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CONTRO UTOGUEIF 1 Christopher Wood 007 CONTRA O FOGUETE DA MORTE clique no título para ouvir a música tema do filme, interpretada por Shirley Bassey Círculo do Livro 1

007 contra o foguete da · Web viewNa cabine de comando, o comandante correu os olhos pelos painéis de instrumentos, observando as agulhas oscilantes, os bancos de luzes coloridas

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CONTROUTOGUEIF

1Christopher Wood007 CONTRA O FOGUETE DA MORTEclique no título para ouvir a música tema do filme, interpretada por Shirley BasseyCírculo do Livro111

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O fim... e o inícioO 747 estava voando em grande altitude, afastando as nuvens à sua frente como uma celebridade a passar bruscamente por ávidos repórteres. Não estava sozinho. Por cima da fuselagem, podiam-se divisar os contornos do ônibus espacial que ele transportava, com a palavra MOONRAKER nos lados, em letras imensas. De longe, o foguete parecia um peixe gigantesco acomodado nas costas de uma baleia.Na cabine de comando, o comandante correu os olhos pelos painéis de instrumentos, observando as agulhas oscilantes, os bancos de luzes coloridas. Não havia nada de anormal. O 747 estava em vôo automático. Parecia não haver qualquer reação adversa à carga imprevista. O comandante estava surpreso e aliviado. Aquilo comprovava que o 747 era um avião excepcional. O comandante experimentou uma pontada de orgulho patriótico e perguntou-se, não pela primeira vez, por que o ônibus espacial estava sendo emprestado aos ingleses. Seria apenas para um show aéreo? Parecia um gesto ao mesmo tempo exagerado e dispendioso, num momento em que o governo estava reduzindo drasticamente os gastos no exterior e em que o próprio programa espacial se encontrava à míngua de recursos, a ponto de já terem surgido acusações no Senado de que o espaço estava sendo abandonado aos russos.Talvez os cientistas ingleses houvessem descoberto alguma2coisa que a NASA pudesse usar. Era a explicação mais provável. Enquanto o ônibus espacial estivesse na Inglaterra, os cientistas ingleses poderiam realizar os seus próprios testes e depois conferenciar a respeito com os seus colegas americanos. Apesar dos re-cursos limitados, era difícil acreditar que os ingleses não tivessem descoberto algo desde o Bluestreak, quanto menos não fosse no estágio de projeto.Ao lado do comandante, o co-piloto olhou para o relógio e passou a língua pelos lábios. Estava pensando no prazer, não em negócios. Sua imaginação se concentrava num apartamento perto da Bayswater Road, em Londres, onde uma dama de seu conheci-mento devia estar naquele momento verificando se ainda restava bastante uísque Jack Daniels na garrafa e se havia uma toalha extra no banheiro. Ela faria tudo isso antes de sair para trabalhar numa biblioteca, voltando para casa por volta das seis horas com os suprimentos extras necessários. Tomaria um banho e se perfumaria, esperando por ele. O co-piloto sabia que ela estaria à sua espera, porque lhe telefonara no meio da noite, antes de decolar. Ela estava sempre esperando. E sempre contente por vê-lo. Era uma jovem apaixonada. Mas, como muitas mulheres inglesas, sentia-se envergonhada de sua sensualidade e tentava encobri-la com um recato surpreendente. Abriria a porta nos chamados trajes íntimos mais provocantes que se podia imaginar, alegando que só o estava esperando dentro de uma hora. Ele a levaria para a cama e lhe faria amor, enquanto ela protestaria, ao mesmo tempo lhe arranhando as costas com as unhas bem-cuidadas e os dentes impecáveis lhe mordendo o ombro.Ele ficou pensando no que poderia acontecer naquela noite. Nem sempre a jovem lhe abria a porta num nêgligê. Muitas vezes ficava esperando-o de vestido, de uma simplicidade decorosa, talvez adornado com um broche antigo. Recebia as flores que ele lhe estendia com gritinhos de alegria e se erguia na ponta dos pés, oferecendo o rosto para um beijo. Nessas ocasiões, ficavam por algum tempo na pequena sala de estar, ela ajeitando as flores num vaso, ele tomando o seu Jack Daniels com gelo, sempre pronto à sua espera. E durante todo o tempo havia um fluxo de perguntas que jamais esperavam por respostas, comentários sobre pessoas que ele jamais conhecera.— Sabe, foi terrivelmente divertido, mas. . .Nunca era divertido ou sequer interessante, mas ele sempre escutava com uma expressão bem-humorada, enquanto tomava2uísque e deixava que seus olhos se regalassem com os seios e as curvas impecáveis das pernas dela, com todo o resto do corpo que em breve estaria saboreando.Depois de um segundo drinque, enquanto ela tomava um gim com tônica e limão, ele sugeria que fossem jantar. Sempre comiam num pequeno restaurante italiano que havia na esquina, de luzes indiretas e preços altos, a clientela inclinada por cima da mesa, de mãos dadas, volta e meia olhando ao redor, com receio de que aparecesse inesperadamente a esposa, marido ou amante fixo.

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No restaurante, ele transferia sua atenção para uma garrafa de Valpolicella, enquanto ela falava a respeito do seu trabalho; ou melhor, sobre o homem para quem trabalhava. Ele imaginava que esse homem fora outrora um amante, embora isso jamais tivesse sido explicitamente declarado. Havia algum ressentimento na conversa, ao mesmo tempo que um respeito relutante e uma fascinação óbvia. O homem era casado, mas não era feliz com a esposa. A dedução era a de que teria sido mais feliz com ela, se isso tivesse sido possível.Enquanto a saga da biblioteca era apresentada, o prosciutto e melone cedia sua vez ao petto di pollo, o rosto da jovem tornando-se ainda mais desejável com a animação. Ela estava provavelmente tentando deixá-lo ciumento, mas ele não se importava com quem mais pudesse possuí-la, contanto que pudesse tê-la sempre que quisesse. Enquanto calculava se precisavam ou não de outra garrafa de vinho, ele estendia as pernas para se encontrarem com as dela. Um momento depois, sentia a mão dela a lhe subir pela coxa. Os lábios dela se entreabriam sedutoramente, os olhos brilhavam à luz das velas. Ele esquecia inteiramente a segunda garrafa de vinho e sugeria que tomassem o café no apartamento. O co-piloto sorriu, ao pensar na cena. Ainda não haviam conseguido tomar o café uma única vez.— De que está rindo, Joe? — indagou o comandante, interrompendo o devaneio.— De nada em particular.— Está pensando em alguma garota que pretende comer quando chegar a Londres?— Sou cavalheiro demais para responder a essa pergunta. — O co-piloto virou a cabeça para trás e indagou: — Como está o nosso tempo de vôo, Dick?O oficial de navegação, que era a contribuição da Inglaterra ao transporte do Moonraker, levantou os olhos das cartas. Um exa3me atento teria revelado que as faces rosadas estavam ligeiramente ruborizadas. Não estava acostumado a diálogos como o que acabara de ouvir entre o comandante e o co-piloto.— Nada mau, senhor. Já estamos quinze minutos adiantados em relação ao horário previsto. Se esse vento de cauda continuar, poderemos chegar a Heathrow quarenta minutos antes do prazo previsto.— Excelente — disse o comandante.O oficial de navegação tornou a olhar para suas cartas. Em algum lugar lá embaixo, na estranha meia-luz entre a noite e o dia, estava a cidade de Champagne. Era um nome insólito para uma cidadezinha na extremidade setentrional das montanhas Rochosas, em pleno Território de Yukon, no Canadá. Talvez tivesse havido mesmo champanha de verdade por lá quando a corrida do ouro estava no auge e o nome Yukon era sinônimo de vinte e quatro quilates. Ele pensou em homens envoltos em peles a cambalearem por uma nevasca, batendo com os sapatos cobertos de neve na grade à entrada do saloon. As portas de vaivém se abrindo bruscamente, a rajada de ar quente, a música desafinada em segundo plano, os tapas de boas-vindas nas costas, o fogo da primeira dose de uísque a descer pela garganta, a agradável pressão do saco de pó de ouro encaixado seguramente na virilha.O saloon provavelmente dera lugar agora a uma lanchonete, servindo motoristas de caminhão que desciam do conforto de suas cabines equipadas com ar-condicionado, na Rodovia do Alasca. Com um ouvido na emissora de rádio local e um olho na garota atrás do balcão. A chapa quente a chiar aparecendo por trás da janelinha da cozinha. Três ovos, com a gema para cima, sobre fatias de bacon que caíam pelas beiras do prato, uma pequena montanha de purê de batata, tudo acompanhado por uma fumegante caneca de café preto. O oficial de navegação sentiu a saliva se acumular dentro da boca. Podia quase sentir a faca invisível em sua mão, rompendo a deliciosa crosta dourada do purê de batata. Com alguma sorte, se não houvesse problemas de pouso em Heathrow e não encontrasse problemas de tráfego em Kingston, poderia chegar a casa a tempo de ajudar as crianças com os deveres de casa e jantar com a família. Telefonara para Louise a fim de informar a que horas deveria chegar, mas ninguém atendera. Ela devia estar na aula de ioga ou participando do almoço de uma liga qualquer. Mas não tinha importância. A surpresa seria maior quando chegasse a casa.No interior do convés inferior do moonraker, um ouvido ex3

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periente poderia ter percebido uma ligeira vibração. Estava tudo imerso na escuridão. Toda a estrutura tremia. E depois surgiu outro ruído. Um barulho abafado, meio chiado, como um fogo de artifício dentro de uma lata, prestes a explodir. Mas o barulho persistiu sem que houvesse qualquer explosão. Não ficou mais alto, mas lentamente surgiu um débil clarão de luz, que parecia uma minúscula fenda, na extremidade da parede dos armários. O clarão concentrou-se na tranca de segurança fechada, que pouco a pouco foi se tornando vermelha e depois branca de tão quente. Uma fina coluna de fumaça preta ergueu-se pelo ar e o metal começou a empenar. Quinze segundos se passaram e depois houve um estalido brusco e a porta do armário abriu-se. No mesmo instante, o clarão assim revelado se extinguiu. O metal em brasa foi arrefecendo rapidamente, até sumir na escuridão. O foguete continuava a vibrar através do espaço, enquanto se ouvia um farfalhar de pano, as pernas de um homem saindo do armário. O facho pequeno de uma lanterna sondou a escuridão e um maçarico de laser foi largado num beliche. A lanterna se desviou e um dedo impaciente encontrou o que estava procurando: a tranca para abrir a porta do armário ao lado. A porta foi rapidamente aberta e outro par de pernas apareceu.Os dois vultos agora revelados pareciam duendes à luz difusa. Os uniformes pretos e justos cobriam-nos da cabeça aos pés, fundindo-se com as máscaras de oxigênio pressurizadas, tubos saindo por baixo da placa reforçada de vidro, na altura dos olhos, para os dois cilindros finos nas costas. Eles não hesitaram, encaminhando-se imediatamente para a base de uma escada em espiral. O primeiro homem a sair do armário foi quem seguiu na frente, subindo a escada. Lá em cima ficava a cabine de comando do ônibus espacial moonraker.Na cabine de comando do 747, o co-piloto esfregou as mãos, pensativo.— Como estamos, Dick?— Acabamos de passar sobre Fairbanks.— No horário previsto?— Vinte minutos adiantados.O co-piloto continuou a esfregar as mãos, pensando que dentro de algumas horas estaria saindo acompanhado do restaurante italiano. O nevoeiro do inverno estaria obscurecendo os lampiões. Ele quase podia ouvir os passos, ver o bafo deles no ar frio. Gostava de Londres no inverno. Acima de tudo, gostava de pensar no que ia acontecer assim que a colcha fosse removida da cama, que era4pequena demais para se dormir, mas do tamanho certo para tudo o mais.Sentiu os olhos do comandante fixados nele.— Posso lê-lo como se fosse um livro, Joe. Acho que nunca voei com. . .Ele parou de falar abruptamente, ao ver o co-piloto se inclinar para a frente.— O que.. .Uma luz estava acesa na extremidade direita do painel de controle.— A ignição do foguete!— Deve haver algum defeito no sistema! Verifique os circuitos!Antes que o co-piloto pudesse cumprir a ordem, houve um rugido ensurdecedor e o 747 teve um violento solavanco, como se tivesse sido golpeado em pleno ar por uma gigantesca mão invisível. A cabine estremeceu e o rugido aumentou de intensidade.— Que diabo está acontecendo?— O foguete está decolando!— Não pode. . .A voz foi interrompida pela constatação da terrível realidade. Um gemido lúgubre quase estourou os tímpanos dos tripulantes do 747 e um clarão ofuscante lhes queimou os olhos arregalados, como se a porta de uma fornalha em chamas tivesse sido brusca-mente aberta diante de seus rostos. Os motores orbitais do Moon-raker alcançaram a plena combustão e uma bola de fogo envolveu a cabine, abafando os gritos nas gargantas dos homens. Como um inseto a se equilibrar depois de desfechar a sua picada mortal, o Moonraker estremeceu em pleno ar e a descarga de fogo de sua cauda continuou a incidir sobre a cabine do 747 abalado. Ao mesmo tempo o foguete começou a subir, quase verticalmente, com grande ruído. O nariz do 747 virou para baixo e as chamas se estenderam por toda a fuselagem. Como uma brasa muito pesada, o avião começou a cair do céu.

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O Almirante Sir Miles Messervy, K.C.M.G., também conhecido simplesmente como M, olhou pensativo pela janela de sua sala no oitavo andar, de frente para o Regent's Park. O escritório pertencia ao Consórcio Transmundial, o que não passava de uma cobertura para um ramo auxiliar do Ministério da Defesa britânico, que poderia ser chamado simplesmente de Serviço Secreto. "Poderia5ser" se M não tivesse nada a ver com a denominação. Para o seu gosto puritano, de velho lobo do mar, tal terminologia teria sido por demais ostentosa e dramática. Preferia o obscurantismo de Consórcio Transmundial e até mesmo lamentava, embora aceitasse, a sensatez da mudança do título original da organização, que era Exportadora Universal. Ele se inclinou sobre a escrivaninha com tampo revestido de couro vermelho e serviu-se de um punhado de fumo de cachimbo do recipiente que tinha uma concha como base, uma recordação dos seus tempos de serviço ativo na marinha, e que agora servia de tabaqueira.Havia um clima de sombria ameaça no ar, o que talvez fosse uma conseqüência das nuvens baixas que pairavam sobre o parque. Ou talvez não. M estava inquieto. Sentia os olhos atraídos para o telefone na mesa, como se recebesse alguma mensagem telepática de que estava prestes a tocar. Logo abaixo do fone havia uma lâmpada vermelha que se acendia quando era um telefonema ultra-secreto dos altos escalões do Ministério da Defesa. A lâmpada se acendia quando reis morriam e presidentes eram assassinados.Enquanto M observava, o telefone tocou e a luz vermelha se acendeu.O pulso de M não se alterou absolutamente em nada. Ele estendeu a mão esquerda com o cachimbo cheio pela metade e atendeu.— M falando.Ficou escutando a voz urgente e angustiada no outro lado da linha, as rugas nos cantos dos olhos castanhos se aprofundando. Até que finalmente disse:— Está certo, ministro. Vamos entrar em ação imediatamente.Repôs o fone no gancho e ficou imóvel por um momento, a pensar, antes de levantar a alavanca do aparelho de intercomunicação que o ligava com a secretária. A voz dela soou imediatamente:— Pois não, senhor?M respirou fundo e falou com uma voz que há muito já fora depurada de toda e qualquer emoção.— Quero 007. O mais depressa que puder encontrá-lo.552"Boa viagem"O rosto era moreno e bem-definido, com uma cicatriz esbranquiçada de três dedos na face direita. Os olhos eram grandes, sob as sobrancelhas pretas, retas, um tanto compridas. Os cabelos eram pretos, repartidos no lado esquerdo, com uma mecha preta caindo sobre o olho direito. O nariz reto e um tanto comprido descia até o lábio superior, estreito, abaixo do qual havia uma boca larga e fina, que parecia impiedosa. Os contornos do queixo eram firmes, indicando um caráter implacável.O homem usava um terno de alpaca azul-escura, camisa de algodão e sapatos pretos fabricados especialmente por John Lobb, da St. James's Street, em Londres. A gravata era preta, de tricô, feita à mão, um pouco mais estreita do que determinava a moda contemporânea. Mas James Bond era indiferente aos caprichos transitórios do mundo da moda masculina. Tais detalhes não lhe interessavam. Tirou do bolso uma cigarreira de metal e pensou por um momento se devia ou não fumar o seu qüinquagésimo cigarro naquele dia. Olhando para o metal polido, quase podia ver o relatório de seu último chek-up médico, que M lhe empurrara por cima da mesa, enquanto erguia uma sobrancelha por cima do olho castanho terrivelmente claro:"O agente admite um consumo diário de álcool superior13a meia garrafa de bebida forte. Ainda por cima, fuma uma média de sessenta cigarros sem filtro por dia. Esses cigarros são especialmente fabricados para ele com uma mistura de tabacos turcos e balcânicos, com uma taxa de nicotina superior às marcas comuns. No exame efetuado, esse regime (Bond sorriu ao recordar a palavra "regime")

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está começando a apresentar os efeitos inevitáveis. A língua está coberta de incrustações. Não há redução na freqüência ou intensidade das dores de cabeça occipitais constatadas em exame anterior. O espasmo nos músculos trapezóides aumentou de intensidade e os nódulos "fibrosos" estão se tornando ainda mais manifestos.É difícil evitar a conclusão de que a saúde do agente está sendo sistematicamente minada por seu mode de vivre. ("Uma maneira fantasiosa de dizer as coisas", pensou Bond. "O que estará acontecendo com Harley Street de uns tempos para cá?") Recomenda-se expressamente, para que a eficiência funcional não seja prejudicada, que o agente pare de fumar imediatamente e reduza pela metade o consumo de bebidas alcoólicas fortes. Seria preferível uma mudança para o vinbo, exclusivamente, e o ideal seria a abstinência total".Inequívoco e objetivo. Era o mínimo que se podia dizer a respeito do relatório. M não fizera qualquer crítica, mas sugerira que Bond pensasse nas implicações do check-up. A sério.Foi o que James Bond decidiu fazer, enquanto fumava seu qüinquagésimo cigarro do dia. Ajeitou-o entre os lábios, fechou a cigarreira com um estalido brusco e pegou o Ronson todo amassado. A chama pequena, orgásmica, surgiu no mesmo instante. Ele sorveu a fumaça sequiosamente. Sentia-se em perfeita forma. Quando isso não mais acontecesse, tomaria as providências que ele próprio julgasse necessárias. Os médicos eram para atender aos homens com excesso de peso, que passavam o dia sentados atrás de escrivaninhas, dizendo aos outros para fazerem isso ou aquilo. Ele imaginou como a maioria dos médicos se sairia debaixo dos próprios estetoscópios.Para Bond, fumar era também parte do ritual de voar. E ele era um homem que gostava de rituais. Apreciava também um mar-tíni com vodca bem feito. Correu os olhos pela cabine de oito lugares do jato que fora buscá-lo em Dacar e localizou uma geladeira que parecia promissora. Ficava logo depois da entrada para a apertada6cabine do piloto, por baixo de uma prateleira repleta de revistas que Bond já folheara. Com uma intuição que ele achou admirável, a aeromoça passou pela porta nesse instante e fechou-a em seguida. Era uma jovem alta, de boca larga e sensual, seios atraentes. O sorriso dela ainda não fora gasto nem se tornara automático nas rotas dos aviões comerciais e se manifestava como uma expressão genuína de um desejo de agradar. A roupa era simples, uma saia cinzenta de lã bem cortada e uma blusa branca de seda.— Aceita um drinque? — indagou ela. Bond retribuiu o sorriso.— Eu sabia que você era capaz de ler pensamentos. Temos a bordo um gim Gordon's e uma vodca à base de cereal?— Não sei se é feita de cereal. — Ela se inclinou para abrir a geladeira e Bond apreciou as curvas dos quadris. —- Sempre pensei que vodca fosse feita de batatas.— É o caso da maioria.A jovem ergueu-se, com uma garrafa de Gordon's na mão.— Infelizmente, isso é tudo o que temos. Não gostaria de tomar um uísque?— Não, obrigado. Pode servir quatro doses de Gordon's com uma pitada de martíni seco. Tudo bem gelado. Se puder arrumar uma casca de limão, minha felicidade será completa.A jovem fitou-o com uma expressão de aprovação.— É um homem que sabe do que gosta.— Acho que isso torna tudo mais fácil para todo mundo. — Bond contemplou-a por mais um segundo além do necessário, soprando fumaça pelo nariz. — Há quanto tempo trabalha para a Transcontinental?A jovem não parou de preparar o drinque enquanto respondia:— Há poucas semanas. Fiquei esperando bastante tempo até terminarem a verificação de segurança.— Então eu estava certo — comentou Bond, pensativo. — Achava que nunca a tinha visto antes. E também não reconheci o resto da tripulação.— Eles são novatos como eu.Ela exibiu-lhe novamente o sorriso fascinante e avançou em sua direção com o drinque numa bandeja de prata redonda.

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Bond pegou o copo e sentiu o frio agradável na ponta dos dedos.— Obrigado.7Ele virou a cabeça e sorriu, enquanto a jovem se acomodava no assento a seu lado. Ela recostou-se e levantou um joelho, provocante. Bond murmurou:— Delicioso. . .— Ainda nem provou.— Não estava falando da bebida.Bond levou o copo aos lábios e tomou um gole. Como um substituto, estava excepcionalmente bom. Virou-se novamente para a jovem.— Talvez eu nunca mais viaje com outra aeromoça.— Tem toda a razão, Mr. Bond.Uma pequena pistola automática aparecera debaixo da bandeja e apontava para a barriga de Bond. A ponta do cano não tremia. Bond suspirou.— Você me desapontou. Estava esperando uma expressão de surpresa quando falei em Transcontinental. — Ele sacudiu a cabeça tristemente. — Deveria ter sido empregada pela Transmundial.— Isso não tem a menor importância agora.A voz da jovem era estridente, a um decibel do ponto de colapso. Ela estava tensa. E muito tensa. Haviam-na incumbido de uma missão no limite de sua capacidade. Era de se duvidar que conseguisse levá-la até o fim. Bond sabia que a missão dela era matá-lo. Tudo fora cuidadosamente planejado e habilmente executado, o seqüestro do avião em terra no aeroporto de Dacar e a substituição dos tripulantes. Para se chegar àquele momento. Os lábios da jovem estavam contraídos. Ela procurava reunir coragem suficiente para puxar o gatilho.Bond afastou o copo da boca bruscamente e o cano da arma oscilou, defensivamente. No instante exato em que a arma se moveu, Bond desferiu um golpe com as costas do punho, acertando em cheio a mão que a segurava. A jovem deixou escapar um grito de dor e surpresa e a automática voou para o outro lado da cabine. Bond tornou a golpear a jovem, debaixo do queixo, habilmente. Estava se lançando para pegar a arma, quando a porta da cabine de comando se abriu. O co-piloto apreendeu a situação ao primeiro olhar e jogou-se prontamente para a frente, a fim de se atracar com Bond. Por um momento, Bond viu-se esmagado contra um dos assentos, mas logo conseguiu desvencilhar-se para desferir um cruzado com a direita, que acertou o rosto do homem. Houve um estalo agudo e um grunhido mais de irritação que de dor. O co-piloto tornou a avançar. Era um homem grandalhão, com um pára7quedas preso às costas. Ocorreu a Bond que era um acessório da maior importância nas circunstâncias. Ele se esquivou ao ataque e avançou para pegar a arma. O co-piloto tentou interceptá-lo e Bond desferiu um pontapé contra sua virilha. O avião se sacudiu todo nesse momento e o golpe foi desviado para a coxa. Bond caiu para trás, batendo as costas na parede do avião. Antes que pudesse se mover outra vez, o co-piloto estava em cima dele, tentando agarrar-lhe a garganta. Uma das mãos fez contato e a outra se estendeu por cima da cabeça de Bond. Houve um ruído rangente, e uma violenta golfada de ar ameaçou sugar Bond para fora da cabine. O co-piloto abrira a porta de emergência na qual Bond estava encostado. Ele pôde sentir-se equilibrado à beira do espaço, com o vazio terrível às suas costas, mas esticou as mãos e conseguiu agarrar-se às bordas da abertura. Precisava recorrer a todas as reservas de força de que dispunha para permanecer naquela posição. O co-piloto compreendeu que Bond estava à sua mercê e deu um passo para trás, a fim de desferir o golpe de misericórdia que iria projetar o inimigo no espaço. Foi nesse instante que o avião entrou numa área de turbulência e o chão se inclinou para cima, na direção de Bond. Ele aproveitou a fração de segundo para se jogar para o lado. Quando o avião tornou a se inclinar na outra direção, Bond estava com um dos ombros comprimido solidamente contra o lado da porta. O co-piloto foi lançado para a frente e Bond não precisou fazer mais que guiá-lo para o espaço a que quase fora projetado. Praticamente não houve tempo para que um grito de compreensão e medo se formasse na garganta do homem antes que ele estivesse se projetando para a terra, a rodopiar, braços e pernas se debatendo freneticamente contra o vazio.

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Bond ficou equilibrado na porta aberta e olhou para baixo, sentindo que o vento lhe puxava os cabelos pelas raízes. O co-piloto dominara o pânico inicial e estava planando com braços e pernas estendidos, na posição clássica de queda livre. Bond cerrou os den-tes e preparou-se para se livrar da terrível sucção, que insistia em arrancá-lo do avião. Foi nesse instante que duas mãos vigorosas lhe golpearam os ombros e empurraram-no para o espaço.Num pesadelo, há um momento horrível em que a vítima se descobre suspensa em pleno ar, o coração parecendo cair mais depressa que o resto do corpo. Para Bond, isso era uma realidade aterradora, enquanto mergulhava em direção à terra. Lá embaixo, havia uma distante mancha escura, que podia ser uma montanha ou um deserto. Não fazia a menor diferença. Qualquer das duas8coisas serviria perfeitamente como túmulo. Bond se esforçou para conter o pânico e forçou os braços e pernas a se estenderem, procurando alcançar alguma estabilidade no ar. Um encontro casual com o ás da equipe de pára-quedistas de queda livre dos Demônios Vermelhos dificilmente poderia tê-lo preparado para a situação em que agora se encontrava. Havia um milhão de quilômetros de distância entre o princípio, não importando quão bem explicado, e a realidade. Não era aquele o momento que teria escolhido para descobrir se fora ou não um bom discípulo.Bond empurrou a cabeça para trás e sentiu que planava no ar. A velocidade de descida fora sensivelmente reduzida. Era como uma pedra chata a ondular de um lado para outro, enquanto afunda na água. Olhou novamente para baixo e descobriu que o co-piloto não estava muito longe e aparentemente ignorava o que acontecera depois que caíra do avião. O homem ainda não abrira o pára-quedas. Bond sentiu uma pontada de esperança. Será que poderia se aproximar o suficiente para pegar o co-piloto de surpre-sa? Protegeu os olhos contra a violência do vento e tentou recordar a conversa que tivera no refeitório em Aldershot. Lá embaixo, os picos das montanhas já eram claramente visíveis. Bond inclinou o corpo de lado e sentiu que começava a cair mais depressa, como um Spitfire partindo para o ataque. O problema não era apenas o frio e a força do vento, que o estavam deixando entorpecido; receava que a qualquer segundo pudesse perder o controle e descobrir-se a rodopiar até que o impacto o despedaçasse em mil pedaços, em algum pico pontiagudo e ensolarado dos montes Atlas. Dobrou os braços e as pernas e passou a cair verticalmente, sem se deslocar para o lado. Com um movimento de braços e pernas, sentiu que estava se deslocando para a frente de verdade. Era possível abrir caminho pelo ar como algum desajeitado pássaro ferido.Olhou para o lado e verificou que o co-piloto estava cinqüenta metros abaixo e à direita. O homem estava estendendo uma das mãos para o ombro. Devia estar prestes a puxar o cordão do pára-quedas. Bond esticou os braços e as pernas e inclinou as mãos, como os flaps de um avião. Sentiu-se deslizando velozmente pelo ar e um momento depois o co-piloto surgiu a seu lado. O homem virou a cabeça e Bond viu os dentes brancos brilharem, quando sua boca se entreabriu de espanto. Não teve tempo de fazer mais nada, pois logo Bond estava sobre ele, sentindo no peito o volume do pára-quedas que lhe salvaria a vida. Era o que estava esperando. Agarrando o ombro do homem, Bond desferiu um golpe violento8com a mão, uma cutelada, sentindo a força transmitir-se à área vulnerável por trás da orelha. O homem contorceu-se como um coelho atordoado e não ofereceu qualquer resistência, enquanto Bond lutava contra a rapidez assustadora da descida e o fecho de metal que prendia o pára-quedas. Depois do que pareceram muitos minutos, ao invés de apenas alguns segundos, Bond conseguiu abrir o fecho e arrancou uma das alças de um braço que mal era capaz de alguma resistência. Enfiou o próprio braço pela alça e puxou o resto do pára-quedas, afastando-se do co-piloto. Foi o momento do desespero supremo. Com as duas mãos empenhadas em ajeitar o pára-quedas e puxar o fecho, era impossível manter-se estável no espaço. Sentiu-se a girar, a rodopiar interminavelmente, o chão por baixo e o céu por cima tornando-se um caleidoscópio fantástico, o vento penetrando violentamente pelas roupas, dor e vertigem lhe fustigando o cérebro torturado, como a remexê-lo com uma colher em brasa. E, no instante seguinte, o fecho encaixou no lugar devido e os dedos puxaram a corda do pára-quedas. Por um terrível segundo, pareceu que nada ia acontecer, depois o pára-quedas se abriu com um estalido

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brusco, como a vela spinnaker de um iate oceânico sendo hasteada para aproveitar o vento contrário. O mergulho de cabeça de Bond quase parou, com um solavanco. De repente, ele estava sozinho no ar, flutuando para a terra. À direita ficavam as montanhas meio marrons, com uma vaga impressão de picos cobertos de neve. Diretamente abaixo havia uma planície de areia, cortada por uma estrada em linha reta.Bond levou as mãos aos ombros e preparou-se para guiar o pára-quedas na direção da estrada. Marrakech não devia estar muito longe. Era uma pena que não tivesse tempo de passar a noite na cidade. Pensou no relatório médico e sorriu sombriamente. Era evidente que ainda restava alguma vida no velho guerreiro.993Encontro com M e Q— Ah, James, finalmente chegou!Havia alívio, assim como um brilho de boas-vindas, nos olhos da secretária particular de M. Bond reagiu com prazer ao pequeno vaso com rosas de inverno e à débil fragrância de classe superior, um perfume que não soube identificar prontamente. Era bom estar de novo em casa.— Meu avião foi desviado, Moneypenny. O que está acontecendo?Não houve uma resposta imediata, a cabeça de Miss Mo-neypenny inclinando-se para a frente a fim de anunciar a chegada de Bond. Depois de desligar, ela disse:— Não sei. O ministro da Defesa chegará a qualquer momento. Deve entrar imediatamente.Quando Bond já se encaminhava para a porta e o telefone começava a tocar, a secretária indagou:— O chefe do estado-maior já sabe que você voltou? Bond virou-se e sacudiu a cabeça para o telefone.— Deve ser ele para lhe informar.Ele passou pela porta e fechou-a silenciosamente. A disposição da sala não mudara. O tapete verde estendia-se como um campo de golfe até a escrivaninha de madeira envernizada, com M sentado atrás. Somente o imenso ventilador tropical, de duas pás,9agora parado no teto, por cima da escrivaninha, acrescentava uma nota incongruente. Bond perguntou-se quantas vezes M teria usado aquele ventilador durante o verão anterior. M acenou-lhe impacientemente para que sentasse na cadeira em frente à mesa.— Demorou um bocado de tempo para chegar.Bond sentou e fez uma rápida descrição dos últimos acontecimentos. As mandíbulas de M se contraíram.— É evidente que alguém não gosta muito de você. Não houye um problema em Chamonix antes da sua última missão?— Houve, sim, senhor. Mas não creio que tenham sido os russos desta vez. Depois do caso Stromberg, creio que eles vão me dar alguns meses de folga.— Não espere ser condecorado com a Ordem de Lênin — disse M, secamente. — De quem desconfia?— Alguém com uma conta antiga a acertar. Há diversos candidatos.— Sei disso. Só espero que consiga se manter a salvo deles durante sua próxima missão.Bond sentiu a curiosidade aguçada.— Tentarei, senhor.— Teve tempo para dar uma olhada nos últimos relatórios? Enquanto falava, M pegou o cachimbo no cinzeiro de cobre.— Não, senhor. Vim diretamente para cá, mandado pelo chefe do estado-maior.— O que sabe a respeito do Moonraker?Bond folheou rapidamente o fichário em sua mente.— É um ônibus espacial americano. Pode ser lançado ao espaço por um foguete, entrando em órbita em torno da Terra e depois penetrando de novo na atmosfera, para pousar como uma aeronave convencional. Tais veículos podem ser usados para servir permanentemente a estações espaciais tripuladas.

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— E os americanos estão se preparando, para pô-los em uso, na próxima etapa de seu programa espacial. Sabia que íamos receber um Moonraker a fim de que o Setor Q pudesse examiná-lo?— Não, não sabia — respondeu Bond, a surpresa transparecendo em seu rosto.— Ótimo — disse M, sombriamente. — Não deveria mesmo saber. Ninguém deveria.— Posso perguntar-lhe por que a montanha está vindo a Maomé? — perguntou Bond.— Nas circunstâncias atuais, pode, sim — respondeu M, ajei10tando o fumo no cachimbo. — A turma de Q descobriu algo a que se deu o nome de SHIELD, Space Heat Identification and Early Liquidation Device'.M fez uma pausa, exibindo uma carranca, para manifestar a sua desaprovação à escolha de tal nome.— Não sei por que foram chamar o tal sistema de SHIELD. Mas parece que atualmente tudo precisa ter um nome de sabão em pó. Seja como for, o fato é que esse sistema, quando instalado numa espaçonave, garantirá que nenhum míssil de interceptação possa se aproximar a um raio de alguns quilômetros sem ser destruído. Ao que parece, o sistema é infalível e o governo se recusa a permitir que quaisquer detalhes saiam do país. Os americanos estão interessados no sistema para o programa dos ônibus espaciais e por isso vieram a nós. . .Houve outra pausa, o rosto de M tornando-se sombrio.— Ou melhor. . . — ele parou de falar, quando o telefone começou a tocar. Largou o cachimbo apagado e atendeu. — Está certo. Isso mesmo. Iremos imediatamente. — M repôs o fone no gancho e virou-se para Bond. — Muito bem, 007. Pode ouvir o resto na Sala de Operações.Ele contornou deliberadamente a mesa. Bond foi até a porta e abriu-a. Não pela primeira vez, perguntava-se se haveria algum limite à diversidade de projetos que Q comandava em seu departamento.M olhou firmemente para Miss Moneypenny ao passar pela mesa dela e disse:— Estaremos na Sala de Operações. Não quero ser incomodado, a menos que seja uma situação crítica.— Sim, senhor.Ela sorriu para Bond, como se estivesse grata por encontrar alguém com quem podia trocar um gesto de calor humano. Bond pensara muitas vezes na espécie particular de lealdade que ligava Moneypenny a M. Ser a amanuense pessoal de M não podia ser o trabalho mais fácil do mundo. Corria o rumor de que M, certa ocasião, dera a Moneypenny uma garrafa de xerez no Natal. Mas tal rumor jamais fora confirmado. Era mais provável que M lhe tivesse desejado os votos usuais da ocasião, com um aceno solene a indicar cautela contra tirar proveito da oportunidade para qualquer extravagância. Bond também se perguntava por que Moneypenny não se casara. Era uma jovem bonita e não deviam ter faltado pretendentes. Talvez, como ele, Moneypenny tivesse chegado à conclu10são de que estava irrevogavelmente casada com o serviço. Talvez para ambos M representasse a figura do pai austero, que exigia todo o respeito e atenção.M seguiu na frente pelo corredor comprido e virou à esquerda, diante do elevador. Bond sabia que não devia esperar qualquer comentário enquanto estivessem andando.Um aceno brusco para um colega foi o único incidente da jornada. M parou diante da segunda porta e girou a maçaneta. A Sala de Operações era como um pequeno cinema, com algumas fileiras de cadeiras descendo suavemente até uma tela. Havia uma pequena plataforma e um quadro-negro no espaço não ocupado pela tela. Mapas e outros acessórios visuais podiam ser baixados do teto como panos de fundo, controlados da cabine de projeção, que era separada da sala principal.Bond reconheceu os dois homens que estavam esperando na sala. Um deles era Frederick Gray, o ministro da Defesa, que naquele instante estava tirando o sobretudo, com a ajuda de um dos assistentes que vigilantemente acompanhavam todos os visitantes do Consórcio Transmundial, a partir do momento em que cruzavam a porta da rua. Ele apertou a mão de M sem muito entusiasmo e acenou com a cabeça para Bond. Já se haviam encontrado antes. O segundo homem na sala era Q, usando um terno de tweed que parecia ter sido emprestado por um caçador depois de um dia inteiro de caça

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aos veados. Ele também acenou a cabeça para Bond, erguendo o braço num gesto constrangido de cumprimento. O assistente retirou-se discretamente.— Obrigado por ter vindo, ministro — disse M. — 007 já conhece os motivos para a visita do Moonraker, mas não a causa imediata da nossa preocupação. Ficaria agradecido se reconstituísse todos os fatos, Q.Q assentiu e subiu rapidamente para a plataforma. Os outros se sentaram no fundo da sala. Bond ficou um pouco afastado do ministro e de M, sentindo a comichão de expectativa que sempre o dominava no início de uma nova missão. Estava um tanto excitado, aguardando as palavras que Q iria pronunciar.— O Moonraker estava sendo transportado da Califórnia em cima da fuselagem de um 747. O 747 caiu no Alasca.A expressão de Bond carregou-se de acordo com a gravidade da situação.— Acidente?M não virou a cabeça ao dizer:11— Escute o que Q tem a contar e depois forme sua própria opinião.Q apertou um botão e as luzes diminuíram. Apertou-o novamente e uma imagem apareceu na tela. Mostrava os destroços do que fora aparentemente um desastre aéreo, espalhados pela encosta de uma montanha rochosa, coberta de neve.— Não há sobreviventes — disse Bond. Não era uma pergunta, apenas uma constatação.Frederick Gray virou-se e fitou Bond nos olhos, antes de dizer:— Nem o Moonraker.Q continuou, antes que Bond pudesse fazer qualquer comentário:— Os peritos da NASA já examinaram minuciosamente os destroços. — Ele ficou calado por um momento, enquanto outras fotos de pedaços de metal causticados e retorcidos apareciam na tela. — Não há qualquer vestígio do ônibus espacial.Bond mal podia acreditar no que estava ouvindo.— Por acaso está querendo insinuar que o Moonraker foi seqüestrado em pleno ar?— Parece não haver qualquer outra explicação — disse M. — O Moonraker estava no 747 no momento em que decolou da Califórnia.— Não houve qualquer contato pelo rádio antes do acidente?— Não.— E a tripulação do 747?— Todos os corpos foram resgatados. De qualquer forma, não será possível uma identificação positiva. Mas não há razão para acreditar que qualquer um deles estivesse envolvido no que aconteceu ao ônibus espacial.— Parece coisa dos russos — comentou Bond. Ele pensou no que dissera no gabinete de M. Não ia ser fácil. — Que melhor lugar para eles efetuarem um seqüestro? O avião estava perto do estreito de Bering e poderiam chegar a seu território sem maiores problemas.— Os sistemas de alerta americanos naquela parte do mundo são particularmente sensíveis — disse M. — E nada captaram.— Eles podem ter corrido o risco de voar a baixa altitude.— Seria um risco muito grande. Um ônibus espacial não é projetado para se desviar de icebergs.— Acha que há mais alguém envolvido, senhor?11— É uma possibilidade — respondeu M. — Mas tenho de concordar com você. Devemos encarar os russos como os principais suspeitos.— A situação é extremamente embaraçosa — disse Gray, tensamente. — O Moonraker estava vindo para a Inglaterra porque não queríamos permitir que o nosso know-how técnico deixasse o país. O Pentágono não deve ter ficado muito satisfeito. E agora acontece isso. Para agravar a situação, o oficial de navegação do 747 era da RAF. Tudo se soma para chegarmos perto do que se costuma classificar de "um incidente internacional".— Acha que os americanos vão pensar que tivemos alguma responsabilidade no que aconteceu? — perguntou Bond, incrédulo.Houve um momento de silêncio constrangido, até que Gray finalmente declarou:

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— Não, creio que não. Mas às vezes pode-se dizer coisas que não se quer, no calor do momento. . .Ele não completou a frase, fazendo um movimento nervoso com as mãos, como se considerasse o assunto angustiante demais para ser discutido. A voz de M interveio, firmemente:— A verdade é que os americanos nos consideram parcialmente responsáveis pelo que aconteceu. O que nos deixa com a obrigação de descobrir o que houve. — Ele fitou os olhos resolutos de Bond, antes de acrescentar: — E essa será a sua missão.Bond assentiu.— Está certo, senhor. — Virou-se para Q. — Os destroços do 747 proporcionaram alguma pista?— Não. Ainda estão sendo efetuados testes de laboratório, mas duvido muito que revelem alguma coisa importante.— Onde foi fabricado o ônibus espacial?— Na Califórnia. Pela Corporação Drax.— De Hugo Drax, o multimilionário? Não sabia que ele estava envolvido com o programa espacial americano.— É ao mesmo tempo uma obsessão e um gesto filantrópico — comentou M. — Com a NASA carente de recursos, os americanos não podem se dar ao luxo de recusar o dinheiro que Drax está disposto a oferecer ao programa espacial. Ele possui um complexo industrial na Califórnia que foi devotado inteiramente à fabricação e teste do Moonraker.— Com a assistência técnica da NASA, é claro — acrescentouGray.12Bond teve dificuldade em controlar a sua incredulidade. Os recursos de que Drax devia dispor para financiar o programa espacial americano não podiam deixar de ser astronômicos.— Talvez seja uma boa política eu fazer uma visita a Hugo Drax. Seria uma indicação de nossa preocupação e me daria a oportunidade de ter alguma idéia dos antecedentes. Posso até encontrar uma pista qualquer.— Concordo — disse M. — E quero que parta imediatamente. Informaremos Drax de sua chegada e darei um telefonema de cortesia à CIA. Não queremos que ninguém se sinta desprezado.Ele virou-se para Gray, a fim de verificar se o ministro tinha algo a acrescentar. Gray levantou-se bruscamente, como se estivesse ansioso para ir embora.— Obrigado, Sir Miles. Só lhe peço que não se esqueça de me manter permanentemente informado de todos os acontecimentos. — Virou-se para Bond com uma expressão de "A Inglaterra espera que cada um cumpra o seu dever" no rosto. — Boa sorte, Bond. Não preciso reiterar como essa missão é importante. Não queremos absolutamente que as relações anglo-americanas sofram um baque.— Farei todo o possível, senhor.Bond inclinou a cabeça respeitosamente para o representante do governo de Sua Majestade, que se virou para descobrir que o assistente se materializara com o seu sobretudo, como num passe de mágica. Foi acompanhado até a porta e Bond imaginou que a reunião terminara. Mas um olhar de M fê-lo permanecer onde estava.— Há mais uma coisa, 007. O Setor Q providenciou um novo... ah... item para você.A palavra "item" foi pronunciada sem muito entusiasmo nem respeito. Bond tinha a impressão de que M teria preferido dizer "engenhoca". Como um homem que sobrevivera a muitas batalhas navais, M achava difícil levar a sério qualquer arma menor que um canhão de doze polegadas.Q era indiferente a qualquer entonação que M escolhesse usar. Tirou do bolso uma caixa pequena e removeu lá de dentro o que, à primeira vista, parecia ser uma estreita correia de couro para um relógio de pulso.— Estenda o braço, por favor, 007.Bond obedeceu e a correia foi ajustada em seu pulso. Num exame mais atento, verificou que a correia parecia uma cartucheira12

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em miniatura. Alguns objetos estavam enfiados em pequenos recipientes no couro. Em termos de elegância, era algo que Bond não teria escolhido para usar. Ele olhou para Q, inquisitivamente.— Íamos em breve lançar essa arma como equipamento padrão. Isto é, para os agentes com prefixo zero-zero. É ativada por impulsos nervosos dos músculos do pulso. — Q colocou Bond de frente para um dos painéis de cortiça no outro lado da sala. — Estenda o braço e vire o pulso para trás.Bond assim fez e ouviu um pequeno estalido, como o de um graveto se partindo. Um pequeno dardo estava cravado na cortiça. De tão pequeno, era quase invisível. Q estendeu a caixa aberta paraBond.— Há dez dardos aqui. Cinco têm a ponta azul, com cabeças para penetrar em blindagem. Há cinco com pontas vermelhas, com uma camada de cianureto que causa a morte em menos de trinta segundos.Bond olhou para o pulso e sacudiu a cabeça.— Uma boa novidade, Q. Deve fazer todo o possível para colocar o produto nas lojas antes do Natal.134Hugo Drax em casaBond saiu do 747 no aeroporto de Los Angeles experimentando a sensação familiar de irritação por ter de viver novamente meio dia de sua vida, devido à diferença dos fusos horários. Mas pelo menos dessa vez ninguém tentara empurrá-lo para fora do avião e o bufê frio da primeira classe fora uma variação das mais agradáveis à comida insossa e quente demais, que se tornava particularmente insuportável pelo emprego de presunçosos títulos da gastronomia francesa. Encontrara até mesmo uma garrafa de Pou-ligny-Montrachet, devidamente gelada, arregalando os olhos com a indicação da safra de 1971 no rótulo úmido."James Bond, passageiro procedente de Londres, queira fazer o favor de se apresentar no balcão da British Airways."Bond ouviu a mensagem ao sair para o pátio aberto, e no mesmo instante se afastou da massa de passageiros, que avançavam como lemingues para verificar se a bagagem também viera no avião. Um rapaz de aparência jovial, usando uma camisa de mangas curtas e um emblema pregado no peito em que se lia "Estou feliz quando você está feliz", esperava atrás do balcão da British Airways, com um lápis pronto para entrar em ação. Ao lado do balcão havia uma jovem de beleza incomparável, que só podia ser americana. As duas fileiras de dentes perfeitos não apenas eram extremamente brancas como também refletiam luz suficiente para13ofuscar quem contemplasse aquele sorriso radiante. Os olhos azuis eram grandes e relativamente espaçados, proporcionando o equilíbrio necessário ao nariz comprido e afilado, à boca atraente e polpuda. Os cabelos louros brilhavam como seda e pareciam ondular incessantemente, como que animados pela aura de boa saúde que se irradiava de cada célula do corpo. Como Venus emergira das espumas na ilha de Chipre, aquela jovem poderia ter emergido do mar em Malibu e se encaminhado para a praia a fim de assumir o seu lugar de direito como uma deusa das praias californianas. Usava um uniforme branco, de corpo inteiro, que parecia um macacão de mecânico e lhe acentuava o bronzeado. À distância, Bond não pôde ter certeza se o uniforme era usado por moda ou conveniência. Ao se aproximar, viu a palavra "Drax" bordada num dos bolsos ao lado de uma insígnia que parecia uma espiral dupla, dentro de órbitas se cruzando. O interesse de Bond no mesmo instante aumentou. A jovem fitou-o com uma expressão de expectativa.— Mr. Bond?Havia um tom débil mas discernível de esperança na voz, o que era um tanto lisonjeiro.— O próprio.— Como vai? Sou Trudi Parker. Mr. Drax mandou-me buscá-lo.A atitude dela era relaxada e amistosa. Não havia o formalismo solícito que Bond estava acostumado a encontrar ao ser recebido em aeroportos.

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— É muita consideração dele.Bond fez menção de seguir o último dos passageiros de seu vôo que já se afastava, mas Trudi estendeu-lhe a mão esguia, dizendo:— Se me der os talões de bagagem, providenciarei tudo. E poderemos partir imediatamente.O rapaz atrás do balcão torceu o lápis entre os dedos e recebeu os talões de bagagem como se fossem presentes extremamente preciosos. Bond chegou à conclusão de que o nome Drax obviamente representava algo muito importante naquela parte do mundo.— Venha comigo, por gentileza.Bond descobriu que era um prazer acompanhar a jovem. Trudi caminhava que era uma beleza, erguendo-se nas pontas dos pés como se estivesse prestes a iniciar uma dança a cada passo. Os ombros dela eram largos e visivelmente musculosos, um braço14ligeiramente mais desenvolvido que o outro. Bond presumiu que ela devia nadar bastante e provavelmente jogava tênis com constância. Trudi levou-o para um corredor secundário, que não tinha letra nem número de vôo. Desceram por uma rampa e, um momento depois, emergiram à luz do sol. A algumas centenas de metros estavam os veículos das empresas aéreas comerciais, aninhados nos respectivos corredores como bezerros numa manjedoura automática. Diretamente à frente, na pista, estava um helicóptero de contornos desconhecidos para Bond. Pintadas no lado estavam as palavras DRAX AIRLINES, ao lado do mesmo símbolo que adornava o uniforme de Trudi.— Você é minha guia e mentora? — indagou Bond.— Sou a pilota.Bond teve de fazer um esforço para controlar a surpresa. A Califórnia não era um lugar dos mais apropriados para se ser acusado de preconceito sexual.— Não estou reconhecendo o helicóptero — comentou Bond.— Nem poderia. É o protótipo de um modelo que Mr. Drax está desenvolvendo.— Não sabia que ele possuía uma linha aérea.— Mr. Drax tem muita coisa no setor de transportes. Possui duas ferrovias na América do Sul. E tem também uma companhia de navegação no Japão e uma empresa de transporte rodoviário. Mas, para dizer a verdade, não conheço metade das coisas que ele possui. Creio que somente Mr. Drax e talvez alguns de seus contadores é que conhecem tudo.Ela sacudiu a cabeça para outro helicóptero, com um piloto de Drax na cabine, acrescentando:— Ele partirá com a sua bagagem dentro de alguns minutos.— Estou me sentindo muito bem tratado.— É justamente o que estamos querendo. — Ela apontou para o helicóptero. — Imagino que já voou antes num desses aparelhos.— Algumas vezes.— O que é ótimo, pois assim não preciso fazer o discurso para tranqüilizá-lo.— Está querendo dizer que vamos simplesmente decolar? — indagou Bond. — E as formalidades com o passaporte? Por acaso esqueceu que acabei de chegar da Inglaterra?— Quando se é convidado de Mr. Drax, as coisas se tornam14muito informais. — Trudi sorriu, sedutoramente. — Mr. Drax não convidaria ninguém cuja visita não servisse aos interesses dos Estados Unidos.— Ele parece ser a própria lei por aqui — comentou Bond. Trudi subiu no helicóptero.— Mr. Drax é um homem bem-sucedido e os americanos respeitam o sucesso. E não apenas o respeitam, como também confiam nele.Ela esperou até que Bond estivesse a seu lado, com o cinto de segurança no lugar. Depois, falou rapidamente pelo rádio, pedindo permissão para decolar. Segundos depois estavam no ar, subindo rapidamente e seguindo na direção norte. Bond olhou ao redor, à procura de sinais do tão alardeado nevoeiro de Los Angeles, imaginando se era tão difícil de encontrar quanto o fog londrino. Lá embaixo, havia uma sucessão de ruas compridas e retas, cruzan-do-se, com amplas rodovias descrevendo curvas no horizonte. A cidade lembrava um gigantesco tabuleiro.— O lugar para onde vamos fica muito longe? — perguntouBond.

