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EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE SAÚDE – BA O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por meio do seu órgão de execução que a esta subscreve, com fundamento nos artigos 129, III, da Constituição Federal, art.72, IV, “a”, da Lei Complementar n.º 11/96, da Lei 8.429/92 e da Lei n.º 7.345/85, propõe AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA com pedido contra JOÃO GAMA NETO, brasileiro, exercente do cargo de Prefeito do Município de Caldeirão Grande-BA, com domicílio funcional situado na Praça Edgar Pereira, 109, nº 0, Centro, Caldeirão Grande, Bahia, pelos motivos de fato e de direito que passa a expor: 1

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EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE SAÚDE – BA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por meio do seu

órgão de execução que a esta subscreve, com fundamento nos artigos 129, III, da Constituição

Federal, art.72, IV, “a”, da Lei Complementar n.º 11/96, da Lei 8.429/92 e da Lei n.º 7.345/85,

propõe AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA com pedido

contra

JOÃO GAMA NETO, brasileiro, exercente do cargo de

Prefeito do Município de Caldeirão Grande-BA, com

domicílio funcional situado na Praça Edgar Pereira, 109,

nº 0, Centro, Caldeirão Grande, Bahia, pelos motivos de

fato e de direito que passa a expor:

1. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Dispõe o artigo 127, caput, da Constituição Federal que “o Ministério

Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe

a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis”.

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Adiante, estabelece o artigo 129, inciso III, do texto constitucional vigente

que “são funções institucionais do Ministério Público: (...) promover o inquérito civil e ação

civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos; (...)”.

Ao Ministério Público foi destinada, pela Constituição da República, a tutela

do patrimônio público e social, como uma das funções essenciais à realização da justiça, um

dos aspectos, portanto, da sua atuação fiscalizadora, exercida mediante instrumentos diversos,

dentre os quais destacam-se o inquérito civil e a ação civil pública, visando preservar a

integridade material, moral e legal da Administração Pública.

No presente caso, a legitimidade do Parquet está fundada, além dos

dispositivos legais, supra mencionados, no artigo 17, caput da Lei Federal nº 8.429/92, a qual

veio dispor sobre os atos de improbidade administrativa e as sanções aplicáveis aos agentes

públicos responsáveis pelos mesmos.

Marino Pazzaglini Filho e demais autores da obra jurídica intitulada

“IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio

Público” (Ed. Atlas, 1996), definem, com maestria, a atuação do Ministério Público na

preservação e defesa dos princípios constitucionais da Administração Pública, asseverando o

seguinte:

“a guarda do patrimônio público, da moralidade e da legalidade

administrativas traz para o Ministério Público o indeclinável dever de

contemplar a Constituição como lei, a lei por excelência, o código do

povo e do país. Dela se deverá retirar o máximo rendimento,

concebendo-a sob a égide do social, aproveitando suas normas de

eficácia plena e interpretando sistematicamente seu conteúdo

programático. Permitimo-nos afirmar, com a devida vênia pela

irreverência, que, no combate à improbidade administrativa, o

contexto da constituição é o “guru” do Ministério Público”

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2. DOS FATOS

Segundo restou apurado, o Sr. JOÃO GAMA NETO, no exercício do

cargo de Prefeito do Município de Caldeirão Grande, BA, efetivou a contratação de 261

(duzentos e sessenta e um) servidores temporários, entre os anos de 2013 e 2014, sem a

realização de concurso público, com infração à Lei Federal 8.745/93 e, ainda, infração ao

artigo 37, II, da Constituição da República.

Os documentos juntados aos autos, em especial, as cópias dos contratos

administrativos municipais e a tabela confeccionada a partir dos referidos contratos,

comprovam fartamente que o requerido, na qualidade de Prefeito do Município de Caldeirão

Grande, BA, autorizou a contratação temporária e indevida de servidores para as áreas de

saúde, educação, serviços de administração e manutenção, totalizando 261 (duzentos e

sessenta e um) contratações ilegais entre os anos de 2013 e 2014.

Após tomar conhecimento de que a Prefeitura de Caldeirão Grande, Bahia,

tinha efetivado a contratação de servidores temporárias sem concurso público, esta promotoria

de Justiça, em reunião com o Sr. João Gama, celebrou Termo de Ajustamento de

Conduta(TAC) com o mesmo consistente no compromisso de que o gestor dispunha até a data

de 30 de abril de 2014 para declarar a nulidade e extinguir os contratos temporários vigentes

que estivessem em desacordo com a Constituição, para serem providos pelo concurso público.

Apesar disso, o Sr. João Gama, conforme atestam os documentos anexos, em

que pese negar, não extinguiu os contratos irregularmente celebrados.

O Gestor Municipal, nos autos da ação civil pública de nº 0000310-

56.2014.805.0242 e no Agravo de instrumento de nº 0007303-65.2014.805.0000, informou

que em razão do TAC, celebrado com o Ministério Público, efetuou a extinção dos contratos

temporários mantidos pelo Município. Afirmou, também, que manteve apenas os contratos

temporários considerados indispensáveis para a manutenção da continuidade de serviços

públicos essenciais.

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Sobre os termos do TAC firmado com o Município de Caldeirão Grande,

cita-se a cláusula 5: “O COMPROMISSADO obriga-se a nomear os aprovados e declarar a

nulidade das admissões realizadas através de uso indevido da terceirização, do contrato sob

regime especial de direito administrativo, ou de contrato de prestação de serviços, ou outras

formas similares para burlar a aplicação do princípio do concurso público, ou em desacordo

com a autorização contida no art. 37, IX da constituição Federal até o dia 30.04.2014,

impreterivelmente”.

