deseu próprio reflexo e sua força vital dissipou-se: ele morreu e, no lugarde seu corpo, floresceu a flor cha-mada narciso.

Narciso quebra oespelho da Luz.Todos os serestrazem uma cen-telha da luz origi-nal no coração(ilustraçãoPentagrama).

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de sua juventude. No chão, jaz umvelho: os anéis em seus dedos crispa-dos mostram que é Dorian Gray.

Um homem profundamente educado e refinado

A história de Dorian Gray pareceser tão fantasiosa quanto a deNarciso. Mas os episódios estariamlonge da realidade? Podemos consi-derar o retrato como uma projeção docorpo astral, que todas as pessoaspossuem e onde se expressa suamentalidade. Podemos dizer que ocorpo astral tem a mesma forma que ocorpo físico, pois, como os átomos dasubstância original são extremamenteplásticos, eles se modelam diretamen-te sobre as forças que os colocam emmovimento. (2) Portanto, cada pessoatraz em si a imagem exata de seuspensamentos, sentimentos e atos: suavida seria como a de um homem pro-fundamente educado e refinado. Oque internamente faz um homem agirpode ser lido em seu corpo astral.

Para o pintor, a beleza é a prova davirtude. Mas quanta ilusão! E quantatristeza, quando se descobre que abeleza terrestre (que não é a expres-são de uma alma animada pelo bem)

vai-se transformando irrevogavelmenteem seu contrário! Quando o homem seesqueceu de Deus, começou a adorar abeleza vã, exterior. Esta imitação dehomem original tem como norma a cul-tura dos sentidos e não pára de dançar,encantado, ao redor de seu “eu” doura-do e adorado. Para esconder seu vaziointerior, Narciso reveste sua nudez emum manto de modernidade e se dissi-mula por detrás de uma máscara parafalsificar sua imagem refletida.

Como apagar os erros?

Como a alma é a portadora dohomem divino original, ela está sempretentando demolir a barreira do amornarcísico que aprisiona sua consciên-cia. Para isto, ela vai semeando ainquietude. E, para neutralizar as ten-sões magnéticas que assim vão sendoprovocadas, o ser humano vai tentandoapagar seus erros. Mas, neste conflitointerior, ao invés de tentar tirar a más-cara e se arrepender, ele tenta se safarà custa dos outros.

Dorian Gray quer jogar a responsa-bilidade no pintor, mas isto não é umagrande solução. Ele quer se arrepen-der, mas a glorificação pessoal é fortedemais. Enquanto antigamente o divi-no se refletia no ser humano, hoje é ohomem quem criou um deus à suaimagem. Em uma fase de profundadepressão, Dorian pensa que tudoteria sido melhor para ele se, cada vezque tivesse pecado, ele tivesse sidopunido em seguida! “A purificaçãoestá na punição. ‘Não nos perdoesnossos pecados, mas dá-nos a puni-ção para nossas más ações’. Estadeveria ser nossa prece a um Deus dejustiça!”

A Doutrina Universal diz que não éDeus quem exerce a justiça, mas simNêmesis: ela é o limite que o própriohomem dá para suas possibilidades.Como está ligado à roda das encarna-

Oscar Wilde nasceu em Dublin, a16 de outubro de 1854, e morreuem Paris, em 1900. Escreveunumerosos poemas, uma série decontos para seus filhos, algumasnovelas e ensaios, quatro peças deteatro e somente um romance: Oretrato de Dorian Gray (1891), umahistória imoral, de acordo com mui-tos críticos de sua época. Wilde foium autor muito contestado na EraVitoriana, com seus princípios rígidos.

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ções, ele vai recolhendo o que semeia,tanto de mal quanto de bem. “É a deso-bediência que está na origem de todosos pecados. Quando Lúcifer (o espíritosuperior, a estrela radiante da manhã)caiu do céu, sua queda foi a queda deum rebelde”, diz Dorian Gray, o queexplica sua pergunta desesperada:“Podemos ser salvos?”. Sim, na verdadepodemos: com a condição de rejeitarnosso “eu” narcísico.

O mito relata que, em lugar do corpode Narciso, consumido pelo amor pró-prio, começou a florescer uma flor, umnarciso com pétalas que formavam umacopa: como o cálice do Graal. Este é osímbolo do ser humano que foi chama-do a voltar-se para a luz para apagarsua condenação.

Consciente deseu aprisiona-mento, o homemse volta para aluz (ilustraçãoPentagrama).

1 Epicuro, um filósofo grego (341-270 a.C.).2 Jan van Rijckenborgh, As Núpcias Alquí-micas de Christian Rosenkreuz, Tomo I,capítulo 26, página 267, 1ª edição, 1993,Lectorium Rosicrucianum, São Paulo, Brasil.

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A mitologia grega pinta Ulisses

como o mais humano dos heróis.

Suas aventuras de navegação em

busca de Ítaca corresponde ao

desejo inconsciente de reencontrar

a pátria perdida.

Podemos considerar a Odisséia comoo processo no decorrer do qual a almaterrestre evolui, adquirindo experiênciana natureza dialética decaída. As infor-mações mais importantes sobre esteherói são dadas na Ilíada, epopéiasobre a tomada de Tróia, e na Odisséia,que relata as aventuras de Ulisses.Estas duas narrativas épicas são prova-velmente de autoria de Homero, poetaque viveu no século VIII a.C..

A Ilíada se desenrola sob o selo da“ira santa”. O poema conta o último anoda guerra de Tróia, quando dominam ossentimentos de vingança, honra e ami-zade. O astucioso Ulisses constrói umcavalo de madeira dentro do qual eleesconde seus guerreiros, e assim fazcom que eles entrem dentro dos murosda cidade de Tróia. No final desta guer-ra, ele volta para Ítaca, que é a suapátria.

É então que começa a Odisséia. Estepoema é escrito em grande parte na pri-meira pessoa. Em 24 cantos, Homeroconta como Ulisses e seus amigosvagueiam no mar durante 10 anos equais foram os perigos que eles tiveramde enfrentar bravamente até chegar aÍtaca. O tema é sempre o desejo, a nos-talgia, a fidelidade e a conquista daquiloque está correndo o risco de ser perdido.

Podemos considerar a Odisséia como“o primeiro romance da antigüidade

grega”. Quem se apresenta ao leitor éum homem marcado por duras provasexteriores e pelo sofrimento interior.Impulsionado pelo fogo sagrado, eletenta reparar os desgastes causadosdurante sua ausência. Com uma paciên-cia infinita, ele vai percebendo a integri-dade de todos os participantes destedrama. A riqueza de seus sentimentos eseu poder de suportar e de apreender asinfelicidades acabam fazendo dele umindivíduo completamente autônomo.Portanto, a Odisséia é a descrição dafase em que a consciência ainda impes-soal se transforma em uma consciênciaindividual, que nasce graças ao desen-volvimento do poder mental.

O fruto da temeridade, da vingança e da fúria

Segundo a mitologia, Ulisses é filhode Laerte, rei de ítaca. É um bastardo,fruto da temeridade, da vingança e dafúria. Seu nome significa “furioso” ou“detestado”. Ele é descrito como umhomem de cabelos ruivos, um comba-tente que se inflama rapidamente e,conseqüentemente, como um políticobastante pusilânime. Conforme diz anarrativa, seu caráter e seu comporta-mento o colocam muitas vezes em con-flito com o aspecto terrestre do mundo.

Exatamente como Caim, ele traz emsi uma marca que sempre o identifica. Éum ferimento feito por um javali. Ele temmuitos inimigos, mas também tem umapoderosa protetora: a deusa Atenas,símbolo da inteligência, que saiu direta-mente do cérebro de Zeus, logo depoisque este levou uma martelada de

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ULISSES, OU UMA VIAGEM DE RECONHECIMENTO

DENTRO DE SI MESMO

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Efaístos. No Olimpo, ela roga que todostenham compaixão de Ulisses, seu heróique tem uma vida tão trágica: “Tenho ocoração despedaçado por causa dosábio herói Ulisses” (Canto 1:48).

Ulisses vai combatendo no oceanoda vida. O deus do mar, Posêidon(Netuno), tenta arrastá-lo para os abis-mos obscuros, enquanto que Atenas, ainteligência, o conduz para as alturasluminosas da compreensão.

