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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
LUCIANA CAETANO DA SILVA
Desigualdades sociais no Brasil: fios condutores, enfrentamento no período 2003 a 2014 e resultados
alcançados
CAMPINAS
2018
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
LUCIANA CAETANO DA SILVA
Desigualdades sociais no Brasil: fios condutores,
enfrentamento no período 2003 a 2014 e resultados
alcançados
Prof. Dr. Marcio Pochmann – orientador
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Desenvolvimento Econômico, área de concentração Economia Social e do Trabalho.
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA LUCIANA CAETANO DA SILVA E ORIENTADA PELO PROF. DR. MARCIO POCHMANN.
CAMPINAS
2018
TESE DE DOUTORADO
LUCIANA CAETANO DA SILVA
Desigualdades sociais no Brasil: fios condutores,
enfrentamento no período 2003 a 2014 e resultados
alcançados
Defendida em 02/02/2018
COMISSÃO EXAMINADORA
Prof. Dr. Marcio Pochmann - Presidente Instituto de Economia - UNICAMP
Prof. Dr. Jose Dari Krein Instituto de Economia - UNICAMP
Prof. Dr. Denis Maracci Gimenez Instituto de Economia - UNICAMP
Prof. Dra. Tania Bacelar de Araujo Universidade Federal de Pernambuco
Prof. Dr. Carlos Antonio Brandão Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
Ata de Defesa, assinada pelos membros da
Comissão Examinadora, consta no processo
de vida acadêmica da aluna.
Dedico este trabalho a minha avó materna, (Marina, in memorian) e a
meus pais (Neuza e Edgar, este, in memorian), que guiaram meus
primeiros passos e, como quem cultivam sonhos, assistiram aos
seguintes, guiados pelo amor em forma de oração.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os professores e professoras que fizeram parte desta minha longa jornada,
desde as primeiras letras e cores, os primeiros números, seguindo pelo encantado universo da
leitura, que despertou em mim o desejo de percorrer caminhos cada vez mais distantes.
Faço um agradecimento especial a meu orientador dileto, Prof. Dr. Marcio Pochmann, por sua
generosa, densa e inestimável contribuição, a quem deixo um abraço afetuoso para além de
todas as formalidades acadêmicas, onde o afeto se aninhou, criando raízes.
Agradeço a meus colegas de trabalho (FEAC/UFAL) que, solidariamente, foram favoráveis a
meu afastamento das atividades acadêmicas, sem o qual essa jornada teria sido muito mais
difícil, em especial, ao Prof. Dr. Cícero Péricles, eterno incentivador e amigo de longa
caminhada.
Agradeço aos professores que aceitaram nosso convite para composição da banca de defesa
desta tese, trazendo novas e importantes contribuições ao adensamento e refinamento do texto:
Prof. Dr. Dari Krein e Prof. Dr. Denis Gimenez que, tendo dado importante contribuição na
fase de qualificação, gentilmente e mais uma vez, o fazem na defesa; Prof. Dr. Carlos Brandão,
que tive o prazer de conhecer no dia da defesa, mas cujas ideias percorrem caminhos que me
são muito familiares; Profª. Dra. Tânia Bacelar, por quem nutro grande admiração,
representando o Nordeste e o gênero feminino, com seu olhar crítico e intervenções muito
objetivas.
E, por fim, a todos que me acolheram em Campinas, em especial, aos colegas de turma cujas
relações foram marcadas por cordialidade, solidariedade e afeto, transformando em brisa a
aridez dos dias frios, acentuada pela saudade dos que me são muito preciosos. Amor e afeto
sempre aquecem o coração.
A miséria absoluta e a indigência não se apresentarão
necessariamente nos países de mais baixos níveis de renda
per capita, e sim naqueles em que forem mais acentuadas
as disparidades sociais e regionais.
Celso Furtado
RESUMO
A desigualdade social no Brasil é uma herança histórica que, analisada a partir do modelo
industrial (1930), demonstra que a implantação do Estado Social no mesmo período serviu
apenas para atenuar os conflitos de classe e contribuir com a sustentação política do governo
autoritário, dando-lhe mais popularidade e neutralizando importantes opositores políticos. Esse
Estado Social nasce seletivo e restrito à população vinculada ao mercado de trabalho, deixando
à margem de seu alcance as camadas mais pobres, especialmente, a população rural. Segue se
reestruturando e se expandindo, porém, sem a universalização dos direitos fundamentais,
conquista que só chega com a Constituição Federal de 1988 (CF 88), mas em um período de
consolidação do neoliberalismo econômico, dificultando a efetividade do estado de bem-estar
social que fica subordinado à supremacia do mercado. Da década de 1930 à de 1980, a atividade
industrial se expande, especialmente a indústria de transformação, chegando ao auge de sua
concentração espacial no início da década de 1970 quando a região Sudeste responde por mais
de 80% de toda produção industrial do país, produzindo uma extraordinária concentração de
renda em paralelo a um elevado nível de desigualdade social. A década de 1990 é marcada por
governos que acolhem a flexibilização do trabalho e um agressivo processo de privatização,
comprometendo o estado de bem-estar social inscrito na Constituição Federal de 1988,
inclusive com a criação de mecanismos que permitiam ao governo federal apropriar-se das
fontes da seguridade social para uso na área econômica. As políticas públicas implantadas no
período 2003-2014, portanto, marcam a inflexão da trajetória do Estado Social no Brasil, com
elevação dos gastos sociais acompanhado de resultados exitosos na área social como pode ser
constatado ao longo dos capítulos. Esses avanços, no entanto, não foram suficientes à redução
das desigualdades regionais, cujas diferenças de tecido social e estrutura produtiva definem o
ambiente onde as desigualdades sociais são reproduzidas continuamente. Um país marcado pela
concentração fundiária, forte herança escravocrata ainda presente nas relações de trabalho e
uma dispersão salarial sem paralelo na história das economias capitalistas exige mais do que
políticas compensatórias para superar o abismo que separa a extrema pobreza (concentrada
espacialmente) das camadas mais afortunadas. A superação da extrema pobreza e do abismo
que separa os dois mundos exige mudanças estruturais radicais sob a coordenação do Estado
Nacional e em parceria com os estados subnacionais.
Palavras-chave: desigualdade social, políticas públicas, estado de bem-estar social.
ABSTRACT
Social inequality in Brazil is a historical heritage that, analyzed from the industrial model
(1930), shows that the implementation of the Social State in the same period served only to
attenuate the class conflicts and to contribute to the political support of the authoritarian
government, giving it more popularity and neutralizing important political opponents. This
Social State is born selective and restricted to the population linked to the job market, not being
extended to the poorest layers, especially the countryside population. It keeps being restructured
and expanded, however without the universalization of the fundamental rights, achieved only
with the Federal Constitution of 1988 (CF 88), but in a consolidation period of the economical
neoliberalism, making it difficult the effectivity of the welfare state, subordinate to the market
supremacy. From the decades of 1930 to 1980, the industrial activity is expanded, especially
the transformation industry, reaching its peak of spatial concentration in the beginning of the
1970s when the southeastern region responds for more than 80% of the country’s industrial
production, creating an extraordinary income concentration parallel to an elevated level of
social inequality. The 1990s are marked by governments that accept the work loosening and an
aggressive privatization process, undermining the welfare state written in the Federal
Constitution of 1988, including the creation of mechanisms that allow the federal government
to hijack the sources of social security to use them in the economic area. The public policies
implemented in the 2003-2014 period, therefore, mark the inflexion of the Social State
trajectory in Brazil, with elevation of the social expenditures followed by successful results in
the social area as it can be shown throughout the chapters. These advances, however, were not
enough to reduce the regional inequalities, which differences of social tissue and productive
structure define the environment where the social inequalities are reproduced continuously. In
a country marked by the land concentration, a strong slavery heritage still present in the work
relations and with a wage dispersion unparalleled in the history of the capitalist economies, it
is demanded more than compensatory policies to overcome the abyss that separates the extreme
poverty (spatially concentrated) from the wealthier layers. Overcoming the extreme poverty
and the abyss that separate these two worlds require radical structural changes under the
coordination of a National State and in partnership with the subnational States.
Key words: social inequality, public policies, welfare state.
Lista de Quadros, Tabelas e Gráficos
PARETE 1.1
I - Lista de Quadros
Quadro 1 - Distribuição percentual do Valor da Transformação Industrial (VTI) por grandes
regiões, Brasil – 1970 a 2014....................................................................................................44
Quadro 2 – Distribuição (%) da população por situação de domicílios particulares, Brasil e
Grandes Regiões, anos selecionados – Censo Demográfico.....................................................47
Quadro 3 - População ocupada de 15 anos ou mais de idade, por rendimento e situação do
domicílio, Brasil – 2014............................................................................................................47
Quadro 4: Produto Interno Bruto a preços correntes e participação percentual das Unidades da
Federação, ano base 2010 – Brasil, anos selecionados, em R$1 milhão..................................49
PARETE 1.2
I - Lista de Quadros
Quadro 1: Índice de Preço ao Consumidor Amplo – IPCA, Brasil – 1987 a 2001...................69
Quadro 2: Gasto social federal, a preços de 2015. Brasil - 2002 e 2014..................................72
Quadro 3: Evolução do Gasto Social do Governo Central – Brasil, 2002 a 2015 (% PIB)......74
II - Lista de Gráficos
Gráfico 1: Evolução da carga tributária brasileira, 1947 a 2002 (% PIB). ..............................64
PARTE 2.1
I - Lista de Quadros
Quadro 1 - Valorização real do salário mínimo – Brasil, 2002 a 2016 ....................................83
Quadro 2 - Valor do rendimento médio mensal das pessoas de 10 anos ou mais de idade, a
preços correntes (R$), Brasil e unidades territoriais, anos selecionados..................................84
Quadro 3 - Proporção das pessoas ocupadas de 10 anos ou mais de idade por classe de
rendimento (%) ........................................................................................................................88
Quadro 4 - Domicílios particulares permanentes com acesso a bens duráveis selecionados,
Brasil e UFs - 2002 e 2014........................................................................................................97
Quadro 5 - Domicílios particulares com acesso a microcomputador e internet (%)................99
Quadro 6 - Proporção de pobreza e extrema pobreza - Brasil e Unidades Federativas, anos
selecionados............................................................................................................................109
Quadro 7 - Programa Bolsa Família, número de beneficiários e valor repassado (R$) a preços
correntes, anos selecionados, Brasil, Macrorregiões e UFs....................................................110
Quadro 8 - Benefício de Prestação Continuada, por tipo de benefício e por região, quantidade
de beneficiários e valor repassado, anos selecionados............................................................111
Quadro 09 - Egressos de cursos de graduação no Brasil, 2002 e 2014 por categoria
administrativa e sexo...............................................................................................................130
Quadro 10 - Matrículas em Cursos de Graduação por Unidade da Federação, anos
selecionados............................................................................................................................131
Quadro 11 - Número de Matrículas na Educação Básica - Ensino Regular, Especial e/ou
EJA..........................................................................................................................................132
Quadro 12 - Proporção de domicílios ligados à rede coletora ou com fossas sépticas ligadas à
rede coletora, Brasil e UFs – 2002 a 2014..............................................................................144
Quadro 13 - Domicílios particulares com abastecimento de água canalizada (%).................146
II - Lista de Tabelas
Tabela 1 - Percentual de informalidade (definição 1), Brasil e unidades federativas, anos
selecionados..............................................................................................................................87
Tabela 2 - Execução consolidada do PNMPO, Brasil – 2005 a 2014......................................90
Tabela 3 - Coeficiente de Gini, anos selecionados, Brasil e Unidades Federativas.................95
Tabela 4 - Índice de Desenvolvimento Humano, anos selecionados......................................102
Tabela 5 – Gastos do governo federal com assistência social, a preços de dezembro de 2015
(IGP-DI), R$ bilhão................................................................................................................108
Tabela 6 - Número de beneficiários por programa social, Brasil – 2002 a 2014....................109
Tabela 7 - População residente no Brasil, Grandes Regiões e UFs, anos selecionados (Mil
pessoas). .................................................................................................................................112
Tabela 8 – Gasto do governo federal com saúde, a preços de 2015 (IGP-DI) – R$ bilhão.
Brasil – 2002 a 2014...............................................................................................................119
Tabela 9: Dados sobre saúde, Brasil e Unidades Federativas, 2010 e 2012...........................121
Tabela 10 – Esperança de vida ao nascer, anos selecionados, Brasil e Unidades
Federativas..............................................................................................................................122
Tabela 11 - Mortalidade Infantil por mil crianças nascidas vivas, anos selecionados............125
Tabela 12 - Evolução do gasto com educação e Cultura, Brasil – 2002 a 2014, em R$ bilhões,
a preços de 2015 (IGP-DI)......................................................................................................127
Tabela 13 - Gasto direto com educação e cultura por categoria, Brasil – 2002 a 2014, em R$
bilhões, a preços de 2015 (IGP-DI) .......................................................................................128
Tabela 14 - Estimativa do Investimento Público Direto em Educação por Estudante e Nível de
Ensino - Brasil 2002 a 2014...................................................................................................128
Tabela 15 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade sem instrução e com mais de 15 anos de
estudo, Brasil e UFs – 2002 e 2014 (%).................................................................................135
Tabela 16 - Taxa de analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais de idade.....................137
Tabela 17 – Gasto do governo federal com saneamento e habitação a preços dez/2015 (IGP-
DI), R$ bilhão, Brasil - 2002 a 2014.......................................................................................139
Tabela 18 - Estrutura Fundiária, Brasil 2009..........................................................................140
Tabela 19 – Déficit habitacional – Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação, anos
selecionados............................................................................................................................141
Tabela 20 – Percentual de déficit habitacional – Brasil, Grandes Regiões e Unidades da
Federação, anos selecionados.................................................................................................142
Tabela 21 - Proporção de domicílios particulares permanentes rurais com iluminação
elétrica.....................................................................................................................................148
III - Lista de Gráficos
Gráfico 1 - Valorização real do salário mínimo – Brasil, 2002 a 2016....................................83
Gráfico 2 - Proporção de pessoas de 16 anos ou mais de idade ocupadas na semana de
referência em trabalhos formais, por grandes regiões do Brasil, 2004 a 2014.........................86
Gráfico 3 - Proporção das pessoas ocupadas de 10 anos ou mais de idade sem rendimento,
Brasil e unidades federativas, 2002 e 2014...............................................................................89
Gráfico 4 - Domicílios particulares permanentes com acesso a geladeira................................98
Gráfico 5 - Domicílios particulares com acesso a máquina de lavar roupa..............................98
Gráfico 6 - Domicílios particulares com acesso a telefones fixo e móvel (%).......................100
Gráfico 7 - Índice de Desenvolvimento Humano, anos selecionados, Brasil e UFs...............103
Gráfico 8 - Esperança de vida ao nascer, Brasil e UFs, anos selecionados. …......................123
Gráfico 9 - Mortalidade Infantil, anos selecionados, Brail e UFs...........................................126
Gráfico 10 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade sem instrução e com mais de 15 anos de
estudo, Brasil e UFs – 2002 e 2014 (%). ...............................................................................136
Gráfico 11 - Taxa de analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais..................................137
Gráfico 12 - Percentual de déficit habitacional – Brasil e Unidades da Federação, anos
selecionados............................................................................................................................143
Gráfico 13: Percentual de domicílios ligados à rede coletora ou com fossas sépticas ligadas à
rede coletora. Brasil e UFs, 2002 e 2014................................................................................145
Gráfico 14 - Domicílios particulares permanentes com água canalizada (%)........................147
Gráfico 15 - Proporção de domicílios particulares permanentes rurais com iluminação
elétrica.....................................................................................................................................149
PARTE 2.2
I - Lista de Quadros
Quadro 1 –Percentual de empresas por setores selecionados e salário médio mensal por setor
em salário mínimo, Brasil e UFs, 2014...................................................................................157
Quadro 2 – Os dez maiores estados arrecadadores de ICMS no Brasil, 2010 a 2015............169
II – Lista de Tabelas
Tabela 1 – Participação das unidades territoriais no Produto Interno Bruto do Brasil e nos
impostos sobre a produção a preços correntes, anos selecionados.........................................155
Tabela 2 – Concentração econômica por pessoal ocupado nas maiores empresas da indústria,
comércio e serviços em grupos de atividades selecionadas, Brasil 2014...............................156
Tabela 3 – Participação no valor adicionado bruto a preços básicos, segundo os grupos de
atividades – 2000 a 2014.........................................................................................................159
Tabela 4 - Empresas industriais com 5 ou mais pessoas ocupadas, pessoal ocupado,
remuneração e VTI- Brasil e UFs – 2002...............................................................................160
Tabela 5 - Empresas industriais com 5 ou mais pessoas ocupadas, pessoal ocupado,
remuneração e VTI- Brasil e UFs – 2014...............................................................................161
Tabela 6 - Distribuição percentual das empresas prestadoras de serviços não financeiros, por
Grandes Regiões, segundo variáveis selecionadas – 2014.....................................................162
Tabela 7 - Distribuição percentual das empresas prestadoras de serviços não financeiros, por
Grandes Regiões, segundo variáveis selecionadas – 2002.....................................................162
Tabela 8 - Participação relativa das unidades federativas do Brasil na arrecadação do ICMS,
anos selecionados....................................................................................................................164
Tabela 9 - Distribuição percentual das empresas comerciais, por Grandes Regiões, segundo as
variáveis selecionadas – 2014.................................................................................................165
Tabela 10 - Distribuição percentual das empresas comerciais, por Grandes Regiões, segundo
as variáveis selecionadas – 2002.............................................................................................166
Tabela 11 - Distribuição percentual das empresas da indústria da construção civil, por
Grandes Regiões, segundo as variáveis selecionadas – 2014.................................................167
Tabela 12 - Distribuição percentual das empresas da indústria da construção civil, por
Grandes Regiões, segundo as variáveis selecionadas – 2002.................................................167
Tabela 13 - Carga tributária e representação sobre o PIB, Brasil – 2013 e 2014...................171
Tabela 14 - Evolução da participação das bases de incidência na arrecadação tributária total,
Brasil - 2005 a 2014................................................................................................................171
Tabela 15 - Pessoas de 18 anos ou mais de idade, ocupadas e associadas a sindicato, por grau
de instrução, Brasil e macrorregiões, 2002 e 2014.................................................................175