O TAC foi assinado em 15 de outubro de 2013. Em 28 de novembro de 2013

o Prefeito do município de Caldeirão Grande promulgou o Decreto nº 182-2013, em cujos

fundamentos estão a necessidade de cumprir o estabelecido na Lei de Responsabilidade

Fiscal, Lei Orçamentária Anual, e a menção ao TAC assinado com o Ministério Público,

determinando, dentre outras medidas, que até 31 de dezembro de 2013 ficam suspensas

“novas nomeações de servidores públicos, contratações, convocações, exceto por

determinação judicial ou por substituição de exonerações, sendo que estas devem ser

previamente autorizadas pelo prefeito”.

Interessante notar que o mesmo Decreto, em seu artigo 3º, dispôs:

“Ficam extintos, na data de 30 de novembro do corrente ano, todos os contratos de pessoal,

mantendo-se somente aqueles dos quais os serviços sejam imprescindíveis para a

continuidade da manutenção de serviços essenciais.

Esse artigo 3º deve ser analisando com extrema cautela.

Primeiramente, o Decreto não especificou o que seriam os serviços

imprescindíveis para a continuidade da manutenção de serviços essenciais. Apenas

mencionou que os contratos que se enquadrem nessa situação permaneceriam em vigor.

O Decreto 183/2013 foi publicado no Diário Oficial do Município no dia 29

de novembro de 2013, sendo a única publicação do dia.

Em acesso ao sítio eletrônico

<https://pmcaldeiraogrande.ba.ipmbrasil.org.br/Publicacoes.aspx>, é possível visualizar todas

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as publicações que o Município fez, uma a uma. Com isso, esta Promotora de Justiça

acessou todos os diários a partir do dia 29 de novembro de 2013 para procurar se houve

publicação da extinção dos contratos específicos, considerados imprescindíveis para a

manutenção dos serviços essenciais.

Abaixo copio a captura de dela obtida do referido sítio, em que constam os

atos publicados em cada dia:

Da mera análise da lista de publicações acima transcrita, observa-se que do

dia 29 de novembro até o dia 11 de dezembro não foram publicados atos relativos a extinção

de contratos temporários. Os assuntos contidos na descrição tratam de tomada de preços,

pregão para registro de preços e resolução sobre o demonstrativo financeiro de 2012.

Na tela seguinte, observa-se:

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No período de 12 de dezembro de 2013 a 21 de janeiro de 2014 constam

publicações relativas à Lei da estrutura administrativa do Município, juntada aos autos pelo

agravante, Lei do Plano Plurianual, Lei Orçamentária, Decreto de Detalhamento de Despesas,

licitações, nomeação para cargo em comissão, Decreto sobre o Núcleo de Alfabetização.

No diário do dia 22 de janeiro de 2014 constam Decretos de exoneração e

nomeação para cargos de direção e vice direção escolar, cargos comissionados, nada tratando

de extinção de contratos temporários. Prezando pela transparência, o diário do dia 22 de

janeiro foi impresso na íntegra e acompanha as presentes contrarrazões.

Nos diários dos dias 23 a 28 de janeiro constam publicações exclusivamente

sobre licitações.

Vejamos a página seguinte:

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Nos dias 29 a 31 de janeiro constam publicações relativas a licitações. No

dia 04 de fevereiro foi publicado o Edital 001/2014, que regulou o concurso objeto da Ação

Civil pública ajuizada pelo Ministério Público, em cujos autos foi proferida a decisão atacada.

No dia 05 de fevereiro foi publicado Decreto para nomeação da Comissão Permanente de

Licitação.

No dia 07 de fevereiro de 2014 consta publicação do EDITAL DE

PROCESSO PARA PROVIMENTO DE VAGAS TEMPORÁRIAS NO QUADRO DE

SERVIDORES DA PREFEITURA MUNICIPAL DE CALDEIRÃO GRANDE.

Repita-se: provimento de vagas TEMPORÁRIAS.

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Assim, a publicação constante no dia 07 de fevereiro consta edital para

realização de processo seletivo para provimento de contratos temporários. Ora, embora o

TAC tenha sido assinado com obrigação de extinção dos contratos temporários em

desacordo com a Constituição, e ainda, em que pese o Decreto 183/2013 juntado pelo

agravante em que o Prefeito determinou a extinção dos contratos temporários

prescindíveis à continuidade dos serviços públicos essenciais, o que se verifica até as

publicações do dia 07 de fevereiro é que não foi publicado NENHUM ato estabelecendo

quais seriam os contratos imprescindíveis mencionados no Decreto, nem a extinção de

nenhum contrato específico.

O Edital do processo seletivo para contratação temporária também foi

numerado como 001/2014, e sua cópia integral acompanha a presente ação, e não se confunde

com o edital 001/2014, publicado em 04 de fevereiro de 2014, para provimento dos cargos

efetivos, e que é objeto da ação civil pública.

Ao contrário, somente se verificaram nomeações e exonerações de cargos

em comissão, e ainda, a publicação de edital de processo seletivo para contratação temporária.

A publicação do Decreto 183/2013 foi genérica, e não houve nenhum ato especificando suas

determinações sobre quais contratos seriam efetivamente extintos.

No mesmo dia 07 de fevereiro consta Decreto nomeando a Comissão

Coordenadora do Concurso Público.

