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1 CELSO AUGUSTO UEQUED PITOL O TEMA DA PEREGRINAÇÃO EM ‘THE SEAFARER’ E ‘THE WANDERER’ PORTO ALEGRE 2013

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1 CELSO AUGUSTO UEQUED PITOL O TEMA DA PEREGRINAO EMTHE SEAFARER E THE WANDERER PORTO ALEGRE 2013 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE LETRAS DEPARTAMENTO DE LNGUAS MODERNAS SETOR DE INGLS O TEMA DA PEREGRINAO EMTHE SEAFARER E THE WANDERER Trabalho de Concluso de Curso submetido Universidade Federal do Rio Grande do Sul para obteno do grau de Licenciado em Letras Autor: Celso Augusto Uequed Pitol Orientadora: Sandra Sirangelo Maggio Porto Alegre Dezembro de 2013 3 4 FICHA CATALOGRFICA PITOL, Celso Augusto Uequed O TEMA DA PEREGRINAO EM THE SEAFARERE THE WANDERER Celso Augusto Uequed Pitol Porto Alegre: UFRGS, Instituto de Letras, 2013. 52 p. Trabalho de Concluso de Curso (Licenciatura Instituto de Letras) Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1. Literatura Inglesa 2. Literatura Anglo-saxnica 3. Leitura4The Seafarer 5.The Wanderer 5 A meus pais, Linda e Celso, e meus irmos, Yasmine, Lcia e Fbio, companheiros de jornada. Sabeisqueestemundo estrada de Peregrinos, e no lugar, nem habitaodemoradores(...)Porisso, enquantoandamoshomensneste mundo, lhes chamam caminhantes Nuno Marques Pereira, Compndio Narrativo do Peregrino da Amrica 6 Agradeoaminhafamlia,peloapoiodesempre,eaminha orientadora,SandraMaggio,modelodemestreeserhumano,aquemserei sempregratopelagenerosidadeepelapacincia.Eregistroaquiaminha lembranaehomenagemmemriadeAnaMariaKesslerRocha,minha primeiraorientadoraeimportanteincentivadoranocomeodeminha pesquisa. 7 8 RESUMO The Seafarer e The Wanderer so dois dos mais importantes textosproduzidos durante o perodo anglo-saxnico da literatura inglesa (isto , aquele compreendido entre os sculos V e XI d.C.). Escritos no extinto idioma anglo-saxo e distantes de ns no tempo e no espao, so, mesmo assim, capazes de entreter e emocionar o leitor moderno. Essas obras, normalmentedefinidascomoelegias,contam-nosdastrajetriasdehomensque,perdidos emaltomar,pem-seameditarsobreasituaodesuasexistnciassobreaterra.Nosso objetivonestetrabalhoprladoaladoestasduasobraseenfoc-lasdentrodotemada peregrinao, central para a constituio de ambas. Para tanto, procuramos situ-las dentro datradioemqueforamproduzidas,pondo-asemdilogocomestamesmatradio,o contextohistricoeospoemaspropriamenteditos,seguindoasliesdeClaudioGuillen, lvaro Manuel Machado e Daniel Henri Pageaux acerca do estudo temtico. Palavras-chave:1.LiteraturaInglesa2.LiteraturaAnglo-saxnica3.Leitura4.TheSeafarer5. The Wanderer 9 ABSTRACT "The Seafarer" and "The Wanderer" are two of the most important texts produced during the Anglo-Saxon period of English literature (between the 5th and 11th centuries AD). WrittenintheextinctAnglo-Saxonlanguageandsomewhatdistantfromusintimeand space,theseworksarestillabletoreachandmovethemodernreader.Thetwopoems, usuallydefinedasElegies,tellusofthetrajectoriesofmenatsea,whomeditateonthe situationoftheirexistenceinland.Ourobjectiveistoputthesetwopoemssidebyside, considering them in the light of thetheme of pilgrimage, which is central to the creation of both. To this end, we seek to situate them within the tradition in which they were produced, putting them in dialogue with this same tradition and their historical context. As we do that, we follow the lessons of Claudio Guillen, lvaro Manuel Machado and Daniel Henri Pageaux about how to develop the study of a given theme. Keywords:1.EnglishLiterature2.Anglo-SaxonLiterature3.Reading4.TheSeafarer5. The Wanderer 10 SUMRIO INTRODUO... 09 11 CONSIDERAES SOBRE O TEMA. 112 11.1 O TEMA NA LITERATURA: PRESSUPOSTOS METODOLGICOS...................................... 112 11.2 OTEMADAPEREGRINAONALITERATURAOCIDENTAL:UMBREVE PERCURSO........................................................................................................ 114 11.3 O TEMA DA PEREGRINAO NA LITERATURA ANGLO-SAXNICA................................. 117 22 A PEREGRINAO EM THE SEAFARERETHE WANDERER ......................... 323 22.1 HISTRICO E COMPOSIO DOS POEMAS............................................................. 323 22.2 ANLISE DO POEMA THE SEAFARER.................................................................. 325 32.3 ANLISE DO POEMA THE WANDERER............................................................... 435 3 CONCLUSO................................................................................................... 442 REFERNCIAS................................................................................................. 944 APNDICE....................................................................................................... 446 9 INTRODUO AoexplicaragnesedafilosofiaocidentalnaGrciaeasuadiferenaradicalpara com as formas de saber anteriores a ela, o filsofo espanhol Xabier Zubiri apontou que (...)aSophianoumsaberquesepossui,masqueseprocurapor pura complacncia: a prpria Sophia apenas filo-sofia. Uma forma de saber(...)emqueodecisivoestjustamenteemserprocurado. Portanto, mais do que uma doutrina trata-se de uma atitude uma nova atitude. (ZUBIRI, 2012, p. 54) Destaforma,ograndepensadorbascoenfatizaopr-seacaminho,estar-senum devirperegrinarcomoatitudeconstitutivadaculturaocidental.Naliteraturanoser diferente,eprovadistoqueumdostextosfundadoresdoOcidente,aOdisseia,trata precisamente desta atitude.Partimos,ento,destesubstratohistricoparadarincio,tambmns,auma caminhada,queseroestudodotemadaperegrinaoemTheSeafarereThe Wanderer. Como todo caminho, o que escolhemos guarda suas dificuldades especficas. Afinal, a escolha recaiu sobre dois poemas do chamado perodo anglo-saxnico da literatura inglesa isto , aquele compreendido entre os sculos V e XI , escritos em idioma morto h quase um milnio, proveniente de tradio literria significativamente diferente da nossa e sobre a qual muito pouco estudo h em nosso pas. Some-se a tudo isto o fato de que, para um dos poemastrabalhadosTheWanderer,noencontramostraduoemnossoidioma,o que nos ofereceu a oportunidade de produzir uma prpria e nos levou para outro campo de trabalho.OresultadodestaexperinciaapresentadonoApndice,aofinaldapresente monografia.10 Importa salientar que este trabalho no comeou a ser feito nesse ltimo semestre. Eleprodutodeuminteressequesevemdesenvolvendodesdenossasparticipaes cinco,aotodoemsalesdeiniciaocientfica,soborientaodaprofessoraAnaMaria KesslerRochaedaprofessoraSandraMaggio,versandosobretemasligadosaouniverso anglo-saxnico.Ganhoucorpo,comopassardotempo,apartirdeleiturasemteoria literria,literaturacomparadaeliteraturainglesa,ondetomamoscontatocomosestudos temticos, que forneceram o substrato terico para a presente pesquisa. Naprimeiraparte,dedicamo-nosadefiniesdeordemterico-metodolgica acerca dos estudos temticos, do conceito de tema e da aplicao prtica para o estudo que desenvolvemos.Logoaps,tratamosdequestesreferentesaotemadaperegrinao dentrodaliteraturaocidentaledaliteraturaanglo-saxnica,prosseguindo,enfim,paraa anlisedostextos.Naconcluso,procedemosacomparao,demonstrandoosresultados obtidos. Tendoemvistaquesetratamdetextosconhecidosprincipalmentepelosseus ttulosoriginais,optamospormant-losnocorpodotrabalho,mesmonocasodeThe Seafarer, que j tem uma traduo publicada em portugus.Umapalavrasobreabibliografia.Tendoemvistaadificuldadeemseobterobras sobreoassuntoque,repetimos,estestreitamenteligadoexperinciahistricae