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EXPOSIÇÃO MIRA SCHENDEL 01 MAR — 24 JUN 2014 Português Clay Perry, Mira Schendel e Droguinha, Londres 1966, Cortesia Clay Perry, England & Co. Gallery, Londres

01 MAR — 24 JUN 2014 - serralves.pt aprendendo com o exemplo de ... 1960 caracterizam-se por uma inflexão ... Mario Schenberg conta que

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EXPOSIÇÃO

MIRA SCHENDEL01 MAR — 24 JUN 2014

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Mira Schendel nasceu em 1919 em Zurique, com o nome Myrrha Dagmar Dub, no seio de uma família de ascendência ju-daica. Cresceu em Itália, onde teve uma educação católica e estudou filosofia na Universidade Católica de Milão. Durante a Segunda Guerra Mundial foi forçada a abandonar a universidade devido às suas raízes judaicas e foi-lhe retirada a nacio-nalidade italiana. Tornando-se refugiada, viajou através da Suíça e da Áustria para a então Jugoslávia. Em 1949 emigrou para o Brasil, onde iniciaria a sua carreira artística. Schendel recorda: “Comecei a pintar no Brasil. A vida era muito difícil, não tinha dinheiro para pagar as tintas, mas eu comprava tinta vagabunda e pin-tava apaixonadamente. Questão de vida ou morte”.Nesses primeiros anos no Brasil, e principalmente de modo autodidata, Schendel adotou novas abordagens à pintura, aprendendo com o exemplo de artistas como Giorgio Morandi, Giorgio de Chirico e Paul Klee. A partir de cer-ca de 1953, quando se mudou para São Paulo, Mira Schendel começou a assi-nar o seu trabalho simplesmente com o nome Mira.

SALA 1

As primeiras obras de Schendel são naturezas mortas, interiores e compo-sições arquitetónicas assimétricas que aproximam o seu trabalho da abstra-ção. Estes trabalhos apresentam o ser a partir de pormenores mundanos do nosso meio envolvente, daquilo que nos rodeia no quotidiano. Para o filósofo alemão Martin Heidegger (1889–1976), que Schendel lera, o ser significava a ‘quotidianidade’ da existência, não sepa-rado do mundo mas no seu seio. Nesta perspetiva, organizamos a nossa exis-tência num mundo de coisas — e coisas são o que surge nas primeiras obras de

Schendel. As obras nesta sala conduzem gradualmente a uma investigação da ma-terialidade, da própria pintura enquanto objeto no mundo — numa das pinturas, a artista chega mesmo a adicionar à com-posição elementos em relevo.Nestas primeiras obras, Schendel expe-rimentou vários modos de abstração, tanto na pintura como no desenho. Todavia, sentia-se dividida a respeito do termo ‘abstrato’ aplicado ao seu traba-lho, afirmando: “De minha pintura não sei dizer nada, não é ‘abstrata’, mas é abstrata como, creio, toda a arte”. Para Schendel, arte abstrata e figurativa eram “distintas mas igualmente irreais”. Porém, pouco tempo depois, fala de fa-zer novos trabalhos que “talvez sejam abstratos (ou construtivos, ou concretos: a terminologia não vem muito ao caso)”.Considerações de ordem económica continuavam a preocupar a artista, que procurava viver do seu trabalho. Trabalhou como designer gráfica, produ-zindo capas de livros e ilustrações, assim como uma série de postais de Natal com desenhos abstratos destinada à venda comercial. No entanto, com eles criaria pela primeira vez trabalhos serializados num formato e escala preestabelecidos — algo que viria mais tarde a definir o seu método de trabalho. Trabalhando em casa, e não num ateliê, criou tam-bém desenhos intitulados “Bordados”, as suas primeiras obras em papel de arroz, nas quais explora a questão da transparência.Apenas em 1960 se tornaria Mira Schendel, ao casar com Knut Schendel, expatriado alemão e dono de uma im-portante livraria, ponto de encontro habitual dos intelectuais de São Paulo.As pinturas de Schendel da década de 1960 caracterizam-se por uma inflexão no sentido da geometria, revelando a in-fluência da pintura concreta. No entanto, o aspeto mais evidente são as superfí-cies espessas e matéricas e as formas