No dia 10 de fevereiro constam publicações relativas a licitações. No dia 11

de fevereiro constam publicações de nomeação e exoneração de cargos de coordenação,

assessoria, secretário escolar, coordenadora assistente, vice-direção escolar, direção, todos

cargos em comissão, nada sendo mencionado sobre contratos temporários.

No dia 18 de fevereiro constam publicações relativas a licitação e Portarias

com designação se servidores para determinadas funções, como assinatura de notas fiscais e

recebimento de materiais. No dia 19 de fevereiro constam publicações relativas a licitação.

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No dia 20 de fevereiro constam Decretos de Nomeação e Exoneração de

cargos chefia, secretário de gabinete, diretor do hospital, assessoria técnica, coordenação,

todos cargos em comissão, nada sendo mencionado sobre extinção de contratação temporária.

Importante detalhar que o único cargo não especificado como sendo de

provimento em comissão é o tratado pelo Decreto 052/2014, que exonerou a Sra. NADJA

CAJADO DA SILVA do cargo de Técnico em Articulação e Integração Municipal da

Secretaria Municipal de Meio Ambiente. No Decreto não especifica que esse cargo seja em

comissão, mas a Sra. NADJA foi nomeada no decreto seguinte, o 053/2014, para o cargo de

Secretária de Gabinete, símbolo CC-2. E atualmente a Sra. NADJA continua em exercício de

cargo em comissão, sendo, inclusive, uma das pessoas que compareceu às diversas reuniões

realizadas entre o Ministério Público e o Município.

No dia 21 de fevereiro constam nomeações e exonerações de cargos de

Secretária Escolar e assessoria que são cargos em comissão. Foram Publicadas 09 Portarias,

sendo que 08 concederam licença prêmio de 03 meses para 08 servidores, incluindo cargos de

serviços gerais e professores. Também foi concedida uma licença sem remuneração pelo

período de 02 anos para um servidor ocupante do cargo de serviços gerais. No dia 24

fevereiro, além de publicação relativa a licitação, consta nomeação e exoneração de cargos em

comissão.

No dia 26 de fevereiro constam publicações relativas a licitação e declaração

de imóvel de domínio público. No dia 06 de março constam Decretos de ponto facultativo e

de nomeação e exoneração de servidores para cargos de assessoria de políticas

governamentais, assessoria de imprensa, assessoria jurídica, assessoria administrativa e

direção escolar, cargos em comissão, além de conceder licença prêmio a uma servidora

ocupante do cargo de auxiliar de serviços gerais. Mais uma vez, nenhuma menção à

especificação da extinção dos contratos temporários.

Vejamos a tela seguinte:

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No período de 07 de março a 31 de março constam somente publicações

relativas a licitações, contratos de credenciamento de profissionais médicos, lei sobre aditivo

orçamentário. Nada sobre nomeação e exoneração de servidores, e muito menos sobre

extinção de contratos temporários.

No dia 07 de abril de 2014 foram publicados decretos de nomeação e

exoneração de cargos de assessoria, direção e vice-direção escolar, e chefia de departamento,

todos cargos em comissão.

Vejamos o que consta na tela seguinte:

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De 08 a 29 de abril foram publicados atos relativos a licitações, Decretos de

ponto facultativo, nomeação e exoneração de servidores ocupantes de cargos em comissão,

transferência da feira livre, nomeação de representante do CMDS, saldo das contas públicas,

decretação de emergência, contratos de locação de imóveis e notificações. Todos os atos

publicados até 29 de abril, relativos a servidores públicos, trataram de cargos em

comissão. Não foi identificado nenhum ato que regulamentasse o Decreto 183/2013, para

dizer quais seriam os contratos considerados imprescindíveis à continuidade dos serviços

públicos essenciais, nem atos de extinção dos contratos considerados prescindíveis.

Repita-se: o artigo 3º do Decreto foi genérico, e até 29 de abril não se teve notícia de que

tenha sido dado cumprimento ao seu comando normativo.

Sobre os termos do TAC firmado com o Município de Caldeirão Grande,

cita-se novamente o teor da cláusula 5: “O COMPROMISSADO obriga-se a nomear os

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aprovados e declarar a nulidade das admissões realizadas através de uso indevido da

terceirização, do contrato sob regime especial de direito administrativo, ou de contrato de

prestação de serviços, ou outras formas similares para burlar a aplicação do princípio do

concurso público, ou em desacordo com a autorização contida no art. 37, IX da constituição

Federal até o dia 30.04.2014, impreterivelmente”.

Pelos termos do TAC, o gestor dispunha até a data de 30 de abril de 2014

para declarar a nulidade e extinguir os contratos temporários vigentes que estivessem em

desacordo com a Constituição, para serem providos pelo concurso público. Embora o Decreto

183/2013 tenha determinando, genericamente, a extinção dos contratos prescindíveis à

continuidade dos serviços públicos essenciais, conforme exaustivamente demonstrado acima,

não foram localizados atos administrativos que especificassem o comando do Decreto.

Ora, os atos administrativos, para serem válidos e eficazes, devem ser

publicados. O Município de Caldeirão Grande dispõe de imprensa oficial própria, e no

sítio eletrônico do diário do município não foram localizados, até a última publicação do

mês de abril de 2014 (e até a presente data), nenhum ato determinando a extinção de

contratos específicos. O comando genérico do artigo 3º não foi uma inocente desatenção

do gestor. Foi com o evidente intuito de torná-lo inexequível. Afinal, quais foram os

contratos considerados imprescindíveis? Onde está publicado o ato administrativo que

estabeleceu quais os contratos seriam mantidos e extintos de acordo com o Decreto

183/2013?

