21

Click here to load reader

  · Web viewNeste trabalho faremos uso da linha de abordagem fundamentada na Sociolinguística, explorando aspectos fonéticos da linguagem,

  • Upload
    hatu

  • View
    212

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1:   · Web viewNeste trabalho faremos uso da linha de abordagem fundamentada na Sociolinguística, explorando aspectos fonéticos da linguagem,

III Seminário Linguagem e Identidades: múltiplos olhares1

A DESPALATALIZAÇÃO DOS FONEMAS /D/ E /T/ NO PORTUGUÊS DA BAIXADA MARANHENSE

*Ana Claudia Menezes Araujo

RESUMO: O presente trabalho trata de uma pesquisa sociolinguística sobre a despalatalização dos fonemas /t/ e /d/ diante dos contextos fonológicos /i/ e /e/ observada na linguagem de falantes da microrregião Baixada Maranhense, no estado do Maranhão. O mesmo objetivou identificar as realizações deste fenômeno fonético de despalatalização nos contextos determinados a partir da análise do corpus coletado. Para a concretização do mesmo, procedeu-se à realização de entrevistas com moradores das cidades maranhenses Viana, São Bento e Penalva, de ambos os sexos, enquadrados nas faixas etárias 18 a 30 e 50 a 65 anos, com grau de escolaridade variado e totalizando uma amostra de 21 informantes, nascidos e residentes nas respectivas cidades pesquisadas e distribuídos em quantidades iguais em cada localidade. A partir da observação dos corpora coletados por meio de questionário fonético-fonológico, observa-se que os informantes quando pronunciam os fonemas pesquisados, despalatalizam-nos. A análise dos dados registra que os falantes moradores da microrregião Baixada Maranhense realizam os fonemas /t/ e /d/ nos dois contextos pesquisados: antes da vogal “i” e antes da vogal “e”, quando esta apresenta som fechado, como linguodentais, divergindo de outras regiões maranhenses que palatalizam os mesmos e caracterizando, assim, a diversidade do português falado no Maranhão.

PALAVRAS-CHAVE: variação linguística, despalatalização, linguística variacionista.

ABSTRACT: This work is a sociolinguistic research about the despalatalization of the phonemes / t / and / d / before the phonological contexts / i / and / e / observed in the language of speakers from the micro-region Baixada Maranhense, in the state of Maranhao. It wanted to identify the achievements of this phonetic phenomenon of despalatalization in contexts determined from the analysis of the corpus collected. To carry out the same, it proceeded to conduct interviews with residents of cities Viana, São Bento and Penalva, of both sexes, framed in age from 18 to 30 and 50 to 65 years, with varying degree of education and total a sample of 21 informants, born and living in their cities surveyed and distributed in equal amounts in each location. From the observation of corpora collected through a phonetic-phonological questionnaire, it is observed that the informants when they recite the phonemes surveyed despalatalizate them. The analysis of the data records that the speakers living in the micro-region Baixada Maranhense realize the phonemes / t / and / d / in both two contexts studied: before the vowel "i" and before the vowel "e" when it has a closed sound, as linguodentals, unlike of other regions of Maranhão that palatalize the same and featuring, at this way, the diversity of Portuguese spoken in Maranhão. KEY WORDS: language variation, despalatalization, variational linguistics.

*Especialista em Língua Portuguesa. Universidade Estadual do Maranhão - UEMA

Page 2:   · Web viewNeste trabalho faremos uso da linha de abordagem fundamentada na Sociolinguística, explorando aspectos fonéticos da linguagem,

1. INTRODUÇÃO

A identidade linguistica de um país como o Brasil é representada por uma grande

quantidade de variedades linguísticas. E até mesmo a uma pessoa não especialista em

estudos sociolinguísticos é perceptível a variação que a língua apresenta ao ser utilizada

por falantes de diferentes estratos sociais, regionais, etários e profissionais, entre outros.

Dessa forma, todos nós, enquanto falantes, estamos propensos à variação, por exemplo, ao

mudar de interlocutor numa conversa, de assunto ou situação de comunicação em que nos

encontrarmos.

Os fatores sociais extralinguísticos podem nos auxiliar na identificação de

fenômenos de variação linguística. E essas variações de origem geográfica, status

socioeconômico, grau de escolarização, idade e/ou sexo diferentes constituem um

multilinguismo nacional, praticado por todos nós falantes brasileiros.