Seu objetivo é retornar à pátria origi-nal e restabelecer a unidade entre ohomem mortal, a Alma e o Espírito(Ulisses-Penélope-Laerte). Para chegarlá, ele deve passar por muitas experiên-cias: ele deve aprender a conhecer a simesmo. Na câmara do tesouro (que é omicrocosmo), é preciso que ele acumuleas experiências da vida: a luta e a morte,antes de poder renunciar a suas rique-zas para conquistar a Alma e, em segui-da, receber o Espírito. Ulisses luta apai-xonadamente. Ele é engenhoso epaciente quando os Lotófagos queremfazê-lo cair em uma cilada, usando floresde lótus que têm poder anestesiante.Com o auxílio da nova inteligência(Atenas) ele é capaz de enfrentar brava-mente e até vencer as forças primordiaisda natureza da morte: os Cíclopes,Caribde e Cila, e também Hades. Elemostra coragem e tenacidade quando anatureza tenta seduzi-lo com os cantos

melodiosos das Sirenes e com a juven-tude eterna de Calipso. Ele adquireexperiência e torna-se consciente desua própria natureza (Nausica).

A alienação do homem-eu

No momento em que ele se torna cons-ciente de que Nausica é uma companhei-ra segura, ele adquire o autoconhecimen-to. “Eu sou Ulisses”, diz ele. Esta experiên-cia permite que ele tenha uma imagempura de sua alma original, que surge napessoa de Penélope. Finalmente, eleorienta todos os seus esforços visandounir-se novamente a ela. Sua finalidade,que é o retorno a Ítaca, coloca-o clara-mente diante do Espírito.

A autoconsciência desloca sua lutapara um outro plano. Quando –– dormin-do –– ele consegue chegar a Ítaca, seucoração está cego para aquilo que dizrespeito a sua pátria original. “Ele já nãoa reconhecia; isto também porque umadivindade havia espalhado a bruma aoseu redor” (Canto 13:189). De volta a seupalácio, ele acaba com os apaixonados eparasitas que, durante vinte anos asse-diavam sua esposa: esta soube muitobem afastá-los por meio de uma artima-nha. Estes parasitas podem simbolizar

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O vento Borealpersegue Ulisses(AshmoleanMuseum, emOxford).

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os grandes imitadores que violam suacasa, que é o microcosmo.

Apesar de ter conseguido afastarseus pretendentes, Penélope sente queseu próprio esposo vai-se tornando umestrangeiro para ela. Ela não confia nelee o desafia a provar que é realmente overdadeiro Ulisses. Mas somente elesabe o segredo da cama de madeiraque um dia havia sido feita por ele, apartir de uma oliveira centenária.

A descrição da cama e do espaço aoseu redor faz pensar em uma representa-ção simbólica do santuário da bacia, queé base da coluna vertebral. “Nenhumhomem mortal pode deslocar este leito

com facilidade, pois a arte de sua fabri-cação comporta um segredo especial ecaracterístico” (Canto 23:187).

Quando Ulisses consegue dar aprova de sua identidade, acontece atão esperada união com Penélope:mas esta união acontece somenteuma noite. A paz duradoura, que eletanto busca não lhe pertence: as for-ças que despertam de seu eu e desua compreensão não são suficientespara tanto. É necessário um terceiroelemento: o amor, que aflui quandoele reconhece o caminho que deveseguir.

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Ulisses embar-ca (afresco deAllessandroAllori Bronzino,1580, palácioSalviatti, emFlorença).

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Viajando no oceano das forças opostas

Durante sua viagem, Ulisses lutoucom sucesso contra as potestades quequeriam fazê-lo naufragar no reino dePosêidon. Com isto, ele atinge um está-gio superior no desenvolvimento de suaconsciência, de sua transformação inte-rior e, finalmente, de sua regeneração.Este processo somente pode ser segui-do quando o ser triunfa sobre sua natu-reza inferior.

Todos os candidatos que estão acaminho da revelação dos mistériosmicrocósmicos encontram os mesmosperigos que Ulisses encontrou no ocea-no da vida. Depois de cada vitória sobreos aspectos inferiores, abre-se diantedele uma porta que dá para uma espiralsuperior. No entanto, ele sempre estácorrendo o risco de afogar-se no meiodas possibilidades e dos problemas quevai encontrando no oceano da vida, eassim poderá se perder em um mundode sonho.

Ele mergulha nas riquezas infinitas,mas este sonho bem-aventurado omantém afastado de sua tarefa, de seucosmo, de sua missão criadora. É assimque a esfera de influência de Netuno(Posêidon) muitas vezes provoca nohomem da natureza este deslizarsonhador no abstrato, este “falso desli-gamento” de tudo. Conseqüentemente,o jovem iniciado de Netuno terá, logo deinício, de sustentar uma luta (Jan vanRijckenborgh, Dei Gloria Intacta, 2ª. edi-ção,1982, Lectorium Rosicrucianum,São Paulo, Brasil).

O fim das experiências no oceano da vida

O egocentrismo impede Ulisses decontinuar em sua pátria original. Damesma forma que Parsifal, que aindanão conhece a compaixão, ele é man-

dado de volta para o mundo paravivenciar experiências mais amplas.Os poderes com os quais ele haviavencido a natureza pertencem a estanatureza. O eu e a inteligência sãomortais como a natureza de onde elesprovêm. Assim, ele perde tudo o queacreditava ter ganho em sua luta: suaesposa, seu filho, seu pai, seu reino,seu poder, e a paz que ele tanto bus-cava.

Como a maioria dos heróis gregos,Ulisses é um personagem trágico. Nofinal, a morte vem a seu encontro. Aprofecia de Tirésias era exata: comohavia acabado com os pretendentes desua esposa, ele foi banido por 10 anos.Então, ele deixa Ítaca e viaja para ointerior do país levando o leme de seunavio sobre os ombros, mostrando quejá havia vencido o oceano da vida.Assim, ele se põe a vagar e, depois deum ano, encontra alguns homens quenão conhecem o mar e que, portanto,acham que o leme é um instrumento deflagelo: eles ainda não estão conscien-tes de suas almas naturais. Chegandoa este ponto, Ulisses oferece um sacri-fício a Posêidon e este perdoa suasações.

Realmente, esta senda de penitên-cia e de oferenda parece não corres-ponder em nada aos acontecimentosanteriores. De um lado, parece agoraque Ulisses já percorreu e reconheceuo reino de Posêidon, mas que eleainda não conseguiu triunfar sobreseus elementos essenciais: por isso, ovelho deus continua a exigir seu tribu-to. Mas por outro lado, também há emsua humilde oferenda um lampejo deesperança “para estes homens quenão conhecem o mar”. Para eles,Ulisses construiu um templo dedicadoa Posêidon, e assim ele coloca asbases do processo de desenvolvimen-to da consciência destes homens. Eleoferece o leme, que é o bastão da inte-ligência, a todos os que ainda nãoestão vendo nenhuma chance deescapar à semi-obscuridade da cons-ciência mítica.

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São inúmeras as imagens arcaicas

que estão inscritas no inconsciente.

Ora, como o subconsciente sempre

está alimentando a maior parte da

vida do homem atual, estas imagens

–– que geralmente são simbólicas e

surgem superficialmente sob muitas

formas na vida cotidiana –– foram

sendo traduzidas muitas vezes de

acordo com os mesmos conceitos

há séculos. No entanto, é impossível

interpretá-las de outra forma. Pode-

mos ver como isto acontece a partir

deste relato das tentativas e expe-

riências de Ícaro, que por sinal é

bem pouco comum.

As aventuras de Ícaro, filho de Dédalo,agradam porque parecem tratar do anti-go desejo de voar. Mas será que elasnão traduzem mais do que isto, umaverdade eterna? Será que elas não ilus-tram o caminho que nos daria a chancede libertação da natureza terrestre? Umcaminho que sempre é indicado, apesarde ser mostrado sob formas completa-mente diferentes?