A ação para anulação do concurso regulado pelo edital 001/2014 foi

ajuizada em 23 de abril de 2014. O prazo para extinção dos contratos temporários

estabelecido no TAC era 30 de abril de 2014. O ajuizamento foi necessário porque as

ilegalidades constatadas no concurso foram gravíssimas.

Em todos os diários oficiais publicados no sítio eletrônico do Município

de Caldeirão Grande, do dia 31 de março (um mês antes do término do prazo para

extinção dos contratos temporários) até a data atual, para demonstrar, de forma

inequívoca e inconteste, que não houve publicação nesse veículo de qualquer extinção de

contratos temporários específicos.

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Aliás, em nenhuma publicação desde o dia 29 de novembro consta ato

extinguindo qualquer contrato temporário específico.

Com base nas publicações do diário oficial do Município, desde o da 30 de

novembro de 2013, é possível concluir que o Gestor Municipal não extinguiu os contratos

temporários. O Prefeito editou ato meramente genérico, sem especificar os contratos que

seriam extintos, e com isso, manteve todos os contratos temporários que quis. Se os atos

de especificação sobre os contratos imprescindíveis foram editados, é certeza que no

diário oficial não foram publicados. O Ministério Público não conhece outro veículo de

publicação oficial do Município de Caldeirão Grande.

Vale registrar, inclusive, que desrespeitando o compromissado firmado com

o Ministério Público, o gestor lançou edital para realização de PROCESSO SELETIVO

PARA PREENCHIMENTO DE VAGAS TEMPORÁRIAS, em fevereiro de 2014, quando o

TAC já estava em vigor.

Além disso, a contratação temporária deve obedecer ao artigo 37, inciso IX,

da Constituição da República, e sempre será lícita quando se enquadrar nos requisitos

expressamente estabelecidos na norma constitucional. Assim previu expressamente o TAC,

pois qualquer norma que impedisse a contratação temporária indiscriminadamente seria

inválida, pelo vício da inconstitucionalidade.

Não consta no diário oficial do Município, desde o dia 29 de novembro de

2013 até a presente data, publicação de nenhum ato que especificasse quais os contratos foram

considerados imprescindíveis à continuidade dos serviços públicos essenciais, e qual foram

extintos, nos termos do artigo 3º do Decreto 183/2013 editado pelo Prefeito.

Sendo o diário do município o único meio de publicação oficial conhecido,

pode-se afirmar que não houve a publicação desses atos, pois esta Promotora leu todos os

arquivos publicados, desde 29 de novembro de 2013, e imprimiu todos os publicados desde

31 de março de 2014 para juntar às contrarrazões nos autos do Agravo de Instrumento de nº

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0007303-65.2014.805.0000 , e não encontrou nenhuma publicação de extinção de contratos

temporários considerados prescindíveis à continuidade dos serviços públicos essenciais.

Não havendo a publicação desses atos, conclui-se que: 1) ou não houve a

extinção de nenhum contrato temporário; 2) ou a extinção praticada sem especificação

de quais foram enquadrados no critério do artigo 3º do Decreto 183/2013 permitiu ao

gestor extinguir os que fosse de seu interesse, ou mesmo que não fosse extinto nenhum,

ante a impossibilidade de conhecimento e fiscalização dos atos não publicados.

Vale ressaltar, ainda, que a Gestão Municipal informou que a prefeitura está

à beira de “fechar as portas”. Ora, o Município não funciona exclusivamente com contratos

temporários, que são excepcionais. E as publicações de 29 de novembro até a presente data

revelaram inúmeras nomeações para cargos em comissão.

Os documentos juntados aos autos, em especial, as cópias dos contratos

administrativos municipais e a tabela confeccionada a partir dos referidos contratos,

comprovam fartamente que o requerido, na qualidade de Prefeito do Município de Caldeirão

Grande, BA, autorizou a contratação temporária e indevida de servidores para as áreas de

saúde, educação, serviços de administração e manutenção, totalizando 261 (duzentos e

sessenta e um) contratações ilegais entre os anos de 2013 e 2014.

A publicação de um decreto com determinação genérica e inexequível

de extinção de contratos, com o intuito de ludibriar o cumprimento do TAC, a não

publicação de atos que especifiquem quais os contratos se enquadram nos critérios do

decreto, a constatação de que nenhum ato de extinção de cargos específicos foi publicada

na imprensa oficial do município causam violação à ordem pública (e à moralidade

administrava)

As informações prestadas pelo próprio gestor, juntamente com as cópias

dos contratos de trabalho firmados, comprovam fartamente que desde o início de 2013 o

requerido autorizou uma série de admissões funcionais ilegais, as quais, em teoria,

destinavam-se ao suprimento de funções temporárias, todavia, não se verificou a

ocorrência da situação extraordinária justificadora, culminando por ferir a proibição

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constitucional de admissão de servidor sem concurso público.