A presente pesquisa surgiu a partir de estudos sobre a Língua Portuguesa e suas

variações fonéticas percebidas no estado do Maranhão, na tentativa de melhor descrevê-las

e compreendê-las. Tomando como objeto de estudo, o falar de moradores da microrregião

Baixada Maranhense, no qual observamos a realização do fenômeno de despalatalização

dos fonemas /d/ e /t/, procedemos à análise de entrevistas aplicadas aos mesmos nas

cidades em que estes residem.

Neste trabalho faremos uso da linha de abordagem fundamentada na

Sociolinguística, explorando aspectos fonéticos da linguagem, focalizando somente o

fenômeno fonético de despalatalização, observado nos corpora coletados. Tomamos como

base teórica, entre outros, os trabalhos de Bagno(2007), Ilari e Basso(2007) e Thaís

Cristófaro (2002), que fazem estudos sobre o uso da língua em contextos sociais variados,

e sobre as diferenças nas pronúncias dos fonemas.

Objetivamos com a realização desta pesquisa, analisar os dados coletados em

campo, mostrando que o dialeto maranhense apresenta variações, assim como o português

falado em diversas regiões do país, a partir da descrição dos fonemas d e t, pesquisados

neste estudo, em contextos específicos. Pretendemos ainda, mostrar a importância do

Page 3:   · Web viewNeste trabalho faremos uso da linha de abordagem fundamentada na Sociolinguística, explorando aspectos fonéticos da linguagem,

III Seminário Linguagem e Identidades: múltiplos olhares3

estudo das variações linguísticas, principalmente, aquelas condicionadas pelo

fator “espaço geográfico”, onde as diferenças linguísticas são mais perceptíveis.

2. A VARIAÇÃO DIATÓPICA

O português brasileiro (PB) constitui-se de um leque de variedades provenientes

de diversos fatores linguísticos e extralinguísticos. É possível perceber, principalmente a

partir da língua falada, quão diverso é o português falado nas diferentes regiões e cidades

brasileiras. Assim, a língua varia de um lugar para outro, e essa variação, também

conhecida como variação diatópica, permite-nos investigar a fala característica de

diferentes áreas geográficas dentro de um mesmo estado, etc.

Entre esses fatores que propiciam à língua variar está a origem geográfica do

falante. Este fator extralinguístico indica que a mesma língua pode apresentar-se de

diferentes formas, a por meio de variedades distintas, cada uma com suas particularidades,

fonéticas, lexicais, etc. Dessa forma, os falantes do PB, mesmo diante de tantas variedades,

estabelecem com seus vizinhos de cidade ou estado, uma comunicação normal, pois a

variação não afeta aspectos substanciais do sistema fonológico e sintático da língua, o que

permite que o gaúcho seja compreendido pelo maranhense ou o mato-grossense pelo

baiano.

Bortoni-Ricardo (2004) trata do assunto dividindo o Brasil em áreas linguísticas,

isto é, em duas grandes áreas dialetais: a Norte e a Sul, cada uma delas subdividida em

sub-áreas, ou diversos falares como: o nordestino , o gaúcho, o mineiro, etc. Esses estudos

fazem parte do campo de trabalho da Sociolinguística, que considera a língua de caráter

eminentemente social , pois a língua e a sociedade são duas realidades que se inter-

relacionam de tal modo, que é impossível concebermos a existência de uma sem a outra.

A Linguística variacionista, a partir dos estudos de William Labov, direciona

maior parte de seus estudos para as variantes fonéticas, uma vez que as variações ocorridas

nos sons da língua acontecem com grande frequência, são mais fáceis de serem observadas

Page 4:   · Web viewNeste trabalho faremos uso da linha de abordagem fundamentada na Sociolinguística, explorando aspectos fonéticos da linguagem,

e descritas. Mas esses fenômenos linguísticos em variação também podem ser lexicais,

sintáticos, morfológicos etc. (CALVET, 2002)

Em seus estudos, Labov aborda as relações entre um fenômeno linguístico e os

traços sociológicos que podem condicioná-lo, como a localização geográfica, a idade, o

grupo social, a faixa etária, etc. Para ele, os fatores externos à língua é que são

condicionadores da variação linguística. (CALVET, 2002) E entre esses fatores externos

citados, a origem geográfica tem grande destaque, pois é possível perceber facilmente as

diferenças no português falado em todo o Brasil. Suzana Cardoso (1998) enfatiza que as

diferenças espaciais ganham destaque em relação às demais porque, na realidade dos fatos,

as evidências de aproximação ou distanciamento dos fenômenos assumem expressão de

maior nitidez e de mais fácil percepção nos espaços físicos, portanto geográficos.