elementares que surgem nestas obras; Schendel afirmaria: “Por mais que eu use formas geométricas, o elemento sensorial da pincelada, a textura estão sempre presentes. Para mim isso é mui-to importante. Nunca faria uma pintura completamente lisa”.Por outro lado, estas obras mostram que Mira estava consciente da força da arte informal em São Paulo, exemplificada pela sua contemporânea Tomie Ohtake (n. 1913), e também que conhecia o tra-balho de artistas italianos como Lucio Fontana e Alberto Burri — que haviam ex-posto nas primeiras edições da Bienal de São Paulo.Pelo seu uso de tons escuros e formas arquetípicas, podemos interpretar as pinturas de Schendel como obras mís-ticas ou cósmicas, preocupadas com a relação entre o ser e o nada. Estas pin-turas evidenciam que a muito do seu trabalho subjaz uma investigação sobre a filosofia do ser.O físico e crítico Mario Schenberg (1914–1990), amigo de Schendel e um dos seus primeiros admiradores, escreveu sobre a sua pintura desta época: em 1963, “pu-demos apreciar o começo da nova fase das pinturas a óleo e de óleo e têmpe-ra de Mira: telas austeras e difíceis e de claro sentido ontológico, em que o rigor da construção e a contenção do colori-do e da textura nos faziam sentir o Ser parmenidiano, imutável e rígido em sua identidade. Numa ou noutra tela, o Ser rígido e maciço parecia ameaçado por um Nada devorador. (...) Em 1963 foi se desenvolvendo na pintura de Mira um sentimento do vazio e da espacialidade”.A par do seu trabalho exploratório dos limites da abstração, no início da década de 1960 Schendel continuava a produzir obras figurativas. Entre elas, contam-se trabalhos que se afiguram naturezas mortas tradicionais e outros de caráter mais críptico. Estas obras testemunham o interesse contínuo de Schendel pela

natureza morta como exercício for-mal, experimentando diversos estilos e técnicas; encontram-se entre as suas primeiras experiências de combinação de palavra e imagem.Duas pinturas intituladas O Retorno de Aquiles, de 1964, estão entre as obras mais enigmáticas de Schendel, sendo também das primeiras em que a artista opera uma síntese de texto e símbolo. Ambas se referem ao po-ema épico de Homero A Ilíada, mas a citação incorporada numa das compo-sições é retirada de Apologia pro vita sua (1874), do teólogo britânico John Henry Newman (1801–1890). O exten-so texto de Newman consistia numa meditação sobre a natureza da fé e da certeza, procurando demonstrar que é possível acreditar naquilo que não pode ser absolutamente provado. Estes te-mas relacionam-se com a filosofia de Ludwig Wittgenstein (1889–1951), que também escreveu acerca da certeza. É provável que Schendel tenha desco-berto Newman através da sua leitura de Wittgenstein. Ambas as figuras li-gam Schendel à Grã-Bretanha e à sua visita em 1966, quando procurou Cyril Barrett, padre jesuíta, académico e au-tor de diversas obras, entre elas um estudo da relação entre o pensamento de Newman e de Wittgenstein e e as respetivas ideias sobre a crença.A série de pinturas sobre papel nas quais Schendel emprega apenas pig-mentos negros, brancos e vermelhos foi chamada “Bombas”. Nelas, tinta e pastel são aplicados sobre papel molha-do, originando formas difusas que, em conjunto com uma paleta restrita mas ousada, remetem para a pintura caligrá-fica oriental. Mario Schenberg conta que Schendel começou a introduzir no seu trabalho “a cosmovisão do Oriente, que lhe fora revelado pelas reproduções de Chi Pai Shi, o grande mestre da pintura chinesa contemporânea”.

Estas são também obras nas quais Schendel aprofunda a exploração da uni-ficação de palavras e imagens visuais. Numa delas a composição é dominada pela palavra ‘Sim’. Motivos em espiral são recorrentes na obra de Schendel. Uma dessas formas domina a pintura Sem título (Todos), de 1964. As formas em espiral eram altamente simbólicas para Schendel e uma interpretação possível é que re-metam para a espiral de Arquimedes, que descreve, em termos matemáticos, uma progressão em espiral no espaço. Essa progressão implica movimento e, consequentemente, também duração. Assim, as espirais são simultaneamen-te uma imagem e uma investigação do espaço e tempo.