III – Lista de Gráficos
Gráfico 1 – Participação relativa das grandes regiões - ICMS, 2002 e 2015.........................165
Gráfico 2: Carga tributária sobre a renda, lucros e ganhos de capital, Brasil e países da OCDE,
2013........................................................................................................................................172
Gráfico 3 - Carga tributária sobre bens e serviços, Brasil e países da OCDE, 2013..............173
Gráfico 4 – Índice de vulnerabilidade social, Brasil – 2000 e 2014.......................................176
Lista de siglas e abreviaturas
BPC – Benefício de Prestação Continuada
CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CF 1988 – Constituição Federal de 1988
CIESP – Centro das Indústrias do Estado de São Paulo
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
COFINS – Contribuição para Financiamento da Seguridade Social
CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira
CSLL – Contribuição sobre Lucro Líquido
CSN – Companhia Siderúrgica Nacional
DAES – Diretoria de Avaliação da Educação Superior (ligada ao INEP)
DEED – Diretoria de Estudos Educacionais (ligada ao INEP)
DEROP - Departamento de Regulação, Supervisão e Controle das Operações do Crédito
Rural e do Proagro (vinculado ao Banco Central)
DRU – Desvinculação de Receita da União
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador
FEBRABAN – Federação Brasileira de Bancos
FGC – Fundo Garantidor de Crédito
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FIES – Fundo de Financiamento Estudantil
FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FPE – Fundo de Participação dos Estados
FPM – Fundo de Participação dos Municípios
FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Prestação de Serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios
IES – Instituições de Ensino Superior
IGP-DI –Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
INPC – Índice Nacional de Preço ao Consumidor
IPCA – Índice de Preço ao Consumidor Amplo
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
JK – Juscelino Kubitschek (Presidente da República 1956-1961)
LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social
MDA – Ministério de Desenvolvimento Agrário
MDS – Ministério de Desenvolvimento Social
MEC – Ministério de Educação e Cultura
MTE – Ministério do Trabalho
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
P & D – Pesquisa e Desenvolvimento
PARFOR – Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica
PASEP - Programas Formação do Patrimônio do Servidor Público
PBF – Programa Bolsa Família
PDV – Plano de Demissão Voluntária
PIB – Produto Interno Bruto
PIS - Programas de Integração Social
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNAS – Política Nacional de Assistência Social
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND data de 1974-79)
PNMPO – Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PROAGRO – Programa de Garantia da Atividade Agropecuária
PROER – Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro
Nacional
PROES – Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PROUNI – Programa Universidade para Todos
RAIS – Relatório Anual de Informações Sociais
REUNI – Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
RMSP – Região Metropolitana de São Paulo
RMV – Renda Mensal Vitalícia
SELIC – Sistema Especial de Liquidação e Custódia
SIAFI – Sistema Integrado de Administração Financeira (governo federal)
SIDOR – Sistema Integrado de Dados Orçamentários (governo federal)
sm – Salário mínimo
SUAS – Sistema Único de Assistência Social
SUDAM - Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
SUDECO - Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste
SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
SUDESUL - Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul
SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus
SUS – Sistema Único de Saúde
TCU – Tribunal de Contas da União
TD – Texto para Discussão
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TST - Tribunal Superior do Trabalho
UFs – Unidades Federativas
VTI – Valor de Transformação Industrial
SUMÁRIO
Introdução................................................................................................................................. 19
PARTE 1
1 - Um olhar sobre a trajetória das desigualdades sociais no Brasil a partir dos anos 1930.... 30
I - A condição dos estados periféricos no projeto de integração nacional .....................31
II – As tentativas de desconcentração espacial da atividade produtiva .........................38
III – Desconcentração moderada e reconcentração .......................................................40
IV – A desconcentração da atividade produtiva no período 1970 a 2014 não reduz o
abismo entre estados ricos e pobres ..............................................................................43
2 - A influência das políticas públicas na trajetória das desigualdades sociais....................... 55
I – O protagonismo do Estado ..................................................................................... 58
II - A intervenção por meio de investimentos diretos ................................................. 60
III - Intervenção indireta .............................................................................................. 62
IV - O ponto de inflexão da curva de desigualdade social, no Brasil ......................... 70
PARTE 2
1 – O ponto de inflexão do Estado Social Brasileiro (2003-2014) ......................................... 76
I – Trabalho e Renda .................................................................................................... 78
I.1 - Distribuição da renda .................................................................................... 79
I.2. Valorização real do salário mínimo ............................................................... 82
I.3. Fortalecimento de instituições de fiscalização da legislação trabalhista ....... 84
I.4. Linhas de créditos subsidiadas para empreendedores individuais ................. 89
I.5. Leis de proteção a categorias vulneráveis ...................................................... 92
I.6. Efeitos da intervenção do Estado na esfera do trabalho ......................... 94
II - Políticas Sociais ................................................................................................... 104
II.1 – Assistência Social ..................................................................................... 105
II.2 – Saúde ........................................................................................................ 115
II.3 - Educação e Cultura ................................................................................... 126
II.4 – Habitação .................................................................................................. 138
2 - Limitações das políticas públicas .................................................................................... 152
I – Concentração espacial das cadeias produtivas ..................................................... 153
I.1 – Concentração na indústria de transformação ............................................. 158
I.2 – Concentração no Setor de Serviços ........................................................... 161
I.3 – Concentração no Setor de Comércio ......................................................... 162
I.4 – Concentração na Indústria da Construção Civil ........................................ 166
I.5 - Considerações acerca dos quatro setores .................................................... 167
II – Limitada capacidade de intervenção dos entes federativos periféricos .............. 168
III – Sistema tributário ............................................................................................... 170
IV – Tecido social vulnerável .................................................................................... 173
Conclusão .............................................................................................................................. 177
Referências bibliográficas ..................................................................................................... 186
19
Introdução
O objeto de pesquisa desta tese é a desigualdade social, concebida como um
fenômeno multidimensional, por muito tempo ignorada posto ser considerada, à luz do ideário
liberal, um fenômeno natural decorrente das distinções de mérito e esforços individuais frente
à suposta igualdade de oportunidades a que todos são submetidos. Ao contrário do que
pressupõe o ideário liberal, a desigualdade social, assim como a extrema pobreza são gestadas
nas engrenagens do sistema de produção e herdadas de sistemas que antecedem o capitalismo
industrial. Nosso desafio, no entanto, é tentar compreender esse fenômeno, no Brasil, a partir
do surgimento do trabalho assalariado, embora as desigualdades não se restrinjam à apropriação
da renda do trabalho.
A investigação, portanto, se assentará sobre três pontos: a) os fios que tecem as
desigualdades sociais no Brasil, em grande medida, entrelaçados às desigualdades regionais, a
partir da década de 1930, que marca a transição do modelo agroexportador (à época, em
decadência) para uma economia industrial urbana, com inserção e expansão do trabalho
assalariado, surgimento de uma nova estratificação social e um novo padrão de consumo; b) o
papel do Estado Nacional, ao longo desse processo de concentração e desconcentração da
riqueza, ora exacerbando, ora atenuando as desigualdades sociais, independentemente de se ter
em curso uma conjuntura de recessão ou crescimento econômico; e c) o ponto de inflexão na
trajetória de desigualdades sociais no país, a partir de 2003, averiguando a capacidade de
resposta dos entes federativos às políticas de emprego e renda e políticas sociais implantadas
no período 2003 a 2014, na perspectiva de apontar as limitações e a capacidade de alcance
dessas políticas enquanto instrumentos de fomento ao desenvolvimento com inclusão social.
O recorte temporal (1930) se justifica pela relevância de mudanças observadas a
partir desse período com o início do Estado Social no Brasil, marcado por um aparato legal que
estabelece a criação de Institutos de Aposentadorias e Pensões e a Consolidação da Legislação
Trabalhista – CLT, além de ações nas áreas de política, saúde e educação, embora centralizadas
no governo federal sob regime ditatorial (1930-1945). No curto regime democrático que se
segue, são inseridas ações voltadas à assistência social e habitação, além da inclusão de
trabalhadores rurais no sistema de proteção social. O período 1964-85, sob a égide do regime
militar, dá continuidade ao Estado Social com expansão e reestruturação conservadora. Por fim,
o período 1985-1988 marca a reestruturação progressista do Estado de bem-estar social,
20
culminando com a Constituição Federal de 1988, que assegura a universalização de direitos
essenciais à vida como saúde, educação e habitação (DRAIBE, 1993a), embora comprometida
pelo ideário neoliberal que subordina os direitos sociais à supremacia do mercado.
O trabalho assalariado teve uma importância estratégica, à luz de um projeto de
integração nacional, posto assegurar o consumo doméstico, compensando a queda das
exportações após a depressão de 1929 no mercado internacional e dando suporte à expansão e
modernização da indústria nacional, concentrada no Estado de São Paulo. A integração da
economia nacional a partir do modelo industrial não resultou na distribuição homogênea da
atividade produtiva entre os entes federativos. Ao contrário, a dinâmica das economias
regionais, a partir da tentativa de integração nacional, sempre foi determinada por um projeto
nacional industrializante de modernização conservadora (ARAÚJO, 2000). As desigualdades
regionais, marcadas por distintas estruturas produtivas, exercem grande influência sobre nível
de remuneração do trabalho, capacidade de arrecadação e intervenção dos entes federativos. Ao
que parece, o projeto industrializante não tinha como meta a redução de desigualdades sociais
ou regionais, posto levar a economia brasileira ao auge da concentração das cadeias produtivas
na década de 1970.
Dos anos 30 aos anos 70 do século XX, assistiu-se a um grande movimento de
concentração da atividade produtiva no Estado de São Paulo que, sozinho, respondia por 58,2%
da produção industrial do país em 1970 frente a 32,2% em 1919. A partir desse ponto, há uma
acentuada desconcentração, chegando a 31,3% em 2011 (POCHMANN, 2016). Em 2014, o
Valor de Transformação Industrial (VTI) do Estado de São Paulo correspondia a 33,6%
(IBGE/Pesquisa Industrial Anual 2014), ainda muito concentrado, porém, demonstrando uma
redução significativa de sua participação frente à década de 1970.
A escolha do período 2003 a 2014 para testar a hipótese de que os entes federativos
respondem distintamente às políticas públicas compensatórias em função de sua estrutura
produtiva e de seu tecido social, deve-se à constatação de que a redução da desigualdade social
e da extrema pobreza entra, efetivamente, na agenda dos governos progressistas nesse período,
apesar das dificuldades de negociação com um parlamento ultraconservador representante das
velhas oligarquias, do capital financeiro e de outros grupos (armas, igrejas etc.) defensores do
ideário neoliberal.
21
A Constituição de 1988 marca a reestruturação progressista de um estado de bem-
estar social pretensamente universalista1, gestada em um regime político democrático, mas
ainda contaminado pelos resíduos culturais de duas décadas de regime autoritário. E mais, ela
nasce em uma conjuntura política e econômica marcada pela voracidade de lucros
extraordinários, de novos espaços de valorização de capital (privatização de setores que
asseguram direitos sociais, como saúde, educação e previdência) e de padronização de
legislação em todas as áreas (trabalhista, ambiental, fiscal), na perspectiva de reduzir os riscos
dos investimentos privados, transferindo-os à população, particularmente, à classe trabalhadora
de baixa renda. Ao longo da década de 1990, há forte resistência ao acolhimento dos direitos
sociais inscritos na Carta Magna de 1988, mas a década seguinte sinaliza com sua expansão e
elevação de investimentos na área social, desenhando um ponto de inflexão na trajetória da
extrema pobreza e das desigualdades sociais no país.
A hipótese aqui defendida é a de que os entes federativos, influenciados por
estrutura produtiva e tecido social distintos, respondem com maior ou menor êxito às políticas
públicas implantadas pelo governo federal, no período 2003-2014. O tecido social está aqui
definido como o conjunto de indivíduos que compõem uma unidade territorial, cujos perfis
influenciam sua capacidade de interferir na realidade local como protagonistas da própria
história, de modo a alterar os resultados das políticas públicas ou, a depender dos arranjos
sociais, inserir suas demandas na agenda de governo com vistas a transformá-las em políticas
públicas.
A primeira variável da hipótese pressupõe que, em grande medida, a desigualdade
social é alimentada por derivações da dinâmica das estruturas produtivas que, por sua vez,
determinam a renda do trabalho2 e de capital, a capacidade de arrecadação dos entes federativos
e sua capacidade de intervenção numa perspectiva de assegurar maior ou menor padrão de
1 Para maior aprofundamento no tema estado de bem-estar social no Brasil, ver DRAIBE, 1993a. 2 Para qualquer banco de dados (IBGE/PNAD ou RAIS), as variações entre a maior e a menor renda
dentro de cada unidade federativa é menor que a variação entre a maior e a menor renda considerando
todos os entes federativos, mesmo utilizando renda média por grupos específicos (condição de
domicílio, gênero, escolaridade). Pelos dados do IBGE, os homens trabalhadores da área urbana
auferem os melhores rendimentos e as mulheres da área rural, os rendimentos mais baixos. Em 2014, a
diferença entre a renda média de homens da área urbana (R$ 1.286) e mulheres da zona rural (R$ 515),
no Estado do Maranhão, correspondia a 150%. Entretanto, substituindo a renda de homens da área
urbana do Maranhão por trabalhadores urbanos do Estado de São Paulo (R$ 2.541), essa variação sobe
para 393,4% em comparação com trabalhadoras rurais do Maranhão (IBGE/PNAD 2014). Isso
significa que a baixa densidade econômica dos estados periféricos, em grande medida, influencia a
desigualdade de renda no país, embora a desigualdade social vá muito além dos limites da renda.
22
desenvolvimento local. A segunda variável da hipótese pressupõe que indivíduos cujas
necessidades básicas estejam resolvidas, como moradia, alimentação, saúde e educação, terão
melhores condições de exercerem o protagonismo político por meio de suas representações de
classe do que indivíduos cuja batalha diária é assegurar o acesso às refeições básicas3. São os
estados periféricos, com estrutura produtiva pouco diversificada, de baixo conteúdo tecnológico
e baixa capacidade de arrecadação fiscal que concentram maior proporção da população pobre
do país, assim como apresentam mais dificuldade em romper sua condição de dependência e
atraso econômico do que os estados mais ricos em avançarem e manterem a condição
relativamente mais confortável no ranking nacional, em relação aos indicadores sociais e
econômicos.
A metodologia de pesquisa consistiu no levantamento de literatura que trata das
desigualdades sociais e regionais no Brasil para diversos períodos e, para o período 2002-
20144, levantamento de dados que revelam o montante do investimento público federal na área
social, levantamento dos indicadores sociais atrelados ao gasto social federal, observando a
trajetória de cada indicador para cada ente federativo, levantamento de dados que mapeiam a
configuração da estrutura produtiva no país, por região, além de dados que revelam os avanços
na esfera do trabalho. No que tange à estrutura produtiva, participação dos entes federativos
no PIB total, no VTI e na arrecadação fiscal; na esfera social, dados sobre educação, saúde,
habitação, assistência social, grau de cobertura dos domicílios por esgotamento sanitário,
distribuição de água e energia elétrica; na esfera do trabalho, valorização do salário mínimo,
redução da informalidade, legislação de amparo a categorias mais vulneráveis; e, por fim,
indicadores socioeconômicos que medem a resposta de cada ente federativo às ações descritas
nos itens anteriores (evolução da renda do trabalho, redução do desemprego, evolução do
padrão de consumo, grau de escolaridade, IDHM, índice de extrema pobreza etc.).
Embora a desigualdade social seja um fenômeno multidimensional, dadas as
limitações de alcance a todas as variáveis que a delineiam, a pesquisa ficará restrita a dois
pontos de investigação derivados de políticas públicas, para o período 2002-2014: a)
3 São exceção à regra os movimentos agrários que, independente do grau de escolaridade dos indivíduos que os
compõem, são politizados e aprendem a importância da construção de uma agenda coletiva e da consciência de
classe. Essa capacidade de organização não é comum a toda sociedade, particularmente, da área urbana. 4 Nosso objeto de estudo para testar a hipótese se situa no recorte temporal 2003-2014, entretanto, os dados
foram levantados a partir de 2002 para melhor demarcar o ponto de inflexão. Nesse sentido, em alguns
momentos, estaremos nos referindo a um período ou outro, a depender da circunstância.
23
desigualdade da renda do trabalho5; e b) desigualdades marcadas por indicadores
socioeconômicos, para além da renda. A ausência de informações sobre o gasto social per capita
por ente federativo limita o alcance da investigação sobre uma correlação positiva entre gasto
social e resultados alcançados por estado. Todavia, serão considerados os avanços de cada ente
federativo entre 2002 e 2014, considerando que os critérios de acesso a bens e serviços inscritos
no conjunto de ações e programas lançados entre 2003 e 2014 são os mesmos para todo o
território nacional.
No que tange à estrutura produtiva, será confrontada a participação das
macrorregiões nos principais setores de atividade econômica com respectivas representações
demográficas, considerando evolução de faturamento bruto, pessoal ocupado e nível de
remuneração do trabalho, para os anos 2002 e 2014. Apenas para PIB total e valor de
transformação industrial, os dados foram desagregados por unidade federativa. Em boa medida,
a estrutura do sistema educacional exerce forte influência sobre a estrutura produtiva de cada
unidade federativa, sobretudo, pela produção de ciência e tecnologia, imprescindível aos setores
mais dinâmicos. Estes, dotados de maior conteúdo tecnológico e compatíveis com ocupações
de remunerações mais elevadas, estão concentrados nas regiões Sul e Sudeste. As regiões Norte
e Nordeste concentram estruturas produtivas mais rústicas, de baixo conteúdo tecnológico,
compatíveis com baixa remuneração. E mesmo para atividades comuns, o nível de remuneração
na região Sudeste é mais elevado que o nível de remuneração da região Nordeste, a exemplo da
remuneração média do setor de comércio que, em 2014, correspondia a 1,5s.m. em Alagoas e
a 2,7s.m. em São Paulo, um acréscimo de 80%.
A Parte 1.1 (Um olhar sobre a trajetória das desigualdades sociais no Brasil a partir
dos anos 1930) analisa a trajetória das desigualdades sociais no Brasil a partir das desigualdades
regionais, fazendo um recorte temporal a partir da década de 1930 até a década de 1970, período
marcado por elevada concentração da atividade produtiva no país, seguido por um processo de
desconcentração entre1970 e 2014. Aqui, recorre-se a autores da economia regional e de outras
áreas, que dão uma contribuição imprescindível à compreensão dos fios condutores das
desigualdades regionais, econômicas e sociais no país.
O objetivo de jogar luz na desigualdade regional para um trabalho que se propõe a
investigar os fios condutores das desigualdades sociais é ressaltar a correlação positiva entre
5 Embora as rendas de capital e a apropriação patrimonial sejam variáveis que também influenciem o grau de
desigualdade social no país, ficam restritas a um número muito pequeno de pessoas.