culturaldasIlhasBritnicas-,oslivroseartigosconsultadosforam,majoritariamente,em ingls.Emportugusentraramasduasprincipaisobrasdeconsulta,quetalvezchamema ateno de algum leitor: trata-se do Curso de Literatura Inglesa, de Jorge Luis Borges, e da obraALiteraturaInglesa,deAnthonyBurgess.Solivrosemmuitosaspectossimilares: produzidoscomocompilaodeaulas(adeBurgess,paraestudantesdeinglsdosudeste asistico,eadeBorges,paraseusalunosdeLiteraturaInglesanaUniversidadedeBuenos Aires)epordoisgrandesnomesdasletrasdosculopassado,quetrazemdoisaportes fundamentaisparaotipodeanlisequeaquipropusemos.Aprimeiraoolharnoto acadmicodeseusautores,maispreocupadosemlereapresentardescontraidamentea obraemestudodoquetrabalh-ladentrodeteorias,moldesemtodospr-estabelecidos,emprestandoanlise,antesdetudo,orefinadssimoolhardosgrandes artistas que so. A segunda o espao e o cuidado que destinam literatura anglo-saxnica, 11 muito maior que o da mdia dos trabalhos de consulta da rea. No caso da obra de Burgess o espao destinado no to grande embora seja, em nmero de pginas, praticamente o mesmo que reserva ao estudo de Shakespeare, por exemplo, mas seus poderosos insights sobre o perodo e a relevncia deste para a literatura e cultura de seu pas foram de grande valia. Quanto ao Curso de Borges, nada menos do que um quarto do trabalho dedicado aos anglo-saxes,oqueseexplica,emparte,pelapredileodograndeautorargentinopor estes poemas, os quais chegou a traduzir para o castelhano. Foram esses os principais guias destetrabalho,que,aseumodoesemquererousarumacomparaototalmente indevidacomgigantestambmorientadoprincipalmentepeloprazerdaleituraepelo amorliteratura,companheirosinseparveisdestecaminhoquetrilhamosnocursode Letras, e do qual, esperamos, este trabalho seja testemunho. 12 1CONSIDERAES SOBRE O TEMA 1.1O TEMA NA LITERATURA: PRESSUPOSTOS METODOLGICOS Cumpre,antesdetudo,determo-nosumpouconadefiniodoobjetodeestudo, isto , no tema literrio. No tarefa fcil: o conceito varia de pas para pas e de autor para autor, deixando margem para vrias incompreenses que, por si ss, perfazem um problema parteenfrentadopelosacadmicos.Emartigopublicadoem1988narevistaNew Comparison, o comparatista Holger Klein aponta que that so often lamented terminological chaosandwronglingshouldnotmesmerizeus(KLEIN,1988,p.2)convidandoosseus colegasaenfrent-lo.OproblematambmnotadoporCristinaNaupert,quelamentaa inseguridad terminolgica presente nos estudos temticos. (NAUPERT, 2001, p. 64). Nossasadafoiprocurarcomumadefinioradicalque,porserradical,pode abarcartodasasdemais,divergentesemumpontoounoutromasconcordantesnaidia central. A definio a dos investigadores lvaro Manuel Machado e Daniel-Henri Pageaux, paraquemotematudoaquiloqueelementoconstitutivoeexplicativodotexto literrio,elementoqueordena,geraepermiteproduzirotexto.(MACHADO&PAGEAUX, 2001,p.91)Estadefiniopeemrelevoocarterordenadoreestruturantequeele confereobraliterria.Otemaguarda,assim,relaocomaprpriaestruturadaobra ordenando-a,sendo,segundoosinvestigadores,umelementomediadorefundador: mediadorentreohomemesuaculturaefundadordotexto,doqualconstituias estruturasprofundas(relacionandoassimotextoaoimaginriocolectivoe/ouindividual (Idem).Apontamosautoresqueotema,aumtempo:a)amatriahistricaecultural presente nos textos a serem analisados; b) a abordagem potica, reveladora do modo como so estabelecidas as relaes entre o tema e a estrutura formal da obra; c) o fio condutor do estudo, que permite a passagem de um texto a outro (Ibid, p. 93).13 JCristinaNaupert,emseutrabalhodedicadoaoassunto,sublinhaocarter dplicedaexpresso:Temasedesdoblabasicamenteendosestratosdesignificado:uno, contenidoenlaequiparaciondetemaconfabulapreestabelecida(tema=Stoff);otro,ms generalyabstracto,dondetemaabarcaideas,sentimientos,problemasyconceptosdeun alcance muy difuso.(NAUPERT, 2001, p. 123) A definio de Machado e Pageaux aproxima-se, assim, deste ltimo significado apontado pela autora alem.O estudo do tema dizem Machado e Pageaux exige que o texto seja alvo de duas leituras: primeiro, uma leitura que o entenda como universo coerente; segundo, uma leitura que procureumsentidonointerior destetexto enocampohistricoe cultural aoqualele pertence. Assim dizem os autores passa-se obrigatoriamente duma anlise formalista ou estruturalista do texto para uma anlise intertextual e cultural. O texto literrio o lugar dialcticoondesearticulamestruturastextuaiseextratextuais,participandootema, justamente,dasduassries.Oestudotemticorevela,afinal,claramente,asduasfases indissociveisdainvestigaoliterria:oestudodofuncionamentointernodumtexto(dum tema num texto, a leitura contribuindo para pr em evidncia, para reconstituir um conjunto defunes)eoestudodafunosocialeculturaldessemesmotexto.(MACHADO& PAGEAUX,2001,p.94)Concluementoosautores,oestudotemticooscilaentrea ideologia (histriadas idias, relaes entre literatura e histria) e o imaginrio, que uma outra maneira de interrogar a histria. (Idem) Otema, assim,aquilo queagrupaesteselementos textuais,e ofaz,naspalavras de Claudio Guilln,by providing links with life andwith literature. Ouseja, o tema no se esgotadentrodaobraoudentro daliteraturamesma,masestemrelaocomomundo. Por isso, Guilln, ao falar do tema dentro da poesia, fala-nos da tripla ligao que o tema estabelece: com a poesia, com o mundo e consigo mesmo. (GUILLN, 1993, p. 196) Quem se aventura num estudo temtico precisa ensina Guillneleger, extrair, citaraqueleselementosparciaisqueconstituemotemaequesoagrupadospela interveno do leitor.(GUILLN, 1993, 192) Afinal, como vimos, sendo o tema um elemento ordenador dentro da obra literria, devemos ns, como leitores, ter em mente aquilo que ordenado e atentar para o fato de que os temas dentro de uma obra no esto isolados, mas sim interligados. Assim, conforme sublinha Brunel, no ocorreria ao esprito tratar do tema 14 doamornoteatrodeCorneillesemestudarsuasmltiplascombinaescomotemada honra. (BRUNEL, 2000, p. 111) Esta atitude crtica deve levar em considerao aquela tripla ligao de que Guilln falaisto,queotematemcomaliteratura,comomundoeconsigomesmoeque encontra ressonncia na afirmao de Luz Aurora Pimentalde que no se concebe um tema semestarinscritoemumatradioliterria.CristinaNaupertconcordaeafirmaque,para umestudotemticovalerapena,devemosconsiderarastradicionessupranacionalesque Formandentrodelsistemaliterrioalrespectocuatrograndesreasquesuministrande manera incesante este material que nutre las literaturas por encima de fronteras polticas y lingsticas.(NAUPERT, 2001, p. 95) Essastradies,segundoNaupert,soquatro.Aprimeiraolegadodamitologia Greco-romana; a segunda, a tradio mtico-religiosa do cristianismo; a terceira so o acervo delendaspopulareseaquartasoosmitosliterrios,oriundosdoimaginriopopular extraliterrio(como DonJuanouFausto)oudoimaginriodatradio literria(comoDom Quixote ou Hamlet), sem nunca esquecer a Histria, que tambm fornece figuras de relevo prontasparavirarmatrialiterriaoufamosasbatalhaseguerrasque,segundoela,han entradoaformarpartedelentramadodetextosliterriosdediferenteslenguas.(Idem,p. 95). Assim, nosso percurso que ora inicia segue por uma investigao sobre o tema escolhido aperegrinaodentrodaliteraturaocidental,paradepoisparticulariz-ladentroda literatura anglo-saxnica, onde se situam as obras escolhidas como objeto de nosso estudo: The SeafarereThe Wanderer. 