Em meio à diversidade linguística no Brasil, observamos um fenômeno fonético

ocorrente no português falado no Maranhão, especificamente no norte do estado, na

Baixada Maranhense, o fenômeno da despalatalização das oclusivas alveolares d e t, que

são pronunciadas em grande parte das regiões brasileiras como africadas alveolopalatais.

Para que os estudos fonéticos, como o abordado neste estudo, sejam possíveis, é

necessária a delimitação de uma área geográfica. E, a partir dessa escolha do campo, fazer

o trabalho descritivo-analítico dos fenômenos a serem pesquisados, considerando-se

também que “o corpus deve refletir uma realidade mais ou menos coerente” (MARTIN,

2003, p.230). Ou seja, a escolha do corpus da pesquisa depende do fato que se quer estudar

e deve, por sua vez, ser útil para apresentar a língua do local abordado na análise.

Este trabalho de pesquisa que foca a variação diatópica, em que o fenômeno

estudado é condicionado pelo fator extralinguístico “região geográfica” e, principalmente,

quando realizado em diferentes localidades do país, requer dedicação, disponibilidade de

tempo e atenção na coleta e manuseio dos dados. Nas palavras de Caruso (2005, p.380):

Esquecemos de dizer, no entanto, que o trabalho de campo esgota o pesquisador. Imaginem a programação de uma semana de trabalho em 6 localidades, fazendo, digamos, apenas duas entrevistas por dia...não é fácil, é esgotante. A pessoa, por fazer sempre a mesma coisa, semana após semana, se aborrece, só não estoura porque tem diante de si um Informante que está ali para ajudar e que, ao término de sua entrevista com ele, vai lhe dizer, por exemplo, ‘já tô véiu... A memória tá fraca... O sinhô mi discurpa... Eu num sabê respondê tudu’ e ele foi mais um que nos ajudou, que não pediu nada em troca.

Page 5:   · Web viewNeste trabalho faremos uso da linha de abordagem fundamentada na Sociolinguística, explorando aspectos fonéticos da linguagem,

III Seminário Linguagem e Identidades: múltiplos olhares5

Tais trabalhos, enfocando a variação diatópica, e que muito contribuem para o

conhecimento da língua que falamos, têm sido desenvolvidos pela Dialetologia, esta

disciplina que assume a tarefa de identificar, descrever e situar os diferentes usos que a

língua apresenta em contextos espaciais e socioculturais. Cardoso (1998) ressalta que a

preocupação diatópica, seja porque os homens se situam, inevitavelmente, nos espaços

geofísicos, seja porque as línguas e as suas variedades, pelas implicações culturais a que

estão sujeitas e que indubitavelmente as refletem, têm um território próprio, tem sido uma

constante nos estudos dialetais e desde os seus primórdios.

2.1 As variações fonéticas no Maranhão

O Estado do Maranhão, assim como todos os estados brasileiros, apresenta

variações fonéticas no falar de sua população. O projeto Atlas Linguístico do Maranhão –

ALIMA, tem o objetivo de descrever a variedade do português falado no Maranhão, em

diversos aspectos como: fonético-fonologico, morfossintático, semântico-lexical e outros.

Com base nos estudos sociolinguísticos, a partir dos registros encontrados por

esse projeto, é possível observar essa diversidade de variações e conhecer melhor a língua

falada no estado. Como afirma Aragão (1999, p.14) “Os avançados estudos dialetológicos

e sociolinguísticos têm mostrado o quanto o conhecimento dessas variações pode ajudar no

maior aprofundamento das análises linguísticas e no melhor conhecimento das línguas.”