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— Cerca de duas horas de vôo. É a primeira vez que vem à Califórnia?Bond não podia deixar de admirar a maneira descontraída com que Trudi controlava o helicóptero. Como um homem que adorava estar sentado ao volante de um carro veloz, sempre reagira favoravelmente a uma mulher bonita que soubesse como manejar uma máquina.— Já estive aqui algumas vezes, mas conheço melhor a costa do Atlântico.— Está me parecendo um tanto aristocrático — comentou Trudi, sorrindo.— Do jeito que fala, não parece um elogio.— Mas também não imprimi o tom de um insulto. — Trudi apontou para um ponto lá embaixo. — Ali é Hollywood.— Então é esse o famoso cartaz na colina. É uma pena que ninguém se lembre de aplicar uma mão de tinta.— Tenho certeza de que ficariam profundamente gratos a qualquer voluntário que se apresentasse para o serviço.Trudi aplicou uma pressão com a ponta do polegar ao controle e o helicóptero mudou de rumo, passando a seguir para nordeste. Bond sorriu para si mesmo. Estava gostando de Trudi. Era uma mulher segura e possuía um bom senso de humor. Não ha15via qualquer vestígio de pretensão nela. Ainda por cima, era uma pilota excepcional. Não pela primeira vez, Bond pensou como a beleza pode quase constituir uma desvantagem para uma mulher. A maioria dos homens acredita que as mulheres compram a beleza dos deuses em troca da inteligência. Ao contemplar Trudi pela primeira vez, pensara que devia ser uma modelo muito procurada pelos anunciantes de dentifrícios. Se ela fosse feia, de ombros arredondados, usando uma bata até a altura dos joelhos, estaria propenso a acreditar que se tratava de uma vencedora do prêmioNobel.— San Fernando fica à nossa esquerda — comentou Trudi. Bond censurou a si próprio. Trudi estava lhe absorvendo aatenção em demasia. Ela era de fato uma linda jovem, mas não fora para isso que viera à Califórnia.— Por acaso sabe o motivo da minha visita? Trudi sacudiu a cabeça.— Não. Recebemos muitos visitantes e não posso saber de tudo o que está acontecendo. Sou apenas uma humilde pilota, a serviço da Corporação Drax.— Mas já ouviu falar do desastre aéreo no Alasca, não é mesmo?A expressão de Trudi tornou-se séria.— Já, sim. Foi. o 747 que levava o Moonraker. Estava a caminho da Inglaterra, não é mesmo?— Exatamente. — Bond estava interessado em conhecer a versão oficial sobre o acidente. O desaparecimento do ônibus espacial não fora divulgado. — Estou investigando o acidente.— Quer dizer que já esteve no Alasca?— Já, sim.— Puxa, você anda mesmo depressa.Bond estudou a moça pelo canto dos olhos. Não havia nada na expressão dela que demonstrasse que ela sabia que ele estava mentindo em relação ao Alasca.Los Angeles e suas cidades-satélites já tinham ficado para trás e o helicóptero voava com uma velocidade impressionante, suavemente, sobre uma planície que parecia um deserto, com uma cordilheira à distância. Bond calculou que devia estar sobrevoando algum ponto da extremidade do deserto de Mojave. Era uma região inóspita, cortada por extensas ravinas e leitos de rios secos. O solo era de um castanho avermelhado, salpicado de arbustos. O vento quente do deserto estava levantando tempestades de areia em15miniatura, lançando uma fina camada de poeira sobre a cabine transparente do helicóptero. Bond estava surpreso com a direção que seguiam. Imaginara que o empreendimento espacial de Drax estivesse localizado perto de suas principais instalações na Califórnia, no vale de San Joaquim, a norte de Bakersfield.

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— Já estamos sobrevoando a propriedade Drax — comentou Trudi, acrescentando uma versão apreciável ao clichê do velho oeste: — Até onde a vista pode alcançar, tudo é propriedade Drax.— Ele é dono de uma porção de coisas, não é mesmo? Trudi virou a cabeça para fitá-lo; não havia agora qualquerdivertimento em seus olhos.— O que Drax não possui é porque não quer.Bond deixou que o silêncio reinasse e ficou observando as moitas deslizarem pela planície. Quase imperceptivelmente, os contornos das montanhas distantes começaram a se definir e o deserto foi dando lugar a pastagens mais férteis, gado de chifres com-pridos pastando aqui e ali, não se dando ao trabalho de levantar a cabeça à passagem do helicóptero. À frente, a vegetação era ainda mais viçosa e havia diversos prédios baixos, dando a impressão de ser uma pequena cidade.— Este é o complexo principal — comentou Trudi, com a maior naturalidade.Bond contemplou a cena, devidamente impressionado. Havia uma pequena ferrovia e um pátio de manobras, o que parecia ser uma usina de força de tamanho médio e cinco enormes hangares, um deles com a palavra MOONRAKER pintada no teto. Bond pensou no cartaz de Hollywood. Aquele era bem maior. Havia uma pista de aterrissagem e uma torre de controle ao lado dos hangares, além de uma imensa construção semicircular, que Bond calculou ser um túnel aerodinâmico.— Então é aqui que o Moonraker é fabricado? — perguntou.— Exatamente. Oficinas, hangares, departamento de projeto e planejamento, laboratórios de testes. . . tudo, enfim, está aqui.O helicóptero estava agora voando baixo e Bond pôde ver homens em macacões operando empilhadeiras nos vales profundos entre os hangares. Além do cartaz pintado no telhado de um dos hangares, não havia por ali coisa alguma para informar ao visitante que se tratava de algo mais que uma grande fábrica instalada no deserto. Como poderia acontecer, por exemplo, com uma fábrica de munições.Bond olhou para a frente e ficou surpreso ao divisar uma16fileira de choupos. E ficou ainda mais espantado com o que divisou além. Era um castelo, ao estilo francês da Renascença, que não devia ser menor que o de Chambord, as torres brilhando ao sol, como algo saído de um conto de fadas. Bond simplesmente recusou-se a acreditar no que estava vendo. Podia ser apenas uma fachada, talvez o remanescente de um cenário de filme há muito esquecido, feito no deserto e não desmontado pelo seu valor como diversão. Quem olhasse de trás, iria deparar com uma estrutura desalinhada de andaimes, para manter a fachada de pé. Mas as pedras pareciam bastante genuínas, assim como os jardins franceses formais, com suas sebes definidas, caminhos de seixos e batalhões bem-arrumados de flores idênticas. Bond virou-se para Trudi e viu a expressão divertida no rosto dela.— Cada pedra, até a última, foi trazida do vale do Loire — comentou ela.— Por Hugo Drax?— Quem mais poderia ser?Bond contemplou novamente a imponente construção de pedras brancas e as janelas recuadas, parecendo escamas no dorso de um peixe.— Espetacular. Por que ele não comprou também a TorreEiffel?Trudi sorriu.— Ele comprou, mas o governo francês negou permissão para a exportação.Bond retribuiu o sorriso.— Afinal, se a gente precisa mesmo morar ao lado do lugar em que trabalha, é sempre bom procurar algum conforto.Ele tornou a olhar para os jardins. Estavam povoados, quase que em excesso, por uma profusão de estátuas de mármore de atletas e deusas, erguendo-se em seus pedestais como se tentassem desesperadamente atrair atenção. A própria quantidade indicava que eram autênticas e que Hugo Drax era um homem que jamais podia ter o suficiente de uma coisa boa. O helicóptero contornou o canto do palácio e Bond procurou em vão pelos andaimes. Um amplo gramado se estendia diante da construção. Cinqüenta rapazes e moças estavam deitados ali, de costas, em cinco fileiras de dez. No instante

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em que Bond focalizou a cena, todos se levantaram abruptamente, erguendo os braços acima da cabeça e começando a sacudir o corpo dos quadris para cima. Vestiam malhas pretas e à primeira vista parecia que estavam numa aula de bale, no estágio17da ginástica de aquecimento. O que ficou imediatamente patente para Bond, ao contemplar os jovens esticando os braços para o ar, era que ali estava o grupo mais bonito que já vira. Ele olhou para Trudi, inquisitivamente.— Eles são aprendizes de astronautas. Integram um projeto muito caro ao coração de Mr. Drax, o Programa de Treinamento de Astronautas da Corporação Drax.— Mas essas coisas não são tratadas com exclusividade pela NASA?— Antigamente eram. Mas Mr. Drax ofereceu um financiamento amplo para o treinamento, se pudesse ser aberto a pessoas do mundo inteiro. — Trudi deu de ombros. — É o lema de que o espaço pertence a todo mundo. Era uma proposta que a NASA di-ficilmente poderia recusar. Eles fornecem quase todos os técnicos e instrutores, enquanto a Corporação Drax entra com as instalações.Bond tornou a olhar para os jovens no gramado, com uma expressão de admiração.— Mais parecem finalistas de um concurso de Mr. e Miss Universo.Trudi sorriu.— Mr. Drax se empenhou em selecionar os melhores espécimes físicos.Bond contemplou Trudi com a devida apreciação.— Foi o que imaginei lá no aeroporto.Os dedos de Trudi se contraíram na alavanca de controle.— Está tentando virar a cabeça de uma jovem, Mr. Bond. Ela deslocou o braço e o helicóptero mergulhou para a terra.Quando as hélices estavam quase parando e o gemido terrível do motor se desvanecera para o matraquear prosaico de uma máquina de costura, a coberta do helicóptero foi empurrada para trás e Bond abriu o cinto de segurança, saltando para o pequeno heliporto em que tinham pousado e dizendo para Trudi:— Obrigado pela carona.O sorriso dela era tão radiante quanto a luz do sol.— Sempre às ordens.Trudi gesticulou na direção de uma escadaria de pedra e Bond se afastou, sentindo no rosto o ar quente do deserto. O ambiente era tão incongruente que ele achava difícil saber onde estava exatamente. Era como se subitamente tivesse caído dentro de um sonho com toda a aparência de realidade. Um homem com o casaco preto17e a calça cinza listrada de um criado britânico adiantou-se rapidamente, quando Bond e Trudi chegaram ao alto da escadaria.— A bagagem de Mr. Bond chegará dentro de alguns minutos, Gilbert — informou Trudi. — Vou acompanhá-lo até o seu quarto.— Pois não, senhorita.O homem era inequivocamente inglês. Falava com um ligeiro vestígio do sotaque cockney. Inclinou ligeiramente a cabeça para Bond, à guisa de um cumprimento respeitoso. Ficou no alto da escadaria, as mãos cruzadas diante do corpo, esquadrinhando o céu, como um cão de caça à espera do primeiro pato.Trudi seguiu na frente pelo terraço, passando por plantas em vasos de ferro e por portas de vidro três vezes mais altas do que Bond, mas ainda assim ficando a três ou quatro metros do teto esculpido do interior. A sala de recepção parecia estender-se interminavelmente como uma galeria de quadros e era um museu de móveis antigos, brilhando sob uma camada grossa de verniz. Bond olhou ao redor, enquanto avançava sobre os tapetes persas, tentando comparar o lugar cm que se encontrava com as suas recordações do castelo de Randolph Hearst, em San Simeon. Não chegara a conhecê-lo no auge, mas as primeiras impressões que tinha agora sugeriam que Hugo Drax fizera algum progresso no reino da excentricidade do ouro de vinte e quatro quilates. Uma imensa porta dupla dava acesso a um hall de mármore, com mais bustos em nichos e alcovas, uma escada ampla que se bifurcava debaixo de um grande quadro a óleo, que devia ser um Rembrandt ou uma imitação magistral. Bond não se sentia competente para julgar, mas estava inclinado a apostar na primeira possibilidade. Talvez houvesse

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algo ligeiramente vulgar na exibição de tanta riqueza, mas era uma vulgaridade das mais genuínas.Trudi subiu graciosamente a escada e virou à direita ao chegar junto ao quadro.— Vamos ficar neste lado — comentou Trudi. Bond permitiu-se um altear de sobrancelha e ela apressou-se em acrescentar: — O que estou querendo dizer é que nossos quartos ficam nesta ala. Não há escassez de quartos por aqui.— O que é uma pena.Bond contemplou as armaduras encostadas à parede, a intervalos de dez passos. Eram quase todas francesas. O corredor era largo e o teto entrecruzado por vigas pintadas. O reboco do teto entre as vigas era uma intrincada tapeçaria de lindas flores pintadas. Mesmo os vidros das janelas pareciam genuínos, com um ou18outro losango azul ou amarelo surgindo entre as placas finas de vidro antigo.Trudi parou diante de uma porta e abriu-a.— Este é o seu apartamento. O meu é ao lado.— O que é muito conveniente — comentou Bond. — Não me esquecerei disso, se precisar de um copo de água.— Providenciarei para que a minha caneca da escova de dentes esteja limpa. — Ela olhou para o relógio e voltou a ser profissional. — Vou comunicar a Mr. Drax que já chegou. Sua bagagem não deve demorar. Pode estar pronto dentro de meia hora?— Claro.— Ótimo. Cavendish, o mordomo de Mr. Drax, virá buscá-lo. Eu o verei mais tarde.— É o que espero.Bond ficou parado por um momento, contemplando Trudi se afastar pelo corredor, antes de entrar no quarto. Este era dominado por uma cama com quatro colunas e um dossel de seda decorada com a flor-de-lis. Bond se perguntou quantos reis e rainhas da França, sem falar nos amantes, teriam dormido naquela cama, antes que lhe fosse concedido o privilégio. O teto era alto, pintado com uma cena de atividade celestial, incluindo anjos com trombetas, velhos com harpas imensas e mulheres rechonchudas e rosadas, que estavam tendo a maior dificuldade em ocultar as chamadas partes pudendas por trás de turbilhões de tecido diáfano, que preferiam usar no lugar de roupas.Houve uma discreta batida na porta e Gilbert entrou em seguida para colocar as surradas malas Vuiton de Bond num banco de carvalho esculpido ao pé da cama. Bond agradeceu e depois entrou no banheiro, que parecia ter sido inteiramente transferido para a Califórnia, de um hotel de grande classe em Paris. Os ladrilhos iam do chão ao teto, a banheira era grande e profunda, com torneiras parecendo trombetas douradas e um chuveiro construído como um lança-chamas antigo. Os ladrilhos do chão eram pretos e brancos e havia mais espelhos que num quarto de bordel. O bidê tinha um elegante padrão azul-claro. Um roupão branco felpudo estava pendurado ao lado da banheira.Bond despiu-se, tomou um banho de chuveiro frio, vestiu roupa de baixo limpa e escolheu uma camisa branca de algodão numa das malas. Sentia o desejo não apenas de erradicar todos os vestígios da viagem desde a Inglaterra, mas queria também efetuar uma absolvição espiritual. Queria sentir-se novamente como uma18máquina eficiente ao apresentar-se para o exame de Drax. Deu o nó na gravata, sabendo que uma parte dos preparativos estava faltando. Queria tomar um drinque. Correu os olhos pelo quarto e encaminhou-se para um pequeno armário Luís XV. Puxou uma das gavetas e descobriu o que procurava. Toda a fachada do móvel fora habilmente transformada numa porta, que se abria para revelar uma geladeira, convenientemente abastecida com todas as bebidas que um viaiante internacional poderia apreciar. Era um ato de vandalismo artístico e poderia perfeitamente ter ocultado um aparelho de televisão. Bond sentiu-se satisfeito por não ser esse o caso. Era capaz de ficar com dor de cabeça só de olhar para as programações dos canais de televisão num jornal americano; eram verdadeiros catálogos de publicidade, na opinião dele. Ele bombardeou o fundo de um copo com cubos de gelo e despejou por cima uma dose generosa de Virgínia Gentleman, certamente o melhor bourbon fabricado fora do Kentucky. O líquido escuro turbilhonou sedutoramente e o gelo dançou e retiniu, como se empenhado em alguma comemoração particular.

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Bond deixou que um gole inicial mais comprido lhe queimasse a garganta, passando depois a beber mais devagar. Ainda lhe restavam dez minutos para a chegada prevista do mordomo de Drax. Tornou a correr os olhos pelo quarto e sua atenção foi atraída pela cabeceira da cama. Era esplendidamente esculpida e no centro apareciam dois tritões no ato de dominarem um monstro marinho. A boca do monstro estava aberta, a cabeça saltando para a frente, em relevo, mais avantajada que o resto da escultura. Como um estímulo à paixão violenta, a peça talvez tivesse algum mérito, embora Bond achasse que eventuais ocupantes da cama poderiam se sentir intimidados pela presença do monstro dois ou três palmos acima de suas cabeças. Havia algo que dava a impressão de vivo nos olhos esbugalhados e nas fileiras de dentes vorazes. Bond recordou-se da infância, da ocasião em que conseguira reunir coragem suficiente para enfiar os dedos na boca escancarada de um crocodilo empalhado. Num gesto que era de pura nostalgia, ele foi até a cama e meteu os dedos pela abertura entre as duas fileiras de dentes de madeira. Ficou surpreso ao sentir algo se mexer.A curiosidade imediatamente despertada, tirou de uma mala um estilete fino de metal e depois de uns poucos minutos de sondagem conseguiu puxar para fora o objeto que sentira. Era um microfone em miniatura, preso a um fio que parecia se estender por trás da cama. Bond ficou olhando para o microfone por um momento,19pensativo, depois tornou a colocá-lo em seu esconderijo. Se estava ligado, o ruído que fizera ao puxá-lo certamente teria sido captado e a pessoa que estivesse ouvindo teria compreendido que o microfone fora descoberto. Bond se perguntou se Hugo Drax gostava de ouvir o que as outras pessoas diziam enquanto dormiam ou se haveria motivos de voyeur para a presença do microfone. Talvez fosse o acompanhamento para uma câmara oculta, instalada na parede do outro lado. Qualquer que fosse a explicação, deixou Bond ainda mais ansioso para seu encontro com o anfitrião.Bond estava examinando o quarto havia vários minutos, sem ter encontrado mais nada de excepcional, quando soou uma nova batida discreta na porta. Abriu-a para deparar com um homem de cabelos grisalhos, cuja expressão era inteligente sem ser presunço-sa, deferente sem ser humilde, distinta sem ser aristocrática. Usava uma calça preta, fraque preto e colete cinza-escuro, com listras horizontais. A gratava-borboleta preta tinha um laço manual. Só podia ser o mordomo de Drax.— Meu nome é Cavendish, senhor. Mr. Drax está à sua espera no gabinete.Bond assentiu e seguiu o mordomo pelo corredor. Cavendish atravessou o corredor comprido e desceu por uma escada diferente da que Bond subira, mas não menos imponente. O som de alguém tocando uma valsa de Chopin envolveu-os. Bond se perguntou quem seria o pianista. A técnica era quase impecável, embora o pianista deixasse algo a desejar no tocante à expressão. Havia uma espécie de retraimento involuntário, uma incapacidade de se entregar inteiramente ao espírito da música.Cavendish atravessou um vestíbulo e o som da música tornou-se mais alto. Vinha da sala para a qual estavam se dirigindo e parou dramaticamente um instante antes de Cavendish abrir a porta e anunciar:— Mr. Bond, senhor.Bond adiantou-se, ao mesmo tempo em que um vulto barbado se erguia de um piano distante. O que mais impressionou Bond foi o tamanho da sala. A palavra "gabinete" sugeria-lhe algo pequeno e aconchegante. Talvez fosse um resíduo dos seus tempos de escola, mas esperava encontrar-se numa sala relativamente pequena, repleta de livros abertos e trabalho em andamento, uma sala que refletisse algo das incontáveis atividades de um multimilionário. Mas os únicos livros naquela sala eram os volumes encadernados em couro numa estante que se elevava até o teto. A sala19era do tamanho de uma pequena sala de concerto. Mas a verdade é que qualquer coisa menor não combinaria com o homem que avançava vigorosamente entre os móveis antigos.Hugo Drax era um homem imenso, com ombros largos como os de um craque do futebol americano. A cabeça era grande e quadrada e os cabelos vermelhos estavam repartidos ao meio, escorrendo meio sem jeito sobre as têmporas. A pele era rosada e manchada, o que se tornava ainda mais perceptível na região em torno da têmpora e face direitas. Era evidente que o homem se submetera a uma cirurgia plástica. A pele era franzida e

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brilhava desagrada-velmente como plástico que começa a derreter. O que se podia ver da orelha direita, por baixo da mecha de cabelos, sugeria que fora horrivelmente mutilada. O rosto dava a impressão de um olhar estrábico, porque um olho era maior do que o outro. Bond calculou que isso acontecia por causa da pele diferente que fora usada para reconstituir as pálpebras.A boca de Drax era quase invisível por trás de um imenso bigode. As costeletas desciam até o nível dos lóbulos das orelhas. Havia tufos de cabelos irregulares nas faces. A aparência geral da cabeça de Drax era a de um objeto que passara muito tempo debaixo d'água e acumulara crostas de mariscos e vegetação.O trabalho que fora efetuado em Drax não podia ser considerado um sucesso, de maneira alguma. Bond chegou à conclusão de que a cirurgia plástica deveria ter sido realizada há muito tempo, provavelmente quando Drax ainda era jovem e certamente antes que pudesse se dar ao luxo de pagar o melhor tratamento do mundo. Talvez as circunstâncias do ferimento tivessem excluído inteiramente qualquer possibilidade de tratamento. Drax devia estar beirando os sessenta anos. Era bem provável que tivesse sido ferido na II Guerra Mundial, em plena frente de combate, onde os homens tinham sorte quando conseguiam algum tratamento médico, mesmo que mínimo, e onde não havia condições para a reconstituição de rostos desfigurados. Hugo Drax . . . Bond se perguntou de que lado ele teria lutado.— James Bond. — A voz era um murmúrio caloroso, com um ligeiro vestígio de sotaque. — Perdoe-me o uso imediato do primeiro nome, mas a sua reputação o precede a tal ponto que tenho a impressão de já conhecê-lo há muito tempo.— Como vai?Bond sentiu a mão imensa e rude entrar em contato com a sua. Pensou naquelas mãos tocando Chopin e rejeitou de uma vez20por todas o mito de que os dedos de artistas são finos e compridos.— Sinto-me honrado de que seu governo o tenha escolhido para esta missão tão delicada.O tom tinha algo de irônico e Bond sentiu os cabelos da nuca se arrepiarem.— Delicada?— Pedir desculpas pessoalmente pela perda do meu ônibus espacial.A palavra "meu" foi devidamente ressaltada. Drax virou de lado bruscamente, numa maneira quase insultuosa, ficando de costas para Bond. Pegou uma pinça de prata e inclinou-se para uma terrina também de prata, do tipo que Bond teria esperado que contivesse iscas de rins apimentadas, num aparador posto para o típico café da manhã inglês. Algo se mexeu na outra extremidade da sala e dois enormes doberman afastaram-se do piano de cauda, percorrendo o mesmo caminho que o dono fizera um momento antes. Pararam diante de Bond e fitaram-no, como a imaginarem qual seria o gosto dele. Drax abriu a terrina e tirou dois nacos de carne crua, jogando-os na frente dos cachorros. Os animais olharam para a carne e depois fitaram Drax, expectantes. Ele tornou a virar-se para Bond, o rosto se contorcendo no que poderia passar por um sorriso irônico.— Como Oscar Wilde teria formulado a questão? Perder uma aeronave pode ser considerado como um infortúnio, mas perder duas parece negligência.Ele estalou os dedos e os cachorros devoraram a carne. Quase no mesmo instante estavam lambendo as manchas no tapete. Bond descobriu que a rapidez com que sua antipatia por Hugo Drax aumentava era alarmante. Havia uma vulgaridade refinada no gesto com a pinça, que o ofendera quase tanto quanto o tom zombeteiro e condescendente e o desejo de impressionar com a citação de Wilde. A voz de Bond, ao responder, era extremamente fria:— Qualquer desculpa será apresentada ao governo americano, Mr. Drax.. . assim que descobrirmos por que não havia qualquer vestígio do Moonraker entre os destroços.Drax abriu os braços, num gesto eloqüente.— A sua lealdade merece todo o respeito, Mr. Bond.O tom era agora inconfundivelmente sarcástico. Bond decidiu que era melhor seguir em frente, antes de dizer alguma coisa20da qual pudesse depois se arrepender.

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— Imagino que deve ter suspeitas pessoais em relação ao desaparecimento do Moonraker.— Creio que bastará procurar cerca de oitocentos quilômetros a oeste do local do desaparecimento. Ou seja, no coração da Rússia, Mr. Bond.A falsa jovialidade sumiu da voz de Drax. Um pequeno ponto vermelho surgiu nos olhos distorcidos para complementar o vermelho das faces.— Graças ao nosso governo pusilânime, entregamos o espaço aos russos. Sabia por acaso que eu, um particular, sou responsável por quase quarenta por cento do programa espacial americano? Não acha que é um lamentável escândalo?— Parece-me uma atitude das mais patrióticas.— Não se trata realmente de patriotismo. Não creio que um país deva ficar em condições de se apropriar do espaço, como antigamente uma nação colonialista podia adquirir novos territórios. Mas é justamente isso que os americanos estão correndo o risco de permitir que aconteça. — Ele sorriu seu sorriso horrendo, antes de acrescentar: — Com a experiência dos ingleses, era de se esperar que agissem de maneira diferente.A expressão de Bond não deixou transparecer qualquer indicação de que estava ofendido com a zombaria.— Se o programa espacial americano está tão atrasado em relação ao russo, por que eles iriam querer roubar o Moonraker?— Porque os russos não correm riscos. Sabem, o que estou fazendo aqui. Sabem que sou a única força dinâmica capaz de acionar este país para a consciência de suas responsabilidades. Querem descobrir até onde cheguei. Os russos jamais dormem, Mr. Bond. Ou melhor, só dormem quando estão mortos!Bond percebeu a xenofobia nos olhos de Drax e ouviu a voz revelar claramente os vestígios da ascendência teutônica, quando o controle foi substituído pela paixão. Perguntou-se se Drax não teria sido um dos jovens alemães que lutaram na frente russa, a experiência deixando-lhe outras cicatrizes que não apenas as físicas. Isso poderia explicar o ódio inegável que o homem sentia dos russos.A porta se abriu e subitamente havia uma nova presença na sala. Era um homem, de baixa estatura, parecendo um gigantesco pião. Não tinha pescoço que se pudesse perceber. A cintura intumescida parecia ter pressionado a carne a tal ponto que a pele do rosto se esticara, e os olhos, meras fendas lembrando cicatrizes,21descaíam na direção dos lóbulos das orelhas. Os cabelos estavam penteados para trás e presos num rabicho. Ele avançou pela sala a bambolear, carregando uma imensa bandeja de prata, na qual estavam arrumados um serviço de chá de prata georgiano, louça de porcelana de Rockingham e uma travessa com sanduíches impecavelmente preparados. O conteúdo da bandeja e o portador cons-tíuíam uma combinação incongruente. Bond olhou para a boca pequena do homem e chegou à conclusão de que era menor do que as fendas dos olhos. Os olhos brilhavam, indicando que em algum lugar, por trás das dobras de carne, Bond estava sendo submetido a um exame atento, que talvez não fosse dos mais lisonjeiros.— Na mesa, Chang — disse Drax, indicando a colocação apropriada da bandeja com um aceno da mão. Virou-se outra vez para Bond. — Chegou num momento propício; quando presto a devida homenagem à única e incontestável contribuição do seu país ao progresso da civilização ocidental: o chá da tarde.Bond sorriu, mesmo contra a vontade. Ocorreu-lhe que, numa curta conversa, Drax revelara um suficiente relacionamento de amor e ódio com as coisas britânicas para marcá-lo como um dos homens que secretamente se ressentem do fardo que lhes cou-bera na loteria do nascimento. Era um golpe do destino que dinheiro nenhum poderia jamais alterar. Bond calculou que Hugo Drax gostaria de ter nascido inglês. Não nascera e por isso tinha de ridicularizar o que não podia ter. Ao contrário de Groucho Marx, que não queria ingressar num clube que aceitasse um sócio como ele, Drax queria entrar para um clube que nunca poderia tê-lo como sócio.— Não sou muito aficionado do chá — comentou Bond. Os olhos de Drax assumiram uma expressão de pesar.— Está me desapontando. Mas certamente vai aceitar um sanduíche de pepino, não é mesmo?— Não, obrigado.

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Bond levantou a mão quando Chang lhe estendeu a travessa de sanduíches e novamente percebeu as fendas brilhantes avaliarem-no. A parte superior dos braços do homem era da grossura das coxas de um homem comum. Parecia um lutador de sumo comprimido. A força destrutiva que ele devia possuir provavelmente era terrível.— Vamos voltar ao Moonraker. Foi inteiramente construído na Califórnia?Drax engoliu um sanduíche de pepino de uma só vez, antes22de responder à pergunta de Bond:— Foi montado aqui, mas não inteiramente fabricado. Possuo diversas subsidiárias espalhadas pelo mundo, fabricando os componentes. — Ele arrotou ruidosamente, ao tomar um gole de chá. — Como já falei, a conquista do espaço representa um investi-mento por conta de toda a raça humana. Portanto, é lógico procurar o melhor que cada nação tem a oferecer.O olhar de Bond se desviou para além das janelas. Podia vislumbrar os candidatos a astronautas ainda empenhados nos exercícios. Talvez uma nova turma.— Está se referindo a pessoas ou a habilidades, Mr. Drax? Drax pareceu ficar surpreso com a pergunta.— Ora, Mr. Bond, às duas coisas, é claro! — Ele apertou um botão no canto de uma mesa antiga que servia como escrivaninha. — Tomei a liberdade de providenciar uma visita sua às instalações. Creio que é aconselhável tomar conhecimento de como cuidamos das coisas por aqui. E poderemos conversar sobre o problema do Moonraker mais tarde, durante o jantar. Estarei à sua espera no Salão Orléans às sete e meia.No instante em que ele acabou de falar, a porta se abriu e Trudi entrou. Drax acrescentou:— Miss Parker vai levá-lo até a Dra. Goodhead, que lhe mostrará nossas instalações. Por favor, tenha a liberdade de formular qualquer pergunta que lhe ocorrer.A insinuação era a de que a ocorrência de perguntas na cabeça de Bond constituía um processo ao acaso e não havia a menor garantia de que a Dra. Goodhead pudesse ter uma tarde particularmente agradável.— Obrigado por sua cooperação — murmurou Bond, entorpecendo a boca já fria com um sorriso glacial.— O prazer é todo meu.Drax deu um passo na direção da porta como se desejasse mostrar o caminho a seu convidado, mas logo estacou até ficar sozinho com Chang. Estendeu a xícara vazia e ficou olhando para o rosto concentrado de Chang, enquanto o chá era servido. E disse, falando bem devagar:— Quero que cuide bem de Mr. Bond, Chang. Providencie para que algo de mal lhe aconteça.22225Uma volta no "Chicote da Morte" para BondTrudi levou Bond para um pequeno veículo, parecendo um buggy usado nos campos de golfe. Afastaram-se pelo caminho de cascalho. Bond teve a impressão de que alguém o observava atentamente por trás das janelas altas, mas nada conseguiu avistar. Trudi permaneceu calada e Bond sentiu que ela fora capaz de ler a expressão dele, compreendendo que o encontro com Drax não transcorrera muito bem. Ele pensou em interrogá-la a respeito do seu relacionamento com o patrão, mas concluiu que não era o momento apropriado para tais confidencias. Talvez, mais tarde. . .O veículo cruzou uma ponte na fronteira dos choupos e deixou para trás a Renascença francesa. Numa extensão de campo aberto, plantado com arbustos que ainda não haviam alcançado a maturidade, estava o primeiro dos enormes hangares. Trudi con-tornou-o e seguiu para um prédio de fachada de vidro, que parecia alojar os escritórios. Bond lembrou-se de uma gaiola de camundongos de três andares que possuíra quando criança. Quase esperou deparar-se com uma gigantesca roda de exercício ao lado dos arquivos.— É aqui que vou deixá-lo — disse Trudi. — Vai encontrar a Dra. Goodhead no final do corredor que começa logo depois da mesa de recepção.— Até a noite — disse Bond.

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23— É melhor dizer até o final da tarde.Trudi levantou a mão num gesto de despedida e depois afastou-se de volta ao castelo, sem olhar para trás.Bond deixou escapar um suspiro e ficou imaginando como seria a Dra. Goodhead. Provavelmente uma cientista insípida e seca, a falar num jargão técnico incompreensível. O tipo de mulher que era capaz de efetuar a fissão do átomo, sem descobrir como acabar com a caspa que se acumulava nos ombros do jaleco branco.Ele entrou no prédio e passou pela mesa de recepção vazia e pelo inevitável bebedouro de água gelada. Enquanto avançava pelo corredor, uma jovem bonita de malha preta aproximou-se dele. A pele combinava com a cor da malha e ela levava um blusão de lã nos ombros. Havia duas pequenas gotas de suor no lábio superior saborosamente curvo. Bond calculou que ela acabara de fazer o exercício físico com os aprendizes de astronauta. A jovem sorriu-lhe sedutoramente e seguiu em frente, os músculos ondulando sob a malha justa. Bond experimentou novamente uma estranha sensação de irrealidade. Era difícil conciliar castelos da Renascença e mulheres bonitas de proporções de manequim com a tecnologia ultramoderna de um laboratório espacial. Ele continuou em frente pelo corredor e foi parar diante de uma porta em que havia um cartão branco no qual estava escrito impecavelmente, em letras pretas, o nome da Dra. Goodhead. Bond bateu na porta, mas não houve resposta. Abriu a porta e entrou numa sala externa, com uma mesa de secretária, arquivos e gráficos nas paredes. A sala estava vazia. A porta para a sala interna estava entreaberta e Bond empurrou-a.Uma jovem esbelta estava lá dentro, de costas para ele, metida numa espécie de macacão cinzento, bem claro. As costas eram promissoras. Eram compridas e terminavam numa cintura esbelta, nádegas firmes e arredondadas, pernas que se estendiam por muitos centímetros graciosos antes de chegarem ao chão. Os ombros descaíam suavemente e a carne alva do pescoço era visível porque os cabelos estavam penteados para cima, presos num coque austero no alto da cabeça. Uns poucos fios rebeldes sobressaíam sedutoramente na nuca, como as penas espalhadas da cauda de um pássaro. A jovem estava examinando um gráfico quando Bond entrou. Virou-se rapidamente e fitou-o com olhos azuis penetrantes. A testa era larga, o nariz reto e a boca generosa, embora um tanto altiva. O queixo firme transmitia uma impressão autoritária. No conjunto, o rosto era severo, um tanto cauteloso, contrastando com as suaves23curvas femininas dos seios bem-modelados. A impressão de Bond foi a de que ali estava uma mulher que queria ser tratada como homem. . . ou pensava que queria. Já conhecera o tipo antes, nas sociedades dominadas pelos homens. Como assistentes pessoais, começavam a assumir as características dos chefes.— Boa tarde — disse Bond. — Estou procurando pela Dra. Goodhead.A jovem avançou em sua direção.— Acabou de encontrá-la.O sorriso não passava de uma formalidade.— Não é possível!No instante mesmo em que falou, Bond refletiu que poderia ter feito um pouco mais de esforço para evitar o tom de surpresa de sua voz. A jovem inclinou a cabeça graciosamente.— Confesso que não entendo o motivo da surpresa, Mr. Bond. É Mr. Bond, não é mesmo?— James para os íntimos.A jovem estendeu a mãos bruscamente.— Holly Goodhead.A mão era firme e seca, mas a pressão que exerceu foi mínima. Ou seja, foi um aperto de mão extremamente formal.— É uma das aprendizes de astronauta?Os lábios de Holly se entreabriram ligeiramente, como se tivesse sentido uma pontada de dor.— Já fui devidamente preparada. Pela NASA. E me designaram para servir aqui. — Ela fitou-o impassivelmente por um instante, depois encaminhou-se para a porta. — Vamos

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indo, Mr. Bond. Vou lhe mostrar as instalações. Não quer perder tempo, além do ônibus espacial, não é mesmo?Bond sacudiu a cabeça, tristemente, enquanto a seguia. Parecia muito difícil encontrar uma pessoa amiga na Corporação Drax. O seu relacionamento com a Dra. Holly Goodhead não começara de uma maneira que pudesse ser considerada memorável.O primeiro hangar que visitaram era aquele em que estava sendo montado um Moonraker. Holly apresentou um passe aos guardas e, depois que duas portas à prova de som foram abertas, entraram numa imensa oficina, o ar impregnado pelo cheiro de soldas e o clarão das fontes de luz acentuado pelo brilho dos maçaricos. A estrutura do ônibus espacial erguia-se no ar como um foguete e havia homens trabalhando em todos os níveis dos andaimes que o cercavam, como abelhas em torno de um favo de mel.24— Cada um desses homens é um técnico especialista — explicou Holly, por cima do barulho. — Poderiam estar ensinando no MIT, se não estivessem aqui.— Está me parecendo que a atividade é intensa — comentou Bond. — Eles sempre trabalham nesse ritmo?— Mr. Drax está com prazos de conclusão bem exíguos. Quer realizar um teste no espaço no final do próximo mês.Bond olhou para cima e sentiu-se impressionado ao pensar no que estava contemplando. Ali estava um artefato que, quando concluído, poderia efetuar um número quase ilimitado de órbitas da Terra e mesmo assim retornar à base e pousar como uma ae-ronave convencional. Nada de pára-quedas. Nada de esferas mergulhando no oceano e contando com um contratorpedeiro veloz de recuperação. Ele observou uma Medusa de fios coloridos sendo levantada e espantou-se com a engenhosidade do homem. O que estava contemplando levava-o a temperar sua antipatia por Hugo Drax com um respeito genuíno pelo que o homem realizava. Colocar seus recursos a serviço da humanidade era um ato de extrema generosidade. Superava em muito quaisquer maneirismos pessoais que Bond pudesse achar abomináveis. Bond pensou novamente no assunto e franziu o rosto. Havia o problema do microfone no quarto. Era algo que ele achava muito difícil de aceitar.Holly recitou uma ladainha de estatísticas que Bond tentou absorver e depois levou-o através de portas de conexão para outro hangar. Subiram de elevador a um passadiço, de onde podiam olhar lá embaixo um grupo de candidatos a astronauta em torno do que parecia ser uma cabine de avião, presa a um sistema de fios e roldanas. Enquanto Bond observava, um aprendiz subiu para a cabine e sentou-se aos controles, que eram iguais aos do Moonraker, segundo informou Holly. Mal o rapaz se sentou, a cabine começou a se sacudir bruscamente. Bond olhou para Holly, inquisitivamente. Ela ajeitou alguns fios de cabelos por trás de uma orelha, calmamente, antes de explicar:— Está vendo um simulador de vôo. É capaz de reproduzir todos os possíveis problemas de emergência que podem surgir em condições reais de vôo.O simulador subitamente disparou para a frente e depois subiu quase verticalmente, as varetas de metal que o seguravam dobrando-se grotescamente, como as pernas de um bicho-de-pau. Uma câmara de televisão deslocou-se em sincronia sobre uma foto quase panorâmica da superfície da Terra. A fuselagem escorregou24para trás e depois deu um solavanco para o lado, como o tambor de um revólver virando-se depois que o tiro é disparado. Bond não lamentou estar lá embaixo, longe daquela cabine. Olhou para o passadiço oposto e divisou o vulto oval de Chang, a observá-lo com uma expressão maléfica. Chang cruzou os braços, como se absorto na contemplação, depois virou-se e desapareceu através de uma porta imersa nas sombras.— É claro que a competência técnica é uma exigência vital — comentou Holly, como se repetisse uma preleção que já fizera muitas vezes. — Seja como for, nenhuma pessoa pode alcançar um nível ideal a menos que esteja num estado perfeito de aptidão física.Ela fitou Bond significativamente ao pronunciar as últimas palavras e ele se perguntou se a jovem por acaso não teria lido o último relatório médico a seu respeito.— O que vamos ver em seguida cobre esse aspecto dos preparativos.Bond não disse nada, seguindo Holly para o elevador mais próximo, que os deixou diante de uma porta em que estava escrita a palavra "Ginásio". Além da porta aberta, havia um espaço que daria perfeitamente para abrigar um campo de futebol americano e ainda

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sobraria lugar para dois mil espectadores. O ginásio estava equipado com cavalos-de-pau, cordas, barras paralelas, toda a parafernália de que Bond se recordava dos seus tempos de estudante. Meia dúzia de moças bonitas, nas malhas pretas já agora familia-res, estavam se exercitando nas paralelas, sob a orientação de um instrutor de peito imenso.Bond contemplou-as apreciativamente.— São aprendizes de astronauta?Holly virou a cabeça bruscamente para fitá-lo.— Por acaso estou percebendo em sua voz um tom de desaprovação?— Pode estar certa de que não foi intencional — disse Bond, sinceramente. — Talvez no passado possa ter sido culpado de pensar que já havia suficientes corpos celestes no espaço.Os cantos da boca de Holly se contraíram numa expressão de inequívoca contrariedade.— Perdoe-me por dizê-lo, Mr. Bond, mas considero esse tipo de humor colegial extremamente detestável. Para ser astronauta, é preciso algo mais do que está pensando.— Claro, claro.. .25Mas Holly ainda não havia acabado:— Há muitos aspectos pelos quais as mulheres estão mais aptas ao espaço do que os homens. São mais pacientes. A capacidade de racionalizar uma situação é freqüentemente muito mais desenvolvida que a dos homens. Os sentidos audiovisuais não são absolutamente inferiores. Em questão de olfato. . .— Já sei — interveio Bond. — As mulheres cheiram melhor que os homens.A expressão de Holly era agora glacial.— Creio que o seu recurso persistente a gracejos de mau gosto não passa de um mecanismo de defesa. Pois vamos testar a sua visão, Mr. James Bond, 007, com licença para matar.Antes que Bond pudesse responder, ela já virara as costas e se encaminhava para uma câmara estreita e comprida, que parecia uma galeria de tiro. No outro lado, Bond pôde avistar diversos cartazes, com fileiras de letras diminuindo de tamanho. Ele suspirou e foi atrás de Holly.Ela estava esperando, fervendo de ansiedade. Era a primeira emoção que deixava transparecer.— Vamos começar pelo cartaz do meio. Não tem a menor dificuldade em ler a linha de cima, não é mesmo?Bond inclinou a cabeça para um lado.— X-H-Y . . .— Ótimo — disse Holly bruscamente. — Se não pudesse ler isso, nem mesmo teria licença para guiar um automóvel. Agora, leia a última linha do cartaz.— A última linha?O tom de Bond sugeria que a tarefa seria um terrível desafio para qualquer homem.— Foi o que eu disse.Os olhos de Holly lançaram o desafio. Bond respirou iundo, estreitando os olhos. Houve uma pausa prolongada.— Não é nada fácil, não é mesmo? — comentou Holly, em tom autoritário.Os olhos de Bond se estreitaram ainda mais, o pescoço imitava o de uma tartaruga seduzida por um pedaço de alface excepcionalmente suculento.— I-M-P . . .— Não! — A voz de Holly soou como um brado de triunfo. — Deve estar tentando adivinhar, Mr. Bond.Ela estreitou os olhos ansiosamente e começou a anotar le25tras num bloco.— E agora vamos verificar. — Holly foi até o cartaz e virou a cabeça para trás. — Lamento muito, Mr. Bond. As letras da última linha são O-C-B-H-A-X.— Está me surpreendendo. — O tom de Bond já não tinha mais qualquer deferência. Ele avançou pelo corredor e tirou o cartaz do suporte. — Eu é que lamento muito, Holly, mas você está enganada. A última linha diz "Impresso em Des Moines".

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Ele apontou para a frase em letras minúsculas no canto inferior direito do cartaz.— Creio que vai descobrir que as três primeiras letras da última linha são I-M-P. — Ele fitou Holly nos olhos e depois de alguns segundos permitiu que a expressão arrogante se abrisse num sorriso. — Fica muito bonita quando cora, Dra. Goodhead. O que vai me mostrar em seguida?Holly pouco falou até chegarem à câmara seguinte e Bond apreciou o silêncio. Sabia que estava levando alguma vantagem na competição, mas Holly Goodhead não era o tipo de mulher que desistia facilmente. Ela fitou-o calmamente e apontou para a estrutura à frente deles.— Isso é o treinador centrífugo. Simula a aceleração que se tem de suportar quando se é lançado no espaço.Bond contemplou a fuselagem futurística na extremidade do cabo comprido e recordou-se de algo que conhecera nos parques de diversões na juventude. Era o "Chicote da Morte", capaz de girar cada vez mais depressa, com a cabine na extremidade a efetuar contorções que deixavam qualquer um desconjuntado. Levantou a cabeça e divisou a fachada de vidro do que devia ser obviamente a sala de controle. Teve um ligeiro sobressalto de surpresa ao perceber as fendas diagonais que ocultavam os olhos de Chang a fitarem-no lá de cima.— Não gostaria de experimentar?Holly olhava para ele com uma renovada expressão de desafio.— Terei o maior prazer.A declaração de Bond era um evidente exagero, mas de jeito nenhum ele pretendia ceder um palmo sequer de terreno para Holly Goodhead.Um técnico se adiantou e a frente da fuselagem abriu-se bruscamente, como a boca de um dragão. Bond acomodou-se num espaço claustrofobicamente pequeno, os joelhos comprimidos con26tra o peito. Holly inclinou-se, prendendo uma correia no ombro de Bond com evidente satisfação. Ele farejou a fragrância dela, deliciado.— Está feliz?A resposta dela, se é que se podia considerar uma resposta, foi inequívoca:— Ponha os braços no assento.Bond ficou rapidamente preso ao assento. Como qualquer homem privado do uso dos braços, começou a sentir-se inquieto.— Para que tudo isso?Holly sorriu. Ocorreu a Bond que ela devia adorar prender homens em seus nós.— Para evitar que tente se jogar para fora.A informação não contribuiu em nada para reduzir a apreensão de Bond.— Qual é a velocidade dessa coisa? Holly recuou, esfregando as mãos.— Três-G é o equivalente à aceleração de decolagem. — Ela sorriu zombeteiramente. — Pode ir até vinte-G, mas isso seria fatal. A maioria das pessoas perde os sentidos em sete-G.Bond verificou a resistência das correias que o prendiam.— Você daria uma grande vendedora.Pela primeira vez, as feições de Holly se descontraíram no arremedo de um sorriso genuíno.— Não precisa se preocupar. Lá está o que, chamamos de interruptor dos covardes.Ela indicou uma coluna que se erguia do chão até a altura da mão direita de Bond. Havia um botão na extremidade.— Para começar, segure a coluna, comprimindo o botão com o dedo. No momento em que a pressão for demasiada, solte o botão. A força será imediatamente desligada.— Imediatamente?A expressão de Bond, ao fitar os olhos azuis de Holly, era um tanto cética. Ela inclinou a cabeça desdenhosamente.— Não está nervoso, não é mesmo, Mr. Bond? Um velho de setenta anos pode perfeitamente suportar três-G.Bond virou a cabeça e tentou olhar para a sala de controle.— O problema é que nunca se encontra um velho de setenta anos à mão quando se precisa.