Aqueles que buscam a verdade e quelêem a história de ícaro, encontram oreflexo e a confirmação de suas pró-prias experiências, principalmente naprimeira parte, enquanto que a segundaparte oferece uma perspectiva comple-tamente diferente. Aí é mostrado o cami-nho de libertação em um plano superior:o caminho que deve ser percorrido pelopróprio buscador, e que sua consciênciavai descobrindo de modo mais preciso àmedida que ele vai vivenciando suas

experiências.Diz-se que a aspiração pela liberdade

é inata no ser humano. Os impulsosincessantes que o impulsionam a buscara liberdade seriam provenientes da remi-niscência da vida original e divina. É ver-dade. O personagem Ícaro, na mitologiagrega, é o próprio símbolo desta aspira-ção inextinguível, irreprimível, de liberda-de absoluta. Ícaro não se permitia des-viar nem parar e escolheu a morteenquanto subia em direção ao sol.

Dédalo prepara a libertação

Somente o ser que é tocado pelo cha-mado divino (que sabe por experiênciaprópria que jamais atingirá o absoluto apartir de seu estado de ser atual, e queaquilo que é imperfeito e mortal somenteconseguirá chegar ao absoluto por umprocesso de transformação) poderá com-parar suas experiências às experiênciasde Dédalo. Este último é o construtor, apersonalidade que deve realizar o pro-cesso de preparação a fim de permitir alibertação de Ícaro. As aventuras deDédalo mostram que aquele que buscatem de possuir a imagem do divino. Estaimagem é seu fio de Ariadne. Esta ima-gem não lhe dá descanso: ela o fica cutu-cando para que ele responda ao divinoque está dentro dele com seus poderesdialéticos. As múltiplas invenções deDédalo são a prova de seu esforço paraencontrar uma resposta.

No início do caminho libertador, a per-sonalidade dirigida pelo “eu” ainda é umobstáculo para a alma. Este “eu” nasceude uma interação não adequada entre omicrocosmo degenerado e a personali-

O homem liber-to se eleva nolabirinto dapurificação(ilustraçãoPentagrama).

ÍCARO: A ELEVAÇÃO PARA A LUZ

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dade em desenvolvimento. Para reco-nhecer esta situação interior, é precisoque a personalidade viva muitas expe-riências. No decorrer das múltiplasencarnações, a consciência vai crescen-do até o estado do “jovem rico”, que édotado de muito talento e poderes.

A pessoa de Dédalo é o resultado deum processo como este. Ele é o homeminventivo e hábil, que sempre encontranovas soluções para seus problemas.Mascomo não é sempre que estas soluçõesapresentam um resultado final e conclusi-vo, ele também tem decepções. Assim elevai percebendo a impiedade de seu cará-ter e vai duvidando cada vez mais de quepossa existir outra coisa além disso. Mas,assim como o “jovem rico”, foi preciso queele vendesse seus poderes para atingir o“Outro completamente diferente”. Quem jánão sentiu que isto é algo que está longede ser fácil? O “eu”, que é sustentado porum ser aural muito refinado, não se deixadestronar tão facilmente.

Abalar os alicerces do “eu”

O início do processo interior de purifi-cação necessita de uma intervençãoradical no ser interior. Segundo a histó-ria, Dédalo comete um assassinato: elefaz com que seu aluno favorito caia deum rochedo porque sua habilidadepoderia ultrapassar a sua. Perseguidopela justiça de Atenas, ele é condenadoa ser banido.

Isto ilustra as experiências de quemestá buscando a verdade. Quem abalaas bases de suas capacidades dialéti-cas é banido pelo mundo. Quem seliberta das circunstâncias gerais (por-que sente que a ilusão da matéria fazcom que se ligue demais a elas e istoconstitui um obstáculo) está abalandoos próprios alicerces de seu “eu”. Esteser humano já não consegue se adaptaràs normas estabelecidas pela socieda-de: então, é expulso.

Dédalo parte para Creta e é recebido

na corte do rei Minos. Da mesma forma,aquele que busca a verdade se refugiaem um local protegido para orientar suabusca e para colocar ordem em seuspensamentos e sentimentos. Na palavragrega “kratéia” (Creta) existe o conceitode força divina acolhedora e reveladora.Quem encontra “Creta” ainda não estáliberto, mas já deu um grande passo:rompeu com todos os seus laços com aantiga terra, que o alimentava.

Assim começa uma outra fase: é pre-ciso levar uma nova vida. É em Creta (ouseja, banhando-se em um novo corpovital) que Dédalo segue o caminho dapurificação interior. Ele vai descobrindoaos poucos até que ponto está ligadocarmicamente ao processo do cosmo edo macrocosmo. Ele aprende a ver comoromper com seus entraves, o que exigetoda a sua atenção, sua criatividade eseu devotamento. É assim que ele fabri-ca para a rainha de Creta uma vaca demadeira para criar uma armadilha contrao Minotauro. Como o rei Minos haviapedido insistentemente, ele constrói rapi-damente um labirinto para capturar omonstro que era metade homem metadetouro e aterrorizava os habitantes da ilha.Nesta prisão, o Minotauro era alimentadocom virgens e homens jovens –– terríveldetalhe que criou muitas fantasias san-grentas. Mas, por detrás de tudo isto, tal-vez haja muito mais.

Desejando a fonte de luz

Minos, que representa o Espírito,está ligado ao touro, que é o símbolo dahumanidade terrestre da era de Touro. Oprincípio de luz está depositado nocoração humano. Este dom pode fazernascer uma nova alma e permitir aohomem que ele consiga se dar conta desua situação. O resultado é um grandedesejo de conhecer a fonte de onde pro-vém esta luz, mas o homem tambémsente o poder dos laços que ligam suapersonalidade ao passado.

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A energia vital geralmente é mal utiliza-da por causa do desejo de cura e da faltada verdadeira compreensão. A pessoaque está em busca da verdade tenta ace-lerar o processo de libertação interior. Oser aural sugere que o “eu” também sigao caminho da Luz e lhe fala baixinho queele já está até bem adiantado neste cami-nho! Dédalo (e com ele o buscador dopassado e do presente) descobre queisto é uma ilusão. E mesmo depois de terreconhecido a cegueira do “eu” e depoisde ter afastado conscientemente estefator enganoso, ainda é possível que elese engane e caia em uma nova armadi-lha. A alma tem prazer em sentir a luz dosol, que ela recebe do novo campo vital,representado por Creta. Em uma situaçãotão “ensolarada”, o buscador trata seupróximo com muito amor e evita os con-frontos. Ele vai reprimindo todos os seustraços de caráter inatos, comparando-osà imagem que tem do homem liberto.Como ele acha que já esta no caminhoda libertação, seu “eu” sempre está cain-do na armadilha dos impulsos do seraural. Para se libertar interiormente, nãobasta mudar seus sentimentos e impul-sos: a exigência é a entrega total do “eu”.

Nesta fase, misturar novamente as for-ças dos dois campos de vida somentereforça ilusoriamente a ligação entre espí-rito e matéria: o resultado é miséria e sofri-mento. As narrativas mitológicas que falamdo Minotauro e da construção do labirintoprovam que os místicos da Grécia antigadeviam necessariamente passar por estacompreensão enganosa antes de poderiniciar o caminho da iniciação.

Mudança das constelações magnéticas

A compreensão deste comportamen-to errado provoca uma mudança dasconstelações magnéticas do microcos-mo. O fio de Ariadne, dá a Teseu a pos-sibilidade de sair do labirinto depois deter matado o Minotauro.(2)

A história conta que, como castigo,Dédalo e seu filho Ícaro ficam presosno labirinto. Quem triunfa sobre o Mino-tauro deve morrer: ele vê a ligação danatureza original divina com a naturezadialética, e reconhece o Plano divino. Olabirinto representa seu ser com todasas ligações seculares entre microcos-mo, cosmo e macrocosmo. É aí que eledeve procurar o princípio fundamentaldivino, pois este princípio é a chaveque abre a passagem para o reino ori-ginal.

Neste momento crucial de reconheci-mento interior, surge o nome de Ícaropela primeira vez. O filho de Dédalo nas-ceu no campo de vida que está sob aproteção da força divina original. Onome “Ícaro” pode ter vindo da palavragrega “kér” (coração), ou de “Kér” (adeusa da Morte).(3) Quando a nova almanasce e começa a crescer, tambémcomeça a recriação do novo homem,“pela água e pelo fogo”.

Dédalo constróiuma vaca demadeira para arainha de Creta(pintura muralem Pompéia).