SALA 2

Em 1964 Schendel deu início aos seus desenhos ou monotipias sobre papel de arroz semitransparente. Os dese-nhos eram executados rapidamente e em cerca de dois anos estava concluída a grande maioria de um total de mais de 2000. Esta execução rápida, mas rigorosa e intensa, viria a definir o seu modo de produção subsequente. Uma parte das “Monotipias” caracteriza-sepelo uso de linguagem — frequente-mente combinando diferentes idiomas num só trabalho, incluindo português, italiano, alemão e inglês — e foram in-fluenciadas tanto pela poesia concreta como pela música estrutural. Estas obras consubstanciam a exploração dos conceitos de ser e nada, ou va-zio, e de ideias filosóficas oriundas da fenomenologia (o estudo do ser e da consciência) — como existimos no mun-do (Umwelt ou meio ambiente), com o mundo (Mitwelt ou mundo social) e dentro de nós próprios (Eigenwelt ou mundo interior).

Em 1965–66, Schendel utilizou novamente papel de arroz para criar uma série de esculturas maleáveis intituladas “Droguinhas”. Schendel afirmou que pretendera criar “algo tecnicamente pri-mário e bem fácil. De um ponto de vista ocidental estas ‘esculturas’ (essa palavra sem sentido!) poderiam ser vistas sob a perspectiva da fenomenologia do ser. Do ponto de vista oriental, bom, elas se rela-cionam com o zen”. Em 1968, Guy Brett comentou: “As Droguinhas de Schendel não descrevem qualquer movimento em particular, mas são contribuições vitais para a linguagem do movimento, pois a sua fragilidade e energia apontam para o espaço como uma coisa ativa, um cam-po de possibilidades”. Em 1966, a Signals, galeria londrina de arte experimental, organizou uma impor-tante exposição individual de Schendel. Este facto é significativo devido à inova-dora perspetiva multidisciplinar da arte contemporânea defendida pela galeria.A instalação da série de Schendel “Objetos Gráficos” pretende recriar a apresentação destas obras no Pavilhão Brasileiro da Bienal de Veneza de 1968. Os “Objetos Gráficos” constituem um desenvolvimen-to dos delicados desenhos de Schendel sobre papel de arroz combinados com acrílico translúcido, cuja forma tentava criar uma impressão de ‘transparência’ visual, temporal e espacial. Schendel afir-maria: “Foi a temática da transparência que me levou ao objeto”. Nestes trabalhos Schendel aborda também a transparência enquanto conceito filosó-fico, em linha com os escritos do filósofo, poeta e linguista Jean Gebser (1905–1973). Gebser, que pretendia descrever a estrutura da consciência humana, recorreu à noção de ‘transparência’ ou ‘diafaneidade’ para se referir à experiência humana do tempo e a uma forma do espiritual. O seu objetivo era “tornar transparente tudo o que estivesse latente ‘por trás’ e ‘antes’ no mundo – tor-nar transparente a nossa própria origem”.

Para Gebser, o pensamento racional e as ideias de tempo linear e progresso não tinham em consideração aquilo que está latente no ser. Os “Objetos Gráficos” exploram também a linguagem e a corporeidade. Na maio-ria destes trabalhos, Schendel usou letras como elementos gráficos, desenhadas ou aplicadas por decalque. Os trabalhos ocupam o espaço do espectador; não têm frente nem verso e podem ser lidos atra-vés da sua semitransparência, de modo que as letras são invertidas, tornam-se ‘antitexto’. Noutros trabalhos, contudo, surgem notas do seu amigo Max Bense (1910–1990), filósofo e linguista, trechos de poemas de João Cabral de Melo Neto (1920–1999) e versos de letras de samba de Chico Buarque (n. 1944).Os dois Trenzinhos ilustram o tema da diafaneidade e simultaneamente con-substanciam a extrema fragilidade e delicadeza do trabalho de Schendel. São feitos com as mesmas folhas de papel de arroz que as “Monotipias” e os “Objetos Gráficos”. Todavia, neste caso as páginas em branco foram deixadas soltas e sim-plesmente agregadas umas às outras com um fio de algodão, para serem suspensas entre as paredes de uma sala. Uma destas obras foi exibida em Londres, em 1966, na exposição de Schendel na galeria Signals. As obras Sem título (Transformáveis) parecem ter sido criadas para serem mani-puladas pelos espectadores, podendo ser consideradas objetos ‘relacionais’ devido às suas dobradiças, que indicam que a sua posição pode ser alterada. Mas a abor-dagem de Schendel à interação era mais restrita. O seu comentário de que estas pequenas tiras de acrílico seriam aperce-bidas como objetos do tipo para “fazer”, “brincar”, “tocar”, “desmanchar”, sugere que teriam mais a ver com um movimento potencial do que com uma efetiva intera-ção. Sublinhando este aspeto, Schendel comentaria acerca deles: “Aquilo que re-almente contava eram a luz e a sombra