1.2OTEMADAPEREGRINAONALITERATURAOCIDENTAL:UMBREVE PERCURSO Antesdedarmosincioaopercursoquenospropusemostomar,importante, assimcomofizemosanteriormentecomoestudodotema,abordarmosaquestoda definiodeperegrinao.ConformenoslembraDeeDyasemPilgrimageinMedieval EnglishLiterature,apalavraperegrinovemdeperegrinusemlatim(per,atravs,e 15 ager,terra,aquelequepassaatravsdasterras).(DYAS,2001,p.1)Osignificadode peregrino era o de andarilho: um viajante oriundo de terras estranhas. Na traduo latina da Bblia,aVulgatadeSoJernimo,foiotermoutilizadoparatraduzirohebraicogur (presente no AntigoTestamento) e o grego parepidemos (residente temporrio), sempre no contexto da relao do povo de Deus (o Israel do Antigo Testamento e seu sucedneo no NovoTestamento, a comunidade crist, o Novo Israel). Est presente naCarta aos Hebreus (11:13-14), onde percebe-se a presena da noo de peregrinao como alheamento:13. Todos estes morreram na f, sem terem alcanado as promessas; mastendo-asvistoesaudado,delonge,confessaramqueeram estrangeiros e peregrinos na terra.14. Ora, os que tais coisas dizem, mostram que esto buscando uma ptria A Carta aos Hebreus um texto de especial importncia para se definir as atitudes cristsfrenteperegrinao,dadaaimensainflunciaqueexerceunasideiasmedievais sobreoassunto(DYAS,2001,p.6).Acristandadelatinaentendeuaexpressodemodo semelhante,denominandoperegrinusaoresidenteempasestrangeiro,cujacondio essencialnodesfrutardostatusdecidado.AdefiniodeSantoAgostinhonosseus Comentrios aos Salmos clara: chamam-se peregrinos os que habitam numa ptria que nosua(RUFINO,2011,p.114).Eeleestendeotema,logofrente:Todohomem peregrino nesta vida. (Idem, p. 115) A partir da a expresso peregrino comea a ganhar outro sentido. So Cipriano de Cartago, em seu tratado Sobre a mortalidade, diz: Weshouldconsider,belovedbrethren,andweshouldreflect constantlythatwehaverenouncedtheworldandasstrangersand foreignerswesojourn here fora time. Letusembrace the day which assignseachofustohisdwelling,whichonourbeingrescuedfrom hereandreleasedfromthesnaresoftheworld,restoresusto paradise and the kingdom (CIPRIANO: 1958, p. 220) Assim,operegrinoumestrangeiro,eaperegrinao,entendidanosentidoque ganhou,comoelviajeindividualocolectivohaciaunlugarsanto,efectuadopormotivos 16 religiososyenespritudedevocin.Emais:extraamiento,portanto,desarraigo, incomodidad,penalidades,sacrificio,provisionalidad,constituyenalgunosdelosvocablos quesolemoscolocarenelcamposemnticode"peregrinacin".(GARCADECORTZAR, Disponvelem:http://www.vallenajerilla.com/berceo/santiago/homoviator.htm.Acessoem: 12 out 2013)Aestaviagemoperegrinoseentregaafimdebuscaramudanainteriorou conversoeoaperfeioamentoespiritual.Ocavaleiroerrante,omongeeoperegrino procuram no se deixar contaminar pela loucura e alienao deste mundo, at encontrarem ordem e estabilidade. (Idem) A expresso peregrinao surge no mundo latino e cristo, mas a ideia de viagem dotadadesentidotranscendenteoantecedeemmuito.CristinaNaupertapontaasquatro fontesdeondenasceatradioliterriaOcidental:olegadoGreco-latino,otextoda Revelao Crist, as lendas populares e os mitos literrios estabelecidos (NAUPERT, 2001, p. 95).Diantedisso,percebemosclaramentequeestasfontesapresentamaperegrinao comoumpontoimportante.Istoterressonnciaemvriasobrasdaliteraturaocidental, comeando por um dos seus textos fundadores, a Odissia. A viagem de Ulisses ali, e depois a de Enias, na Eneida so, de certa forma, peregrinaes. Da mesma forma temos a viagem de Dante, guiado por Virglio, do inferno ao paraso na Divina Comdia. Lemos no canto XXXI do Paraso, linhas 43 a 48: Bem como o peregrino considera O templo, a que seu voto o conduzira, E o que v recontar, tornando, espera, Na ardente luz a minha vista gira De degrau em degrau, e agora acima, Abaixo logo e em derredor remira.1

1 ALIGHIERI, Dante. A Divina Comdia. Disponvel em: . Acesso em: 16 nov. 2013. 17 QuasecontemporneodeDante,ChauceremseuTheCanterburyTales(Contos daCanturia) pede a intercesso do altssimo: And Jesus, by his grace, send me the wit To show you, while on this trip we engage, The way of that most glorious pilgrimage Called heavenly Jerusalem2. Como diz Lus Andr Napomuceno,Aperegrinao,comoassuntoliterrio,temrazesna prpriacondiohumana,sobopontodevistahistrico ou metafsico, j que exprime a situao do ser destitudo desuaantigamoradadivinae,portanto,exiladoemsua prpria terra.(NAPOMUCENO, 2002, p. 121) No sculo XVIII, Byron deixou-nos Childe Harolds Pilgrimage, que tambm trata do tema.JnosculoXXtemosaperegrinaoempoemascomoMarina,deT.S.Eliot;ou Sailing to Byzantium, de Yeats, que o definiu como um poema que simboliza a busca pela vida espiritual atravs de uma jornada a Bizncio. PhillipEdwards(2009)nosfornecedoissignificadospossveisparaoperegrino:o primeirooviajantesolitrioparaumlocalembuscadecomunicaocompoderes superiores;osegundo,queelechamadeperegrinuspropriamentedito,jrecebeua iluminaoeviajaparaaprofund-la.(EDWARDS,2009,p.23)Estadistino,conforme veremos a seguir, ter importantes decorrncias no trabalho. 1.3 O TEMA DA PEREGRINAO NA LITERATURA ANGLO-SAXNICA

2 CHAUCER, Geoffrey. The Canterbury Tales. Disponvel em: . Acesso em: 15 nov. 2013. 18 Damesmaformaqueprocedemosnoscaptulosanteriores,iniciamosaqui desenvolvendo um conceito, o de literatura anglo-saxnica. Entendemo-la como a literatura produzida nas Ilhas Britnicas entre os sculos VI e XIem latim ou em idioma anglo-saxo3, ouseja,entreduasinvases:adosanglos,saxesejutosentoprovnciaromanada Bretanhaeadosnormandos,lideradaporGuilherme,oConquistador,em1066.Este perodomuitosqualificamdeAnglo-SaxonEngland4,ouInglaterraanglo-saxnica expresso que tambm adotaremos aqui. A invaso germnica arrasou a cultura dos povos autctones e empurrou-os para o Oeste,almdeterdeixadopoucosresquciosdaculturalatinaentoexistente.Osanglo-saxes, ao que parece, pouca importncia deram, a princpio, civilizao celta-romana que ajudaramadestruir,dando-lhesoeptetogenricodeWellas,quesignificaestrangeiros, antepassado lingstico de Welsh, galeses, descendentes daquele povo.Estaatitudededesdmsmodificou-seapartirdaconversooperadaporSanto Agostinho(noosantodeHipona,autordeACidadedeDeus,esimSantoAgostinhoda Canturia),nofinaldosculoVI.Nestemomento,conversosignificalatinizao.Como ocorreuaoutrospovoseuropeus,comadoodocristianismopelosanglo-saxesveioo influxodeculturalatinaquesempreacompanhouestesprocessosnaEuropa.Aomesmo tempo,tomoucorpoamiscigenaoentreostrspovosgermnicospredominantesque, apesardesuasgrandessemelhanas,possuamsuasparticularidadesecaractersticas distintivas, que se mantiveram por algum tempo depois de aportarem em solo britnico. Aos poucos, tornaram-se um s os englisc, antepassados dos English, os ingleses de hoje. Seriamreceptores,almdoinfluxolatino,dainflunciadocristianismoirlands. Convertida por So Patrcio no sculo V, a Irlanda seria, neste momento de queda da cultura e da civilizao clssica, um local de refgio e de renovao desta cultura, desaparecida em outros cantos da Europa. Numerosas misses de irlandeses atravessaro o mar da Irlanda e