Dentre as funções exercidas pelos contratados estão as de cozinheira,

auxiliar de serviços gerais, auxiliar de enfermagem, professor, motorista, assistente social,

instrutor de música, auxiliar administrativo, operador de máquinas, monitor, pedreiro,

eletricista, recepcionista, nutricionista, cadastrador, assistente administrativo, psicólogo e

técnico de enfermagem. Observa-se que houve a admissão sem o devido “certame”, com

desvirtuamento daquele gênero de contratação atípica, porquanto muitas dessas funções

correspondem, em verdade, a funções de natureza tipicamente perenes, permanentes,

ordinárias, e não serviços excepcionais, temporárias, transitórias próprias para situações de

calamidades públicas, combates a surtos endêmicos, recenseamentos e pesquisas de

suprimento de professores substitutos, conforme disciplina a Lei 8.745/93.

Registre-se, por fim, que a contratação autorizada pela requerida não foi

feita, sequer, por seleção pública simplificada (artigo 3º da Lei 8.745/93), impessoal e

objetiva, nem se deu ampla divulgação, e, tampouco, foi realizado processo administrativo

justificador, ficando a escolha dos trabalhadores ao exclusivo alvedrio da gestora requerida.

3. FUNDAMENTOS JURÍDICOS

3.1 NECESSIDADE DE CONCURSO PÚBLICO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE REGEM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE

O concurso público é considerado meio de moralização da Administração

Pública por oferecer oportunidade a qualquer brasileiro concorrer a uma vaga no serviço

público e mostrar-se merecedor de exercer sua função por seus próprios méritos, sem

necessitar de apadrinhamento político. Por tal razão, os juristas e até mesmo os leigos são

unânimes em louvar como um avanço a exigência constitucional do concurso para investidura

em qualquer cargo público.

Dispõe a Carta Magna, em seu art. 37, caput, II:

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“A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.”

Qualquer investidura que transgrida o preceito constitucional é

absolutamente nula, por expressa disposição do § 2º do mesmo artigo:

“A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei;”

Não se diga que todos seriam casos de contratações por tempo determinado, excepcionadas definidas no inciso IX do mesmo dispositivo:

“A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.”

A Constituição da República deixa bem clara e restrita a possibilidade dessa

espécie de contratação, exigindo a presença simultânea dos seguintes requisitos, ou seja, a

ausência de qualquer um deles já a descaracteriza:

# estabelecimento, em lei, dos casos que podem enquadrar-se nessa situação;# prazo determinado para contratação;# necessidade excepcional de interesse público.

Analisando a diretiva constitucional, tem-se que a prévia aprovação em

concurso é a REGRA e o PRESSUPOSTO para ingresso no serviço público. Isso ocorre

porque o concurso é o instrumento que melhor representa o sistema de mérito e, como tal, é

capaz de concretizar os postulados fundamentais da igualdade, moralidade administrativa e

competição.

Como regra cogente que é, a prévia aprovação em concurso para investidura

em cargo ou emprego público apenas admite exceções previamente estipuladas na própria

Constituição Federal, como no caso de integrantes do quinto constitucional dos Tribunais

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Judiciários (art. 94), membros dos Tribunais de Contas (art. 73), ministros do STF e STJ (arts.

101 e 104), cargos em comissão (art. 37, inciso II) e recrutamento de servidores temporários

(art. 37, inciso IX).

No âmbito da União, para dar implemento ao instituto da contratação

temporária, foi editada a Lei n.° 8.745, de 09 de dezembro de 1993, que com as alterações

dadas pela Lei n.º 9.849, de 26 de outubro de 1999, e em conformidade com o seu art. 2.º,

restringiu a possibilidade de admissão de pessoal nessa modalidade aos seguintes casos:

Art. 2.º Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público:I - assistência a situações de calamidade pública;II - combate a surtos endêmicos;III - realização de recenseamentos e outras pesquisas de natureza estatística efetuadas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE;IV - admissão de professor substituto e professor visitante;V - admissão de professor e pesquisador visitante estrangeiro;VI - atividades: a) especiais nas organizações das Forças Armadas para atender à área industrial ou a encargos temporários de obras e serviços de engenharia; b) de identificação e demarcação desenvolvidas pela FUNAI; c) revogado.d) finalísticas do Hospital das Forças Armadas; e) de pesquisa e desenvolvimento de produtos destinados à segurança de sistemas de informações, sob responsabilidade do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações - CEPESC;f) de vigilância e inspeção, relacionadas à defesa agropecuária, no âmbito do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, para atendimento de situações emergenciais ligadas ao comércio internacional de produtos de origem animal ou vegetal ou de iminente risco à saúde animal, vegetal ou humana;g) desenvolvidas no âmbito dos projetos do Sistema de Vigilância da Amazônia - SIVAM e do Sistema de Proteção da Amazônia – SIPAM;h) técnicas especializadas, no âmbito de projetos de cooperação com prazo determinado, implementados mediante acordos internacionais, desde que haja, em seu desempenho, subordinação do contratado ao órgão ou entidade pública.VII - admissão de professor, pesquisador e tecnólogo substitutos para suprir a falta de professor, pesquisador ou tecnólogo ocupante de cargo efetivo, decorrente de licença para exercer atividade empresarial relativa à inovação.

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§ 1.º A contratação de professor substituto a que se refere o inciso IV far-se-á exclusivamente para suprir a falta de docente da carreira, decorrente de exoneração ou demissão, falecimento, aposentadoria, afastamento para capacitação e afastamento ou licença de concessão obrigatória. § 2.º As contratações para substituir professores afastados para capacitação ficam limitadas a dez por cento do total de cargos de docentes da carreira constante do quadro. § 3.º As contratações a que se refere a alínea h do inciso VI serão feitas exclusivamente por projeto, vedado o aproveitamento dos contratados em qualquer área da administração pública.