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O labirinto: símbolo da guinada

Dédalo e seu filho Ícaro se dirigempara o coração do labirinto para escapara seu aprisionamento terrestre. Afinal, ésomente o novo homem, o “Outro com-pletamente diferente” que surgiu nocoração, que pode penetrar no reino deDeus. Depois desta guinada, Dédalocomeça um processo de preparaçãoque termina com uma ligação conscien-te com a nova alma.

O labirinto é o símbolo grego do retor-no ao ser, da guinada e do arrependi-mento. Ele representa a senda interiorda purificação e enfraquecimento do

“eu”, este “eu” que gira em torno do cen-tro mas não consegue alcançá-lo: quan-to mais ele vai-se aproximando do cen-tro do ser, mais as curvas do caminho ovão cercando.

Conforme ele vai compreendendoque esta vida é ímpia, vai vendo cadavez mais claramente qual é a tarefa vitala ser cumprida. O homem original, queestá presente como um plano dentro doser interior do homem mortal, vai-serevelando pouco a pouco, progressiva-mente.

Quem entra em seu próprio labirintocom uma fé inabalável vai-se orientan-do pela libertação interior. Mesmo queainda não consiga ver muito claramen-te o final de seu caminho circular, nãose deixa desviar da busca de seu sermais interior: vai-se aproximando docentro. Os quatro caminhos sinuososque conduzem a este centro formam acruz da natureza, que vai ser transfor-mada em cruz da vitória sobre a natu-reza inferior.

As asas na nova alma

Como está sempre direcionado parao objetivo sublime, o candidato dá àalma a possibilidade de crescer: assimele vai atraindo os divinos materiais deconstrução que são necessários parasua libertação. No mito, diz-se que Ícarofabrica asas de penas e de cera, a fimde escapar da terra. Podemos conside-rar a cera um elemento de união entrea nova alma em crescimento e a desci-da do Espírito. No livro As NúpciasAlquímicas de Christian Rosenkreuz, édito que existem três tipos de sereshumanos que estão buscando o cami-nho para o alto: os que utilizam esca-das, os que escalam por uma corda eos que usam asas. Estes últimos são osque percebem espontaneamente oplano interior de desenvolvimento. “É aatividade do eu-intelecto purificado que,após sua purificação, corresponde com

A explicação do nome Ícaro vem,em parte, do livro “The WhiteGoddess, A Historical Grammar of poetic Myth”, de Robert Graves(Creative Age Press, New York,1948). O autor não estabelecenenhuma relação direta entre adeusa Ker e Ícaro. Ele escreve queo nome massorético: (isto é, a par-tir de exame crítico de textos bíbli-cos) de Jeová era Q’r –– e isto ésugerido pela origem de Creta. Oscários, lídios e mísios origináriosde Creta possuíam um local dereunião onde adoravam ZeusCários. Talvez seja dele que venhao nome de “quiritas romanos” e de“curetas” de Delos, de Cálcis, daEtólia e de Creta. Os gregos nãoconheciam este nome bárbaro, maschamavam de “kourai” os moçosque haviam oferecido seus cabelosao deus. Além disso, Graves men-ciona que o nome de Jeová pro-vém, muitos séculos antes deCristo, da antiga triunidade: Q’r(Sol), Ashima (Lua) e Anatha(Ishtar).

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o homem corporal.” (As NúpciasAlquímicas de Christian Rosenkreuz,Tomo II, página 201, 1ª. edição, 1996,Lectorium Rosicrucianum, São Paulo,Brasil). Para estes, a libertação se apro-xima, por assim dizer, de forma queeles podem tocá-la.

Dédalo ensina a Ícaro a maneiradetalhada de fabricar suas asas, comoutilizá-las e também como se comportardurante o vôo. Afinal, cada desvio doplano pode significar o fracasso e oca-sionar a morte. Portanto, ele explica ocaminho que oferece todas as possibili-dades de adquirir conhecimento, a fimde poder dar cada passo com conheci-mento de causa, com toda a liberdade.

Desprendimento dos bens terrestres

Quando Dédalo chega na Sicília,Ícaro deixa a existência terrestre e sobedireto para o sol. Para ele, a liberdadeeterna tornou-se realidade. Todos oslaços que o prendiam à natureza terres-tre vão caindo e desaparecendo no mar,que é a natureza à qual estes laços per-tenciam. Seu ser é transfigurado deacordo com o processo, que é expostoem detalhes. Completamente renovado,ele revestiu-se de todos os nobres atri-butos da imortalidade: assim, ele podese desfazer de seus bens terrestres,pode jogá-los fora e iniciar sua ascen-são rumo ao sol que está além do sol.

A finalidade da longa e penosa pere-grinação através da matéria é o retornoao campo de vida divino. Depois de suaguinada interior e depois de sua recria-ção, o peregrino pode deixar para trásde si tudo o que é perecível. As penasde Ícaro vão caindo no mar, retornandoà matéria de onde vieram. O que éimperecível é renascido e se eleva,subindo ao céu. O dom insondável masprofundamente desejado da naturezaao fogo divino permite que o homem ori-ginal se liberte.

*Pentagrama número 5, ano dezenove.1) Cf. Robert Graves Greek Mythology;

Lexikon der anthike Mythen undGesthalten, Michael Grant; John Hazell,List Verlag, Munique, 1976.

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O antigo herói grego Hércules sem-

pre foi famoso e ainda é.Vestido com

uma pele de leão e armado com

uma maça de madeira de oliveira,

ele continua com suas aventuras

miraculosas em filmes, na TV e nas

estórias em quadrinhos. O que será

que agrada neste herói? Será que

são as situações extraordinárias nas

quais ele se encontra, ou sua agili-

dade e sua força fora do comum?

Hérakles (ou Hércules, para os roma-nos), desempenha um papel importantena mitologia grega. Ele era considerado“o homem mais forte da terra”. Quandochegou à idade adulta, encontrou-secom duas belas mulheres: Prazer eDever, que suplicaram, cada uma porsua vez, para que ele as seguisse.Prazer lhe disse: “Meu nome é Prazer. Amaioria dos seres humanos me amam.Vê como meu caminho é largo e fácil, ecomo ele é macio para seus pés! Segue--o e não sentirás falta do que comer nembeber, nem de roupas bonitas, nem decama macia, nem de todas as alegriasda vida. Ficarás totalmente isento de dore ao abrigo de qualquer perigo. Vemcomigo!” Mas Dever assim lhe falou:“Meu nome é Dever. Ninguém ousa fugirde mim, mas poucos homens me amam.Isto, porque meu caminho é escarpadoe espinhoso e na viagem eu não prome-to nem facilidades nem prazer. Meucaminho exige muito esforço e infligedor. Entretanto, o sofrimento que ésuportado com coragem transforma-seem júbilo e orgulho. Aquele que mesegue ganhará a honra e a paz sobre a

terra e, finalmente, seu direito de nasci-mento entre os deuses.”

A maior força do mundo

Estas imagens transmitiam aos sereshumanos da época o conhecimento davida e a idéia de evolução de uma cons-ciência superior. Hércules não hesitouum só instante: ele escolheu o caminhodo dever. No momento em que elemanda Prazer ir embora, ele está acer-tando definitivamente suas contas comos aspectos inferiores de seu ser, quesempre estão se esforçando para apri-sioná-lo, aniquilando seus aspectossuperiores. Este processo é conhecidocomo “os doze trabalhos de Hércules”.

Dizem que Hércules era um dos filhosde Zeus, o deus supremo, apesar de ser,ao mesmo tempo, um homem mortal.Por sua origem, ele era dotado de umaforça superior a de todos os homens daterra, e de uma inteligência que o faziaagir rapidamente de modo eficaz. Seusdoze “trabalhos” no caminho da imortali-dade representam o crescimento destefilho de Deus até o estado divino. Emnossa época materialista, o caminhoseguido por Hércules ainda é tão atualquanto o era no passado remoto.