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Holly interpretou o olhar de Bond como o de um homem que procura se tranqüilizar.27— Não se preocupe, Mr. Bond. Está em boas mãos. Um telefone tocou e um técnico atendeu, chamando Holly em seguida. Ela falou por alguns segundos e depois voltou para junto de Bond.— Mr. Drax quer falar comigo. Voltarei num instante.— Ela exibiu um sorriso breve e sardónico, como um sinal de trânsito. — Divirta-se, Mr. Bond.Bond observou Holly e o técnico se afastarem e saírem da sala, sentindo que a dúvida se transformava em apreensão. Sentia que não era bem-vindo desde que chegara à propriedade isolada de Drax no deserto. Se algum acidente tivesse de acontecer-lhe, poderia haver uma ocasião melhor? Tentou pegar as correias que prendiam seus braços, mas os dedos alcançavam apenas o botão. Apertou-o furiosamente, enquanto o coração acelerava, esperando cautelosamente que a energia que acionava o aparelho fosse ligada. Um zumbido baixo fez vibrar a fuselagem e depois, lentamente a princípio, o rotor começou a girar sobre o eixo central. Bond preparou-se para o impacto e ficou observando as paredes da câmara se dissolverem num borrão contínuo. A força-G comprimiu-o contra o assento como uma massa mole e ele rangeu os dentes, enquanto um zumbido estridente fazia toda a fuselagem vibrar. Era o mesmo "Chicote da Morte" de sua infância e juventude, só que girando a uma velocidade que teria arrancado o original de sua base e o teria arremessado por toda a extensão do parque de diversões. Bond forçou-se a olhar para baixo e percebeu no contador que já passara da velocidade de quatro-G. O índice de aceleração surpreendeu-o. Estava aumentando a cada segundo. Havia um zumbido frenético nos ouvidos de Bond e o guincho estridente do aparelho centrifugador era como um prego a lhe ser cravado no cérebro. O aparelho passou de cinco-G. A honra estava satisfeita. Não sem algum esforço, Bond retirou o dedo do botão.Nada aconteceu.Bond esperou por um instante e depois verificou que o botão realmente se levantara. Soltou um grito, mas foi incapaz de ouvir a própria voz. A força centrífuga estava comprimindo-o num torno invisível. Somente a dor tinha liberdade de movimentos através de seu corpo. Os olhos torturados, latejando terrivelmente, fixaram-se no mostrador. Seis-G. Sabia agora o que estava acontecendo. Iam matá-lo. Holly Goodhead fora convenientemente afastada. A massa brutal de ameaça que era Chang se encarregara do resto. Não restava a menor dúvida de que haveria recriminações mútuas e muitas lamentações. Terror, raiva e desespero incendiaram Bond,27como fogo na floresta. Ele se esforçou em aplicar alguma pressão contra as correias que o prendiam, mas a força centrífuga fazia com que o. simples altear de uma sobrancelha fosse um trabalho de Hércules. Sete-G. "A maioria das pessoas perde os sentidos em sete-G." Ele recordou as palavras de Holly e a expressão zombeteira nos olhos dela. Será que ia se comportar como a maioria das pessoas? De jeito nenhum!O ruído do aparelho centrifugador era agora um guincho estridente que lhe rompia a mente como um furador de gelo. O borrão diante dos olhos de Bond era cinzento, tingido de vermelho. Ele tinha a sensação de que cada gota de sangue estava sendo drenada de seu rosto. Os próprios globos oculares pareciam estar sendo empurrados para o fundo da cabeça. Abriu a boca para gritar e sentiu que os lábios estavam sendo esticados pelas faces paralisadas, como se esmagados por mão gigantesca. Nenhum som saiu. Oito-G. A cabeça estava prestes a explodir e uma onda de choque, provocando náusea e vertigem, queimou-lhe o estômago. Bond sabia que só lhe restavam alguns segundos antes que perdesse a consciência e, assim, a vida. Tinha de fazer alguma coisa! Não podia renunciar à luta! Os olhos fixados no mostrador perceberam subitamente a correia de couro em seu pulso. A correia que Q lhe dera na Sala de Operações! A manga do casaco deslizara pela metade do antebraço e estava agora grudada como uma segunda pele. Bond sentiu uma pontada de esperança. Se conseguisse dar um jeito de mover o pulso...Dedo por dedo, Bond abriu a mão e estendeu-a pelo braço do assento. Cada movimento exigia uma força que tinha de tomar emprestada da vontade de sobreviver e não da perspectiva de que pudesse escapar ao abraço fatal do aparelho centrifugador. Se pu-desse disparar contra o braço do rotor, seria como acertar na cabeça do polvo. Estava rangendo os dentes, a tal ponto que esperava que fragmentos de esmalte lhe caíssem na

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boca. Empenhando-se para resistir à dor e ao guincho estridente que lhe atormentava a mente, esforçou-se ao máximo para levantar os dedos. Como se presos por alguma cola, os dedos tremeram e resistiram, mas acabaram se erguendo um centímetro. O polegar ficou para trás. Bond recorreu a toda a força de vontade que lhe restava para o esforço supremo. A cortina escura, manchada de vermelho, estava sendo puxada pela última vez. Ele baixou as pálpebras e arqueou o pulso, os dedos estendidos e abertos, como uma aranha mutilada no estertor final.28Pam!Os olhos de Bond estavam fechados, mas o clarão brilhou através das pálpebras, como uma lanterna incidindo diretamente nos olhos de um cego. Houve uma explosão ensurdecedora e um rangido atordoante, que se desvaneceu com a mesma ressonância interminável de um salto de metal sendo arrastado pelo asfalto. Tão depressa quanto ficara imobilizado, Bond sentiu que a pressão se dissipava. O corpo desprendeu-se do assento como um caramelo derretido a escorrer do papel. O suor cobriu inteiramente o corpo dolorido. Estava prestes a despejar tudo o que tinha no estómago. A cabine foi aberta e mãos soltaram rapidamente as correias que o impediam de tombar para a frente. Bond ouviu a voz de Holly por cima das outras e fez um esforço para levantar a cabeça e abrir os olhos.Holly fitava-o com uma expressão consternada. -— O que aconteceu?Era difícil duvidar da preocupação estampada no rosto dela. Difícil, mas não impossível. Bond abriu a boca ressequida e tentou fabricar alguma saliva para lubrificar as palavras.— Deve ter havido algum problema com os controles.A voz de Holly era incrédula. Ela estendeu a mão para amparar Bond, no instante em que ele começou a deixar o assento.— Deixe-me ajudá-lo.Bond afastou a mão dela bruscamente.— Não, obrigado, doutora. Acho que já recebi tratamento suficiente por um dia.28S286Na cama e entediadaTrudi Parker ajeitou a linda cabeça loura no travesseiro e suspirou. Eram onze horas da noite e o romance, fechado, com o dedo de Trudi entre as páginas 64 e 65, há muito que deixara de cumprir a débil promessa inicial. O livro estava sobre o lençol de seda, o rosto do autor na contracapa, a fitá-la com uma expressão triste, de censura. Na vida real, era difícil acreditar que qualquer homem, descobrindo-se no mesmo lugar do autor, tivesse motivos para se sentir triste ou para fazer alguma censura. A visão dos seios de Trudi, que a camisola de seda cor de carne não chegava a esconder, teria proporcionado o estímulo vital ao estilo de que o livro tão desesperadamente precisava.Trudi suspirou novamente e desejou que isso fosse uma reação ao cansaço e não porque estivesse entediada. O estilo do autor, embora cansativo, elaborado e tortuoso, ainda ficava aquém daquele tédio delicado que é capaz de produzir um soporífico impresso. Ao contrário, enquadrava-se na categoria de obra que formula perguntas que não pode responder, gera expectativas que não pode realizar e deixa o leitor pedindo não por mais, mas sim por alguma coisa: em outras palavras, totalmente insatisfeito.Trudi mostrou a língua para o soturno autor e colocou-o com o rosto virado para baixo na mesinha-de-cabeceira de tampo de mármore. O que a esposa galante do herói fizera, ao descobrir que28o marido galante se apaixonara pela secretária galante, era algo que nunca lhe seria revelado. A perspectiva de não ter mais que partilhar aquelas vidas que se entrelaçavam, parecendo se deslocar constantemente entre a Madison Avenue e as montanhas Adiron-dacks, veio quase como um alívio.Trudi contemplou as unhas brancas por um momento e depois pegou distraidamente uma lixa. Em algum lugar, bem longe, soou o uivo lamentoso de um coiote. O vento quente do deserto remexeu as cortinas. Lá fora, a noite era clara e as estrelas brilhavam com graus diferentes de intensidade. Trudi largou a lixa que não chegara a usar e estendeu a mão para o abajur na mesinha-de-cabeceira.

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Foi nesse momento que houve uma batida quase inaudível na porta.Trudi recolheu a mão e sentou na cama. A porta se abriu e James Bond entrou. Ele fechou a porta no mesmo instante e se encostou nela, contemplando Trudi. Usava um pulóver azul-marinho de gola rulê e uma calça da mesma cor. Trudi se perguntou por onde ele andara e, com um interesse mais imediato, para onde estava indo. Ela levantou a colcha recatadamente.— Mamãe me deu uma lista ampla das coisas que não se deve fazer no primeiro encontro.Bond sorriu e se aproximou da cama.— Talvez não precise nem se lembrar. Não foi para isso que vim até aqui.Trudi procurou disfarçar o desapontamento e torceu para não deixar transparecê-lo na voz, ao indagar:— O que está querendo, então?Bond sentou na cama e fitou-a atentamente. Voltou a sorrir, dessa vez um pouco mais calorosamente.— Seus sentimentos ficariam muito abalados se eu respondesse que estou querendo informações?Trudi esqueceu inteiramente a colcha, que escorregou até sua cintura.— Por que eu deveria contar-lhe alguma coisa?Bond inclinou-se para a frente e beijou-a na boca, vigorosamente.— Porque você gosta de mim. Trudi sacudiu a cabeça, aturdida.— Quem é você? — Ela recordou subitamente como fora saboroso o contato da boca de Bond. — Beije-me de novo.29Ela estendeu os lábios entreabertos e a cabeça de Bond se inclinou, solicitamente. Dessa vez, o beijo foi prolongado e íntimo. Premonições deliciosas de prazer percorreram o corpo de Trudi, ao contato de dedos quentes.— O que quer saber? Alguma coisa sobre o que aconteceu esta tarde? A notícia do acidente no aparelho centrifugador espalhou-se rapidamente por nossas instalações. Ao que parece, numa única possibilidade em um milhão, dois circuitos entraram em pane ao mesmo tempo, quando um simples defeito elétrico estava sendo consertado.Os cantos da boca de Bond se contraíram tristemente.— Não é isso que estou querendo saber. Mr. Drax foi extremamente generoso com suas explicações e desculpas. Mas estou interessado justamente no que ele não me disse.Trudi estava perplexa.— O que quer saber?— O que acontece por aqui, além da fabricação do Moonraker e do programa de treinamento dos astronautas?— Ainda não sei quem é você.Bond respirou fundo e decidiu recorrer a uma mentira elaborada.— Trabalho para a British Aircraft Corporation. Minha especialidade é investigar desastres aéreos. Há alguns detalhes desconcertantes no desastre do Alasca e não podemos excluir a possibilidade de sabotagem. Contudo, por enquanto ainda é mera suposição e não quero alarmar Mr. Drax.Trudi pós a mão no braço de Bond.— Está querendo dizer que a ocorrência desta tarde pode não ter sido um acidente?Bond tentou parecer solene.— É outra possibilidade. Eu poderia ter uma idéia melhor do motivo pelo qual alguém está querendo atacar a Corporação Drax se soubesse exatamente o que vocês fazem aqui. Acho que Mr. Drax pode interpretar erradamente o meu interesse e, no momento, não tenho provas concretas para apresentar-lhe. Ainda estou aguardando os relatórios do nosso laboratório sobre os destroços do Alasca.Bond ficou satisfeito ao perceber que Trudi sacudia a cabeça com uma expressão de compreensão. Era óbvio que ela gostaria de ajudar.— É muito difícil para mim contar qualquer coisa — mur29murou ela. — Como falei antes, sou apenas a pilota pessoal de Mr. Drax. Sei que havia um projeto "ultra-secreto" num dos laboratórios, mas tudo já foi transferido.Bond sentiu o pulso acelerar.

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— Para onde?Trudi tornou a sacudir a cabeça.— Não sei. Certa manhã tudo havia desaparecido. Juntamente com os técnicos. Fiquei surpresa por ninguém ter me falado nada sobre isso. Normalmente estou envolvida com todos os vôos que chegam e partem. Eles devem ter partido de trem.Bond franziu o rosto.— Onde era o laboratório?— Se está pensando em ir até lá para dar uma olhada, pode esquecer. Pegou fogo logo depois da mudança.O sorriso de Bond era sombrio.— Estão sempre acontecendo acidentes por aqui. . .Trudi cruzou os braços diante dos seios e recostou-se no travesseiro.— Pode estar certo de que são raros. Normalmente, quase nada acontece por aqui.Bond alteou uma sobrancelha.— É mesmo?— E, sim. É por isso que sua visita ao meu quarto constitui um acontecimento tão agradável.Bond contemplou a curva da boca sensual. Era difícil não se sentir excitado pela beleza daquela jovem. E havia nos olhos dela uma insinuação de extrema necessidade.— O que me diz daquela lista de sua mãe?Trudi descruzou os braços e estendeu-os para enlaçá-lo pelo pescoço. Os lábios estavam entreabertos, para receberem qualquer coisa que ele desejasse dar-lhes. E ela murmurou:— Que mãe?307Por trás do relógioUma hora depois, Bond estava avançando silenciosamente pelo mesmo caminho que seguira com o mordomo de Drax. Deixara Trudi adormecida, com um sorriso extasiado a lhe contrair o canto da boca e um lençol enrolado no corpo nu. Naquela pose, parecia uma criancinha aconchegada em seu berço. Dava uma impressão falsa da maneira como ela se comportara momentos antes, quando estava acordada.Bond parou ao pé da escada e escutou. Podia ouvir um relógio batendo, mas nada mais. O hall estava iluminado pelo luar e os bustos nos nichos a tudo observavam como espiões. Bond foi até a porta do gabinete de Drax. Não brilhava luz alguma por baixo da porta. Não havia qualquer som lá dentro. Bond segurou a maçaneta e empurrou-a para baixo. Houve um pequeno estalido e a porta se abriu. Bond ficou parado, escutando novamente. Se por acaso os dobermans estivessem na sala, queria dar-lhes tempo de anunciarem sua presença. Convencido de que não havia ninguém lá dentro, Bond entrou na sala e fechou a porta. A tarefa que tinha pela frente era desanimadora. Não tinha a menor idéia do que estava procurando e havia móveis suficientes para encher uma sala de leilões. Foi até uma escrivaninha Luís XV e descobriu que as gavetas estavam trancadas. O que não era de surpreender. Assim como também não o era, depois de tudo o que descobrira naquela30sala, os dois fios que corriam por baixo da mesa e iam desaparecer no rodapé. Ou havia uma armadilha na mesa ou estava ligada a um alarme que começaria a soar assim que alguém mexesse ali.Bond estava analisando as alternativas quando a porta se abriu às suas costas. Mal teve tempo de mergulhar para o chão quando Trudi entrou, usando um comprido roupão branco, de seda, com uma expressão preocupada.— James?Bond se levantou e Trudi recuou bruscamente. Bond levou rapidamente um dedo aos lábios.— Você aguçou meu apetite — disse ele. Trudi ficou perplexa. — Por informações. Há algum cofre por aqui?Os olhos de Trudi se arregalaram.— Você deve estar louco!— É bem possível.

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Bond correu os olhos pela sala. Fixou-se num elegante relógio de parede dourado, flanqueado por duas lâmpadas. Nos termos da disposição global da sala, a posição daquelas lâmpadas era incongruente. O relógio não chegava a ser uma obra de arte que exigisse uma iluminação especial. Bond aproximou-se do relógio e escutou. Não estava funcionando.Trudi observava-o como alguém que escondera o objeto numa brincadeira de chicotinho-queimado. O rosto dela estava contraído pela ansiedade.— James. . .— Diria que está ficando quente?— James. Tem que sair daqui!Bond estendeu a mão e abriu o vidro do mostrador do relógio. Todo o mostrador se abriu, mostrando que não passava de uma fachada. Por trás, havia a porta redonda de um pequeno cofre, com um dial de combinação no meio.— Até agora, a coisa está promissora — comentou Bond. — Não conhece a combinação, não é mesmo?Trudi sacudiu a cabeça lentamente. Estava quase hipnotizada pelo medo.— Mesmo que soubesse, não lhe diria.Bond contemplou o vulto gracioso delineado pelo luar e sentiu uma súbita pontada de desejo sexual. O que tornaria uma mulher apavorada tão desejável? Os psicólogos provavelmente poderiam oferecer uma explicação nada lisonjeira. Ele enfiou a mão no bolso da calça:31— Está certo, não vou pressioná-la.Um pequeno objeto fino e retangular apareceu em sua mão direita e foi colocado na porta do cofre, ao lado do dial. Trudi viu algo brilhar e teve uma impressão de linhas fluorescentes superpostas. Era como olhar, para uma chapa de raios X. Bond começou a manipular o dial com os dedos e o padrão mudou. Trudi correu os olhos pela sala, procurando se convencer de que estava mesmo no gabinete de Hugo Drax e não adormecida em sua cama, tendo algum sonho estranho. Houve um estalido e a porta do cofre se abriu.Trudi não acordou. Ainda estava no gabinete de Drax. Olhou para o objeto na mão de Bond e murmurou:— É espantoso...Bond comprimiu o objeto contra o seio esquerdo dela e estreitou os olhos, enquanto o retângulo brilhava.— Você possui um coração de ouro. Trudi sorriu nervosamente.— Não vai precisar de um aparelho de raios X para vê-lo, se Mr. Drax nos surpreender aqui.Bond pensou que ela provavelmente estava certa. Puxou a porta do cofre e deu uma espiada lá dentro. Ao primeiro olhar, parecia estar vazio, o que o deixou aflito. Seus dedos tatearam o fundo do cofre e ele sentiu a parede ceder. Fez pressão para o lado. O fundo se abriu, revelando outro espaço por trás. Era um recurso hábil, reminiscente dos compartimentos secretos nos fundos das gavetas de móveis antigos. Bond estendeu o braço e tirou uma folha de papel de desenho, dobrada em quatro. Trudi estava agora tremendo.— Pelo amor de Deus, James!— Está certo.Bond tinha a voz fria, ao empurrá-la para o lado com o ombro. A expressão de seu rosto era a mesma que exibira nos momentos mais ardentes do ato de amor. Trudi sentiu novamente que havia algo assustador na maneira como o ânimo de Bond mudava bruscamente. Irritar aquele homem devia ser muito perigoso.Bond abriu rapidamente a planta sobre a superfície plana mais próxima e examinou-a. Era um desenho em segmentos do globo, com um trecho mais detalhado na altura do equador. Ao lado, havia o desenho de um pequeno objeto cilíndrico, com um frasco de vidro dentro.— Sabe o que é isso?31Trudi sacudiu a cabeça.— Não.

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Bond acreditou. Subitamente levou algo ao olho, houve um estalido e um pequeno clarão. Quase antes mesmo de Trudi ter acabado de piscar, a planta já estava sendo devolvida ao cofre e o mostrador do relógio sendo fechado. Bond guardou a câmara em miniatura no bolso e disse:— Vamos embora.— Vá na frente.Bond hesitou por um instante e depois beijou-a de leve norosto.— Está bem. Tome cuidado.— Você também.Bond encaminhou-se rapidamente para a porta e entrea-briu-a. Ficou parado por um momento, escutando, depois saiu. Trudi ficou esperando pelo som dos passos, mas nada ouviu. Atrás dela, um relógio bateu de repente e Trudi teve um sobressalto com o barulho inesperado. Correu os olhos cautelosamente pela sala iluminada pelo luar e depois seguiu até a porta. Bond deixara-a ligeiramente entreaberta. Respirando fundo e ouvindo o próprio coração bater acelerado, ela saiu e fechou a porta. Estava mais apavorada do que em qualquer outra ocasião anterior de sua vida. A porta se fechou com um estalido e o som pareceu ecoar pelo vasto hall como um estampido de revólver. Trudi ficou esperando por um som em resposta, um raio a lhe cair sobre a cabeça. Mas nada aconteceu. Afastou-se da porta incriminadora e quase correu até a escada. Como uma criança numa brincadeira, disse a si mesma que tudo acabaria bem se pudesse alcançar o primeiro patamar sem ser vista. Subiu de dois em dois os degraus, o aperto no coração diminuindo a cada passo. A sua frente, como um cronometrista na linha de chegada, havia uma armadura, com uma clava na mão. Trudi passou pela armadura e afastou-se pelo corredor comprido.Por baixo da escada, Chang emergiu das sombras e olhou para cima, antes de se encaminhar deliberadamente para a porta do gabinete.328Morte em Veneza?A gôndola deslizava suavemente pelo Canale di San Marco e Bond deixou que o olhar se fixasse na Isola di San Giorgio e na imponente colunata da magnífica igreja branca palladiana. Por todos os lados havia beleza e uma claridade que Bond só encontrava em Veneza. Um ónibus aquático passou e as ondas de sua esteira balançaram a gôndola e desfizeram os reflexos dos prédios altos. Os pensamentos de Bond desviaram-se da beleza para o dever.Uma ampliação da fotografia tirada da planta escondida no cofre de Drax revelara as palavras VIDROS VENINI impressas num canto. Não fora preciso muito esforço para descobrir que uma empresa com esse nome possuía uma loja na Praça São Marcos. Mui-to mais energia fora investida na tentativa de descobrir o que era o objeto apresentado na planta, mas sem qualquer resultado. A opinião abalizada do departamento de Q era de que se tratava de alguma espécie de satélite pequeno, mas o objetivo para o qual fora projetado permanecia obscuro. Era diferente de tudo o que estava sendo utilizado no momento para pesquisa ou comunicações no espaço.O ancoradouro da Piazzetta apareceu à frente e o gondoleiro de Bond habilmente levou sua embarcação por entre as estacas com crostas de algas. Bond levantou-se e passou para o cais.— Fique esperando aqui, Franco.32Franco puxou o chapéu de palha enfeitado com fitas para cima dos olhos.— Sí, signore.Era um jovem alto, robusto, cabelos pretos crespos e olhos com pestanas compridas, cuja inocência ficava somente acima da superfície. Por baixo da pele azeitonada, era tão duro quanto tun-gstênio. Trabalhava para a Estação G, cuja esfera de influência abrangia todo o norte da Itália, de Turim a Trieste.O dia estava frio e os turistas eram escassos. Bond passou pela Libreria Vecchia e seguiu para o Campanile, o paron de casa. Ao seu redor, os passos ecoavam surdamente e Bond começou a ouvir o perpétuo murmúrio fantasmagórico que circula pelas co-lunatas, como os sussurros acumulados da história. Parou por um momento para admirar os

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mosaicos nas arcadas da basílica e depois seguiu adiante para a Torre do Relógio. A hora começou a soar e dois vultos de bronze no telhado ergueram seus malhos para bater alternadamente no imenso sino. Os pombos alçaram vôo e depois desceram rapidamente para as pedras do calçamento, à procura de comida. Olharam para Bond com esperança, inclinando as cabeças para o lado, mas prontamente compreenderam que não se tratava de um homem propenso a alimentar pássaros. Batendo as asas, os olhos alerta a qualquer migalha, os pombos se afastaram para dar-lhe passagem.Bond examinou as lojas perto da Torre do Relógio. Avistou o que estava procurando perto da arcada da Merceria. Lá estava um toldo com o nome "Vidros Venini". A um canto, com uma discrição rara, estava o símbolo da Corporação Drax. Bond olhou ao redor, como fizera ao parar diante da basílica, certificando-se de que não estava sendo seguido. Avançou rapidamente sob a arcada e entrou na loja. Por todos os lados, havia prateleiras repletas de copos, jarros, tigelas, vasos e enfeites multicoloridos, tudo em vidro.Uma jovem muito bonita adiantou-se prontamente.— Posso servi-lo em alguma coisa?Bond descobriu que seus olhos se fixaram inexplicavelmente no modelo em vidro de uma cama de dossel antiga. Teve de fazer um esforço para desviá-los.— Estou tentado a dizer sim imediatamente, mas talvez seja melhor dar uma olhada pelo resto antes.A jovem sorriu e fez um gesto gracioso com o braço.— Por favor, pode ir para onde desejar. Se quiser, pode até visitar a oficina.33Ela apontou para os fundos da loja e se afastou de Bond, a fim de cercar outro freguês.Bond percorreu os corredores e chegou à conclusão de que, de um modo geral, preferia as obras de vidro antigas às modernas. Havia uns poucos mostruários exibindo peças antigas, que pareciam valer uma fortuna aos olhos de um leigo. Bond seguiu adiante e parou na porta que levava à oficina. A claridade à frente era fraca e a atenção de Bond concentrou-se inevitavelmente nas fornalhas e nos glóbulos brilhantes nas extremidades dos tubos de sopro dos operários. O suor brilhava no peito de dois homens de camiseta, que estavam habilmente moldando um vaso complicado, de muitas alças, manipulando com alicates as tiras derretidas de vidro, como se fossem macarrões. O que estavam fazendo atraía a atenção de um pequeno grupo de turistas, um dos quais manejava a sua câmara com uma velocidade que não era absolutamente inferior à demonstrada pelos fabricantes de vidro.Bond se aproximou do grupo de turistas e sua atenção desviou-se para outro homem, que estava trabalhando num canto remoto da oficina. Soprava o que parecia ser, à primeira vista, frascos de vidro. Bond ficou observando, admirando a perícia com que o homem pegava um glóbulo de vidro derretido e enchia as bochechas de ar, até dar a impressão de que tinha duas bolas de tênis na boca. O glóbulo tremia e subitamente se expandia como um balão. Uma torção rápida e uma pancada leve e o cilindro do vidro brilhante foi juntar-se a nove outros idênticos que estavam numa bandeja. Bond olhou para a bandeja e experimentou uma sensação imediata de déjà vu. Um frasco de vidro idêntico, com um gargalo dilatado, estava desenhado na planta que encontrara no cofre de Drax. Não havia a menor possibilidade de equívoco. Enquanto Bond observava, o artesão largou o tubo e levou a bandeja para um pequeno elevador de serviço aberto. Ajeitou-a cuidadosamente numa plataforma aberta e apertou o botão. No instante seguinte, a bandeja desapareceu. Bond percebeu que o homem o fitava desconfiado ao se virar e por isso tratou de se afastar rapidamente, seguindo para uma porta na qual estava uma placa indicando "Museu de Vidraria Antiga".Bond passou pela porta sem olhar para trás e avançou por um corredor escuro de tijolos e pedras, chegando a outra sala de exposição. Não havia ali o mesmo excesso de peças da loja propriamente dita e muitos produtos estavam em mostruários. Uma jovem num conjunto branco de caxemira, bonito mas simples, estava33mostrando a sala a um grupo de turistas:— . . .e essa taça perfeita é o trabalho de Bruno Venini, o fundador deste estabelecimento. Nascido em Pádua, em 1451, ele veio para Veneza aos dezoito anos e cinco anos depois abriu uma pequena oficina na ilha de Murano. . .

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Bond esqueceu inteiramente Bruno Venini quando o grupo se deslocou para o mostruário seguinte, ao ver quem se afastava ligeiramente dos outros. Nada menos que Holly Goodhead! Seus cabelos caíam soltos pelos ombros, ela usava um blusão de lã de listras vermelhas e azuis que lhe caía até as coxas, e uma calça larga azul-marinho. Deixou que o grupo se adiantasse e depois contornou alguns mostruários para chegar a uma porta no canto da sala. Olhou ao redor rapidamente e Bond recuou para o corredor. Quando ele espiou novamente, Holly estava abrindo a porta e olhando para dentro. Bond viu-a inclinar a cabeça. Depois de um momento de pausa, Holly fechou a porta e voltou a juntar-se aos turistas, os quais estavam sendo informados de que um modelo todo enfeitado de um barco a vela poderia alcançar um valor superior a um milhão de dólares se algum dia fosse colocado no mercado. O grupo deixou a sala com um coro de murmúrios respeitosos.Bond atravessou rapidamente a sala e abriu a porta. Deparou com um pequeno pátio, onde uma escada levava a uma porta de madeira reforçada. Havia um portão com uma grade de ferro batido e mais além um muro esverdeado de musgo, com uma água cinzenta por baixo. Bond fechou a porta, pensativo, partindo apressadamente na direção seguida pelo grupo de turistas.Holly estava atravessando a Praça São Marcos quando Bond a alcançou, fazendo um gesto exagerado de surpresa.— Ora, mas é a Dra. Goodhead! Que surpresa! Os lábios de Holly se contraíram ligeiramente.— Posso apenas esperar que sua presença aqui seja uma coincidência, Mr. Bond. Não gosto de ser espionada.— Ninguém gosta — disse Bond, jovialmente. — Deixa-me tão irritado quanto o fato de alguém sabotar um aparelho centrifugador para transformar meus miolos em picadinho.O tom de Holly era quase formal:— Ao que tudo indica, Mr. Bond, sofre mesmo de um complexo de perseguição.— E os acontecimentos tendem a estimular tal complexo — comentou Bond, secamente. — Posso perguntar-lhe o que a trouxe a Veneza?34Holly acenou com a mão para dispensar um fotógrafo que se preparava para bater uma chapa.— Vou falar num seminário da Comissão Espacial Européia. Bond sacudiu a cabeça, parecendo admirado.— Não é pouca coisa. A todo instante estou esquecendo que é algo mais que uma mulher muito bonita.Holly parou bruscamente e virou-se para fitá-lo.— Se está tentando se mostrar simpático, Mr. Bond, não se dê ao trabalho. Tenho coisas mais importantes em que pensar.A expressão de Bond tornou-se subitamente séria.— Pois é justamente sobre essas coisas que eu gostaria de falar-lhe. Não quer jantar comigo esta noite?Holly sacudiu a cabeça.— Esta noite vou falar no seminário.— Pode imaginar alguma razão pela qual não devamos tomar um drinque depois?Holly não pôde deixar de sorrir.— No momento, não me ocorre nenhuma. . . mas tenho certeza de que conseguirei encontrar uma boa razão.Ela começou a se afastar, mas Bond seguiu-a prontamente.— O mínimo que posso fazer é acompanhá-la de volta ao hotel. Está no Danieli?Os olhos de Holly se estreitaram. — Esteve me espionando.— Claro que não. Imaginei que estava hospedada no Danieli pela direção que seguia. A ACM fica no outro lado da cidade.Holly conteve um sorriso ao passarem pelo Palácio Ducal, começando a atravessar a ponte comprida da Riva degli Schiavoni.— Posso perguntar-lhe o que está fazendo aqui? Afinal, o 747 não caiu no Alasca?— Estou mais interessado em descobrir o lugar em que o Moonraker desceu — disse Bond. — Não encontrei ninguém na Califórnia que estivesse disposto a olhar em outra direção que não para o outro lado do estreito de Bering.

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— Talvez não tenha falado com as pessoas certas.Havia um tom de crítica na voz de Holly que Bond achou desconcertante. Além de Drax e Holly, Trudi era a única pessoa que ele interrogara mais detalhadamente.— Como está Trudi Parker? — indagou ele. — Ela me pareceu muito entediada com o seu trabalho.— Trudi morreu — respondeu Holly calmamente.— Morreu?35— Sofreu um acidente horrível. Mr. Drax tinha saído para caçar e os dobermans atacaram-na.— E ninguém conseguiu dominá-los?— Ao que parece, ela se havia embrenhado sozinha pelo bosque. Os cachorros devem ter farejado o seu rastro. Chang foi atrás deles, mas já era tarde demais quando os alcançou. — Holly estremeceu convincentemente. — Não é horrível?Bond sentiu uma ânsia de vômito. Poucos dias antes, fizera amor com a jovem. Agora, ela estava morta. Talvez por causa dele. A amargura se misturou com um intenso sentimento de culpa, que ele canalizou no mesmo instante para uma determinação de vingança.— Os acidentes parecem estar proliferando — comentou ele, sombriamente. — Deve temer por sua própria vida, de vez em quando.Holly fitou-o impassivelmente.— Creio que ambos temos os nossos temores, Mr. Bond. — Ela estendeu a mão, num gesto de despedida. — Boa sorte com as suas investigações.Bond apertou a mão estendida.— E boa sorte com o seu discurso. Eu a verei depois. A expressão de Holly era cética, mas ela nada disse. Virou-se para continuar a andar pelo cais.O rosto de Bond estava contraído em vincos sombrios ao voltar para pegar sua góndola. Trudi devia ter sido morta porque alguém descobrira que ela estivera no gabinete de Drax em sua companhia. A sua própria vida provavelmente fora poupada porque dois "acidentes" em poucas horas teriam despertado suspeitas, mesmo no baluarte de Drax. Mas ali, em Veneza, ele era novamente vulnerável. Estava aberta a temporada de caça a James Bond. Ele acelerou os passos e foi descobrir Franco esquivando-se de uma matrona americana, que estava evidentemente mais interessada no corpo dele do que na góndola.Bond adotou um sotaque britânico insinuante:— Lamento profundamente, mas receio que esse rapaz já esteja contratado pelo dia inteiro.Os olhos da mulher desafiaram-no desdenhosamente e a palavra "bicha" quase se formou nos lábios dela. Sem disfarçar o desapontamento, ela virou-se bruscamente e foi embora. Bond entrou na góndola.— Viu algo estranho, Franco?35— Um homem de binóculo ficou observando a Piazzetta por um longo tempo, do alto do Campanile. Lá está. — Franco sacudiu a cabeça discretamente, na direção da torre, enquanto começava a remar. — O binóculo brilha ao sol.Bond olhou e assentiu. Podia ser um turista. Podia ser alguém a vigiar seus movimentos. Devia manter-se alerta, mas sem se deixar dominar por temores exagerados.— Leve-me para o Ríalto.— Sí, signore.Franco afastou a góndola do ancoradouro e seguiu na direção da Igreja de Santa Maria della Salute e da entrada do Grand Canal. Bond recostou-se confortavelmente e contemplou as fachadas dos prédios. A água batia ruidosamente e havia um cheiro profundamente lamentável de velhice e decadência. Bond pensou outra vez em Trudi e foi novamente dominado pela amargura. Estava metido num negócio sujo e as pessoas comuns com quem se envolvia corriam o risco de morrer. A medida que ia envelhecendo, era algo que o preocupava mais e mais. A crescente consciência de sua própria mortalidade deixava-o cada vez mais compadecido pela vida das outras pessoas. Era algo que, pensou ele tristemente, poderia deixá-lo inapto para o serviço.

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Franco entrou por um canal estreito na altura do Grande Hotel Europa e do Britannia. O barulho e o movimento do Grand Canal foram substituídos pelo suave marulhar da água escura contra as paredes limosas. Prédios se erguiam nos dois lados, como os paredões de um desfiladeiro. Bond virou a cabeça para deparar com um rato gordo a fitá-lo da entrada de um cano. Muito acima, soou uma desagradável risada de mulher e logo em seguida o rangido de uma janela sendo fechada bruscamente. Uma ponte baixa surgiu à frente e Franco quase se ajoelhou ao passarem por baixo. Estavam cercados por todos os lados, num ambiente claustrofóbico. Bond enfiou a mão por dentro do paletó até a cintura, para sentir os contornos da sua Walther PPK, sempre olhando ao redor cau-telosamente. Havia incontáveis sacadas lá em cima. Subitamente, um vaso de flores pareceu tremer. Bond se encolheu todo e só depois percebeu que o movimento fora causado pela passagem de umgato.Mal tinha acabado de relaxar quando uma lancha fúnebre apareceu, avançando pelo canal à frente deles. A lancha era toda preta, com um caixão bastante enfeitado na proa. Havia coroas dos dois lados. O homem que dirigia a lancha estava vestido de preto36e usava óculos escuros. A cena já era deprimente na melhor das ocasiões e tornava-se duplamente sinistra naquele canal estreito e escuro. A atenção de Bond foi atraída pelo homem do leme. Os óculos escuros inexplicavelmente davam ao homem uma aparência diabólica. E havia também o gorro. Era muito estranho que o timoneiro de uma lancha fúnebre usasse um gorro preto enterrado na cabeça. Bond olhou para Franco, que tirara o chapéu de palha e segurava-o diante do peito, numa atitude respeitosa. A lancha estava a uma dúzia de metros de distância. O timoneiro inclinou-se sobre a roda do leme. Bond pôde divisar vultos furtivos na cabine. Pam!Com o ruído da tampa de uma caixa de boneco de mola a se abrir bruscamente, a parte de cima do caixão levantou-se subitamente e um homem emergiu lá de dentro, empunhando uma sub-metralhadora. A primeira rajada atingiu em cheio o peito de Franco e derrubou-o da gôndola, como a ponta de uma lança. Bond jogou-se no fundo da gôndola e esticou um braço. O dedo encontrou um botão, que ele prontamente apertou, enquanto uma segunda rajada abria uma fileira de buracos na madeira atrás dele. Houve um rangido lutando para se sobrepor aos estampidos da submetra-lhadora. A plataforma do gondoleiro deslizou para trás, revelando um motor interno e uma cana do leme. No momento em que Bond segurou na cana do leme, o motor entrou em funcionamento ruidosamente e a proa da gôndola pulou para cima.O barco arremessou-se para a frente, enquanto outro enxame de chumbo quente cortava o ar por cima da cabeça de Bond. Soaram gritos de raiva e desafio, enquanto a lancha fazia a volta para sair no encalço da gôndola fugitiva. Bond descobriu-se ameaçado por outra gôndola e conseguiu efetuar uma passagem perigosa entre ela e um muro, antes de emergir numa área aberta. Não havia qualquer indicação do caminho a seguir e por isso ele manejou o leme e avançou a toda a velocidade pelo canal mais estreito que pôde encontrar. Bastaram alguns metros para que compreendesse que cometera um erro. À frente, erguia-se um paredão de tijolos, indicando que entrara num beco sem saída. Ainda estendido no fundo da gôndola, Bond manejou o leme e passou por baixo de uma ponte estreita. Atrás dele, podia ouvir o guincho persistente do motor da lancha. A distância diminuía rapidamente. Houve um ruído como o de alguém pisando numa caixa de fósforos. Bond olhou para trás e viu que o caixão e a parte superior da cabine haviam sido arrancados quando a lancha passara velozmente sob a ponte36baixa. Era evidente que o homem do leme não desistia facilmente. Sabia que, se alcançasse Bond, poderia simplesmente atropelá-lo, como um motorista com algumas cervejas a mais é capaz de passar por cima de um coelho só para se divertir.O paredão de tijolos estava cada vez mais perto. Bond desligou o motor e virou-se para a direção pela qual viera. A proa da gôndola bateu no paredão. Bond sentiu o abalo, mas mesmo assim sacou a Walther PPK e estendeu-a à sua frente, segurando-a com as duas mãos. O cano oscilou ligeiramente entre os dois círculos de vidro escuro que apareciam por cima da boca entreabrindo-se em triunfo. Bond sabia que tinha de ser. . . agora! Um estampido brusco e a cabeça do timoneiro desapareceu.

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Bond não perdeu tempo a se dar os parabéns pela mira demonstrada. Havia uma grade de metal ao lado do canal, correndo ao longo da calçada. Ele segurou a grade e ajeitou os pés contra o paredão. Levantou o corpo e passou uma perna por cima da grade, no instante em que a lancha destroçava a gôndola e se chocava com o paredão. Houve uma violenta explosão e uma onda de calor, que lhe chamuscou os cabelos de trás da cabeça. Bond cambaleou pela calçada e agachou-se mais adiante, levantando o braço para proteger o rosto. A lancha ardia furiosamente, o fogo crepitando com uma intensidade que logo abafou os gritos que partiam dos destroços. Janelas se abriram, pessoas começaram a gritar, uma multidão convergiu. Bond descobriu-se parado ao lado da mulher americana que tentara contratar os serviços completos de Franco. Ela fitou-o com uma expressão aturdida.— Horrível! — murmurou Bond. — Simplesmente horrível! Acho que aconteceu alguma espécie de acidente pavoroso!37379Ouvido para músicaA noite estava escura. A gôndola só podia ser vista quando a luz de uma lancha de passagem iluminava o pequeno canal. Deslizou até o portão de ferro batido e parou. Lá em cima, onde uma estreita faixa de céu aparecia entre os prédios altos, os relógios de Veneza começaram a bater dez horas. Um facho de luz bem pequeno incidiu sobre o ferro batido e soou um retinido de metal. Segundos depois, houve um estalido e o portão se entreabriu.James Bond escutou atentamente e depois passou pelo portão, atravessando rapidamente o pátio que vira pela manhã. Chegou à escada e subiu, sem fazer qualquer barulho, pois as solas dos sapatos eram de borracha. Em algum ponto distante, dois ga-tos iniciaram uma breve escaramuça. Havia uma arcada no alto da escada e depois um corredor mal-iluminado. Bond ficou parado até ouvir somente a própria respiração e depois entrou no corredor. Era frio e úmido, cortado por outro corredor cerca de quinze metros adiante, quase em ângulo reto. Bond avançou, até alcançar uma porta dupla de ferro. Na parede ao lado havia uma placa que parecia a superfície de um computador de bolso. Os números vermelhos brilhavam na semi-escuridão. Os tijolos do corredor eram antigos, mas a porta era nova. Não havia maçaneta nem fechadura. Bond estava estudando a superfície indecifrável da porta quando ouviu passos se aproximando. Um pouco atrás, outra porta ofere37cia a promessa de refúgio. Foi até lá, levantou a tranca e empurrou-a. A pesada porta de carvalho deslizou para trás e ele penetrou na escuridão total da sala. O cheiro que lhe invadiu as narinas era mais repulsivo que qualquer coisa que a umidade e a deterioração pudessem criar. Foi acompanhado por um farfalhar que parecia provir de todos os pontos ao seu redor. Bond teve a impressão de muitos vultos a se mexerem e de prateleiras repletas de olhos vermelhos a fitarem-no. As prateleiras tinham gaiolas. As gaiolas estavam repletas de ratos.Relutante em virar as costas, mesmo assim Bond virou-se e encostou um olho na fenda da porta quase fechada. Um homem de jaleco branco e com um maço de papéis na mão apareceu em seu campo de visão. Parou diante da porta de metal. Com um suspiro de irritação, levantou um dedo e bateu em cinco números do painel iluminado. As cores dos números escolhidos passaram de vermelho para amarelo e o homem empurrou uma das bandas da porta. A porta se abriu e os números voltaram a ficar vermelhos, enquanto o homem passava. A porta fechou-se automaticamente. Bond não teve muito tempo para divisar o que havia além da porta, mas pareceu-lhe ser um depósito. Ficou esperando que o homem voltasse, mas os minutos foram passando sem que nada acontecesse. O que o homem estaria fazendo ali àquela hora da noite? Tudo indicava que haveria um único meio de descobrir.Bond saiu do depósito de animais e aproximou-se do painel. Esperava que um alarme não fosse desencadeado se por acaso tocasse a combinação errada. Não fora fácil determinar exatamente quais os números que o homem apertara. Bond concentrou-se por um instante e depois bateu nos números. Cinco-um-um-três-cinco. Por uma fração de

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segundo, nada aconteceu. Depois, os números passaram de vermelhos a amarelos. Bond empurrou uma banda da porta e passou rapidamente.Estava agora numa sala externa mal-iluminada, flanqueado por arquivos e pilhas de caixas de formatos diversos. Podia avistar uma segunda sala, através de uma ampla janela de vidro, do tipo que só se encontra normalmente nos berçários das maternidades. Parecia um laboratório intensamente iluminado. Bond avançou cautelosamente, na maior curiosidade em descobrir o que estaria acontecendo por ali. O motivo para a existência dos ratos era agora evidente. Eram usados em experiências. Olhando pela parede distante, Bond podia ver dois ratos levantados, as patas dianteiras encostadas nas barras da gaiola. Os animais farejavam inqui38sitivamente, como se fizessem a si mesmos as mesmas perguntas que Bond.O que significaria aquele laboratório numa fábrica de vidro em Veneza? Não havia qualquer indicação de que se tratasse de alguma atividade relacionada com a fabricação de ornamentos de vidro. Era possível que estivessem desenvolvendo ali alguma espécie nova de vidro ou plástico, mas os equipamentos que Bond podia divisar não contribuíam para confirmar tal suposição. Além dos incontáveis tubos de ensaio, recipientes de vários tipos, balanças e microscópios, o laboratório era dominado por um grande e complexo sistema de destilação, que parecia até uma refinaria de petróleo em miniatura, um emaranhado de canos de vidro e tubos coloridos, ligados a diversos vidros e retortas. A última parte do processo ocorria dentro de uma caixa de vidro lacrada e Bond pôde ver que a destilação era manipulada por diversos braços mecânicos, operados por dois cientistas agachados nos lados da caixa. Um deles era o homem que Bond observara bater a combinação na porta. Gota a gota, o líquido destilado caía dentro de um frasco de vidro. Este, depois de cheio, foi selado e levado por uma pequena correia transportadora, num comboio de seis, até uma suave inclinação; aí ficaram até que um escudo de vidro desceu, como uma guilhotina. Dessa maneira, os frascos ficavam isolados da parte principal do processo de destilação. Um dos cientistas manejou outra tela de vidro, o que permitiu que os frascos fossem retirados e colocados numa imensa unidade refrigeradora. O refinamento de toda a operação e o cuidado em isolar o líquido destilado indicavam que este devia ser altamente tóxico.Bond sentiu o pulso disparar. Estava agora descobrindo alguma coisa. Tinha de obter uma amostra daquele líquido destilado. Ao esticar o pescoço para a frente, num esforço de ver melhor o que estava acontecendo, teve uma tremenda surpresa. Um dos cientistas afastou-se do sistema de destilação e voltou um instante depois, empurrando duas esferas como a que Bond vira desenhada na planta encontrada no cofre de Drax. Cada esfera estava instalada numa estrutura que parecia uma cadeira alta de bebê. Bond notou prontamente o estranho segmento de formato hexagonal no meio do globo.Um dos cientistas levantou a tampa da esfera e o outro inseriu cuidadosamente um frasco recentemente enchido com o líquido destilado. A tampa foi fechada e o processo repetiu-se na segunda esfera. Concluída a operação, os dois cientistas cuidadosamente38manobraram uma das esferas até a extremidade do laboratório, levando-a para fora, sempre suavemente, através de portas que se abriam automaticamente à aproximação deles.Mal as portas haviam se fechado Bond entrou no laboratório, avançando rapidamente para o sistema de destilação. Abriu a porta da unidade de refrigeração e escolheu um dos frascos da remessa que acabara de ser introduzida ali. Havia outros frascos mais antigos, cobertos por uma grossa camada de gelo. Bond escutou atentamente, para ver se ouvia os passos dos cientistas voltando, depois encaminhou-se para a esfera que ficara no laboratório. Tinha de verificar se o conteúdo do frasco em sua mão era idêntico ao que fora inserido na esfera. A tampa era acionada por uma mola e foi necessário largar o frasco que ele tirara da geladeira para conseguir abri-la. Acabara de fazê-lo quando ouviu o som de vozes se aproximando.Dizendo a si mesmo para não perder a calma, Bond cuidadosamente inseriu o polegar e o indicador na abertura e fechou-os sobre a tampa do frasco lá dentro. Começou a puxar e sentiu o frasco tremer, prestes a escapar dos seus dedos, que o apertavam desesperadamente. Esticando o dedo mínimo, conseguiu amparar o frasco pela tampa, liberando a mão para segurá-lo direito antes que caísse. As portas automáticas se

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abriram no momento em que ele se abaixou, metendo o frasco no bolsinho do peito do pulover. Contornando as estantes de instrumentos e as bancadas de trabalho, Bond voltou para a sala externa e fechou a porta silenciosamente, antes de se erguer para olhar.A experiência lhe dizia que aquele era o momento de partir, sem forçar demais a sorte. Mas não pôde resistir a continuar observando o laboratório. Os dois cientistas haviam se aproximado da segunda esfera e estavam se preparando para levá-la na direção das portas automáticas. Essa não! Bond quase falou em voz alta, ao lembrar que deixara o frasco tirado da geladeira na parte central do globo. Os cientistas não podiam deixar de vê-lo. Bond estava começando a se virar quando o carrinho entrou em movimento e ouviu um grito de alarme que atravessou até mesmo o grosso vidro do painel de observação. Um dos cientistas arremessou-se desesperadamente para a frente e o carrinho virou. Bond compreendeu o que devia ter acontecido. O primeiro movimento do carrinho fizera com que o frasco rolasse do globo. O que parecia uma baforada de fumaça verde pairou no ar. Uma luz no teto do laboratório começou a piscar, ao mesmo tempo em que soava um alarme estri39dente. Com um zumbido, uma tela esverdeada apareceu na porta pela qual Bond entrara no laboratório, vedando-a hermeticamente. Enquanto Bond observava, horrorizado, os cientistas puseram-se a cambalear na direção das portas automáticas. Um deles caiu por cima de uma estante de instrumentos, derrubando-a. O outro alcançou as portas, para descobrir que não se abriam. Bateu nelas com os punhos cerrados e tentou pateticamente abri-las com as pontas dos dedos. Segundos depois, ele estava comprimindo a garganta e deslizando para baixo, encostado nas portas, até desaparecer do campo de visão de Bond. O ar no interior do laboratório estava agora esverdeado e uma sinistra camada verde formou-se na superfície interna do painel de observação, como limo no vidro de um aquário. Somente os ratos pareciam não ter sido afetados e continuavam a farejar inquisitivamente, empurrando os focinhos pelas barras da gaiola.Bond respirou cautelosamente e tateou os contornos do frasco em seu peito. Teria sido menos perigoso se o frasco contivesse nitroglicerina. Ansioso por escapar daquela cena terrível à sua frente, apertou o botão que abria a porta por dentro, saiu para o corredor, desceu a escada, atravessou o pátio. O alarme era agora apenas um zumbido distante e o portão de ferro batido que levava à segurança estava a poucos metros de distância. Bond avançou rapidamente e abriu o portão. A gôndola não estava mais ali. Ele olhou para o cruzamento que levava ao canal principal e descobriu-a lá, à deriva, a cerca de vinte metros de distância. Virou-se no mesmo instante, para deparar com Chang. Levou a mão à arma, mas ainda estava erguendo-a para a posição de tiro quando o lado da mão de Chang lhe acertou o pescoço, como se fosse o gume de uma espada. A Walther PPK caiu ruidosamente nas pedras do calçamento e Bond seguiu-a uma fração de segundo depois, com a sensação de que todos os nervos do corpo estavam paralisados. Um pé rápido afastou a pistola para longe e um instante depois outro acertou-lhe as costelas, pegando de raspão. Se tivesse acertado em cheio, teria afundado as costelas, como se fossem as tábuas de um barril apodrecido. Alguma voz interior de autopreservação, fez Bond recuperar o uso dos sentidos. Ele rolou para o lado, tentando ficar de joelhos. Chang atacou novamente, com o pé levantado. Mas Bond conseguiu esquivar-se por baixo e correu para a porta que sabia levar à sala de exposição. Podia sentir algo úmido no peito e rezou para que fosse apenas água. Se o frasco se quebrasse. . .Com o pescoço latejando terrivelmente, como se uma corrente39elétrica estivesse passando incessantemente, Bond jogou o ombro contra a porta, ao mesmo tempo em que girava a maçaneta. Atrás dele, podia ouvir o grunhido de Chang em seu encalço. O homem movia-se como um imenso e pesado caranguejo. A porta se abriu e Bond avançou rapidamente através das estantes e mostruários. O luar entrava por cima das persianas, nas vitrines que davam para a Praça São Marcos. Em algum lugar, ali perto, uma orquestra estava tocando. O cheiro acre da oficina impregnava a sala. Bond ficou esperando na escuridão, atento. Ouviu Chang ofegar e depois o ruído da respiração dele foi se tornando mais débil. Estava prestes a começar um jogo fatal de esconde-esconde. Bond pensou nas opções que tinha. As vitrines estavam atulhadas