projetadas na parede, como continuação de alguns dos meus desenhos – que eram sempre feitos nesses papéis transparentes e ultrafinos”. Schendel realizou também uma série de objetos chamada “Discos”, que des-creveu do seguinte modo: “Aqui (...) há o problema da transparência, do dentro e do fora ao mesmo tempo, como objeto e sujeito são os mesmos, o côncavo e o convexo são juntos, sente-se assim a te-mática da transparência.”

SALA 3

A instalação Variantes (1977) é uma obra única na produção de Schendel, integran-do o conjunto muito restrito de instalações que faria ao longo da sua carreira. Pode ser vista como o culminar da sua série “Objetos Gráficos”, demonstrando como a artista desdobrou o desenho no espaço para que fosse visto dos dois lados, e fosse tanto experienciado como ‘lido’. A obra assume a forma de uma conste-lação ou nuvem, formada por noventa e três pequenos “objetos gráficos” sobre temas matemáticos. Noventa e dois fo-ram executados a branco sobre branco e um único a branco sobre negro. Schendel usou frequentemente este recurso, no qual um ponto focal inverte o equilíbrio do preto e branco — por exemplo nas suas “Droguinhas” —, que pode portanto ser visto como uma continuação do seu inte-resse pelo pensamento oriental. Schendel comentaria: “Acho que a assimetria é uma das grandes lições dos orientais. Acho que nos veio do Oriente essa grande lição da assimetria; acho que o Ocidente sempre entendeu mais a simetria. É raro que um desenho meu seja simétrico. Em geral, in-tuitivamente, fujo da simetria.”Embora nunca tenha sido exposta em vida de Mira, Variantes tornou-se após a sua morte numa das suas mais ambicio-sas declarações.

SALA 4

A instalação Ondas Paradas de Proba-bilidade foi criada para a 10a Bienal de São Paulo em 1969. Realizada durante a ditadura militar (1964–85), esta edição da Bienal ficou conhecida como a “Bienal do Boicote”, na qual muitos artistas bra-sileiros e estrangeiros se recusariam a participar, em protesto contra o regime e contra a violenta repressão imposta pela ditadura em 1968. De modo controverso, Schendel aceitou o convite que lhe foi di-rigido por Mario Schenberg. A sua decisão ter-se-á talvez baseado na aceitação de uma oportunidade para apresentar uma forma alternativa de estar ou de resistir.A sua instalação de fibras finas e quase transparentes (fio de nylon) é acompanha-da por um texto do Antigo Testamento, nomeadamente do Livro dos Reis I, 19. A relação do texto com a instalação diz respeito a manifestações do invisível e à relação entre conhecimento, fé e certeza. A obra pode também ser vista como um “campo de possibilidade’ tal como propos-to pela ciência e pela “teoria de campos”. Tal como Schendel explica, neste trabalho “o tema é predominantemente a visibilida-de do invisível, daquilo que age sem que o vejamos — como, por exemplo, processos físicos ou espirituais”. E a artista acres-centaria: “Com o trabalho da Bienal (…) talvez inicie uma fase de maior silêncio. (…) Escutar (também o silêncio). Para isto, para a libertação.” Através desta obra, Schendel procurou exprimir o objetivo da humanidade de “ser, lealmente, DESTE mundo. E não ser deste mundo. Com amor e alegria e também o inevitável sofrimen-to com devoção e sem ilusões”.