O nascimento do herói está envoltoem acontecimentos pouco habituais emovimentados, que ilustram sua origemelevada. Zeus, o pai dos deuses, aproxi-mou-se da rainha Alcmene sob a formade seu marido, que estava ausente.Dizem que esta união levou três noites.Portanto, podemos considerar Hérculescomo o coroamento de uma ação con-junta entre um impulso divino e a terra

A ESCOLHA ENTRE O PRAZER E O DEVER E A

SENDA DA IMORTALIDADE

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que alimenta os seres humanos. Zeusanuncia com orgulho que seu filho aca-bará dominando toda a Grécia. MasHera, esposa de Zeus, não aceita estasituação: ela tenta abafar este novoprincípio desde seu nascimento. Duasserpentes vêm enrolar-se ao redor deHércules recém-nascido, enquanto eleestá dormindo. Ele acorda, pega as ser-pentes e esmaga suas cabeças.

Os diferentes aspectos do mesmo personagem

Por que este ciúme por parte de Hera?Por causa da realeza, ela prefere o fraco emedroso Euristeu ao inteligente e astucio-so Hércules. Muitos mitos gregos falam deum número muitas vezes confuso de per-sonagens e nomes. Deuses e heróisgeralmente encarnam os diferentes as-pectos de uma só pessoa.Assim, Euristeupode ser considerado como o aspectofraco e mortal do ser humano, enquantoHércules encarna o elemento divino cheiode força.Euristeu impõe a Hércules 12 tra-balhos: são os trabalhos que todos osseres humanos devem realizar dentro desi. Hércules deve abrir um caminho parasi: o caminho que conduz ao Olimpo, amorada dos deuses. Ele tem como devertornar-se consciente dos obstáculos e dascorrentes terrestres que sua natureza divi-na tem de ir quebrando aos poucos. Estecaminho de libertação era reservadosomente a alguns seres humanos. Pri-meiro, era preciso desenvolver uma auto-consciência autônoma para poder, emseguida, renunciar a ela. Neste momento,os seres humanos dispunham de umaconsciência mítica coletiva, dirigida pordeusas como Hera.

O plano inato de desenvolvimento

A mitologia grega dá uma imagemdo processo de transformação da

consciência coletiva para consciênciaindividual. O pensamento tem de sedesenvolver e o intelecto tem de seformar como base para a etapaseguinte. Hércules segue esta evolu-ção e suas aventuras ilustram as fasesdeste processo. Ele dispõe de umpoder divino com o qual pode venceras influências astrais que o ligam àterra. Assim, ele é objeto da repulsa edo ciúme de Hera, que sente que elevai escapar de seu poder. Devotandosua vida para o bem da humanidade,ele adquire a realeza: isto quer dizerque ele ganha a imortalidade. Destaforma, ele segue o plano de desenvol-vimento que já está presente dentrodele desde o nascimento.

Quando faz 18 anos, ele mata oLeão de Neméia e se veste com suapele. Mas Hera fica enciumada eemprega diversos estratagemas paraturvar sua consciência, dirigindo-o paracaminhos diferentes. Ela lhe mostraque seus filhos espirituais são umaameaça para ele. Matando-os, ele des-perta de suas ilusões e se fecha em

Hércules ajudaAtlas a car-regar o mundo(gravura de C.David, 1635,coleçãoMansell, emLondres).

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“ ó Pai, vejo, na alma-espírito, oUniverso inteiro, assim como a mimmesmo!”Tat faz a seguinte pergunta a Hermes:“Dize-me ainda o seguinte: como sãoos castigos da escuridão, que sãodoze em número, expulsos por dezforças? De que modo isso acontece,Trismegisto?E ele recebe esta resposta:“Esta tenda, que abandonamos, foicomposta pelas forças do círculo dozodíaco, que, por seu turno, consistede doze elementos: de uma natureza,porém multiforme em imagem, segun-do o pensamento errôneo do homem.Entre esses castigos existem, meufilho, os que operam como unidade.Assim, a astúcia e a irreflexão sãoinseparáveis da cólera. Não sepodem mesmo distinguir. É, pois,compreensível e lógico que desapare-çam conjuntamente quando estãosendo expulsas pelas dez forças, por-que são estas dez forças, meu filho,que dão nascimento à alma. Vida eluz estão unidas. Assim, o número daunidade nasce do Espírito. E, domesmo modo, segundo a razão, aunidade contém a década, e a déca-da, a unidade.”Depois destas explicações, Tat acrescenta:“Pai, vejo, na alma-espírito, oUniverso inteiro, assim como a mim mesmo!”E Hermes conclui:“Eis, meu filho, o renascimento; éimpossível fazer disso representaçõestridimensionais. Conhece-o e experi-menta-o agora, graças a este “discur-so relativo ao renascimento”, que so-mente em favor de ti pus por escrito,para que a multidão não participe

dele, porém exclusivamente os quesão eleitos por Deus”.Situemos nossos comentários desteDiálogo secreto em um plano maiselevado, estendendo-o ao macro-cosmo, como a pergunta de Tat e aresposta de Hermes o necessitam:“Como os castigos da escuridão, quesão doze em número, são expulsospor dez forças?” e a resposta precisa:“que a personalidade, que somos nósmesmos, não procede somente daterra, mas também do zodíaco”. Sealguém praticou ao menos um poucode astrologia, sabe que nosso siste-ma solar com todos os seus planetase luas move-se no interior dos dozesignos do zodíaco, que formam umúnico sistema. Este sistema regetotalmente nossa vida: nossa perso-nalidade depende dele totalmente. Atenda que representa a personalidadeem que nós habitamos somente exis-te graças às doze atividades dozodíaco. Se refletirmos a respeitodisso, se já verificamos isto pelaastrologia e por suas aplicações, ve-remos claramente que todo o sistemazodiacal vai formando um sistemaastral, do qual vivem os habitantes dequalquer planeta que seja.Conseqüentemente, este sistema (etudo o que nele se encontra) constituio que chamamos de natureza damorte, o não estático, onde as forçascontrárias sempre estão se manifes-tando e se neutralizando. Todospodem facilmente constatar e obser-var o contínuo “subir, brilhar e descer”do universo da morte, simplesmente apartir da astronomia, mesmo semrecorrer à astrologia. Constatamosclaramente a existência do zodíaco, oespaço fechado no qual, como diz

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Jacob Boehme, “Deus encerrou ahumanidade, a fim de que o mal queaí toma forma não possa penetrar oUniverso inteiro”.Hermes diz literalmente que os doze vícios partem diretamente dasatividades zodiacais: “O zodíaco con-siste de doze elementos: de uma na-tureza, porém multiforme em imagem,segundo o pensamento errôneo dohomem”. Isto quer dizer que nasce-mos sob um signo do zodíaco, umaatividade do zodíaco. Portanto, há umaspecto que domina basicamentenossa vida, ao qual se misturam asonze correntes restantes. Estas ope-ram em conjunto para seduzir oshomens. Elas formam como que umaunidade absoluta e são quase ilimita-das. Conseqüentemente, os dozevícios estão ancorados em todos nós.Ninguém os aprendeu nem cultivou.Eles não são nem o resultado da maldade nem o resultado do conjuntode nossos pecados. Pensemos naimagem que os conceitos de vício ede imperfeição evocam: trata-se dealguma coisa inacabada, que aindanão se tornou uma virtude, ainda nãose tornou perfeição. Trata-se, portanto,de uma atividade mais ou menos caó-tica. Em outras palavras, nossa natu-reza é uma natureza em devir, é umaspecto daquilo que está por vir. É poresta razão que falamos também emnascimento natural, em nascimento daalma e nascimento do Espírito. Eainda há o segundo nascimento. Osdoze vícios estão presentes em nós,em seu aspecto positivo e negativo,em seu aspecto de bem e de mal.Eles podem constituir um karma tãopesado que muitas vezes nos curva-mos sob o peso dos erros e da própria

natureza deles. O imperfeito encerra oque pode tornar-se perfeito.Em todos os tempos, a humanidadeconheceu estas atividades e seusresultados. Por mais longe querecueis na história do mundo, semprereconhecemos os efeitos e a naturezado zodíaco.*

* Jan van Rijckenborgh, ArquignosisEgípcia Tomo IV, página 140, 1ª edição,1991, Lectorium Rosicrucianum, São Paulo,Brasil.

Hérculesestrangula asduas serpentesque o ameaça-vam (Casa deiVéti, emPompéia).

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um quarto escuro para chegar a umacompreensão melhor.