3Duas so as expresses normalmente utilizadas para definir o idioma falado na Inglaterra entre os sculos V e XI: anglo-saxo ou ingls antigo (Old English). Aqui preferimos o uso do primeiro. Ingls antigo daria, segundo entendemos, a idia de que h uma continuidade sem interrupes bruscas entre o idioma daquela poca e o inglsmoderno,quandonoassim:asintaxe,amorfologiaegrandepartedovocabulriodosdoisidiomas diferemimensamente.Oanglo-saxo,assimcomoosidiomasgermnicosemgeral,erasinttico,contendo casosedeclinaes,aocontrriodoinglsmoderno.Grossomodo,poderamosdizerqueoanglo-saxoest para o ingls moderno como o latim para o portugus. 19 levaro Inglaterra o seu cristianismo monstico, seus manuais de filosofia, suas belssimas obras manuscritas e seu fervor religioso.Tudoistoirserefletirfortementenamaneiracomoosanglo-saxesabordamo temadaperegrinao.Duastradiessedestacamnointeriordestanovaigreja,segundo Dyas:primeiro,ajmencionadatradiodocristianismocelta,queenfatizaoexlioporsi mesmo, com significado espiritual de sair de casa e da terra natal em direo a Deus atravs do desconhecido. Para o monge irlands (e depois, para o anglo-saxo) o mar servia como se fosseodesertodospadresdodeserto(porquemforammuitoinfluenciados)daIgreja doorienteMdio,ouseja,olugarondelutavamespiritualmentecontraasforasdomal. (DYAS, 2001, p. 96). Um escriba irlands annimo descreveu assim a peregrinao perfeita:The Lord Himself gave this friendly counsel ... unto Abraham ... thatHe should leave his own country ... and thathe should go for his pilgrimage into the land which God would show him, to wit,theLandofPromise...NowthegoodcounselwhichGod enjoined here on the father of the faithful is incumbent ... on all thefaithful;thatistoleavetheircountryandtheirland,their wealth and their worldly delight for the sake of the Lord of the Elements,andtogointoperfectpilgrimageinimitationof him.(Idem) Emsegundolugar,temosatradiodaIgrejaromana,quedmaiornfase peregrinaoalocaissantosdocristianismo(achamadaperegrinaogeogrfica),citada nocaptuloanterior.UmexemplodainfluncialatinasevnaobradoVenervelBeda, autor de textos onde encara a vida como uma peregrinao baseada nas vidas dos santos latinos aparece como modelo ideal de existncia em Cristo. (DYAS, 2001, p. 91) Em idioma anglo-saxo, temos a Homilia V das Blickling Homilies, onde se l: Lo! we know that all the glory and comeliness (beauty) of this life hieth and hasteneth to an end, for the body grows old, and its beauty fades and returns to dust. (...) Verily,thegloryofthisworldisbriefandtransitory,butthe glory of the Lord continueth for ever (ANNIMO, 2000,http://www.yorku.ca/inpar/Blickling_Morris.pdf) 20 Na Homilia II se l: Thereforeitisneedfulforustoperceivetheblindnessofour pilgrimage;weareintheforeignlandofthisworldweare exilesin this world, and so have beeneversince the progenitor ofthehumanbrokeGod'sbehests,andforthatsinwehave beensentintothisbanishment,andnowwemustseekhere-after another kingdom,either in misery orin glory, aswemay nowchoosetomerit.(ANNIMO, 2000,http://www.yorku.ca/inpar/Blickling_Morris.pdf) JaobraGuthlac,baseadanavidadosantoanglo-saxohomnimotambmtraz essa temtica. Aqui, lhe ensinam o que a peregrinao: My beloved son, be thou not too sad at heart ; I am hastening onmywaytotakeadwelling-placeonhigh,yearningfor rewardinthateternaljoyforallmyformerworks,toseethe Lord of triumph. Mybelovedson,'tisnomiseryformenorhardship,toseek glory'sGod, heaven'sKing, where is peace and bliss,joy of the exalted,andtheretheLordispresent,whomI,withallthe secret powers of my soul, with all my mind and strength, during thismournfultide,haveeagerlydelightedwithmydeeds.I knowthattherewardisfaultless,alastingrecompense,holy uponhigh;myheart'sdesireistoseekthatplace;mysoul strivethfromitsbody'svesseltoreachthatlastingjoy'mid blissfulhappiness.Thisearthlyhomehathneitherpainforme norsorrow;Iknow,forme,aftermybody'sfall,thereisan endless recompense.(ANNIMO, http://archive.org/stream/exeterbookanthol00goll/exeterbookanthol00goll_djvu.txt. Acessado em 14 nov 2013) TemosaquiodesejoinadiveldebuscaraDeusondeEleestiver,recebendopor issoumarecompensaincomparvel.Jaqui,mostracomodeveagirquandoseperdeo mestre: Courage is best for him who must too oft experience sorrow at hismaster'sbale,anddeeplypondero'erhisgrievousparting fromhislord,whentheseasoncometh,wovenwithfate's 21 decrees;heknowethit whomustpine withsorrowingsoul;he knowethhisgenerousdispensertobehiddenintheearth; boweddown,lamenting,hemustdepartfromthence.He lackethalljoy,whosufferethoftentimesafflictionssuchas these in his sad soul. I have no cause, forsooth, to be gladsome at his journey hence.(ANNIMO, http://archive.org/stream/exeterbookanthol00goll/exeterbookanthol00goll_djvu.txt. Acessado em 14 nov 2013) Estes dois pontos a busca por Deus, acompanhada da rejeio do mundo e a perda do mestre mostrar-se-o concatenados nos poemas que analisaremos. O homem sem um senhormostra-sesemrumo,semalgumqueooriente.Eleseventosemprumoat quebuscaaDeus,omestrequenuncamorre,eterno,perene,aocontrriodosenhorda tribo ou do reino, que perece assim como todas as coisas desta terra.A leitura do poemaExodus, que fala do captulo do xodo, na Bblia, nos revela a maneiraparticularcomoosanglo-saxesentendiamarelaoentreviagemmartimae peregrinao:osisraelitassochamadosdesaemeneosegpcios,landmenn.A interpretaoquesedadequeumficanaterra(egpcios)enquantooutroperegrina numa viagem casa celestial. Ou, como diz Dyas, ExilefromEdenandalienationfromGodwasthecommon punishmentforsinvisiteduponAdam,Eveandalltheir descendants;pilgrimage,thatisavoluntaryleavingofone's home,wastheresponsesubsequentlyrequiredofAbraham andhisdescendants13ifanewrelationshipwithGodwereto be established.(DYAS, 2001, p. 109) Chama ateno a identificao que faz entre o mar e a peregrinao: OfparticularinteresttostudentsoftheSeafarer,however,is theapparentlyeccentricuseofsea-imagerytodescribethe progressoftheIsraeliteexilesacrossthedesert.Thefactthat the people of Israel are here identified not merely as wraecmen but as saemen, argues a strong link in the mind of the Exodus-poetbetweentheconceptofbeingGod'sobedientpeopleon the move and sea travel. As far as I am aware, no clear patristic source for this particular equation has been identified.(Idem) 22 Quemseaventuranomarabandona-sevontadeepiedadedivina:quem permanece em terra busca segurana e conforto. A terra representa as alegrias mundanas e asegurana,eomar,oprostar-seanteodesejodeDeus.ComodizDyas,Inallegorical terms it seems that the Christian viator became in Anglo-Saxon thought a Christian seafarer. (Ibid.,p.112)Ouseja,paraperegrinar,elenoselanaperegrinaoporterrasignotas, mas sim ao mar desconhecido. 23 2 A PEREGRINAO EM THE SEAFARER E THE WANDERER 2.1 HISTRICO E COMPOSIO DOS POEMAS AdataemqueTheSeafarerfoicompostoincerta.Certaouquaseisso apenasapocaemquefoiencontrado:porvoltade960d.C.Estudosfilolgicosapontam para a possibilidade de ter sido composto em Mercia, na metade do sculo IX. Quanto a The Wanderer, estudos similares do como data provvel de composio alguma poca no final dosculoIX,provavelmenteemEastAngliaouNorthumbria.(KLINCK,2001,p.19). possvelqueospoemastenhamsidocompostosmuitoanteseregistradosdepois,como freqente na poesia de povos de letramento recente ou incipiente. The Seafarer e TheWanderer so dois dos textos presentes no chamado Exeter Book, assim denominado por terem sido doados para a Catedral de Exeter no ano de 1072. Aliestotambmoutrostextosliterriosanglo-saxnicosdegrandeimportncia,como DeoreTheRuin.Apocaemqueessestextosforamdescobertoscoincidequaseque perfeitamente com o meio-caminho entre as duas invases que os anglo-saxes sofreram: a primeirapelosvikings,nosculoanterior,equeocasionouadivisodailhaem878pela Danelaw(umtratadoquedeterminouolimitedoterritrioocupadopelosnrdicos)ea segundaseriapelosnormandos,comandadosporGuilherme,oConquistador,em1066, pondo fim aos tempos da Inglaterra anglo-saxnica. Foi um perodo de grandes tribulaes, deviolnciadestruio emortes, queummongedapocaresumiubemnaseguinte frase: Summapiagratia nostra conservando corpora et custodita, de gente fera Normannicanos libera, quae nostravastat, Deus, regna5.