24
uma e outra. Enquanto a atividade produtiva estiver concentrada em uma ou duas regiões, a
riqueza produzida também estará e, no lado oposto, a extrema pobreza. É importante chamar
atenção para o fato de que os programas sociais implantados no período 2003 a 2014 trouxeram
significativos avanços, particularmente, na renda dos estratos da base da pirâmide social sem,
no entanto, alterar a estrutura produtiva dos entes federativos que segue com baixa densidade
econômica e moderado conteúdo tecnológico, compatível com ocupações de baixa
remuneração e desprovidos de instituições de pesquisa que atendam às demandas dos setores
mais dinâmicos da indústria de transformação e até mesmo do setor de serviços.
Entre 1956 e 1979, houve um pequeno esforço com vistas a promover o
desenvolvimento de atividades produtivas para além das fronteiras da região Sudeste, a partir
da criação das Superintendências Regionais e do II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento).
A participação das regiões Norte (0,8%) e Centro-Oeste (0,8%) no VTI, na década de 1970, era
muito próxima de zero, enquanto a região Sudeste respondia por 80,7%. Em 2014, essas regiões
passam a ter participação de 6,31%, 5,44% e 58,67%, respectivamente, com um nível de
concentração ainda muito elevado, apesar do recuo da região Sudeste, reproduzindo-se no
interior das demais regiões o mesmo padrão de concentração observado na economia nacional,
a exemplo do que ocorre na região Nordeste, onde 67% do VTI (2014) se concentram nos
estados de Bahia e Pernambuco.
Seguindo uma tendência do mercado internacional, assiste-se a um processo
contínuo de desindustrialização no país6, a partir da década de 1980, que avança com mais
intensidade na década de 1990 e, somado às deseconomias de aglomeração nos centros
dinâmicos, à guerra fiscal após o pacto federativo e aos investimentos públicos inscritos no II
PND, resulta em modesta desconcentração da atividade produtiva no país, particularmente da
produção industrial, sem alterar de forma expressiva seu grau de concentração. Graças aos
elementos estruturais que deram ao Estado de São Paulo a base de sustentação para manter-se
na liderança na produção industrial, essa mesma liderança se constata no setor de serviços,
particularmente, aos mais dinâmicos e atrelados ao setor industrial.
A Parte 1.2 (A influência das políticas públicas na trajetória das desigualdades
sociais) traz uma reflexão acerca do poder da intervenção do Estado Nacional sobre a
configuração e distribuição das cadeias produtivas entre regiões e seus efeitos práticos sobre a
dinâmica das economias subnacionais e seus indicadores sociais, seja por meio de
6 Para maior aprofundamento sobre o processo de desindustrialização no país, ver POCHMANN, 2016.
25
investimentos diretos, políticas macroeconômicas ou políticas sociais (universais ou
focalizadas). Como um árbitro, o Estado se posiciona entre pobres e ricos, trabalhadores e
empregadores, proprietários e não proprietários, rentistas e produtores de bens e serviços.
Preservação ou perda da soberania nacional, elevação ou redução das desigualdades sociais,
crescimento econômico com inclusão ou exclusão social, preservação ou revogação de leis de
proteção ao trabalho são questões decididas em conformidade com a orientação política de
quem assume os poderes legislativo e executivo de um país. Não há neutralidade do Estado no
processo de concentração ou desconcentração da riqueza, expansão ou redução das
desigualdades sociais.
Entre as décadas de 1930 e 1970, são realizados os investimentos públicos de maior
envergadura que, ao longo desse período, vão dando suporte a uma economia industrial que
segue se expandindo e se modernizando até encontrar seu ponto de inflexão na década de 1980,
desacelerando e perdendo participação tanto na composição do PIB quanto no total de pessoas
ocupadas com remuneração. Nesse período, destacam-se investimentos estratégicos, embora
concentrados no eixo Sul-Sudeste, na indústria de base, indústria de bens de capital,
diversificação da matriz energética, infraestrutura, estruturação e regulamentação do sistema
financeiro nacional e de instituições de ensino/pesquisa/desenvolvimento tecnológico, sem os
quais a indústria nacional não teria ido muito longe.
No Brasil, essas decisões foram definindo a concentração espacial da atividade
produtiva e do sistema de educação assim como os fluxos migratórios de pessoas em busca de
oportunidades de emprego e uma boa formação. Da indústria de base ao sistema financeiro, a
região Sudeste foi o centro dinâmico da economia nacional, desde o início da economia
industrial (já trazia essa liderança do modelo agroexportador com a produção do café) e do
mesmo modo que o capital mercantil financiou, em boa medida, a atividade industrial, também
o capital industrial o fez em relação ao setor de serviços, em boa parte, imbricados e
concentrados no Estado de São Paulo.
De 2002 a 2014, a participação da região Sudeste na receita bruta do setor de
serviços passou de 62,2% para 64,9%, revelando que a capacidade de acumulação naquela
região, em qualquer setor, é fruto de um conjunto de fatores que consolidaram essa liderança a
partir de cadeias produtivas integradas e cada vez mais bem estruturadas, com o suporte de
setores estratégicos de educação, ciência e tecnologia que se posicionam muito à frente das
regiões periféricas e são mais efetivos que qualquer guerra fiscal na competição entre entes
federativos.
26
Na Parte 2.1 (O ponto de inflexão do Estado Social Brasileiro, 2003-2014), o objeto
de análise é o conjunto de programas e ações no âmbito das políticas sociais e de emprego/renda
implantadas no país, no período 2003 a 2014, confrontado com os resultados alcançados por
unidade federativa e por macrorregião. Neste período, o governo federal implantou um
articulado conjunto de ações para promover o crescimento econômico com inclusão social a
partir de três eixos: gasto social, emprego e renda e investimentos públicos em obras de
infraestrutura7. A análise do desempenho de cada ente federativo se dará a partir de um conjunto
de indicadores: Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Índice de Gini, curva de tendência
da população em situação de extrema pobreza, educação, saúde, habitação, consumo das
famílias, renda e participação de cada ente federativo no PIB nacional e no PIB industrial.
No âmbito das políticas de emprego/renda, entre 2002 e 2014, a elevação real de
75% do salário mínimo8, a expansão do crédito a microempreendedores, a inclusão de 21
milhões de trabalhadores no mercado de trabalho com carteira assinada (MTE/RAIS), a redução
da informalidade e do desemprego, a regulamentação do trabalho doméstico e a elevação do
piso salarial dos professores da educação básica deram uma expressiva contribuição à redução
das desigualdades de renda, visto que grande parte desse público sempre esteve na base da
pirâmide social. O Índice de Gini, assim como o novo padrão de consumo confirmam isso,
embora os resultados alcançados vão muito além da renda e do consumo.
No âmbito das políticas sociais, as principais ações foram: educação/cultura, saúde,
assistência social e habitação/saneamento. Embora o desenvolvimento agrário faça parte do
conjunto de políticas sociais, não houve uma elevação expressiva desse gasto como proporção
do PIB para o período 2002-2014. Na educação, por outro lado, houve crescimento expressivo
do número de matrículas tanto na educação básica quanto no ensino superior, elevação do
número de cursos de graduação, assim como implantação de novas unidades com a
interiorização do ensino superior; o gasto público federal com saúde, por sua vez, recebeu um
incremento de 117% em termos reais, chegando a 130,2 bilhões em 2014 e com resultados
surpreendentes sobre taxa de mortalidade infantil e expectativa de vida ao nascer, ressaltando-
se que mais de 75% da população brasileira depende do sistema único de saúde (SUS).
7 As obras de infraestrutura foram planejadas e parcialmente executadas dentro do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC 1 e 2). 8 Para os doze anos anteriores (1990-2002), a variação do salário mínimo real, se considerados os salários ao
final de cada exercício, foi de 29,5%, mas se os valores tomados como referência forem do início do exercício, a
variação é negativa em 9% (IPEADATA/Macroeconômico/Salário e Renda).
27
Habitação/saneamento básico é o segundo menor grupo de despesa dentro do
conjunto de gasto social do governo federal, todavia, teve uma evolução expressiva no período
2002-2014, incorporando distribuição de energia elétrica para a área rural, expansão das redes
de distribuição de água e esgotamento sanitário, incentivos fiscais e creditícios para reformas,
construção e aquisição de imóveis populares. Esse conjunto articulado de ações beneficiou não
apenas as camadas mais pobres, mas também toda cadeia produtiva da construção civil, com
reflexos sobre faturamento, nível de empregos, rentabilidade e taxa de acumulação de capital.
A assistência social representava, em 2002, 3,7% do gasto social federal9,
assumindo a quinta posição em volume de gastos, todavia, em 2014, passou a ser o quarto maior
gasto (8,9%), ficando atrás de previdência social (52,3%), educação/cultura (15,3%) e saúde
(12,2%). Consiste na transferência direta de renda a pessoas em condição de vulnerabilidade
social (Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada a idosos e pessoas portadoras de
deficiência), respeitando-se os critérios definidos por lei. De 200410 a 2014, o número de
beneficiários do Programa Bolsa Família passou de 6,6 milhões para 14 milhões, com uma
transferência de R$ 27,2 bilhões em 2014. Segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano, de
2000 a 2014, a proporção de pessoas em condição de extrema pobreza (indigentes), no Brasil,
passou de 12,5% para 3%, todavia, no Maranhão, de 37,2% para 10%. Articuladas entre si, as
ações das políticas sociais e de emprego/renda foram potencializadas, produzindo resultados
surpreendentes do ponto de vista social e econômico.
Embora se reconheça o esforço dos governos progressistas (2003-2015) em levarem
a cabo o modelo de bem-estar social universalista preconizado pela Constituição de 1988,
buscando conciliá-lo com o tripé neoliberal, a Parte 2.2 (Limitações das políticas públicas)
busca apontar a insuficiência desse modelo como estratégia de superação das desigualdades
sociais no país, numa perspectiva de longo prazo. É reconhecida a relevância de políticas
voltadas ao atendimento das demandas mais urgentes como segurança alimentar, habitação,
educação e assistência básica à saúde, porém, um projeto de desenvolvimento que caminhe na
direção de erradicar e não apenas atenuar o abismo entre as camadas mais afortunadas e a
9 Considerando que a estrutura institucional de proteção social ainda estava em construção, na década de 1990
(LOAS aprovada em 1993; PNAS em 1998; SUAS em 2005), que o período 2003-2014 marca uma fase de
expansão do número de beneficiários e elevação dos valores dos benefícios, em termos reais, deduz-se que o
percentual do gasto com assistência social (BPC e PBF), na década de 1990, era inferior ao registrado no período
2003-2014. 10 O Programa Bolsa Família entrou em vigor em 2004, agregando diversos auxílios pré-existentes e criando um
cadastro único a partir do qual o beneficiário passou a receber um cartão para resgate do benefício no sistema
financeiro, o que lhe confere uma certa autonomia.
28
extrema pobreza precisa enfrentar os problemas estruturais que alimentam as desigualdades
regionais e sociais no país. São apontados como principais entraves a um projeto de
desenvolvimento de longo prazo: concentração espacial das cadeias produtivas; limitada
capacidade de intervenção dos entes federativos periféricos, dada a baixa capacidade de
arrecadação fiscal; sistema tributário regressivo; e fragilidade do tecido social dos estados mais
pobres, marcado por elevada taxa de analfabetismo, baixo tempo médio de escolaridade,
elevada taxa de indigência e baixo rendimento médio da população assalariada.
No que tange à concentração espacial das cadeias produtivas organizadas, foram
selecionados quatro setores cuja participação em faturamento bruto, massa salarial e pessoal
ocupado é apresentada por região, observando-se que a região Sudeste concentra todos eles,
embora tenha perdido participação no período 2002-2014, sobretudo, pela desaceleração da
indústria de transformação. Em grande medida, a concentração espacial da atividade produtiva
influencia volume da renda em circulação, consumo, arrecadação fiscal e capacidade de
acumulação de capital, tornando a disputa por investimentos privados sempre favorável a quem
já detém a vantagem.
O desenvolvimento de qualquer unidade territorial depende de uma boa gestão
associada à capacidade de intervenção definida, entre outras coisas, pela capacidade de
arrecadação fiscal. Entretanto, são os estados com menor capacidade de arrecadação que
apresentam maiores problemas estruturais e, portanto, menor capacidade de promoverem,
sozinhos, reformas estruturantes de grande monta que caminhem na direção da redução das
desigualdades regionais e sociais do país. Se a capacidade de gestão dos entes federativos que
integram o cluster da pobreza for, tecnicamente, ineficiente, a arrecadação fiscal e a capacidade
de endividamento forem muito baixas, o abismo entre estados ricos e pobres tende a se agravar,
continuamente, produzindo, de forma polarizada, extrema pobreza e concentração de riqueza
nas mãos de uma elite afortunada. Sem um projeto de desenvolvimento nacional que mire as
fontes de desigualdades econômicas, sociais e regionais no país, as distorções ora vistas jamais
serão corrigidas.
A regressividade do sistema tributário é outro grande gargalo a um projeto de justa
distribuição da riqueza, visto impor às famílias de renda mais baixa o comprometimento de uma
fração mais elevada de suas rendas à receita fiscal do país. Comparando o Brasil com países da
OCDE, constata-se que não é uma carga tributária elevada que produz pobreza e desigualdade,
mas um sistema tributário regressivo associado a uma política de inventivos à concentração da
riqueza. Entre os vinte e sete países mais ricos da OCDE, o Brasil é o que apresenta maior carga
29
tributária sobre bens e serviços (17,9%), enquanto a média da OCDE era de 11,5% em 2013. O
inverso ocorre com a tributação sobre renda, lucros e ganhos de capital: enquanto no Brasil
registra-se uma tributação de 6,1%, na Dinamarca a tributação é de 30,7% e a média da OCDE
é de 11,7%. Uma carga tributária regressiva exige do Estado Nacional um esforço maior para
assegurar um índice de desenvolvimento próximo dos países mais desenvolvidos. E mesmo que
alguns estados brasileiros apresentem IDHM muito alto (2014 - São Paulo, IDHM = 0,800 e
Sergipe, IDHM = 0,591), um olhar sobre os municípios revela que muitos ainda apresentam
IDHM muito baixo, revelando a precariedade dos serviços de educação e saúde e as
dificuldades de geração de renda.
O tecido social de um território é definido pelos perfis de seus atores sociais e o
ativismo político manifesta-se a partir de sua capacidade de organização. Entretanto, em regiões
desprovidas das condições básicas de sobrevivência (segurança alimentar, saúde e habitação) e
de um sistema de educação que estimule o senso crítico, esse ativismo dificilmente será
engendrado, sobretudo, em regiões onde a religião estimula a resignação e a tolerância a
qualquer tipo de exploração, fazendo desse calvário um caminho para o paraíso. Dadas as
correlações assimétricas de forças que compõem o tecido social, o desenvolvimento em bases
sustentáveis só será possível quando as demandas das camadas de baixa renda e de todas as
categorias marginalizadas forem incluídas nas agendas de governo, nas três esferas. Essa
conquista só é possível se os atores sociais marginalizados pelo sistema assumirem o
protagonismo de sua própria história, fenômeno condicionado à sua adequada
instrumentalização para o enfrentamento às forças dominantes, de modo a romper paradigmas
arcaicos de dominação, exploração e concentração de riqueza.
30
PARTE 1
1 - Um olhar sobre a trajetória das desigualdades sociais no Brasil a partir dos anos 1930
Este trabalho tem como eixo central a investigação da desigualdade social no Brasil,
sem a pretensão de alcançar suas origens, mas buscando quantificá-la, assim como identificar
seus fios condutores e sua trajetória dentro de um recorte temporal, numa tentativa de
compreender como a dinâmica de mercado, assim como as políticas públicas podem lhe
aprofundar ou atenuar. A desigualdade social é um fenômeno multidimensional e atemporal
que se manifesta em indicadores que vão muito além das fronteiras socioeconômicas11
(POCHMANN, 2015).
Entre os fios condutores ou variáveis que a influenciam, são considerados de maior
peso e, portanto, objeto de investigação: a) a concentração espacial da atividade produtiva,
particularmente, da atividade industrial; b) dispersão salarial que se exacerba à medida que o
processo de industrialização segue se modernizando, criando novas ocupações que requerem
nível mais elevado de qualificação, coincidindo com diferenciados níveis de status e
remuneração; c) instrumentos de emancipação e ascensão social inacessíveis à maioria da
população, criando-se condições competitivas desfavoráveis aos mais pobres e reproduzindo-
se a pobreza em escala crescente, em conformidade com a conveniência dos defensores da
meritocracia e do status quo.
Este capítulo será dedicado à investigação da distribuição espacial da atividade
produtiva no país dentro de um projeto de integração da economia nacional. Numa perspectiva
histórica, a investigação partirá da década de 1930 que coincide com a implantação do novo
padrão de acumulação capitalista alicerçado na produção industrial, sem abandonar por
completo o modelo agroexportador que manteve por muito tempo o trabalho análogo ao
escravo, assegurando o atraso econômico nas regiões onde essa atividade produtiva predominou
por mais tempo (CANO, 2007). A abolição da escravatura não eliminou a dimensão cultural da
exploração (des)humana que extrapola a exploração da mais-valia, definida por Karl Marx,
sempre justificada nas economias capitalistas em defesa dos lucros extraordinários. Trata-se de
11 A tentativa de simplificação decorre do reconhecimento de limitações para uma abordagem de maior
envergadura que dê conta, especialmente, do que está no campo da subjetividade, algo que foge completamente
ao alcance desta pesquisa.
31
um tipo de exploração que fere a dignidade humana e, até os dias atuais12, manifesta-se em todo
o território nacional, em várias frentes de trabalho, apesar da atuação de instituições de
fiscalização13 com base na legislação de amparo ao trabalhador que prevê penalidades para o
uso de trabalho análogo ao trabalho escravo.
A alteração do padrão de acumulação capitalista acompanhado pela migração de
grande parte da população para áreas urbanas parece alterar as formas de enfrentamento entre
classes sociais. À medida que avança a industrialização no país, vão sendo criadas novas
ocupações compatíveis com novas remunerações, permitindo um novo padrão de renda com
acesso a um novo padrão de consumo. “É no coração da condição salarial que aparecem as
fissuras que são responsáveis pela exclusão; é sobretudo sobre as regulações do trabalho e dos
sistemas de proteção ligadas ao trabalho que seria preciso intervir para lutar contra a exclusão.”
(CASTEL, 2013).
Para um país de economia capitalista, cujas bases repousaram por mais de três
séculos na concentração fundiária e no trabalho escravo14, até hoje marcado por acentuadas
desigualdades sociais, em paralelo às desigualdades econômicas e regionais, atenuar essas
desigualdades demanda a intervenção do Estado Nacional em parceria com os Estados
Subnacionais, por meio de políticas macroeconômicas e setoriais, com maiores chances de êxito
pela via do crescimento econômico, visto que a estagnação ou recessão econômica tende a
submeter os mais pobres a condições desumanas de vida e à morte precoce pela privação de
acesso a condições mínimas de sobrevivência.