SALA 5

Na década de 1970, Schendel continuou a abordar os temas da transparência e da linguagem, mas também da matemática,

comunicação, informação e teoria dos jogos. A artista deu início a um conjun-to de séries de desenhos, tais como os “Cálculos”, “Datiloscritos”, que usam letras e números nas suas composições, explorando a lógica enquanto método para testar a verdade de uma afirmação e simultaneamente usando a linguagem dos números binários 0 e 1 como compo-nentes comunicativos básicos. A artista criaria ainda obras que consti-tuem uma investigação sobre a “obra em movimento” ou “obras abertas” a com-pletar pelo espectador ou leitor. Tanto as colagens intituladas “Toquinhos” como os “Cadernos” relacionam-se com questões de linguagem, tempo e varia-bilidade e envolvem o espectador num processo de decisão. Os “Cadernos”, realizados sobretudo em 1971, não são cadernos de esboços ou livros de artista, mas sim objetos-livro não convencionais que constituem obras por direito pró-prio. Sobre eles a artista comentaria: “os ‘Cadernos’ (…) continuam a temáti-ca das letras (…). Os ‘Cadernos’ também têm uma parte que é transparência (...): são os ‘Cadernos Transparentes’. Toda a mesma temática, espaço-temporal, dos ‘Objetos Gráficos’, dos ‘Toquinhos’, dos ‘Discos’, etc.”A década de 1970 trouxe a Schendel novos modelos de produção, particularmente o uso de efeitos de tinta de spray nos seus desenhos. Ainda que tal remonte aos efeitos difusos que conseguira, na década de 1960, com tinta sobre papel molhado, trata-se também de uma ferramenta que irá permitir novas liberdades.A série Homenagem a Deus-Pai do Ocidente (1975) é constituída por dezasseis desenhos executados a spray com letras transferidas que enunciam fragmentos e passagens do Antigo Testamento, sobre-tudo retiradas dos Salmos. A série recorre a diversas línguas — português, alemão, italiano e inglês —, procedimento recorren-te na obra de Schendel.

A série aborda os temas da fé, do poder divino e da aceitação. Ao longo da vida, Schendel debateu-se com os ensina-mentos do catolicismo em que tinha sido educada, confrontando-os com a sua ati-tude pessoal relativamente à natureza da existência, moldada pela sua leitura aprofundada da filosofia ocidental e do pensamento oriental. No entanto, para Schendel não havia soluções fáceis. A igreja fora fundamental, ajudando-a a escapar do fascismo; representava, atra-vés da Ordem Dominicana, uma fonte de resistência à ditadura brasileira, o que levaria Mira a familiarizar-se com a Teologia da Libertação — a aplicação da teologia contra a injustiça social. Nas coloridas “Mandalas” — que mais uma vez indiciam o interesse de Mira pela filosofia oriental, mas também pelo pensamento de Jung — arranjos geométricos matematicamente preci-sos são usados como forma de exprimir valores espirituais.

SALA 6

Durante a década de 1980, Schendel regressou à pintura, criando uma série de trabalhos a têmpera e folha de ouro. Estas obras foram frequentemente mal interpretadas como expressões de luxo decorativo — e por isso foram vanda-lizadas na sua primeira apresentação — ou como referência à arte religiosa. Na verdade, são a expressão formal de um equilíbrio entre opacidade e trans-parência — enquanto a têmpera mate absorve a luz, o ouro é refletor e, como tal, ‘transparente’. A série de trabalhos a preto e branco demonstra a extrema economia de Schendel no uso da forma, da cor e da luz. O equilíbrio de branco e negro, um dominante e o outro de presença mais subtil, é recorrente num conjunto de obras em técnicas e escalas diferentes.

Este jogo de opostos tem origem nas suas leituras de textos filosóficos e es-pirituais, especificamente o I Ching — o antigo Livro das Mutações chinês, que explora o equilíbrio dinâmico entre os opostos Yin e Yang. A série intitulada “I Ching” demonstra a importância para Schendel do pen-samento oriental, a par da filosofia ocidental. A composição, dividida em dois hexagramas ou em séries de seis, também pode ser lida como uma pro-gressão matemática, representando o tema da inevitabilidade e constância da mudança, tal como é explorado no I Ching. Formalmente, este grupo de desenhos é constituído por uma série de campos cromáticos abstratos, nos quais áreas de cores contrastantes são exploradas segundo relações propor-cionais diversas. A última série completa de Schendel foram os “Sarrafos” (1987). As bar-ras negras de madeira que se erguem das suas superfícies questionam ques-tionam os limites entre o corpo, a superfície da pintura e o espaço do es-pectador. Nelas, Schendel abandona a sua habitual delicadeza para produzir obras que são inequívocas e vigorosas. A artista explica que a série se relacio-na com a situação política do Brasil no final da década de 1980; estabelecendo pela primeira vez uma ligação tão espe-cífica, e afirma: “Nasceu do momento de falta de decisão, de desordem que o Brasil viveu (…), quando parecia que es-távamos vivendo numa Weimar tropical. (…) Naquele momento, como todos, eu também sentia necessidade de ter uma direção, um rumo. E estas obras são uma reação ao marasmo daquele momento.”A série “Paisagens Chinesas”, dos anos 1980, partilha com a anterior o uso de uma espessa linha negra no interior de um fundo branco monocromático, mas inclui também cadeias de letras ‘A’ antro-pomórficas. Estes desenhos sublinham o