Partindo do princípio da heterogeneidade da língua, segundo o qual “a língua, na

concepção dos sociolinguistas, é intrinsecamente heterogênea, múltipla, variável, instável e

está sempre em desconstrução e em reconstrução” (BAGNO, 2007, p.36), podemos

observar que o português maranhense apresenta, particularmente, variações fonéticas que

distinguem de uma região para outra do estado. É o caso, por exemplo, do fenômeno da

despalatalização de /d/ e /t/ que, na maior parte das regiões brasileiras, inclusive no próprio

Maranhão, são pronunciados como africadas alveolopalatais (dʒ e tʃ), quando seguidos de i

e e (com som de i), tanto orais como nasais.(CRISTÓFARO SILVA, 2002)

Page 6:   · Web viewNeste trabalho faremos uso da linha de abordagem fundamentada na Sociolinguística, explorando aspectos fonéticos da linguagem,

Tal variação fonética apresenta-se com ênfase na microrregião Baixada

Maranhense, localizada ao norte do estado do Maranhão, como já citado. Essa região, de

acordo com o histórico de povoação, residiou grande quantidade de escravos vindos de

Angola, Cacheu e Bissau, que vieram trabalhar nas lavouras de arroz e algodão. E com as

fugas de escravos das fazendas escravagistas, formaram-se muitos quilombos nessa região.

Para Assunção (1996, p.436) esses quilombos no Maranhão, tornaram-se “um fenômeno

endêmico da sociedade escravista.”

Dessa forma, na primeira metade do século XIX, pequenos grupos de escravos

que fugiam de suas fazendas se escondiam nas matas que cercavam essas propriedades.

Essas fugas, por sua vez, aconteciam principalmente nos locais que tinham considerável

número de fazendas e escravos como Alcântara, Viana, Vitória do Mearim, Itapecuru-

Mirim, Rosário, Turiaçu, entre outros. (ASSUNÇÃO, 1996)

O fato da povoação da Baixada Maranhense ter sido feita principalmente por

africanos propiciou a mistura de seus dialetos com os de outros povoadores desses locais, e

isso pode ser uma fonte de explicação de algumas características fonéticas e lexicais do

português falado no Maranhão. Contudo, não é esse o objetivo de nossa pesquisa, que é de

cunho meramente descritivo.

Pode-se perceber que as variações mais notórias apresentadas no PB e,

especificamente, no português maranhense, são de caráter fonético e lexical. E são essas

variações que podem constituir posteriormente, mudanças linguísticas, caracterizando as

diferenças dos dialetos em diversos locais do país. Assim, para Aragão (1999, p.150) “em

todos os processos de variação e consequente mudança linguística é nos aspectos fonéticos

e léxicos que começam todos esses processos de variação da língua que poderão se

cristalizar numa mudança”.

3. AS REALIZAÇÕES FÔNICAS DE /D/ E /T/

O sistema consonantal brasileiro apresenta muitas consoantes, e algumas destas

apresentam alofonia, ou seja, variação na sua pronúncia. Para esta pesquisa, optou-se por

Page 7:   · Web viewNeste trabalho faremos uso da linha de abordagem fundamentada na Sociolinguística, explorando aspectos fonéticos da linguagem,

III Seminário Linguagem e Identidades: múltiplos olhares7

observar as realizações dos fonemas consonantais /d/ e /t/ nos contextos

fonológicos determinados: antes de /i/ e /e/ reduzido.

Os fonemas /d/ e /t/ são, quanto ao modo de articulação, oclusivos, pois são

resultantes do bloqueamento total, mas sempre momentâneo da corrente de ar, em alguma

parte da boca. E quanto ao ponto de articulação, ambos são classificados como

linguodentais ou ápicodentais, em que há o contato do ápice da língua com os dentes

superiores. (LOPES, 2008)

No PB, /d/ e /t/, nos contextos especificados, são pronunciados como

linguopalatais como em [dʒia] e [tʃia] na maior parte do Brasil. É possível observar

todavia, que em algumas regiões da Paraíba, de Pernambuco, do Maranhão e do Sul do

país, os falantes pronunciam os respectivos fones /d/ e /t/ como linguodentais. Ilari e Basso

(2007) ressaltam que o caráter regional das variedades do PB é marcado, entre outros

traços de pronúncia, pela ausência da palatalização de /d/ e /t/, onde:

A palatização (<dente, pratinho, disco> pronunciados [‘dentʃi], [pra’tʃinhu], [‘dʒisku]) é fenômeno generalizado em todo o território brasileiro, com exceção do interior de São Paulo e da região Sul (<leite quente> pronunciado [‘lejte ‘kẽte]; encontrado também em regiões de Pernambuco, do Ceará, do Maranhão e do Piauí)”. (ILARI; BASSO, 2007, p.168)

O processo de palatalização, pelo qual passam as consoantes d e t, “consiste no

levantamento da língua em direção a parte posterior do palato duro, ou seja, a língua

direciona-se para uma posição anterior, mais para a frente da cavidade bucal do que

normalmente ocorre quando se articula um determinado segmento consonantal.”