A propósito, vale lembrar o Parecer Normativo nº 2/95 do TCM da Bahia,

que trata das contratações efetivadas pelos Municípios sem a observância do concurso

público, publicado na Revista Jurídica Administração Municipal, ano I, nº 10, págs. 45 a 47,

do qual vale destacar o seguinte trecho:

“Atente-se, não obstante, que a contratação de servidor por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, além de ser breve e autorizada por lei, NÃO EXCEPCIONA INDEFINIDAMENTE A REGRA CONSTITUCIONAL DO SERVIÇO PÚBLICO.” (sem destaque) ..............................................................................“Salientamos, por fim, em tendo a Administração admitido pessoal ao arrepio da Constituição, que o Gestor terá cometido GRAVE INFRAÇÃO À NORMA LEGAL, NA HIPÓTESE CONSTITUCIONAL, havendo, em conseqüência, proporcionado INJUSTIFICADO DANO AO ERÁRIO MUNICIPAL DECORRENTE DE ATO DE GESTÃO INCONSTITUCIONAL, ILEGÍTIMO E NÃO RAZOÁVEL.” (grifos originais)

A jurisprudência já se pacificou quanto ao thema decidendum:“CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO. PRETERIÇÃO. CONVÊNIO.A recorrente foi aprovada em primeiro lugar no concurso realizado para o provimento do cargo de oficial de justiça da comarca, mas foi preterida em favor da contratação de outros como oficiais de justiça ad hoc, mediante convênio realizado entre o Poder Judiciário estadual e o município. Diante disso, a Turma reiterou que é certa a assertiva de que o candidato aprovado em concurso público possui mera expectativa de direito à nomeação e que essa expectativa transforma-se em direito subjetivo quando, aprovado dentro das vagas previstas no edital, ainda válido o concurso, há a contratação precária de terceiros, concursados ou não, para o exercício dos cargos. Dessarte, a Turma deu provimento ao recurso

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para conceder a ordem e determinar a nomeação da recorrente naquele cargo. Precedentes citados: RMS 15.203-PE, DJ 17/2/2003; RMS 11.222-MG, DJ 6/2/2006, e RMS 16.389-MS, DJ 2/4/2004. RMS 19.924-SP , Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 10/10/2006.”

“CONCURSO PÚBLICO. DIREITO. CANDIDATA. EVIDÊNCIA. VAGAS. NECESSIDADE. ADMINISTRAÇÃO.Na espécie houve indeferimento à pretensão de nomeação de candidata remanescente de concurso público para provimento de cargo de oficial de justiça de Tribunal estadual. Noticiam os autos que existiam três vagas para preenchimento dos cargos e os dois primeiros aprovados desistiram, sendo que a impetrante classificou-se em 5º lugar e o concurso foi prorrogado. Todavia foi nomeado candidato de outro concurso, porque o ofício, via fax, da juíza informando a desistência e solicitando a nomeação da candidata chegou ao Tribunal no último dia do prazo prorrogado, às 17 horas. Assim, entendeu o Tribunal que não havia mais tempo hábil para nomeá-la, daí a impetração do mandado de segurança. Isso posto, destacou a Min. Relatora que os aprovados em concurso público não têm direito à nomeação, mas apenas expectativa de direito, pois se submetem ao juízo de conveniência e oportunidade da Administração (conforme se consolidou na doutrina e na jurisprudência). No caso, houve a necessidade de preenchimento da vaga pela Administração (quando convocou os três primeiros aprovados e pela nomeação do candidato aprovado em concurso posterior). É essa evidência, da necessidade da Administração, bem como a desistência dos candidatos aprovados dentro do período de prorrogação de validade do concurso que demonstram o direito à nomeação dos dois classificados seguintes. Com esse entendimento, a Turma determinou a nomeação da impetrante no cargo de oficial de justiça. RMS 11.553-SP , Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 30/11/2006.”

Cotejando-se os dispositivos legais acima mencionados com a narrativa

constante da presente exordial, verifica-se a perfeita subsunção do fato à norma, o que restou

positivado no procedimento em anexo.

É importante esclarecer que a necessidade temporária deve ser interpretada

não como aquela decorrente da falta de planejamento da Administração, que não encetou as

diligências para suprir suas atividades rotineiras, mas sim aquelas imprevisíveis, que não são

próprias do Poder Público e que devem ser supridas apenas num determinado momento para,

posteriormente, desaparecerem.

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Nesse sentido, é a doutrina de Mário Schirmer de Albuquerque:

Necessidade temporária é aquela que se verifica em um determinado momento, depois desaparece, uma vez que tem como fato gerador uma determinada circunstância, que quando encerrada implica no fim da necessidade. Se o serviço público necessitar de funcionário por estar com número deficitário em um setor, sem que qualquer circunstância temporária tenha levado à tal situação, obviamente, a necessidade será permanente, pois sempre existirá.1

Extrai-se ainda da lição do aludido doutrinador, quando aborda a definição

de excepcional interesse público nas contratações temporárias:

O interesse público, terceiro requisito, é condição de qualquer ato administrativo. No caso da contratação temporária, porém, a Constituição Federal diz que este interesse deve ser excepcional , quarto requisito. Isto quer dizer que o interesse público há de ser emergencial, urgente, que a Administração não possa prescindir da contratação daquela pessoa, sob pena de sacrificar interesse público de grande relevância. Nota-se que a necessidade deve, obrigatoriamente, ser temporária e o interesse público ser realmente excepcional. É que não se pode utilizar o contrato por prazo determinado para situações em que a necessidade não seja temporária ou que o interesse público não seja excepcional. Se a necessidade é permanente e o interesse público é comum, devem ser admitidos servidores em regime comum, pela via do concurso público. Porém, tem-se notado que isto vem sendo distorcido2 - grifo nosso.