5Nossagraasupremaesagrada,protetornossoedoquenosso,livrai-nos,Deus,daraaselvagemdos Homens do Norte que destroem nossos territrios. (Traduo minha do original, encontrado em BIRRO, Renan Marques. Uma histria da guerra viking. Vitria: Dll/ufes, 2011.P.85. ) 24 Os manuscritos originais de The Seafarer e The Wanderer que chegaram at ns sotextosrelativamentecurtos.primeiravista,umleitorquedesconheaoidiomano perceberquesetratadeumpoema.Noentanto,casoseaproximedosmanuscritos,ele notar a presena de pontos, traos ou espaamentos entre algumas palavras. Talvez ele se sinta ento inclinado a pensar que se trata da diviso de linhas de um verso para outro. E se enganarnovamente,sendoesteumenganoaindamaisprovveldeocorrercasosetrate deumleitorbrasileirooudeumidiomaneolatino:eleestardiantedeumacaracterstica, senoalheia,aomenos raranosnasualiteraturanacionalcomonatradiopoticada qual faz parte: a headrhyme.Trata-sedoempregodaaliteraonocomeodaslabatnica,umrecurso estilsticomuitopresentenapoesiadosantigospovosgermnicos.Aaliteraoconsiste, segundoodicionrioDeltaLarousse,narepetiodefonemasnoincio,meioefimdos vocbulosprximosoumesmodistantes(desdequesimetricamenteopostos)emumaou maisfrases,emumoumaisversos.Emgeral,estetipodeconstruopoticaexigeum verso de quatro acentos, dividido ao meio por uma cesura, geralmente entre o segundo e o terceiro acento. No caso do manuscrito de Exeter, os pontos e espaos marcam as cesuras e a separao entre linhas.Esterecursoenfatizaoaspectooraldapoesia:ssepodecompreender perfeitamente o impacto esttico do poema ao declam-lo, e a o leitor-ouvinte ter acesso a uma poesia pulsante e viril, onde os sons duros do idioma anglo-saxo parecem marcar um compasso percussivo. Outrorecursomuitocomumnapoesiaanglo-saxnicasoaskennings,tambm presentes em outras literaturas germnicas. Trata-se de expresses compostas com sentido metafrico,servindocomosinnimodeexpressessimples.Exemplosdekenningsso hwalweg, literalmente estrada da baleia, usado como sinnimo de mar, ou breosthart, literalmente tesouro do peito, como sinnimo de corao.Apesar de haver discusso sobre qual o gnero dos poemas, a posio mais aceita a de que se trata de uma elegia. No entender de Jorge Luis Borges, porm, o termo elegia equivocadousadoparadefinirpoemascomoTheSeafarereTheWanderer,umavez 25 quetradicionalmenteaselegiasexistemparaselamentaramortedealgum.(BORGES, 2002,p.72).Nomesmosentido,AnneKlinckentendequeoconceitodeelegiaanglo-saxnica no o mesmo do conceito clssico de elegia (KLINCK, 2001). Por isso, merece um conceitoparte,dadopeloestudiosoStanleyGreenfield:"arelativelyshortreflectiveor dramaticpoemembodyingacontrastingpatternoflossandconsolation,ostensiblybased uponaspecificpersonalexperienceorobservationandexpressinganattitudetowardsthat experience" (GREENFIELD, 1989,p.94). 2.2 A ANLISE DO POEMA THE SEAFARER TheSeafarercompostodetrssees,maneiradossalmos.(DYAS,2001,p. 119).Aprimeiraseo(linhas1a33)correspondeaoplanteamentodoproblemado narrador,ondesocolocadastodasasprovaespelasquaispassou.Onarradorfiela Deuseasuajornada,mastemmomentosdedorpelaprovao,havendomomentosde ansiedade,tristeza,queixaspeladifcilvidaescolhida.Asegundaseo(linhas33ba102) mostra o dilema do narrador e seu desejo por partir em viagem, concluindo que o mundo fugaz, o homem fraco e a riquezanada traz de essencial.A terceira (linhas 103 at o final) enfatiza a grandeza do criador e exorta o leitor a participar com ele na busca por Deus. The Seafarer, aqui traduzido como O Navegante, tem incio com uma declarao explcita das intenes do seu autor6: Quero cantar eu mesmominha vera verso Versar vrias viagensde como dias Duros, rduos, tristezas enfrentei,

6 Annimo. O Navegante/The Seafarer. Traduo e posfcio de Rodrigo Garcia Lopes. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004. 26 Amargas angstiassuportei a ss,Moradas de mgoaprovei na popa As torres terrveisdas ondas onde A nervosa noturna vigliame levava at a proa Roando os recifes.Algemado pelo gelo,Meus ps presospelos ferros do frio Enquanto o sofrer suspiravaquente em volta do peito Fome feroz dilaceravapor dentro o corao Marexausto. Eledeseja,aomenosnestemomento,contaraoshomensqueoleemasgrandes dificuldades pelas quais passou a bordo. Borges, em sua leitura do poema, percebeu a uma marcadesubjetividadeinditaparaohomemmedieval,prefigurando,decerta,poemas como Song of Myself, de Whitman. (BORGES, 2002) A seguir, nas linhas 12 a 16, o Navegante estabelece o contraponto entre a cidade e o mar: Disso nada sabe Quem nas cidades se distraiquem nunca deixou terra firma Como eu (cansado e miservel)no mar glacial Um inverno vivipelas trilhas-do-exlio Privado de minha tribo. A contraposio no se d somente entre cidade e mar, mas, mais genericamente, entreterra-firmaeomar.Nacidade,ohomemsedistrai,avidav;naterrafirmeh segurana, h o conforto acomodado e no o caminho do exlio, o wraeclast, expresso que tambm aparece em outros poemas anglo-saxes. Vemosaquiadistinoentreterraemar,que,comovimos,capitaldentroda literaturaanglo-saxnica,comomarfrequentementesendosinnimodeperegrinao,de vidareligiosamenteorientada,ondeaspessoasembarcamemviagensparaencontrara 27 Graa;eaterra,aocontrrio,comoolocalondetalperegrinaonoocorre,ondeo homemsente-seseguroenosaiembuscadeDeus.(cf.DYAS,2001,p.108)Aomesmo tempo, o mar o lugar onde o perigo se mostra e onde o homem arrisca a vida, sofre com as durezasdaexistnciaeasdificuldadesquefazempartedaperegrinaoacrescentam-lhe um significado profundo, at mesmo em termos iniciticos. Ja terra, por sua vez, o lugar seguro,queimpedequetudoissoocorraeohomemnosetransforme.Adoreas dificuldadesesto,a,comoemoutrosmomentosdapoesiadeinspiraocrist, intimamenteligados:comovistoanteriormente,lembroquenopoemaanglo-saxo Exodus,osegpcios-inimigosdoPovodeDeus-soos"landmenn"(homensdaterra), enquanto os israelitas, o povo de Deus, so os saemen" (homens do mar).(Idem, p. 109) linha16,opoetarevela-seprivadodesuatribo.Estanoumadeclarao vazia. Aqui eledeixa mostra que a relao tribal decomitatus isto , uma relao entre senhor e cavaleiro baseada sobretudo na honra e na confiana - se perdeu, relao esta que centralssima para o homem anglo-saxo. Entre as linhas 19 e 26, ele diz: s vezes s a cano do cisne Me divertia;rudos de mergulho Cantos de maaricoem vez de riso humano, Gritos de gaivotaseram meu hidromel.Tempestades espancavam penhascos,as andorinhas respondiam (Suas asas geladas)sempre ao grito da guia (Geada:suas asas).Nenhum parente aqui Pra proteger e consolarminha alma miservel. Elelamentaasolido,ondesacanodocisneodiverteeondenohavia parenteparaajud-lo.Tambmimporta,aqui,destacarafaltadosparentes.A importnciadavidafamiliardentrodomundoanglo-saxnicocapazdeprotegere consolaraalmamiservel.Nota-se,aqui,adescriodaviagemmartimacomoalgo doloroso, triste, como vemos entre as linhas 26 e 30: 28 Pois os que aproveitam os prazeres da vida No conforto das vilasde suas vidas vazias Vaidosos e alegres de vinhomal adivinham Que cansao suportei na senda do oceano. Oautorretomaaquiaoposioentreaexistnciasemsentidoevnascidades vidavaziadedicadaaosprazeresmundanos,eavidaduradomar,avidaverdadeira, onde o caminho do peregrino se d. H uma clara condenao a este estilo de vida, vazio e cheio de vaidades. Logo frente, ele sente uma espcie de chamado (linhas 33-38): Pois meu peito se agita, Provoca meu pensamento,quer que eu me lance Nessas ondas imensasno tumulto das cristas-de-salMeu desejo sopra sempreo esprito pra frente Me quer desterrado,longe daqui Errando atrs de terras estranhas. ONavegantesenteoseupeitoquererqueselanceaomar,iratrsdeterras estranhas um verdadeiro chamado selvagem e um enfatizar da sujeio vontade de Deus.Eumchamadorepletodesignificadoseumaverdadeirahonrariaparaquemo recebe, como ele mesmo diz(linhas 39-46): Pois no h ningum no mundode esprito mais orgulhoso Nem com tal dom de se doar,nem to viril na juventude, Nem to valente em seus feitos,nem to temente a Deus, Que aquele que navegandonunca tem medo Do destino que Deus lhe preparou. No pensa em harpejos de harpanem recompensas, Nem carinhos de mulhernem delcia mundana, Nada a no ser no incessanteoscilante oceano. 