I - A condição dos estados periféricos no projeto de integração nacional
A partir dos anos 1930, inicia-se o movimento de integração do mercado nacional,
cujo avanço ressalta as diferenças de estrutura produtiva entre os estados da federação que, em
grande medida, definem as condições socioeconômicas de cada macrorregião. O projeto de
12 Do ponto de vista jurídico, o trabalho escravo é caracterizado pela propriedade de um indivíduo por outro. A
partir da abolição da escravatura (13/05/1888), a referência à mesma exploração é feita com a expressão
“trabalho análogo ao escravo”, ainda que todos os elementos sejam mantidos, exceto o registro de propriedade.
Em agosto/2015, foi publicada denúncia contra trabalho escravo, no interior da Bahia no site
http://www.justicasocial.ba.gov.br/2015/08/411/Condicoes-de-trabalho-analogo-ao-escravo-em-Santa-Rita-de-
Cassia.html. Acesso em 03/07/2016. Não é raro crianças e adolescentes em atividades análogas ao trabalho
escravo, em usinas, carvoarias, lixões e até prostituição infantil. O registro do trabalho análogo ao escravo é mais
comum em regiões com maior índice de extrema pobreza, onde a população é mais vulnerável. 13 Atuam nessa área: Ministério Público do Trabalho, Delegacias Regionais do Trabalho, Tribunal Superior do
Trabalho, além das representações de classe. 14 Para maior detalhes, ver POCHMANN (2015).
32
integração é apresentado como promessa de fortalecimento da economia nacional, com foco na
industrialização e na substituição de importação, cujo centro de comando permaneceria
concentrado no Estado de São Paulo. A liderança de São Paulo é atribuída, por CANO (2007),
à sua capacidade de financiamento da atividade industrial a partir da acumulação de capital da
atividade agrícola no período que antecede a crise de 1929 e à própria lógica de reprodução e
valorização do capital. Em outras palavras, os investidores são orientados pelo baixo risco e
pelas expectativas de alta rentabilidade. Na prática, preferem regiões onde já existam cadeias
produtivas organizadas e uma infraestrutura produtiva que lhes assegure crescimento de longo
prazo, sem pontos de estrangulamento na oferta de matéria-prima nem obstáculos ao
escoamento da produção.
Há consenso entre os autores da economia regional de que, entre 1930 e 1970,
houve elevação do grau de concentração tanto da atividade produtiva quanto da renda, esta
última, concentrada tanto entre indivíduos (desigualdade social) como entre regiões
(desigualdade regional). Não é consenso, porém, imputar ao Estado Nacional qualquer
responsabilidade pelo avanço de tais desigualdades, que se manifesta no investimento público
em obras de infraestrutura ou no setor produtivo (indústria pesada), cujas unidades são
instaladas nos centros mais dinâmicos, especialmente São Paulo, Rio de Janeiro e o antigo
Estado de Guanabara. Mas, ainda que as desigualdades sociais sejam apenas resultado da lógica
de movimentação do capital, é responsabilidade do Estado atenuá-las numa perspectiva de
construção de um modelo de desenvolvimento em bases sustentáveis. A omissão já é, por si,
compreendida como uma decisão desfavorável aos excluídos e marginalizados.
A partir da década de 1930, interesses público e privado se coadunam em uma só
força, criando as condições favoráveis ao centro dinâmico concentrador e coordenador das
principais forças produtivas do país. O interesse público se manifesta nos incentivos fiscais,
creditícios e locacionais, nos investimentos em infraestrutura e investimentos diretos no setor
produtivo. O interesse privado é orientado pela busca contínua de lucros extraordinários, em
condições de baixo risco. O Estado de São Paulo assume a liderança desse processo desde os
primeiros passos da industrialização no Brasil, seguido pelos estados vizinhos, à medida que o
capital se depara com as deseconomias de aglomeração. Entretanto, mesmo quando há uma
33
tentativa de descentralização da atividade industrial no Brasil, ela segue uma lógica de
centralização dentro dos novos espaços15.
Os estados periféricos, que até a década de 1920 mantinham forte fluxo comercial
com o mercado internacional, são submetidos à condição de subordinação ao centro dinâmico
da economia nacional (São Paulo), adequando-se às necessidades deste último, cuja taxa de
crescimento do setor industrial era mais elevada que a média nacional16, assim como sua
participação no PIB industrial era maior que a soma de todos os demais estados, juntos. Nessa
adequação, em que se configura a divisão regional do trabalho, os estados das regiões Norte e
Nordeste se posicionam como exportadores de mão de obra e insumos e importadores de
produtos industrializados, padecendo de grande desvantagem na balança comercial. Esse
fenômeno econômico tem reflexos sobre a estratificação social no território nacional, assim
como no interior de cada macrorregião, estado ou município, evidenciando a lógica de
reprodução capitalista que, em seu movimento natural, produz e exacerba as desigualdades
sociais no país.
A tese de que há um imperialismo interno liderado pelo Estado de São Paulo,
baseado na exploração de recursos excedentes produzidos nos estados periféricos,
particularmente, do Norte e Nordeste, é contestada por Cano (2007). O autor ressalta que a
industrialização concentrada no Estado de São Paulo foi lastreada por sua agricultura comercial,
atribuindo o suposto imperialismo interno à lógica de autovalorização de capital que,
racionalmente, persegue os mecanismos mais eficazes de reprodução.
O verdadeiro problema do chamado imperialismo interno é o da concentração
automática de capital, mediante a concorrência capitalista que se processa em forma
livre, em um espaço econômico nacional internalizado, onde os interesses privados de
maior porte não são efetivamente regionais. Há, em síntese, a concentração em um
Centro Dominante, que imprime os rumos decisivos do processo de acumulação de
capital à escala nacional. (CANO, 2007)
O autor rebate a crítica dos que defendem a tese do imperialismo paulista, a partir
de três pontos:
a) A assertiva de que São Paulo recebe, pelo sistema bancário, recursos excedentes da
periferia nacional – segundo o autor, a relação empréstimo/poupança é muito mais
elevada na periferia nacional do que no Estado de São Paulo, que não cresceu à custa
15 Na região Nordeste, a partir da década de 1970, graças ao II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), os
estados que concentram a maior parte dos investimentos públicos e privados são Pernambuco e Bahia. O mesmo
ocorre com a região Norte, cujos investimentos se concentram na zona franca de Manaus e no estado de Pará. 16 Segundo Cano (2007), entre 1919 e 1939, a taxa de crescimento anual da indústria nacional foi de 5,7% e no
período 1939-49, 7,8%. Para os dois intervalos, São Paulo apresentou uma taxa média anual de 7% e 9,8%.
34
do excedente periférico, pois já detinha um grande potencial econômico lastreado por
suas relações capitalistas de produção, entre o final do século XIX e as primeiras
décadas do século XX;
b) A tese de que a periferia nacional apresenta saldo positivo em relação ao comércio
internacional, cujas reservas são utilizadas para as importações da indústria paulista – o
autor ressalta que a assertiva deve ser qualificada no tempo e no espaço, considerando
que, entre 1900 e 1950, o saldo de São Paulo no comércio internacional sempre foi
positivo. O contra-argumento do autor não desqualifica a assertiva, apenas, ressalta um
hiato temporal no qual São Paulo podia bancar suas importações com seu saldo de
exportações;
c) A tese de que a taxa cambial, as tarifas de importação e exportação e o nível de preços
internos e externos favoreciam uns estados em detrimento de outros – esse argumento
sugere a adoção de tarifas de importação e taxas cambiais diferenciadas por estado, a
fim de compensar as diferenças de competitividade. Nesse ponto, o autor faz quatro
observações:
i. condena a diferenciação de taxa cambial;
ii. com relação à tarifa de importação, denunciada como mecanismo de elevação
de preços dos produtos industrializados no mercado doméstico17, o autor
argumenta que o próprio estado produtor também paga esse preço mais elevado
e não apenas a periferia. De qualquer modo, Cano reconhece que o argumento
procede;
iii. a diferença entre taxa de câmbio sobre importação e taxa de câmbio sobre
exportação produzia um saldo de reservas cambiais e creditícias administradas
pelas autoridades cambiais para financiamento da atividade produtiva
concentrada na região Sudeste, particularmente, o café no Estado de São Paulo.
Para os críticos, isso se traduz em transferência de renda da região Nordeste para
o Estado imperialista. Essa conclusão é condenada por Cano, sob o argumento
de que os produtores do Estado de São Paulo exportam e importam com a mesma
taxa de câmbio. Apesar de sua defesa ao Estado de São Paulo, Cano não deixa
17 Os produtos industrializados no país são protegidos à medida que tarifas de importação elevadas possibilitam
aos produtores nacionais manter elevada a margem de lucro em detrimento do mercado consumidor doméstico,
neste caso, as regiões periféricas, o que se traduz em transferência de riqueza dos estados não industrializados
para os mais industrializados.
35
de registrar que setores estratégicos foram beneficiados com taxas subsidiadas e
o café foi um deles;
iv. com relação aos preços elevados de produtos industrializados, Cano ressalta que
não apenas a periferia nacional, mas também São Paulo pagam o mesmo preço.
A política de substituição de importação para fortalecer a indústria nacional,
concentrada em São Paulo, favorece este Estado à medida que o volume de renda gerada a partir
da remuneração dos fatores de produção cria um denso mercado consumidor e uma dinâmica
interna que em nada se compara aos estados periféricos, que padecem com elevado grau de
informalidade e mão de obra não remunerada, especialmente, nos de atividade
predominantemente agrícola, cuja remuneração do trabalho é compatível com a renda de
subsistência. Para o Estado que concentra mais de cinquenta por cento da estrutura produtiva
do país, incluindo os setores mais dinâmicos da indústria nacional e ocupações compatíveis
com níveis mais elevados de remuneração, a população residente terá condições mais
favoráveis à aquisição de bens e serviços, sobretudo, porque tais produtos são ofertados sem o
acréscimo do custo de transporte a seus preços.
Quando fracassam todas as tentativas de salvar a atividade cafeeira, por volta da
década de 1930, a atividade industrial desponta como possibilidade de assegurar a continuidade
da acumulação de capital no país, com forte concentração na região Sudeste, particularmente
no Estado de São Paulo, configurando-se no país uma divisão social do trabalho entre os
Estados brasileiros, de modo que uns ofertavam matéria-prima e outros abasteciam o mercado
nacional com produtos manufaturados, em um período de elevadas barreiras comerciais ao
mercado internacional. A política de salvar os produtores de café18 eleva a concentração
espacial da renda, sobretudo, porque os grandes produtores de café se concentravam na região
Sudeste, o que sugere, de alguma forma, que o Estado brasileiro contribuiu com a acumulação
do capital mercantil que, mais tarde, financiaria a indústria paulista. À medida que a economia
paulista se expandia, marcada fortemente pela indústria, induzia os estados periféricos a se
adequarem à sua estrutura produtiva, em função de sua demanda por insumos, definindo a
articulação comercial que caracterizou a integração da economia nacional, cuja posição de cada
estado nessa cadeia produtiva estava previamente sinalizada pelo centro dinâmico19.
18 O convênio de Taubaté consistia na compra do excedente de café pelos Estados (Minas, Rio de Janeiro e São
Paulo), a fim de evitar a queda mais acentuada de seus preços e consequente prejuízo de seus produtores,
recorrendo-se ao endividamento externo do setor público. Nesse período, o capital mercantil se sobrepunha ao
capital industrial, o que certamente retarda o processo de industrialização no Brasil. 19 Para maiores detalhes, ver MONTEIRO NETO, 2005.
36
É preciso muito cuidado no tratamento dessa dimensão "espacial" do capitalismo
porque ela não tem nada de niveladora de desigualdades. Na verdade, esse processo
homogeneizador (de relações mercantis) cria e recria estruturas heterogêneas e
desigualdades em seu movimento. Certamente o desenvolvimento capitalista não é
uma dinâmica evolutiva de "nivelamento" e de propagação de progresso técnico por
todas as porções do território. O que ele difunde é a lógica da multiplicação do valor,
de um modo continuamente renovado em busca do enriquecimento absoluto,
realizando recorrentemente a ruptura do isolamento, atravessando todas as fronteiras,
arrefecendo barreiras e proteções erguidas por relações arcaicas. (BRANDÃO,
2004)
Referindo-se ao modo como se dá a integração regional no Brasil, Brandão afirma
que “a ação das forças da integração geralmente constitui um longo, contraditório, heterogêneo
e conflituoso processo em que os espaços regionais circunscritos e capsulares vão sendo
enredados a partir daquele(s) espaço(s) onde prevalecem formas superiores de acumulação e de
reprodução econômica” (BRANDÃO, 2004). Isso reforça a ideia de que as assimetrias não
apenas são mantidas ou acentuadas como também convenientes para quem está liderando o
processo. Segundo o mesmo autor, “o desenvolvimento das forças produtivas gera polaridades,
campos de forças, desigualmente distribuídos no espaço”, realimentando continuamente uma
estrutura de dominação entre centro e periferia, apontada como irreversível, dados os critérios
de escolha dos grandes centros como lócus de realização do investimento em capital fixo que,
inevitavelmente, influencia a dinâmica das cadeias produtivas e, por fim, a estrutura das
ocupações e da distribuição da renda no país. Para o autor, a polarização deriva-se da
concentração e centralização do capital e seus desdobramentos no espaço. Por fim, Brandão
coloca as desigualdades regionais como uma questão de Estado.
Referindo-se principalmente à segunda fase da industrialização brasileira, Wilson
CANO (2010)20 afirma que os espaços territoriais mais atrasados (urbanos ou rurais) são
dominados pelo capital mercantil, cuja capacidade de acumulação é insuficiente à migração ao
capital industrial. Alterar a estrutura produtiva local, portanto, significaria abrir espaço ao
ingresso de novos empreendedores já que, além da baixa acumulação de capital, esses
capitalistas eram desprovidos de expertise para o ramo industrial e os estados periféricos não
tinham uma cadeia produtiva organizada que lhes desse segurança. Além disso, esses espaços
são marcados pela concentração fundiária, sinônimo de concentração da riqueza e capital
imobilizado sem nenhuma função social. Como o poder econômico e o poder político sempre
caminharam alinhados, as condições para manutenção do status quo sempre foi assegurada
pelos estados subnacionais em detrimento do desenvolvimento local em bases mais dinâmicas.
20 Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 177, maio 2010.
37
Quanto mais atrasado ou subdesenvolvido for um determinado espaço (rural ou
urbano), tanto maior e nefasta será a presença do Capital Mercantil, que dominará a
maior parte ou até mesmo a totalidade desse espaço econômico. Essa dominação terá
caráter conservador e procurará manter o atraso ou o subdesenvolvimento, pois disso
dependerá a manutenção de seu poder econômico e político sobre aquele espaço.
(CANO, 2010)
Segundo BRANDÃO (2004), apesar de o período compreendido entre o final da
década de 1960 e o início da década de 1970 ser marcado por taxas expressivas de crescimento
econômico, são mantidos os traços de atraso estrutural, exclusão social e estruturas de
dominação arcaicas, sob os aspectos de renda, propriedade, dominação política e acesso ao
Estado. A questão agrária é outro grande entrave ao processo de desenvolvimento,
particularmente, na periferia, marcada pela concentração fundiária.
Como é sabido, o processo histórico de desenvolvimento econômico brasileiro foi
caracterizado no período que vai da década de 1930 até aproximadamente 1970 por
intenso processo de concentração econômica na região Sudeste, principalmente em
São Paulo. O ano de 1970 apresentou o auge da concentração industrial. O Sudeste,
naquele ano, respondia por 81% da produção industrial do país, sendo que São Paulo
detinha 58% do total nacional. (BRANDÃO, 2004)
Ao que muitos denominam de processo de desconcentração da atividade industrial
no Brasil, a partir da década de 1970, DINIZ (1993) o classifica como um processo de
desenvolvimento poligonal, caracterizado pela instalação de alguns polos industriais isolados
em algumas cidades do Brasil, com os setores mais dinâmicos concentrados na região
metropolitana de São Paulo (RMSP), em algumas cidades do interior paulista ou em Estados
vizinhos.
A dinâmica geográfica do capital industrial, segundo Campolina Diniz, é
influenciada por cinco fatores: a) deseconomias de aglomeração da região metropolitana de São
Paulo; b) incentivos fiscais concedidos por outros Estados; c) disponibilidades de recursos
naturais de importância estratégica à indústria, em vários segmentos; d) concentração da
pesquisa e da renda; e) unificação dos mercados21. As economias de aglomeração em regiões
cujos mercados encontram-se na fase de expansão podem ser uma variável atrativa ao
investimento privado, deslocando-o à medida que as expectativas dos investidores apontam
para oportunidades de alta rentabilidade. Entretanto, poucas unidades territoriais preenchem
todos esses requisitos, o que deixa à margem do processo a maior parte dos entes federativos.
21 Ver DINIZ (1993).
38
II – As tentativas de desconcentração espacial da atividade produtiva
A concentração espacial da atividade produtiva coincide, também, com a
concentração da renda do trabalho, visto que nos estados com estrutura produtiva mais
diversificada, mais dinâmica e de maior conteúdo tecnológico, o PIB per capita é mais elevado
e grande parte das ocupações é compatível com níveis mais elevados de remuneração.
O Plano de Metas foi um importante instrumento de fomento ao crescimento
econômico, mas ficou restrito a alguns setores e a poucos estados: região Sudeste (Rio, Minas
e São Paulo), Centro-Oeste (Cuiabá e Distrito Federal) e Norte (Belém e Rondônia). Os
investimentos na malha rodoviária deixaram de fora a região Nordeste, já penalizada pela
privação de acesso a água e energia elétrica em grande parte de sua área territorial, o que
diminui a probabilidade de se atrair investimentos privados. A partir de 1959, Juscelino
Kubitscheck faz um esforço para incentivar a atividade industrial nas regiões Nordeste e Norte,
com a criação das superintendências regionais (SUDENE, SUDAM)22, sem muito êxito, a
julgar pelos resultados. Anos depois (entre 1972 e 1982), sob o regime militar, foram
implantados outros projetos que também demonstravam a intenção de promover a
descentralização: o projeto Carajás (Pará), II Polo Petroquímico de Camaçari (Bahia), III Polo
Petroquímico de Triunfo (Rio Grande do Sul) e a rodovia Transamazônica23. Esse não é um
ponto de consenso, pois alguns autores dão mais ênfase à intervenção do Estado que resulta em
uma estrutura produtiva concentrada e polarizada, ainda que se reconheça a tentativa de
descentralização como forma de compensação aos estados periféricos ou de ampliação do
mercado consumidor.