Assim, não existe possibilidade de enquadrar os servidores contratados sem

processo seletivo nas exceções da lei, pois não se pode dizer que há necessidade excepcional

para manutenção de telefonista, recepcionista, auxiliar de serviços gerais, professor, motorista

e outros. Caracterizam-se, assim, tais contratos como irregulares sem necessidade de tecer

maiores detalhes.

3.2 DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

1 SCHIRMER. Mário Sérgio de Albuquerque. Investidura de servidores públicos. (dissertação de mestrado não publicada), 2003.

2 SCHIRMER. Mário Sérgio de Albuquerque. Investidura de servidores públicos. (dissertação de mestrado não publicada), 2003.

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Pelos fundamentos acima expostos, exsurge que JOÃO GAMA NATO,

Prefeito do Município de Caldeirão Grande, Bahia, com vontade livre e consciente, contratou

vários prestadores de serviços para o desempenho de funções que correspondem às

atribuições legais de vários cargos públicos, com o escopo de burlar o dever de promover o

concurso público, manobra que causou dano ao erário e violação aos princípios da legalidade,

moralidade, impessoalidade, supremacia do interesse público, honestidade e lealdade,

incorrendo em improbidade administrativa tipificada no artigo 11, caput, e incisos I, II e V, da

Lei n.º 8.429/92.

Vejamos o teor das disposições legais acima citadas:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;V - frustrar a licitude de concurso público;

O desvio de finalidade dos contratos se enquadra na previsão do artigo 11,

inciso I, da LIA. A não realização dos concursos públicos necessários configura improbidade

por força do artigo 11, incisos II e V, da LIA.

À luz das normas constitucionais e infraconstitucionais que regem a matéria,

conclui-se que houve um verdadeiro passeio pela lei que descreve atos de improbidade

administrativa por partes da requerida. Violaram, por vontade livre e consciente, os princípios

da administração pública, mormente, o princípio da legalidade.

O requerido violou flagrantemente princípios da administração pública,

notadamente, o da legalidade e o da eficiência, pois não cumpriram a sua função com a

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qualidade que é esperada dos agentes públicos.

É importante citar Fábio Medina Osório sobre o princípio constitucional da

eficiência:

“A eficiência, aqui, ao englobar a eficácia, traduz exigências funcionais dos agentes públicos, relacionando-se não apenas com a legitimidade dos seus gastos, mas com a economicidade dos resultados, a qualidade do agir administrativo, o comprometimento com metas e solução de problemas. No sentido funcional, eficiência pressupõe eficácia, qualidade, compromissos com resultados, abarcando paradigmas da chamada Nova Gestão Pública, nos tempos da pós-modernidade.” (Teoria da Improbidade Administrativa: má gestão, corrupção ee ineficiência. 1ª edição, p. 164).

Celso Antonio Bandeira de Mello, grande mestre do Direito Administrativo

define com clareza solar o que significa a violação de um princípio:

“Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra." ("Curso de Direto Administrativo", Malheiros Editores, 5ª ed., 1.994,, p. 451)

Percebe-se, igualmente, a violação a princípios na conduta descrita, pois o

réu tive a vontade livre e consciente de deixar de praticar o ato de ofício acima descrito. A

falta de responsabilidade em lidar com a coisa pública, no caso sub examine, não é um erro

juridicamente tolerável.

No dizer de Vladimir da Rocha França:

"O princípio da eficiência administrativa estabelece o seguinte: toda ação administrava deve ser orientada para concretização material e efetiva da finalidade posta pela lei, segundo os

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cânones jurídico-administrativo." (Eficiência administrativa. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n. 220, abr./jul. 2000, p. 168.)

A ação do requerido, em nenhum momento, foi orientada para concretização

material e efetiva da finalidade posta pela lei, segundo os cânones jurídico-administrativos, e

ainda, desrespeitou violentamente a margem humana de falibilidade funcional. A ineficiência

é de clareza solar.

Denota-se, no caso, a presença de todos os elementos caracterizadores da

improbidade empreendida, quais sejam: 1) sujeito ativo (agente público que concorreu para a

prática do ato de improbidade – Prefeito Municipal: artigos 1.º e 2.º da LIA); 2) sujeito

passivo (Administração Direta de Município – entidade mencionada no art. 1.º, da Lei n.º

8.429/92); 3) a ocorrência do ato danoso (contratação temporária em afronta ao que dispõe o

art. 37, IX, da CRFB); e 4) a presença do elemento subjetivo (dolo - o demandado atuou em

desvio de finalidade, buscando satisfazer interesse diverso do previsto na norma legal de

competência, agindo com plena consciência).

Isto posto, não resta sombra de dúvida, da comprovação as escâncaras

sobre o cometimento de atos de improbidade administrativa pelo gestor réu.

Deste modo, o Poder Judiciário e Ministério Público não podem deixar que

os princípios da eficiência, da probidade administrativa e da legalidade sejam simples adorno

no corpo da Constituição Federal. Para isso, deve ser concedida tutela com o fim de

concretizar, no caso concreto sub examine, os princípios violados, em homenagem a Lex

Mater.