29 Eleemnadapensa,excetonooscilanteoceano.Aseguirvemosumtrechoque parece anunciar a chegada da primavera (linhas 48-52): Florestas florescem,cidades se decoram, Campos se colorem,o mundo se renova;Mas tudo isso animaa mente ainda mais, Convida viagemo corao que s quer Perder-se na distnciapelas pistas ocenicas. Achegadadestemomentoimportantedoanoimpeleohomemviagem.A primavera de importncia capital para o anglo-saxo: o tempo de Ester (que, em ingls moderno, virar Easter, Pscoa), "associated with the coming offspring and the dawn, and her festival is celebrated at the spring equinox. Because she brings renewal, rebirth from the death of winter, some Heathens associate Eostre with Idunn, keeper of the apples of youth in Scandinavian mythology". (CUSACK, 2008) Assim, este momento ganha um carter quase de iniciao, como diz Rodrigo Garcia Lopes no posfcio de sua traduo.(LOPES, ano, p. 50) Quanto ao confortvel burgus que habita as cidades, este nada sabe desta vida no sabe como sofre e tambm no sabe o que a fome de esprito, nem o que saci-la. Retoma a oposio cidade e mar nas linhas 55 a 59: Pois disso nada sabe O confortvel burguscomo sofre quem singra Sem trguaas trilhas-do-desterro. Pois agora minha mente decolada tranca do peito, Deseja viajar. Logo a seguir, temos a descrio da viagem do esprito do navegante: Meu esprito tem fome, Parte prasestradas-dgua,flutua sobre o bero da baleia, Passeia pela Terrae volta para mim 30 vido e voraz;o voador-solitrio grita, Excita o espritosem resistir Para a vastido das vagas. Elevoaparaumpasseiopelaterraevoltavida.Atemosagrandemudana de tom em The Seafarer (linhas 64-67): Pois bem mais quentes so os prazeres de Deusque essa morte em vida transitria pela Terra. No creio Que riquezas mundanasdurem para sempre. Essamudanasedcomaconclusocentraldequeamorteemvidanaterra,a mortedoburguscuidadosoevo,nonadapertodaalegriadeestarnapresenade Deus.H,aomesmotempo,acelebraodoherosmopago(dacoragem,daintrepidez, etc.) e da busca por Deus. Afinal, conclui-se, as riquezas mundanas no so para sempre e a morte uma certeza. Repete-se, de certa forma, a reflexo das linhas 26-30. Como diz Rodrigo Garcia Lopes, semesmoafamaconquistadaembatalhaseodesejode riquezasonadapertodopoderdeDeus,paraummais almqueonavegantesedirigeagora.Omaradquire,na segundapartedopoema,conotaesalegricas, transcendentais:avidatalvezsejaumaviagemporummar revolto.Comoonavegante,cadapessoaprecisabuscaruma razo para viver. Os sofrimentos aqui sero recompensados no alm,naglriaeterna,seguindo,apartirda,umalgica crist.(LOPES, 2004, p. 51) 31 Complementa Peter Orton: thesatisfactions,pleasuresandbeautiesthatmakeheroiclife onlandworthlivingforthelandlubberarethoroughly obliterated by the seafarer's compulsion to return to the sea, so onecanunderstandwhyheshouldcalllifeonland'dead';for him it had indeed died.(ORTON, 2002, p. 367) Anteainevitabilidadedamorte,oNaveganteenumeratrsmaneirasdemorrer: doena, velhice e dio da espada (linhas 68-71): sempre uma certeza:uma entre trs coisas Pesam no balanoantes da hora fatal; Doena, velhiceou dio-de-espada Ceifam a vida de um homemfadado a morrer Asduasprimeiras-doenaevelhicesoformasnaturaisdemorrer,comuma todososhomens,enquantoaterceiradiodaespadareservadaapenasaos guerreiros. Vemos, logo a seguir, um momento interessante, onde compara-se a imortalidade e a lembrana dos grandes heris(linhas 72-80): Por isso que cada umreceba o aplaudo Dos que vm depoisque o melhor epitfio Que trabalhe duropara ser Antes de morrerum bravo no mundo Derrote o diodo demnio Desafie a malciados inimigos, E assim receber o respeitodos filhos dos homens, 32 E viver entre os anjos a glria da vida eterna, Alegre entre guerreiros. Aqui,eledescreveumCuondesederrotaodemnioeamalciadosinimigos, recebendoorespeitodoshomens(famaehonra,oquetpicodosgermnicos)eviver entre anjos as glrias da vida. Parece-se mais com o Valhalla do que com o Cu cristo. Um provvel resqucio de germanismo. Logo frente, ele lamenta o fim dos grandes dias (linhas 80-90): Adeus, dias dourados E toda a pompadas riquezas terrenas; Nenhum rei agoranem csares Nem senhores de aniscomo antigamente,Quando fizeram faanhasfantsticas E viveram na glriamais suprema. O nobre bando acabou,prazeres partiram; S os fracos ficaram,medocres mandam no mundo, Brutos em seus burgos.O esplendor expirou, A nobreza da terraenvelhece e definha, Como bem sabequem erra pela terra. No h mais o rei, o csar, os senhores de anis (no originalGoldgiefan, aquele quedanis,kenninganglo-saxnicaparasubstituirmonarca,reiumaexpressoda relaodecomitatusperdida):hapenasosmedocresebrutos,equemsabedissoo errante, aquele que erra pela terra. A expresso pode ser entendida de duas formas: quem errapelaterraaquelequeconhecemuitoslugarese,portanto,d-secontadestatriste particularidadedomundo,equemerrapelaterraaqueleque,nasolidodesua peregrinao,alcanouoelevadoentendimentodequetudodefinhaefugaz.Aqui,o peregrino, o homem que erra pela terra, tem acesso a um tipo superior de sabedoria. 33 ofimdeumapocadeouro,ondenohmaisespaoparaosantigosvalores, abrindo espao para uma digresso, logo frente, sobre a transitoriedade da vida (linhas 91 a 106): A velhice o visita,cara perde cor, De barbas brancas chora,sabe que seus amigos,Prole dos prncipes,esto entregues terra. Quando o esprito despe-se da carnee se despede da vida Nem doura nem dorseu corpo sente,Nem mo se mexenem mente pensa. Embora ele desejeforrar com moedas O tmulo do seu irmo,intil enterrar os mortos Com tesouros:ouronada vale no alm Nem pode a almapovoada de pecado Usar todo o seu ourocontra a fria de Deus Embora o escondesseenquanto estava vivo. O poder de Deus terrvel,muda o rumo do mundo. Ele estabeleceufirmes fundaes, A superfcie da Terrae o cimo dos cus. Tolo de quem no O teme:a morte o visita sem aviso. Asalvaodaalmanopodesercompradaporouro,esimapenasporumavida justa, orientada por virtudes (linhas 107-116): Sbio de quem vive humilde;esse recebe a graa do cu. Deus o dotou de esprito estvel,pois Ele cr em Seu poder. Seu remo e seu rumotm de ser firmes, Ser honesto em seus atos,de carter casto. Um homem precisa enfimmoderar Com seus amigose mesmo inimigos Embora desejeo amigo recente 34 Crepitando no fogoou na pira funrea Consumido,o Destino mais forte, E Deus mais poderosoque qualquer idia humana. Conforme aponta Dee Dyas, so todas virtudes crists: humildade, autocontrole, f, purezaeoutras.