A partir da década de 1960, a indústria já instalada nos estados de Rio de Janeiro e
São Paulo implanta subsidiárias nos estados periféricos como estratégia de aproveitar
incentivos fiscais e ficar mais próxima do mercado consumidor. O deslocamento da atividade
produtiva rumo à periferia define um novo padrão de articulação entre as regiões a partir da
integração produtiva, mas a acumulação de capital a partir da atividade industrial continuava
concentrada no estado de São Paulo, centro das decisões de investimento e importante centro
22 A SUDEUL (Superintendência do Desenvolvimento do Sul) foi criada em fevereiro/1967, no final do governo
Humberto de Alencar Castelo Branco. A SUDECO (Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste) foi
criada em 01/12/1967, no governo de Artur da Costa e Silva, durante o regime militar. 23 Inaugurada em 1972, a rodovia Transamazônica (BR 230) foi projetada para ter 8 mil quilômetros
pavimentados de comprimento, ligando Estados das regiões Norte e Nordeste ao resto do país. Apenas 4,2 mil
quilômetros foram entregues, começando em Cabedelo (PB) e terminando em Lábrea (AM). O projeto foi
considerado desastroso por não ter cumprido seu propósito.
39
financeiro. A economia paulista continuou crescendo puxada, sobretudo, pela atividade
industrial cuja participação na indústria nacional passa de 32% em 1919 para 58% em 1970.
Apesar do esforço para atenuar a concentração da atividade produtiva entre os
estados brasileiros, no período 1930 a 1970, a trajetória de crescimento econômico é marcada
pelo acirramento das desigualdades de toda ordem, cuja inversão só vai acontecer a partir da
década de 1970, em ritmo muito lento (MONTEIRO NETO, 2005). Tal desconcentração foi
fortemente influenciada pelo processo de desindustrialização24, a partir da década de 1980,
exercendo maior impacto sobre o Estado de São Paulo. A partir dessa década, entra um
elemento novo nessa equação - a guerra fiscal entre os entes federativos decorrente da
descentralização fiscal que eleva a competência tributária de estados e municípios, em
detrimento da União, assim como os percentuais das transferências constitucionais - FPM e
FPE (LOPREATO, 2002 e AFONSO, 1994 e 1996).
À medida que a economia do país segue crescendo, o espaço físico da região
metropolitana de São Paulo torna-se insuficiente para concentrar a mesma fração da indústria
de transformação e outros setores, constatando-se um transbordamento para o interior do Estado
e, mais tarde, para estados vizinhos. E mesmo constatando-se uma perda relativa de participação
do Estado de São Paulo no PIB industrial, há uma reconcentração dos setores mais dinâmicos
(material de informática, eletroeletrônico, material elétrico, indústria automotiva etc.),
geradores de maior valor agregado e, portanto, maior capacidade de acumulação de capital.
Em 1970, a região Sudeste respondia por mais de 80%25 da produção industrial
nacional. Em 2000 (30 anos depois), essa participação caíra para 70% da produção nacional,
dos quais 74% correspondia à participação do Estado de São Paulo, o que denota certo
movimento de desconcentração, mas não de forma pulverizada. Um exemplo disso é que a
região Nordeste passa de uma participação de 5,7% em 1970 para 8,3% em 2000, porém,
excluindo Pernambuco e Bahia, essa participação passa de 2% para 2,8% nesses 30 (trinta) anos
considerados. E se considerarmos as regiões Sul e Sudeste, juntas, sua participação na produção
industrial nacional passa de 92,2% em 1970 para 86,1% em 2000. Levando a atenção para as
24 Segundo POCHMANN (2016), o processo de desindustrialização não pode ser compreendido somente a partir
da redução da participação da indústria no PIB nacional e no volume de pessoas ocupadas. O que define a
desindustrialização é, sobretudo, a perda relativa do capital industrial na dominância das forças produtivas, sob a
influência de taxas de câmbio e de juros desfavoráveis à indústria nacional (moeda nacional muito valorizada e
taxa de juros muito elevada). 25 Tese de doutorado de Monteiro Neto (2005). Tabela 2.5 Distribuição regional da produção industrial – Brasil e
regiões (1970 a 2000), com base em dados do IBGE.
40
regiões Norte e Centro-Oeste (mais o Estado do Espírito Santo), a participação passa de 2,1%
em 1970 para 5,7% em 2000.
Diante desses números e considerando o fato de que os setores mais dinâmicos,
dotados de tecnologias mais complexas, concentram-se no Estado de São Paulo, parece fazer
pouco sentido carregar muita tinta na tese de desconcentração. A desconcentração industrial
ocorre, reproduzindo a mesma tendência de concentração nos espaços para onde a atividade se
desloca. Cresce expressivamente a participação do interior de São Paulo (excluindo sua região
metropolitana), Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, cuja participação
passa de 32% para 51% da produção industrial nacional entre 1970 e 1990, graças a
infraestrutura urbana, de transportes, telecomunicações e educação nas duas regiões mais ricas
do país26 (DINIZ, 1993 e MONTEIRO NETO, 2005).
III – Desconcentração moderada e reconcentração
É inegável a desconcentração da atividade produtiva na região Sudeste,
particularmente, na região metropolitana de São Paulo, a partir de 1970, assim como é inegável
que o nível de concentração é ainda muito elevado. Em 2002, o PIB per capita do Nordeste
correspondia a apenas 32,5% do PIB per capita do Estado de São Paulo, a 36,6% do PIB per
capita do Sudeste e a 48,4% do PIB per capita nacional. Além de denunciarem o elevado grau
de concentração da atividade produtiva, esses números indicam a baixa capacidade de
arrecadação e de financiamento dos investimentos públicos por esses entes federativos,
influenciando outros indicadores que, juntos, potencializam o estado de pobreza da região que
concentra o maior volume de pessoas pobres do país.
A concentração da atividade produtiva não se restringe à indústria de
transformação, estende-se à agropecuária, ao setor de serviços e ao comércio. Entre 1973 e
1999, cresce a produtividade da produção de grãos nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste,
enquanto nas regiões Norte e Nordeste, que concentram as culturas de subsistência, a
produtividade cresce timidamente, mantendo-se muito baixa, o que influencia a remuneração
dos fatores de produção, inclusive mão de obra. As regiões Sul e Sudeste respondiam por cerca
de 63% do valor agregado, em 2000, e a região Nordeste perdeu sua participação relativa no
setor em função do expressivo crescimento da região Centro-Oeste. No Nordeste, apenas o
26 Tese de doutorado de Aristides Monteiro Neto (2005). Tabela 2.8 Área e produção de grãos por região (1973-
1999).
41
Estado da Bahia registrou crescimento entre 1990 e 2000, porém pouco significativo (0,6 ponto
percentual).
Dado o modesto crescimento da economia brasileira, no período 1990-200027, o
processo de desconcentração é pífio e se caracteriza muito mais por um deslocamento de
unidades de produção entre estados brasileiros. O modelo neoliberal adotado nesse período é
marcado por forte redução da participação do Estado nos investimentos diretos para a produção
de bens e serviços e desregulamentação dos mercados. A partir da década de 1990, assiste-se a
um processo de reconcentração seletiva, onde as regiões Sul e Sudeste sediam os setores mais
dinâmicos, complexos e rentáveis, compatíveis com níveis mais elevados de remuneração seja
do capital ou do trabalho (MONTEIRO NETO, 2005).
Com efeito, o processo histórico de industrialização (e de concentração espacial da
produção) contou com decisivo suporte do Estado brasileiro no sentido de promover
a consolidação industrial do Sudeste em função do maior desenvolvimento, já desde
finais do século anterior, do potencial produtivo do estado de São Paulo. Os blocos de
investimento que deram forma definitiva ao período da industrialização pesada (1955
a 1961) (...) tiveram como efeito mais conspícuo a concentração espacial dos
principais ramos do setor industrial e também da infraestrutura econômica.
(MONTEIRO NETO, 2005)
Ainda que tenha havido esforço, nas décadas de 1950 e 1970, em direção à
desconcentração espacial da atividade produtiva, os efeitos são pouco significativos, dada a
lógica de reprodução capitalista que busca caminhos mais curtos de rentabilidade, privilegiando
espaços no entorno da região metropolitana de São Paulo para sua autovalorização, o que
explica a concentração de grande parte da produção industrial do país nos Estados de Minas
Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
A política fiscal poderia ter sido uma importante ferramenta direcionada à redução
das desigualdades regionais, a serviço do Estado Nacional: a) transferência de receita tributária
da União a estados e municípios via fundos de participação (Fundo de Participação a Estados -
FPE e Fundo de Participação a Municípios - FPM28); b) transferências constitucionais para
27 Na segunda metade da década de 1990, as taxas de crescimento do PIB brasileiro foram: 1995 = 4,3%; 1996 =
2,2%; 1997 = 3,4%; 1998 = 0,04%; 1999 = 0,25%, tendo apresentado taxas negativas na primeira metade desta
década, em 1990 (4,4%) e 1992 (0,4%). 28 44% da receita tributária do IR e do IPI é repassada para estes dois fundos, sendo 22,5% para o FPM e 21,5%
para o FPE. O critério de repasse é o coeficiente calculado com base no número de habitantes de cada município
e, para os Estados, acrescenta-se a variável renda per capita. Em 1960, o percentual de repasse para estados e
municípios era de apenas 10% do IPI e IR, ao invés dos atuais 44%, implantados com a Constituição Federal de
1988.
42
financiamento dos serviços públicos de saúde29 e educação30; c) investimentos diretos em obras
de infraestrutura via emendas constitucionais; e d) transferência direta de renda via programas
sociais. Segundo MONTEIRO NETO (2005), não se constata um movimento significativo de
desconcentração da riqueza gerada no país, seja porque os recursos transferidos às regiões
periféricas são insuficientes para engendrar um processo de desenvolvimento econômico
autônomo integrado, seja porque eles retornam às regiões mais ricas sob a forma de consumo
de bens e serviços lá produzidos, já que a indústria permanece concentrada nas regiões Sul e
Sudeste. Some-se a isso o fato de o sistema tributário ser regressivo, impondo às classes de
menor renda um ônus mais elevado.
A Constituição de 1988 eleva as transferências constitucionais a estados e
municípios, atribuindo-lhes maior responsabilidade na oferta de serviços públicos, concedendo
aos estados subnacionais a possibilidade de um protagonismo para o qual alguns gestores
demonstraram não estar suficientemente preparados. Ao invés de diminuir a concentração
espacial da atividade produtiva, assistiu-se à sua reconcentração, particularmente, a partir da
década de 1990, quando o Estado Nacional, guiado pelo ideário neoliberal, coloca-se a serviço
do capital privado em detrimento de um projeto de soberania nacional alicerçado na justa
distribuição da riqueza e consolidação de um projeto de desenvolvimento com maior inclusão
social. Ademais, estados e municípios de menor contingente populacional, contemplados com
uma fração menor dessas transferências tributárias, se deparam com maiores restrições à
realização de obras de infraestrutura que possam alterar de forma significativa a organização
das cadeias produtivas locais31, a menos que recebam aporte adicional de recursos da União ou,
pela localização geográfica, estejam nas proximidades dos centros mais dinâmicos. Levam
vantagem os estados beneficiados com os royalties da exploração de minério, o que se traduz
em importante fonte de renda a estados e municípios onde as jazidas estão localizadas, a
exemplo do Rio de Janeiro32 e Minas Gerais.
No Brasil, a concentração espacial da atividade produtiva é acompanhada da
concentração espacial da riqueza, quer ela se expresse sob a forma de renda ou patrimônio. Ao
se comparar as regiões Sul e Sudeste com as demais, as regiões metropolitanas das capitais dos
Estados com os demais municípios, a área urbana com a área rural, vê-se claramente que a
29 Sistema Único de Saúde - SUS 30 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação – FUNDEB. Até 2006 era denominado FUNDEF. 31 Enquanto o Estado de São Paulo concentra 21,63% da população do país, o Estado de Alagoas responde por
apenas 1,64% e essa variável define a transferência de recursos a título de FPE, influenciando a capacidade de
investimento de cada entre federativo. 32 O Estado do Rio de Janeiro concentra 75% dos royalties do petróleo e a região Sudeste, 82%.
43
concentração se dá em vários níveis. E quanto mais frágil o tecido social de cada recorte
geográfico, mais lento será o tempo de resposta aos programas sociais implantados com o
propósito de reduzir as desigualdades sociais. A fragilidade do tecido social se manifesta em
determinado território quando os indivíduos que o compõem são desprovidos de instrumentos
que lhes permitam mudar a própria realidade e a realidade desse ambiente. Educação, saúde,
cultura e lazer, moradia e renda são alguns desses instrumentos. Cético em relação à efetividade
da redistribuição de renda via transferências constitucionais a estados e municípios,
MONTEIRO NETO (2005) afirma que “A situação atual das finanças governamentais no que
tange à destinação de recursos para o objetivo de operar maior desconcentração regional se
encontra (...) ainda limitada quanto aos resultados finais alcançados”.
IV – A desconcentração da atividade produtiva no período 1970 a 2014 não elimina o
abismo entre estados ricos e pobres
A partir de uma breve comparação entre as cinco regiões, observa-se que só a região
Sudeste perde participação entre 1970 e 2014, com redução de 9,8 pontos percentuais (pp) nos
primeiros 15 anos e 12,23pp nos vinte e nove seguintes (1985-2014), o que denota um ritmo
mais lento de desconcentração a partir de 1986. Tânia Bacelar, com base em relatório do IPEA,
aponta uma interrupção do processo de desconcentração do desenvolvimento em direção às
regiões menos desenvolvidas, a partir da década de 1990, ideia também compartilhada por
CAMPOLINA DINIZ (1995), muitas vezes citado pela autora:
Estimativas do PIB industrial, por macrorregião, elaboradas pelo IPEA, constatam que
nos anos 90, as regiões Sudeste e Sul deixam de perder posição relativa na produção
industrial nacional e voltam a ampliar sua presença nessa atividade, no contexto do país,
o mesmo acontecendo com o Estado de São Paulo, onde historicamente se concentra a
indústria brasileira. O Nordeste, por sua vez, reduz de 12%, em 1990, para 8% em 1994,
seu peso na indústria nacional, segundo a mesma fonte. (ARAÚJO, 2000)
O nível de concentração era tão elevado em 1970 (auge da concentração industrial
no país) que, mesmo com uma variação positiva de 688,75% em 44 anos, a região Norte altera
sua participação de 0,8% para 6,31% no valor de transformação industrial (VTI). O mesmo
ocorre com a região Centro-Oeste que, no mesmo período, altera sua participação de 0,8% para
5,44%, um avanço de 580%, conforme Quadro 1. Após 44 anos de desconcentração da atividade
produtiva, com um recuo de 14,19pp, as regiões Sul e Sudeste, juntas, ainda respondiam por
78,51% do VTI em 2014. Desse recuo, a região Nordeste recebeu apenas 4,04pp, dos quais dois
terços são distribuídos entre os estados de Bahia e Pernambuco que, juntos, respondem por 67%
do VTI do Nordeste em 2014. Essa concentração é também constatada no interior da região
44
Sudeste: em 2014, o Estado de São Paulo respondia por 56,7% do VTI daquela região, mas já
chegou a 72% em 1996, reforçando a tese de reconcentração defendida por ARAÚJO (2000) e
CAMPOLINA DINIZ (1995). O deslocamento da atividade industrial, portanto, reproduz no
interior de cada região o mesmo padrão de concentração nacional. Referindo-se à década de
1970, Carlos Américo Pacheco ressalta:
A desconcentração da década foi especialmente exitosa no que se refere à Área
Metropolitana de São Paulo. Contudo, muitas vezes, beneficiou mais o interior deste
estado que as demais regiões brasileiras, como na expansão do parque automobilístico,
ou no caso de duas das três refinarias de petróleo implantadas no País durante este
período. (PACHECO, 1998).
Quadro 1 - Distribuição percentual do Valor da Transformação Industrial (VTI) por
grandes regiões, Brasil – 1970 a 2014.
Ano
Regiões São
Paulo/SE Norte Nordeste Sul Centro-Oeste Sudeste
1970 0,8 5,7 12,00 0,8 80,7 58,1
1975 1,3 6,6 14,9 1,1 76,1 55,7
1980 2,4 7,8 15,9 1,2 72,6 53,4
1985 2,5 8,6 16,7 1,4 70,9 51,9
1996 4,5 7,7 17,4 2,2 68,2 72,5
2003 4,9 9,0 19,7 3,4 63,2 64,8
2010 7,0 9,3 18,2 4,5 61,0 59,3
2014 6,31 9,74 19,84 5,44 58,67 56,69
Evolução
1970-2014 688,75% 70,88% 65,33% 580% -27,3% -2,43%
Fontes: Pacheco, C.A. Fragmentação da Nação. Campinas (SP): UNICAMP/IE, 1998, para 1970 1985; IBGE -
Pesquisa Industrial - Empresa, volume 16 (1997), volume 22 (2003), volume 29 (2010), volume 32 (2013).
Embora o Estado de São Paulo mantenha um fluxo comercial mais intenso com os
estados das regiões Sul e Sudeste, seu saldo comercial líquido é maior com as regiões Norte,
Centro-Oeste e Nordeste (MONTEIRO NETO, 2005). A participação das duas regiões no PIB
industrial, medida pela participação no valor de transformação industrial (VTI), conforme
Quadro 1, reforça essa tese. Os setores industriais que migraram para o Norte e o Nordeste o
fazem em condição de complementaridade aos grandes centros industriais, particularmente ao
Estado de São Paulo (PACHECO, 1998). E mesmo perdendo participação no PIB, o Estado de
São Paulo concentra os setores mais dinâmicos e, portanto, mais rentáveis. A desvantagem
comercial dos estados periféricos é mais um elemento que define as assimetrias de acumulação
45
de capital, cujos efeitos se traduzem no contínuo agravamento das desigualdades regionais com
reflexos sobre as desigualdades sociais, só interrompido em alguns breves períodos por ações
pontuais, de curta duração e efeitos muito tímidos.
Do mesmo modo que o crescimento econômico do período 1970-2014 coincide
com a redução da concentração da atividade industrial na região Sudeste, é fato que esta região
concentra os centros industriais mais dinâmicos, acomodando os setores de maior conteúdo
tecnológico, estruturas produtivas mais complexas, forte participação na produção de bens de
consumo duráveis e bens de capital. Dados do IBGE sobre P&D e inovação de produtos e
processos revelam que os investimentos são mais elevados nas regiões Sul e Sudeste33.
Considerando que estrutura produtiva define o padrão das ocupações e este define a
remuneração dos fatores de produção, é nos grandes centros industriais que os rendimentos são
mais elevados, influenciando a renda per capita, o padrão de consumo e a capacidade de
acumulação de capital.