inter-relacionamento dentro da prática de Schendel, que regressa repetidamen-te a temas e motivos no seu trabalho. Se os “Sarrafos” questionavam o corpo, estes desenhos exploram a paisagem e o meio envolvente (ou Umwelt) — ou-tra preocupação recorrente na obra de Schendel. Nestes trabalhos, a paisagem é reduzida ao seu mínimo essencial, a uma linha mais ou menos horizontal. Outra das séries apresentadas nesta sala, os desenhos conhecidos como “Paisagem Noturna de Itatiaia” (1978), toma o título do Parque Nacional de Itatiaia, um parque natural montanho-so no Estado do Rio de Janeiro. Nestes trabalhos, ‘A’s isolados ou em grupos povoam as paisagens noturnas como figuras em fuga. Esta é uma das últimas séries em que surgem letras.

“Mira Schendel” é uma exposição organizada pela Tate Modern, Londres, e a Pinacoteca do Estado de São Paulo em associação com a Fundação de Serralves — Museu de Arte Contemporânea, Porto.

Curadoras: Tanya Barson (Curadora de Arte Internacional, Tate Modern, Londres) e Taisa Palhares (Curadora, Pinacoteca do Estado de São Paulo)

Bibliografia selecionada sobre Mira Schendel

Ronaldo Brito, Experiência Crítica, São Paulo: Cosac Naify, 2005.

Maria Eduarda Marques, Mira Schendel, São Paulo: Cosac Naify, 2001.

Rodrigo Naves, O Vento e o Moinho: Ensaios sobre Arte Moderna e Contemporânea, São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Rodrigo Naves, A Forma Difícil: Ensaios sobre Arte Brasileira l, São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

Geraldo de Souza Dias, Mira Schendel, cat. exp., Paris: Galerie Nationale du Jeu de Paume, 2001.

Geraldo Souza Dias, Mira Schendel: Do Espiritual à Corporeidade, São Paulo: Cosac Naify, 2009.

Seguradora Oficial: Fidelidade — Companhia de Seguros, S.A.Apoio: Sugestões & Opções — Catering de Eventos

Fundação de Serralves / Rua D. João de Castro, 210 . 4150-417 Porto / www.serralves.pt / [email protected] / Informatio: 808 200 543 PARQUE Entrance by Largo D. João III (junto da Escola Francesa)

Apoio institucional Mecenas Exclusivo do MuseuProjeto “Serralves, Ecossistema Criativo” cofinanciado por

PROGRAMA DE ATIVIDADES RELACIONADAS COM A EXPOSIÇÃO

VISITAS GUIADAS01 MAR (Sáb), 17h30, Galerias do Museu Encontro na exposição com as respetivas curadoras, Taisa Palhares (Pinacoteca de São Paulo / Brasil) e Tanya Barson (Tate Modern / Reino Unido)

08 MAR (Sáb), 15h00, Galerias do MuseuVisita à exposição exclusiva para Amigos de Serralves por Paula Fernandes (curadora do Museu)

20 MAR (Qui), 18h30, Galerias do Museu Encontro na exposição com o poeta José Tolentino de Mendonça

17 ABR (Qui), 18h30, Galerias do Museu Encontro na exposição com a artista Leonor Antunes e lançamento do livro Leonor Antunes: casa, modo de usar

OFICINAS05 ABR (Sáb), 15h00–18h00, Sala do Serviço Educativo Oficina Portas dos Pensamentos por Ana Vieira e Andreia Coutinho

Visitas guiadas à exposição orientadas por monitores do Serviço Educativo

30 MAR (Dom), 12h00–13h00, Galerias do Museu por Cristina Alves

27 ABR (Dom), 12h00–13h00, Galerias do Museu por Samuel Silva 11 MAI (Dom), 12h00–13h00, Galerias do Museu por Joana Nascimento