(CRISTÓFARO SILVA, 2002, p.35) E essa palatalização geralmente acontece com

consoantes seguidas de i, e, é tanto orais quanto nasais.

De acordo com Edward Lopes (2008, p.134):

[...] ora, tanto /i/ quanto o e chamado reduzido (pronunciado como “i”, em late, por exemplo, [‘lati], são fonemas palatais e por isso palatalizam as consoantes /d/ e /t/, emprestando-lhes uma articulação africada e não oclusiva, sendo esta última o modo normal de articulação desses fonemas em nossa língua.

Page 8:   · Web viewNeste trabalho faremos uso da linha de abordagem fundamentada na Sociolinguística, explorando aspectos fonéticos da linguagem,

Nos contextos especificados, todavia, ocorre com d e t o processo de

“dentalização”, a partir do qual algumas consoantes são articuladas como dentais ou

alveolares. Por exemplo, a pronúncia de t em [‘tia] e d em [‘dia], assemelham-se às

pronúncias dos mesmos fonemas em [‘tapa] e [‘data], onde a ponta da língua pode tocar os

dentes (sendo consoantes dentais) ou os alvéolos (sendo consoantes alveolares).

4. METODOLOGIA

Este estudo compreendeu uma pesquisa de abordagem qualitativa e quantitativa,

pautada em pesquisa bibliográfica e considerando as ocorrências dos fenômenos em estudo

na fala dos entrevistados, respectivamente.

A pesquisa dividiu-se em três partes, sendo a primeira, o estudo bibliográfico que

serviu de embasamento teórico para a mesma. A segunda compreendeu a aplicação de

questionários para realização de entrevistas, com o intuito de observar o fenômeno fonético

tomado para análise, a saber, a despalatalização dos fonemas /d/ e /t/ ocorrido na fala dos

informantes. E por último, a análise dos dados coletados para verificação do fenômeno em

questão.

O campo de pesquisa compreendeu três cidades maranhenses, Viana, São Bento e

Penalva, localizadas na mesorregião do norte maranhense e agrupadas na microrregião

Baixada Maranhense. Os informantes selecionados para pesquisa totalizaram 21, sendo 07

de Viana, 07 de São Bento e 07 de Penalva, todos nascidos e residentes nas respectivas

cidades-campo e enquadrados nas faixas etárias determinadas pelo Projeto Alib – 18 a 30 e

50 a 65 .

Os dados foram produzidos a partir de um questionário fonético-fonológico que

segue o modelo usado pelo Atlas Linguístico do Brasil e os mesmos foram analisados

segundo as ocorrências dos fonemas /d/ e /t/ antes de /i/ e /e/ reduzido.

Page 9:   · Web viewNeste trabalho faremos uso da linha de abordagem fundamentada na Sociolinguística, explorando aspectos fonéticos da linguagem,

III Seminário Linguagem e Identidades: múltiplos olhares9

5. O FENÔMENO DA DESPALATALIZAÇÃO DOS FONEMAS /D/ E /T/ ANTES

DE /I/ E /E/ REDUZIDO

5.1 Análise dos corpora

Para a análise dos contextos extraídos das entrevistas realizadas com os

informantes utilizou-se basicamente a análise quantiqualitativa, pautada em pesquisa

bibliográfica e seguindo as orientações da Sociolinguística. Observou-se, então, a

realização dos fonemas /d/ e /t/ nos contextos outrora determinados, a seguir.