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demais de mercadorias para fazer com que um mergulho através do vidro fosse uma proposição saudável. Além do mais, tinha também de pensar no frasco. A entrada principal seria o melhor caminho de fuga, mas provavelmente era justamente ali que Chang estava esperando.Bond começou a avançar lentamente entre duas fileiras de prateleiras, rangendo baixinho sob o peso dos vidros antigos que tinham de suportar. Se pelo menos conseguisse chegar até... Crac... Como um fardo de pano a voar pelo ar, Chang arremessou-se através de uma prateleira para cima de Bond. Peças de vidro se espatifaram em todas as direções e Bond sentiu uma dor lancinante, sendo empurrado através de outra prateleira e caindo no chão. Todo o ar escapou de seus pulmões com o impacto. O bafo de Chang contra o rosto dele recendia a ânsia de matar. Bond tateou desesperadamente à procura de qualquer arma que pudesse usar e os dedos encontraram um estilhaço de vidro quebrado. Ele empurrou o pedaço de vidro para cima, com toda a força. Ouviu um urro estridente de dor, ao mesmo tempo em que os dedos de Chang, que lhe apertavam a traquéia, se afrouxavam. Bond golpeou novamente e se contorceu para o lado, sentindo fragmentos de vidro espatifado lhe cortarem o ombro. A mão direita estava toda molhada de sangue. Chang ainda tentou dominá-lo, mas Bond conseguiu se desvencilhar e pegou um pesado vaso de vidro, que tinha o formato de um peixe de boca aberta. Desferiu um golpe com toda a força, acertando na têmpora de Chang, no instante em que o chinês tentava se levantar. O vaso se espatifou. Chang limitou-se a soltar um grunhido e continuou a se preparar para o ataque. Havia uma linha de sangue no pescoço e na parte superior do ombro dele, nos talhos feitos por Bond. Cambaleando para trás, Bond verificou que a passagem para a parte da frente da loja estava40bloqueada. Chang estava de pé, com a claridade pelas costas, os braços imensos afastados do corpo. Se alguma diferença havia, era o fato de a cabeça da tartaruga dar a impressão de estar ainda mais afundada nos ombros. Ele se adiantou, os cotovelos roçando nas prateleiras. Bond foi recuando, na direção do calor da oficina. Os olhos de Chang brilhavam com um ódio impessoal, como as faíscas na boca de um canhão. A boca pequena e repulsiva se entreabrira, revelando duas fileiras de dentes pequenos, separados como os de um peixe predador.Bond sentiu a abertura para o corredor às suas costas e rápido enveredou por ali. Ainda estava atordoado do primeiro golpe de Chang, mas a cada movimento os grilhões que lhe prendiam os reflexos estavam se afrouxando. Foi movimentando os pés para a frente e entrou na escuridão da oficina. A escuridão não era total, por causa dos clarões dos cadinhos, que nunca se apagavam totalmente. Bond pôde divisar os contornos de uma escada de madeira no outro lado da oficina. Correu para lá e no meio do caminho colidiu com algo que ressoou como um gongo sendo golpeado. Cambaleou para trás, sentindo outra vez uma dor intensa, contornou o objeto e preparou-se para seguir adiante. Clique! Uma luz se acendeu por trás dele. Bond virou-se para ver Chang com um sorriso triunfante no rosto. Uma das mãos rudes se estendeu e Bond se empertigou, enquanto a apreensão era substituída pelo terror. Chang estava pegando um dos tubos de soprar vidro, que fora deixado na boca de um cadinho incandescente. O tubo se soltou, com a extremidade em brasa. Chang cortou o ar, como se estivesse brandindo uma espada. Deu um passo para a frente e esticou o braço subitamente. Como uma bala, o tubo avançou velozmente para a cabeça de Bond. A velocidade inesperada do golpe foi tão grande que Bond não teve tempo de se esquivar. Houve o som de gelo se rachando e a visão de Bond se fragmentou. Diante das pestanas chamuscadas de Bond, a ponta esbranquiçada do tubo tornou-se vermelha e depois rosada. Bond estava parado atrás de uma placa de vidro que recebera todo o impacto do tubo, cuja ponta parou a centímetros do seu rosto. Bond afastou-se da teia de aranha em que se transformara o vidro e completou o percurso até a escada de madeira.Chang soltou um urro de raiva e frustração que era terrível de se ouvir. O pé de Chang estava no degrau de baixo quando Bond alcançou o primeiro patamar. Ele pôde sentir a escada balançar, quando o chinês começou a subir, em sua perseguição. Bond subiu correndo o lance de escada seguinte e saiu numa espécie de sótão,40

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atulhado de caixas. Algumas estavam abertas e ele pôde vislumbrar esferas iguais às que vira sendo enchidas no laboratório. Havia um sistema de roldanas num canto, indicando que aquele lugar era usado como depósito.Bond se abaixou, escutando o coração bater forte, e leu as palavras que estavam impressas na caixa à sua frente: "C&W. Rio de Janeiro". Interessante, muito interessante. . . Mas talvez fosse uma pista que tivesse aparecido tarde demais. Quando Chang entrou no depósito, Bond tentou usar a arma que tinha no pulso. Sacudiu-o bruscamente para trás e houve um estampido seco, seguido por uma explosão de fragmentos e uma nuvem de poeira de tijolos da parede do outro lado. Era uma arma fatal, mas não podia ser considerada acurada. Chang lançou-se para a frente, mas Bond contornou rapidamente uma das caixas. A expressão de Chang, ao olhar para o conteúdo da caixa, mostrou que ele sabia perfeitamente que era necessário tratá-la com respeito.Bond correu para uma pequena porta no canto e subiu um último lance de degraus, que rangiam muito e estavam cobertos de teias de aranha. A cabeça se elevou acima do nível do chão e ele se viu num cômodo apinhado de maquinaria antiga e iluminado por um círculo de luz transparente, com diversos algarismos romanos. Num relance, compreendeu que estava na câmara inferior da Torre do Relógio. Naquele instante, estava parado atrás do mostrador do relógio. As polias, rodas dentadas e correntes que o cercavam integravam o mecanismo do relógio. Não havia como sair daquela câmara, a não ser pela escada por onde subira. Era ali que tinha de se entrincheirar e lutar. Puxando para trás um feixe de correntes, arremessou-as contra o rosto de Chang, no momento em que a cabeça do chinês se elevou acima do nível do chão. O efeito não foi maior que o de uma espetadela num elefante. Chang soltou um rugido de raiva e avançou através das correntes como se não passassem de uma cortina de contas. Um golpe violento rompeu a guarda de Bond e pareceu levantar-lhe a cabeça quatro ou cinco dedos acima dos ombros. Bond experimentou novamente a sensação de torpor, rangendo os dentes, o lado direito do corpo momentaneamente paralisado. Baixou o ombro e desferiu um gancho de esquerda, que acertou Chang em cheio, no lado de seu queixo retraído. Mas Chang apenas sorriu. Não era o sorriso involuntário de um pugilista a mostrar que o golpe o abalara. Era um sorriso que dizia: "Recebi o seu soco mais forte e descobri que não me causou mais danos que um tapinha no rosto". Bond tratou de recuar atra41vés da maquinaria e Chang seguiu-o, o sorriso tenebroso ainda no rosto. Em torno deles, soou subitamente um zumbido. Bond ouviu outro relógio nas proximidades começar a bater a hora. Ele sabia? o que significava aquele ruído. A maquinaria estava se preparando para bater as horas. A qualquer momento, os dois mouros por cima das cabeças deles começariam a martelar o sino, como se fazia há quatro séculos e meio.As fendas dos olhos de Chang brilhavam intensamente na semi-escuridão. No instante em que a maquinaria entrava em ação para marcar a hora, o chinês abriu os cotovelos, preparando-se para atacar. Um braço moveu-se para trás. Mas enquanto Bond se esquivava, antecipando o golpe, houve um grito de surpresa. A manga de Chang ficara presa numa roda dentada que girava. Ao virar-se para puxá-la com a mão livre, uma segunda roda dentada avançou em combinação com a primeira e esmagou-lhe a mão em seus dentes de metal. Chang lutou para se desvencilhar, enquanto Bond pegou um imenso peso de metal na extremidade de uma corrente e arremessou-o como uma arma de batalha medieval. O primeiro golpe acertou ruidosamente um lado da cabeça de Chang. Bond novamente arremessou o peso com toda a força, enquanto os dois mouros começavam a bater o acompanhamento macabro, em meio aos gritos e ao rangido vertiginoso da maquinaria.Com um berro angustiado de dor, Chang conseguiu finalmente desvencilhar o braço e virar-se, para receber todo o impacto do peso de metal no queixo. A mão mutilada tateou o ar diante do rosto de Bond, que sentiu o sangue lhe pingar nas faces. Chang cambaleou para a frente, tentando desesperadamente segurar Bond, que recuou quase até o mostrador do relógio. No instante em que Chang partiu para um ataque desesperado, Bond afastou-se para o lado, golpeando-o novamente com o peso de metal. O impacto deu-se atrás da cabeça de Chang e ele foi empurrado para a frente, estendendo os braços para deter a queda no círculo de luz espectral. Houve o som de

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algo a se estilhaçar e um súbito jato de ar noturno penetrou na câmara, enquanto Chang desaparecia, deixando um buraco irregular no mostrador do relógio.Lá embaixo, a orquestra que tocava na praça parou abruptamente, como se alguém tivesse levantado a agulha da vitrola. A música foi substituída por um coro de gritos horrorizados. Bond tirou os dedos entorpecidos do peso de metal e cambaleou para a frente, a fim de espiar através da abertura. Chang estava caído sobre uma mesa, de barriga para baixo. A mesa desmoronara sob42seu peso. Uma mancha escura se espalhava rapidamente pela toalha impecavelmente branca. Bond tratou de se abaixar, para não ser visto pelos rostos aturdidos que se voltavam para a Torre do Relógio. Encaminhou-se rapidamente para a escada. Estava mais do que na hora de sair dali.4210Pronta açãoHolly Goodhead foi até a beira da sacada e abriu os braços. Diversas lanchas, pequenos vapores e outras embarcações estavam aninhados no cais amplo e iluminado por lampiões. Uns poucos marinheiros e turistas seguiam apressadamente para suas camas. Diretamente abaixo da sacada, um garçom estava fechando os guarda-sóis azuis, nas mesinhas ao ar livre. O sol frio do inverno não propiciava muito movimento nas mesas ao ar livre. Agora, o Canale di San Marco era um braseiro de luzes. À distância, o Lido se destacava contra a noite como gotas brilhantes de orvalho numa teia de aranha. Holly absorveu lentamente uma das vistas mais lindas do mundo e virou-se para entrar na suíte. O discurso que fizera havia sido bastante aplaudido, mas uma combinação de tensão, exultação e alívio fazia com que a perspectiva de sono lhe parecesse maravilhosa. Estava estendendo a mão para um abajur quando outra mão se fechou sobre a sua. Ela apertou o interruptor e a luz se acendeu para revelar Bond a fitá-la, os olhos frios, a boca uma fenda implacável. Os cabelos dele estavam desgrenhados e havia equimoses no rosto, as quais Holly teria tido o maior prazer em aumentar.— Que diabo está fazendo aqui?A expressão de Bond nao se abrandou.— Convalescendo. Seu amigo Chang tentou matar-me, não42faz muito tempo.As narinas de Holly tremeram por um momento e ela fez um esforço para obrigar o coração a bater normalmente.— E acha que tenho alguma coisa a ver com isso?Bond soltou-lhe a mão desdenhosamente e deu uma volta pela suíte, acendendo mais luzes.— A possibilidade passou-me pela cabeça. — Ele foi até a escrivaninha e pegou uma caneta esferográfica de ouro. — O que Drax está fazendo naquele laboratório?— Por que não pergunta a ele pessoalmente?— É o que pretendo fazer.Bond começou a rabiscar num bloco. Holly pôs uma das mãos no quadril e passou a outra pelos cabelos.— Vai me dar o número do seu telefone? Bond sorriu sombriamente.— Não vejo para quê. . .Levantou a caneta ao nível dos olhos e comprimiu a base. Uma agulha hipodérmica pulou para fora, como a língua de uma serpente. Bond estremeceu.— Ah. . . agora estou vendo. — Tornou a apertar a base e um líquido incolor foi esguichado para o ar. — Não é exatamente o que estou querendo esta noite.Apertou a base pela terceira vez e a agulha recuou para dentro da caneta. Guardou-a no bolso e recomeçou a andar pela suíte. Holly seguiu-o, inquieta.— Por que não se serve de um drinque, James? Bond exibiu-lhe um sorriso gelado.— Ah, finalmente chegamos ao estágio de tratamento pelo primeiro nome. . .Ele vasculhou, entre os cosméticos na penteadeira. Pegou um pequeno vaporizador de perfume e cheirou-o. Holly sorriu, sedutoramente.— Gosta?

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Bond virou o vaporizador para o espelho e comprimiu a parte de cima. Uma língua de fogo emergiu do vaporizador, como de um lança-chamas, destruindo a sua imagem. O espelho enegrecido rachou e cacos de vidro choveram sobre a penteadeira. Bond torceu o nariz e, segurando o vaporizador entre o polegar e o indicador, tornou a pô-lo na penteadeira.— Não é um tanto exagerado?Foi pegar a bolsa de Holly e despejou o conteúdo sobre a43colcha bordada da cama de casal. Segurou uma pequena agenda de bolso, com capa de couro e um lápis fino enfiado na lombada. Bond apontou a agenda para uma poltrona e apertou-a. O "lápis" foi disparado como um dardo, enterrando-se no estofamento da poltrona.— Não resta a menor dúvida de que a ponta está embebida em cianureto — comentou Bond, como se estivesse fazendo um inventário.Pegou uns óculos de aros grossos e examinou o enfeite nas dobradiças. Pôde divisar um pequeno tubo, apontando na direção para a qual estaria olhando a pessoa que estivesse com eles. Bond pôs os óculos. Holly sacudiu a cabeça, dizendo:— Não servem para você.Bond pôs um mata-borrão diante do rosto e bateu em cima dos óculos, no gesto de quem se lembra de repente de alguma coisa. Houve um zumbido quase inaudível e um dardo, escassamente maior que um espinho, cravou-se no mata-borrão.— E me serviriam ainda menos se você os estivesse usando — comentou Bond. Apertou o lado de um estojo de pó-de-arroz e uma lâmina saltou. — Tem alguns brinquedinhos muito estranhos.— Uma mulher precisa cuidar de sua segurança nos dias dehoje.Bond tornou a sorrir sombriamente.— Conheço exércitos do Terceiro Mundo que não estão tão bem equipados.Puxou o suporte de um batom e viu o que parecia ser um detonador em miniatura e uma carga explosiva. O cilindro de um isqueiro Zippo estava dividido de forma a poder não apenas acender um cigarro, mas também esguichar gás na cara de um atacante. Bond sacudiu a cabeça.— Aposto como você arrancava os braços de todas as suas bonecas.— Nunca tive bonecas. Estava sempre na rua, com uma luva de pegador de beisebol.— Com um bastão de beisebol, mais provavelmente.Bond comprimiu um dos fechos do lado da bolsa e uma antena telescópica começou a deslizar silenciosamente pelo ar. Houve um ruído abafado de estática e o outro fecho começou a brilhar, com os números de faixas de rádio. Bond jogou a bolsa na cama, ao lado do conteúdo espalhado.— Já vi esse equipamento antes, Holly. E não foi numa loja.43— Ele parou de falar por um momento, enquanto se encaminhava para um carrinho de bebida. — Estava sendo desenvolvido pela CIA. Um velho amigo meu, Felix Leiter, ofereceu-me uma prévia, às escondidas.Bond virou as costas, para jogar alguns cubos de gelo num copo e depois despejar Chivas Regal por cima.— Creio que você provavelmente o conhece. — Holly não respondeu. — Porque está me ocorrendo que foi a CIA quem a colocou na Corporação Drax. Certo?Ele acenou com a mão para o carrinho de bebida, num convite. Mas Holly sacudiu a cabeça.— Certo. — O rosto dela se desanuviou num sorriso conciliador. — Não seria esse o momento apropriado para unirmos nossas forças?Bond contemplou Holly por cima do copo. Era a primeira vez, ao que podia se lembrar, que a via sorrindo daquela maneira. Afetuosamente. Inocentemente. E insinceramente. Baixou o copo.— Pode haver suas compensações.Holly deu um passo para a frente, ficando perto o bastante para ser tocada. O decote do vestido era tentador. Bond puxou-a e beijou-a no canto da boca, gentilmente. Os olhos dele ainda estavam desconfiados.

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— Ainda pensa que estou tentando esconder alguma coisa, não é mesmo, James?Bond alteou as sobrancelhas e conteve um sorriso, dizendo secamente:— Sim e não.Holly observou os olhos dele circularem cautelosamente pelo quarto.— Já não se entregou ao trabalho de detetive o suficiente por uma noite?Afastou-se e começou a guardar as coisas de volta na bolsa. Bond contemplou o próprio rosto tão maltratado no espelho e sorriu tristemente.— Estou tentado a encerrar o expediente por hoje.Holly alisou a colcha da cama sedutoramente e largou a bolsa na mesinha-de-cabeceira. Foi até Bond e estremeceu ao examinar-lhe a mão.— É melhor deixar-me cuidar dessa mão. — Ela abriu os dedos de Bond, um a um, examinando o talho fundo na palma. — Tenho uma coisa ótima no banheiro.44Bond sorriu.— Contanto que não seja alguma coisa da sua bolsa, está tudo bem. — Ele encostou o nariz nos cabelos dela. — Acho que tem razão, Holly. Seria melhor se trabalhássemos juntos.Ela inclinou a cabeça para trás a fim de fitá-lo e Bond fechou a mão livre sobre a dela.— Uma trégua? Holly assentiu.— Combinado.— Compreensão?Holly inclinou a cabeça zombeteiramente.— Possivelmente.— Cooperação?— Algumas vezes.— Confiança?A boca de Holly se aproximou rapidamente da boca deBond.— Por que tem de falar tanto?Quatro horas depois, Bond estava deitado inteiramente nu sob o lençol, sentindo Holly aconchegar-se contra seu ombro. Ela deixou escapar um pequeno suspiro de satisfação e estendeu um braço sobre o peito dele. Bond conteve o desejo que voltava a invadi-lo e estendeu cautelosamente o braço direito. O Rolex Oyster Perpetual, brilhando na escuridão, dizia-lhe que estava na hora de partir. Saiu da cama, ajeitando gentilmente o braço de Holly sobre o lençol quente. Holly soltou outro ruído de satisfação e ajeitou-se no travesseiro. Bond pensou subitamente como ela parecia vulnerável daquele jeito e puxou o lençol até seus ombros. As roupas dele estavam misturadas com as de Holly. Um raio de lua incidia sobre a etiqueta do blusão de lã que lhe atraíra a atenção na loja de vidro: "Victoria Bevan. Tricô feito à mão. Great Shelford, Cambridge, Inglaterra". A Dra. Holly Goodhead obviamente não se poupava na busca do melhor. Bond sentiu uma pontada de nostalgia ao contemplar aquele vínculo com um país que significava mais para ele que qualquer outro país do mundo. A Inglaterra no inverno combinava com a desolação de seu espírito, mas não havia a menor possibilidade de um retorno imediato. Sua única pista apontava para climas mais tropicais. Ele respirou o ar frio da noite e vestiu o pulôver de gola rulê. Faltavam cinco horas para o amanhecer e ainda tinha muito o que fazer.44Holly deixou escapar outro suspiro, ao mudar de posição para aproveitar plenamente o espaço quente deixado por Bond e melhor ouvi-lo a se vestir. Houve uma exalação quase inaudível quando ele calçou os sapatos, e depois soou um rangido quando se encaminhou para a porta. A maçaneta girou. Uma pausa, um estalido. A porta foi novamente fechada. Holly continuou imóvel, escutando, por vários segundos.— James?A voz dela era queixosa, magoada. Soergueu-se sobre um cotovelo e olhou ao redor. Não havia o menor sinal de Bond à espreita em lugar nenhum. Sentou na cama rapidamente e afastou os cabelos do rosto, antes de pegar o telefone. Esperou, coçando irritada a ponta do nariz. Ninguém teria acreditado, ao contemplar aquele rosto sério e compenetrado, que uma hora antes ela se entregara ao ato de amor mais ardente de sua

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vida. A voz sempre esperançosa de um porteiro noturno italiano soou no outro lado da linha:— Si, signora?A voz de Holly era tão fria quanto a de uma professora batista do meio-oeste americano em sua primeira viagem aos Grandes Lagos:— Mande alguém vir pegar as minhas malas. . . Imediatamente, por favor.Uma chuva fina caía sobre a Praça São Marcos. Bond levantou a gola da capa e esperou respeitosamente pelos passos mais lentos de M e Frederick Gray. Haviam se passado apenas umas poucas horas desde que deixara a suíte de Holly, e a chegada tão rápida de seus chefes era decididamente constrangedora. Recordou-se dos versos imortais de Gray:"Quão feliz eu poderia ser com qualquer das duas, Se a outra depressa se afastasse!"— É melhor que seja algo importante, Bond — disse Gray rispidamente. — Houve uma reunião até tarde da noite ontem e eu mal tinha encostado a cabeça no travesseiro quando sua mensagem chegou.M achou que era necessário intervir em defesa de seu agente:— 007 não costuma apertar o botão de pânico a menos que o caso seja realmente grave, ministro.45Gray soltou um grunhido neutro e correu os olhos pela sala. Pequenos grupos de carabinieri armados espreitavam das arcadas, com a discrição típica dos italianos.— Já cuidou de tudo o que era necessário com os nossos amigos italianos?Bond assentiu vigorosamente.— Já, sim, senhor. Tomei todas as providências. Havia uma insinuação de desdém em sua voz, a indicar que não gostava muito de Frederick Gray. Mas Gray não percebeu ou então não se importou.— Pobres coitados. Imagino que atualmente andam fazendo esse tipo de coisa enquanto dormem.O tom era meio indulgente. Insinuava que o seqüestro de Moro jamais poderia ter ocorrido na Inglaterra. Se lhe fosse pedida a opinião, Bond não se mostraria tão otimista.A fachada da loja Vidros Venini apareceu à frente deles, observada por alguns madrugadores. Os guardas, metidos em capotes azuis, afastaram-nos a cotoveladas. Um inspetor adiantou-se e bateu continência. Bond falou-lhe em italiano e os três ingleses entraram na loja, deixando na porta os dois policiais à paisana que tinham vindo da Inglaterra com Gray e M. A linda empregada que recebera Bond no dia anterior adiantou-se bruscamente, soltando uma excitada rajada de palavras em italiano. Bond sacudiu a cabeça para um dos policiais, que a levou para o lado, ainda protestando. Gray parecia embaraçado.— Espero que saiba o que está fazendo, Bond. Já joguei bridge com esse tal de Drax. — M lançou-lhe um olhar frio, que Gray interpretou corretamente como uma censura. — Ele é muito influente nas relações anglo-americanas. Uma espécie de diplomata sem posto. Homens assim possuem grande influência internacional.Bond não disse nada, seguindo na frente através do prédio. A proa de uma lancha da polícia aparecia do outro lado do portão de ferro batido. Dois guardas estavam no alto do lance de degraus. Ninguém podia reclamar da rapidez e meticulosidade com que os italianos haviam agido. Bond engoliu em seco. Sentia a garganta ressequida. A poucos metros de distância estavam os remanescentes de algo inexplicavelmente diabólico. Ele não tinha a menor vontade de visitar novamente o laboratório.No alto dos degraus, foram recebidos por dois carabinieri e por um policial à paisana, carregando um saco de lona. O policial45à paisana apertou solenemente as mãos dos visitantes britânicos e depois seguiu na frente pelo corredor. Parou diante da porta de aço e virou-se para Bond.— É aqui? — indagou Gray.— É, sim, senhor.Bond pegou o saco de lona e tirou três máscaras contra gás, que ficaram pendendo de seus dedos como lulas. A expressão de Gray era de incredulidade total.— Máscaras contra gás? Ora, não posso admitir. . .— Acho que é mais sensato não correr qualquer risco.

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A voz de Bond era calma, mas firme. M não disse nada, limitando-se a estender a mão para pegar uma máscara. Gray soltou uma exclamação de impaciência e imitou o gesto. O policial à paisana e os dois carabinieri afastaram-se pelo corredor, de volta ao pátio.— Não faço isso desde a guerra.A voz de M quase saboreava a nostalgia enquanto ele ajeitava a máscara. Gray também ajeitou a máscara, com cara de quem recebera o pedido de pôr um chapéu cômico numa festa de criança. Depois de certificar-se de que os dois homens estavam devidamente protegidos, Bond pôs sua própria máscara e aproximou-se do painel de controle da porta. O peito estufou quando levantou o dedo. Cinco-um-um-três-cinco. Nada aconteceu. Bateu novamente nos números, com a mesma ausência de resultado. Pôde ver que os olhos de Gray, a seu lado, estavam se estreitando e procurando os de M. Bond virou-se para a porta e teve um choque. Onde antes houvera apenas metal liso, havia agora uma maçaneta. Bond sentiu-se apreensivo. Enquanto Gray limpava a garganta impaciente-mente, Bond girou a maçaneta suavemente. A porta se abriu. Ele empurrou-a e entrou na sala, recebendo a segunda surpresa da manhã.O que antes fora a sala externa do laboratório desaparecera por completo. E não havia o menor sinal do laboratório. Em seu lugar, havia uma câmara com o teto em arcada, repleta de tapeçarias Aubusson e quadros da Renascença. Estantes se projetavam das paredes a intervalos regulares e a folha dourada nas capas de couro feitas à mão brilhavam à claridade da manhã que entrava pelas janelas com o formato de losangos. Um imenso candelabro de latão pendia do teto. A sala estava repleta de obras excepcionais de antigüidade. E foi de uma cadeira antiga que um vulto familiar se levantou. O estofamento rosa de cetim da cadeira servia para46ressaltar os cabelos vermelhos e a pele castanho-avermelhada. Mesmo sem os cabelos vermelhos, o vulto corpulento de Drax era inconfundível em qualquer lugar. Ele contemplou os visitantes com um sorriso divertido, mesclado de ironia.— Ora essa, mas é Frederick Gray! Que surpresa! — Adiantou-se com os braços estendidos, enquanto Gray arrancava rapidamente a máscara. — E em companhia distinta, todos usando máscaras contra gás!O sorriso dele abrangeu os três homens, antes de acrescentar:— Devem me desculpar, senhores. Não sendo inglês, às vezes acho que o senso de humor de vocês é um tanto difícil de entender.Bond sentiu as palavras arderem em sua pele como uma chicotada. Mas que homem terrivelmente astuto estava enfrentando! Subestimar Hugo Drax, por um segundo que fosse, seria correr o risco de pagar pelo engano com apropria vida.Os olhos de Frederick Gray estavam ardendo de raiva e constrangimento. Afastou finalmente os olhos de Bond e apertou a mão estendida por Drax.— Lamento profundamente a intromissão. . . acho que deve ter havido algum problema em nossas linhas de comunicação.Ele titubeou e virou-se para M em busca de ajuda.— Bom dia, Mr. Drax — disse M calmamente. — Por acaso possui um laboratório em suas instalações?— Um laboratório? — Drax parecia estar surpreso. -— Não. Há oficinas, é claro, mas nada que se possa considerar um laboratório. A arte da fabricação de vidro, como é praticada aqui, não mudou muito ao longo dos séculos.— E também não houve acidentes? — disse Bond, friamente. — Assim como o incidente que levou à morte de Miss Parker?Por um segundo, um minúsculo ponto vermelho apareceu no centro dos olhos desiguais de Drax.— Foi certamente um incidente lamentável, mas não um acidente, o que houve aqui. Alguém arrombou a oficina ontem à noite. Chang, meu assistente pessoal, aparentemente surpreendeu o intruso no museu, o lugar para onde qualquer ladrão teria ido. Não posso saber exatamente o que aconteceu, porque Chang foi assassinado.Gray virou-se para olhar Bond e fez um esforço para se controlar.46— Profundamente lamentável. Receba as nossas condolências.— Obrigado — disse Drax. — Por acaso é o crime que estão investigando?

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— Não diretamente — respondeu M. — Mas é possível que os acontecimentos estejam relacionados.— É sempre uma possibilidade. — Drax olhou para Bond sem qualquer simpatia. — Espero que me mantenha a par de tudo o que acontecer.Drax fez uma pausa, sorrindo, antes de acrescentar:— Não é essa a expressão que os ingleses costumam usar em tais situações?— Algumas vezes — respondeu M, cautelosamente. Bond podia dizer que o velho não gostara de Drax, embora isso dificilmente pudesse ajudá-lo na situação em que se encontrava. — Acho que é melhor nós o deixarmos em paz.M acenou com a cabeça bruscamente para Drax e se encaminhou para a porta, com Gray quase se arrastando dois passos atrás.Lá fora, na praça, a situação mudou inteiramente. Assim que se afastaram dos perplexos espectadores e dos carabinieri não menos confusos, Gray prontamente lançou-se ao ataque. Ignorou Bond, dirigindo-se exclusivamente a M:— Foi a maior humilhação da minha vida. Peço-lhe para destacar o seu melhor homem para o caso e o que consigo? Um lunático paranóico que aparentemente cometeu um homicídio. E não apenas isso, como também nos arranca da cama para transformarnos em cúmplices! — A voz estava se aproximando do ponto de explosão. — Quero que ele seja imediatamente substituído! O homem está precisando de um tratamento médico! Só Deus sabe o que vai resultar de tudo isso!M escutou estoicamente até que Gray esgotou tudo o que tinha a dizer, para depois se afastar rapidamente pela praça, provocando revoadas de pombos. M ficou observando-o se afastar e depois se aproximou de Bond. Meteu a mão no bolso e tirou o cachimbo.— Que diabo está acontecendo, 007? Conseguiram novamente deixá-lo atordoado com drogas?Bond sacudiu a cabeça.— Não, senhor. Havia realmente um laboratório. Drax é simplesmente um operador dos mais astutos.47A expressão de M era cética.— Deve ser mesmo, se é capaz de remover em poucas horas todos os vestígios da estrutura que você descreveu.Bond enfiou a mão dentro do paletó.— Só não pôde remover isto, senhor. — Ele tirou o frasco do bolso e entregou-o a M. — É o que eles estavam destilando. Gostaria que Q analisasse. Mas é preciso extrema cautela. Foi isso o que matou dois homens.— Um a mais do que você — comentou M secamente. Ele fechou a mão em torno do frasco e fitou Bond atentamente. — O que vou fazer com você, James? Ouviu o que Gray disse. Tem que se afastar da missão.Os olhos de Bond faiscaram.— Uma licença para umas férias, senhor?M olhou do seu amado cachimbo para o frasco e guardou o primeiro no bolso.— Tem algum lugar específico em mente? A voz de Bond era impassível:— Sempre tive vontade de visitar o Rio de Janeiro, senhor. M assentiu.— Está certo. Estou lembrando agora que falou nisso quando viemos do aeroporto. — A voz dele tornou-se subitamente ríspida, ao acrescentar: — Mas não cometa qualquer engano, 007. Caso contrário, estaremos metidos em encrenca.Do segundo andar da loja Vidros Venini, Drax observava Bond e M se afastarem da praça. Um sorriso tênue mas triunfante contraía os cantos da boca horrenda. Ver um orgulhoso inglês ser humilhado era sempre um prazer. Drax foi até um telefone e apertou treze algarismos rapidamente. Houve uma breve pausa e atenderam. Drax anunciou-se prontamente e enfrentou as indagações preocupadas:— Sim, sim. . . Não há mais causa para alarme. Já cuidei de tudo. Uma crise menor foi evitada. — O tom dele tornou-se premente. — Mas há algo importante: a partir de agora, toda a mercadoria deve ter um novo itinerário. É possível que receba visitantes bisbilhoteiros. Não deve ter o menor escrúpulo em liquidá-los.Houve um jorro de aquiescência no outro lado da linha. Drax esperou até que acabasse.

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— Há também o problema de um substituto para Chang. O que conseguiu? — Drax escutou por um instante, exibindo os dentes irregulares num sorriso. — Excelente! Se puder consegui-lo,48ficarei extremamente satisfeito. — Mais garantias foram despejadas em seu ouvido. — Pode mandá-lo no próximo vôo? Esplêndido! Trabalhou muito bem.Drax desligou enquanto os agradecimentos ainda estavam sendo murmurados e recostou-se na cadeira, até que as juntas estalaram. Em poucas horas, recuperara o trabalho de uma vida. Agora, o futuro, o seu futuro, parecia assegurado.O estridente guincho eletrônico cortou a voz que anunciava o vôo e o guarda de segurança prontamente se adiantou. O vulto gigantesco estava quase entalado na arcada eletrônica, os ombros encostados nos lados e a cabeça baixada. Uma revista rápida nada revelou que pudesse ter desencadeado o alarme; contudo, o barulho ensurdecedor continuava. Outro guarda de segurança se aproximou e uma multidão começou a se formar. Foi nessa altura que a boca do homem se abriu, mostrando os dentes num clarão aterrador.Eram duas fileiras de dentes pontiagudos de aço brilhante.O alarme elevou-se a um tom ainda mais alto e frenético, abafando inteiramente o último chamado do vôo para o Rio de Janeiro.4811Dentes de aço no RioBond notou que as paisagens mais bonitas do Rio de Janeiro podiam ser vistas olhando-se para o mar, da praia de Copacabana para a ponta do Leme e a ilha de Catunduba, com os contornos escuros irregulares e as colinas verdes de Niterói ao fundo. Tudo isso e a praia propriamente dita, uma espetacular extensão de areia como um imenso campo de jogo, salpicada de campos de futebol e quadras de vôlei, na qual todas as cores de pele, do mel ao preto mais retinto, se contorciam, viravam, mergulhavam e pulavam para arremessar bolas por cima de redes ou entre postes. Parecia até que ficar simplesmente deitado sob o sol tropical, escutando o marulho das ondas do Atlântico deslizarem pela praia branca, era uma confissão de apatia somente tolerada nos turistas e nas mulheres excepcionalmente bonitas. Além da praia, e da avenida ampla em duas pistas, erguiam-se os quarteirões de hotéis e prédios de apartamentos, que praticamente não se diferenciavam. Não muito longe ficava uma floresta e no interior do país uma selva se estendia por seis mil quilômetros até a cordilheira do Pacífico e ainda dentro das fronteiras do Brasil.Bond apertou um botão e a janela do Rolls-Royce baixou, escondendo-se no painel da porta. Parecia espantoso que apenas cinco horas e meia de vôo do Concorde o tivessem trazido da Europa para o meio da costa da América do Sul. O Aeroporto Charles48de Gaulle, amortalhado pela neblina, pertencia não apenas a outro continente, mas também a outra estação. Aqui, o ar era quente, perfumado por muitas fragrâncias. Era um ar claro, limpo, luminoso. Em Paris, os faróis dos carros brilhavam através de uma tela opaca, as pessoas caminhavam envoltas pela nuvem da própria respiração.O Rolls-Royce parou novamente no tráfego lento e intenso e Bond farejou o cheiro de café feito recentemente. Ficou observando o fluxo de humanidade passando apressadamente ao seu redor. Eram vendedores de refrigerantes e sanduíches, garotos engraxates correndo entre os bares na calçada. Eram gordos turistas americanos com suas máquinas fotográficas, balançando as barrigas imensas. Era uma turma de suados operários levantando no ar as decorações de carnaval. Um menino perseguiu uma bola de futebol que rolava entre as rodas a girarem lentamente.O tráfego voltou a se movimentar e Bond olhou para trás, com a cautela nascida de uma centena de missões. Um Ferrari Dino estava ziguezagueando entre os automóveis que vinham atrás numa velocidade que convidava ao desastre. Enquanto Bond observava, o Ferrari quase subiu no canteiro entre as duas pistas, provocando uma saraivada de buzinas, mas conseguindo ficar apenas três carros atrás do Rolls-Royce. Bond pressentiu o perigo.— Vire na primeira à direita!Bond percebeu os olhos do motorista se franzirem, olhando pelo espelho retrovisor.

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— Sim, senhor.O Rolls-Royce deu uma guinada súbita e virou na rua transversal com um discreto rangido de pneus, acelerando através de um desfiladeiro entre prédios de apartamentos. Uma rajada frenética de buzinas informou a Bond que o Ferrari continuava em seu encalço. Olhando para trás, divisou uma mulher bonita, de cabelos pretos, usando um lenço na cabeça. Sua expressão era determinada e ela estava ligeiramente inclinada para a frente, sobre o volante. Bond disse sombriamente para o motorista:— Livre-se dela.O motorista reagiu prontamente e não tardaram a se encontrar em outro bairro da cidade. Em certo momento, antes que Bond tivesse tempo de se preparar, ele deu uma guinada brusca no volante e o Rolls-Royce subiu por uma passagem particular entre dois prédios, desviando-se no último instante da entrada para uma garagem subterrânea. O motorista de um carro grande preparou-se49para ir ao encontro de seu Criador quando viu o Rolls-Royce avançar em sua direção. . . e abriu os olhos um momento depois para descobrir que se transformara num Ferrari. Houve um guincho de freios e os dois carros entraram derrapando numa rua estreita, margeada de árvores. O tráfego estava se acumulando num cruzamento e houve uma nova saraivada de buzinas quando o RollsRoyce avançou, evitando por um triz os carros em sentido contrário e um caminhão que avançava pela esquerda. Um bonde descia uma ladeira íngreme à direita, a plataforma traseira apinhada de passageiros, alguns se segurando nos lados, como refugiados.Bond observou o Ferrari avançar logo atrás e gritou novas instruções para o motorista. O Rolls-Royce cruzou as linhas do bonde e depois acelerou pela ladeira acima. O Ferrari derrapou até parar, enquanto o bonde lhe bloqueava temporariamente a passagem, para depois acelerar e retomar a perseguição.Pendurado no lado do bonde, um homem barbado de meia-idade, com a calça esfarrapada terminando logo abaixo dos joelhos, observou o Ferrari desaparecer e se perguntou por que o estrangeiro impecavelmente vestido,'num terno tropical claro, saltara de um Rolls-Royce para subir no bonde e se postar bem atrás dele. Bond sorriu amistosamente, mas não disse nada.À primeira vista, o número 1784 não parecia muito diferente dos outros prédios de frente para a praia de Copacabana. Talvez fosse ligeiramente mais alto e de arquitetura um pouco mais discreta que os hotéis mais novos. Mas não havia nada que o destacasse como uma das propriedades imobiliárias mais valiosas do mundo. Bond subiu rapidamente os degraus, passando pelas jardineiras muito bem cuidadas, e foi inserir a delgada chave de platina que lhe haviam dado na fenda específica da entrada. As portas de vidro se abriram obedientemente e ele penetrou no frio ar condicionado do vestíbulo. Os olhos levaram apenas uns poucos segundos para se acostumarem à semi-escuridão. Foi nesse breve instante que um homem moreno, de terno, materializou-se ao seu lado.— Mr. Bond? Estávamos à sua espera. — Ele olhou além de Bond, para as portas de vidro. — Sua bagagem?— Está chegando. — Bond sorriu jovialmente. — O dia está tão agradável que resolvi andar um pouco.— Não há problema. — Era evidente que a norma era não discutir com os clientes. — Meu nome é Álvares. Se desejar alguma coisa enquanto estiver aqui conosco. . . absolutamente qualquer coisa. . . terei o maior prazer em providenciar.49"Obrigado" era quase uma resposta lacônica demais para responder a tanta generosidade, mas foi o que Bond se limitou a dizer. Foi conduzido a um elevador do tamanho de um salão de baile em miniatura. A porta se abriu um momento depois de fechar e Álvares anunciou que estavam no vigésimo primeiro e último andar do prédio. Atravessaram um assoalho de mogno encerado ao ponto de ter o lustro de um casco de tartaruga. Respeitosamente, Álvares retirou a chave dos dedos de Bond.— A fechadura foi adaptada para receber apenas a sua chave pessoal, Mr. Bond.Bond assentiu e ficou observando a chave de platina ser inserida na fechadura de uma porta dupla, pela qual poderia ter passado um piano de cauda sem a menor possibilidade de as pernas arranharem a pintura. Com um jeito de apresentador de teatro de

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variedades, Álvares abriu a porta e estendeu a mão. O apartamento de cobertura parecia se estender até um passo da costa africana.— A suíte presidencial!Álvares ficou desconcertado com o comentário e hesitou, meio inquieto. Bond pediu a chave de volta e levou o aturdido gerente até a porta.— Não precisa se dar ao trabalho de me mostrar o apartamento. Chamarei um táxi se me perder.Ele fechou a porta com um sorriso polido. A primeira avaliação que fizera do tamanho do apartamento havia sido exagerada, mas de qualquer forma a sala de estar era tão grande quanto um saguão de hotel. E decorada também da mesma forma. Havia co-lunas, arcadas, conjuntos dispersos de móveis, vasos de plantas altas roçando num teto que tinha mais vidro do que reboco. Era uma sala impessoal. Não havia a menor dúvida de que era opulenta, mas também não era o lugar para alguém se aconchegar com um bom livro. As placas de vidro colorido que formavam uma parede comprida haviam sido puxadas para trás, a fim de produzirem o efeito de um quadro de Mondrian. Bond foi para o terraço que ficava além. A vista era espetacular, mas não exatamente da maneira como ele esperava. Certamente a piscina de tamanho quase olímpico era uma revelação, assim como a vista do Rio, do Pão de Açúcar a Ipanema, era o sonho de um autor de folhetos de turismo. O inesperado era o fato de a piscina ter uma ocupante. Ela estava nadando indolentemente, o corpo esguio, cor de mel, abrindo um sulco fundo na água cristalina. As braçadas eram as de uma pessoa que nadava muito, econômicas, sem pressa, os pés deixan50do para trás uma pequena esteira de espuma branca. As costas estavam nuas e não havia qualquer linha branca no bronzeado. Um pequeno triângulo de pano azul não chegava a cobrir a metade das nádegas. Bond observou os músculos do ombro da jovem se contraírem enquanto ela saía da água, virando-se em seguida para fitá-lo. Ela sentou na beira da piscina e sacudiu os cabelos molhados, aparentemente indiferente ao fato de os seios estarem à mostra. Sem qualquer pressa, pegou a parte de cima do biquíni e enfiou o braço, como Bond já vira muitos homens fazerem quando ajeitavam um coldre no ombro. A jovem prendeu o sutiã por baixo dos seios e se levantou. Bond começou a contornar a piscina. A jovem contemplava-o altivamente. Bond podia ser o carteiro che-gando com uma carta.— Vem com o apartamento?A jovem terminou de enxugar o rosto com uma grande toalha branca e fitou Bond com seus olhos castanhos.— Depende de quem está alugando.Ela estendeu a toalha sobre uma cadeira de lona e encaminhou-se para um carrinho de bebidas, colocado sob um amplo guarda-sol. A lona sussurrava à brisa que soprava.— Vodca com martíni, não é mesmo?— Com bem pouco martíni. Obrigado.Bond ficou observando o drinque ser preparado e aprovou plenamente a finura da casca de limão cortada, que mergulhou no fundo do copo gelado.— Você guia muito bem.O rosto da jovem subitamente iluminou-se com um sorriso.— Mas nem sempre tão depressa. Meu velho instrutor em Hendon teria um ataque. Lamento muito tê-lo perdido no aeroporto. — A jovem estendeu-lhe o drinque e acrescentou: — Por falar nisso, meu nome é Manuela. Trabalho para a Estação VH. Recebemos instruções para ajudá-lo no que for possível.Bond sorriu.— M pensa em tudo.Ao que tudo indicava, pensava até mesmo nas mulheres que aprendiam a guiar na escola de motoristas da polícia em Hendon. Manuela sacudiu a cabeça na direção do apartamento.— Acha que vai ficar confortável?— Não sofro de vertigens nem de agorafobia. Portanto, não devo ter problemas. — Ele tomou um gole do drinque. — Sabe preparar um martíni muito bem.50

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— Obrigada. — Ela olhou ao redor. — Não acha que esta deve ser a acomodação mais suntuosa que o serviço já ofereceu a alguém em qualquer lugar do mundo?— Já dormi em camas que eram menos confortáveis que o tapete — comentou Bond. — Como veio parar em nossas mãos? Estou me sentindo na obrigação de escrever para o meu parlamentar sobre o esbanjamento de recursos públicos.— Não precisa se dar ao trabalho. Pertencia a um criminoso de guerra alemão. Ele nos deixou em seu testamento, pouco antes de morrer.— Acho que me lembro de ter lido alguma coisa a esse respeito. Ele não morreu ao sofrer uma queda?— Deste terraço, para ser mais exata. — Manuela estendeu a mão. — Quer outro drinque?Bond levantou a mão em recusa.— Não, obrigado. Alguma coisa neste lugar leva à temperança. Diga-me uma coisa, Manuela: as iniciais C e W significam algo para você?Manuela pensou por um momento e depois assentiu.— Se está se referindo ao Rio, claro que sim. Há uma firma aqui chamada Carlos & Wilmsberg. Atua na área de importação e exportação. Se não estou enganada, é uma subsidiária da Corporação Drax.— Onde é a sede da firma?— O depósito e o escritório ficam no mesmo prédio, na principal avenida do centro da cidade.Os olhos de Bond se estreitaram.— Vou fazer uma visita discreta esta noite. Manuela sacudiu a cabeça e sorriu.— Vai descobrir que será um pouco difícil. A expressão de Bond era determinada.— Quero ir até lá de qualquer maneira.Manuela sustentou o olhar dele por um momento e depois virou-se para pegar um tubo de loção bronzeadora em aerossol.— Está certo. Vamos tentar.Ela esguichou um pouco de loção na perna e se inclinou para a frente a fim de espalhá-la. Bond transferiu o olhar para o relógio com a maior dificuldade. Passavam alguns minutos das três horas. Ele estendeu a mão e pôs-se a espalhar a loção um pouco acima dos dedos de Manuela. Ela levantou a cabeça para fitá-lo nos olhos, entreabrindo a boca, sedutoramente. O lábio superior51tremeu ligeiramente quando os dedos de Bond se encontraram com os dela. Bond murmurou:— Diga-me uma coisa, Manuela: como alguém que não samba pode gastar cinco horas no Rio?Os lábios dela começaram a formar um sorriso, que a boca faminta de Bond prontamente apagou.Por volta das oito horas da noite, o barulho na avenida teria sido suficiente para disfarçar o desembarque das tropas aliadas em Salerno. Eram fogos de artifício, escolas de samba, multidões ruidosas, grupos comemorando, pessoas felizes. Eram os sons de um povo latino a desfrutar o carnaval, como se os outros trezentos e sessenta e um dias do ano fossem segmentos perfeitamente dispensáveis de um pavio a queimar lentamente. Bond contemplou o desfile interminável das escolas de samba extravagantemente vestidas, a se perder na distância, impressionado com a energia irrefreável que explodia ao seu redor. O ritmo do samba era como ondas a estourarem incessantemente em seus tímpanos. A batucada impetuosa era como uma extensão de sua pulsação. Parecia que ninguém era capaz de ficar imóvel. Por toda parte as pessoas se mexiam, requebrando, contorcendo-se, pulando. Praticamente sem uma gota de álcool no corpo, Bond tinha a sensação de que estava embriagado de cor e som. Carmem Miranda passou dançando com Charlie Chaplin. Uma jovem negra, o corpo despido brilhando intensamente sob uma rede de pescador, estendeu o braço em sua direção, num convite óbvio. Quase no mesmo instante, ela desapareceu por trás de um paredão de palhaços, os quais foram prontamente substituídos por moças cor de café em trajes prateados, a rebolarem freneticamente.Bond virou-se, a fim de certificar-se de que Manuela não fora arrastada para longe pela multidão. O traje dela tinha um decote quase até a cintura, na frente, e era ainda mais

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baixo nas costas. As mangas eram largas e saias de bolinhas se sobrepunham, até a altura dos joelhos. Brincos de argola caíam-lhe até os ombros e os cabelos pretos estavam penteados para trás, por baixo de um semicírculo de ouro batido. Metido num smoking preto, Bond sentia que não estava demonstrando o abandono que a situação exigia. Manuela fez um tremendo esforço e se aproximou dele.— O armazém fica na próxima esquina.Bond olhou por cima da multidão sambando e sorriu tristemente.52— E não há viva alma por perto. Na próxima vez vou prestar mais atenção às suas palavras.Manuela fitou-o com uma expressão de censura.— É impetuoso demais, James. Poderíamos tranqüilamente ter esperado até amanhã.Bond dava a impressão de não o estar ouvindo. O rosto assumiu uma máscara de determinação e ele investiu com o ombro contra a multidão de foliões, avançando inexoravelmente. Manuela deu de ombros e seguiu-o. Não podia compreender aquele homem, assim como também não entendia por que se entregara a ele tão depressa. Não era assim que normalmente se comportava. Fosse como fosse, seu corpo ainda excitado podia confirmar que Bond não era um homem comum.A vinte metros de distância, no fluxo principal do desfile de carnaval, o avanço de Bond e sua companheira atraiu olhos interessados. Viraram-se, curiosos, nos buracos da máscara da grotesca fantasia de carnaval, vários centímetros acima dos outros foliões. Meio palhaço, meio robô-gigante, o homem parecia sofrer uma crise de identidade. Ou pelo menos de uma falta de preparo, em comparação com as outras fantasias carnavalescas, cujo brilho refletia quase um ano de trabalho. Quando Bond e Manuela enveredaram por uma viela estreita, o vulto imenso virou-se para a esquerda, começando a avançar contra a multidão, no encalço deles.Na viela, Bond examinou a estrutura sombria que se erguia por cima dele. O armazém de Carlos & Wilmsberg não era um prédio moderno e estaria mais bem situado entre os moinhos satânicos do Yorkshire do que no cenário de um desfile de carnaval. As janelas eram gradeadas e estavam pretas de fuligem. Uma grade alta contornava toda a propriedade. O portão de ferro, que dava para uma porta de porão, estava trancado com um cadeado. Bond esperou que uma multidão de sambistas passasse e fez sinal a Ma-nuela para que se encontrasse com ele diante do portão.— Vou dar uma olhada lá dentro. Fique esperando aqui e não sambe com mais ninguém, Manuela.Ele se inclinou e beijou-a. O prazer de Manuela se dissipou ao perceber que o gesto não passava de uma cobertura para a investida contra o cadeado.— Não é lá muito delicado, James. Acho que vou embora com o primeiro homem que aparecer.— Espere até o segundo. Não há sentido em restringir sua52escolha.Houve um estalido e o cadeado se abriu. Bond entregou-o a Manuela, metendo no bolso um pedaço de metal.— Gostaria que guardasse isso como recordação do nosso encontro. Ponha-o novamente no lugar assim que eu passar.Ele entreabriu o portão e passou rapidamente para o outro lado, antes que Manuela tivesse tempo de dizer qualquer coisa.A porta do porão foi mais difícil de abrir, porque estava trancada por dentro. Bond teve de recorrer a um cortador de vidro para abrir um buraco no painel opaco, pelo qual enfiou o braço e puxou a tranca. Uma garrafa se espatifou na viela. O prédio parecia estar tremendo ao compasso do samba. O barulho era ensurdecedor. Jamais poderia ouvir se havia alguém à espera do outro lado da porta. Depois de puxar a tranca enferrujada, Bond concentrou-se na fechadura. Poucos segundos depois, estava empurrando a porta com o ombro, suavemente. Entreabriu-a uns poucos centímetros, antes de empurrá-la com toda a força e correr para o primeiro abrigo que avistou. Abaixou-se por trás de uma coluna de concreto e observou a porta balançar ao luar. Não houve qualquer movimento a seu redor e por isso afrouxou a mão que empunhava a Walther PPK, erguendo-se. Com a porta fechada, tinha a sensação de que estava

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encurralado dentro de uma lata, com alguém a bater na tampa. O barulho do carnaval não descansava um instante sequer em sua tentativa de estourar-lhe os tímpanos. Uma escada em ziguezague subia pelos andares. As lanternas coloridas da rua falseavam através das janelas como um espetáculo de luzes numa boate ordinária. Bond encostou o dedo no gatilho da Walther PPK e começou a avançar.Lá fora, Manuela mantinha sua posição junto ao portão, esquivando-se dos homens que a convidavam para dançar ou trepar, geralmente as duas coisas. Do outro lado da rua havia um clube. Como ondas a se despejarem incessantemente para dentro e para fora de uma abertura na rocha, um fluxo interminável de foliões, dançando e cantando, entrava e saía pela porta feericamente iluminada. A cena por trás deles era como um angustiado pôr-de-sol de Turner. Incapaz de se abster de bater o pé, acompanhando o ritmo, Manuela acabou se adiantando um pouco e esticou a cabeça para ver o que estava acontecendo no clube.À entrada da viela, o vulto na fantasia grotesca parou, indeciso, as órbitas escuras dos olhos aparentemente vazias, fixando-se na cena como canos de arma. Um folião tentou distrair o gigante53desajeitado com uma guitarra de papelão, mas foi bruscamente empurrado para o lado, com uma força que derrubou o brinquedo no chão. Uma tentativa de protesto dissipou-se abruptamente quando o gigante se adiantou ameaçadoramente, revelando que não precisava de pernas de pau para aumentar seu tamanho. O homem na fantasia grotesca tinha muito mais de dois metros de altura.Bond chegou ao terceiro andar do prédio e guardou no bolso a lanterna pequena. Não havia necessidade de uma luz extra para constatar que a câmara estava vazia, exceto por algumas caixas quebradas e pedaços de arame retorcidos, espalhados como escul-turas modernas. Os contornos de poeira e pegadas recentes indicavam que os materiais haviam sido retirados dali há pouco tempo. Bond subiu ao quarto e quinto andares. A cena era a mesma. O depósito estava vazio. Bond ficou desapontado, mas não surpreso. Depois de Veneza, era de se esperar que Drax adotasse as providências necessárias para apagar todas as pistas. Bond chegou ao topo do armazém e olhou pela clarabóia. Uma exibição de fogos de artifício estava iluminando o céu como um bombardeio aéreo. Des-viando os olhos da clarabóia, Bond avistou algo brilhando no chão. Era um rótulo, com o desenho de um avião decolando, tendo ao fundo o Pão de Açúcar. No fundo, em letras prateadas, estavam as palavras TRANSPORTE AÉREO DRAX e o símbolo de Drax. Bond guardou o rótulo no bolso e desceu rapidamente a escada.Na viela, Manuela afastou-se da entrada do clube para contemplar os fogos de artifício. Todas as cabeças estavam inclinadas para o céu. Menos uma.O gigante fantasiado observava Manuela. A cabeça imensa assentava sobre ombros de Frankenstein. Os olhos frios tinham uma dureza de pedra. Um pé enorme adiantou-se, para encurtar a distância que o separava da presa. O bastão de um foguete usado caiu na rua com uma chuva de fagulhas e Manuela virou-se para deparar com o vulto gigantesco quase em cima dela. A mão imensa ergueu-se para retirar a máscara, revelando um rosto ainda mais terrível. Era rude e inflexível como a lâmina de uma pá, as feições puxadas para baixo lugubremente, até o queixo saliente e brilhante. Os olhos fitaram-na sem qualquer expressão e a boca se abriu para mostrar um pesadelo. Eram duas fileiras irregulares de dentes de aço inoxidável, entreabrindo-se como um torno. Manuela desatou a gritar. . . mas que diferença podia fazer mais um grito numa noite de berros, urros, assovios, aclamações, um clamor in53cessante? Uma das mãos se estendeu sobre o pescoço de Manuela como o aço de um forcado, empurrando-a para trás, na direção da grade. Fogos de artifício explodiam no céu e uma massa de corpos saiu do clube, num frenético cordão de samba. O local estava cheio de pessoas a se agitarem; no meio delas, uma mulher estava sendo assassinada. Manuela arquejou, sentindo as costas serem comprimidas contra a grade com uma violência que lhe tirou o ar dos pulmões. Parecia que o atacante estava tentando empurrá-la entre as grades. A boca do gigante estava escancarada, a cabeça inclinada para o lado. Com um horror renovado, Manuela compreendeu o que ele ia fazer. Ia mordê-la com aqueles dentes repulsivos. Chutou-o e atacou-o com as unhas, recorrendo a toda a sua força, mas a expressão dos olhos do homem não se alterou.