No momento em que ele vê que suaforça incontrolável provoca ruína, ele seencontra com Prazer e Dever. Em nossaépoca, estas palavras podem ter umsignificado diferente. Entretanto, a pala-vra “prazer” aqui evoca, de preferência,tudo o que diz respeito ao homem ter-restre, enquanto que o velho conceitode “dever” diz respeito ao caminho tra-çado pelos deuses para os homens.

Os doze trabalhos de Hércules

As doze “tarefas” que Hérculesrecebe das mãos de Euristeu se rela-cionam às doze esferas de influênciado zodíaco: aos poderes do campode vida dialético em que a humanida-de evolui. Cada vez que cumpre umade suas vitórias, Hércules “coloca ovencido em seu devido lugar” nozodíaco.

De todas estas peripécias, percebe-mos que a mitologia grega trata dedois campos de vida diferentes.Triunfando sobre as forças do zodíacoe “colocando-as em seu devido lugar”Hércules vai abrindo seu caminhopara o Olimpo. Segundo a DoutrinaUniversal, o homem é governadopelas irradiações planetárias, estela-res e das constelações. Estas influên-cias estão nos horóscopos. Este apa-nhado da organização microcósmicadeixa ver exatamente quais são asinfluências benéficas ou maléficas.Mas, cuidado: o horóscopo mostra aprisão em que estamos presos, masnão dá a porta de saída! Realmente, adisposição dos planetas no momentodo nascimento corresponde ao firma-mento microcósmico, às estrelas doser aural. As doze vitórias sobre estasubmissão às forças do zodíaco é otema do mito de Hércules, que aomesmo tempo é uma saga a este res-peito.

Purificação total

Uma das provas mais famosas é a dapurificação do sistema microcósmicoem sua totalidade. Um dia, Hércules temde limpar as estrebarias de áugias,onde a sujeira se acumulou há muitosanos. A sujeira é tão fantástica que nin-guém pode cumprir esta tarefa comsuas próprias forças. Hércules desviapara a estrebaria o curso de dois rios eestas ficam admiravelmente limpas emum piscar de olhos. Podemos conside-rar estes rios como sendo os dois cor-dões nervosos ao longo da coluna ver-tebral. Uma outra versão faz alusão aum único rio. Esta imagem faz pensar

Quando a luzpenetra em umser, as estre-barias deáugias de seumicrocosmosujo sãolavadas (pinturasobre seda,ilustraçãoPentagrama).

MITOS OU SAGAS?

Mitos e sagas podem ser confundi-dos. Um mito é uma narrativa ouuma tradição a respeito de deusesou forças naturais personificadas.Como suas aventuras ultrapassa-vam a consciência humana, osmitos geralmente eram qualificadoscomo insensatos, irreais ou fantas-magóricos. Uma saga é uma histó-ria popular tradicional que se referea um herói qualquer. Geralmente asaga tem um fundo de verdade.Como a mistura grega mistura mitoe saga, fica difícil de traçar a fron-teira entre os dois.Na história de Hércules, estas duas formas estão estreitamenteimbricadas, porque, com o passardos séculos, o impulso mitológicosempre será esclarecido, amplifica-do e embelezado novamente paracontinuar atual. É por isso que as narrativas mais antigas da mito-logia grega são menos complica-das do que as versões posteriores,que são puramente literárias.

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que, para cumprir esta tarefa, Hérculesutilizou a corrente de energia divina daágua Viva. Realmente, é exclusivamen-te com o auxílio de uma força como estaque é possível neutralizar e retirar assujeiras acumuladas.

Uma outra tarefa diz respeito às trêsmaçãs de ouro do jardim das Hespé-rides, as filhas de Atlas: um dragão decem cabeças, que jamais dorme, guar-da o tesouro. Como Hércules chega atéeste jardim, ele mata o dragão com umasó flechada. Depois disso, ele pede aAtlas para ajudá-lo, pois ele não conse-gue colher as maçãs de ouro. Então,Atlas coloca o mundo sobre os ombrosde Hércules e se apodera das maçãs.Mas, muito feliz com a notícia de sualiberdade, Atlas quer carregar estasmaçãs e levá-las para Euristeu. Comsua astúcia (fruto de sua jovem inteli-gência), Hércules consegue fazer comque Atlas se decida a retomar o seufardo. Assim, livre do peso sob o qual omundo o retinha, e transformado em umser eternamente jovem graças àsmaçãs de ouro, ele já pode abandonar omundo e subir até o Olimpo.

Rompendo a prisão

O dever mais pesado é o último: dizrespeito a Cérbero, o cão de três cabe-ças que governa os mundos inferiores eameaça a alma prisioneira: Perséfone. Épreciso levá-lo até a luz do dia para rom-per seu poder. Acompanhado de Atenase de Hermes, Hércules desce até osInfernos. A viagem é longa, perigosa,extremamente cansativa e o desesperocobra o seu tributo. Mas Atenas, suadeusa protetora, sempre o consola e lhedá forças. E Caronte, o barqueiro quefaz a travessia do rio Styx para os mor-tos, finalmente o conduz até Hades, osoberano do reino dos mortos. Esteautoriza Hércules a pegar Cérbero, massem utilizar nenhuma arma! O heróipensa que não vai poder cumprir esta

última tarefa. Mas, com sua força sobre-humana, ele consegue fazer com que omonstro saia de sua toca e o atira,preso em correntes, aos pés deEuristeu. Seu eu inferior (Euristeu)então se rende e Hércules é finalmentelibertado.

Como seus doze trabalhos foramcumpridos com sucesso, Hércules triun-fou sobre sua natureza inferior. O fim desua vida terrestre é a morte pelo fogo.Sua mulher Djanira lhe dá uma túnicaembebida em veneno, acreditando queassim poderá reconquistar seu amor,por artimanhas mágicas. QuandoHércules veste o que o texto chama de“a túnica de Nesso”, esta cola em suapele e queima seus membros. Nestaluta mortal, ele constrói uma fogueirasobre a qual sobe voluntariamente parase desembaraçar de seu envoltório ter-restre. Assim, ele morre pelo fogo, comsua pele de leão e sua maça.

No Olimpo, Zeus clama de alegria: “Oque era imortal em Hércules agora ficoulivre da morte. Logo irei acolhê-lo nestelugar abençoado”.

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O ROUBO DO MANTO DA ALMA

Uma parte da mitologia grega pro-

vém do período em que o principal

processo de desenvolvimento era o

da consciência imaginativa. Os deu-

ses e seus mensageiros desempe-

nhavam um papel central neste pro-

cesso, e, sem suas instruções, os

heróis gregos não estavam prepara-

dos para atingir seu objetivo.

Existem muitas versões dos mitos elegendas da mitologia grega. Assim,dizem que a sogra de Frixo infernizavasua vida e então Hermes lhe deu umcarneiro de ouro (também chamado deVelocino de Ouro) sobre o qual Frixomontou para fugir para a Cólquida.Também existe uma versão segundo aqual Frixo decidiu fugir por sua própriavontade. Vagando pelo mundo, ele che-gou a Delfos e aí, extremamente cansa-do, adormeceu em um templo e sonhouque encontrava um homem barbudo, decabelos compridos. Seus ombros largosestavam recobertos com pele de carnei-ro; o homem tirou a pele de seusombros e deu este tosão a ele, dizendo:“Toma este tosão, para uma vitória oupara uma derrota”. Escolhemos estaversão para esclarecer a história doTosão de Ouro, porque ela oferece mui-tas chaves para quem está buscando averdade.

Ao despertar, Frixo vê o homem como qual ele havia acabado de sonhar,mas ele é de mármore branco e trazsobre seus ombros um tosão de ouro.Ele é tão forte e tem um ar tão dignoque faz lembrar Hércules. Aos pés daestátua está gravada uma só palavra:Cólquida.