4. DA TUTELA ANTECIPADA

A tutela inibitória coletiva é técnica processual que permite, através de uma

decisão ou sentença, impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito e, como tal, tem

por fundamento normativo o art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

23

Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.§ 1° A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.§ 2° A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil ).§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.§ 5° Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

A despeito de a norma estar em codificação relativa à defesa do consumidor,

o instituto nela previsto é aplicável também à proteção do direito difuso a uma Administração

proba e voltada ao bem comum, mesmo porque o art. 21 da Lei de Ação Civil Pública evoca a

aplicação inter-normativa.

Como bem assevera LUIZ GUILHERME MARINONI, não há dúvida de

que o art. 84 do CDC sustenta a possibilidade de tutela inibitória pura para qualquer direito

difuso ou coletivo3.

De acordo com o parágrafo terceiro do dispositivo legal em referência, a

tutela inibitória coletiva poderá ser prestada liminarmente, ou seja, de forma antecipada,

bastando para tanto a demonstração do relevante fundamento da demanda e do justificado

receio de ineficácia do provimento final.

O fumus boni juris está configurado pelos argumentos e documentação em

3 MARINONI, Luiz Guilherme. (individual e coletiva). 4ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2006. 94p.

24

que se funda a presente demanda, bem como pela gravidade dos fatos noticiados, os quais

justificam a seriedade da medida. Na presente exordial demonstram-se vários casos de

contratação ilegal e inconstitucional de agentes públicos temporários para preencher cargos

que não se enquadram nas exceções legais, sendo evidente o desrespeito à moralidade

administrativa, legalidade e impessoalidade pela burla ao concurso público.

O periculum in mora também se caracteriza em face da provável

continuação de contratações ilegais e inconstitucionais pelo gestor réu, impossibilitando, com

isso, o acesso impessoal aos cargos públicos municipais, sendo de inegável interesse público a

cessação destes atos com a anulação das contratações temporárias empreendias em detrimento

das disposições constitucionais.

Destaca-se que caso não seja compelido a anular as contratações irregulares,

o réu estará procrastinando ainda mais uma situação absurda de burla ao livre acesso de todos

em cargos públicos, trazendo danos irreversíveis à moralidade administrativa.

5. REQUERIMENTOS E PEDIDOS

Ante o exposto, o Ministério Público requer:

a) Comprovados os requisitos do fumus boni juris e do periculum in

mora, a concessão de liminar com o escopo de imediatamente,

obrigar o demandado JOÃO GAMA NETO a: 1) fazer cessar a

ocorrência das contratações, em caráter temporário, a não ser nas

hipóteses reais de excepcionalidade e de temporariedade previstas na

Constituição Federal, oportunidade em que deverá ser justificada

expressamente e de forma individualizada cada contratação, sempre

precedido de processo seletivo, de provas ou de provas e títulos,

vedada a contratação por mera análise de títulos; 2) adotar todas as

providências necessárias para extinguir todos os contratos temporários

em situações não previstas pela Lei n.º 8.745/93;

b) A estipulação de multa diária, para o caso de descumprimento dos

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prazos fixados para a implementação das obrigações requeridas no

item a, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) diários, imposta à

pessoa física do Prefeito Municipal, ora demandado.

c) Seja solicitado do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, cópia

integral do Agravo por Instrumento nº 0007303-65.2014.805.0000,

para que passe a integrar o acervo probatório dos presentes autos.

Requer, ainda:

I - A notificação do requerido para apresentar sua manifestação por

escrito, no prazo de 15 (quinze) dias (§ 7º do art. 17 da Lei 8.249/92),

findo o qual, com ou sem manifestação, seja recebida a presente e

determinada a CITAÇÃO do Requerido para apresentar contestação

(§§ 8º e 9º do mesmo artigo 17 da mencionada Lei), caso queira, sob

pena de revelia e confissão quanto a matéria de fato;

II - Sejam cominadas à requerida as sanções estabelecidas no artigo 12

da LIA, ou seja, perda da função pública, ressarcimento integral do

dano, caso apurado, suspensão dos direitos políticos, pagamento de

multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber

benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente,

ainda que por intermédio de pessoa jurídica do qual sejam sócios

majoritários, por prazo a ser fixado, não superior a dez anos;

III - Seja determinada a notificação do Município de Caldeirão

Grande, BA, para integrar a lide na qualidade de litisconsorte ativa,

nos termos do artigo 17, § 3º, da Lei Federal nº 8.429/92;

IV - Seja deferida a produção de todas a provas em direito admitidas,

principalmente o depoimento pessoal do requerido, bem como a

juntada dos documentos que acompanham a presente inicial e outros

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que se fizerem mister à completa elucidação e demonstração cabal dos

fatos articulados na presente inicial;

V - Seja o requerido condenado ao pagamento das custas e demais

despesas processuais;

VI - Oportunamente, em caso de decisão favorável ao pedido inicial e

após o seu trânsito em julgado, sejam expedidos ofícios ao Cartório

Eleitoral de Saúde, BA, ao Tribunal Regional Eleitoral e ao Tribunal

Superior Eleitoral, para o fim previsto no artigo 20 da Lei nº 8.429/92.

Em obediência ao art. 282, V do CPC, dá-se à causa o valor de R$ 100.000,00

(cem mil reais).

Jacobina, 30 de Janeiro de 2015.

Milena Moreschi de AlmeidaPromotora de Justiça

em exercício de substituição

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