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Dava a impressão de ser programado como um robô, igual à fantasia que exibia. Um bando de pessoas cantando e dançando se aproximou e Manuela gritou por ajuda. Ou pelo menos a mente lhe disse que tinha gritado. Mas qualquer som era abafado no mesmo instante na garganta. Em seus ouvidos ressoavam apenas as risadas frenéticas do carnaval. A cabeça empurrada para trás, Manuela preparou-se para morrer.Bond avistou a manga larga entre as grades ao sair pela porta do porão. Por um segundo, pensou que Manuela estivesse morta, mas depois o braço se mexeu debilmente. Ele saiu correndo pelos degraus e viu a cabeça imensa começando a se abaixar, como se se inclinasse para beber num cocho. Apoiando os ombros na parede, Bond chutou através das grades com toda a força. O salto revestido de aço do sapato arrancou faíscas ao se chocar com os terríveis dentes. Houve um grunhido de surpresa e dor. O vulto se empertigou, como se estivesse se erguendo de trás de uma moita em alguma selva primitiva. Os olhos que já tinham fitado Bond voltaram a fitá-lo, com um ódio mortal. Por um momento, Bond sustentou o olhar. Depois, um foguete explodiu entre a multidão e uma massa de corpos em correria arrastou o gigante para longe, como se uma onda o impelisse a recuar. Bond abriu o cadeado e um novo turbilhão de foliões saiu do clube, preenchendo o espaço vazio, formando outra barreira contra o homem de dentes de aço.Bond ajoelhou-se e pegou Manuela nos braços. A garganta dela estava vermelha e o vestido, rasgado no ombro, mas não havia manchas de sangue. Bond olhou ao redor cautelosamente. A jovem abriu os olhos.— Não recomendei que não falasse com estranhos?54— Oh, James. . .As palavras lhe faltaram. Ela agarrou-se a Bond, desatando a chorar. Ajudando-a a se levantar, Bond levou-a para longe da ameaça claustrofóbica da viela. Manuela esfregou o rosto com a mão, os olhos ainda arregalados de terror.— Quem era aquele. . . aquele homem?— O nome dele é Tubarão. Não se preocupe, pois nunca mais tornará a vê-lo.Ele esperava que sua voz transmitisse mais convicção do que a que sentia. Manuela tentou sorrir.— Eu estava certa. Deveríamos ter ficado em casa. Bond beijou-a na testa.— Você vai ficar em casa. Vou levá-la agora.— Não há necessidade. Estou me sentindo bem. Manuela tentou ficar de pé sozinha e começou a balançar. Bond amparou-a um momento antes que caísse.— É uma garota maravilhosa, mas mesmo assim vai para casa agora.Pelo canto do olho, Bond avistou um táxi todo amassado, dirigido por um homem com uma fantasia de esqueleto, parecendo contagiado pelo clima da noite. Bond conduziu Manuela para o táxi. Ela não ofereceu qualquer resistência.— O que encontrou lá dentro, James?— Uma porção de espaço vazio. Tiraram tudo.— Quer dizer que não tem mais nenhuma pista? Bond fez sinal para o motorista de táxi, que acabara de ajudar um casal de turistas americanos a se aliviar do peso de vinte dólares.— Talvez sim, talvez não. Onde opera a companhia Transporte Aéreo Drax?— No Aeroporto de São Pedro. Quer que eu o leve até lá?— Basta me apontar onde fica, se for no caminho de casa.Ele olhou cuidadosamente ao redor e ajudou Manuela a entrar no táxi. O motorista na fantasia de esqueleto estava acendendo um cigarro. Bond disse-lhe:— É melhor largar isso de uma vez por todas. O fumo faz mal à saúde.5412Uma fatia do Pão de AçucarO carnaval estava agonizando quando Bond pegou o bondi-nho para o Pão de Açúcar. Os bêbados estavam descobrindo que as sarjetas não eram mais tão confortáveis quanto algumas horas antes e começavam a voltar para suas casas, quase se arrastando. As fogueiras nas praias estavam se apagando e havia mais lixo nas ruas do que dançarinos. Até mesmo o insaciável samba era um som de cabeça de hidra, partindo de muitos

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pontos diferentes, ao invés do ritmo total que antes martelava os tímpanos como uma única e gigantesca batida.O bondinho parou na primeira estação e as portas se abriram bruscamente. Bond estava acompanhado apenas por dois homens de meia-idade, que saltaram do bondinho e caminharam deliberadamente na direção dos estandes de madeira em que se vendiam lembranças abaixo dos degraus que levavam à estação. Não havia a menor dúvida de que iam abrir os estandes, na esperança de que uns poucos turistas tivessem permanecido sóbrios o bastante para visitá-los. Não tinham olhado pelas janelas durante todo o percurso. Já haviam apreciado um milhão de vezes uma das vistas mais espetaculares do mundo, subindo e descendo. Para eles, era como papel de parede, o próprio rosto no espelho ao fazerem a barba pela manhã, a cabeça da esposa no travesseiro. Não viam mais.Bond atravessou a estação para o segundo bondinho, olhan55do para o imenso contrapeso que pendia de uma altura de trezentos metros do solo. Estava sozinho no bondinho e quase fora do alcance do débil ritmo do samba que ainda soava nas ruas, praias e lugares abertos lá embaixo. As portas se fecharam e os cabos começaram a zumbir. O carro pulou bruscamente para a frente e ao mesmo tempo o bondinho gêmeo começou a descer, um pequeno quadrado vermelho que se desligou da boca de concreto como um dente ensangüentado. Bond contemplou a encosta coberta de vegetação a seu redor e o paredão rochoso do Pão de Açúcar mais além. O tempo e os elementos haviam aberto sulcos profundos e parecia fácil escalar a encosta. À direita estava o mar e à esquerda o pico do Corcovado, quase duas vezes mais alto que o Pão de Açúcar, com a estátua de Cristo no cume, os braços abertos, oferecendo um perpétuo socorro à cidade volúvel que se estendia por baixo. Bond chegou à conclusão de que preferia a Coluna de Nelson, mas sua preferência podia ser uma decorrência de patriotismo predominando sobre a estética ou de uma fé pragmática nos salvadores seculares. Lá embaixo, à esquerda, ficava a enseada de Botafogo, proporcionando abrigo a alguns dos iates mais suntuosos do mundo. À distância, podia-se avistar a ponte espetacular que cortava a baia de Guanabara. O sol já surgira e iluminava os picos distantes com uma luz ofuscante. O interior do bondinho estava quente. Havia tudo ali para satisfazer a alma de um homem, mas mesmo assim Bond sentia-se inquieto. A beleza a seu redor não era mais profunda do que a superfície de uma maçã devorada por bichos. Em algum lugar da imensa cidade, Tubarão estava procurando por ele. Tubarão, cujos dentes de aço ele pensava estarem enferrujando no fundo do mar. Tubarão, que aparentemente escapara por milagre do grande tubarão branco e da tumba afundada em Atlantis, o esconderijo de Stromberg. Será que Tubarão estava agora trabalhando para Drax? O tempo, pensou Bond tristemente, provavelmente encontraria um meio de responder a essa pergunta.O bondinho chegou à estação e Bond desembarcou, descendo um lance de degraus até um pequeno platô, rodeado de árvores. Havia um bar com mesas ao ar livre e algumas lojas de lembranças, quase todas fechadas. Bond resistiu ao desejo de tirar uma fotografia para ser aplicada num prato, e se encaminhou para um mirante, de onde se podiam avistar as embarcações ancoradas no porto e nas praias da cidade. Além desta última, havia uma ponta de terra entrando pelo mar, dando a impressão de ser artificial. Ali estavam os contornos familiares das pistas de um aeroporto. En55quanto Bond olhava, um avião preparou-se para decolar. Taxiava lentamente e Bond calculou que fosse um cargueiro. Metendo a mão no bolso e tirando uma moeda, ele se adiantou rapidamente para usar uma das lunetas à beira do mirante. A moeda caiu na fenda e ele contemplou o aeroporto a poucos metros de distância. Virou o telescópio e focalizou o avião, um momento antes de sua chegada ao final da pista. O aparelho levantou vôo e começou a voar num curso direto para o Pão de Açúcar. No momento em que Bond conseguiu divisar dois vultos na cabine, o avião descreveu uma curva abrupta, seguindo na direção do mar aberto. Claramente visíveis na fuselagem, quando o avião virou de lado, estavam aspalavras TRANSPORTE AÉREO DRAX, com o símbolo da corporação dos dois lados. Bond largou a luneta e se ergueu, pensativo. Cerca de vinte metros atrás dele, tirando um binóculo dos olhos, estava Holly Goodhead. A expressão dela, como a de Bond, era

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pensativa. Usava um vestido branco comprido, de extrema beleza e simplicidade. O acréscimo do binóculo era uma nota incongruente, como se ela tivesse decidido ir às corridas de cavalos com a roupa errada. Bond não pôde deixar de sorrir ao se aproximar dela.— Já não nos encontramos antes em algum lugar?Ele pôs a mão na dela, gentilmente. Holly franziu o rosto.— O rosto me parece familiar... — Ela retirou a mão. — ... assim como o comportamento.Bond ergueu uma sobrancelha.— Se bem me lembro, não fez muita objeção em Veneza.— Isso foi antes de você ter me deixado sem dizer nada.— Quase tropeçando em sua mala. — Bond riu, desdenhosamente. — Ora, Holly, você não planejava ficar no hotel para descobrir o que eu costumo comer ao café da manhã.Holly exibiu o arremedo de um sorriso.— E daí?Bond segurou o cotovelo de Holly paternalmente e começou a levá-la para a estação do bondinho.— E daí que não devemos perder mais tempo trabalhando um contra o outro. Terei o maior prazer em partilhar com você tudo o que descobri.— O que presumivelmente significa que ainda não descobriu muita coisa.Bond sacudiu a cabeça.— Tamanho ceticismo é uma característica desagradável numa mulher tão jovem e atraente. Deixe-me fornecer-lhe uma56prova das minhas boas intenções. Verifiquei o armazém de Drax na cidade e constatei que está vazio. É evidente que ele está levando tudo para outro lugar.Os olhos de Holly eram frios.— Não é nenhuma surpresa para mim. Seis aviões de Drax já decolaram desde que cheguei aqui.— E por acaso sabe para onde seguiram?Bond ficou observando atentamente a expressão dos olhos de Holly enquanto ela respondia:— Acha mesmo que eu ainda estaria aqui se soubesse?A resposta tinha sentido e não houve qualquer hesitação nos olhos dela. Bond ficou propenso a acreditar.— Provavelmente não. — Ele sacudiu a cabeça na direção da porta aberta do bondinho. — Pois vamos tratar de descobrir.Holly parou, cautelosamente.— Ainda não tenho certeza se posso confiar em você. Bond deu de ombros e entrou no carro.— Também não tenho certeza se posso confiar em você. Não acha que isso torna a situação mais emocionante?Holly hesitou por um instante e depois entrou também no carro. As portas se fecharam e o bondinho avançou com um solavanco, projetando-se no espaço. Holly e Bond eram as únicas pessoas a bordo. Ele olhou para a estação lá em cima, mas não viu ninguém. Havia algo na situação em que se encontravam, isolados no espaço, que o deixava apavorado. Como uma súbita premonição de mal no ar ao redor.— Por onde sugere que comecemos?Bond não teve tempo de responder à pergunta de Holly, pois no mesmo instante o bondinho deu um violento solavanco e depois parou bruscamente. Holly caiu por cima dele, mas rapidamente se segurou num corrimão. O bondinho balançava no ar, desconcertantemente.— O que aconteceu? Bond estendeu a mão.— Dê-me o seu binóculo.Holly entregou-lhe o binóculo e ele focalizou a estação inferior. Uma porta no lado da casa de máquinas se abriu e um vulto encurvado saiu, para logo se empertigar em toda a sua altura. Bond sentiu um frio de terror no estômago. Tratou de baixar a escada de aço presa no teto.— Qual é o problema? — indagou Holly, a voz tensa. Bond56

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devolveu o binóculo.— Temos um grande problema. Dê uma olhada nele. Holly focalizou o binóculo.— O gigante? Você o conhece?— Não socialmente. O nome dele é Tubarão. Tem o hábito de matar pessoas.A voz de Holly tornou a soar, impregnada de medo e incredulidade:— Não é possível! Ele está puxando o cabo!Bond já estava subindo a escada e abrindo o alçapão noteto.— Com Tubarão, qualquer coisa é possível. Vamos logo! Enfiou o braço pela abertura e virou-se para indicar umacorrente enganchada na porta oposta àquela pela qual tinham entrado.— E traga aquela corrente.Na plataforma da estação inferior, Tubarão viu Bond aparecer no alto do bondinho e sorriu. O óleo grosso do cabo esguichava entre os seus dedos, as fibras de aço reforçadas e trançadas descendo sob a força de seus braços musculosos, até ficarem à altura dos dentes. Tubarão escancarou a boca e prendeu o cabo de aço entre os dentes. Exercendo uma tremenda pressão, mordeu fundo as dobras de metal, sentindo os fios se partirem, como se fossem o enfeite de uma barra de chocolate.Bond tinha acabado de passar para o teto balouçante e estava se abaixando para pegar a corrente quando ouviu um estalido brusco, como o de uma massa de gelo se rompendo. O bondinho inclinou-se abruptamente para o lado e um cabo sibilante como uma serpente passou por cima de sua cabeça, estalando ruidosamente no ar, antes de cair para o vale. Bond escorregou pelo teto do bondinho e mal teve tempo de segurar-se em outro cabo. Os pés ficaram balançando no ar. Um vento forte começou a soprar de repente, assoviando entre os cabos. O rosto preocupado de Holly apareceu na abertura no teto:— Não largue!Bond fechou os olhos, sentindo os pés se debaterem no espaço. E murmurou, entre os dentes semicerrados:— A idéia já me havia ocorrido. . .Ele esperou até que o movimento de pêndulo do bondinho desequilibrado diminuísse e balançou o corpo na direção da abertura. Na segunda tentativa, conseguiu arremessar o corpo sobre57o teto do bondinho, num equilíbrio precário. A impressão era a de que estava num telhado extremamente íngreme. Um olhar para o que havia lá embaixo foi suficiente para deixá-lo praticamente tonto. O solo se dissolvia numa neblina e o vento que zunia entre a vegetação dava a impressão de entrar por seu cérebro. Fechou os olhos e segurou-se ao teto do bondinho como um carrapato, até que a náusea passou.— James! — A voz de Holly prenunciava novos desastres. — Ele está entrando no outro carro.Bond virou a cabeça e olhou para baixo. Ficara esperando que a qualquer segundo o cabo restante fosse cortado e o bondinho mergulhasse no abismo. Mas o que viu naquele momento não era menos alarmante: Tubarão estava subindo para o teto do outro carro. Devia ter subido da estação pelo cabo, como um macaco. Isso significava que tinha um cúmplice na sala de controle. Como a confirmar a pressuposição, Tubarão fez um gesto desajeitado com o braço, para trás; no instante seguinte, os dois carros começaram a se movimentar. Mais uma vez, Bond era obrigado a se grudar no teto do bondinho para se salvar. Suspenso apenas por um cabo, o bondinho de cima balançava bruscamente. Bond conseguiu passar pela abertura no teto, entrando no bondinho e sacando a WaltherPPK.— Acho que vamos receber uma visita.Holly estava agarrada num dos corrimões laterais do bondi-nho.— Como pretende usar essa arma?Foi uma pergunta que Bond preferiu não responder. Balançando de um lado para outro, freneticamente, não tinha a menor possibilidade de mirar direito para atirar. Teria de esperar até que Tubarão estivesse em cima deles. O que não ia demorar. Uma rajada

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súbita fez o bondinho estremecer, enquanto o outro carro se aproximava inexoravelmente. Tubarão estava ajoelhado no teto, os dentes de aço brilhando ao sol.— Pegue aquela corrente — gritou Bond para Holly.Ele subiu pela abertura no teto e tentou mirar o carro que se aproximava. Subitamente, houve uma baforada de fumaça e uma das janelas por baixo dele se espatifou. Tubarão havia disparado primeiro. No mesmo instante, Bond ouviu Holly ofegar e uma fumaça amarelada subiu pela abertura. Os olhos de Bond começaram a lacrimejar e ele sentiu os dedos se contraírem. Num esforço desesperado para respirar e continuar a se segurar, deixou que a pistola58lhe escapulisse dos dedos. Ela escorregou pelo teto e mergulhou no espaço. Agora, o carro de baixo estava quase emparelhado. As duas caixas vermelhas pararam abruptamente, balançando no ar como frutos maduros. Sorrindo malevolamente, separado por alguns metros de espaço, Tubarão erguia-se para o céu tão dramaticamente quanto o Corcovado por trás. Enquanto Bond se esforçava em de-sanuviar a cabeça, Tubarão lançou-se pelo ar e foi aterrissar com um baque metálico no teto do carro de Bond. O cabo rangeu sob o impacto e toda a estrutura estremeceu. Bond tentou se levantar, no instante em que uma imensa bota passou raspando por sua cabeça e foi amassar o metal do teto. Tubarão se agachou, preparando-se para desferir o golpe de misericórdia. Bond esquivou-se para o lado, vislumbrando novamente o abismo aterrador por baixo dele. No instante seguinte, avistou um braço surgindo do outro lado do bondinho. Era Holly, que saíra pela janela espatifada. Os lábios dela estavam contraídos, em concentração e medo, e trazia algo na mão esquerda. Bond reconheceu o vaporizador que vira em Veneza. Tubarão virou-se, olhando para o novo desafio com uma expressão quase desdenhosa. Empertigou-se, deu um passo cuidadoso para a frente, como uma aranha se aproximando da presa impotente. Holly levantou a mão e um jato de fogo atingiu os dentes de aço de Tubarão. Com um urro de raiva e dor, ele recuou bruscamente, quase perdendo o equilíbrio. Um pé imenso encontrou o metal, mas o outro desceu sobre o espaço vazio, desaparecendo na abertura no teto do carro. Com um grito de alarme, Tubarão tombou para trás e caiu no interior do bondinho. Bond jogou-se para diante no mesmo instante e fechou a abertura. Ficou deitado por cima, mas segundos depois sentiu-se levantado no ar, como se não passasse de uma camada de poeira. Holly acionou um segundo jato de fogo para a abertura e soou um novo grito como resposta. A pressão contra a tampa desapareceu.— Deus abençoe a América — murmurou Bond.Ele pegou a corrente nos ombros de Holly e passou-a pelo cabo. O barulho de vidro quebrado abaixo informou-o de que Tubarão estava seguindo a mesma rota de Holly.— Venha! — Bond ajeitou-se na corrente suspensa no cabo e estendeu os braços para Holly. — Segure-se em mim!Ela olhou além de Bond para o abismo terrível e a distante estação do bondinho lá embaixo. Não conseguia se decidir.— Venha logo! É a nossa única chance!Mesmo assim, Holly ainda hesitava. Por trás dela, soou um58rugido e as feições horrendas de Tubarão apareceram do outro lado do bondinho. Holly adiantou-se rapidamente e passou os braços pelo pescoço de Bond. Ele deu um impulso com os pés e um momento depois estavam suspensos no ar, ficando os dois carros ra-pidamente para trás. Bond ouviu Holly gritar de pavor e agarrar-se a ele com força, como se quisesse lhe extrair até a última gota de energia. O vento entrava por dentro das roupas e a velocidade da descida ia aumentando, juntamente com a intensidade do zum-bido do vento no cabo de aço. Bond podia sentir os elos de aço se enterrando em sua carne quase até os ossos. Levantou os olhos para deparar com uma nova causa de terror. O bondinho estava descendo atrás deles. Quem quer que estivesse na sala de controle vira tudo o que acontecera e decidira que eles não podiam escapar. Se o bondinho os alcançasse, estariam mortos antes que Tubarão pudesse agarrá-los com as mãos e os dentes de aço sedentos de vingança. E o bondinho estava, encurtando a distância que os separava. O cabo tremia cada vez mais, à medida que chegava mais perto. Bond virou a cabeça e olhou para a estação lá embaixo. Estava tão perto agora que podia divisar a silhueta do homem na sala de controle e pessoas apontando para

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cima. Por trás deles, o rosto maligno de Tubarão estava comprimido contra o vidro, esperando ansiosamente o momento do impacto. Mais parecia um motorneiro de bonde no alto de sua cabine.Bond viu uma encosta verde por baixo, em degraus desiguais, e gritou ao ouvido de Holly:— Tem de saltar! — Ela não afrouxou as mãos que o seguravam. — Agora!Os cabos estavam zunindo, o solo lá embaixo parecia um caleidoscópio. Ele separou os braços de Holly e largou-a. A corrente parecia ter se cravado tão fundo em sua carne que aparentemente não podia escapar. Desesperadamente, torceu as mãos, enquanto o vento uivava em cima deles. Seis ou sete metros antes da fenda de concreto, conseguiu se desvencilhar e largou-se no ar. Sentiu que caía mais depressa que em qualquer outra ocasião anterior da sua vida, até que os pés bateram na encosta, enquanto o ombro se chocava com a ravina. Rolou meia dúzia de vezes, até parar contra um grupo de bambus, um pequeno deslizamento de pedras seguindo a mesma trilha do corpo escoriado e dolorido. Por cima dele, ouviu-se o som de um impacto violento e o ruído contínuo semelhante ao de uma casa a desmoronar. Uma nova avalanche de pedras e fragmentos de tijolos e concreto rolou pela encosta. A59mente de Bond desanuviou-se bastante depressa, ao compreender o que devia ter acontecido. Funcionando com um único cabo, o carro em que Tubarão estava não conseguira parar e fora se chocar violentamente contra a estação. Qualquer homem normal teria morrido instantaneamente, mas Bond se recordou do afundamento de Atlantis e chegou à conclusão de que era bem possível que Tubarão escapasse. E se ele sobrevivesse ao choque, poderia sobreviver a qualquer coisa.— James!A voz que vinha de um ponto muito abaixo na encosta estava frenética. Bond deixou escapar um suspiro de alívio, à custa de muita dor no lado direito do tórax. Holly parecia angustiada, mas pelo menos estava viva.— Estou aqui.Bond havia conseguido sentar, numa posição incômoda, quando Holly contornou os bambus para encontrá-lo. Os olhos dela perceberam prontamente a mão comprimida contra a lapela rasgada do smoking.— Quebrou alguma coisa, James? Bond sorriu tristemente.— Somente o coração do meu alfaiate.Ele estendeu os braços numa tentativa de se levantar e subitamente descobriu que Holly estava dentro deles. A boca de Holly avançou sobre a dele, quente, úmida, sôfrega. Bond até gostou, mas depois afastou a cabeça para o lado e perguntou:— Para que isso?Os olhos de Holly brilhavam intensamente.— Por salvar a minha vida.— Faça um e sforço para l embrar-se disso com mais freqüência.Eles se beijaram novamente, o abraço acompanhado pela sirene de uma ambulância, que só parou quando se separaram.— A medicina no Brasil não deve ser socializada — comentou Bond. — Inclinou-se para a frente a fim de beijar Holly outra vez e percebeu que os lábios dela se contraíam de dor. — Qual é o problema?Holly estremeceu de dor.— Meu tornozelo.— Deixe-me dar uma olhada.Bond apertou o braço dela num gesto de compaixão, afastando-se em seguida. Holly preparou-se estoicamente para o exame,59olhando para o céu. Depois de alguns segundos, o olhar dela retornou à terra.— Isso não é meu tornozelo, James.Bond subiu pelo corpo de Holly e tomou-a nos braços. Os lábios roçaram os dela.— Nunca vi uma pessoa fazer tanta questão de detalhes. . .Beijaram-se ardentemente, enquanto um pequeno deslizamento de terra e pedrinhas anunciava que alguém descia pela encosta. Bond olhou para cima e avistou dois homens morenos, atarracados, aproximando-se com uma padiola. Vestiam calças e jalecos

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brancos. Mais uma vez ele ficou impressionado com a rapidez e eficiência dos serviços médicos no Brasil. O maior dos dois homens parou ao lado dele e começou a desdobrar a maca.— Sinto muito, mas acho que não vamos precisar — disse Bond. — Estamos bem.O homem fitou Bond com uma expressão radiante, um sorriso que parecia impregnado de arsênico.— Não estão, não.O cabo da maca saiu na mão dele para se transformar num cassetete. Bond ainda fez um esforço para se desviar, mas já era tarde demais. O golpe acertou-lhe em cheio na têmpora e a luz se apagou totalmente.6013Orquídea negraA imagem cinzenta e indistinta diante dos olhos de Bond tornou-se preta e depois, pulsando, adquiriu uma coloração castanha neutra. Um rosto apareceu, subindo e descendo, com o movimento do veículo avançando por uma estrada esburacada. Bond reconheceu o homem vestido de enfermeiro que o golpeara na encosta do Pão de Açúcar. Tornou a fechar os olhos e tentou mexer as mãos. Estavam amarradas por uma corda, em cima de sua barriga. As pernas pareciam estar presas por uma correia. Algo também lhe prendia os antebraços. Abriu os olhos ligeiramente e constatou que uma correia se estendia por seu peito, prendendo-o à maca. Estava na traseira de urma ambulância e Holly se encontrava a seu lado, igualmente presa a outra maca. Entre os dois, de costas para as portas, estava sentado o guarda, os olhos injetados, esbugalha-dos, dando a impressão de que poderiam escorrer pelas faces ao próximo solavanco da ambulância. Uma língua pequena e úmida percorreu os lábios do homem. Bond compreendeu que estava olhando para o rosto de um psicopata. Tentou novamente separar as mãos, mas em vão. Quem quer que o amarrara trabalhara como um profissional de primeira.Enquanto Bond o observava, os olhos do guarda contemplaram Holly da cabeça aos pés. Ele passou novamente a língua pelos lábios. Bond sabia o que ele estava pensando. Virou a cabeça60ligeiramente e percebeu que Holly também sabia. Os olhos dela estavam arregalados de medo, concentrados no homem, como se quisesse assim mantê-lo à distância.Bond concluiu que não havia vantagem em fingir que ainda estava inconsciente e por isso abriu os olhos. A têmpora esquerda latejou terrivelmente, como se um furador de gelo lhe tivesse atingido o cérebro. Uma onda de dor, como a ressaca de um beberrão, envolveu-lhe a cabeça, provocando uma vertigem.Como uma criança num quarto estranho, o guarda tateou pelo lado da ambulância e tirou uma fina caixa de couro de uma das bolsas que havia ali. Abriu-a e um brilho de aço acendeu uma luz alucinada em seus olhos. Os dedos ávidos desapareceram na caixa, para ressurgirem um instante depois com um bisturi de lâmina comprida. Bond viu Holly se encolher de pavor.— Tome cuidado para não se cortar.O comentário de Bond visava a desviar a atenção do guarda para si. Mas não deu certo. O guarda franziu-lhe o rosto por um instante, depois contemplou afetuosamente o bisturi e voltou a concentrar sua atenção em Holly. Bond olhou ao redor, desesperadamente. Um pouco acima dos seus pés, no canto ao lado da porta, havia um extintor de incêndio virado para cima, preso na parede. Talvez pudesse alcançá-lo com os pés. Diante dele, o guarda passou novamente a língua pelos lábios brilhantes e inclinou-se para Holly, o bisturi na mão estendida. Ela virou a cabeça para o lado e contraiu o corpo, dominada pelo terror. A lâmina do bisturi entrou por baixo de uma alça do vestido e cortou-a, num movimento rápido.Bond sacudiu o corpo para a frente e levantou os pés. A ponta de um deles colidiu com a base do extintor e o embolo foi acionado. Com um barulho que parecia o de um ovo se quebrando, um vulcão de espuma em miniatura entrou em erupção, soltando esguichos no teto e nos ocupantes da ambulância. O guarda virou-se bruscamente para ver o que estava acontecendo. Tornou a virar-se, mas já era tarde demais, pois o pé de Bond se aproximava de sua cara. O golpe acertou no lado do queixo e o homem cambaleou para

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trás, de encontro às portas, largando o bisturi, que caiu no chão. Enquanto o bisturi deslizava na direção de Holly, ela retirou as mãos amarradas de baixo da correia e inclinou-se com toda a força, tentando pegá-lo. Os dedos seguraram o cabo e ela estendeu o bisturi na direção de Bond, desesperadamente. Ele estendeu as mãos atadas e conseguiu soltá-las, com dois golpes dos braços de Holly61e a custo de um talho no pulso. O guarda, atordoado, lançou-se novamente para diante, mas Bond deteve a investida com um violento soco de direita, para depois romper a correia que o prendia à maca. Ele se libertou para engalfinhar-se com o guarda, enquanto Holly brandia furiosamente o bisturi, mas em vão. Os tornozelos de Bond ainda estavam presos, mas ele podia pelo menos lutar de pé. Imprensou o guarda contra a parede da ambulância, que se sacudia incessantemente. O homem ergueu o joelho com toda a força, mas Bond aparou o golpe e desferiu um soco com a esquerda, que acertou no queixo do guarda, fazendo-o rodopiar.Nesse momento, a ambulância deu um solavanco maior, ao passar por um buraco grande, e o guarda caiu de costas na maca, com todo o peso de Bond por cima dele. Com um estalo brusco, a maca se soltou dos cabos que a retinham e se arremessou contra as portas. Enquanto Holly gritava, as portas se abriram e a maca com os dois homens foi projetada para fora, em meio a uma nuvem de poeira. Bond sentiu que o ar deixava inteiramente o corpo do guarda, que recebeu todo o impacto. Ele rolou para o lado, indo parar à beira da estrada de terra. Quando se levantou, a ambulância já desaparecera e não havia o menor sinal da maca. A poeira começou a assentar e Bond deu alguns passos trôpegos pela estrada. Uma encosta tornou-se visível, descaindo para a esquerda. No meio dela, de frente para a rodovia de onde saía a estradinha de terra, havia um imenso cartaz de madeira. A extremidade da maca projetava-se de um buraco na parte inferior do cartaz, que mostrava uma linda aeromoça e as palavras: "British Airways. Cuidaremos de você muito melhor".Na ampla extensão dos pampas, os três homens vestidos em trajes de gaúcho, cavalgando emparelhados, teriam certamente atraído a atenção dos turistas. Mas turistas constituíam um artigo de luxo de que a região carecia. Era uma região de pastagens, a leste de Mato Grosso e por trás da serra do Roncador. Eram terras difíceis, onde os homens que ali se empenhavam para ganhar a vida tinham de ser tão resistentes quanto os cavalos que montavam e o gado que marcavam. Brasília, a sudeste, possuía a arquitetura moderna e as embaixadas. Eles tinham as marcas de muitas horas na sela e dos mosquitos. Um dos cavaleiros apontou para um vale raso e os três homens seguiram em direção a uma construção comprida e baixa, coberta de telhas vermelhas e rodeada por impecáveis quadrados de pastagens delineados por cercas61de madeira. Pombos brancos alçaram vôo quando eles chegaram a galope no pátio, as venezianas com a tinta descascando rangendo ao sol quente. A poeira vermelha assentou enquanto os homens desmontavam e prendiam as rédeas em postes. Dois homens afastaram-se pela varanda. O terceiro, o mais alto, empurrou as portas de vaivém e entrou na casa. A sala em que entrou tinha as paredes caiadas de branco e estava um tanto fresca, graças ao teto alto e ao ventilador que girava lentamente. Numa das paredes havia uma imensa cruz de madeira. Um matraquear cessou no momento em que o homem entrou e Miss Moneypenny levantou os olhos da máquina de escrever.— Ora, ora, se não é o magnífico 007!Bond tirou o chapéu e sacudiu um pouco a poeira da calça de couro.— Quem sou eu para discutir, Moneypenny? M está me esperando?— E com a maior impaciência.Ela fitou-o com uma expressão de afeição divertida e inclinou a cabeça para uma porta às suas costas. Bond empinou os ombros e adiantou-se.— Um dia desses, Moneypenny, ainda vou estendê-la sobre os meus joelhos.— E um dia desses vou adorar.Moneypenny soprou-lhe um beijo enquanto ele passava pela porta. Bond descobriu-se num pátio quadrado. A primeira coisa que percebeu foi o cheiro de pólvora. Alguém andara dando tiros ali. Fragmentos despedaçados de vultos humanos estavam espa-lhados pelo chão. Um homem estava sentado contra uma parede cheia de buracos de balas, um poncho em torno dos ombros e um sombrero inclinado sobre o rosto,

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ocultando-o. Dava a impressão de que tentava assim ignorar o pelotão de fuzilamento à sua frente, os rifles levantados. Houve uma ordem e soou uma rajada de tiros. Mas não do pelotão de fuzilamento. À ordem de fogo, o sombrero se levantou e o poncho se abriu, para revelar uma metralhadora de controle automático, que alvejou os bonecos de barro do pelotão de fuzilamento, numa contribuição adicional aos destroços espalhados pelo pátio.— Ah, finalmente chegou, 007.Q se aproximou, usando seu uniforme de trabalho tropical, blusão e shorts. Foi seguido por um assistente mortificado, segurando uma prancheta e dando a impressão de que não conseguia62acompanhar o ritmo do chefe. Em relação a isso, não estava sozinho.— Bom dia, Q.— Vou falar com você dentro de um minuto.Q parou e ficou observando um gaúcho girar uma boleadeira por cima da cabeça. A arma foi arremessada e atravessou o pátio, as bolas se enroscando no pescoço de um general de muitas condecorações, uma porção de fitas no peito, um braço levantado numa saudação fascista. As bolas explodiram e a cabeça do general desapareceu. Em seu lugar, ficou um buraco irregular, revelando a abertura do pescoço do boneco de gesso. Q virou-se para o assistente.— Apronte tudo para o Dia do Exército.— Tudo isso é exatamente fascinante, Q, mas creio que M... Q levantou a mão para interrompê-lo.— Só mais um minuto, 007. Isso é realmente interessante. Ele sacudiu a cabeça para o assistente, que parou de fazeranotações frenéticas na prancheta e fez sinal para um homem, vestido como guarda de segurança e empunhando um fino maçarico cilíndrico. O maçarico foi apontado para um segundo homem e emitiu uma luz estroboscópica, intensa e intermitente. Enquanto Bond observava, horrorizado, o alvo começou a se derreter, como uma vela colocada sobre uma chapa quente. Bond sabia que estava olhando para um boneco de cera, mas o terrível potencial destrutivo da arma inspirava respeito e temor.— Ótimo — disse jovialmente. — Não acha esplêndido? Bond não disse nada. Ficou pensando se os cientistas poracaso não nasciam com uma amplitude reduzida de sentimentos humanos, a fim de haver mais espaço para a massa cinzenta. Havia algo sombrio naquele acampamento remoto dedicado à espionagem, infiltração e sabotagem. Q, à sua maneira britânica que podia parecer um tanto tola, era perfeitamente capaz de ensinar algumas lições à CIA.Além do pátio, havia um prédio de pedra, com as janelas fechadas e um guarda na porta. Q abriu a porta e entrou junto com Bond. A sala estava quase totalmente escura, com um projetor de slides e uma tela armados, como para uma conferência ilustrada. Numa parede havia um grande mapa do Brasil, que se estendia do chão ao teto. M apagou uma luz na escrivaninha e levantou-se apressadamente quando Bond entrou.— Bom dia, 007. Fico contente que tenha chegado. Já está62vamos começando a ficar preocupados.Bond percebeu que todo vestígio dessa preocupação desaparecera da voz de M.— Tem alguma notícia de Holly, senhor?— A Dra. Goodhead?'— O tratamento formal era quase uma reprimenda. — Infelizmente, não. A CIA também ainda não sabe de nada. Ela deve estar detida em algum lugar."Se é que ainda não foi assassinada", pensou Bond.— E Drax?— Ele sumiu. Deixou Veneza com destino ignorado. Não temos a menor idéia da direção que seguiu.— O que é muito suspeito.— Para nós, sim. Mas não para os outros. Ele pode perfeitamente ter ido passar alguns dias no campo. Ainda não há nada de oficial relativo ao desaparecimento do Moonraker. Afinal, por que ele haveria de roubar o seu próprio veículo espacial?Bond franziu o rosto, apreensivo.

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— Não tenho a menor idéia, senhor. Tudo o que sei é que ele está articulando alguma coisa extremamente desagradável. Sinto-o nos próprios ossos.— Lamentavelmente, os seus ossos não podem ser apresentados como prova num tribunal — disse M secamente, virando-se em seguida para Q e acrescentando: — Creio que é melhor passarmos para o que Q tem a nos mostrar. Isso pode lançar alguma luz sobre a questão.Q aproximou-se do projetor e indicou duas cadeiras ao lado.— O assunto é a análise do frasco que pegou em Veneza, 007. Seu diagnóstico estava correto. Trata-se de um gás altamente tóxico, capaz de causar a morte em segundos. Mas, o que é muito estranho, todas as experiências que realizamos indicam que não tem qualquer efeito sobre os animais.Bond digeriu a informação com uma crescente sensação de inquietação.— Conseguiu determinar a fórmula?Q acionou o projetor e uma fórmula apareceu na tela. Bond estudou-a por vários segundos. A maioria dos símbolos químicos nada significava para ele, mas havia duas palavras extremamente incongruentes.— Orchidaceae negra? — Ele olhou para Q, em busca de confirmação. — Trata-se de alguma espécie de orquídea?Q assentiu.63— Das mais raras. Era outrora cultivada em grande quantidade na península do Iucatã, no México, e acreditava-se que era uma espécie extinta, até recentemente, quando um missionário trouxe um espécime da região superior do Amazoco.— Que fica muito longe da península do Iucatã — murmurouBond.— Exatamente — disse M.Ele se encaminhou para o mapa na parede e fez um círculo com um lápis azul numa área determinada. Bond estudou o mapa e o caminho tortuoso do rio até o mar.— Quer dizer que este é o único lugar do mundo em que pode ser encontrado esse elemento específico do gás?— É, sim, pelo que sabemos.Bond ficou em silêncio por um momento.— E não temos qualquer informação sobre o destino daqueles aviões de carga que decolaram do Aeroporto de São Pedro, não é mesmo? Mas devem ter apresentado um plano de vôo, devidamente registrado.— Somente dois vôos foram registrados: para a Bahia e Recife. Transportavam peças e equipes de manutenção para inspecionar instalações da Corporação Drax. Nada de anormal.— Holly viu seis aviões decolando.— Só que não há qualquer registro, 007. O que é muito significativo. Esses homens, quantos sejam, podem estar em qualquer lugar. Não precisam necessariamente pousar em aeroportos oficiais. Há muitas pistas na selva, servindo a companhias madeireiras e operações de mineração.Os olhos de Bond voltaram a se fixar no círculo azul do mapa.— Ou seja, isso é tudo o que temos para continuar. É melhor dar uma olhada.— É o que também pensamos. — M virou-se para Q. — Se bem me lembro, seu departamento desenvolveu algo que pode ajudar 007 na missão.— O que não é a primeira vez — declarou Q, presunçosamente. — A novidade seria se Bond conseguisse evitar a destruição do equipamento quase imediatamente depois de tê-lo recebido!Horas depois, Bond pensou nas palavras de Q, sentado ao leme da embarcação que apelidara de Q-barco. Possuía os contornos de uma lancha, mas com um calado excepcionalmente raso, um motor potente e um toldo colorido que se estendia por cima63da cabeça dele, como as asas de um pássaro. O rio que estava percorrendo tinha a cor de lama, e era margeado por árvores altas e copadas, com cipós pendendo como cobras até as águas que se deslocavam lentamente. O ar ressoava com os chamados de pássa-ros invisíveis e o zumbido de mosquitos. As árvores se comprimiam tão ameaçadoramente que Bond tinha a sensação de que ele e sua estreita embarcação

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estavam se expondo a um terrível desafio e que a qualquer momento os cipós seriam brandidos como chicotes, para fustigá-los. Com o sol obstruído e a claridade se desvanecendo na barreira das árvores, o rio não era um lugar dos mais agradáveis. Cada palmo percorrido era um palmo a mais para longe da civilização. O mau cheiro da vegetação apodrecida e a sensação permanente de estar avançando por um túnel do qual se poderia não voltar contribuíam para deixar qualquer um abalado.Empenhado em lutar contra os insetos, Bond foi avançando contra os detritos da floresta que boiavam na correnteza. As horas passaram e o rio foi se tornando mais estreito, até que as copas das árvores nas duas margens pareciam quase se encontrar no meio dele. Massas de vegetação aquática começaram a surgir, retardando o avanço da lancha. A semi-escuridão permanente foi se adensando e transformou-se em noite fechada. Bond ancorou a embarcação a alguma distância da margem e ficou indeciso entre dormir na pequena cabine sem qualquer arejamento ou no convés. Decidiu-se pelo convés e deitou sob uma rede contra mosquitos armada apressadamente. Ficou escutando os ruídos da escuridão. Eram sons estrondosos, murmúrios, barulhos furtivos, gritos estridentes de animais carnívoros noturnos e os guinchos desesperados de suas presas. Era a natureza alimentando-se de si mesma. Eram dentes afiados cravando-se em carne, os sentidos alerta, sempre alerta, à aproximação de dentes maiores e mais afiados. Embalado pelo som da natureza a manter seu equilíbrio sangrento, Bond acabou adormecendo, sob um céu sem estrelas.Ao despertar, estava com frio e uma neblina cobria o rio. Em algum lugar, além das árvores, o novo dia estaria em breve despontando; já havia uma premonição de luz. Uma série de vergões e picadas vermelhas nos braços e no rosto indicava que o mosquiteiro fora armado às pressas e não ficara direito. Bond tomou um pouco de Paludrin com um trago de Old Hickory, trazido para enfrentar verdadeiras emergências, e depois acionou o motor. Houve um clamor recíproco de gritos de surpresa nas margens, enquanto o Q-barco desvencilhava-se dos detritos que haviam se acumulado64na proa durante a noite e retomava o avanço rio acima.Dali a pouco, Bond teve de tomar uma decisão. O rio à sua frente era dividido por uma ilha de vegetação e desaparecia em dois canais preguiçosos, sobre os quais pendiam árvores frondosas, ambos atulhados de plantas aquáticas e vitórias-régias que pareciam tampas de latas de lixo viradas. Nenhum dos dois canais parecia promissor e Bond se perguntou se não enveredara por um caminho errado no dia anterior, quando a noite estava caindo. Examinou sua carta sem muita esperança e verificou a direção pela bússola, antes de seguir pela bifurcação que apresentava uma linha escura cortando a superfície de algas. Pelo menos alguém passara por ali recentemente. Diminuiu a velocidade e avançou lentamente pelas camadas de algas, através dos juncos, com áreas de águas desobstruídas, freqüentemente ocupadas por pássaros, que levantavam vôo com um estrondo de asas à sua aproximação. Embora ainda houvesse ocasionais grupos de árvores cobertas de trepadeiras, a região estava começando a adquirir o aspecto mais aproximado de um pântano. Não que isso representasse um bálsamo para o espírito. Ainda havia uma sensação de claustrofobia, a impressão de estar encurralado, totalmente excluído do mundo exterior. Não sem algum alarme, Bond pensou que não ia ser nada fácil descobrir o caminho de volta. Passou a parar constantemente, depois de percorrer algumas centenas de metros, olhando ao redor para registrar quaisquer pontos de referência na paisagem. Logo compreendeu que isso era uma perda de tempo. Um trecho de águas, abertas, entre os juncos, parecia exatamente igual a outro.Pela metade do dia, Bond continuou a avançar sem que houvesse qualquer mudança no cenário. Depois, entrou em outro rio estreito, serpenteando pela selva. Era tão sinuoso que, através de uma abertura entre as árvores, numa curva, pôde avistar um segundo curso de água, correndo paralelo àquele em que se encontrava. Alcançou esse outro curso meia hora depois. A noite caiu sem que ele pudesse calcular a distância que percorrera, em linha reta. Preparou algumas rações, que podiam não estar lá muito saborosas, mas pelo menos serviram para enganar a fome, destruindo o apetite. Passou outra noite incômoda, durante a qual o seu refúgio na cabine foi invadido por uma chuva torrencial, que começou a cair logo depois do escurecer e não parou mais, como se houvesse alguma cachoeira no céu.