“Eu cheguei à praia, em meio a mil perigos”

Nesta versão, da qual o escritor epoeta Franz Grillparzer (1791-1872) fezuma peça de teatro (O Tosão de Ouro),Frixo diz: “Em meu sonho os deuses meaconselharam a tirar o tosão de ouro eir para a Cólquida. Eu escutei o conse-lho, peguei o tosão de ouro e fui rapida-mente cumprir meu dever. Quando esta-va a caminho, os sacerdotes se inclina-vam diante de mim, o povo se ajoelhavaquando eu passava e a multidão recua-va quando via o tosão de ouro que osdeuses me haviam dado. Eu o carrega-va diante de mim sobre uma lança eassim cheguei à praia, em meio a milperigos. Embarquei e ela flutuava comodourada chama de ouro sobre mim eme mostrava o caminho em meio àsondas tumultuadas. A água, o vento e omundo infernal haviam conjugado suasforças para tentar me fazer naufragar,mas nenhum mal me aconteceu e atin-gi, são e salvo, a região da Cólquida.”

Aqui Frixo mostra que o Tosão deOuro ainda não é sua propriedade pes-soal: ele o carrega como se ele viesse asua frente. Chegando à Cólquida, elequer apresentá-lo a Peronteo, deus pro-tetor desta região. Mas Eetes, o rei daCólquida, considera o portador doTosão de Ouro como um intruso, ficainquieto por causa de seu trono e deci-de matá-lo para despojá-lo. É que o orá-culo de Delfos havia predito a Eetesque, sem este tosão, ele não viveriamuito tempo. Porém, nas narrativasmais antigas, Frixo é convidado à corte,onde ele atinge uma idade avançada.

Frixo é assassinado por Eetes, e

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A NOVA VESTE DE CHRISTIANROSENKREUZ E A DECORAÇÃODO VELOCINO DE OURO.*

“Quem bebeu da fonte de todasas coisas, quem recebe de beberdos irmãos da Rosa-Cruz, viverá. Ocandidato lava-se nessa água viva.Ele bebe esse néctar da taça áureado Espírito.

É evidente por que aqui e emoutros locais dessa narrativa o ouroé escolhido como símbolo. C.R.C.bebe da taça áurea, ele recebe umanova veste totalmente tecida em ouroe enfeitada magnificamente com flo-res. Em seguida lhe é presenteadoum segundo Tosão de Ouro, adorna-do com pedras preciosas. NesseTosão de Ouro pende pesada moedade ouro, sobre a qual estão retrata-dos o sol e a lua, face à face, e emcujo verso se encontra o aforismo:

O luar será como a luz do sol,e esta brilhará sete vezesmais intensamente do que agora.

Todos os adornos que os candi-datos haviam recebido antes sãoretirados e recolhidos. Agora elestêm apenas valor histórico. E assimequipados, os candidatos sobem aescada real em espiral.

É nossa intenção explicar-vosagora o significado desse preciosoapetrecho aurifulgente e, após, ousartentar subir com os recém-chamadosa escada real em espiral.

Examinemos inicialmente a quali-dade do candidato que adentrou oquarto dia! A rosa da alma, o cora-ção central do microcosmo, abriu-se.A Alquimia propagou-se no campode respiração. Ela é a nova substân-cia astral pura que não é explicável

pela natureza da morte.Os sete pesos estão colocados

em seus lugares, isto é, os aspectosprimários do Espírito Sétuplo ilumi-nam de nova maneira as sete cavi-dades cerebrais e inflamaram nova-mente o candelabro de sete braços.

Agora o candidato está aparelha-do para o início da festa nupcial. Édeveras um maravilhoso aparelho,aparelho com que se pode adentrar,com certeza, o aspecto mais elevadodo Corpo-Vivo da jovem Fraternidadegnóstica, a Cabeça Áurea, o campoda ressurreição. Esse aparelho não ésuficiente, porém, para poder-sesubir a escada real em espiral, isto é,para poder-se, como membro daCabeça Áurea, nela realizar um tra-balho prático.

Por esse motivo, fala-se no livro“As Núpcias Químicas de uma vestecompletamente nova e do novo ador-no do Tosão de Ouro.Compreendereis talvez que a aten-ção é dirigida aqui para alguns novosaspectos e realizações que têm deser vivificados inicialmente nos can-didatos. A fim de compreenderdesisso, tendes de inteirar-vos que trêsentidades devem ser reunidas nogrande processo de transfiguração.Três entidades que no início, nãoobstante, são nitidamente diferenciá-veis, a saber, o Espírito, a alma e ocorpo da personalidade.”

Jan van Rijckenborgh em As NúpciasAlquímicas de Christian Rozenkreus,Tomo II, 1996, Lectorium Rosicrucianum,São Paulo, Brasil.

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Medéia, a filha do rei, fica seriamenteinquieta com a conduta de seu pai. Elasente que não se trata do encontroentre dois inimigos, mas do cumprimen-to do destino de dois homens e queoutras ações fatais se seguirão. A notí-cia do assassinato e do roubo logo seespalha, pois o tosão roubado é umtesouro conhecido universalmente.

O país onde estão guardados os raios do sol

Jasão recebe a missão de ir embusca do Tosão de Ouro. Cinqüentahomens corajosos e empreendedoresse apresentam para acompanhar Jasãoaté a Cólquida. Entre eles estão: Argos,o mestre construtor do navio; Hércules,“o homem mais forte da terra”; Orfeu,cuja música possui uma virtude mágica;Linceu, que tem aguda visão; Teseu,Peleu, Meleagro e o filho de Boreos.Mas primeiro é preciso construir umnavio adequado. A deusa Atenas esco-lhe uma madeira resistente à água domar. Dizem também que ela oferece umpedaço do carvalho sagrado de Zeuspara a proa. Com estes materiais, Argosconstrói uma embarcação rápida e sóli-da que recebe o nome de Argo, quequer dizer “navio rápido”.

Os Argonautas devem enfrentar bra-vamente inúmeros perigos antes deatingir a costa hospitaleira da Cólquida.Nas versões mais antigas, a Cólquida édescrita como “o país onde estão guar-dados os raios do sol” . Nestas versõeso rei Eetes é filho de Hélio (Apolo, deusdo sol) e é uma pessoa amável e aco-lhedora. Mas na versão do sonho deFrixo, a Cólquida é invadida por árvorese arbustos de todas as espécies e édevastada por furacões. Nas versõesque vieram depois, Jasão deve cumpririnúmeros trabalhos para seu anfitriãoantes de poder apossar-se do Tosão deOuro. Mas não é isto o que acontece naversão do sonho de Frixo. Depois de

muitas peregrinações, Jasão encontra atorre em que Medéia se retirou depoisdo assassinato de Frixo. O rei Eetes eseu filho chegam à torre ao mesmotempo que Jasão, para trazer Medéiaaté o pátio. Jasão e o irmão de Medéiase entregam a um violento combate:então, Medéia acaba interferindo e deci-de que o combate terminou em favor deJasão.

Às vezes, o papel de Medéia é contraditório

É Medéia quem desfaz a segundatentativa para fazer com que Jasãomorra: desta vez, envenenado. Final-mente, como ela sabe encantar o dra-gão, Jasão tira o tesouro roubado dopoder de Eetes e o carrega a bordo donavio “Argo”, onde Medéia embarcapara fugir de sua pátria. Quando o rei eseu filho percebem que o Tosão de Ouroe Medéia desapareceram, o jovem seatira ao mar e o pai cava sua própriatumba.

O Tosão de Ouro nem sempre trarásorte a seus novos possuidores. Eles

O dragão deCólquidas vo-mita Jasão(taça prove-niente da Ática,por volta de475 d.C.,Museu EtruscoGregoriano, noVaticano).

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seguem a rota durante muitos anos e atripulação não pára de diminuir. Quando,finalmente, Jasão consegue chegar aoporto certo, ele fica sabendo que suaherança caiu nas mãos de seu sobrinho.Ele já não tem onde morar e tem deembarcar novamente. Neste ponto tam-bém há versões muito diferentes. Aintervenção de Medéia lhe traz másorte, pelo menos aparentemente. Me-déia desempenha um papel muito osci-lante na mitologia grega. Às vezes ela émaléfica, às vezes é benéfica. Mas ela ésempre a força que retifica e dirige paraoutros caminhos os processos queestão bloqueados.

Ação mista da alma natural e daalma divina

Na realidade, as aventuras dosArgonautas em busca do Tosão de Ourorepresentam a grande tragédia humana.É a manifestação continuada da açãomista da alma natural e da alma divina.Os conflitos que decorrem desta açãotraduzem a fase de desenvolvimento em

que se encontra um homem ou umsemi-deus. As interpretações históricassão mais direcionadas pelos problemasda alma natural; as interpretações eso-téricas tratam da libertação da almadivina das garras da alma natural. A filo-sofia grega mostra claramente a linhaascendente sobre a qual o homem deveabandonar as ilusões das quais as nar-rativas mitológicas tratam.