(DYAS,2001,p.122)Aseguir,temosumaexortaofinalperegrinao, comoumaespciedeoraoparaqueoshomenslembremquesoCuqueencerrao poema (linhas 117-125): Meditemos sobre ondedeve ser a nossa casa E pensemos num jeito de chegar mais perto, preciso batalharpara chegar l, No mais eternoxtase, Onde a vida dependes do amor de Deus Cu em festa. Obrigado, Senhor,Que nos honrou, e adeus,Pai Glorioso, Deus eterno, para todo sempre. Amn. 35 2.3 ANLISE DO POEMA THE WANDERER O poema tem incio com uma definio do que a existncia do andarilho: O andarilho, em sua solitria vida,Procura e espera pela Graa de DeusE, mesmo atormentado, pe-se a errar pelas sendas do mar, Remos a bater-se contra as glidas ondas, Por muitos dias e muitas noites, como manda o Destino, Trilhando o caminho do exlio Aqui,temosumaclaraalusoaoqueosentidodaexistnciadesteandarilho: umavidasolitria,emqueelepe-seacaminhoprocurandopelaGraadeDeus.Oque estecaminho?ocaminhodoexlio,awrclastas,quetantasvezesaparecetantonum poemacomonooutro,trilhadodeacordocomoquemandaoDestino,awyrd (Wyrdbifulard,comomandaoDestino)essaentidadetopresenteeatuantena culturaanglo-saxnica.oDestinoqueoimpeleaerrarpelassendasdomar.Oautor ento d voz ao andarilho, que inicia lamentando: Ao despertar da aurora Solitrio eu ando a lamentar minhas dores. No h viva alma com quem, sem medo, Eu partilhe o que trago em meu corao. Aprendi que do homem honrado Prender o que pensa na cmara da alma, Onde guardar o que quiser. 36 Percebe-seaangstiadoandarilhoanteasolido,ondenopodepartilhar descontraidamentecomningumaquiloquetraznacmaradaalma.Essasolidoficar esclarecida logo frente: Os que anseiam pela fama enterramSuas dores no fundo do peito -E tambm eu as enterrei, triste e desolado, Sem lar nem amigos, desde o longnquo dia Em que a escura terra cobriu o corpo de meu senhor. Aqui temos a morte do senhor revelando o fim do comitatus e o desenraizamento do andarilho: desde o momento em que ela se d, o andarilho est Sem lar nem amigos. Como ele diz logo a seguir: E eu pus-me a navegar por mares gelados,Saudoso de sales e tesouros,Com corao apertado, em busca de um bom rei,No importa se longe ou perto, Desde que as maravilhas de seu palcio Me aliviassem as feridas da solido. Fica ento clara a razo pela qual ele lana-se ao mar: em busca de um bom rei, da restaurao da relao de comitatus, e pela busca de um consolo material. Este sentimento ainda est muito presente neste momento do poema: Aquele que isto carrega bem conhece A amargura do homem sem amigos. Seu destino o caminho do exlio:Nele, no h presentes de reluzente ouro,Mas sim esprito trmulo e corao angustiado. 37 Esvaem-se os encantos deste mundo. Ele ento sonha com os velhos camaradas,Companheiros dos dias de juventude,Quando lidavam com tesouros e celebravam com o rei.Findas so estas alegrias. Percebe-se ainda uma saudade do tempo em que havia a celebrao dos encantos destemundo,ouseja,dotempoemqueoguerreiroanglo-saxocelebravaavidaesuas faanhascomseuscamaradas.Umasaudadedotempodocomitatus,queeledesejaque retorne logo frente : Ao dormir, assalta-lhe a dor,E, sonhando, ele volta a abraar o seu senhor,Pondo mos e cabea a seus ps, de joelhos,Como em dias passados. Apsperceberquetudoissoapenasumsonho,eledespertaev-sediantedo mar: Doem-lhe as feridas do corao Quando se lembra do seu senhor, E doem-lhe ainda mais Quando se lembra dos parentes cados.Sbito, contente os v; Cumprimenta-os, entusiasmado,E, sorrindo, passa os olhos por seus companheiros.Mas num relance eles somem,Flutuando sobre as longnquas ondas, perdendo-se em alto mar,Sem deixar-lhe palavra de conforto.So miragem.A tristeza nunca abandonaQuem amide lana s ondas38 Um corao inquieto. A miragem e o consequente dar-se conta desta miragem so parte do processo de despertar doAndarilhoparasuanovarealidade:todoopassadoconsisteagora emmera lembrana, e toda tentativa de reviv-lo falsa: Em verdade, no entendo Como as trevas no me enegrecem a alma Quando medito sobre a vida nesta terra. Aqui,oAndarilhoentendequedeveriatersuaalmaenegrecidapelastrevas quandomeditasobreisso.Nooqueacontece,masissonoquerdizerqueatristezao tenhadeixado.Elenoentendecomosuaalmanoestenegrecida,porqueachaqueela deveriaestarassim.Ouseja,elenodeixadeperceberoquehdemaunestemundo: apenas no se abate com isso. Tantos cavaleiros, orgulhosos homens de guerra, Vi, um por um, quedar em campos de batalha,De onde nunca mais voltaro:Nos sales onde pisaram e onde cantaram fama,Nunca mais estaro. E assim como eles, cados pela terra,O nosso mundo dia aps dia decai,At quedar inteiro e para sempre. Neste momento, o Andarilho d-se conta de que o tempo dos grandes guerreiros j passouequeestemundodecadente.Omundojnoomundodesteperfiltico,mas sim de outro, marcado pela temperana: 39 O homem sbio paciente,No cede raiva, nem fala sem pensar,Em batalha no fraco e nem temerrio, Na cidade, no medroso, servil ou vido de ouro, E no o vemos falar de si sem antesSaber o que seu esprito deveras quer. Apsisso,vemumadescrioapocalpticasobreomundoemqueestehomem sbio habita: Quedam as antigas muralhas,Cobertas por gelo e batidas por ventos, Runas de tempo ido.Quedam os imensos sales,Onde soberanos bebiam o doce vinho, E quedam as orgulhosas hostes de homens de guerra,Mortos em batalha, beira das fortalezas: Quedam, todos, e cados cobrem a terra. Segue-se uma reflexo do homem sbio, consternado diante da situao: Onde esto agora cavalo e cavaleiro?Onde est o rei e seus generosos presentes? Onde esto os deleites dos sales? , taas brilhantes! , guerreiros em armadura! , esplendor do rei! Dias que se foram, esquecidos na noite escura do passado,Como se nunca houvessem existido! 40 EsteumtrechodeespecialimportnciaSeucomeoserviudeinspiraopara J.R.R. Tolkien criar o lamento entoado por Aragorn em O Senhor dos Anis. (Tolkien, 2004, p. 531).DeeDyasapontaqueestapassagemtpicadaatitudedoandarilhodopoemaato momento:umabuscahorizontal,pelosamigos,pelasalegrias,pelafama.(DYAS,2001,p. 106) Esta busca mostrar-se- infrutfera, pois, como se ver logo frente, o andarilho conclui que este mundo fugaz.A passagem mostra a sensao de desolao, de falta de perspectivas, de morte de um mundo inteiro, o mundo do cavalo e do cavaleiro, daquele que dava presentes, dos deleites dos sales. Que mundo este? o mundo anglo-saxo e a viso de mundo anglo-saxnica tradicional. Tudo mediado pela ao do Destino, que tudo comanda. E a concluso que o andarilho tem acerca de como este mundo funciona elucidativa: Nesta terra nada fcil E tudo obedece ao Destino. Vo-se as riquezas, vo-se os amigos,Vo-se os homens, vo-se as mulheres Tudo neste mundo fugaz. Assim meditava, solitrio, o homem sbio. Eisaumaespciedesumadoaprendizadodoandarilhoemsuaviagememalto mar.Inicialmenteatrajetriadeumexilado,dealgumforadoaabandonaroslaos familiares,tribaiseculturais,suaviagemacabapormostrar-seumaverdadeira peregrinao,ondetomaconhecimentodafinitudeefugacidadedomundo,sujeitoao do Destino.Apercepodafugacidadedomundo,segundoDeeDyas,umelementochave para o tema da peregrinao. (DYAS, 2001, p. 106) E qual a atitude correta para o homem, o cristo, que , como disse Santo Agostinho peregrino nesta vida? o que responde o final do poema: 41 Justo aquele que mantm a f E no anseia que seus lamentos Deixem o peito sem deles saber cuidar.E feliz do homem que busca o consolo No amor do Pai Celestial,Onde tudo que permanente descansa em paz. Num mundo em que tudo decai, onde vo-se as riquezas, vo-se os amigos, vo-se os homens, vo-se as mulheres, em que tudo perece e s Deus verdadeiro, a soluo dos homenspassara buscarparao quepermanente. oquefazoandarilhoneste poema. ComoAbrao,eleconverteuumexlioinvoluntrionumaperegrinaoemdireoao cu.