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O dia seguinte proporcionou o primeiro contato com seres humanos. A chuva cessara e ele já avançara consideravelmente65pelo rio acima quando uma piroga surgiu além de uma curva. Era tripulada por cinco homens pequenos, com tiras de pano na cintura e empunhando lanças. Largaram as lanças assim que viram Bond e pegaram os remos. Começaram a remar vigorosamente e seguiram para a margem numa velocidade impressionante, desaparecendo num pequeno tributário.Depois do incidente, Bond ficou com a impressão de que estava sendo vigiado. De vez em quando, o grito de um pássaro na margem provocava uma resposta estridente, quase espontânea demais para qualquer coisa que se encontra na natureza. Criaturas invisíveis passavam furtivamente pela vegetação rasteira. Bond sentiu que seus nervos estavam prestes a estourar. O ambiente opressivo e a crescente sensação de isolamento estavam corroendo-o inexoravelmente. Não havia nada para se ver, além da selva densa e do rio sinuoso; mesmo assim, Bond nunca podia relaxar. Um toco boiando ou uma pedra submersa, causando um acidente, talvez uma falha mecânica, que não representaria qualquer problema na civilização, poderia significar sua desgraça, ali. E havia sempre o temor de que uma flecha ou uma lança pudessem ser disparadas das margens. Ou que uma canoa de guerra se aproximasse silenciosamente enquanto ele estivesse dormindo. Era uma viagem que não pouparia homens de coração fraco.Por volta de meio-dia, no quarto dia, o rio desapareceu numa paisagem informe de pântano. O ânimo de Bond sofreu outro baque. Não havia correnteza discernivel que pudesse seguir e os juncos densos eram mais altos que o barco. Era como estar perdido em meio a moitas altas e compactas. Os juncos roçavam os lados do barco, fechavam-se por trás. Mais uma vez, Bond foi dominado pelo medo de ter seguido o caminho errado e estar avançando a custo por um ermo infinito, do qual não teria como voltar. A reserva de combustível estava se aproximando de um ponto crítico e ele dispunha apenas da bússola para se orientar. Calculava que estava quase na área marcada por M, mas não podia ter certeza. O último contato pelo rádio fora efetuado quando estava deixando o rio principal, e ele achava uma insensatez acionar novamente o aparelho, pois poderia haver alguém por ali para interceptar o seu sinal.Avançou entre os juncos por quase uma hora. Eram tão densos e compactos que se tornavam quase impenetráveis. Depois, repentinamente, a paisagem aquática se abriu e as massas de juncos transformaram-se em ilhas, num jardim aquático repleto de flores.65Bond continuou em frente e a paisagem novamente mudou, com amplos trechos de água abertos, margeados por juncos e selva. Garças e gansos alçavam vôo à sua aproximação. Ver novamente pássaros e estar livre das massas sufocantes de juncos contribuíram para elevar novamente o ânimo de Bond. Ele aumentou ligeiramente a velocidade, deixando o Q-barco deslizar para o que parecia ser o início de um grande lago. O barco emergiu das últimas massas de juncos, avançando por uma ampla extensão de água aberta. A superfície era serena e cristalina e Bond avistou as on-dulações que indicavam os pontos em que os peixes subiam. Mas não havia pássaros. Depois dos bandos incontáveis que encontrara nos remansos por que passara, ele se perguntou por quê. O que poderia haver ali para afugentar os pássaros? A resposta surgiu sob a forma de um imenso jorro de água que se ergueu um pouco além da proa. Bond pensou por um instante que fosse algum peixe gigantesco ou um crocodilo. . . antes de ouvir o silvo denunciador. Estava sendo alvejado. Uma segunda granada explodiu à popa e ele deu uma guinada no leme, tentando se abrigar entre os juncos. Avançando diretamente para cima dele, com a proa fora da água e o obus desprendendo fumaça, vinha uma lancha de alta potência. Bond deu outra guinada no Q-barco, avistando mais duas lanchas convergindo em sua direção. As granadas caíam incessantemente ao seu redor. Só lhe restava uma direção a seguir. Através do lago. Bond acelerou o motor ao máximo, seguindo para uma abertura entre as árvores na margem distante.As três lanchas partiram em sua perseguição, uma delas mais à frente das outras. Bond estudou o painel de controle do Q-barco, repassando rapidamente as instruções que recebera. Pobre Q! Ele produzia equipamentos para todas as emergências, mas ficava furioso sempre que surgia alguma. Bond apertou um botão e houve um rangido na popa

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do barco, indicando que duas câmaras haviam se aberto. Mais pressão no botão e dois objetos cilíndricos, como cargas de profundidade, foram lançados na água, para flutu-arem na superfície, separados por uma distância de vinte metros. A primeira lancha em sua perseguição passou entre os dois objetos, o homem ao leme imaginando que fossem minas que explodiriam ao contato. Ele estava certo. . . mas não inteiramente. As minas eram também magnéticas. Quando a lancha passou entre elas, saltaram da água como peixes-voadores e foram se grudar no casco. Um momento depois, houve uma violenta explosão, que enviou para o céu uma imensa coluna de chamas laranja e amarelas. Os destroços66se espalharam pela água e o casco arrebentado da lancha afundou imediatamente.A expressão de Bond, de lábios contraídos, desanuviou-se por um instante. Uma lancha já fora liquidada, mas ainda restavam duas. Ao tentar imprimir um pouco mais de velocidade à sua embarcação, avistou uma brecha na selva à sua frente, onde o lago devia se encontrar com um rio. Teve uma impressão de águas brancas. Os obuses das lanchas ainda estavam disparando e outra granada explodiu, perigosamente perto. Bond olhou novamente para os controles. A pequena alavanca à esquerda. Podia ser a solução. Empurrou-a para baixo e virou a cabeça, avistando um torpedo fino, com o formato de um charuto, ser lançado na esteira por trás do Q-barco. Quase no mesmo instante, o torpedo disparou na direção de uma das lanchas em perseguição, como uma serpente marinha, a ponta mal rompendo a superfície. O timoneiro da lancha percebeu o perigo e prontamente recorreu a uma ação evasiva. Desviou a lancha para junto da outra e o torpedo passou além da proa. Um grito de triunfo se elevou no ar, para ser rapida-mente sufocado. O torpedo descreveu uma curva e seguiu no encalço de sua presa. Como um cachorro prestes a sentar, a lancha girou bruscamente sobre si mesma, mas não conseguiu se livrar do torpedo. Inexoravelmente, este foi encurtando a distância, até que a cabeça magnética bateu na popa. Houve uma segunda explosão, uma nova coluna de chamas, fumaça e fragmentos subindo pelo ar, e a lancha destroçada afundou rapidamente.Bond estava agora nas águas esbranquiçadas do início do rio. Pequenas ondas furiosas batiam contra o fundo do barco, fazendo-o estremecer, a espuma subindo pelo ar. Bond olhou para diante e constatou que as águas se tornavam ainda mais turbulentas. Devia estar entrando em corredeiras. Em princípio, não deveriam constituir um problema de maior gravidade. Com o seu motor potente e o calado raso, o Q-barco era projetado para tais obstáculos. Mas logo Bond viu e ouviu algo que lbe provocou um calafrio. Além de uma curva do rio, havia uma nuvem de espuma com quase meio quilômetro de largura, elevando-se na parte mais alta, a pelo menos vinte metros. Havia também um rugido profundo, incessante, diferente de tudo o que Bond já ouvira antes. Só podia ser uma cachoeira. E uma cachoeira de tais dimensões poderia despedaçar qualquer coisa que se aproximasse. Bond deu uma guinada no leme e sentiu que o barco estava correndo o risco de virar. Uma rajada de balas cortou o ar por cima de sua cabeça e espatifou o vidro66da cabine. Não havia possibilidade de voltar nem de seguir para a margem. A espuma da cachoeira começou a molhar o barco. Bond cerrou os dentes e seguiu para o ponto em que a nuvem de espuma se erguia mais alto. Por trás dele, a última lancha ainda em seu encalço estava enfrentando dificuldades. Consciente do que havia pela frente, o timoneiro tentara fazer a volta, mas a lancha adernara perigosamente. Bem no meio da correnteza, a lancha estava sendo arrastada inapelavelmente pelas águas, ameaçando virar a qualquer momento. Todas as tentativas de eliminar Bond foram abandonadas no interesse da autopreservação. Mas só que foi um sentimento que se expressou tarde demais. Bond olhou para trás, a tempo de ver a lancha virar de lado e se encher de água, para desaparecer um instante depois em meio à espuma.O coração de Bond batia forte, como um martelo a vapor, enquanto ele se empenhava em permanecer no controle dos próprios sentidos e manter o Q-barco numa rota fixa, na mesma direção da correnteza. A espuma batia em seu rosto, doendo como granizo, o rugido da cachoeira ameaçando estourar-lhe os tímpanos. À sua frente, as espumas esbranquiçadas cediam lugar a um avental de cor creme, enquanto o rio se estendia sobre a beira do precipício. O que havia lá embaixo estava envolto por uma densa

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neblina. Os dedos entorpecidos de Bond se levantaram e pegaram a vareta de metal que se estendia por baixo do toldo do Q-barco. À esquerda e à direita havia duas alavancas. Bond esperou mais um pouco e sentiu o casco da lancha roçar em uma rocha. Estava agora dentro de uma nuvem de espuma e pôde vislumbrar por um instante, aterrorizado, o que havia lá embaixo. Parecia um imenso buraco, no meio da terra, no qual desapareciam as águas que se despejavam por todos os lados. Um buraco tão profundo que não acabava mais. Bond baixou as alavancas e no mesmo instante sentiu o toldo se soltar e o vento tentar arrancá-lo de suas mãos. Segurou-se firmemente à vareta de metal, enquanto o Q-barco se inclinava sobre a beira do precipício, e o que agora se podia reconhecer como uma asa-delta levou-o além do abismo assustador, planando.676714A cidade perdidaOfuscado pela espuma, Bond teve a sensação de que a morte era inevitável. O enorme fluxo de água desabando nas cataratas provocava correntes de ar que atuavam como o repuxo das ondas sobre um nadador. As mãos congeladas agarravam-se desespera-damente à barra da asa-delta e Bond ficou aterrorizado com a possibilidade de os pés serem puxados para trás, destruindo assim o seu equilíbrio já precário. Uma corrente ascencional afastou-o para longe da nuvem baixa de espuma e ele pôde perceber que o que antes lhe parecia um poço sem fundo era na verdade uma garganta profunda, que sugava a água por três dos seus lados. À sua frente, por baixo de uma ponte suspensa de arco-íris projetado na nuvem de espuma, o rio se reconstituía, avançando por entre paredões imensos. O coração de Bond caiu mais depressa do que a asa-delta, pois uma corrente descensional estava puxando-o para as cataratas. Empenhou-se em encontrar outra corrente de ar, mas sabia que não havia a menor possibilidade. Jamais conseguiria alcançar a selva ao redor. Teria de seguir o rio pelo desfiladeiro e torcer para encontrar algum lugar em que pudesse pousar, antes de perder o ar que o sustentava em vôo. Um olhar para a torrente turbulenta fê-lo chegar à conclusão de que as chances de sobrevivência eram remotas. Os paredões do desfiladeiro eram escarpados, com uns poucos tufos de vegetação. O rio corria entre rochas pontiagudas.67À medida em que a distância foi diminuindo, Bond divisou o casco destroçado de uma das lanchas sendo despedaçado em incontáveis fragmentos no choque com as rochas submersas. Era o destino que o aguardava. Parecia um pesadelo, em que a pessoa se descobre subitamente, com um sobressalto, flutuando em pleno ar, para depois começar a descer, cada vez mais, na direção de uma paisagem hostil, contorcendo-se em desespero, debatendo-se freneticamente, mas totalmente incapaz de deter a queda. Bond sentiu um calafrio que não era produzido exclusivamente pelo medo. Abaixo dos penhascos, a atmosfera era glacial. As rochas brilhavam com a umidade. Um pássaro alçou vôo bruscamente, como que aterrorizado por aquele estranho intruso em seu turbulento reino.O fundo do desfiladeiro estava agora a quinze metros de distância e todo o ar parecia pertencer às águas impetuosas. Não havia nada que Bond pudesse fazer para permanecer no ar. Só lhe restava prolongar a agonia por tanto tempo quanto fosse possível. Um paredão rochoso surgiu à sua frente e ele se desviou no último momento, baixando três metros com a brusquidão da volta. Esguichos furiosos de água atingiram-lhe os pés e o desfiladeiro fechou-se por cima de sua cabeça. A torrente virou para a esquerda e outro paredão rochoso ergueu-se no caminho de Bond. Ele levantou a mão direita e empurrou com a esquerda. Enquanto as águas erguiam-se bem alto para fustigar o penhasco, avistou algumas rochas pontudas e pedras no outro lado da torrente. Um emaranhado de plantas trepadeiras segurava-se ali, resistindo ao ímpeto das águas. Bond desviou-se do ponto em que a força da correnteza era maior e preparou-se para o impacto. Chegou perto o suficiente para que a ponta da asa-delta roçasse o paredão e depois caiu desajeitadamente nas águas espumantes.O primeiro impacto empurrou seus joelhos contra o peito e a água gelada pareceu penetrar até os ossos. A estrutura destroçada da asa-delta foi arrancada de suas mãos e ricocheteou para longe, como um arco-íris quebrado. Bond evitou por pouco ser estripado por uma rocha submersa e agarrou um punhado de trepadeiras. As mãos

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começaram a escorregar pelos tentáculos molhados, até pararem numa articulação, a que ele se agarrou com o desespero nascido da ameaça de morte iminente. A correnteza puxou-o para o lado e ele ficou próximo a uma praia estreita, de rocha lavada. Sentindo que a pressão da água se atenuava por um momento, bateu com os pés desesperadamente e estendeu o braço para agarrar uma raiz retorcida que se projetava da praia rochosa. Os dedos68quase erraram, mas acabaram segurando-a. Um último esforço dos músculos doloridos, as duas mãos segurando a raiz, e ele conseguiu emergir do turbilhão de águas furiosas. Deitou-se na rocha molhada e aspirou o ar sofregamente, grato e surpreso por estar vivo.O rugido das águas ao redor de Bond ainda era aterrador. Estendido naquele refúgio exíguo, ele parecia estar quase por baixo da turbulenta correnteza. Olhando para trás, rio acima, as cataratas estavam ocultas por uma curva do desfiladeiro, mas com uma nuvem de espuma e neblina pairando no ar, cinzenta e sinistra. Bond sentiu um calafrio. As águas precisavam subir apenas um pouco para arrastá-lo novamente. Como que sob o impulso do terror por trás de tal pensamento, começou a chover nesse instante. Bond sabia o que isso podia significar. Uma tempestade repentina rio acima e o volume de água despejando-se nas cataratas aumentaria, fazendo com que o nível ali embaixo subisse rapidamente, em questão de segundos. Ele pôs-se a olhar ao redor, desespera-damente. O paredão rochoso erguia-se abruptamente por cima de sua cabeça, inclinado para a frente. Diante dele, havia uma pilha irregular de pedras, o remanescente de um desmoronamento. Os olhos de Bond foram subindo pela encosta e, de repente, se estrei-taram, incrédulos. Não era possível acreditar no que estava vendo além da espuma e da chuva. Através do arco-íris se dissipando, ele contemplou uma linda jovem, de pé, numa saliência da rocha. Ela usava uma túnica verde comprida, aberta até a cintura, com um turbante que parecia um gorro, fitas pendendo na frente e atrás das orelhas. Não olhava para Bond, mas sim rio acima, na direção das cataratas. Bond desviou os olhos quando sentiu a água bater em seus pés, alarmantemente. Ao tornar a olhar, a jovem já havia desaparecido. Será que estivera realmente ali? Ou será que a árdua jornada e aquela garganta da morte estavam começando a provocar-lhe delírios da imaginação? O rugido das águas ressoou em seus ouvidos e o frio subiu-lhe pelas pernas. Se não conseguisse subir para um ponto mais alto nos próximos segundos, seria inevitavelmente um homem morto. A chuva caía agora torrencialmente. Bond avançou pela estreita prateleira de pedras reluzentes, o paredão do penhasco lhe arranhando as costas. Não podia ver o que havia diretamente acima dele, mas a visão do lado oposto da garganta era desoladora. A face quase perpendicular do penhasco erguia-se como o costado de um navio, marcada apenas por fissuras horizontais de erosão. Teria sido inteiramente impossível uma68escalada no estado em que se encontrava.Bond chegou ao final da pequena praia rochosa e lançou-se meio sem jeito sobre o mais baixo dos blocos soltos. As pedras soltas proporcionavam um trampolim inerte e ele teve alguma dificuldade em se levantar. Mas conseguiu, à custa de muito esforço. Um olhar para trás mostrou-lhe que agira bem a tempo. A pequena praia já desaparecera e os tentáculos das trepadeiras, que lhe haviam salvo a vida, estavam invisíveis sob as águas espumantes da correnteza turbulenta. Bond continuou a subir, angustiado, sem saber até onde o rio continuaria a persegui-lo. Cada pedra estava molhada e coberta de um limo verde, que proporcionava a sensação da pele de uma enguia. Os penhascos se erguiam acima dele como as paredes de uma tumba profunda. Subiu até o lugar em que avistara a jovem e ali parou para descansar um pouco, tremendo incontrolavelmente.A princípio, pensou que devia estar sonhando. Estava de pé, precariamente, numa superfície irregular de rocha escorregadia, com uma profusão de trepadeiras reluzentes caindo pelo penhasco. Logo verificou que havia mesmo uma sombra escura por trás das trepadeiras. Entreabriu a folhagem e descobriu que estava olhando para a entrada de uma caverna. Tirou do bolso a lanterna pequena e avançou. A caverna não era grande, mas a lanterna mostrou uma fenda e um lance de degraus toscamente esculpidos na rocha, subindo. Bond sentiu o coração se acelerar de excitamento. Esqueceu inteiramente o frio e começou a subir os degraus, rapidamente, silenciosamente. Subiu por muito tempo, o vapor da respiração visível à luz fraca da lanterna, até que acabou

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emergindo num túnel largo, que subia suavemente. Avançou furtivamente e contornou uma curva para avistar um brilho de luz à frente. A jovem estava delineada bem no centro. Bond apagou a lanterna e comprimiu-se contra a parede do túnel. Um momento depois, a jovem desapareceu novamente.Bond acelerou os passos e começou a sentir que o torpor do frio o abandonava. O círculo de luz foi se tornando maior, um clarão esverdeado à luz do sol. Era como se aproximar de outro mundo, depois do túmulo aquático da garganta. Mais alguns passos e ele ficou à entrada de uma caverna, o sol quente incidindo em seu corpo. Acima dele, havia um paredão escarpado; à sua frente, estava novamente a selva, com cedros gigantescos em quantidade, cobertos por trepadeiras floridas. Não havia o menor sinal da jovem.Bond flexionou os músculos e seguiu em frente, descendo uma69trilha estreita, cheia de mato, que evidentemente era pouco usada. De onde teria vindo a jovem no estranho traje? Bond vasculhou o cérebro, procurando determinar onde já vira aquele traje antes. A trilha desembocou numa pequena clareira e Bond descobriu-se frente a frente com uma massa de pedras cobertas de trepadeiras, que obviamente fora outrora um prédio. Olhou ao redor e avistou outras pilhas de pedras, quase ocultas pela selva. Chegara às ruínas de uma cidade antiga. Havia uma parede comprida que podia ter pertencido a um prédio público; lá estava um poço entupido por destroços; uma fileira de colunas truncadas erguia-se a alguma distância, como dentes quebrados. E tudo estava coberto por uma profusão de trepadeiras, como se fosse uma rede de camuflagem. Bond foi avançando entre as ruínas com alguma dificuldade, sempre olhando ao redor, à procura da jovem. Não havia o menor indício de que o lugar fosse habitado. Ele chegou a outra clareira cheia de mato e olhou para cima, na direção da linha das árvores. Acima do emaranhado de trepadeiras, podia avistar as pedras superiores de uma construção. Avançou cautelosamente, empurrando para o lado alguns arbustos espinhosos, para descobrir-se diante de uma pirâmide de pedra, que se erguia no ar por cerca de trinta metros e era encimada por um pequeno templo. Uma escada subia pela face da pirâmide. A jovem estava bem no meio. Ela não olhava para Bond, mas havia algo na atitude em que estava, meio virada na direção dele, que sugeria que o esperava.Um instante depois de Bond aparecer, a jovem se adiantou e desapareceu entre duas pedras enormes. Bond sentiu-se inquieto, mas ao mesmo tempo fascinado. Olhou novamente ao redor, mas não havia qualquer sinal de vida humana. Os pássaros gritavam do alto das árvores e podia-se ouvir a algaravia frenética de um macaco. Ele esperou alguns segundos e depois encaminhou-se para a base da pirâmide.Q falara da civilização maia no Iucatã. Era isso que a pirâmide lhe recordava. E também o traje da jovem. Seria possível que algum grupo de maias tivesse emigrado para o sul, a fim de escapar à fome ou a lutas internas? Poderia estar seguindo uma sobrevivente de uma raça supostamente extinta, que de alguma forma conseguira se propagar nas vastidões inexploradas das florestas tropicais sul-americanas? Começou a subir os degraus imensos e ficou espantado ao pensar que pedras daquele tamanho pudessem ter sido extraídas e transportadas com instrumentos primitivos. Alguns dos blocos tinham mais de dois metros de altura e três ou69quatro metros de comprimento. Bond chegou ao lugar em que a jovem desaparecera e descobriu-se à entrada de uma passagem estreita, descendo para o coração da pirâmide. Nas duas pedras à entrada havia pinturas superpostas de guerreiros com lanças. Bond olhou para trás e viu que a selva se estendia em todas as direções. Depois, avançou pela passagem. Lá embaixo, havia uma fonte de luz. A jovem estava na metade do corredor. Dessa vez, ela virou-se para Bond e seu rosto se iluminou num sorriso de boas-vindas. Como se convencida de que nenhum outro convite era necessário, ela virou-se e continuou a descer. Bond seguiu-a. A esquerda e à direita, as paredes estavam adornadas com pinturas desbotadas, mostrando fileiras de homens marchando, com túnicas curtas e gorros como o que era usado pela jovem, que Bond agora conside-rava como sua guia. A jovem não olhou ao redor, mas continuou a descer os degraus na direção da fonte de luz. Bond estava excitado, convencido de que um grande segredo em breve lhe seria revelado. A chave do enigma devia estar no centro da pirâmide. Acelerando os passos, chegou ao final do túnel e olhou ao redor, espantado.

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A primeira impressão foi a de que estava numa catedral. Imensas paredes de vidro colorido erguiam-se no ar e formavam os fundos da pirâmide. A selva se comprimia contra os vidros, o efeito de integração sendo aumentado pelas trepadeiras e outras plantas que subiam pelo lado de dentro. Rochas de cristal luziam, como se iluminadas internamente. Havia um tanque sinuoso, atravessado por uma ponte prateada. A natureza fora domada como num jardim japonês, mas só que ali era tudo numa escala gigantesca e menos formal. A jovem esperava por Bond ao lado da ponte em arco, como uma refugiada de uma decoração de ramos de salgueiro em porcelana. Ele teve o estranho pressentimento de que estava num mundo de ilusão. Por um momento aterrador, perguntou-se se não teria morrido nas cataratas e sido levado diretamente para um purgatório que apagava a memória. Avançou na direção da jovem e subitamente compreendeu que já a vira antes. Na loja Vidros Venini, em Veneza. Agora, a impressão de estar num sonho adquiriu as proporções de um pesadelo. A jovem começou a atravessar a porta e depois parou, como se para verificar se Bond a estava seguindo. Algo na aparência dela deixou ainda mais inquieta a mente já conturbada de Bond. A jovem estava olhando não para ver se ele a seguia, mas para certificar-se de que isso estava acontecendo. Bond começou a contornar o tanque. A água era clara, a superfície ligeiramente agitada pelo filete de água que caía suavemente do70outro lado. Somente um alarmista teria ficado desconfiado. Mas Bond era um alarmista quando se tratava de sua vida. Observou o padrão das pedras no chão ao redor do tanque e virou-se bruscamente quando mais dois vultos se materializaram através da folhagem. Eram jovens vestidas como a primeira. Reconheceu-as prontamente. Duas aprendizes de astronauta que encontrara na Califórnia. Fitaram-no com rostos sorridentes e expectantes, como se aguardassem que fizesse alguma coisa. Ele virou-se novamente para a primeira jovem. Ela ainda estava na ponte. E também estava sorrindo. Esperando.Bond pôs o pé numa pedra à beira do tanque e no mesmo instante percebeu que algo estava errado. A pedra não estava presa, mas balançando sobre o vazio. Antes que ele pudesse se recuperar da surpresa, a pedra se elevou no ar e arremessou-o na água. Bond bateu na água já partindo para o outro lado do tanque. Posteriormente, teve a impressão de que começara a nadar quando ainda estava em pleno ar. Quem quer que o quisesse dentro daquele tanque não estava muito preocupado com o seu nível de colesterol.As suas mãos tinham acabado de bater na rocha quando uma força que parecia uma correia de aço lhe envolveu o peito. Bond foi puxado para trás e teve um vislumbre aterrador do que lhe acontecera. Erguendo-se diante de seus olhos estava a boca horrenda de uma gigantesca anaconda. Os anéis comprimiam-lhe o peito e ele pôs-se a gritar antes de ser arrastado para o fundo. A pressão em seu peito poderia ter sido aplicada por um imenso torno. Parecia que a qualquer momento o tórax ia arrebentar, os pulmões seriam esmagados, numa massa informe de ossos quebrados, carne e sangue.Bond debateu-se e golpeou com as mãos, mas a força da serpente era grande demais para ele. O ar estava sendo inexoravelmente expelido de seu corpo. Bond engoliu um pouco de água e começou a entrar em pânico. Os dedos tatearam no fundo do tanque e encontraram uma pedra. Agarrou-a e desferiu um golpe contra a boca horrenda que balançava na sua frente. Acertou em cheio na cabeça da jibóia e a pressão em seu peito relaxou um pouco. Com um novo alento de esperança, Bond começou a lutar para livrar-se dos anéis que o envolviam. Seus dedos roçaram novamente o lado do tanque. No instante seguinte, os anéis voltaram a se apertar, contraindo-se como se fossem molas. O peso imenso da serpente arrastou-o para baixo. Além dos anéis que o envolviam, Bond avistou mais três metros de serpente, batendo na água furiosamente.70Debatendo-se freneticamente, ele enfiou os dedos no bolsinho da túnica. Como uma imagem subliminar, viu a caneta que pegara no quarto de Holly, em Veneza. Os dedos se fecharam na ponta da caneta e ele puxou-a, dobrando a mão. Quando as costelas tortu-radas pareciam prestes a se encontrar sob a pressão, ele forçou a ponta da caneta contra a carne da serpente e comprimiu a outra extremidade. Segundos se passaram e nada aconteceu. A pressão não se afrouxou, a serpente ainda estava tentando forçá-lo a abrir a boca, a fim de que se afogasse. Depois, subitamente, o corpo enroscado era um

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peso destituído de força. Bond desvencilhou-se com algum esforço e sentiu que o tórax se expandia. A serpente ficou pairando na água, como que em suspensão. Ainda se contorceu três vezes, convulsivamente, depois ficou imóvel.Bond nadou até a beira do tanque e se segurou ali, sentindo uma dor intensa ao respirar. Finalmente saiu da água e fechou os olhos, respirando fundo. Ao tornar a abri-los, foi para deparar com uma pequena montanha de couro molhado diante de seu rosto. O couro tinha um brilho opaco e pertencia à biqueira de um sapato. Por cima do sapato, havia um verdadeiro tronco, todo molhado, que formava a perna de uma calça. E por cima da perna da calça estava Tubarão. Ele estava com a boca aberta, os dentes de aço à mostra num sorriso tenebroso, que parecia irreal, num mundo irreal. Bond descansou a cabeça nas mãos e procurou normalizar a respiração. Algo lhe dizia que ia precisar de todo o ar de que pudesse dispor, dos últimos recursos de energia.— Mr. Bond. . . — A voz ecoou lá de cima e tinha um tom de pesar genuíno. — . . .desafia todos os meus esforços de planejar-lhe uma morte divertida.A mão de Tubarão se abaixou e suspendeu Bond como se fosse um brinquedo sendo retirado de uma banheira. Com uma facilidade desdenhosa, Tubarão jogou-o diante do dono da voz.Drax desceu alguns degraus do que provavelmente era um ponto de observação.— Por que terminou o combate tão sumariamente?— Descobri que ela estava querendo me apertar demais. Drax passou a mão pela frente da túnica preta de seda, comose o comentário de Bond fosse uma partícula de poeira de que estivesse se livrando.— Sempre gracejando, Mr. Bond. Deve ser uma característica do ânimo forte dos ingleses, sempre rindo diante da adversidade. Pois posso prometer-lhe que terá muito do que rir. Será interessan71te observar se o seu senso de humor persistirá.Ele sacudiu a cabeça para Tubarão e depois virou-se bruscamente. Tubarão estendeu a mão e Bond cambaleou para a frente. Os rostos familiares de duas outras moças apareceram e Bond notou que partilhavam uma expressão comum com as três primeiras: desapontamento.— Lamento muito o que fiz com o bichinho de estimação de vocês — comentou Bond.As jovens fitaram-no friamente e seguiram adiante, como damas de honra num casamento.Drax foi na frente, encaminhando-se para uma porta dupla de metal, que se abriu à sua aproximação, revelando uma cena que contrastava inteiramente com a calma de estufa da câmara de vidro. Fileiras de técnicos estavam sentados diante de telas de monitores e os sons de vozes gritando informações técnicas ressoavam como o troar dos corretores num pregão de bolsa de valores. Bond percebeu rapidamente que todas as telas de monitores tinham uma coisa em comum. Revelavam diferentes estágios de foguetes sendo preparados para lançamento. E era evidente que os foguetes estavam preparados para levar algo ao espaço. Bond observou as garras gigantescas se afastarem lentamente da espaço-nave e pôde ler as letras familiares na fuselagem: MOONRAKER. Novas palavras e símbolos fluíam incessantemente para as telas e Bond compreendeu que estava observando os preparativos não apenas para um, mas para vários lançamentos espaciais. Virou-se para Drax, que olhava ao redor como um bispo numa catedral que acabara de ser consagrada.— Que diabo está fazendo aqui, Drax?Drax não se dignou a fitá-lo. Levantou uma das mãos rudes e acariciou os pêlos vermelhos do rosto, pensativo.— É uma convenção do tipo de ficção apreciado por solteironas a de que o vilão explica tudo antes de liquidar a vítima. Não tenciono seguir o precedente.— Não pode nem mesmo dar um esclarecimento sumário, Drax?Drax desviou os olhos do movimento da câmara de controle e contemplou uma campânula de vidro numa alcova. Nos tempos vitorianos, haveria por baixo da campânula um arranjo de passarinhos coloridos, empalhados. Agora, havia uma linda orquídea negra, as pontas avermelhadas, como se mergulhadas em sangue. Bond reconheceu o slide que Q mostrara: a Orchidaceae negra.71

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Sob a olhar vigilante de Tubarão, Bond foi postar-se ao lado de Drax.— O que me diz daquela orquídea? Drax falou mais para si mesmo:— A maldição de uma civilização. Não foi a peste nem a guerra que extinguiu a raça que construiu a grande cidade ao nosso redor. Foi a reverência dispensada a essa flor maravilhosa.Bond contemplou novamente a orquídea. Por trás da beleza da superfície, havia uma impressão de mal, transmitida mais sutilmente do que através da cor. O próprio formato da flor lembrava o de um louva-a-deus. "Chegue muito perto de mim e eu o devoro", parecia dizer a orquídea. Mesmo dentro do coração da flor havia um minúsculo rosto fetal, tão comprimido que parecia estar chorando de dor e desespero, como se lamentasse uma vida que nunca poderia ter.— A flor é venenosa — comentou Bond.— A longo prazo, é mesmo — disse Drax. — A exposição ao seu pólen provoca a esterilidade. Os infelizes maias nunca chegaram a compreender isso. Através de cada crise de sua civilização em declínio, idolatravam a flor que era a responsável por sua des-truição. Não acha um fato pungente?— Mas acrescentou algumas melhorias à esterilidade, não é mesmo, Drax?Drax sorriu:— Se prefere utilizar um fraseado tão exótico, foi exatamente o que fiz. Como provavelmente observou em Veneza, essas mesmas sementes agora geram a morte.— Exceto nos animais.— E nas plantas também. — Drax abriu os braços. — É preciso preservar o equilíbrio da natureza. Não quero que ninguém jamais me acuse de não ser um ecologista.O sorriso dele era como uma rachadura num túmulo.— O programa de lançamento do Moonraker está sendo iniciado agora.A voz que saía pelo sistema de alto-falantes abafou temporariamente o burburinho que inundava a câmara. Drax olhou para uma das telas e Bond seguiu-lhe o exemplo.— Chegou num momento oportuno, Mr. Bond.A voz era um murmúrio satisfeito. Bond avistou uma ampla extensão da calota polar ártica. Não havia o menor sinal de presença humana. Outra voz soou pelos alto-falantes:72— Moonraker I, decolar!No mesmo instante, a crosta de gelo despedaçou-se e a tela foi invadida por uma claridade intensa. Através da claridade, apareceu o nariz de um foguete, ao qual estava ajustado o ônibus espacial Moonraker. O conjunto se ergueu no ar lentamente e depois disparou para o céu, deixando uma esteira de fumaça e chamas. A cena mudou imediatamente para uma extensão de deserto árido.— Moonraker II, decolar!Um balbuciar excitado dos técnicos acompanhou o aparecimento de um segundo foguete, acoplado ao ônibus espacial. Os estágios finais da contagem apareceram na tela e os monitores ao redor da câmara informaram as variações de temperatura e pressão. Bond olhou para Tubarão. O gigante estava observando a cena, de olhos arregalados, boquiaberto, como uma criança contemplando uma árvore de Natal iluminada.— Moonraker III, decolar!A tela mostrou uma cordilheira, e um terceiro conjunto de foguete e ônibus espacial apareceu e subiu.O espanto de Bond era quase tão grande quanto o de Tubarão, somando-se a isso uma crescente sensação de alarme. Por que aqueles ônibus espaciais estavam sendo lançados em órbita? O que Drax planejava fazer? Durante todo o tempo, no fundo da mente de Bond, estava a imagem do que ele vira no laboratório na loja de vidros. Os dois cientistas caindo ao chão, as mãos comprimindo a garganta. Os ratos guinchando em suas gaiolas...Bond olhou novamente ao redor e constatou que tanto Tubarão como Drax estavam inteiramente absorvidos pelo que acontecia nas telas. Começou a se afastar para o lado, furtivamente, até sentir algo se comprimir contra suas costelas. Um guarda com uma submetralhadora obrigou-o a voltar, bruscamente. Drax dirigiu-se a Bond, sem virar a cabeça:

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— Posso perfeitamente compreender o seu desejo de deixar-nos, Mr. Bond. Na verdade, até o endosso. Contudo, só irá quando eu quiser. Meu gênio exige o respeito de um pouco de atenção.Bond leu a mensagem inequívoca nos dentes reluzentes de Tubarão e virou-se novamente para as telas. Estava agora olhando para um atol no Pacífico. Palmeiras estremeceram e depois desapareceram, quando um clarão ofuscante se espalhou pelas telas. Apreensivo, Bond recordou-se de um outro atol no Pacífico.— Já efetuamos os lançamentos — disse uma voz satisfeita, pelo sistema de alto-falantes.73A cauda incandescente do foguete desapareceu no alto da tela. Uma densa nuvem de fumaça começou a se dissipar e as palmeiras trêmulas cessaram o ataque de histerismo. A tela se apagou.— Quatro ônibus espaciais lançados ao espaço? — indagouBond.— Seis — respondeu Drax bruscamente.Ele virou-se para um técnico, sentado diante de um tubo de raios catódicos, no qual círculos de luz convergiam para um centro reluzente, que pulsava a intervalos de um segundo. O técnico falou por um microfone no peito:— Moonraker V em preparativos para o lançamento. Menosdez.A contagem regressiva começou a ser projetada num painel eletrônico, enquanto outro técnico falava por seu microfone:— Moonraker VI em preparativos para o lançamento. Menos dois-zero.Bond virou-se para Drax.— O Moonraker que estava a caminho de Londres e desapareceu sobre o Alasca foi seqüestrado por você, não é mesmo?Os olhos de Drax percorreram os monitores.— Usa a linguagem dos tablóides sensacionalistas, Mr. Bond. Vamos dizer que recuperei minha propriedade. Foi uma lamentável necessidade. Um dos Moonrakers que eu pretendia usar neste programa apresentou uma falha técnica impossível de ser corrigida. E eu não tinha condições de adiar a operação. — Ele fitou Bond e um ponto vermelho surgiu-lhe nos olhos. — Como sabe, não sou afamado pela paciência.— E que operação é essa?Drax sustentou o olhar de Bond por dois ou três segundos e depois sacudiu a cabeça bruscamente.— Não, Mr. Bond. Já me distraiu por tempo suficiente. — Virou-se para Tubarão. — Mr. Bond deve estar sentindo frio depois do mergulho que deu. Coloque-o num lugar em que ele possa se esquentar.Tubarão exibiu dois dedos de sorriso metálico, como se partilhasse uma piada particular, empurrando Bond na direção de uma rampa que descia para o interior da pirâmide. Bond virou a cabeça para fitar seu captor.— Até mais tarde, Drax.A voz que lhe respondeu era como uma navalha afiada, en73volta em veludo:— Talvez voltemos a nos encontrar fugazmente, Mr. Bond.Ao final da rampa, havia um labirinto de corredores maliluminados. Bond sentiu a mão de Tubarão segurar-lhe o braço e empurrá-lo na direção de uma pesada porta de madeira, reforçada por barras horizontais de metal. A pressão da mão de Tubarão informava-o de que não adiantaria tentar escapar. Duas trancas foram empurradas para trás e a porta se abriu apenas o suficiente para a passagem do corpo de Bond. Com um empurrão brusco, Bond foi se chocar contra a parede do outro lado, enquanto a porta era fechada às suas costas.— James!Bond virou-se para deparar com Holly lançando-se em sua direção. Segurou-a pelos ombros e fitou-a nos olhos.— Graças a Deus que você está sã e salva. Está mesmobem?

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— À exceção de alguns machucados, estou bem. E você?— A mesma coisa.Ele correu os olhos pela câmara alta, arqueada, mobiliada com uma grande mesa circular, cercada por cadeiras. Parecia uma sala de reuniões, só que sem janelas.— Onde estamos?— Não tenho a menor idéia. Não saí deste lugar desde que me trouxeram para cá.Bond olhou para o teto alto, que se estendia muito acima de suas cabeças. Dava quase a impressão de estarem no fundo de umpoço.— Drax está lançando meia dúzia de Moonrakers. Quatro já partiram.— Sabe por quê?— Era o que eu ia lhe perguntar. Holly sacudiu a cabeça.— E onde estão os outros dois Moorakers? Bond começou a andar pela sala.— Creio que devem estar em algum lugar perto daqui. Temos de sair para localizá-los.— Permita que lhe poupe esse trabalho, Mr. Bond.A voz pertencia a Drax e ressou de algum lugar muito acima. No mesmo instante, o teto por cima deles se abriu ao meio, as duas bandas começando a deslizar para trás. Bond prendeu a respiração. Estava olhando para os tubos ameaçadores de sete potentes74motores de foguetes. Um ônibus espacial Moonraker e o foguete propulsor a que estava acoplado erguiam-se verticalmente por cima da prisão de paredes íngremes, sustentados por gigantescos braços de metal. Bond compreendeu o comentário de Drax para Tubarão, de que o levasse a um lugar em que poderia se esquentar. Holly e ele estavam no interior da câmara de descarga para lançamento de foguetes. Enormes painéis no teto da pirâmide deslizaram para trás, revelando o céu lá em cima, tão distante quanto a esperança de escapar.— Mesmo na morte, a minha generosidade é ilimitada. — A silhueta rude de Drax apareceu à beira do poço. As mãos se movimentaram pelo ar suavemente. — Quando este foguete partir, estarei presenteando-os com um crematório particular.Ele levantou um braço e um elevador começou a descer da abertura na cabine do Moonraker.— Dra. Goodhead, Mr. Bond: meu adeus.Drax fez uma saudação zombeteira e entrou no elevador. Com um zumbido distante, o aparelho pôs-se a subir pelo ar. Bond olhou para os tubos da morte do foguete, pensando nas nuvens de chamas que vira sair dos motores dos outros foguetes. Quando o Moonraker V partisse, levando Drax, eles seriam reduzidos a cinzas, em questão de segundos.— Moonraker V, quatro minutos para a partida.A voz do técnico ressoou pela câmara como a de um assistente de agente funerário. Bond evitou o olhar desesperado de Holly e recomeçou a examinar as paredes da câmara. A atmosfera não era sufocante, apesar da aparente ausência de ventilação. Ele começou a empurrar um arquivo de aço encostado numa parede.— O que está querendo fazer? — perguntou Holly, angustiada. — Acha que podemos escalar a câmara para sair daqui?— Não, não podemos subir por essa parede. Mas estou procurando um tubo de ventilação.Bond ficou de joelhos ao encontrar uma abertura quadrada na parede, a pouco mais de um palmo do chão. Olhou através das barras de metal e verificou que o tubo de ventilação era estreito e devia ter uns dez metros de comprimento. Mais além, aparecia a folhagem da selva, sedutoramente. Bond segurou as barras e rangeu os dentes. Puxou-as com toda a força, até o suor escorrer-lhe pelo rosto, mas as barras não se mexeram. Holly ajoelhou-se ao lado dele, a esperança se desvanecendo em seus olhos.— Três minutos para o lançamento.74Talvez fosse imaginação de Bond, mas parecia haver um tom de zombaria no comunicado do técnico através do sistema de alto-falantes. Os braços de metal estavam sendo retirados, um a um. O elevador e sua torre móvel não mais podiam ser vistos do fundo do poço. O mais sinistro de tudo era o fato de jorros de fumaça começarem a sair dos motores do foguete. Toda a estrutura estava agora zumbindo de atividade.

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— Não consegue movê-las?Bond não respondeu, empurrando Holly para trás. Mexeu rapidamente no relógio, e Holly viu o que parecia ser uma mola enroscada saindo pelo lado, puxando um fio delgado. Parecia uma aranha descendo por um fio de teia. Bond ajoelhou-se e rapidamente prendeu o pequeno círculo de metal no ponto em que uma das barras emergia da parede. Houve um estalido quase imperceptível. Bond acenou para que Holly se afastasse ao máximo e depois foi postar-se ao lado dela. O fio continuava a sair do relógio.— Dois minutos para o lançamento.Agora, mal dava para se ouvir a voz do técnico, em meio ao zumbido que emanava do foguete e aumentava de intensidade a cada segundo. O cheiro horrível da descarga das turbinas lhes irritava a garganta. Bond comprimiu-se contra a parede e levou a outra mão ao relógio. Holly olhou primeiro para ele, com uma expressão irônica, e depois para o fio.— O que devemos fazer? Puxar?— Empurrar.Bond comprimiu um dedo contra o relógio e um ponto de luz vermelha avançou velozmente pelo fio. Houve uma violenta explosão e uma nuvem de fumaça saiu do tubo de ventilação. Bond seguiu para a frente, enquanto o pavio cortado voltava para o inte-rior do relógio. A grade fora destroçada, restando apenas algumas pontas de metal. Bond apontou para a abertura.— Vá na frente!Seus olhos estavam lacrimejando, ele começava a sufocar. Os vapores turbilhonavam ao seu redor. Toda a estrutura do foguete vibrava incessantemente. A voz do sistema de alto-falantes anunciou implacavelmente o estágio seguinte, o da contagem regressiva.— Um minuto para o lançamento.O repicar de sinos do Juízo Final ressoava nos ouvidos de Bond quando ele entrou no tubo de ventilação, começando a se arrastar atrás de Holly. Em menos de sessenta segundos, uma lín75gua de fogo implacável estaria perseguindo-os, assando-os vivos, como se fossem um churrasco. Uma ponta de metal arrancou-lhe um naco do joelho, mas ele mal notou. Às suas costas, podia ouvir o rugido do foguete aumentando, aproximando-se do ponto de ignição. O guincho estridente transformou-se num troar ensurdecedor. Ele esbarrou em Holly e gritou-lhe para que avançasse mais depressa. As mãos estavam sangrando. O corpo de Holly obstruía a passagem de ar e luz. Não podia ver nada à sua frente. Com uma nova pontada de horror, sentiu que o tubo de ventilação estava se estreitando. Os ombros roçavam em pedras dos dois lados. Deviam restar ainda uns cinco metros para chegarem ao final. Naquele momento, convenceu-se de que jamais iriam conseguir.— Dez. . . nove. . . oito. . .Em algum lugar, atrás deles, o juiz estava gritando a contagem regressiva sobre um pugilista caído. Bond imaginou o fogo a avançar entre suas pernas e sentiu vontade de gritar de horror.— Seis. . . cinco. . .A frente dele, Holly subitamente desapareceu. Ele avistou um quadrado de luz esverdeada e outro tubo que se juntava àquele em que estavam, num ângulo reto.— Três. . . dois. . . um. . . ignição. .. disparar!Bond fez um supremo esforço e seguiu Holly para o túnel lateral. Mal havia se comprimido pela abertura quando uma chama alaranjada passou ruidosamente, fazendo-o gritar de dor. Ele ouviu o barulho dos cabelos queimando e sentiu o cheiro de pano chamuscado de suas roupas. A dor era angustiante, e por segundos ele pensou que fosse morrer. Depois, a chama desapareceu tão subitamente quanto surgira, restando apenas uma baforada de fumaça acre. Em algum lugar distante, um rugido aumentou brus-camente de intensidade, para depois se desvanecer. Bond tateou a carne queimada e estremeceu de dor. Materiais carbonizados estavam grudados em sua pele e ele não podia imaginar até que ponto os ferimentos eram graves.— James!Bond empurrou Holly.— Continue em frente. Estou bem.

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Ele rangeu os dentes para controlar a dor e tentou encontrar algum consolo no fato de que, em algum lugar perto deles, havia uma fonte de luz e ar. A abertura que encontraram era uma grade, dando para uma platibanda rochosa. A luz era artificial, de uma lâmpada presa na rocha, ao lado da grade. Bond ouviu o barulho76de um veículo a motor passar por ali, logo seguido por outro. O sistema de alto-falantes, muito distante, era quase inaudível. Bond presumiu que deviam ter chegado a algum túnel que saía da câmara de controle. Holly ficou esperando ao lado da grade, enquanto Bond a atacava com os dedos ensangüentados. Aquela grade era de arame trançado e ele não teve maiores dificuldades em arrombá-la. Rastejou para a platibanda rochosa e ficou imóvel, sentindo o bálsamo confortador do ar fresco em seu rosto. Lentamente, al-gum arremedo de vida retornou aos membros entorpecidos. Com isso, retornou também a responsabilidade de ação. Até agora, nada haviam conseguido, a não ser a salvação de suas próprias vidas. Mas Bond vira o bastante para saber que muitas vidas estavam emjogo.— Moonraker VI, concluídos os testes do programa de pré-lançamento. Os pilotos devem seguir para a área de lançamento.A voz que saía pelo sistema de alto-falantes soava fraca mas nítida aos ouvidos deles. Mal a voz havia se calou, um veículo aberto apareceu por baixo do lugar em que Bond estava, transportando doze dos astronautas que ele vira em treinamento na Califórnia. Seis homens e seis mulheres. Usavam túnicas brancas e seus rostos, iluminados pela lâmpada, eram sombrios e determinados. O veículo seguiu adiante.— Vamos embora.Bond esqueceu inteiramente a dor das queimaduras e desceu para o túnel largo. Levantou a mão para Holly, mas ela já estava ao seu lado. Outro veículo se aproximava, vindo da mesma direção da qual os astronautas tinham surgido. Bond cutucou Holly.— Fique preparada. Temos de pegar uma carona.Um jipe apareceu no túnel e a visão dos dois passageiros sentados atrás do motorista fez o coração de Bond parar por um instante. Estavam usando os trajes operacionais de astronautas, carregando capacetes. Bond pulou na frente do jipe e abriu os braços. O aturdido motorista pisou no freio e o jipe derrapou até parar.— Que diabo estão querendo?A reação espontânea do motorista veio uma fração de segundo antes de ele compreender que havia algo errado com a aparência de Bond. A essa altura, Bond já contornara calmamente o jipe, acertando-lhe um golpe violento no lado do queixo. Enquanto o homem caía para trás, Holly pegava a submetralhadora que estava ao lado dele. Os dois astronautas, prejudicados pelos trajes espaciais, mal tiveram tempo de se recuperar da surpresa, antes de serem76postos sem sentidos por uma cutelada de caratê de Bond e um golpe com a coronha da arma habilmente desfechado por Holly. Bond arrancou o motorista do jipe, enquanto Holly sentava ao volante e levava-o para uma reentrância escura. Ela desligou o motor e Bond fitou-a com uma expressão de admiração.— Está certo — disse ele. — Calculo que temos cinco minutos.Quatro minutos depois, o jipe tornou a partir, com duas pessoas em trajes de astronautas no banco da frente. Avançou pela passagem larga e depois de alguns minutos, com uma breve hesitação num cruzamento, emergiu do túnel escuro numa câmara intensamente iluminada, fervilhando de atividade. Numa das extremidades, erguendo-se imponentemente, estava o Moonraker VI, com seu tanque de combustível acoplado ao foguete que o lançaria em órbita. Vigas de aço recurvadas estavam encostadas na estrutura, como dedos protetores. Recuaram ao mesmo tempo, enquanto o jipe deixava o túnel. Os imensos motores do foguete começaram a vibrar, emitindo um guincho estridente, igual ao que caracterizara o pré-lançamento do Moonraker V. O elevador móvel, encostado na cabine do ônibus espacial, estava começando a descer. Uma porta por cima do compartimento de passageiros se fechou e o veículo que transportara os doze astronautas recuou.Dois guardas armados se adiantaram e um deles levantou o braço, quando o jipe se aproximou do elevador. Ele estendeu a mão e, por alguns segundos, nem o motorista nem a pessoa a seu lado tiveram qualquer reação. Depois, o motorista levou a mão ao

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bolsinho do peito do uniforme e tirou o cartão de identidade, com a fotografia. O outro astronauta fez a mesma coisa. O guarda olhou para os cartões.— Demoraram um bocado, hem? Por acaso pararam para dar uma mijada?O motorista assentiu e estendeu a mão para pegar o cartão de volta. O guarda hesitou por um instante, mas acabou devolvendo-o. Recuou em seguida e o jipe continuou a avançar para o elevador à espera. A estrutura conjunta da espaçonave e do foguete pro-pulsor erguia-se pelo ar, quase roçando o teto da câmara. Houve um rangido e o teto se abriu, para revelar um losango de céu azul. Os dois astronautas saíram do jipe e entraram no elevador. Com um silvo de ar comprimido, o elevador deixou o chão. Dois pares de olhos correram por toda a área ao redor, cautelosamente. Por trás do vidro da sala de controle, os monitores transmitiam imagens,77números, informações de toda espécie. O burburinho incessante de vozes espalhava-se pelo espaço aberto, sendo ouvido até mesmo acima do barulho das turbinas.— Quatro minutos para o lançamento. Dessa vez, o tom era calmo e controlado.O elevador parou com um solavanco diante da portinhola aberta da cabine de controle do Moonraker. As duas pessoas em uniformes de astronautas ergueram o braço para a sala de controle, como dois jogadores de futebol agradecendo os aplausos dos torcedores, antes do início da partida, abaixando-se depois para entrarem no ônibus espacial.— Três minutos para o lançamento.O primeiro piloto sentou num assento acolchoado e prendeu-se devidamente. Apertou um botão que inclinou o assento para trás, de forma a ficar de frente para o caminho que o Moonraker iria percorrer, as costas paralelas à Terra.— Dois minutos para o lançamento.A portinhola se fechou e houve um ruído sibilante que a lacrou hermeticamente. Bond virou-se para Holly, que estava se ajustando no assento ao lado. Ela rapidamente estendeu o braço para desligar um interruptor.— Não diga nada. Estamos num circuito fechado, até o lançamento. — Bond assentiu e a voz de Holly relaxou: — Não precisamos fazer nada. Estamos num vôo programado.Ela tornou a ligar o interruptor e Bond pôde ouvir novamente o som da contagem regressiva interrompida:— ... torze. . . treze. . . doze. . . onze. . .Bond cruzou as mãos sobre o peito e olhou para os mostradores em atividade à sua frente. Por toda parte havia vibração, movimento, ruído, pairando acima de tudo o ru-gido aterrador dos tanques de combustível, preparando-se para o momento de ignição.— Oito. . . sete. . . seis. . . cinco. . .Bond sentiu-se subitamente apavorado. Era um medo fisicamente doloroso. Estava prestes a ser lançado no espaço, sem a menor idéia do destino ou o que poderia acontecer quando chegasse... se chegasse.— Três. . . dois. . . um. . . ignição. . . disparar!Os ombros de Bond se curvaram, acompanhando os contornos do assento. Sentiu o foguete se desprender da base e começar a se elevar lentamente no ar. Pelas janelas da cabine, podia ver a fumaça e a poeira subindo pelo ar. A sala de controle estava obs77curecida. Dentro de segundos, estaria exposto à pressão terrível da força G, que quase acabara com a sua vida no aparelho centrifugador. As agulhas nos painéis de controle sacudiam-se freneticamente. A velocidade começou a aumentar. Ele sentiu que o estômago estava sendo empurrado para baixo do corpo, na extremidade de um bastão de metal em brasa. James Bond fechou os olhos.7715Encontro no espaçoDepois de um tempo indefinido, Bond abriu os olhos. Somente uma ligeira vibração da fuselagem sugeria movimento. Ao lado dele, Holly inclinou-se para a frente e apertou uma fileira de botões. No mesmo instante, telas situadas perto do teto mostraram imagens dos outros Moonrakers.— Aí está o resto da frota.Bond olhou para os instrumentos, com uma expressão de incredulidade.