Na versão elaborada por Grillparzer,Frixo, o filho do rei, faz lembrar o men-sageiro dos deuses que deixa suaregião para levar à humanidade sofre-dora um poder divino (o Tosão de Ouro).Assim, ele se põe a caminho para umailha invadida por uma vegetação selva-gem onde reina Eetes, um rei ambicio-so. Este se apossa do Tosão, que é opoder divino, e faz com que ele sejaguardado pelo dragão ou serpente daconsciência natural. Podemos compararMedéia, sua filha, ao princípio divinoque dá a possibilidade de atingir oReino de Deus. Depois do crime hedion-do praticado por seu pai, ela lhe dirigeas seguintes palavras:

“Odeio tua casa. Sinto horror demorar aqui, perto de ti, agora quemataste este estrangeiro. Ele era ummensageiro dos deuses e tu roubasteseus poderes. Agora possuis em tuacasa a centelha que reluz e brilha ejamais se apagará mesmo que derra-masses sobre ela toda a água da fontesagrada e do mar infinito”. Então, eladeixa a casa paterna e pede o auxíliodos deuses. Mas as trevas que envol-vem e habitam o rei da Cólquida não sedissipam.

“Os deuses criaram um ser duplo”

Então surge Jasão; e Medéia sesente atraída por ele. Ela diz: “Há algono ser humano que, independentemen-te da vontade de quem o possui, atrai eafasta com uma violência cega, como o

Jasão rouba oVelocino deOuro (baixo--relevo romano).

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brilho e o metal, o ímã e a limalha deferro”. E Jasão responde: “Em meu paísreina uma bela crença. Os deuses cria-ram um ser duplo, depois o dividiramem dois. Agora, as duas metadesdevem buscar uma à outra: as almastêm de se unir e fazer uma só”.

No mundo dialético, a felicidade não éeterna. Medéia adverte Jasão para nãoerguer novamente o Tosão de Ouro, seele realmente quiser recuperar suaherança. Pois, se servir para aos dese-jos dos bens terrestres, a posse doTosão de Ouro somente trará a derrota.Por isso, Frixo tinha recebido esta men-sagem: “Toma este tosão. Para umavitória ou uma derrota”. A vitória libertada prisão da morte; a derrota significauma nova “queda” e um mergulho cadavez mais profundo na matéria até o limi-te em que tudo o que foi alcançado sejaaniquilado. Então, será preciso empre-ender uma nova tentativa para progrediraté o ponto de poder tomar e carregar oTosão de Ouro.

“Já não sou quem eu era”

Como um pai, o amigo de Jasãopensa que a partida de seu país e suasperegrinações em busca de uma novapátria somente poderão dar resultadose ele se afastar de Medéia. Mas é jus-tamente Medéia que quer liberá-lo deseu desejo de poder e de posse. Eleresiste a sua influência, dizendo: “Jánão sou quem eu era: esta força foi rom-pida em mim, ela está morta em meucoração, assim como a coragem”. EMedéia responde: “Assim, por estarespreocupado com tua casa, tua fama etua glória mataste teu belo florescer daalma da juventude. Oh, se fosses aque-le que eras outrora, quanto eu gostariaque fosses...”

Depois deste diálogo, Medéia com-preende que Jasão escolheu a reputa-ção, a fama e o poder. Por ele, ela temde renunciar à esperança de libertação;

mas tenta um último meio: a purificaçãototal, para fazer morrer todos os aspec-tos terrestres do microcosmo. Então elaleva o Tosão de Ouro (a veste áurea denúpcias) até Delfos, para que os deusesdecidam.

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“Aconselho-te que de mim compres ouroprovado no fogo, para que te enriqueças.”“O homem que começa a viver desseduplo e concentrado rio de Deus, rio queflui ininterruptamente, tornou-se, aomesmo tempo, um homem-alma. A luzgnóstica dupla fez com que a rosa des-pertasse em seu coração aberto, e todosos fluidos vitais do sistema são preenchi-dos por essa luz, e justamente com todasas conseqüências das quais fizemosmenção. A luz irrompe no santuário dacabeça, após ter encontrado seu cami-nho, através do coração e do sangue.Ela esbraseia todo o campo de respira-ção e começa com a transfiguração docorpo astral do candidato. E agora,quando ele se lembra da advertênciados grandes de que “cinco minutos depensamentos irrefletidos podem desfa-zer um trabalho de cinco anos”, entãologo virá o momento em que o candida-to entra em ligação com o novo campoastral da Escola Espiritual.Também estaligação, correspondentemente ao misté-rio do Santo Graal, é dupla: uma ligaçãose realiza como homem diurno, comohomem que vive no corpo do nascimen-to natural, e a outra ligação resulta comohomem noturno, como homem que vivefora do corpo do nascimento natural.Já vos dissemos que o aspecto exteriordo campo astral do Corpo-Vivo deve servisto como um campo de cor áurea mis-turado com o violeta da sexta regiãocósmica. Pois bem, o aluno que avançapositivamente no duplo processo gnósti-co de luz logo começa a mostrar, emseu campo de respiração, esse adornoáureo, essa radiação áurea do prana davida. A isto se refere a Bíblia quando falada veste áurea de núpcias. Quem avan-ça em sentido positivo na senda da vida,e assim se aproxima da Gnosis, recebeas qualidades astrais do campo astral doCorpo-Vivo. Estas forças de luz irrom-pem no coração, misturam-se ao san-gue, elevam-se ao santuário da cabeçae espalham-se ao redor do corpo.Por isso a Escritura Sagrada fala deveste áurea de núpcias. E assim tam-

bém compreendereis o que diz oApocalipse 3, versículo 18: “Aconselho-te que de mim compres ouro provadono fogo, para que te enriqueças.”Essa radiação áurea é o aspecto quecomeça a tomar o corpo astral em trans-formação do candidato.O homem astralda natureza dialética comum e cultivadatem uma forma vaga, nebulosa, de corvermelho-violeta, circundada por um círcu-lo oval azul-pastel. E acima deste todo cin-tilam as outras cores espectrais comuns,em todas as suas gradações, tal como oencrespamento da superfície da água.Quando o sol brilha e uma lufada de ventomovimenta a superfície da água, surgemefeitos cromáticos de toda a espécie, quese refletem e deslizam pela superfície.Assim podeis, aproximadamente, imaginarcomo cintilam nessa forma vermelho-viole-ta do corpo astral dos seres humanostodas essas tonalidades cromáticas.E estavariegada manifestação de cores demons-tra com o que o homem está ocupado;aqualidade de seu caráter expressa-senessa manifestação cromática;por exem-plo, sua orientação, o que está pensando,tudo para onde o seu ser, no momento, sedirige.Todo pensamento, todo desejo, todaatividade volitiva, mostra no campo de res-piração uma correspondente manifestaçãocromática.E, por isso, para o observador, ohomem é como um livro aberto.Quando o campo de respiração do candi-dato é tocado pela Gnosis e o candidatocomeça a viver desse toque, esse campoadquire um outro tom concomitante. Elese torna magnificamente áureo. Por isso,o observador não considera o quealguém diz e tampouco considera sua ati-tude. Porém, se a pessoa em questão,gnosticamente falando, tece efetivamenteessa veste áurea, se sua veste astral defato começa a tornar-se maravilhosamen-te áurea e o azul do ser aural desapare-ce, pode-se dizer que a veste aural ver-dadeiramente desaparece na incandes-cência áurea da veste de núpcias.”

Jan van Rijckenborgh em As Núpcias Alquími-cas de Christian Rozenkreus, Tomo II, 1996,Lectorium Rosicrucianum, São Paulo, Brasil.

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“Esta tenda que abandonamos foi composta

pelas forças do círculo do zodíaco, que, por seu turno,

consiste de doze elementos: de uma natureza,

porém multiforme em imagem, segundo o

pensamento errôneo

do homem”.

Resposta de Hermes a Tat.

(A escolha entre o prazer e o dever e a

senda da imortalidade, p. 34)