É desproporcional entre os entes federativos a infraestrutura produtiva necessária à
expansão dos investimentos (portos, aeroportos, rodovias, polos industriais com infraestrutura
de saneamento básico, abastecimento de água potável e distribuição de energia elétrica, além
de instituições de pesquisa que atuem em parceria com a iniciativa privada), o que torna os
estados mais pobres pouco competitivos na disputa pelo capital produtivo, sobretudo, pela
ausência de uma cadeia produtiva organizada. As condições estruturais, portanto, não são
favoráveis à consolidação do processo de desenvolvimento desses Estados em bases
sustentáveis. Sem expectativas otimistas de longo prazo e sem instituições de pesquisa com as
quais possam construir parcerias produtivas, as empresas privadas se sentem pouco atraídas
pelos estados periféricos. Para alguns segmentos industriais, o mercado consumidor não é um
atrativo suficiente, e mesmo que pudesse ser assim considerado, a renda familiar per capita
mensal nos estados periféricos é muito baixa em relação aos centros mais dinâmicos.
Nos estados ou regiões com maior investimento em P&D e inovação, o valor de
transformação industrial é, também, mais elevado. O fortalecimento de instituições de ensino e
pesquisa nos estados periféricos é imprescindível à disputa por investimentos privados,
sobretudo de setores mais dinâmicos, onde a inovação se dá em intervalos muito curtos, como
estratégia de sobrevivência. Isso explica, em boa medida, as diferenças acentuadas de
desempenho entre os entes federativos, onde uns são dotados de estrutura favorável a qualquer
33 Fonte: IBGE, Estados/ Pesquisa de Inovação 2011.
http://www.ibge.gov.br/estadosat/temas.php?sigla=es&tema=pesq_inovacao2011. Acesso em 29/04/2016.
46
tipo de investimento e outros são desprovidos de quase tudo, às vezes, até água e energia elétrica
em determinadas áreas. Em 2011, o estado de São Paulo apresentou um dispêndio com inovação
correspondente a 2,5% da receita de vendas, enquanto entre os três estados da região Nordeste
identificados pelo IBGE, o que apresentou maior relação dispêndio/receita foi o Ceará com
0,56%. No Norte e no Centro-Oeste, para essa variável, a situação é semelhante ao Nordeste.
Enquanto Sul e Sudeste concentram a produção industrial, as regiões Norte e
Nordeste concentram a agricultura de subsistência, população residente em área rural,
informalidade, população ocupada não remunerada, baixo grau de escolaridade e ocupações
compatíveis com baixa remuneração (até dois salários mínimos), fruto da baixa produtividade,
estrutura produtiva pouco diversificada, baixo conteúdo tecnológico e baixo grau de
industrialização.
Em 1985, o Nordeste respondia por 45% do total da ocupação agrícola do País e por
63% do número de pessoas ocupadas em estabelecimentos com menos de 10 ha. Ao
mesmo tempo, não chegava a contribuir com 20% da produção agropecuária do País.
Ou seja, a conclusão é de que o que está em curso nestes anos é, na verdade, mais um
processo de deterioração da situação dos pequenos estabelecimentos do que uma
aparente desconcentração da propriedade, fenômeno que poderia ser deduzido da leitura
apressada do Censo Agropecuário. (PACHECO, 1998)
Ao longo das últimas décadas houve significativa redução da área rural no país,
embora Norte e Nordeste mantenham ainda percentuais muito elevados (Quadro 2), e onde a
renda média mensal fica muito aquém da registrada na área urbana, dada a predominância de
ocupações informais e da atividade agrícola, em boa parte sem remuneração. Em 2014,
enquanto 24,47% da população urbana de 15 anos ou mais de idade auferia rendimento médio
mensal acima de dois salários mínimos, para a população rural esse percentual correspondia a
9,78%. Para os que recebem até dois salários mínimos, a área rural acomodava 65,52% de sua
população e a área urbana 52,33%, excluindo os sem rendimento ou sem declaração (Quadro
3). Esses números demonstram que a população rural tem uma representação mais expressiva
da população de baixa renda, embora represente pouco mais de 14% da população total do país.
As regiões Sul e Sudeste, por sua vez, concentram a produção industrial, com
destaque para setores de elevada capilaridade como a indústria automobilística34, articulada
com vários outros setores sediados no Estado de São Paulo e/ou entorno. Juntas, as duas regiões
34 O Estado de São Paulo é o maior produtor de óleo diesel, álcool etílico, gasolina automotiva,
veículos automotores, peças e acessórios para veículos. É também o maior mercado consumidor
desses produtos. Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria, Pesquisa Industrial Anual -
Produto 2013.
47
respondem por quase 72% do PIB brasileiro e quase 80% da produção industrial nacional, em
2013. Certamente, a escolha dessas regiões pelo capital privado obedece a um conjunto de
critérios dentro de sua própria lógica de autovalorização.
Esta questão não é simples e desdobra-se em temas que vão dos determinantes
tradicionais de mercado e infraestrutura, aos novos requisitos locacionais induzidos
pela reestruturação industrial, passando pela própria ação do poder público, num
contexto de rivalidades crescentes entre as Unidades da federação e vigência de
políticas de atração de investimentos extremamente agressivas. (PACHECO, 1998)
Quadro 2 – Distribuição (%) da população por situação de domicílios particulares,
Brasil e Grandes Regiões, anos selecionados – Censo Demográfico.
Brasil e
Grandes
Regiões
Ano e Situação do domicílio
1991 2000 2010
Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural
Brasil 78,46 21,54 83,44 16,56 85,79 14,21
Norte 61,46 38,54 73,19 26,81 77,33 22,67
Nordeste 63,79 36,21 72,13 27,87 75,17 24,83
Sudeste 89,48 10,52 91,47 8,53 93,39 6,61
Sul 76,16 23,84 82,09 17,91 85,23 14,77
Centro-Oeste 82,04 17,96 87,08 12,92 89,79 10,21
Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2010.
Quadro 3 - População de 15 anos ou mais de idade, por classe de rendimento médio mensal
e situação do domicílio, Brasil – 2014.
Classes de rendimento mensal Situação do Domicílio
Urbana Rural
Até 1/2 salário mínimo 7,52% 17,57%
Mais de 1/2 a 1 salário mínimo 19,26% 27,85%
Mais de 1 a 2 salários mínimos 25,56% 20,11%
Mais de 2 a 3 salários mínimos 10,94% 5,47%
Mais de 3 a 5 salários mínimos 7,10% 2,61%
Mais de 5 a 10 salários mínimos 4,40% 1,28%
Mais de 10 a 20 salários mínimos 1,49% 0,34%
Mais de 20 salários mínimos 0,54% 0,08%
Sem rendimento (inclui beneficiários de programas sociais) 21,26% 23,40%
Sem declaração 1,93% 1,30%
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2013.
48
Fazendo uma comparação entre os entes federativos para o ano 2014, percebe-se
que, em quase todos da região Nordeste, mais de 40% da população de 15 anos ou mais de
idade auferia renda de até um salário mínimo, excluindo a população ocupada sem rendimento
ou sem declaração, enquanto na região Sul, o percentual para essa faixa de renda ficou abaixo
de 20%; no Sudeste, oscila entre 13% e 30% e no Centro-Oeste, entre 20% e 24%. Para o
intervalo de renda acima de 1 até 3 salários mínimos, ocorre o inverso: os estados nordestinos
situam entre 25% e 31%, enquanto para a região Sul, os estados se posicionam entre 53% e
55%; e na região Sudeste, entre 44% e 52% (IBGE/PNAD 2014). Para todos os estados, a
participação da população cai bastante à medida que se eleva o intervalo de renda.
No período 2002 a 2014, a participação da região Sudeste no PIB não se altera de
forma significativa, recuando apenas 2,44pp, passando de 57,38% para 54,94%. Para o mesmo
período, a participação da região Nordeste passou de 13,09% para 13,93%. Com exceção da
região Sudeste que responde por mais da metade do PIB nacional, para todas as regiões, as
variações de participação no PIB ficaram abaixo de 1pp (Quadro 4). Para a compreensão do
fenômeno desigualdade social, a participação dos entes federativos na produção nacional é uma
variável relevante, visto que está atrelada à renda per capita, à capacidade de arrecadação e à
capacidade de financiamento do gasto público.
O capital produz as assimetrias espaciais do desenvolvimento na sua própria
engrenagem de autovalorização, para o qual não existem leis universais que possam alcançar a
dimensão espacial do desenvolvimento capitalista, com capacidade de contemplar, com igual
resultado, os espaços geográficos assimétricos, sob todas as dimensões (econômica, social,
política, cultural), ressalta Carlos Brandão. E completa: “É preciso mergulhar no concreto e no
histórico para captar e apreender as manifestações concretas dos fenômenos inerentes à
dimensão espacial do processo de desenvolvimento capitalista em cada situação específica”
(BRANDÃO, 2004).
Em um país de recortes geográficos tão distintos, marcados por acentuadas
diferenças econômicas e sociais, a construção do processo de desenvolvimento não pode
prescindir de tais particularidades, para fins de elaboração das políticas públicas, de modo que
a intervenção do Estado se dê na perspectiva de corrigir as distorções produzidas pelas
engrenagens do sistema capitalista de produção. As diferenças são compreensíveis, mas
desigualdades que se traduzem em miséria e morte precoce, dadas as condições desumanas a
49
que muitos são submetidos, são inaceitáveis e demonstram as limitações da capacidade de
gestão tanto do Estado Nacional quanto dos estados subnacionais.
Sob o regime capitalista de produção, a divisão social do trabalho se aprofunda e
sofistica recorrentemente, as articulações entre espaços diferenciais se processam de
forma regular e ordenada embora com natureza desigual, complexa e de forma
combinada e sujeita a um processo de evolução hierárquica, submetidas a leis, centros
de controle e padrões diversificados e específicos de inserção. (BRANDÃO, 2004)
Quadro 4: Produto Interno Bruto a preços correntes e participação percentual das
Unidades da Federação, ano base 2010 – Brasil, anos selecionados, em R$1 milhão.
Fonte: IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e
Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA. Elaboração da autora.
Unidade Territorial 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014
2002
(% )
2014
(% )
NORTE 69.902 97.051 121.372 156.677 207.094 259.101 308.077 4,70% 5,33%
Rondônia 7.468 11.005 13.055 17.286 23.908 30.113 34.031 0,50% 0,59%
Acre 2.971 3.784 4.662 6.410 8.342 10.138 13.459 0,20% 0,23%
Amazonas 22.093 31.091 39.933 48.115 60.877 72.243 86.669 1,48% 1,50%
Roraima 2.392 2.823 3.802 4.842 6.639 7.711 9.744 0,16% 0,17%
Pará 26.482 37.273 45.983 60.957 82.685 107.081 124.585 1,78% 2,16%
Amapá 3.173 3.825 5.281 6.950 8.238 11.131 13.400 0,21% 0,23%
Tocantins 5.323 7.252 8.656 12.116 16.405 20.684 26.189 0,36% 0,45%
NORDESTE 194.848 251.730 317.948 406.102 522.769 653.067 805.099 13,09% 13,93%
Maranhão 15.924 22.127 29.711 37.932 46.310 60.490 76.842 1,07% 1,33%
Piauí 7.123 9.406 13.360 16.203 22.269 28.638 37.723 0,48% 0,65%
Ceará 28.719 36.891 46.500 60.416 79.336 96.974 126.054 1,93% 2,18%
Rio Grande do Norte 13.567 17.252 22.890 28.899 36.185 46.412 54.023 0,91% 0,93%
Paraíba 12.747 15.758 20.838 26.890 33.522 42.488 52.936 0,86% 0,92%
Pernambuco 36.056 44.983 55.485 70.414 97.190 127.989 155.143 2,42% 2,68%
Alagoas 11.537 14.045 17.396 22.262 27.133 34.650 40.975 0,77% 0,71%
Sergipe 10.332 13.336 16.420 21.418 26.405 32.853 37.472 0,69% 0,65%
Bahia 58.843 77.932 95.348 121.667 154.420 182.573 223.930 3,95% 3,87%
SUDESTE 854.310 1.105.766 1.390.391 1.771.495 2.180.988 2.693.052 3.174.691 57,38% 54,94%
Minas Gerais 124.071 171.871 212.660 278.608 351.123 442.283 516.634 8,33% 8,94%
Espírito Santo 27.049 39.733 53.464 72.091 85.310 116.851 128.784 1,82% 2,23%
Rio de Janeiro 184.311 241.207 299.738 378.286 449.858 574.885 671.077 12,38% 11,61%
São Paulo 518.879 652.956 824.529 1.042.510 1.294.696 1.559.033 1.858.196 34,85% 32,15%
SUL 241.565 328.263 376.334 497.391 620.180 765.002 948.454 16,23% 16,41%
Paraná 88.236 123.452 137.648 185.684 225.205 285.620 348.084 5,93% 6,02%
Santa Catarina 54.482 73.619 91.063 121.477 153.726 191.795 242.553 3,66% 4,20%
Rio Grande do Sul 98.847 131.192 147.623 190.230 241.249 287.587 357.816 6,64% 6,19%
CENTRO-OESTE 128.163 174.941 203.405 278.139 354.816 444.538 542.632 8,61% 9,39%
Mato Grosso do Sul 16.440 23.372 26.668 36.219 47.271 62.013 78.950 1,10% 1,37%
Mato Grosso 19.191 33.389 30.700 49.203 56.601 79.666 101.235 1,29% 1,75%
Goiás 38.629 51.104 61.375 82.418 106.770 138.758 165.015 2,59% 2,86%
Distrito Federal 53.902 67.077 84.661 110.300 144.174 164.101 197.432 3,62% 3,42%
BRASIL 1.488.787 1.957.751 2.409.450 3.109.803 3.885.847 4.814.760 5.778.953 100,0% 100,0%
50
No Brasil, essas desigualdades entre unidades territoriais e entre indivíduos são
conduzidas por um caldo cultural, além da racionalidade do capital, que tende a preservar o
abismo que separa os espaços e os indivíduos, reconcentrando a cada nova tentativa de
desconcentrar. O desafio de romper esse ciclo e promover uma distribuição mais justa da
riqueza exige enfrentamentos nas esferas política e econômica. Nessa direção, algumas ações
parecem indispensáveis: redistribuir as cadeias produtivas organizadas a partir de investimento
na infraestrutura básica e nas instituições de ensino e pesquisa dos estados periféricos, assim
como instrumentalizar os indivíduos socialmente vulneráveis, de modo que possam assegurar
a seus filhos a possibilidade de um protagonismo que sua geração não teve. O desenvolvimento
dos espaços à margem do centro dinâmico do capitalismo nacional só será possível com acesso
irrestrito a uma educação gratuita e de boa qualidade, do ensino fundamental ao ensino superior,
a todos que dela necessitam.
As desigualdades entre os entes federativos só podem ser compreendidas a partir
do processo histórico, observando-se os ciclos produtivos da economia nacional, os fluxos
migratórios, as peculiaridades regionais, a gestão pública local e as intervenções do Estado
Nacional que, desde o século XIX, resultaram no fortalecimento da região Sudeste na posição
de centro dinâmico da economia nacional.
Embora a região Nordeste tenha sido o centro dinâmico da economia nacional por
quase dois séculos, com o ciclo do pau-brasil (1503-1550) e o ciclo da cana-de-açúcar (1550-
1690) 35, a partir do século XVIII36 com o ciclo do ouro em Minas Gerais (1690-1760) e, depois,
do café em São Paulo (1820-1930)37, a região Sudeste passa a ser o centro dinâmico da
economia nacional, alcançando uma acumulação de capital a partir da atividade agrícola que
lhe permite fazer a transição para a atividade industrial com melhor desenvoltura. Embora já
existissem focos de industrialização em vários estados, a indústria nascente de São Paulo
dispunha de condições mais favoráveis, assegurando-lhe uma posição de liderança nesse
processo.
No que se refere ao fluxo migratório, à medida que o centro dinâmico é transferido
para a região Sudeste, grande parte da população de outras regiões migra, especialmente, para
o Estado de São Paulo, em busca de oportunidades de trabalho remunerado, conforme revelam
os números: ao final do séc. XVIII, o Estado de São Paulo respondia por 7,5% da população do
35 Para maiores detalhes sobre desigualdades no território nacional, ver POCHMANN, 2015. 36 Do mesmo modo que o Nordeste deixa de ser o centro dinâmico da economia nacional ao final do século
XVII, também, perde importância política com a transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em
1763. 37 O ciclo da borracha, com peso econômico, se dá entre 1890 e 1912, na região amazônica.
51
país e em 2010 essa participação correspondia a 22,1%; o inverso ocorre com o estado da Bahia,
no mesmo período, passando de 18,5% para 7,1%. Ainda com relação à migração, as regiões
Sul e Sudeste, graças ao fluxo migratório ocorrido após a Segunda Guerra Mundial, recebem
imigrantes europeus e adotam mais cedo o trabalho remunerado em substituição à utilização da
mão de obra escrava na agricultura e em outras atividades, imprimindo um ritmo mais acelerado
ao crescimento econômico. As regiões Norte e Nordeste mantiveram por mais tempo o trabalho
escravo, adiando a modernização da atividade agrícola, assim como a implantação da atividade
industrial, em oposição à região Sudeste que, mais cedo, acolhe a indústria capitalista e a
substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado. Para melhor compreensão dos
efeitos da utilização da mão de obra escrava, ver João Manuel Cardoso de Mello (1988):
É absurdo supor iguais as eficiências do trabalho escravo e assalariado. Inicialmente,
porque o trabalho escravo se ajusta ao processo produtivo às custas de coação,
enquanto o trabalhador livre tende a se sentir retribuído com o salário. Além disto, a
escravidão bloqueava tanto uma maior divisão técnica do trabalho quanto a
especialização do escravo, porque era próprio de sua condição que se mantivesse res.
(...) O progresso técnico é próprio ao capitalismo, enquanto está, praticamente,
excluído da indústria escravista. (MELLO, 1988)
As condições de geração de renda em qualquer estado ou município são definidos,
inicialmente, por clima, acesso à água potável, energia elétrica, sistema eficiente de
comunicação e um sistema educacional avançado. Na sequência, uma infraestrutura que atenda
às necessidades de distribuição da produção, possibilitando a articulação com outros mercados
e fortalecendo as cadeias produtivas organizadas. Isso depende de uma boa gestão local e de
boas relações políticas com o Estado Nacional, além de equipes que sejam capazes de aproveitar
as janelas de oportunidades que surgem no cenário político. Estados que padecem com períodos
mais longos de estiagem e ausência de uma infraestrutura adequada sofrem mais restrições à
geração de renda, diminuindo a capacidade de arrecadação e de intervenção a partir da receita
fiscal. Estados de pequeno porte (área, população e volume de produção) apresentam maiores
dificuldades de financiamento do investimento público, especialmente, para obras de
infraestrutura que exigem grande aporte de recursos. Sem uma boa articulação com o Estado
Nacional, dificilmente conseguirão criar condições de superação da pobreza e das
desigualdades sociais no interior do próprio estado, a exemplo do que ocorre com Piauí,
Alagoas e Maranhão38.