5.1.1 Despalatalização do fonema /d/ diante de /i/ e /e/ reduzido.

A análise do corpus demonstra que os 21 inquiridos, correspondente a 100% dos

informantes pesquisados, ao pronunciarem as palavras “dia, perdida, direita e dinheiro”,

realizaram o fenômeno da despalatalização do fonema /d/, como podemos ver nos

exemplos que seguem:

Dia [’dia]

Perdida [pƐƔ’dida]

Direita [di’ɾeita]

Dinheiro [di’ɲeiru]

A realização deste fenômeno na região da Baixada Maranhense, nos municípios

pesquisados, constitui uma diferenciação da maioria dos estados brasileiros, e de outras

Page 10:   · Web viewNeste trabalho faremos uso da linha de abordagem fundamentada na Sociolinguística, explorando aspectos fonéticos da linguagem,

regiões do mesmo estado, que palatalizam a consoante /d/, assemelhando-se à pronúncia do

falar do Estado de Pernambuco e do sul do país. (ILARI; BASSO, 2007)

O fonema /d/ é igualmente pronunciado diante de /e/ com som fechado, em

posições de sílabas átonas, ou seja, todos os falantes entrevistados pronunciaram o fonema

em questão como um som linguodental, como nos exemplos:

Tarde [‘taƔdi]

Hóspede [‘ɔspεdi]

Rede [‘Xedi]

Como afirma Bagno (2007, p.41) “aqui estamos diante de um fenômeno de

variação que não é condicionada apenas linguisticamente, mas também

extralinguisticamente, isto é, condicionada por algum fator de ordem social – neste caso, a

origem geográfica do falante.” E no Brasil, diversas áreas geográficas apresentam o

fonema /d/, nos contextos especificados como linguodentais e não como africadas

alveolopalatais.

5.1.2 Despalatalização do fonema /t/ diante de /i/ e /e/ reduzido.

A partir dos corpora estudados, observou-se na fala dos informantes, que o

fonema /t/ é pronunciado, da mesma forma que ocorre com /d/, ou seja, como linguodental

e não como palatal, tanto diante de /i/ como antes de /e/ átono, cuja pronúncia é fechada.

Vejamos os exemplos:

Tia [‘tia]

Mentira [mẽ’tiɾa]

Time [‘timi]

Tinta [‘tĩta]

Page 11:   · Web viewNeste trabalho faremos uso da linha de abordagem fundamentada na Sociolinguística, explorando aspectos fonéticos da linguagem,

III Seminário Linguagem e Identidades: múltiplos olhares11

Com as palavras “time” e “tinta”, observamos que parte dos inquiridos,

o correspondente a 28,5%, pronunciou a variante africada /tʃ/, mais comum no português

brasileiro e no próprio estado do Maranhão, no qual estão localizados os municípios

pesquisados. De acordo com Bagno (2007) é o contexto fonético, ou seja, a influência de

um fonema sobre o outro, que vai explicar, neste caso, a variação. É o que podemos ver

nos exemplos:

Time [‘tʃimi]

Tinta [‘tʃĩta]

Para Cristófaro Silva (2002:57) “o que condiciona a ocorrência do segmento

africado [tʃ] nos dialetos que apresentam a palatalização de oclusivas alveolares é o fato da

vogal imediatamente seguinte ser [i]”. Assim, embora essa ocorrência tenha ocorrido em

pequena quantidade na fala dos inquiridos, justifica-se pelo contexto fonológico

mencionado por Thaís Cristófaro Silva (2002).

Com o fonema /t/ diante de /e/ reduzido, ocorre também a permanência do

fenômeno de despalatalização, uma vez que o fonema /e/ é pronunciado com som de /i/ em

contextos fonológicos finais de palavras, em posição átona, como nos exemplos a seguir:

Noite [‘noiti]

Inocente [inɔ’cẽti]

Dente [‘dẽti]

Presente [pɾε’zẽti]

Tapete [ta’peti]

Tomate [tõ’mati]

Elefante [εlε’fãti]

Leite [‘leiti]

Page 12:   · Web viewNeste trabalho faremos uso da linha de abordagem fundamentada na Sociolinguística, explorando aspectos fonéticos da linguagem,

6. CONCLUSÃO

Com a análise feita aqui, pudemos observar primeiro, que o português falado no

Maranhão apresenta variações fonéticas, levando-se em consideração o fator

extralinguístico “espaço geográfico”, em que vivem seus falantes. E segundo, que esses

falantes realizam o fenômeno da despalatalização dos fonemas d e t, diante de i e e

reduzido, como buscava descrever e identificar a pesquisa a que nos propomos.