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— E não precisamos fazer nada?— Não podemos fazer nada. Estamos presos a uma programação de vôo fixada. Para rompê-la, passando ao comando manual, teríamos de chamar o controle.— O que não é uma boa idéia. Por acaso sabe para onde estamos indo?Holly apertou mais alguns interruptores e um monitor mostrou diversas linhas pontilhadas, superpostas.— Não. Mas estamos todos seguindo para o mesmo ponto de encontro no espaço. Teremos apenas de esperar para descobrir.Bond olhou pela janela ao seu lado e prendeu a respiração. Acima deles, através da névoa delgada, podia contemplar o que parecia uma página do atlas. Lá estava o istmo da América Central, perfeitamente reconhecível. A sensação de isolamento provocada78pela vista foi profunda. Estavam voando de cabeça para baixo. O desconhecido se estendia à frente deles. Bond se perguntou se conseguiriam mesmo voltar.Uma luz no painel de controle começou a piscar e Holly falou com um tom de advertência:— Não fique alarmado. Vamos agora nos desfazer do tanque de combustível e virar.Houve um ruído como o de um trem de aterrissagem sendo recolhido e a fuselagem teve um estremecimento convulsivo, como se estivesse se livrando de algum peso que a estorvava. A Terra pareceu girar, até ficar por baixo deles. Bond sorriu para Holly.— Quando penso em todas as mulheres que conheço que seriam inteiramente inúteis numa viagem como esta. . .Holly falou com uma aspereza zombeteira:— Não comece a me falar a respeito delas.Ela se inclinou para a frente e empurrou outro interruptor. Um monitor diretamente à frente dos assentos mostrou a imagem dos doze astronautas, em duas fileiras de seis, uma de frente para a outra. No instante seguinte, homens e mulheres se dividiram em pares.— O pessoal do porão — comentou Holly. — Estão atrás denós.Os olhos de Bond se estreitaram.— E os animais seguiram aos pares. Holly fitou-o ironicamente.— Como assim?— Alguma coisa nesta operação me faz lembrar a Arca deNoé.Bond inclinou-se e apontou para um ponto na tela. No canto da câmara, um homem e uma mulher estavam furtivamente de mãos dadas.— O amor está no ar — murmurou Holly.— É possível que você esteja certa. Talvez o espaço tenha o mesmo efeito na libido que um cruzeiro oceânico.— Eis algo que não foi registrado nos diários de bordo que jáli.Os olhos de Holly continuaram a vasculhar o painel de controle e os monitores. Bond recostou-se no assento. Não havia nada a fazer a não ser esperar. Mesmo a dor das queimaduras não podia conter o seu desejo de tirar um cochilo. Ele fechou os olhos.Ao despertar, descobriu que Holly continuava a examinar as78telas e controles. As imagens dos outros Moonrakers estavam se aproximando.— Estamos convergindo — comentou Holly.Bond olhou para as telas. Os bips nos monitores estavam se aproximando dramaticamente do centro.— Vamos mesmo nos encontrar no espaço?Antes que Holly pudesse responder, Bond foi lançado para diante no assento. A velocidade do Moonraker mudara, como se estivesse sendo impelido por mãos gigantescas.Quase imediatamente houve uma sensação de movimento, que não durou muito.— Foram os foguetes de controle — comentou Holly calmamente. — Estamos entrando em órbita.

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Bond sentiu-se aliviado e olhou para a frente, além do nariz do ônibus espacial. Um ponto de luz intensa apareceu na escuridão fantástica.— O que é aquilo?Holly estudou a tela do radar e Bond pôde reconhecer a curvatura da superfície da Terra. Foi outra vez dominado por uma sensação terrível de isolamento. O rosto de Holly estava aturdido.— Não está aparecendo nada!Bond olhou atentamente, procurando penetrar a escuridão do espaço. Lentamente, uma forma foi se tornando discernível. Era um globo luminoso, do qual se projetavam seis braços tubulares, com globos satélites nas extremidades. A cada segundo, os detalhes iam se tornando mais definidos, um volume imenso, como um mobile gigantesco, emergindo da sombra da Terra. Uma antena em formato de pires estava montada por baixo do globo.— Uma estação espacial — murmurou Holly.— Parece mais uma cidade. — Bond olhou outra vez para a tela do radar, mas nada aparecia. — Por que não estamos captando nada? O radar não está funcionando?Holly efetuou rapidamente um exercício de verificação.— Está funcionando, sim. Drax deve ter um sistema de anulação de radar.O tom de Bond era pensativo:— Quer dizer que ninguém sabe que a estação espacial estáaqui?— Não. — Holly fitou-o. — Em que está pensando?— Em muitas coisas. E quase tenho medo de pensar nelas. Diante deles, a luz tocava em muitas superfícies da estação79espacial, que faiscava como uma coroa de pedras preciosas flutuando serenamente no espaço. Bond olhou para o lado e avistou outro Moonraker encurtando a distância que os separava. As linhas pontilhadas nos monitores estavam se entrelaçando como as estacas de uma tenda índia."Todos os Moonrakers devem se preparar para iniciar a seqüência de atracamento."A voz desencarnada deixou Bond tenso de expectativa. Outro Moonraker aparecera além da estação espacial. Os ônibus espaciais estavam cercando a estrutura como peixes cautelosos em torno de uma isca. Holly concentrou-se na bateria de controles. Bond sorriu.— Mas que moça de pendores domésticos. . .— Sabe o que estou pensando, Mr. Bond?Holly falou pelo canto da boca, afastando desdenhosamente da testa uma mecha de cabelos."Moonraker VI, está agora sob controle manual. Preparar para atracar." A voz voltou a sair pelo alto-falante, a transmissão crepitando. Holly manobrou uma alavanca de controle e Bond sentiu a nave encaminhando-se para um dos satélites. Por cima de uma série de discos concêntricos, estava pintado o algarismo VI."Moonraker VI, inicie a seqüência de atracamento."Holly avançou ainda mais com o Moonraker VI e um tubo de atracamento se estendeu para receber o ônibus espacial. Holly levou o Moonraker para o lado. Pela janela, Bond pôde avistar um segundo ônibus espacial já atracado no satélite. Um astronauta de capacete, flutuando na ausência de peso da gravidade zero, entrou no satélite maior. Bond ficou observando, espantado, enquanto o homem flutuava pelo satélite e desaparecia num túnel que o ligava ao globo principal.— Para onde está indo?Holly abriu a correia sobre o ombro.— Ele está ativando o sistema de controle da gravidade artificial. No momento, não temos qualquer gravidade. Estaríamos flutuando como balões se estivéssemos lá fora. Assim que os foguetes de rotação forem disparados, a estação vai começar a girar e teremos uma gravidade artificial. Poderemos então andar mais ou menos normalmente.A expressão de Bond era sombria.— Mais ou menos normalmente até que Drax nos descubra. Ele se desprendeu e experimentou a estranha sensação de79

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ausência de peso ao tentar se levantar.— O que sugere que façamos? — indagou Holly.— Temos de encontrar o tal sistema de neutralização de radar e sabotá-lo. Assim que estivermos visíveis da Terra, mandarão alguém para investigar. Não creio que Drax esteja planejando usar a estação como uma casa de repouso."Condições de gravidade normais. Sistema de sustentação de vida em funcionamento." A voz saía claramente pelo sistema de comunicação. Uma segunda voz interveio no mesmo instante:"Moonraker VI, podem desembarcar".Bond olhou para Holly, inquisitivamente. Ela ligou o interruptor que apresentava o pessoal do porão na tela. Os astronautas estavam saindo para o satélite, Mas dois ficaram para trás. Os que estavam antes de mãos dadas. Esperaram por um momento discreto e depois se abraçaram apaixonadamente, antes de se encaminharem para a porta.— Será que vai virar um voyeur quando chegar à velhice? — perguntou Holly.— No momento, eu gostaria apenas de poder chegar à velhice. — Bond se inclinou e apagou a tela. — Vamos nos misturar aos outros. . . e tomar cuidado para não chegar perto de Drax.Do satélite, seguiram por um corredor comprido, com janelas de vidro reforçado dando para o espaço. O globo principal se elevava acima deles como o domo de uma catedral. Outros astronautas estavam saindo do compartimento inferior do segundo ônibus es-pacial. Bond manteve a cabeça abaixada enquanto avançava."Todo o pessoal para o satélite de comando. Todo o pessoal para o satélite de comando." O comunicado foi transmitido pelo sistema de alto-falantes. Bond aproximou-se de Holly e indagou:— Tem alguma idéia do que vai acontecer? Ela sacudiu a cabeça.— Nenhuma.Bond olhou para o compenetrado grupo ao seu redor.— É melhor irmos juntos. Se for um discurso de "bem-vindos a bordo", talvez possamos descobrir o que Drax está querendo. Fique ao meu lado e mantenha os olhos abertos.— Sempre mantenho os olhos abertos — disse Holly firmemente. Ela olhou por uma janela e cutucou Bond. — Como agora. Olhe só.Num ponto mais alto, à esquerda, Bond avistou outro corredor, ligando um dos satélites em que os ônibus espaciais haviam80atracado. Claramente visível, com a cabeça abaixada, mas mesmo assim quase roçando o teto, estava Tubarão. Com Drax caminhando na frente dele. Os olhos de Bond desviaram-se da dupla sinistra para um tubo que se projetava do lado do globo. Nele, como preparadas para lançamento, estavam três esferas como as que ele vira no laboratório em Veneza. Holly acompanhou o olhar dele, inquisi tivamente.— Viu essas esferas em Veneza? — indagou Bond. — Observei quando as enchiam com o gás paralisante. E duas pessoas morreram.Holly parecia alarmada.— O que é que ele está planejando?A expressão de Bond era agora sombria:— Não sei o que ele planeja fazer, mas sei o que pode fazer. Passaram por uma porta e entraram no satélite de comandoda estação espacial. Era construído em três níveis, com um poço de elevador ligando-se com o globo central. Havia diversas plataformas. Numa delas estava um instrumento gigantesco, parecendo um telescópio a sair pelo teto da câmara. Ao lado, havia um painel com três telas de monitores e diversos controles. À beira da esfera, havia um passadiço circular, com mais telas e controles nas paredes externas. Estavam sendo operados por técnicos em túnicas verdes. Janelas compridas, postadas a intervalos, mostravam o espaço e os outros satélites. Era deles que os astronautas recentemente chegados estavam vindo para a câmara, atravessando os corredores.Enquanto Bond olhava ao redor, aturdido, o elevador parou sob o telescópio gigantesco e Drax saiu. Assim que ele apareceu, as luzes diminuíram de intensidade e foi possível ver um milhão de minúsculos pontos de estrelas distantes. A impressão de estar no próprio centro do universo era devidamente transmitida. Bond estava impressionado.

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— Primeiro, houve um sonho. . . Agora, é realidade.A voz de Drax ecoava como se fosse sobrenatural, parecendo sair não do seu corpo, mas das paredes vibrantes que cercavam os espectadores. As luzes começaram a incidir sobre os rostos dos astronautas reunidos, revelando que estavam agrupados em casais. Sua beleza cuidadosamente selecionada possuía uma qualidade fria, impessoal, que aumentava ainda mais a sensação de irrealidade. Bond experimentou um desagradável calafrio na espinha. Toda a cena parecia uma apresentação teatral meticulosamente81ensaiada.Drax estendeu lentamente os braços para abranger todo o grupo. Uma penumbra de luz pairava sobre a sua cabeça, atenuando a brutalidade das feições rudes contorcidas.— Aqui, no berço imaculado dos céus, será criada uma nova super-raça. Uma raça de espécimes físicos perfeitos. Vocês foram escolhidos para progenitores. Como deuses, a prole de vocês retornará à Terra e a moldará à sua imagem.Bond olhou para Holly. A incredulidade dela espelhava a dele. As luzes continuaram a piscar. Por trás de Drax, nas sombras, puderam vislumbrar os rostos cruéis de homens armados. Com um estremecimento de horror, Bond compreendeu o que a cena lhe re-cordava: um dos comícios nazistas da década de 30. Excitamento, pompa, exibição, distorção, mentiras, genocídio. A última palavra explodiu em sua mente, com toda a sua perspectiva aterradora. Drax continuou a falar:— Mas não serão deuses comuns. Todos serviram em funções humildes no meu império terrestre. Aprenderam aquela humildade que é o atributo supremo da realeza.Bond olhou novamente para os rostos ao redor. As palavras os estavam atingindo. Queixos se levantavam, as mandíbulas cerradas em determinação. Todos esperavam ansiosamente pelo que estava para vir. Drax estendeu os braços à sua frente, os punhos cerrados. A voz se alteou lentamente, demoniacamente. Ninguém podia encontrar a menor falha na encenação ou no fervor. As palavras emergiam como se exalassem uma putrescência da alma, o que deixou Bond fisicamente nauseado.— As sementes de vocês, assim como vocês próprios, prestarão reverência ao que somente eu terei criado. A partir do primeiro dia na Terra, seus descendentes poderão levantar os olhos e saber que existe poder e ordem nos céus.Houve silêncio e depois tudo mergulhou na escuridão. Somente a luminosidade fantástica do espaço e das incontáveis estrelas era visível, como uma poeira brilhante, através das janelas. Os segundos foram passando e um globo apareceu, irradiando luz e começando a girar lentamente, como se tivesse chegado do espaço. Podiam-se reconhecer os contornos familiares da Terra, os continentes escuros contra o branco reluzente dos oceanos. Depois, numa explosão de luz, as massas de terra se definiram, ofuscantes, com um brilho etéreo, enquanto os oceanos se tornavam escuros. A impressão de renascimento era dinamicamente transmitida. Houve81um murmúrio geral de espanto que confirmou a eficácia da cena.Bond puxou Holly para bem perto de si e sussurrou-lhe ao ouvido:— É mais vital do que nunca descobrir o sistema de neutralização de radar e destruí-lo. A idéia de Drax como Deus me deixa aterrorizado. Holly apertou-lhe a mão.— É o que também sinto. Deve estar em outro nível ou num dos satélites. É melhor pegarmos o elevador.As luzes se acenderam e o globo parou de girar. Drax desaparecera. Como se deixassem um auditório depois de uma apresentação sensacional, os astronautas começaram a se dispersar lentamente, os rostos contraídos e preocupados. Bond viu uma mulher enxugando as lágrimas. Pobres coitados! Haviam recebido um condicionamento cerebral para a vitória, como uma equipe atlética colegial se prepara para a grande competição. Só que Hugo Drax era muito mais sinistro que qualquer treinador de atletismo. O que ele estava planejando destruir tinha mais de quatro bilhões de pessoas.Misturados com astronautas e técnicos, Bond e Holly seguiram por um dos túneis para o poço do elevador. Com um zunido, a porta do elevador se abriu e Bond virou-se rapidamente para fitar Holly. Ocupando o elevador, a preenchê-lo quase totalmente, estava Tubarão. Bond fingiu estar preocupado com algum detalhe no uniforme de Holly e esperou até que os olhos cautelosos dela voltassem a se fixar nos dele.— Ele já foi.

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Bond viu as costas imensas se afastarem pelo corredor e seguiu para o elevador. Havia cinco botões e ele apertou o do meio. O elevador deslocou-se lentamente pelo poço e parou.— Deve tomar cuidado. . . — sussurrou Holly.— Sei disso.Havia ocasiões em que ele desejava que as mulheres pudessem ser um pouco mais parecidas com os homens. Ninguém gostava de ser lembrado a todo instante que devia tomar cuidado. A porta se abriu e Bond adiantou-se. E se descobriu caindo no mesmo instante. Holly segurou-o.— Quando eu disse que devia tomar cuidado, estava me referindo ao fato de que chegamos a uma área de gravidade zero.O tom dela era gracioso e Bond respondeu, como se pedisse desculpa:— Vou prestar toda a atenção na próxima vez.82— Acho melhor. — Holly olhou à esquerda e à direita. — Caminhe devagar e comprima os pés firmemente. Há Velcro nas suas solas e no chão.— Quer dizer que estamos no centro da estação espacial?— Exatamente. É essa a causa da gravidade zero. Quanto mais perto estiver de. . .Holly interrompeu a preleção quando dois guardas se aproximaram, contornando a galeria. Na cintura do uniforme de combate verde-escuro estavam pendurados cilindros prateados com cerca de trinta centímetros de comprimento e oito de diâmetro. As cabe-ças dos tubos intumesciam falicamente. Bond calculou que deviam ser armas de raios laser. Os guardas pareciam inteiramente absorvidos pelo que estava acontecendo além dos painéis de observação da estrutura semelhante a um globo, rodeada pela galeria. Mal olharam para Bond e Holly.Bond esperou até que os guardas se afastassem e depois olhou também para a esfera. A princípio, pensou que estivesse olhando para baixo da superfície de uma piscina. Meia dúzia de homens e mulheres pareciam estar deslizando pela água. Só depois é que compreendeu que estavam flutuando na ausência de peso, na gravidade zero. A esfera era uma espécie de ginásio espacial. Diante dele, uma linda jovem de malha estava suspensa no ar, imóvel, como que paralisada no meio de um mergulho. Os braços estavam abertos, as costas encurvadas, os seios se fundindo graciosamente no movimento do corpo para a frente. A jovem virou a cabeça e os seus olhos se encontraram com os de Bond. Ela sorriu. Por alguns segundos, Bond esqueceu que era um homem que fumava e bebia demais e que já começava a viver além da expectativa.No instante seguinte, a mão de Holly puxou-o, como a afastar uma criança da vitrine de uma loja de doces.— Olhe para aquilo.Ela levou-o a outro painel de observação. Bond olhou e viu uma esfera menor, com dois vultos familiares: os astronautas que vira se abraçando no compartimento de passageiros do Moonraker. Estavam agora nus e flutuando na gravidade zero, como se realizassem um sensual balé de acasalamento. Uma suave luz rosada pulsava na velocidade da batida do coração e os dedos se estendiam para tocar, apalpar, acariciar. Lentamente, a luz diminuiu e os dois corpos começaram a se unir. Bond desviou os olhos do painel de observação.— Alguém está seguindo o conselho de Drax ao pé da letra.82— É incrível! — Holly respirou fundo e sacudiu a cabeça. — Simplesmente não consigo me ajustar ao que está acontecendo aqui. Parece um sonho.— Seria melhor falar em pesadelo.Bond começou a avançar e quase caiu novamente, A imagem do pesadelo retornou vigorosamente. Descobrir que as próprias pernas se movimentavam numa perpétua câmara lenta, enquanto o mal corria com a velocidade de um galgo. . . esse era o supremo horror dos pesadelos.— James, olhe! — Holly apontou para uma placa por cima de um dos corredores que se ligavam com a galeria: "Satélite 2. Unidade de Camuflagem Eletrônica". — Deve ser aqui.Bond olhou para o corredor e depois para um lado e outro da galeria. E o que viu levou-o a segurar firmemente o braço de Holly e levá-lo o mais depressa possível ao longo do perímetro do globo. Tubarão estava se aproximando deles, com um andar desajeitado.

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Felizmente, ele estava olhando para os pés, como um esquiador estreante; se não fosse por isso, teria reconhecido Bond. Um olhar para o rosto de Bond revelou a Holly que alguma coisa estava errada. Mas ela não disse nada, até chegarem a outro corredor, onde havia outra placa: "Cozinha".— Por aqui.Ela cutucou-o com o ombro e Bond viu-se seguindo na direção de uma sala intensamente iluminada, um refeitório com mesas paralelas. A sala estava repleta de astronautas e técnicos. Holly seguiu na frente para a mesa mais distante da porta, ocupada apenas por outro homem. Bond foi esfregando as sobrancelhas, pensativo, a fim de não ser reconhecido. Sentaram na extremidade da mesa, longe do outro homem, de costas para o resto da sala. Bond olhou para trás. Tubarão estava sentado junto à porta. Seria uma loucura tentar sair antes dele. Agora, mais um tempo precioso seria perdido antes que pudessem se aproximar do sistema de neutralização de radar.Bond olhou ao redor novamente e virou-se para Holly, perguntando:— Para onde temos de ir, a fim de pegarmos a comida?— A lugar nenhum.Ela apontou para uma lista de pratos impressa na mesa, com botões ao lado.— Escolha o que quiser e aperte o botão correspondente. — Indicando uma das paredes, Holly acrescentou: — Aquele é o prato83especial de hoje.Bond olhou através de um painel de vidro e avistou uma imensa posta de carne girando num espeto. Uma fileira de pratos estava colocada sobre uma estreita correia transportada. Enquanto Bond observava, um facho de luz moveu-se verticalmente pela carne e uma fatia caiu num prato. O processo foi repetido e Bond compreendeu que a carne estava sendo cortada por um raio laser controlado automaticamente. Pensou nas armas de raio laser que os guardas levavam e estremeceu.— Creio que posso resistir à carne — murmurou ele.Bond fez uma rápida seleção dos pratos e apertou os botões correspondentes. Um momento depois, pensando melhor, apertou também o botão ao lado de "Vinho tinto". Dois minutos se passaram, durante os quais ele ficou observando cautelosamente o re-flexo de Tubarão no vidro. Finalmente uma portinhola se abriu na extremidade da mesa, encostada na parede. Duas bandejas emergiram e deslizaram lentamente por uma depressão rasa no meio da mesa. Pararam diante de Bond e Holly. Houve um estalido e as duas bandejas foram automaticamente empurradas para a frente dos dois. Bond sacudiu a cabeça para Holly, com uma expressão de aprovação.— Sensacional. — Ele pegou a pequena garrafa de vinho e examinou o rótulo. — Kubrick 2001. Excelente ano.Holly sacudiu a cabeça.— Você é um homem incorrigível, Bond.— E também preocupado. Não me agrada a aparência daquelas esferas que vimos dos lados do globo maior. Assim que tivermos cuidado do sistema de neutralização de radar, vamos dar uma olhada nelas.Holly olhou friamente para Bond.— Isso é uma ordem, Major Bond? Se é, estou propensa a desobedecê-la. Meu posto é equivalente ao de coronel. Ou seja, sou seu superior, James.— Escolheu um excelente momento para lembrar-se disso. Mas está certo. Aceita uma proposta respeitosamente apresentada de tomarmos as providências necessárias para verificar se aquelas esferas contêm o gás paralisante e se estão prontas para serem lançadas?— Aceito — respondeu Holly, jovialmente. — E acho que já podemos partir agora. Ao que parece, Tubarão não é de comer muito.83— Depende do que lhe é servido.Bond apertou o botão de "recolhimento" e abriu-se um buraco na depressão central da mesa, pelo qual escorregaram as bandejas e seu conteúdo. A mesa estava pronta para receber outros comensais.Bond levantou-se e seguiu Holly para a porta. Com a aproximação do centro da estação, a sensação de ausência de peso foi se tornando mais acentuada. Saíram para a galeria e

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estavam se aproximando do corredor para o Satélite 2 quando depararam novamente com Tubarão. Ele estava inclinado para diante, olhando pensativo para a esfera de gravidade zero em que estavam os ginastas. A expressão dele era quase anelante. Estava postado em frente à placa onde se lia: "Unidade de Camuflagem Eletrônica".Bond praguejou mentalmente e tratou de subir uma escada de aço em espiral, que desembocou em outro corredor circular, com quartos sem portas. Olhou para dentro de um e verificou que continha camas, dispostas duas a duas, separadas por repartições curvas, como as pétalas de uma flor. Um casal de astronautas estava dormindo num dos cubículos, as mãos se estendendo através de uma abertura, os dedos se encostando. Bond olhou ao redor, cautelosamente.— Podemos ficar um pouco por aqui, enquanto esperamos que o caminho fique livre.Ele entrou no quarto e deitou numa das camas. Holly seguiu-o, mais lentamente. Bond comentou:— Isso traz recordações, não é mesmo?Holly sorriu. Virou de costas e ergueu os joelhos, numa posição fetal. Não havia roupas de cama, apenas um travesseiro duro. Bond repousou a cabeça nele e concentrou-se em permanecer acordado. Com as queimaduras lhe doendo, não era muito difícil.Um instante depois, outro casal entrou no dormitório e foi para o cubículo em frente, com uma ansiedade predadora. Beijaram-se ardorosamente e depois se separaram, para deitarem nas camas individuais. No mesmo instante, o homem estendeu a mão e levantou a mesinha entre as duas camas. A mesinha foi se encaixar na parede e as duas camas se juntaram, ao mesmo tempo em que as repartições dos dois lados se inclinavam e se encontravam, ocultando de olhos curiosos o que estava acontecendo por baixo. Bond podia apenas divisar dois corpos se abraçando por trás do material opaco.Ele estava se virando para Holly, a fim de observar a reação84dela, quando Tubarão apareceu na entrada do dormitório. Bond prontamente ergueu a mesinha e uma aturdida Holly descobriu-se de repente com a mão dele sobre sua boca, enquanto os painéis divisórios fechavam-se por cima dele. — Tubarão!Bond sussurrou a palavra e as unhas afiadas de Holly foram retiradas da carne nas costas da mão dele. Ela ficou imóvel, olhando, juntamente com Bond, na direção dos pés das camas. A silhueta imensa indicava que Tubarão estava parado no meio do dormitório. Por alguns segundos, ele não se mexeu. Depois, quando houve um murmúrio de prazer nas camas do outro lado, a sombra se afastou. Bond esperou mais um pouco e depois beijou Holly ternamente por trás da orelha, antes de baixar a mesa. Silenciosa-mente, os painéis voltaram à posição anterior. Não havia o menor sinal de Tubarão. Bond levantou-se e foi até o corredor. Estava vazio. Holly estava ao lado dele no instante seguinte. Tornaram a descer pela escada em espiral e percorreram a galeria. Havia bem poucas pessoas naquele nível, e entraram no túnel para o Satélite 2 sem cruzarem com ninguém. Bond aproximou-se da porta onde se lia: "Unidade de Camuflagem Eletrônica" e espiou pelo painel de vidro. No centro de uma sala circular havia um painel de circuitos eletrônicos, parecendo uma mesa telefônica. Dois técnicos de túnicas brancas estavam visíveis, sentados diante de controles, do outro lado da sala. Observavam monitores em que linhas horizontais em ziguezague se perseguiam, da esquerda para a direita. Bond virou-se para Holly e bateu com o punho cerrado na palma da outra mão. Ela assentiu.A batida na porta foi tão de leve que o primeiro técnico não ouviu, em meio ao barulho do equipamento. O companheiro cutucou-o e sacudiu o polegar na direção da porta, por cima do ombro. Houve outra batida discreta. O primeiro técnico suspirou e levantou-se. Suspirou novamente. Por que ele é quem tinha sempre de atender às batidas na porta? Olhou para o colega e se perguntou se deveria ou não levantar a questão. Mas, de qualquer forma, agora já estava mesmo de pé e não valia a pena discutir o assunto. Mas, da próxima vez, Wilson teria de atender. Ele atravessou a sala e olhou pelo painel de vidro. Uma linda jovem, em uniforme de piloto, estava parada do outro lado. Seu rosto lhe parecia vagamente familiar. O técnico apertou o mecanismo de abrir a porta e soou uma campainha. A porta se abriu no mesmo instante e a jovem entrou correndo, a caminho dos controles. O primeiro técnico virou84se para olhá-la. Foi nesse momento que ouviu outro ruído. Virou-se novamente para a porta, mas já era tarde demais. O punho de Bond acertou-o em cheio no lado do queixo e

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ele cambaleou para trás, os joelhos vergando. Outro golpe acertou no mesmo lugar e o homem foi chocar-se contra o painel central, inconsciente antes mesmo de chegar ao chão.O segundo técnico virou-se quando Holly entrou correndo na sala. Começou a se levantar, estendendo a mão para a arma de raio laser. Holly desferiu um golpe, uma violenta cutelada de caratê, que acertou no pescoço do homem. Gritando de dor e surpresa, ele desferiu um gancho com a direita. Holly esquivou-se novamente, acertando-o com o lado da mão. Dessa vez não houve ruído, exceto o do homem desabando no chão.Bond olhou para o corpo inerte, com uma admiração patente.— Onde foi que aprendeu a lutar assim? Na NASA?— Não. Na escola.Holly encaminhou-se rapidamente para o painel central e começou a puxar fios. Bond ficou de joelhos, para amarrar os técnicos. Holly pegou o projetor de raios laser e dirigiu-o contra os circuitos. O mortífero raio de luz verde incidiu sobre o metal e no mesmo instante a fumaça elevou-se pelo ar. O sistema de neutralização de radar estava se derretendo numa massa viscosa, de cheiro fétido.— Está desligado? — indagou Bond.— Podemos dizer a coisa de outra maneira: não está mais em condições operacionais.— Quer dizer que agora podemos ser vistos da Terra? Holly assentiu.— Isso mesmo. Vamos torcer para que alguém esteja observando.8516Pode me ver, mãe Terra?Por cima da cabeça de Grigóri Sverdlov havia dois metros de ar, quatro metros de concreto reforçado e dez metros de neve. No posto de escuta do exército soviético, na Severni Aniuiski Khrebet, os invernos eram longos. Mais longos, dizia-se, que os intervalos entre as chegadas dos samovares de chá morno, adoçado com o novo adoçante oficial, que deixava um travo amargo na língua semelhante a veneno. Corria o rumor de que esse travo amargo era devido a um ingrediente especial, acrescentado ao produto para eliminar os sentimentos anti-revolucionários, principalmente os que podiam ser induzidos pela contemplação de partes vitais das mulheres. Grigóri Sverdlov esfregou as mãos e olhou ao redor, na esperança de avistar a criatura que trazia o samovar e que se acreditava pertencer ao sexo feminino. Era no chá que ele estava interessado, não na mulher. Contemplar a aparência deletéria da mulher era simplesmente duplicar o que o Estado tentava alcançar com seu ingrediente especial. A mulher não apenas desencorajava quaisquer pensamentos amorosos, como também incutia nos homens o desejo de se meterem no primeiro buraco e nunca mais saírem.Fazia frio no abrigo. Não tanto quanto lá fora, é verdade, onde as torres de rádio se erguiam acima dos pinheiros e as vastidões cobertas de neve se estendiam até as águas congeladas de85Tcháunskaia Guba. Mas estava bastante frio para que um homem o sentisse nos ossos, como se um agente funerário de dedos gelados os estivesse contando. Grigóri Sverdlov levantou-se, sacudiu os braços e deu uma volta pela sala. Ainda tinha uma hora pela frente antes de entrar de folga, quando ficaria livre para avançar pela neve até a cabana de troncos que partilhava com onze outros operadores de radar. A estufa estaria quase apagada e o ar abafado seria muito pouco preferível à asfixia, mas pelo menos o calor seria um pouco maior. Era algo para se esperar. Algo mais imediato que o dia distante, dali a dezoito meses, em que daria baixa do exército.Grigóri Sverdlov virou-se ao chegar ao final do comprido painel de controle e lançou um olhar entediado para a fileira de monitores. E imediatamente se adiantou. Alguma coisa estava errada. Apertou e girou botões. Alguma coisa continuava errada. O satélite Kalínin não deveria aparecer senão em vinte minutos. Por que então estava captando aquele sinal? Será que por acaso adormecera? A própria idéia de ter cometido um crime tão abominável fez com que um tremor de medo lhe percorresse o corpo, já inteiramente es-quecido do frio. Mas, se não adormecera, como poderia ter deixado de perceber o objeto entrar em sua área? Não podia ter aparecido subitamente no espaço. Sverdlov acionou o rastreador espacial e ficou esperando, nervosamente, impacientemente, enquanto a má-

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quina digeria as informações. Finalmente houve um ruído de vômito mecânico e um pequeno cartão perfurado foi expelido.Quase correndo, Sverdlov atravessou a câmara e inseriu o cartão perfurado na chapa de recepção do registro de imagens espaciais. Ficou esperando, enquanto a grande tela do monitor se iluminava. Uma imagem apareceu dez segundos depois. E era uma imagem tão surpreendente e inesperada que a mão de Grigóri Sver-dlov ainda estava tremendo quando apertou o botão que o pôs em contato telefônico imediato com o seu controlador regional.Os pés descalços ainda tentaram encontrar os chinelos debaixo da cama, mas logo abandonaram o projeto. A luz vermelha começara a piscar por cima do telefone, o que significava que o presidente estava na linha. O General Scott retirou o braço que já conseguira enfiar no roupão ao primeiro toque da campainha do telefone, sacudindo a cabeça agressivamente, no ritmo das palavras de seu interlocutor. Depois de algum tempo, teve uma oportunidade de interrompê-lo:— Escute aqui, General Gógol: quantas vezes vou ter de lhe86repetir a mesma coisa? Não fomos nós que o pusemos lá. Estamos tão perplexos e perturbados quanto vocês.Uma onda de estática se abateu sobre a ligação e Scott inclinou-se, puxando a cortina ao lado da cama. Uma sirene tocava insistentemente e um caminhão dos Fuzileiros Espaciais dos Estados Unidos seguia para um ônibus espacial e o respectivo foguete, já colocados numa rampa de lançamento. Toda a área estava iluminada por holofotes, como na apresentação de um filme da Twentieth Century-Fox.— General Scott?A voz rouca do russo tornou a soar pelo telefone.— Ainda estou aqui, General Gógol.— Nas circunstâncias, tenho certeza de que não haverá ob-jeções se efetuarmos as nossas próprias investigações. O satélite Kalínin está numa órbita similar, recolhendo informações meteorológicas. . .— Já conhecemos esse satélite — disse Scott, deixando que uma insinuação de sarcasmo lhe impregnasse a voz. — Mas não tinha a menor idéia de que estava recolhendo informações meteorológicas.— Os detalhes provavelmente são irrelevantes numa ocasião como esta — disse Gógol friamente. — Proponho que desviemos o Kalínin para investigar o intruso.— Os relatórios indicam que já o fizeram.Houve um troar crescente lá fora, indicando que o ônibus espacial americano fora lançado.— Nas circunstâncias, acho que devemos enviar também um veículo nosso para investigar a situação. Não tem objeções a apresentar, não é mesmo?Houve uma breve pausa e depois a voz de Gógol tornou a soar, ainda mais fria que antes:— Não, não tenho. Ficaremos em contato permanente para analisar a situação. Boa noite, General Scott.— Boa noite, General Gógol.Scott desligou o telefone e prontamente o atendeu de novo. O presidente estava na linha.— Sim, senhor. . . Um ônibus espacial está a caminho. . . Isso mesmo, os russos vão chegar lá primeiro. . . Não, senhor, não creio que tenham algo a ver com isso. Creio que estão tão no escuro quanto nós. . . Sim, senhor. Se houver qualquer dúvida, tomaremos a iniciativa. . . vamos destruí-lo.86Gógol recostou-se no travesseiro, franzindo as sobrancelhas, em concentração. Será que os americanos estavam dizendo a verdade ou tentavam provocar a primeira confrontação no espaço entre as duas superpotências? As conseqüências de tal atitude poderiam ser profundas e terríveis.Felizmente, o satélite Kalínin era perfeitamente capaz de defender-se. Devia estar preparado para levar a sua capacidade defensiva ao ponto de D.A.P. Na terminologia do exército soviético, significava Destruição de Atacante Potencial.

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Os dois guardas de Drax avançaram lentamente pelo corredor e olharam esperançosos pelo painel de vidro de uma das esferas de gravidade zero. Estava tudo escuro lá dentro. Frustrados em seus impulsos de voyeurs, os guardas seguiram para a Unidade de Camuflagem Eletrônica. Assim que eles se afastaram, Bond e Holly saíram de um corredor lateral e encaminharam-se para uma janela que dava para o espaço. Abaixo deles, projetando-se do lado do globo central, estava o cilindro que continha as três esferas de gás. Com um aperto no coração, Bond verificou que só restavam agora duas esferas.— Temos um problema, Holly.— Tem razão.Holly não estava olhando para Bond, mas sim por cima do ombro dele. E estava com os olhos arregalados de medo. Bond ví-rou-se rapidamente e deparou com Tubarão a atacá-lo como um urso furioso. Seus braços estavam abertos e os dentes à mostra, como duas fileiras de tubos de órgão. As mãos imensas se fecharam e Bond esquivou-se, mergulhando para um lado. Holly levantou o projetor de raios laser que tirara de um dos técnicos, mas Tubarão agarrou-o bruscamente e apertou-o. O metal esguichou de seu punho como pasta de dentes. Tubarão atacou novamente e um pedaço de grade de metal foi arrancado, voando pelo chão. Bond pegou-o prontamente e desferiu um golpe com toda a força, acertando no lado do queixo de Tubarão. Houve um ressoar metálico prolongado e o metal se vergou. Tubarão sorriu. Avançou novamente e Bond desferiu um golpe violento contra a virilha dele. Houve um novo ressoar de metal. O rosto de Tubarão registrou algum desagrado, como o de um vigário ao ouvir uma anedota obscena. Ele continuou a avançar. Bond virou-se, desesperadamente. Diante de seu nariz estava a ponta ameaçadora de um projetor de raios laser; por trás, havia um guarda de Drax, com uma expressão87determinada. Dois outros guardas estavam lhe dando cobertura, ambos empunhando armas de raios laser. Bond ergueu as mãos, num gesto de rendição.— Está certo. Levem-me até seu líder.Drax afastou-se do imenso telescópio e uniu as pontas dos dedos. Era um gesto com que se comprazia quando estava saboreando momentos de satisfação. Era o que acontecia quando contemplava a execução de um plano magistral entrando em seus estágios finais.— Senhor...Drax virou-se para o técnico que acabara de falar e que estava sentado diante de um dos painéis de controle.— O que é?— O satélite russo, senhor. Parece que mudou de curso.— E daí?— Se meus cálculos estão corretos, está agora em curso para nos interceptar.O vermelho do tecido da cicatriz de Drax ficou mais acentuado.— Não é possível! — Ele corrigiu a sua complacência com a ordem seguinte: — Verifiquem a situação do sistema de neutralização de radar.Um segundo técnico manipulou alguns interruptores no painel e depois informou, em tom aturdido:— O sistema não está funcionando, senhor. Podemos ser observados.Drax rangeu os dentes desiguais.— Efetue uma investigação pessoal da situação imediatamente e depois venha me apresentar um relatório. E traga os operadores.As últimas quatro palavras foram pronunciadas num tom implacável. O técnico se retirou, acompanhado por dois guardas. Uma voz saiu de um monitor no teto da câmara:— Estamos no prazo para a posição de lançamento secundário, em T menos trinta segundos.Drax assentiu vigorosamente, como se ansioso em convencer-se de que tudo ainda estava correndo bem.— Lancem o segundo globo de gás conforme o programado. Ele foi até o painel de observação e ficou olhando para o tubo.Depois de alguns segundos, um globo se desligou e se afastou à deriva, como um ovo posto no espaço. A última das três esferas se

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88adiantou para a posição de lançamento. Drax virou-se.— Aprontem o próximo lote de esferas de gás e tornem a carregar o tubo.A porta do elevador se abriu nesse momento e Bond e Holly saíram, parecendo muito pequenos diante do vulto imenso de Tubarão. Drax fitou-os friamente, contraindo os lábios.— James Bond! Aparece com a tediosa inevitabilidade de uma estação indesejável.O olhar de Bond não era menos frio.— Não creio que existam estações no espaço. Drax sorriu, um sorriso fino e cruel.— No que lhe diz respeito, só há inverno. — Virou-se para Holly. — E o mesmo se aplica à traiçoeira Dra. Goodhead. A palavra "bem-vindos" se congela em meus lábios. E me sinto muito feliz, por saber que meu sonho se aproxima da realização, apesar de todos os esforços de vocês em contrário.— Duvido muito — disse Bond. — Seu sonho, como chama a um pesadelo alucinado, não tem a menor possibilidade de tornarse realidade. Não é mais invisível. Estará em breve recebendo uma porção de visitantes inquisitivos.— Eu lhe mostrarei como lidamos com visitantes indesejáveis, Mr. Bond. — Drax pronunciou as palavras incisivamente e virou-se em seguida para o técnico que anunciara que o Kalínin estava mudando de curso. — Quais são as notícias do satélite russo?— Continua em curso para nos interceptar. A distância é de trezentos quilômetros. Três minutos para a interceptação.O rosto de Drax era como uma máscara de morte.— Ative o laser e destrua-o.— Não vai fazer a menor diferença — comentou Bond. — Jamais conseguirá resistir para sempre.— Ao contrário — disse Drax, sem qualquer vestígio de emoção. — O tempo está do meu lado. Em breve não restará mais ninguém na Terra para me desafiar.Uma voz saiu pelo monitor:— Coordenadas do alvo determinadas. Pronto para disparar.— Fogo! — ordenou Drax, sem a menor hesitação.No instante em que ele falou, tornou-se visível uma linha de luz verde, projetando-se de uma torre no topo do globo central da estação espacial. A uma distância indefinível no espaço, houve uma explosão de fogo, em meio ao campo estrelado, desaparecendo tão abruptamente quanto surgira. Drax virou-se para Bond com88um sorriso de triunfo.— Como já deve ter percebido, Mr. Bond, somos perfeitamente capazes de cuidar de nós mesmos. Algo que somente um mentiroso ou um otimista alucinado poderia dizer a seu respeito na atual situação.Novamente a voz do monitor falou do teto:— Tudo em posição para o lançamento terciário, em T menos trinta segundos.— Pode efetuar o lançamento — disse Drax calmamente, aproximando-se de Bond. — Talvez queira ficar observando, Mr. Bond. Nem todo homem tem oportunidade de estar presente à criação de um novo mundo.— É um refrão que já ouvi antes.— Mas jamais tocado num instrumento tão bem sintonizado. — Drax sacudiu os braços ao redor. — Vamos, Mr. Bond, não me negue sua admiração. Mesmo com a reserva britânica, não me descreveria como um gênio?— Com a reserva britânica, eu o descreveria como um canalha.Bond foi até um dos painéis de observação e olhou para o tubo em que estava a última esfera da primeira remessa que continha o gás letal. Enquanto ele observava, a esfera foi lançada para o espaço e afastou-se rapidamente, desaparecendo por entre as estrelas.A voz de Drax soou suavemente nas sombras:— Não tenho a menor dúvida de que já adivinhou o esplendor da minha concepção. Primeiro, um colar de morte em torno da Terra. Cada uma dessas esferas é capaz de matar cem milhões de pessoas. Estou lançando cinqüenta, a intervalos programados. A

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raça humana, como temos o infortúnio de conhecê-la, deixará de existir. E depois haverá uma renascença, um recomeço, um novo mundo.— Por quê? — indagou Bond. — Perdoe-me por perguntar, mas é que a questão me ocorreu.As sobrancelhas de Drax se franziram, dando-lhe uma expressão implacável.— A razão é a mesma que qualquer homem de inteligência normal e capacidade de observação deveria perceber em poucos segundos. Envolve a população, Mr. Bond. Certamente sabe que a população do mundo aumentou de uma cifra inferior a dois bilhões e trezentos milhões em 1940 para mais de quatro bilhões atual89mente. Tem alguma idéia do que os demógrafos prevêem para o ano 2070? Uma população mundial de vinte e cinco bilhões! Essa cifra não o deixa horrorizado? Um mundo fervilhando como vermes em um corpo putrefato, as pessoas morrendo como moscas. Pestilência, fome, guerra. Como podemos ter esperança de alimentar todas essas pessoas, Mr. Bond? A essa altura, já teremos envenenado irremediavelmente a nossa última fonte inexplorada de alimentos, que são os oceanos. Não restará mais nada. Só existe um método comprovado para o homem controlar a expansão demográfica: a guerra. E o que acontece quando há guerra? Destruição. Não apenas da vida humana, mas da única coisa que ainda torna meritória a existência do homem: a arte. Livros, quadros, prédios, os melhores legados de incontáveis civilizações, tudo o que pode enriquecer o espírito humano acaba se perdendo, pois a capacidade do homem para a auto-destruição excede a sua capacidade de controlar-se. Reverencio demais essa herança artística para permitir que seja destruída. Posso virar as costas e formar minha própria civilização no espaço, mas creio que isso seria renegar minhas responsabilida-des. Não abandonarei a Terra, irei salvá-la! Nossa atual civilização, se é que se pode usar tal termo, implicitamente laudatório, iria inevitavelmente destruir a si mesma. Acelerando o processo, posso proteger os monumentos históricos de valor inestimável, que, caso contrário, seriam destruídos. Posso proporcionar à Terra o tempo suficiente para reabastecer os seus recursos saqueados; o mar se tornará outra vez puro, o ar voltará a ser respirável. Não estou exagerando, Mr. Bond. Nossos cientistas já informaram que dentro de vinte anos, por causa dos refugos com que poluímos a atmos-fera, a camada de ozônio em torno da Terra estará perigosamente exaurida. O câncer de pele irá aumentar em níveis alarmantes e a meteorologia se tornará mais imprevisível. Secas, inundações, tufões, holocaustos. Os precursores do fim inevitável. O fim lento, estropiado, doloroso, sem sentido. Será que não pode perceber a sabedoria irrefutável do que estou prestes a realizar, Mr. Bond? Sem qualquer discriminação racial, selecionei os melhores espécimes, combinando tanto a excelência mental como a física. Serão eles e seus descendentes que irão colonizar a nova Terra, depois que o gás houver cumprido sua missão e que decorrer o tempo suficiente para que a natureza se recupere. Uma nova civilização poderá ser construída, sob a estrutura de tudo o que foi melhor em vários milhões de anos de experiência humana.— E o reconhecimento de que nasceu do maior ato de geno89cídio da história.O tom de Bond era frio e desdenhoso. Drax sacudiu a cabeça tristemente.— É sempre um erro trocar palavras com um idiota. Não irei repeti-lo.Ele estava se virando para Tubarão quando o observador falou em tom de urgência, de seu painel de controle:— Objeto voador não identificado aproximando-se rapidamente. Ao que se pode perceber pelos sinais, trata-se do ônibus espacial dos Estados Unidos.— Liquidem-no com o laser! — Drax virou-se para Bond e Holly. Seu rosto estava todo manchado e brilhando. Os olhos informes faiscavam. — Estou me lembrando de que a visão que tiveram da extinção do nosso último visitante foi limitada. Acho que devem ficar mais perto para o próximo espetáculo. — Ele sorriu repulsivamente. — Muito mais perto.Os pontos vermelhos nos olhos desvairados estavam se tornando maiores. Bond acompanhou o olhar de Drax para a porta circular da parede externa do globo. Com um novo ímpeto de medo, compreendeu qual era a idéia da mente louca de Drax.