38 Mesmo quando são implementadas políticas públicas federais para redução das desigualdades sociais, os
indicadores socioeconômicos dos estados mais pobres avançam, porém, mantendo-os na mesma posição em
relação aos demais estados.
52
Baixo Investimento público per capita em saúde, saneamento, habitação, cultura e
educação, associado à concentração fundiária e às dificuldades de geração de renda já tratadas
no parágrafo anterior potencializa as desigualdades sociais visto que a meritocracia foi
promovida como base do desenvolvimento capitalista, desconsiderando as evidências de que as
oportunidades não são iguais para todos. No que tange à concentração fundiária, tais
propriedades são utilizadas como ativos de especulação imobiliária, deixando de cumprir seu
papel mais fundamental que é a geração de riqueza tangível, emprego e renda. Na função de
ativo especulativo, ficam subutilizadas, sendo ocupadas com cabeças de gado em número
suficiente, apenas, para evitar a desapropriação para fins de assentamento agrário. O efeito mais
nocivo da concentração fundiária é o número de famílias desprovidas de habitação e
alimentação, submetidas a condições desumanas de sobrevivência.
Como as regiões Norte e Nordeste concentram a maior proporção de pobres do país,
e esta pobreza está, em grande medida, associada à precarização do sistema de educação e à
estrutura produtiva pouco diversificada, de baixo conteúdo tecnológico e baixo dinamismo, a
superação do elevado grau de pobreza nessas duas regiões requer a equalização das diferenças
regionais, o que demanda do Estado Nacional uma ação conjunta com os estados subnacionais,
atuando sobre estrutura produtiva e tecido social a partir de investimentos em infraestrutura e
serviços essenciais, de modo a tornar os estados periféricos atrativos à realização de
investimentos privados. Essas desigualdades podem ser sintetizadas no índice de
desenvolvimento humano dos municípios (IDHM). Em 2010, quando o IDH do Brasil
correspondia a 0,727, o IDHM do município de São Caetano do Sul (SP) correspondia a 0,862
e o de Melgaço (PA), a 0,41839. O desafio que está posto é criar condições para que Melgaço e
grande parte dos municípios das regiões Norte e Nordeste alcancem um IDHM que pelo menos
se aproxime da média nacional.
Segundo POCHMANN (2014), as regiões Norte e Nordeste apresentaram as
menores taxas de redução da pobreza, entre 2002 e 2012, apesar de o Nordeste ter sido a região
que, em valores absolutos, mais contribuiu com essa redução. O Atlas de Desenvolvimento
Humano dos Municípios (2013) revela que, apesar dos avanços, os estados periféricos
enfrentam grandes obstáculos para melhorar sua posição em relação aos indicadores
socioeconômicos, frente aos estados com maior capacidade de geração de riqueza. Em 2014, o
Nordeste concentrava mais de 50% do volume de recursos do Programa Bolsa Família, seguido
pelo Sudeste, que respondia por pouco mais de 24%, porém, a população do Nordeste concentra
39 Fonte: http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/rankings/idhm-municipios-2010.html. Acesso em
23/01/2017.
53
28% da população do país enquanto o Sudeste concentra 42%. Na lista dos cem maiores IDHM
do país (2010), aparece apenas um município nordestino, a partir da 76ª posição (Fernando de
Noronha - PE), seguido por Palmas (TO) da região Norte, ambos com IDH igual a 0,78840. Os
demais se concentram entre as regiões Sul e Sudeste. Por outro lado, há grande concentração
dos municípios das regiões Norte e Nordeste com IDH muito baixo41.
As fragilidades do sistema público de educação dos Estados mais pobres (gestão,
estrutura física e capital humano) tornam a mão de obra local muito vulnerável, submetida a
baixos rendimentos, quando consegue ser inserida no mercado de trabalho. As fragilidades no
ensino fundamental e no ensino médio criam obstáculos ao ingresso de grande parte dessa
população nas universidades públicas, principalmente, para cursos com maior nota de corte, a
exemplo de Engenharia, Direito, Medicina e Odontologia. A mesma dificuldade é enfrentada
nos concursos públicos, particularmente, para cargos cuja remuneração ultrapassa dez salários
mínimos. Nos estados mais pobres predominam a informalidade, a ocupação sem remuneração
e as ocupações cuja remuneração mensal é de até dois salários mínimos.
Se nada mais profundo for feito, a luta contra a exclusão corre o risco de se reduzir a
um pronto-socorro social, isto é, intervir aqui e ali para tentar reparar as rupturas do
tecido social. Esses empreendimentos não são inúteis, mas deter-se neles implica a
renúncia de intervir sobre o processo que produz essas mutações. (CASTEL, 2013)
Fica cada vez mais claro que políticas compensatórias são insuficientes para
promover uma redução efetiva das desigualdades sociais no país. É necessário reverter o
processo, utilizando um caminho semelhante ao que foi feito para produzir essa estrutura de
desigualdade. As políticas sociais com vistas a assegurar o acesso a direitos essenciais à vida
continuarão imprescindíveis, dadas as distorções produzidas pelo sistema de reprodução
capitalista. Todavia, o Estado Nacional pode avançar em outras importantes frentes numa
perspectiva de reduzir as desigualdades sociais, ainda que isso não elimine, mas as atenue
profundamente: investimentos públicos na infraestrutura e no sistema educacional incluindo
pesquisa, ciência e tecnologia nos estados periféricos; implantação de um sistema tributário
progressivo, com maior rigor na fiscalização, de modo a evitar a sonegação fiscal,
particularmente, dos grandes conglomerados; e uma reforma agrária que resulte em melhor
distribuição de terras produtivas para produtores rurais, com investimento em infraestrutura que
40 Fonte: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/ranking. Acesso em 21/01/2017. 41 A classificação do PNUD para o IDH é: de 0,8 a 1,0 - muito alto; de 0,7 a 0,799 – alto; de 0,6 a 0,699 – médio;
de 0,5 a 0,599 – baixo; e de 0,0 a 0,499 – muito baixo. Grande parte dos municípios do Norte e do Nordeste
apresentam IDH baixo ou muito baixo.
54
possa assegurar água, energia elétrica, sistema eficiente de comunicação e vias de escoamento,
fortalecendo as cadeias produtivas locais.
55
PARTE 1
2 - A influência das políticas públicas na trajetória das desigualdades sociais
Neste capítulo, aborda-se a influência das políticas públicas sobre a concentração
da riqueza e seus reflexos sobre as desigualdades sociais, no Brasil42. A crise na bolsa de Nova
Iorque (1929) e seus efeitos sobre a economia brasileira parecem sinalizar com a necessidade
de reordenamento das forças produtivas com vistas a assegurar o crescimento econômico a
partir de novas bases. Deflagrada a crise, o protagonismo dos donos do capital vai sendo, pouco
a pouco, transferido ao Estado Nacional, cuja trajetória é marcada por elevação dos gastos
públicos, da arrecadação tributária e do grau de endividamento público. O Estado Nacional é
demandado para restabelecer a ordem e atenuar os conflitos de interesses privados através da
regulação e dos investimentos diretos em setores estratégicos, visto que as cadeias produtivas
globais se tornam cada vez mais complexas e dinâmicas. Se uma crença só se sustenta quando
nela se acredita, a suposta mão invisível do mercado acabara de se desintegrar, levando os
capitalistas monopolistas a se renderem à regulação do mercado por quase quatro décadas.
John Maynard Keynes, com a publicação da obra Teoria geral do emprego, do juro
e da moeda, em 1936, principal referência em defesa da intervenção do Estado em prol do
equilíbrio macroeconômico, tem sua atenção voltada ao emprego e às variáveis que lhe
influenciam. O desemprego é um problema desestabilizador nas economias capitalistas por
comprometer o ciclo de produção e geração de riqueza, no entanto, alerta Keynes que os
mercados podem entrar em equilíbrio mesmo havendo um certo nível de desemprego. Em
outras palavras, parte da população economicamente ativa é dispensável ao processo de
reprodução capitalista e, cada vez mais, à medida que as estruturas produtivas se modernizam,
elevando seu grau de mecanização. Um aumento dos investimentos, por sua vez, não resulta
42 Olhando para economias europeias e americana, PIKETTY (2014, pag. 296-306) afirma que as guerras e as
políticas públicas assumiram um papel central no processo de redução das desigualdades, no século XX.
Defende a tese de que, pela primeira vez na história do trabalho, os estudos se tornaram o caminho mais seguro
para garantir melhor posição na hierarquia da distribuição de renda. E completa: “No que concerne à
desigualdade da renda do trabalho, os mecanismos incluem a oferta e a demanda por qualificações, o estado do
sistema educacional, bem como as diferentes regras e instituições que afetam o funcionamento do mercado de
trabalho e o processo de formação dos salários”. Vale ressaltar que uma boa qualificação não assegura o
emprego, tampouco uma ocupação de elevado status social e boa remuneração, no entanto, esses cargos são
ocupados por profissionais cuja formação seja compatível com suas exigências. Em outras palavras, a
investigação da realidade nos mostra que são os investimentos e a configuração do mercado que definem as
ocupações e suas respectivas remunerações. O investimento na qualificação profissional apenas eleva as chances
de um indivíduo ser inserido no mercado com melhor nível de remuneração, sem nada lhe assegurar.
56
necessariamente em um aumento proporcional do emprego dado que o nível de intensidade na
utilização de mão de obra é relativamente baixo em setores mais mecanizados, dotados de maior
conteúdo tecnológico.
A década de 1930 no Brasil coincide com o governo de Getúlio Vargas, marcado
pelo nacional desenvolvimentismo, cuja origem repousa em quatro correntes de pensamento
(nacionalistas, industriais, positivistas e papelistas), reunindo elementos da heterodoxia sem se
apartar de vez dos princípios ortodoxos da teoria clássica. Do nacionalismo, mais alinhado ao
liberalismo econômico, ao industrialismo que defendia o protecionismo estatal, Vargas também
recebe influência dos defensores da austeridade fiscal (positivistas) e dos que a ela se
contrapunham, defendendo a expansão monetária e fiscal como instrumentos de fomento ao
desenvolvimento do país (papelistas), mais alinhado aos princípios da Teoria keynesiana
(FONSECA, 2012). Importante contribuição a esse debate é dada por DRAIBE (2004) que trata
do papel do Estado Nacional na condução de um projeto industrializante, capaz de neutralizar
forças oposicionistas à medida que faz concessões a grupos politicamente organizados, mesmo
sob um regime conservador e autoritário, como estratégia de assegurar legitimidade ao governo.
Segundo a autora, o Estado Novo emerge, centralizado no Executivo Federal, desconstituindo
os instrumentos locais e regionais de poder estruturados sob o Estado Oligárquico e trazendo
consigo novos instrumentos políticos de controle e regulação.
O nacional desenvolvimentismo da Era Vargas se antecipa ao estatismo keynesiano,
implantando um modelo intervencionista com irrestrito apoio à indústria nascente, tanto com
investimento público direto quanto com os investimentos em infraestrutura43 e regulamentação
da relação entre capital e trabalho. Embora as circunstâncias tenham definido o conjunto de
ações implementadas naquela ocasião, visto que o país passava por uma recessão econômica de
grande magnitude com a falência do modelo agroexportador, há de se reconhecer o mérito do
governo ao apostar na industrialização como estratégia de desenvolvimento para o país, embora
pressionado pelos conservadores representantes do capital mercantil que tentavam preservar a
sua hegemonia no setor produtivo nacional através de institutos e departamentos representativos
do café, do cacau, do açúcar e do sal, nos respectivos territórios44.
43 Compartilham dessa opinião os economistas Wilson Cano, Pedro Fonseca e Pedro Bastos (2012). Segundo
Pedro Bastos, apesar de Vargas ser simpático à austeridade fiscal e monetária, era também um antiliberal
defensor da industrialização e do nacionalismo. 44 Para maiores detalhes, ver DRAIBE, 2004.
57
Enquanto instrumentos de fomento ao desenvolvimento, as políticas públicas
incorporam os anseios da sociedade e são implantadas através de mecanismos de regulação,
distribuição e redistribuição45 de riqueza. Na esfera econômica, instrumentos keynesianos são
largamente utilizados no campo das políticas de estabilização e estímulo ao crescimento
econômico. DI GIOVANI (2009) atribui a urgência de implantação das políticas públicas, a
partir da década de 1940, a quatro fatores: a) a necessidade de fomentar o desenvolvimento
econômico, com a utilização de instrumentos keynesianos, dada a falência da ideologia do
liberalismo econômico; b) a tensão geopolítica que se estabelece entre o capitalismo e o
socialismo, exigindo a ampliação das redes de proteção social para legitimar o sistema
capitalista; c) a consolidação do sistema democrático no mundo ocidental no segundo pós-
guerra, levando a sociedade organizada, através de suas representações de classe, a apresentar
suas demandas e influenciar a elaboração e a implantação das novas políticas públicas; e d)
mudanças demográficas, culturais e tecnológicas, gerando na população novas expectativas e
demandas.
A implementação de políticas públicas é condicionada por critérios técnicos,
econômicos e políticos, no entanto, é na esfera política que se manifestam as tensões
decorrentes de interesses antagônicos e correlações de forças assimétricas, a exemplo de capital
e trabalho, proprietários e não proprietários, rentistas e produtores de bens e serviços, só para
citar alguns exemplos. Nesse campo de tensão, são tomadas decisões que podem alterar o estado
de desigualdade entre indivíduos, unidades territoriais e unidades produtivas. Nem sempre os
interesses privados são conciliáveis, cabendo ao gestor público decidir a favor de quem arbitrar
e, nessa arena, o poder econômico pactuado ao poder político quase sempre define o placar do
jogo, mesmo em regimes democráticos em que os anseios da sociedade sinalizam em direção
contrária aos interesses puramente econômicos.
Enquanto grupos empresariais demandam ações que tornem o ambiente econômico
atrativo à realização de novos investimentos e à acumulação de capital, outros atores demandam
bens e serviços que assegurem o bem-estar social ou o fortalecimento de instituições que os
representam. A alocação de recursos federais em infraestrutura, inovação tecnológica,
programas sociais e outras categorias de gasto resultam em tensões políticas entre os entes
federativos, cujos resultados tendem a favorecer os grupos com melhor nível de articulação
45 Segundo Lowi (1966), a política distributiva não provoca resistência ou conflitos entre os grupos sociais
porque não altera o padrão atual de apropriação de riqueza. A redistributiva, no entanto, implica transferir
riqueza de grupos mais afortunados para grupos mais vulneráveis por meio de tributação, gerando resistência e
conflitos sociais, a exemplo dos programas de transferência de renda.
58
política. São objetos de disputa política entre os estados subnacionais a distribuição dos
royalties do petróleo, os recursos destinados a obras de infraestrutura, os critérios de cobrança
do ICMS (Imposto sobre a circulação de mercadoria e serviços de qualquer natureza) etc.
Uma política pública é um instrumento de gestão que se propõe a solucionar um
problema ou se antecipar a ele, podendo ser universal ou focalizada, distributiva ou regulatória.
Pode ser uma escolha no sentido de empreender um determinado curso de ação, assim como a
decisão de nada fazer e simplesmente manter o atual curso das coisas, porém, é uma decisão
consciente de governo, cujos efeitos gerados nem sempre são intencionados ou positivos
(HOWLLET, PERL e RAMESH, 2012). O desdobramento da implantação de uma política
pública é, em grande medida, influenciado pelo caldo de subjetividade marcado por valores,
crenças, saberes locais e outros elementos culturais. Uma política pública com o mesmo
desenho pode ter respostas distintas a depender do espaço e do tempo em que é implantada.
I - O protagonismo do Estado
A partir da década de 1930, o Estado brasileiro assume um papel de extrema
relevância no reordenamento da economia nacional, frente aos desafios de superação da crise
do café e à necessidade de encontrar novos caminhos que assegurassem o crescimento
econômico. No bojo das mudanças, ações estratégicas que assegurassem a legitimidade do
governo e evitassem os conflitos de classe. Ainda assim, não consegue evitar as desigualdades
sociais produzidas nas engrenagens do sistema capitalista, onde a remuneração dos fatores de
produção (salários, juros, aluguéis, lucros), alicerçada na meritocracia, acentua a concentração
da riqueza, especialmente, em regiões onde o tecido social já traz impressos fortes traços de
desigualdade.
A partir da década de 1940, especialmente após a segunda guerra mundial, a
regulamentação dos mercados pelo Estado mostra-se imprescindível à estabilidade das
economias capitalistas e os donos do capital convivem bem com essa intervenção até final da
década de 1970. No Brasil, as funções do Estado se ampliam passando a assumir, além da
regulamentação, a função de produtor de bens e serviços para suprir a ausência dos
investimentos privados em setores estratégicos ao desenvolvimento, com retorno de longo
prazo, empenho de grande volume de recursos e risco elevado. Esse processo se deu com
investimentos do Estado Nacional na indústria de base, na matriz energética, nas obras de
infraestrutura, na fundação de instituições ligadas ao sistema financeiro e de instituições de
59
ensino e pesquisa, concentrando na região Sudeste várias cadeias produtivas organizadas e
atraindo para o Estado de São Paulo investimentos privados nos setores mais dinâmicos da
economia nacional46.
Esse reordenamento favorece a balança comercial dos estados da federação que
sediam cadeias produtivas mais diversificadas e sofisticadas para os padrões nacionais, com
vantagens competitivas sobre os estados periféricos, integrados à economia nacional de forma
subordinada, ofertando matéria-prima (valor agregado) e demandando produtos manufaturados
produzidos em estruturas cada vez mais oligopolizadas. O modo como as cadeias produtivas
vão sendo organizadas no território nacional conduz ao auge das desigualdades regionais no
início da década de 1970, com mais de 92% da produção industrial concentrada nas regiões Sul
e Sudeste, 58% só no Estado de São Paulo. O padrão de concentração da economia nacional se
reproduz no interior da cada região e também dos estados. É preciso compreender em que
medida a concentração da atividade produtiva se reflete em desigualdades sociais, visto que
produz diferenças de renda do trabalho, seja porque as regiões mais ricas concentram as
ocupações de maior remuneração, seja porque a taxa de ocupação é mais elevada em estados
com economias mais dinâmicas. A esse debate, Celso Furtado dá uma importante contribuição,
ao considerar que a superação do subdesenvolvimento está condicionada a um elevado grau de
homogeneidade social, autonomia tecnológica, investimento em todas as fases da educação e
uma reforma agrária que assegure uma justa distribuição do produto da terra, citando Coreia do
Sul e Taiwan como exemplos (FURTADO, 1992).