A partir deste exame, observamos ainda, que apenas uma pequena quantidade dos

entrevistados, o correspondente a 28,5%, realizou a pronúncia dos fonemas em questão

como africadas alveolopalatais, através das palavras time [‘tʃimi] e tinta [‘tʃĩta], cuja

pronúncia assemelha-se à da maior parte do Brasil, e também de outras regiões do estado

do Maranhão.

Podemos perceber, portanto, que tais variações fonéticas não afetam a

comunicação entre os falantes da Língua Portuguesa, no respectivo estado onde fora feito

este estudo, caracterizando-se assim, como um fato linguístico comum no uso do PB, e

refletindo, por sua vez, a heterogeneidade social de seus usuários. Como afirma Bagno

(2007) “a língua é uma atividade social, um trabalho coletivo, empreendido por todos os

seus falantes, cada vez que eles se põem a interagir por meio da fala.”

Concluímos, por fim, que os estudos variacionistas do português podem contribuir

imensamente para o conhecimento da língua e das particularidades de cada falar,

permitindo aos pesquisadores e estudantes de linguagem conhecer a identidade linguística

de nosso país e desvencilhar preconceitos incutidos na sociedade.

Page 13:   · Web viewNeste trabalho faremos uso da linha de abordagem fundamentada na Sociolinguística, explorando aspectos fonéticos da linguagem,

III Seminário Linguagem e Identidades: múltiplos olhares13

REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Maria do Socorro Silva. A variação fonético-lexical em Atlas Linguísticos do

Nordeste. Revista do Gelne. Natal, RN, v. 1, n. 2, p. 14-20, 1999.

ASSUNÇÃO, Matthias Röhring. A guerra dos bem-te-vis: a Balaiada na memória oral.

São Luís: SIOGE, 1988.

Atlas Linguístico do Brasil: questionário 2001 / Comitê Nacional do Projeto ALiB. –

Londrina: Ed. UEL, 2001.

BAGNO, Marcos; STUBBS, Michael; GAGNÉ, Gilles. Língua materna: letramento,

variação e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.

______________. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação

linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

______________. Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa. 4. ed. São Paulo:

Parábola Editorial, 2004.

BORONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolinguística na

sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

_________________________. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolinguística e

educação. 2. Ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

CALVET, Louis Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola,

2002.

Page 14:   · Web viewNeste trabalho faremos uso da linha de abordagem fundamentada na Sociolinguística, explorando aspectos fonéticos da linguagem,

CARDOSO, Suzana Alice Marcelino. Que dimensões outras, que não a diatópica,

interessam aos atlas linguísticos? In: CONGRÈS INTERNATIONAL DE LINGUISTIQUE

ET PHILOLOGIE ROMANES, 22., 1998, Bruxelas. Actes... Tübingen: Niemeyer, 2000a.

v. 3, p. 411-416.

CARUSO, Pedro. Metodologia da pesquisa dialetológica. In: AGUILERA, Vanderci de

Andrade de. A Geolinguística no Brasil: trilhas seguidas, caminhos a percorrer. Londrina:

Eduel, 2005, p. 371-380.

ILARI, Rodolfo; BASSO, Renato. O português da gente: a língua que estudamos a língua

falamos. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2007.

LABOV, William. Padrões sociolingüísticos. (Tradução Marcos Bagno, Maria Marta

Pereira Scherre, Caroline Rodrigues Cardoso) – São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

LOPES, Edward. Fundamentos da Linguística Contemporânea. 20. ed. São Paulo: Cultrix,

2008.

LYONS, John. Linguagem e Linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 2009.

MARTIN, Robert. Para entender a Linguística: epistemologia elementar de uma

disciplina. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

MOLLICA, Maria Cecilia; BRAGA, Maria Luiza. (Orgs.) Introdução à Sociolinguística: o

tratamento da variação. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2008.

RAMOS, Conceição de Maria de Araujo; ROCHA, Maria de Fátima; BEZERRA, José de

Ribamar Mendes. A diversidade do português falado no Maranhão: o Atlas Linguístico do

Maranhão em foco. São Luís: Edufma, 2006.

SANTOS, Maria Januária Vilela. A balaiada e a insurreição de escravos no Maranhão.

São Paulo: Ática, 1983.

SILVA, Thais Cristófaro. Fonética e Fonologia do Português: roteiro de estudos e guia de

exercícios. São Paulo: Contexto, 2002.