(DYAS, 2001, p. 107) Assim,temosaquiumaperegrinaoqueassimsedescobre:inicialmenteexlio involuntrio,torna-seaospoucosumacaminhadacomsentidoprprio,ondeoguerreiro, diante da condio de sofrimento e angstia, descobre que os valores que sustentavam seu mundo eram efmeros.42 CONCLUSO AindaqueTheSeafarereTheWanderertenhamvriospontosemcomume sejam,comovimos,frequentementeestudadosladoaladopelassemelhanasque compartilham,interessa-nosnessemomentodeconclusoenfatizarasdiferenaseas especificidadesquepossuem.Esorelevantes.Partimosdopontocentralqueuneosdois poemaseastrajetriasdonaveganteedoandarilho:apassagemdeumajornadaterrena para uma peregrinao de carter espiritual e eterno.EmTheWanderer,vemosinicialmenteumaidainvoluntriaparaoexlio, motivadapelaquebradasrelaessociaisepessoaisqueoandarilhoconhecia, transformandooguerreironumascetacristoqueaceitaocaminhoqueDeuseoDestino lhe pem frente. Esta aceitao mostra-se como principal motivo para o andarilho fazer-se peregrino.Noentanto,elaprecedidadetentativasdesubstituiodaordemquese perdeu,asquaisrestamsemprefrustradas.Aofinaldopoema,oandarilhoabandona totalmenteasuacomunidadeanterioreosvaloresqueasustentam, deixandoinclusive de severcomoumexilado.Estavisoaparecenomomentoemqueoandarilhoestaomar, solitrio, sem nada. JemTheSeafarer,temosaaceitaodasconsequnciasdeumaposiocrist demaneiravoluntria,aceitandoasdificuldadesencontradascomonecessriasparasua salvao.TheSeafarerpartedopontoemqueTheWanderertermina:operegrinoea peregrinao e sua importncia esto presentes na atitude de lanar-se ao mar.Como diz Klinck, TheSeafarer'slifeisdeliberatelystrenuousandascetic:herejectsthe illusory blandishments of this world because the joys of the Lord are warmer tohim.Symbollically,hisvoyageisapilgrimagewhichhechoosesto undertake. Thus, the desire, described in the central portion of the poem, to depart over the sea, is more than a longing to leave this world and travel to 43 the next. Nor is the desired voyage primarily a journey into exile. It is a quest foratranscendentalgood,aquestwhichinthispoemtakestheformof seafaring (KLINCK, 2001). RetomandoadistinoelaboradaporPhillipEdwardsemsuaobradedicadaao tema da peregrinao, podemosperceberqueTheWandererseencaixano primeiro tipo elaboradopeloautor,isto,odaqueleviajantesolitrioqueencontracomunicaocom poderessuperiores,enquantoTheSeafarerpertenceaosegundotipo,definidoporele comoodoperegrinuspropriamentedito,ouseja,aquelequejrecebeuailuminaoe viaja para aprofund-la. Tais diferenas de abordagem do tema da peregrinao nas duas obras chamam a ateno para a riqueza de sua mensagem potica. Assim, mesmo estando inscritas dentro deumatradioedeumcontextohistrico-culturalparticular,TheWanderereThe Seafarer trazem uma mensagem universal que atravessa os sculos e antecipam elementos desenvolvidos s muito posteriormente dentro da poesia ocidental. 44 REFERNCIAS ALIGHIERI, Dante. A divina comdia. Disponvel em: . Acesso em: 16 nov. 2013. ANNIMO. The Wanderer. Disponvel em: . Data de acesso: 11/10/2013 ANNIMO. O navegante/The seafarer. Traduo e posfcio de Rodrigo Garcia Lopes. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004.BBLIA.Bbliasagrada.Portugus.Bbliasagrada.Traduo:CentroBblicoCatlico.34.ed rev. So Paulo: Ave Maria, 1982. BORGES, Jorge Luis. Curso de literatura inglesa. Trad. Eduardo Brando. So Paulo: Martins Fontes, 2002.BRUNEL,Pierre;PICHOIS,ClaudeeROUSSEAU,AndrM.Queliteraturacomparada.So Paulo: Perspectiva, 2000. BURGESS, Anthony. A literatura inglesa. So Paulo: tica, 2005.BYRON,GeorgeGordon(Lord).ChildeHaroldspilgrimage.Disponvelem: . 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E, assim, entoa a sua histria,A lembrar as durezas da vida, as ferozes matanas e os seus que perdeu: Ao despertar da aurora Solitrio eu ando a lamentar minhas dores. 47 No h viva alma com quem, sem medo, Eu partilhe o que trago em meu corao. Aprendi que do homem honrado Segurar o que pensa na cmara da alma, Onde guardar o que quiser. Ante o destino, nada pode o desalento,E nenhum consolo traz o triste pensar.Os que anseiam pela fama enterramSuas dores no fundo do peito.E tambm eu as enterrei, triste e desolado, Sem lar nem amigos, desde o longnquo dia Em que a escura terra cobriu o corpo de meu senhor.E eu pus-me a navegar por mares gelados,Saudoso de sales e tesouros,Com corao apertado, em busca de um bom rei,No importa se longe ou perto, Desde que as maravilhas de seu palcio Me aliviassem as feridas da solido. Aquele que isto carrega sabe Que amarga companheira a dor, se lhe faltam amigos. Ento toma o caminho do exlio:Nele, no h presentes de reluzente ouro,Mas sim esprito trmulo e corao angustiado: Esvaem-se os encantos deste mundo. Ele ento sonha com os velhos camaradas,48 Companheiros dos dias de juventude,Quando lidavam com tesouros e celebravam com o rei.Findas so estas alegrias.Ao dormir, assalta-lhe a dor,E, sonhando, ele volta a abraar o seu senhor,Pe mos e cabea a seus ps, de joelhos,Como em dias passados. Desperta ento do sono. Est sozinho.Mira adiante as espumosas ondas,Com aves a banhar-se, de asas abertas,E a neve a cair; o gelo tudo cobre. Doem-lhe as feridas do corao Quando se lembra do seu senhor, E doem-lhe ainda mais Quando se lembra dos parentes cados.Sbito, contente os v; Cumprimenta-os, entusiasmado,E, sorrindo, passa os olhos por seus velhos camaradas.Mas num relance eles somem,Flutuando sobre as longnquas ondas, perdendo-se em alto mar,Sem deixar-lhe palavra de conforto.So miragem.A tristeza nunca abandonaQuem amide lana s ondasUm corao inquieto.49 Em verdade, no entendo Como as trevas no me enegrecem a alma Quando medito sobre a vida nesta terra.Tantos cavaleiros, orgulhosos homens de guerra, Vi, um por um, quedarem em campos de batalha,De onde nunca mais voltaro:Nos sales onde pisaram e onde cantaram fama,Nunca mais estaro. E assim como eles, cados pela terra,O nosso mundo dia aps dia decai,At quedar inteiro e para sempre. Por isso, homem algum pode dizer-se sbio Sem contar muitos invernos neste mundo.O homem sbio paciente,No cede raiva, nem fala sem pensar,Em batalha no fraco e nem temerrio, Na cidade, no medroso, servil ou vido de ouro, E no o vemos falar de si sem antesSaber o que seu esprito deveras quer. Bem compreende o sbio Quo terrvel ser quando dias prsperos tiverem fim, E vierem a carestia e a desgraa,50 Como v agora, em muitos cantos de nosso mundo. Quedam as antigas muralhas,Cobertas por gelo e batidas por ventos, Runas de tempo ido.Quedam os imensos sales,Onde soberanos bebiam o doce vinho, E quedam as orgulhosas hostes de homens de guerra,Mortos em batalha, beira das fortalezas: Quedam, todos, e cados cobrem a terra.A alguns a guerra levou,Carregou-os em sua ltima viagem; A outro um pssaro carregou atravs do mar profundo,A outro, o lobo cinzento partilhou com a morte, E a outro um senhor enterrou, entristecido. E ento Ele tudo devastou, Ele, o Criador dos homens, Silenciando e esvaziando as muralhas,Antigo trabalho de gigantes. E do homem sbio, que as runas contempla,E sobre esta escura vida medita,A recordar-se de tanta guerra e matana A cobrir a terra de castigos,Saem estas pesadas palavras: Onde esto agora cavalo e cavaleiro?51 Onde est o rei e seus generosos presentes? Onde esto os deleites dos sales? , taas brilhantes! , guerreiros em armadura! , esplendor do rei! Dias que se foram, esquecidos na noite escura do passado,Como se nunca houvessem existido! Agora resta nas lembranas das fiis tropas Uma muralha, e das mais altas, Talhada por figuras de serpentes.A fora das lanas, vidas por batalhas,Levou aos homens de guerra, obedecendo ao Destino,E as tormentas, sopros do inclemente inverno, Golpeiam penhascos, trazendo o gelo e a neve. E ento vem a noite.Do norte chega dura tempestade de gelo Cheia de fria, castigando os homens. Nesta terra nada fcil E tudo obedece ao Destino. Vo-se as riquezas, vo-se os amigos,Vo-se os homens, vo-se as mulheres Tudo neste mundo fugaz 52 Assim meditava, solitrio, o homem sbio. Justo aquele que mantm a f E no anseia que seus lamentos Deixem o peito sem deles saber cuidar.E feliz do homem que busca o consolo No amor do Pai Celestial,Onde tudo que permanente descansa em paz.