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— . . .Tubarão. . . a câmara de ar. — Drax virou-se novamente para Bond e Holly. — Observe, Mr. Bond, o seu percurso deste mundo para o próximo. Pelo menos não estará viajando sozinho. Ao que parece, terá alguns companheiros americanos. E lhe será duplamente agradável, Dra. Goodhead. Seus compatriotas poderão vê-la realizar a grande ambição de ser a primeira mulher da América no espaço!Tubarão se adiantou com uma satisfação sombria e apertou a alavanca da porta, que se abriu com um zunido, revelando um pequeno compartimento em que dois homens poderiam se ajeitar agachados. O que era obviamente uma porta exterior podia ser visto do outro lado, como um painel de observação do espaço.Drax dirigiu-se aos guardas:— Levem-nos!Dois homens se adiantaram, as armas de laser apontadas para Bond e Holly. Bond deu de ombros e começou a se encaminhar para a câmara. A poucos passos da porta aberta havia um painel de controle desguarnecido. No topo, podiam-se ler as palavras "Foguetes de rotação — Gravidade artificial". Bond sentiu o coração se acelerar ao recordar as palavras de Holly, quando estavam atracando: "Estaríamos flutuando como balões se estivés90semos lá fora. Assim que os foguetes de rotação forem disparados, a estação vai começar a girar e teremos uma gravidade artificial". E se os foguetes de rotação fossem desligados? Bond examinou novamente o painel e avistou uma alavanca por trás de uma cobertura transparente. Por cima, estavam impressas as palavras "Parada de emergência. Não a use, a menos que a estação esteja segura". Se ele conseguisse alcançar a alavanca, talvez ainda houvesse uma chance. Enquanto Bond pensava assim, o projetor de laser foi comprimido contra suas costas.— Espaçonave inimiga ao alcance. Coordenadas fixadas. A voz fria e impassível do artilheiro de laser ecoou pela câmara. Tudo estava acontecendo ao mesmo tempo. A destruição de Bond era tão iminente quanto a do ônibus espacial americano que viera in-vestigar. A qualquer segundo, o lote seguinte de esferas com o gás mortífero começaria a ser lançado ao espaço. Já havia trezentos milhões de vítimas ameaçadas de morte, sem saberem de nada, condenadas irremediavelmente a partir do momento em que as esferas penetrassem na atmosfera da Terra e soltassem seu veneno fatal. Bond sabia que tinha de fazer alguma coisa. . . mas o quê? A arma de laser ainda estava comprimida contra suas costas. Morreria instantaneamente, se tentasse se aproximar dos controles dos foguetes de rotação. Tubarão mostrou os dentes num sorriso hostil. Por trás dele, estava um dos astronautas que Bond se lembrava de ter visto em treinamento na Califórnia. Esbelto, bonito, uma expressão de superioridade indiferente no rosto. Parecia o monitor de uma escola pública inglesa, observando um aluno ser levado para uma surra disciplinar. Bond olhou novamente para Tubarão. As feições inchadas, o corpo informe, o conjunto do que era obviamente um acidente da natureza. Ele virou-se e fitou Drax.— A Dra. Goodhead e eu seremos mesmo as únicas pessoas a serem lançadas ao espaço?Os olhos de Drax se estreitaram.— Claro, Mr. Bond. Por que faz uma pergunta dessas?— Estava tentando compreender as regras de elegibilidade para esse vôo de garanhões. Concorda em que somente aqueles que estão de acordo com os seus padrões físicos e mentais é que vão sobreviver, não é mesmo?E Bond olhou deliberadamente para Tubarão. Drax percebeu o olhar e hesitou antes de responder:— Está tentando levantar questões emocionais irrelevantes. Vamos, Tubarão, coloque-os na câmara de ar.90A mão de Tubarão deixou a alavanca da porta e ele deu um passo na direção de Bond. Os guardas chegaram mais perto.— Coordenadas fixadas. Contagem regressiva para lançamento T menos sessenta segundos.A voz do artilheiro de laser estimulou as palavras na garganta de Bond. Ele fitou fundo os olhos de Tubarão e disse:

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— Essas questões não são irrelevantes para você, não é mesmo, Tubarão? Quanto tempo acha que poderá sobreviver a nós? Já olhou ao redor, Tubarão? Não se enquadra nos padrões físicos e mentais, o que é fatal nesta sociedade.Tubarão hesitou, olhando para Drax. O rosto apresentava a mesma expressão da ocasião em que ficara olhando para o globo de gravidade zero.— Leve-os daqui! — gritou Drax.Havia um tom de pânico na voz dele. Estava tudo patente no repentino aparecimento do sotaque prussiano. Bond gesticulou para a porta aberta da câmara de vácuo.— Vamos, Tubarão, se nos apertarmos um pouco, há espaço suficiente para os três.— Leve-os daqui!Drax deu um passo para a frente, enquanto os guardas fechavam o cerco. O artilheiro do laser iniciou a contagem regressiva final. Bond se preparou, enquanto as mãos de Tubarão erguiam-se lentamente. No instante seguinte, as mãos imensas agarraram os guardas, batendo violentamente as cabeças deles, uma contra outra. Bond agarrou uma das armas de laser e mergulhou para os controles dos foguetes de rotação. Em meio a um tumulto de gritos e movimentos, ele abriu a cobertura transparente e puxou a ala-vanca de "Parada de emergência".919117Onde foi parar meu peso?No mesmo instante, Bond sentiu-se como num veículo que tivesse se chocado contra um muro de tijolos. A alavanca desprendeu-se bruscamente de sua mão e ele bateu contra um objeto irreconhecível, com um impacto tão grande que ameaçou quebrar-lhe o ombro. Deslizou pelo chão até a parede do globo. Ao seu redor, estavam todos os objetos da câmara que não se encontravam presos no chão e quase todas as pessoas. As luzes piscavam freneticamente e o ar ressoava com gritos de dor e terror de muitos ho-mens. Bond fez um esforço para ficar de pé e sentiu-se à mercê da total ausência de peso. Algo esbarrou nele e, ao empurrá-lo para o lado, Bond sentiu uma substância pegajosa em sua mão. Era sangue. E sangue de um dos guardas de Drax que Tubarão golpeara. Um lado da cabeça do homem fora esmigalhado, como casca de ovo. Bond libertou-se do abraço de morte e olhou para o espaço através da janela.Acompanhando a estação espacial, a trinta metros de distância, estava o ônibus espacial dos Estados Unidos, a estrela branca bem visível na fuselagem. Por uma escotilha aberta, estavam saindo os fuzileiros espaciais, como se efetuassem um salto de pára-quedas invertido. O coração de Bond animou-se ao contemplar os trajes espaciais brancos, capacetes e equipamentos com a reserva de oxigênio e as unidades de propulsão individuais, de controle91manual. Como um bando de gansos, os fuzileiros convergiram para a estação espacial.Bond desviou-se da janela no instante em que um facho de luz de laser passou por cima do seu ombro. Não havia o menor sinal de Drax, e Holly também desaparecera. A ação principal concentrava-se em torno de Tubarão, que estava manipulando um painel de controle solto como se fosse um aríete. Enquanto Bond observava, ele se aproveitou da gravidade zero para empurrar três guardas de Drax contra a parede externa, extraindo-lhes toda a vida, como se fosse o final de um tubo de pasta de dentes que se aperta. Bond avançou com dificuldade até uma posição próxima da coluna do elevador, apontando a arma de laser para um guarda de Drax que estava fazendo pontaria sobre Tubarão. O facho de luz atravessou toda a extensão da câmara e uma coluna de fogo surgiu no pescoço do homem. Os braços se abriram e o homem ficou pairando no ar, como se tomasse parte numa experiência de levitação. Bond virou a cabeça e olhou pelo painel de observação mais próximo.Como uma chuva intensa a cair sobre o vidro da janela, os raios das armas de laser se entrecruzavam no vácuo. Diversos guardas de Drax haviam deixado a estação espacial para iniciarem um combate no espaço. Enquanto Bond observava, um fuzileiro espacial foi atingido no peito. O traje repentinamente se estufou, voando para o infinito. Bond estremeceu. Que morte horrível! Para os que eram feridos e se afastavam à deriva, perdendo a capacidade de controle, a morte era ainda mais horrível. Ficavam viajando pelo espaço até que o oxigênio se esgotasse, morriam lentamente. Sem oxigênio

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suficiente, um homem morreria sufocado e o traje espacial se tornaria uma tumba orbitando perpetuamente em torno da Terra. Um enterro no céu. Quantos recipientes haveria no espaço levando esqueletos?Uma luz intensa brilhou momentaneamente e Bond viu que um dos Moonrakers fora atacado e estava alinhado ao lado de seu satélite. Alguns dos guardas de Drax operavam carros espaciais circulares, com pequenos canhões de laser montados na frente. Pareciam possuir um escudo defensivo que os tornava menos vulneráveis aos ataques. Apesar de toda a oposição, porém, os fuzileiros espaciais estavam avançando para o lado da estação espacial, como um enxame de abelhas. Bond sabia que tinha de ajudá-los a entrar. Além disso, tinha também de impedir que novas esferas de gás fossem lançadas ao espaço. Abrindo caminho entre os destroços que flutuavam, ele se encaminhou para o túnel de saída que92calculava ser o que levava ao interior do globo onde estava o tubo de lançamento das esferas. Do outro lado da câmara, Tubarão ainda estava lutando pela sobrevivência. E continuava vencendo. Um guarda que chegara ao alcance das mãos dele voara através da câmara para se dobrar contra o tubo do elevador, como uma boneca de pano que houvesse perdido quase todo o enchimento.Bond avançou pelo corredor oblíquo, segurando-se no corrimão até chegar a uma porta em que estava escrito "Centro de Lançamento de Gás". A porta era de aço e Bond hesitou. E se alguns frascos do terrível gás tivessem sido arremessados pela sala e se quebrado quando ele puxara a alavanca da parada de emergência? Abrir a porta seria enfrentar a morte certa. O que deveria fazer então? Virar as costas e fugir? Bond respirou fundo, sabendo que poderia ser a última vez, depois girou a maçaneta da porta. Empurrou e ficou esperando, os nervos à flor da pele. Nenhum gás fatal penetrou em seus pulmões. E a porta também não se abriu facilmente. A causa disso logo ficou patente. Um corpo estava prensado contra a porta do outro lado, por baixo de algumas prateleiras de metal desabadas. Bond conseguiu passar pela abertura da porta, espremendo-se, descobrindo que estava num compartimento com um cadáver e dois homens gravemente feridos, usando túnicas verdes. Era evidente que haviam sido arremessados contra o lado da estação espacial quando esta entrara bruscamente na gravidade zero. Três esferas de metal estavam aninhadas num berço de metal que se comunicava com o tubo de lançamento. E o tubo estava vazio. Aquele devia ser o segundo lote de esferas a ser aprontado para o lançamento. Não era possível que outro lote tivesse sido lançado depois que Bond puxara a alavanca da parada de emergência.Empurrando o projetor de laser com extremo cuidado, Bond focalizou-o na maquinaria que operava o mecanismo de lançamento. Em poucos segundos, era tudo uma massa informe de metal derretido. Se Drax quisesse lançar mais alguma esfera, teria de levá-la manualmente até a câmara de ar mais próxima. Bond terminou de destruir o aparelho de lançamento e correu os olhos pelo compartimento em ruínas. A correia transportadora das esferas corria em torno das paredes e desaparecia através de um buraco num outro compartimento, presumivelmente um depósito. Bond hesitou por um instante, mas acabou chegando à conclusão de que era melhor não mexer nas esferas. Era grande demais o risco de liberar acidentalmente o gás fatal. O momento de sacrificar a sua própria vida talvez não estivesse muito longe, mas com toda certeza92ainda não chegara.Lá fora, no espaço, a batalha continuava, furiosa. Os guardas de Drax estavam lutando desesperadamente para repelir os fuzileiros, concentrados ao lado do globo central. Um carro espacial avançou contra os fuzileiros e foi apanhado no fogo cruzado de duas armas de laser. O seu próprio fogo se extinguiu e ele começou a derreter, como uma mariposa grudada numa lâmpada muito forte.Bond olhou para o alto do globo. E o que viu o fez prender a respiração abruptamente. A cena sangrenta que encontrara no Centro de Lançamento de Gás não se repetia ali, na torre que alojava o canhão de laser. Ele pôde observar vultos se movimentando e o cano comprido do canhão sendo apontado para o ônibus espacial dos Estados Unidos, que ainda acompanhava a estação espacial, vagando pelo espaço. Será que o piloto americano estava a par do que acontecera com o satélite russo? Provavelmente a posição do satélite fora fixada, e o seu repentino desaparecimento não podia ter passado

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despercebido. Não restava a menor dúvida de que esse fora o motivo que fizera com que os americanos partissem diretamente para o ataque. Haviam encarado o desaparecimento do satélite russo como uma prova de uma presença hostil no espaço e não tinham corrido o risco de esperar para lançar um desafio.Bond quase podia ouvir os segundos a se escoarem. A qualquer momento, o canhão de laser podia abrir fogo e destruir o ônibus espacial americano. Ele tinha de fazer alguma coisa. Mas alcançar a torre do canhão seria um trabalho de Hércules. Os contingentes maiores dos homens de Drax estariam concentrados perto dos dormitórios, que ficavam diretamente abaixo da torre. Com a estação espacial inclinada e num estado de gravidade zero, ele teria de lutar para abrir caminho, na total ausência de peso, através de corredores dominados pelos homens de Drax que ainda estavam em condições de combater. Para apoiá-lo podia contar apenas com Tubarão e Holly. . . se é que eles ainda estavam vivos e em condições de ajudá-lo. Bond tornou a olhar pela janela e ocorreu-lhe outra possibilidade. Todos os seus planos estavam baseados na premissa de que deveria atacar a torre pelo interior da estação. Mas se pudesse se aproximar pelo espaço. . .Bond tornou a abrir a porta do compartimento e avançou pelo corredor. Recordava-se de ter passado por uma câmara de ar. Pelo painel de observação, verificara que havia lá dentro dois trajes espaciais. Se estivessem equipados com unidades de propulsão,93poderia sair para o espaço e manobrar até a torre. Procurou avançar pelo corredor o mais depressa possível, sabendo que estava lutando contra o tempo. À sua frente, três guardas de Drax passavam desajeitadamente por um cruzamento. Olharam para Bond, mas não fizeram qualquer menção de atacá-lo. Estavam mais preocupados com a ameaça exterior. Bond encontrou finalmente a câmara de ar e puxou a alavanca para abri-la. Pegou um dos trajes espaciais e começou a vesti-lo. Em condições normais, já era algo incômodo de manipular, mas numa situação de total ausência de peso e com o tempo se escoando rapidamente era um esforço que desgastava os nervos e os dedos. Finalmente ele vestiu o traje, ajeitando o capacete e ligando o oxigênio. Podia agora respirar no espaço. Mas será que poderia também se deslocar? Bond contraiu as, mãos enluvadas e sentiu o suprimento de energia converter-se em impulso para a frente. Em princípio, isso deveria impeli-lo pelo espaço como um jato humano. Mas apenas em princípio. Bond jamais tentara na prática. Já estava suando e não apenas por causa do calor dentro do traje espacial. Contorceu-se inconfortavelmente e olhou para o ônibus espacial. Não havia o menor sinal dele. Por um momento, Bond sentiu que o coração tinha parado de bater. Só depois compreendeu o que devia ter acontecido. Por acidente ou deliberadamente, o ônibus espacial retornara à posição atrás de um dos satélites que se projetavam do globo principal. O canhão de laser não podia ser disparado, pois haveria o risco de destruir a própria estação espacial.Sem experimentar qualquer outra sensação além do medo que o entorpecia, Bond fechou a porta interna da câmara e ficou encerrado no cubículo claustrofóbico que era a câmara de vácuo. Nenhum dos contos de Edgar Allan Poe que lera quando jovem conseguira transmitir devidamente a sensação de terror, de boca ressequida, que agora o dominava. A morte instantânea quase teria sido uma opção melhor do que o que estava experimentando. Forçou a mão direita paralisada a se movimentar e pegou a alavanca que acionava a porta externa, começando a baixá-la. Com uma rapidez que o pegou de surpresa, a porta se abriu e ele foi projetado no espaço. Um rápido tremor de alarme foi seguido pela surpresa. Não houve sensação de queda, de vento batendo contra o corpo, nenhuma corrente de ar a atraí-lo. Tudo o que estava acontecendo era que a estação espacial se afastava, como um navio que deslizasse silenciosamente para longe de um homem que caíra ao mar. Bond experimentou novamente a sensação de que estava num so93nho. Não importava o que fizesse, não importava o quanto abrisse a boca para gritar, nada iria acontecer. Mas, num sonho, sempre havia um vínculo com a realidade, por mais frágil que fosse. No fundo da mente, algo lhe dizia que era um sonho, que ele ia despertar a qualquer momento. Mas agora esse vínculo estava faltando. Não havia nada para ligá-lo àquele monstruoso inseto artificial que estava se afastando, como a carapaça ressequida e solta de uma imensa aranha.

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Bond recuperou o uso dos sentidos quando o pânico estava prestes a dominá-lo irremediavelmente. Tinha de usar a unidade de propulsão! Se não fizesse alguma coisa, acabaria entrando numa órbita própria e estaria liquidado. Apertou as mãos e imedia-tamente sentiu uma pressão por trás, como se alguém lhe tivesse dado um empurrão pelas costas. A distância até a estação espacial começou a diminuir. O alívio foi rapidamente anulado por um novo medo, quando um raio laser passou perigosamente perto. Um fuzileiro espacial americano disparara contra ele, pensando que fosse um dos guardas de Drax. Bond empunhou seu projetor de laser e aumentou a velocidade, até chegar à parede externa do corredor pelo qual saíra. Virou-se ansiosamente e descobriu que seu atacante estava enfrentando um carro espacial que surgira por trás de um dos satélites. Enquanto se travava a batalha, Bond localizou a posição da torre do canhão e pôs-se a avançar ao longo do corredor, na direção do globo central. Para seguir por um atalho, teria de se envolver com a batalha espacial, e não queria se arriscar a uma confrontação com um fuzileiro espacial americano. Também não queria que o artilheiro do canhão laser percebesse sua aproximação. Ainda por cima, estava dominado pelo medo intenso de perder o contato com a estação espacial. Não esquecera a primeira impressão aterradora do que significava ficar perdido no espaço. Continuou a avançar para o globo central, sempre grudado no corredor.Subitamente, descobriu que estava se afastando pelo espaço. Mudou de direção, com uma pressão da mão esquerda, mas o braço tubular do corredor pareceu se afastar ainda mais. Bond lutou para conter o pânico. O que estava acontecendo? Será que havia algum problema com a sua unidade de propulsão? Abruptamente, compreendeu tudo. Alguém ligara os foguetes de rotação. A estação espacial estava começando a girar sobre si mesma. A revelação provocou um sobressalto em Bond, como se tivesse tocado um cabo de alta tensão. Ele virou a cabeça e avistou um segundo corredor de94satélite avançando em sua direção como um porrete. Hesitou por um instante, depois tratou de afastar-se do caminho. Passou por baixo dele e pôde vislumbrar homens correndo lá dentro.Bond estava agora quase no globo central. Acelerou o movimento para a frente, tentando encontrar algum lugar em que se segurar. A superfície em movimento empurrou-o para o lado e ele rodopiou para trás, indo colidir com a superfície curva de um corredor, enquanto a velocidade aumentava. A força do impacto fê-lo colar-se ao corredor, e ele foi impelido para a frente, como se estivesse achatado contra o raio de uma roda. Estendendo o braço, encontrou uma junta de metal perfurado, segurando-se nela desesperadamente. Graças a Deus estava perto do centro da estação. À sua frente, o vazio. Viu um fuzileiro espacial americano tentando se segurar a um braço de corredor, de uma posição próxima a um satélite. Sem poder fazer nada contra o aumento da força centrífuga, o pobre coitado começou a escorregar na direção do satélite, para depois ser lançado ao espaço, como uma bolinha de papel largada à beira de um disco giratório. Bond observou o homem desaparecer no espaço e sentiu-se nauseado. Nauseado pela dor, compaixão e, acima de tudo, pelo medo.949418Um sonho sempre resiste a morrerBond piscou os olhos repetidas vezes, para se livrar do suor que lhe escorria das sobrancelhas. Virou a cabeça para olhar a torre do canhão de laser, mal visível por cima da curva do globo. O ônibus espacial americano estava agora à sua mercê. Bond olhou para a junta de metal perfurada a que estava se segurando e verificou que se estendia até o globo central. Outra junta saliente subia até a torre.Estendendo um braço, Bond rangeu os dentes e efetuou o primeiro movimento árduo na direção de seu objetivo. No que pareceu um tempo angustiosamente interminável, conseguiu finalmente chegar ao globo central e iniciou a perigosa jornada pela junta vertical. Tinha agora a sensação de que havia uma pilha de sacos de areia em suas costas, comprimindo-o contra a superfície. Cada palmo que avançava exigia um esforço intenso, à custa das suas últimas reservas de energia. Quando faltavam cerca de três metros para alcançar a torre, viu que o cano do canhão estava sendo outra vez movimentado, apontando para o alvo. Teve a impressão de que quase podia estender a

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mão e tocá-lo. A torre se projetava para fora do domo, e ele avistou o contorno retangular de uma portinhola. Continuou a subir pela junta, rezando para que pudesse chegar a tempo e para que o pequeno quadrado vermelho no canto inferior direito da portinhola fosse mesmo o que pensava. Dois metros, um95e meio, um. . . Um rosto que se comprimisse pelo painel de observação poderia avistá-lo. Ele se esticou e viu a alavanca de aço na cavidade. Por cima, estavam as palavras "Perigo! Abertura externa da portinhola. Só pode ser usada quando a estação estiver imobilizada".Segurando-se firmemente com a mão esquerda, Bond estendeu o braço direito e enfiou os dedos na reentrância. Pegou a alavanca, firmou-se e puxou-a. Nada aconteceu. A alavanca quase não se mexeu. Bond sentiu o coração se apertar. Praticamente esgotara todas as suas reservas de energia física. A qualquer momento, o canhão de laser poderia abrir fogo. Pendurado ali no espaço, ficaria cada vez mais fraco. Rangeu os dentes e fez força, até sentir todos os músculos doerem. A alavanca deslocou-se meia polegada, não mais do que isso. Exausto, Bond encostou-se na superfície do globo, sentindo o projetor de laser a lhe apertar o peito. Talvez fosse a solução; se não a solução, pelo menos a única esperança. Ele pegou o tubo e apontou-o para a abertura, tomando cuidado para evitar a alavanca. Dois rápidos disparos e o metal luziu, com um vermelho opaco. Bond estendeu novamente a mão para a maçaneta e, na pressa, acabou largando o tubo de laser. Tentou pegá-lo desajeitadamente, mas o tubo roçou em seus dedos e afastou-se, aumentando de velocidade rapidamente. Bond sabia que estava agora irremediavelmente sozinho. Se não conseguisse abrir a portinhola, não teria a menor possibilidade de sobrevivência. Tornou a enfiar a mão na reentrância, sentindo o suor a lhe grudar no corpo. O coração parecia querer subir para a boca. Recorrendo às últimas reservas de energia, deu um puxão na alavanca. Lentamente, a alavanca começou a se deslocar.— Vamos! Vamos, sua. . .Houve um estalo alto, como o espocar de uma rolha de champanha, e a portinhola abriu-se para o lado, com Bond ainda se segurando nela.Como se estivessem encostados do outro lado, três homens foram sugados pela porta, juntamente com um caos de equipamento, tudo o que não estava preso ao chão da torre do canhão. Os homens pairaram diante dos olhos de Bond por um momento, como se estivessem realizando um salto livre de pára-quedas; depois se afastaram bruscamente, desaparecendo com rapidez no espaço. Bond engoliu em seco e fez um tremendo esforço para contornar a portinhola até a abertura. Procurou levantar-se, ficando de joelhos, lentamente. A respiração era mais acelerada do que a unidade de95oxigênio podia acompanhar. Ele fez uma pausa prolongada, antes de estender o braço e fechar a portinhola. Só então, pela primeira vez, acreditou realmente que tinha conseguido. Os homens que guarneciam o canhão haviam sido expelidos para o espaço, o perigo imediato para o ônibus espacial americano estava superado. Ele continuou de joelhos, descansando por mais um momento; depois levantou-se e adiantou-se, cambaleante, passando pelo painel de controle do canhão de laser e descendo alguns degraus, que levavam a uma segunda porta de aço. Ativou o mecanismo de abertura e saiu para uma galeria circular. Calculou que devia estar no mesmo nível dos dormitórios, só que do outro lado da estação espacial. Fechou a porta e imediatamente reagiu às condições de retorno à gravidade artificial. Podia agora se mover normalmente, se bem que um tanto desajeitado. Tirou o capacete e se encaminhou para os ruídos de batalha que vinham lá de baixo. Pelo que podia ouvir, parecia que os fuzileiros espaciais americanos haviam conseguido penetrar na estação. Se conseguissem dominar rapidamente os guardas de Drax, talvez houvesse uma possibilidade de alcançar as três esferas com o gás fatal antes que entrassem na atmosfera da Terra. Tantas coisas estavam ocorrendo simultaneamente que era difícil definir uma ordem de prioridades. Onde estariam Holly e Tubarão? Será que ainda estavam vivos?Bond desceu uma escada em espiral e saiu num corredor comprido, que dava para um dos satélites. Havia um cheiro de queimado e as luzes piscavam loucamente. Bond calculou que a estação espacial estava fora de controle. Precisava haver apenas uma ruptura na parede externa para que todos acabassem sofrendo o mesmo destino dos

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três homens na torre do canhão de laser. O espaço sugaria a todos inexoravelmente, como se fossem o tutano de ossos.Bond encaminhou-se para um dos satélites. Desse ponto de observação, podia ter uma noção mais ampla do que estava ocorrendo no globo central. Não dera mais que dez passos quando um vulto emergiu furtivamente de um cruzamento. Era Drax. Ele vi-rou-se e avistou Bond. Por um momento, os dois homens ficaram se encarando. Depois, Drax compreendeu a expressão dos olhos de Bond e deu um passo para trás. Bond não disse nada, seguindo-o. As mãos de Drax estavam afastadas do corpo, mas não havia nada nelas. O rosto estava todo contorcido. O ódio fora substituído pelo medo. Bond estava agora olhando para um homem muito diferente daquele que queria ser Deus. As luzes tornaram a piscar e houve96um rugido distante, como uma trovoada. O material com que era feito o corredor rangeu, sinistramente. Era quase como se alguma tempestade terrestre estivesse se abatendo sobre a estação no espaço. Drax recuou mais um passo. Atrás dele, havia uma câmara de vácuo; ao lado da entrada, estavam os corpos de um guarda e de dois fuzileiros espaciais americanos, que tinham morrido no combate. Bond ficou tenso ao avistar o que estava entre os dedos do guarda de Drax. Uma arma de laser. Ele parou no mesmo instante. Como que alertado pelo gesto, Drax olhou para trás. Com uma rapidez que não estava de acordo com seu tamanho, ele abaixou-se e pegou a arma. A expressão em seu rosto mudou. As manchas vermelhas se tornaram ainda mais acentuadas, os olhos desvairados ganharam um brilho de triunfo.— Pelo menos terei a satisfação de eliminá-lo da minha desgraça. — Começou a erguer o tubo de laser, enquanto acrescentava, num tom de cruel sarcasmo: — Estou desolado, Mr. Bond.Bond começou a erguer as mãos, como num gesto de abjeta submissão. E, subitamente, com um estalido seco, um orifício apareceu em sua luva. Drax levou as mãos ao lado esquerdo do peito. Um dardo se projetou de entre seus dedos.— Também estou desolado, Mr. Drax.O tom de Bond também era sarcástico. Ele se adiantou e puxou a alavanca da porta interna da câmara de vácuo, enquanto a mão trêmula de Drax tentava impedi-lo. O tubo de laser já caíra no chão.— Com sua permissão. . .Bond empurrou a porta, com uma mesura ao melhor estilo dos tempos antigos. Drax cambaleou para trás, indo se encostar na porta que dava para o espaço. Olhava de Bond para o próprio peito, como se fosse incapaz de acreditar no que estava acontecendo.— Cianureto — disse Bond bruscamente. — Um novo mundo vai começar dentro de trinta segundos.Ele começou a fechar a porta interna, enquanto a mão de Drax se erguia num derradeiro e inútil esforço de impedir o inevitável. Bond bateu a porta implacavelmente e afastou a mão para uma alavanca embaixo da qual estava escrito "Para abrir a porta do espaço". Não hesitou. Pelo painel de observação, viu a boca de Drax se escancarar, mas dela não saiu qualquer ruído. Suas faces ficaram subitamente encovadas e a pele se encolheu, como se lhe houvessem arrancado tudo o que tinha por dentro. Os olhos desapareceram e ele pairou no ar, como um imenso e horrendo96espantalho, fustigado pelo vento. E depois foi puxado para longe por cordões invisíveis, tornando-se cada vez menor, até que não era maior do que as estrelas distantes, que tão insensatamente tentara imitar. Bond virou-se rapidamente ao ouvir passos correndo e deparou com Holly. Ela agarrou-se no braço dele, dizendo:— Graças a Deus! O que está acontecendo? Onde está Drax?Bond apontou para a porta às suas costas.— Ele teve de fazer um vôo. — Houve outro rangido assustador de metal sob tensão. — É o que temos de fazer também, o mais depressa possível.Ele começou a se encaminhar para o globo central quando um fuzileiro espacial americano surgiu. Avistou Bond e no mesmo instante ergueu sua arma de laser.— Não! — gritou Holly, adiantando-se prontamente.— Dra. Goodhead!O homem hesitou por um instante e logo um sargento apareceu atrás dele.

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— Santo Deus! — O sargento olhou atentamente para Holly, com uma expressão de incredulidade. — Você é da NASA!Bond aproximou-se e falou ao sargento:— Estou com ela. Qual é a situação no Centro de Comando?— Estamos no controle da situação, mas a estação está se partindo. Estamos caindo na atmosfera.Bond cambaleou para trás quando uma violenta explosão sacudiu o corredor. Olhando para o corredor seguinte, verificou que o metal começava a se contorcer e toda a estrutura se separava do globo central. Como num filme em câmara lenta, o satélite pôs-se a girar na direção deles. O corredor se rompeu e houve um ruído ensurdecedor, de metal contra metal. A gigantesca massa do satélite desprendido obstruiu por um momento a visão que eles tinham do espaço, antes de continuar, girando desajeitadamente, em seu percurso para a escuridão.— Temos de sair logo daqui! Vamos voltar ao ônibus espacial!Um oficial passou por eles, gritando a plenos pulmões. O sargento dava a impressão de que não tinha a menor intenção de se retardar por um segundo que fosse.— Vocês vêm também? Estamos atracados num dos satélites. . . se é que nada aconteceu.Bond olhou ao redor desesperadamente, virando-se em se97guida para Holly.— Temos que pensar nas três esferas com o gás mortal. Não podemos deixá-las entrar na atmosfera!— O que podemos fazer?A voz de Holly era um grito angustiado. O corredor estava começando a entortar. O sargento desaparecera.— Deve haver algum meio de destruí-los antes que entrem na atmosfera da Terra!— Olhe ali, James!Holly pegou o braço dele, apontando pelo painel de observação para o satélite de comando. Havia um Moonraker atracado nele, com o número V do lado.— O ônibus espacial de Drax!— Está equipado com um canhão de laser. Drax me mostrou, depois que fui capturada.— Acha que podemos usá-lo contra aquelas esferas de gás?— Temos outra opção?Como a oferecer uma resposta, o corredor rangeu novamente sob a pressão, e todas as luzes se apagaram. Bond começou a correr na direção do satélite. Houve um novo rangido, mais violento que os anteriores. Por um segundo, ele chegou a pensar que a estação inteira estava se partindo. Lá fora, no espaço, um objeto emergiu de trás do globo central. Bond verificou que era o ônibus espacial americano. O que significava que pelo menos alguém seria salvo. Lançou o ombro para a porta que levava ao satélite, rezando para que não tivesse havido qualquer problema com a câmara de vácuo do Moonraker. Depois de dois passos pelo compartimento, ainda podia ficar de pé e respirar. O cano do canhão de laser emergia da frente do ônibus espacial. Ele passou rapidamente para o Moon-raker e foi para a cabine de comando, correndo para os assentos. Holly estava ao lado dele, estendendo a mão para um cinto de segurança. Houve uma convulsão violenta e a cabeça de Bond bateu na cabine do teto. O satélite teve um solavanco, como se houvesse batido em alguma coisa. Bond sabia que a qualquer segundo todo o corredor iria se despedaçar. Se não se afastassem prontamente, iriam acompanhá-lo pelo espaço afora, vertiginosamente. Holly puxou uma alavanca, tornou a puxar. Rugas de tensão surgiram em seu rosto.— O que houve?— É o sistema de acoplagem. Não consigo acioná-lo. Deve estar emperrado.97Bond praguejou e abriu a porta do seu lado da cabine. Saiu rapidamente e foi até a porta de acesso ao Moonraker. Toda a estrutura fora empurrada para o lado e estava agora entortada, de tal forma que as pinças não podiam se soltar. Mexiam-se debilmente, como a boca de um peixe agonizante. Bond ficou de joelhos e tentou separá-las. Um segundo de esforço revelou-lhe que era pura perda de tempo. Por trás dele, houve um estalo seco, como uma massa de gelo começando a se romper. A testa de Bond estava

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coberta de suor. O medo percorreu-lhe o corpo como uma rápida corrente. Ele virou-se, à procura de alguma coisa que pudesse usar como alavanca. Quase do outro lado do nariz do Moonraker havia uma rampa de lançamento, com um dos carros espaciais redondos. Bond virou-se outra vez e descobriu-se frente a frente com Tubarão. Um filete de sangue lhe escorria pelo canto da boca e suas roupas estavam rasgadas. Os olhos pareciam os de um animal selvagem surpreendido sob o clarão dos faróis de um carro.Bond ficou esperando que o homem agisse. Haveria uma luta de vida ou morte? Tubarão olhou para Bond e depois para o mecanismo emperrado. Sem qualquer gesto, ele avançou bruscamente e ficou de joelhos. As mãos imensas seguraram as barras de metal e puxaram, até que as veias na testa ficaram ressaltadas. Uma das barras se deslocou ligeiramente. Tubarão abaixou a cabeça e fechou os dentes manchados de sangue sobre a barra. Houve um som áspero e Bond viu os dentes de aço cortarem lentamente o metal. Finalmente a barra se partiu, com um estalo. No mesmo instante, o satélite caiu cerca de três metros. Bond foi bruscamente lançado para trás. Levantou-se para descobrir que uma das pinças de acoplamento se soltara, mas a queda fizera com que a câmara de vácuo afundasse no encaixe. Tubarão tratou de puxar com as mãos, mas não conseguiu separar o nó górdio de metal retorcido. Bond juntou-se a ele, mas rapidamente verificaram que os esforços combinados não eram suficientes, pois a tarefa estava além de qualquer capacidade humana. Tubarão se ergueu, a respiração ofegante, e levou as mãos à estrutura do Moonraker. Empurrou com força e depois olhou para verificar o que estava acontecendo com o encaixe de metal. Houve um ligeiro movimento para cima. Tubarão correu os olhos pelo satélite. O som de metal se partindo era agora contínuo, como se uma fenda estivesse se abrindo. Tubarão apontou para si mesmo e gesticulou na direção do carro espacial. Depois, empurrou Bond para a porta do Moonraker. Bond ainda hesitou por um instante, mas Tubarão já estava abrindo a98escotilha do carro espacial. Bond tornou a entrar no Moonraker e foi se juntar a Holly. Ela fitou-o, com uma expressão angustiada.— O que está acontecendo?— Não sei direito. Acho que ele vai tentar nos empurrar para longe do satélite.Holly tentou novamente acionar o mecanismo de desatraca-mento. Nada conseguiu e recostou-se no assento, exclamando— Oh, Deus!Bond não disse nada. Tubarão estava agora no interior do carro espacial, parecendo um peixinho dourado que crescera demais para o tamanho do aquário. No instante em que a pequena espaçonave começou a tremer, outra pessoa apareceu no satélite. Era uma linda jovem, em uniforme de astronauta. Ela correu para a frente e bateu do lado do carro espacial. Tubarão abriu a portinhola e a jovem entrou. Houve então um ruído como o de um navio começando a afundar e Bond sentiu a cauda do Moonraker embicando para cima. O satélite estava começando a se desprender. Mas o nariz do ônibus espacial continuava preso na estrutura. Assim, seria arrastado para a destruição inevitável. Holly estava manipulando os controles como se fosse um consolo de órgão. O carro espacial avançou pela rampa como que disparado de um canhão e houve um solavanco que empurrou Bond para o lado. Ele voltou a se ajeitar no assento e avistou o rosto de Tubarão comprimido contra a tela do carro espacial. No instante seguinte, sentiu toda a estrutura do Moonraker ser sacudida para o lado. Subitamente, o satélite desprendeu-se e ele estava olhando para a infinidade do espaço, na direção de um milhão de estrelas. Ao lado dele, Holly gritava de alegria:— Estamos livres! Estamos livres!Bond olhou para a direita e viu o globo central da estação espacial se encolhendo, como uma bola de futebol furada. Em algum lugar, no seu centro, irromperam chamas, que rapidamente se extinguiram. Os satélites restantes estavam se desprendendo da estrutura, levando junto os respectivos corredores entortados. Ao caírem pelo espaço, para penetrarem na atmosfera da Terra, foram ficando cada vez mais vermelhos. Um dos satélites desintegrou-se numa chuva de meteoros. Bond virou a cabeça e procurou o satélite que tinha acabado de deixar. Será que havia levado Tubarão e a jovem para a morte?Holly manobrou a alavanca de controle e bateu no ombro de Bond, apontando:98

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— Olhe ali.Bond virou-se e verificou que Holly levara o Moonraker para um curso quase paralelo ao do carro espacial, que tinha uma depressão na frente e o canhão de laser entortado contra a cabine, como se fosse um limpador de pára-brisa. Por trás do painel estava Tubarão, com uma expressão de concentração obstinada no rosto, enquanto manipulava os controles. A jovem bonita olhava por cima do ombro dele. Holly sacudiu a cabeça, tristemente.— Não sei se aquele carro espacial tem condições de penetrar na atmosfera em segurança.Bond sorriu.— Tubarão é capaz de qualquer coisa. A que distância está a Terra?— A cerca de cento e sessenta quilômetros.— Ele estará em casa antes de nós chegarmos. — A expressão de Bond tornou-se subitamente sombria. — Se é que se poderá chamar de casa o que vamos encontrar lá embaixo.Holly não disse nada, ligando prontamente a tela de radar. Sabia a que Bond estava se referindo. Lá fora, no espaço, ainda havia três esferas com o gás paralisante. A menos que fossem encontradas e destruídas antes de penetrarem na atmosfera da Terra, trezentos milhões de pessoas iriam morrer, o que poderia desencadear uma guerra atômica que acabaria com o resto da humanidade. Os olhos desesperados de Holly fixaram-se na tela. Estava vazia.999919Destruir para viverBond contemplou ansiosamente os círculos concêntricos na tela do radar. Moviam-se tão inocentemente e tão traiçoeiramente quanto as ondulações deixadas por um homem afogado.— Como podemos saber que as esferas ainda não penetraram na atmosfera da Terra?— Não podemos.Holly manipulou os controles e o Moonraker projetou-se pelo espaço.— Olhe!— São elas. — Holly olhou para os três pontos de luz na tela do radar. A que estava mais perto do centro dos círculos era a que pulsava mais dinamicamente. — Devemos fazer contato visual dentro de poucos segundos.— Está querendo dizer que vou poder ver as esferas? Por que não fala como gente? — Bond olhou para o painel do canhão de laser. — E como se dispara essa coisa?— Com toda a precisão, se quer salvar nossas vidas. — Holly desviou os olhos dos controles e fixou o painel dianteiro. — Já foi algum dia a um parque de diversões? Duas imagens vermelhas vão aparecer na tela. Representam o Moonraker e cada uma das esferas. Manipule os botões, até que os círculos fiquem superpostos. Formarão então um círculo verde. Isso significa que está focalizado99no alvo. Aperte então o botão de disparar. Vou ligá-lo ao automático e programar as posições das esferas.Ela falou em tom de urgência, mas sem qualquer sinal de pânico. Bond, que apreciava a ordem e a calma numa mulher, amou-a intensamente naquele momento. Olhou à frente e divisou algo cintilando no espaço.— Lá está.Ele olhou para a tela do canhão e constatou que dois círculos vermelhos haviam de fato aparecido. O movimento deles era tranqüilizadoramente lento. Uma rápida correção no botão da mão direita e um círculo se colocou no percurso do outro. O vermelho transformou-se em verde e Bond apertou os gatilhos no centro dos botões. Um relâmpago de luz branca ofuscante projetou-se do nariz do Moonraker e o círculo verde desapareceu. A tela estava vazia. Bond olhou para a frente. O que quer que estivera brilhando no espaço não mais estava ali.— Um alvo fácil — comentou ele.Holly não virou a cabeça para dar-lhe os parabéns.

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— Os próximos não serão tão fáceis. — Como a confirmar suas palavras, o Moonraker começou a tremer violentamente. — Estamos ricocheteando na atmosfera da Terra.Bond sabia o que isso significava. Descendo mais, começariam a arder, como a estação espacial. O ângulo de descida era inteiramente errado para se penetrar na atmosfera. Ele olhou para a tela do canhão. Mais dois círculos vermelhos haviam aparecido. Dançavam como bolas de pingue-pongue na superfície de uma panela com água fervendo. Ele começou a fazer a mira, dominado por uma sensação de premência. Os círculos vermelhos se cruzaram por um momento, para logo se separarem. O círculo verde só se formara por uma fração de segundo. Bond limpou o suor dos olhos e concentrou-se novamente. A seu redor, a atmosfera estava se tornando insuportavelmente quente.Holly olhava pelo painel dianteiro, os lábios contraídos, na maior tensão.— Estamos à distância de tiro!— Já sei disso!Os dedos de Bond apertavam convulsivamente os botões de mira. Outro estremecimento violento sacudiu o Moonraker. Subitamente, o tremor cessou. Ele girou os botões desesperadamente. O suor pingava na tela.— Vamos, meus queridos!100Era como um jogo encontrado na árvore de Natal. Só que de seu resultado dependia a vida de cem milhões de pessoas. Dois arcos vermelhos se cruzaram e foram se alargando para a formação de um círculo completo. Bond prendeu a respiração. Se o co-ração estava batendo, não podia sentir. Vermelho sobre vermelho, tornou-se verde, e os dedos se deslocaram para os gatilhos de aço. A língua de fogo se projetou pelo espaço. A tela ficou vazia.— Como estou me saindo?— Está ganhando.A voz de Holly era tensa. Ela olhou para o painel de controle e mordeu os lábios. Seu rosto brilhava de suor. Bond tocou no lado da cabine e soltou um grito. Estavam começando a assar, como se estivessem num forno. Ele mexeu os pés, apoiando-os sobre os calcanhares. A tela do canhão estava vazia.— Tem que me aproximar da esfera seguinte!— Estou tentando!A tela do canhão continuava vazia. Na tela do radar só se podia avistar um ponto de luz quase imperceptível. O Moonraker parecia quicar como uma bola que desce por um telhado de aço corrugado. Uma coloração castanha e assustadora estava se espalhando rapidamente pelo painel de observação dianteiro. Bond podia sentir o cheiro de algo se queimando. Não demoraria muito para que chegasse a sua vez.— Onde diabo se meteu a última esfera?Bond acompanhou o olhar de Holly nos painéis de controle. No canto superior direito, três agulhas separadas estavam entrando na área de "Perigo". Luzes vermelhas piscavam por toda parte. Tudo estava vermelho, exceto a tela do canhão. Holly disse, sombriamente:— Ainda temos mais quinze mil metros de queda. Se não conseguirmos encontrar a última esfera, vamos nos incendiar.Bond olhou para o altímetro: setenta e cinco mil metros, setenta e dois mil.. . Estavam caindo num ângulo suicida para entrar na atmosfera. Mas não havia alternativa. Ou faziam isso ou deixavam que cem milhões de pessoas morressem.— Lá está!Dois círculos vermelhos começaram a dançar loucamente na tela do canhão. Holly olhava para a frente, fixando um pequeno sol vermelho a se sacudir à distância. Bond sabia por que a esfera estava vermelha. Estava começando a penetrar na atmosfera da Terra. Exatamente como o Moonraker. Os círculos vermelhos se100aproximaram bruscamente e houve um clarão verde. Bond apertou os gatilhos. Os círculos permaneceram na tela. Vermelhos. Holly gritou de dor, apertando os controles.— Não vou conseguir manter este curso por muito tempo! Vamos estourar!Bond não disse nada. A altitude era agora de setenta mil metros. Os olhos dele estavam quase saltando das órbitas.

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O calor era angustiante. Os dois círculos ficaram novamente superpostos e houve outro clarão verde. Ele apertou os gatilhos no mesmo instante. Mas novamente tarde demais. Os dois círculos se afastaram, vermelhos, como dois olhos sem órbitas a zombarem de sua inépcia. Um zumbido estridente soava em algum lugar do painel. Incontáveis luzes piscavam ao mesmo tempo. Sessenta e sete mil metros. Morte, aqui vamos nós.— Estou perdendo o controle! A fuselagem começou a se incendiar!Bond concentrou-se nos círculos. Podia ser a última coisa em que iria se concentrar. O Moonraker estava sendo violentamente sacudido, como por mão gigantesca. O barulho do painel de controle era ensurdecedor. Luzes vermelhas piscavam nas extremidades do campo de visão de Bond, tentando distraí-lo. A fumaça entrava por suas narinas. Os calcanhares pareciam estar pegando fogo. Holly gritava de dor. Bond tinha de fazer um esforço supremo para se manter no controle dos próprios sentidos. Os dois círculos vermelhos descreviam pulos de canguru e se deslocavam para a mesma órbita. "Vamos, seus desgraçados, vamos!" Era como dar uma tacada de golfe e acertar um buraco distante. Uma tacada de que dependiam cem milhões de vidas. Os círculos se sacudiram e depois ficaram superpostos, surgindo o verde. Bond comprimiu o metal quente e olhou para a frente, pelo painel. Um facho de luz branca se projetou para um círculo branco, tingido de vermelho. O círculo desapareceu. Uma explosão violenta jogou o Moonraker para cima e Bond viu Holly se inclinar sobre a coluna de controle. E desmaiou no instante seguinte.10120O retorno à TerraFrederick Gray avançou pelo corredor comprido, sentindo-se satisfeito consigo mesmo. Era uma sorte que ele, como um dos elementos-chaves do governo de Sua Majestade, estivesse ao alcance de Houston na ocasião apropriada. Fez um esforço para não olhar muito obviamente para a equipe de televisão que filmava o seu avanço pelo corredor. Sua imagem estava sendo transmitida para o mundo inteiro. O que era uma publicidade bem merecida para a sua carreira. Com a saúde do primeiro-ministro em discussão e nenhum sucessor definido num gabinete dividido, as oportunidades que se abriam à sua frente eram ilimitadas. Frederick Gray, o homem em foco. Toda a glória da façanha inesperada da Inglaterra no espaço seria ligada a ele. Com M e seus subalternos devidamente ocultos em Londres, ele seria encarado como a mente arguta e determinada que possibilitara o grande feito britânico. O que, no final das contas, era perfeitamente justo. Fora ele quem exigira que o melhor homem fosse destacado para a missão e o tal de Bond aparentemente se desempenhara a contento.— Esperem um pouco, senhores.O cinegrafista ergueu a mão e a falange parou obedientemente. As câmaras zuniam. Frederick Gray viu o microfone por cima de sua cabeça e começou a falar com a voz lenta e pomposa que já entediara milhões de espectadores :101— . . .um grande dia para a cooperação anglo-americana e um grande dia para o mundo.O general cujo nome ele não gravara fitou-o com uma expressão de surpresa.— É isso mesmo. — O general deslocou-se por trás do ombro que Gray inclinara para barrar-lhe a passagem e dirigiu-se aos jornalistas: — Vamos entrar agora no Controle da Missão. Agradeceria se ficassem dentro dos limites prescritos. Obrigado.Um guarda armado, de capacete e polainas brancas, abriu a porta e Gray passou rapidamente. À primeira vista, teve a impressão de haver entrado num teatro. Só que havia fileiras de painéis de controle ao invés de assentos. Onde deveria ser o palco, havia um enorme mapa-múndi, com linhas pontilhadas, indicando os percursos dos satélites em órbita. Gray pensou nos lançamentos espaciais famosos que haviam sido controlados daquela sala e desejou poder recordar os nomes de alguns. Deveria ter mandado que sua secretária particular providenciasse as informações necessárias. Umas poucas palavras bem escolhidas poderiam impressionar os espectadores com sua perspicácia e conhecimento do que estava ocorrendo no mundo. Ele percebeu que o microfone estava longe e sentiu-se melhor.— Deveras impressionante — murmurou mesmo assim, para o caso de alguém estar ouvindo.

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O general virou-se e fitou-o com uma antipatia que não se deu ao trabalho de disfarçar. Detestava todos os políticos em geral. Mas os políticos britânicos, comportando-se como se ainda possuíssem um império, provocavam-lhe uma irritação pior do que a causada por sua úlcera.Um homem de aparência autoritária, trazendo no bolsinho da camisa de mangas curtas um crachá com as palavras "Diretor do Controle da Missão", adiantou-se e sacudiu a cabeça para o grupo.— Sejam bem-vindos ao Controle da Missão de Houston. Recebemos um relatório de posição e devemos estabelecer contato visual a qualquer momento. Se olharem para o mapa na parede, poderão ver a trilha de luzes verdes aproximando-se do oceano Índico. A luz vermelha piscando que podem observar representa a nave que estamos rastreando. Assim que o Major Bond e a Dra. Goodhead chegarem ao nosso alcance, o contato audiovisual será efetuado com aqueles monitores de TV ali no canto.Gray começou a ficar contagiado pelo excitamento que au102mentava na sala, mas por diferentes razões. Ouvira o seu nome mencionado duas vezes pelo homem de televisão que empunhava um microfone. Estavam transmitindo ao vivo e as palavras dele seriam ouvidas em todos os cantos do mundo. Desde o pouso de Armstrong e Aldrin na Lua, não havia um acontecimento tão sensacional. O diretor do Controle da Missão recomeçou a falar, olhando para Gray:— Estamos particularmente satisfeitos pela presença de Mr. Gray. Por causa do significado histórico desta missão, estamos ligados diretamente com a Casa Branca e o Palácio de Buckingham, via satélite.Gray estava agora transbordando de alegria e mal conseguiu balbuciar:— É muita gentileza.. .Podia imaginar a mão real baixando a xícara de chá, os olhos fixados na tela. Em tais ocasiões, um homem podia ser desculpado por seus sonhos. O que ele pensaria quando recebesse a ligação do palácio? Imaginou-se sentado no Rolls-Royce, a seguir pelo Mall, os curiosos esticando a cabeça para vê-lo, enquanto as sentinelas batiam continência à sua passagem."Aceita formar um governo, Mr. Gray?""Claro, senhora."O primeiro de muitos encontros, talvez culminando com o momento em que apoiaria o joelho sobre uma almofada de veludo e haveria uma leve pancada em seu ombro:"Levante-se, Sir Frederick'.Sir Frederick Gray. . . As três palavras formavam um poema mais maravilhoso que qualquer soneto de Shakespeare.— Estamos captando alguma coisa!Um técnico falou do lado de uma tela grande, muito excitado. Gray empurrou o general para o lado com o cotovelo. A câmara de televisão se aproximou. Um diretor de cena estava com o braço levantado. Aquele era o momento. Gray adiantou-se, a fim de que o mundo pudesse contemplas as lágrimas de orgulho em seus olhos, ao cumprimentar seu agente. Os olhos se arregalaram, aturdidos, ao contemplarem a cena na tela. Depois, lentamente, ele começou a recuar para trás do general.— Os shoshones costumavam fazer amor depois da batalha, para agradecerem por ainda estarem vivos — disse Holly.Bond beijou-lhe o ombro nu e observou uma exígua peça íntima passar diante dos seus olhos, flutuando no espaço.102— Não me diga que não valeu a pena lutar — murmurou ele. — Só é uma pena que os shoshones não pudessem se amar na ausência de peso.— Espero que eles tenham encontrado outras compensações. — Holly beijou Bond na boca e abriu os braços. — Oh, James, isto é o próprio paraíso!Bond ergueu a cabeça a fim de olhar por uma vigia imaginária.— Já?Holly abraçou-o de novo.— Você é um idiota, James.— Devo ser mesmo, para fazer amor na gravidade zero e no meu estado. Deveria estar num hospital.

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— Não diga bobagens. Você está em perfeitas condições. Gosto de homens ligeiramente queimados nas beiras.— Mas que garota horrível! — Bond beijou-a com força na boca. — Deveríamos guardar tudo isso para Veneza.Holly inclinou a cabeça para trás.— Vai me levar de volta a Veneza, James?— Creio que nossos respectivos patrões encararão favoravelmente um período de convalescença.— Será que não poderíamos convalescer aqui?— A comida constitui um problema.— E quem precisa de comida?Holly segurou o rosto de Bond entre os dedos e beijou-o sofregamente. Bond gostou do beijo e flutuou para alguns centímetros de distância, a fim de contemplar o corpo de Holly. Algo na cabine atraiu-lhe a atenção. Algo que estava se mexendo. Um pequeno monitor de televisão. No fundo da lente, uma pequena luz vermelha brilhava lubricamente. Bond estremeceu.— Qual é o problema?Holly flutuou na direção dele como uma mãe solícita.— Nada de sério.Bond recebeu-a nos braços e furtivamente estendeu a mão por cima do ombro dela, a fim de puxar o cabo do monitor. O aparelho parou de se mexer, a luz apagou.— De qualquer forma, acho que devemos pensar logo na volta. Tenho a impressão de que devem estar preocupados conosco.Os lábios de Holly começaram a roçar sensualmente o peito de Bond.— Por favor, James, quero dar mais uma volta ao mundo...103O AUTOR E SUA OBRAPoucas celebridades, no mundo da ficção, foram tão badaladas quanto o superagente secreto britânico James Bond. Derrotando, ileso, hâ três décadas, a mais diversificada gama de marginais, o herói criado pelo escritor londrino lan Fleming (1906-1964) já rendeu muitas histórias e onze filmes, dos quais os dois últimos são obra e arte de um conterrâneo de seu autor original: Christopher Wood.Nem só de James Bond, porém, vive um bom escritor como Wood. Nascido em Londres em novembro de 1935, seu nome completo é Christopher Hovelle Wood. Formou-se pela Universidade de Cambridge, em 1960, e serviu como oficial do exército britânico no oeste da África. Seu primeiro livro foi "Make it happen to me", um thriller humorístico de 1968. A seguir vieram "Terrible hard, says Alice" (1970) e o romance histórico "John Adam, samurai", escrito sob o pseudônimo de Timmy Lea.De 1971 a 1977 lançou quatro livros numa mesma linha de abordagem: "Confessions of a window cleaner", "Confessions from a stud farm", "Confessions of an astronaut" e "Confessions of a stunt man", todos adaptados para cinema ou televisão. Publicou ainda "Fire mountain", antes de partir para o livro e roteiro de "James Bond, the spy who loved me" ("O espião que me amava", de 1978) e deste "James Bond and Moonraker' (1979), que no Brasil recebeu o título de "007 contra o foguete da morte".103103