Dependem de decisão de governo manutenção, redução ou elevação das
desigualdades sociais por meio de políticas fiscal e monetária, prioritariamente. Nesse campo,
o governo pode decidir: a) renúncia fiscal ou rigor na cobrança da dívida dos grandes
empreendimentos; b) edição de legislação a favor do capital ou a favor do trabalho; c) alocação
de recursos orçamentários, a título de investimentos públicos federais, favorecendo as regiões
mais ricas ou as regiões periféricas; d) manutenção de um sistema tributário regressivo que
penaliza, proporcionalmente, as faixas de renda mais baixas, ou uma reforma fiscal que institua
um sistema tributário progressivo; e) elevação ou redução do gasto social, conhecendo seus
efeitos sobre as desigualdades sociais. Embora o processo de valorização e acumulação de
capital produza, cada vez mais, níveis elevados de desigualdade, o Estado Nacional, através de
46 Para maior aprofundamento sobre o papel do Estado Nacional na construção do capitalismo de Estado, ver
DRAIBE, 2004.
60
políticas fiscais, monetárias, cambiais e de renda, pode decidir acentuar ou atenuar esse estado
de desigualdade.
Para as economias capitalistas, de um modo geral, o período compreendido entre o
fim da Segunda Guerra Mundial e a década de 1970, conhecido como anos dourados do
capitalismo, coincide com a implantação de políticas de bem-estar social. O Brasil, por sua vez,
a partir de 1964, é regido por uma ditadura militar que ao mesmo tempo que assegura as mais
elevadas taxas de crescimento econômico, produz uma brutal elevação da concentração de
riqueza. Embora os primeiros passos do neoliberalismo sejam percebidos na década de 1970,
no Brasil, ele se manifesta com mais nitidez na década de 1990, trazendo consigo novos
elementos de instabilidade econômica e o receituário de austeridade fiscal para controlar as
crises por ele gestadas. Os países periféricos são integrados às cadeias produtivas globais de
forma subordinada, desprovidos de uma moeda forte (referência enquanto reserva de valor ou
padrão de trocas internacionais) e de conteúdo tecnológico que lhes assegure vantagem
comercial nas relações de troca47. Submetem-se à ordem neoliberal à medida que alteram o
aparato legal de preservação de soberania nacional, adequando-se aos interesses do capital
internacional presente nos setores mais dinâmicos da economia nacional. O Estado neoliberal
não é a expressão do estado mínimo, mas do Estado que, mantendo-se gigante do ponto de vista
da arrecadação fiscal, coloca-se a serviço dos que concentram a riqueza.
II - A intervenção por meio de investimentos diretos
Marcado por acentuadas desigualdades sociais, o Estado brasileiro apostou no
modelo concentrador, favorecendo a formação de oligopólios e monopólios em diversos
setores, assim como concentrando investimentos públicos em infraestrutura no principal centro
dinâmico da economia nacional.
Em 1942, é fundada a mineradora Vale do Rio Doce, em Minas Gerais e, a partir
de 1974, se projeta líder como a maior produtora de ferro do mundo; em 1953, o mesmo governo
funda a Petrobrás com sede no Rio de Janeiro, cuja atividade prioritária é exploração, produção,
refino, comercialização e transporte de petróleo, gás natural e derivados. Atua em 25 países e,
em valor de mercado, passa a ser a segunda maior empresa de energia do mundo, em 2010. De
doze refinarias, seis estão na região Sudeste e duas na região Sul. A região Sudeste é beneficiada
47 Para aprofundar discussão, ver POCHMANN, 2017: http://www.scielo.br/pdf/es/v38n139/1678-4626-es-38-
139-00309.pdf.
61
também com a distribuição dos royalties do petróleo, ficando com quase 83% desse bolo, em
201048, mas em 2016 os dois principais produtores tiveram uma queda de participação (Rio de
Janeiro e Espírito Santo) dado o esgotamento de alguns poços49. Os estados e municípios
produtores de petróleo são agraciados com os royalties de sua produção, elevando sua receita
anual e diminuindo a pressão sobre a carga tributária. Em 1997, o governo de Fernando
Henrique Cardoso revoga a Lei nº 2.004/1953 e sanciona a Lei 9.478/1997 que extingue o
monopólio estatal, dando a outras empresas, sob regime de concessão, o direito de atuar na
cadeia produtiva do petróleo no país.
A fundação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) data de 1941, no município
de Volta Redonda (RJ) e começa a funcionar em 1946 para a produção de aço. Entra no plano
de privatização do governo de Fernando Collor, sendo privatizada em 1992 já no governo de
Itamar Franco. É mais um investimento do Estado Nacional na região Sudeste somado a outros
investimentos que compõem a indústria de base, dando suporte à indústria de bens de consumo
duráveis, já concentrada naquela região.
O sistema financeiro nacional foi sendo estruturado na região Sudeste,
concentrando nos estados de Rio de Janeiro e São Paulo quase todas as instituições públicas
que regulamentam o setor, além dos bancos de fomento. Assim como o sistema financeiro,
também as instituições públicas e privadas de ensino superior e pesquisa vão se acomodando
em torno do centro dinâmico do capitalismo nacional, ora por decisão definida na esfera
pública, ora pela racionalidade que orienta o capital na esfera privada. Não foi diferente com a
empresa de correios e telégrafos, com o sistema de telefonia50 e com os principais investimentos
do setor público em portos51, aeroportos52, rodovias e ferrovias. E, assim, a região Sudeste
seguiu sua trajetória, fortalecendo-se a cada governo.
48 Fonte: http://www.cnm.org.br/portal/dmdocuments/Royalties.pdf. Acesso em 26/10/2016. 49 Além da queda de produção nos estados de Espírito Santo e Rio de Janeiro, um aumento da oferta no mercado
internacional resultou na queda do preço do barril do petróleo, passando de US$ 103,00 em 2003 para US$ 49,00
no final de 2016. Para piorar, o Rio enfrenta um problema de crise fiscal potencializado pela superposição de
quatro variáveis: a) desvio de recursos do erário público em contratos fraudulentos entre o Estado e a iniciativa
privada; b) queda no preço do barril de petróleo no mercado internacional; c) queda da produção por
esgotamento de alguns poços; e d) redução do repasse dos royalties por antecipação de receita em anos
anteriores. 50 Ainda no império, no final do sec. XIX, as primeiras linhas telefônicas são instaladas no estado do Rio de
Janeiro e a primeira instalação telefônica interurbana é realizada entre os estados do Rio de Janeiro e São Paulo. 51 Os seis principais portos públicos do país estão localizados nas regiões Sul e Sudeste com destaque para o
Porto de Santos. Por melhor nota de avaliação, a sequência é: Porto de Santos (SP), maior da América Latina,
responde por 30% do comércio exterior do Brasil e tem capacidade para atender a diversos setores; Porto de
Itaguaí (RJ); Paranaguá (PR); Itajaí (SC); Porto de Vitória (ES) e Porto do Rio de Janeiro (RJ). 52 O primeiro aeroporto instalado no país foi o Santos Dumont, na cidade de Rio de Janeiro.
62
A implantação do Plano de Metas, no governo JK, concentra quase todos os
investimentos do governo federal na região Sudeste, a exemplo da renúncia fiscal concedida ao
setor automobilístico, cuja cadeia produtiva se acomoda no Estado de São Paulo, expansão da
indústria de aço no Estado de Minas para dar suporte à indústria automobilística, assim como a
expansão da produção de energia para dar suporte ao crescimento industrial. Para compensar a
concentração dos investimentos públicos e privados na região Sudeste, o governo cria as
superintendências regionais (SUDENE e SUDAM), de alcance limitado, uma vez que as forças
de mercado orientadas pelos investimentos públicos já haviam identificado os espaços onde os
investimentos privados seriam realizados.
III - Intervenção via políticas de ajuste
Este item analisa a intervenção do Estado através dos instrumentos de ação das
políticas macroeconômicas, cujos resultados são previamente definidos em função de forças
dominantes do mercado e, muito raramente, transborda em benefício de uma maioria
desprovida de poder econômico e capacidade de organização enquanto classe social. Mirando
o crescimento econômico a qualquer custo, o Estado Nacional sempre fez grande esforço para
acomodar os interesses dos donos do capital, ainda que algumas demandas da classe
trabalhadora tenham sido contempladas nesse processo, da década de 1930 até a promulgação
da Constituição de 1988, com avanços e retrocessos ao longo desse período.
Marcado por diferenças sociais, culturais e econômicas, o país é constituído por
entes federativos de diferenças acentuadas no tecido social e na estrutura produtiva, o que se
reflete no IDHM e no PIB per capita de cada unidade federativa. Incentivos do governo federal
em direção à expansão e modernização das cadeias produtivas são direcionados a territórios
onde o capital está concentrado, acentuando essas desigualdades que impactam diretamente
sobre a renda do trabalho em toda a extensão do território nacional. Concentrando quase 60%
da atividade industrial em 2014, assim como grande parte das instituições financeiras e
instituições de ensino/pesquisa do país, a região Sudeste é dotada de uma infraestrutura que
atende melhor aos interesses do capital privado, enquanto os estados que compõem as regiões
Norte e Nordeste carecem de elementos básicos até mesmo à sobrevivência humana (água,
63
energia elétrica53, sistema de comunicação e saneamento básico), desestimulando os
investimentos privados em muitos setores.
No âmbito da política fiscal, o sistema tributário sofreu alterações ao longo do séc.
XX em função da expansão do papel do Estado que assume, além da regulamentação, a função
de produtor de bens e serviços para suprir as demandas do setor produtivo rumo ao crescimento
econômico do país. O gráfico 1 revela a evolução da carga tributária brasileira de 1947 a 2002,
período em que a arrecadação salta de 13,8% para 34,9% (GIAMBIAGI, 2005), com alguns
momentos de pico, a exemplo de 1968-1973 quando o Estado faz um esforço para financiar o
milagre econômico, 1990 com o confisco dos ativos financeiros convertidos em quitação de
dívida tributária com a União e, curiosamente, no período 1995-2002 apesar do intenso
processo de privatização sob o argumento de amortização da dívida pública.
Segundo VARSANO (TD nº 405)54, de 1962 a 1965, a receita do Tesouro Nacional
pula de 8,6% para 12% do PIB, excluindo a arrecadação de estados e municípios. Flávio Riani
(2009) ressalta que, na década de 1960, o sistema de arrecadação tributária foi arquitetado de
modo a centralizar nas mãos da União a maior parte da receita tributária, privilegiando o capital,
o que representou uma brutal concentração de renda no país. E mesmo com a elevação da carga
tributária, à medida que o Estado vai ampliando sua intervenção na direção da construção de
um ambiente mais seguro e confortável aos investimentos privados, não prescinde do
endividamento externo e da emissão de moeda em alguns períodos. O posterior esforço de
arrecadação para gerar um superávit primário com vistas ao pagamento dos serviços da dívida
(amortização + juros), assim como a inflação decorrente da emissão de moeda e o crescente
endividamento público para rolagem da dívida penalizam a sociedade brasileira de Norte a Sul
do país, apesar de o esforço do Estado Nacional ter privilegiado alguns poucos estados que
respondem por mais de 70% da renda nacional55 e sediam grande parte da estrutura produtiva
do país.
53 Em 2002, apenas 41% dos domicílios rurais da região Norte tinham acesso à iluminação elétrica. No Nordeste,
esse percentual correspondia a 70% e na região Sudeste a 92%. Após a elevação do gasto social no período
2002-2014, que contemplou o programa “Luz para todos”, esses percentuais foram alterados, na mesma
sequência, para 92%, 98% e 99,4%. Com relação a água e saneamento básico, os problemas da periferia do país
persistem, em grande medida, por incapacidade da gestão pública local e das bancadas parlamentares no
Congresso Nacional. 54 Acesso em 28/10/2016 ao link http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/TDs/td_0405.pdf. 55 Em 1985, sete estados brasileiros respondiam por 87,6% da produção industrial (São Paulo, Rio de Janeiro,
Minas Gerais, Vitória, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina). Em 2013, Sul e Sudeste ainda respondiam
por 80% da produção industrial. Em 1999, as duas regiões respondiam por 74,62% do PIB nacional, caindo essa
participação para 71,79% em 2013, graças ao esforço do governo federal na direção da desconcentração da
64
Gráfico 1: Evolução da carga tributária brasileira, 1947 a 2002 (% PIB).
Fonte: GIAMBIAGI, F. et al. (2005). Elaboração própria.
A partir da década de 1980, diversas emendas constitucionais, mais tarde
incorporadas à Constituição de 1988, produziram uma grande descentralização fiscal, elevando
a receita fiscal disponível de estados e municípios e reduzindo a fração apropriada pela União.
Nessa redistribuição, a esfera mais beneficiada foi a municipal. De 1980 a 1994, a receita fiscal
disponível para o conjunto dos municípios salta de 9% para 15% da receita fiscal total e para
os estados passa de 22% para 27%, enquanto para a União declina de 69% para 58%
(AFFONSO, 1996). É possível que a descentralização da atividade produtiva apresentada no
capítulo anterior tenha sido, em alguma medida, influenciada por esse reordenamento fiscal,
visto que “os indicadores físicos e financeiros disponíveis mostram uma elevação importante
da participação dos estados e municípios no gasto social e uma diminuição da participação da
União” (AFFONSO, 1996).
O mesmo autor aponta a descentralização fiscal e política como uma das causas da
crise federativa, que se reflete em uma guerra fiscal entre entes federativos, agravada por
recessão, inflação elevada e sonegação fiscal, comprometendo a capacidade de arrecadação dos
estados à medida que os incentivos fiscais resultavam em perda de receita fiscal vinculada ao
ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços).
Em relação ao período 1977-88, caracterizado por uma progressiva descentralização
fiscal e política, o período inaugurado com a nova Constituição possui profundas
diferenças. Enquanto, em toda aquela fase, a disputa por recursos tributários opôs
estados e municípios ao Governo Federal, agora, sem que essa dimensão desapareça,
ganham importância os conflitos entres os estados e mesmo entre municípios. A
expressão mais eloquente desse fenômeno é a guerra fiscal (...) através do ICMS para
atrair indústrias para suas regiões e fomentar a atividade econômica. A consequência
imediata dessa guerra tem sido a sangria do ICMS, principal tributo nacional e base
de sustentação da arrecadação estadual. (AFFONSO, 1994)
riqueza, no período de 2003 a 2014. A desigualdade regional é um reflexo de toda espécie de desigualdade que
se acentua na dinâmica das economias capitalistas.
13,8 14,4 15,1
18,7 17,419
23,326 25,2 24,5
26,923,8
29,6
2528
31,634,9
0
5
10
15
20
25
30
35
40
1947 1950 1955 1958 1960 1965 1968 1970 1975 1980 1983 1985 1990 1992 1995 2000 2002
65
A situação dos estados subnacionais se complica à medida que o Estado nacional
perde parte de sua capacidade de financiamento com a descentralização fiscal e a vinculação de
receita a determinados grupos de despesa, a partir da Constituição de 198856. Por outro lado,
em meio a inflação, juros internacionais, taxa de câmbio e endividamento elevados, os estados
subnacionais também perdem capacidade de financiamento, apesar da descentralização fiscal.
A União impõe aos estados subnacionais superávit operacional ou controle de déficit e limite a
empréstimos bancários quando estes já enfrentavam restrição ao financiamento externo. Na
situação em que se encontravam, impossibilitados de realizarem novos investimentos, a
privatização de estatais como parte da renegociação da dívida soava aos estados subnacionais
como uma saída da crise (LOPREATO, 2002).
MONTEIRO NETO (2005) aponta o endividamento dos estados como um grande
obstáculo à realização de investimentos em áreas estratégicas para o desenvolvimento local,
especialmente para estados menores, cuja amortização, somada aos serviços da dívida,
compromete um percentual muito elevado de receita tributária. Na implantação do Plano Real,
a elevação da taxa de juros para controlar inflação e atrair capital externo com vistas à
manutenção da paridade cambial, fez a dívida dos Estados crescer exponencialmente junto ao
mercado. O Banco Central atuou convertendo esses títulos em títulos federais e os Estados
assumiram uma dívida junto à União, com o compromisso de amortizar 20% da dívida no ato
do contrato através da privatização de empresas públicas (empresas de saneamento, distribuição
de energia, empresas de telefonia, bancos estaduais etc.) e as demais parcelas em 30 anos.
Desprovidos das unidades de produção geradoras de renda, alguns estados não conseguem
engendrar um processo de retomada do crescimento econômico visto que suas dívidas
comprometem grande parte de sua receita tributária.
Segundo MONTEIRO NETO (2005), “o endividamento permaneceu em trajetória
explosiva: para várias unidades da federação, a relação estoque da dívida/receita disponível
atingiu valores muito elevados, em geral duas vezes acima da receita, criando um campo de
tensão permanente no âmbito das relações federativas”. Nessa negociação com a União, os
Estados abrem mão de sua autonomia ao aceitarem: comprometer o teto máximo da receita
líquida tributária para pagamentos dos serviços da dívida junto à União; respeitar um teto
máximo em despesas com servidor público; assegurar um superávit primário; e privatizar
56 Para se livrar dessa vinculação, em 1994, foi criado o Fundo Social de Emergência, rebatizado em 2000 por
Desvinculação de Receita da União (DRU), dando à União a liberdade de dispor sobre 20% de recursos da
seguridade social para despesas discricionárias. Em 2016, esse percentual foi alterado para 30%.
66
empresas públicas para amortizar 20% do saldo da dívida. A dívida seria paga em 360
prestações, corrigida pelo IGP-DI mais juros de 6% ao ano. O não cumprimento desses
condicionantes implicaria retenção de transferências constitucionais aos Estados, ferindo o
princípio da autonomia desses entes federativos. Para alguns estados, esse desembolso
representa menos de 1% do PIB, mas para outros, ultrapassa 4%57. Os estados com situação
mais crítica estão no Nordeste (Maranhão, Piauí, Alagoas, Paraíba e Ceará) e na região Norte
(Acre, Tocantins e Rondônia)58. Em outras palavras, para os estados mais pobres, uma
intervenção através de investimentos públicos para reaquecer a economia ficou muito mais
difícil. E mesmo para os estados com maior concentração de atividade produtiva e, portanto,
maior capacidade de arrecadação, sua capacidade de intervenção diminui à medida que cresce
o esforço para cumprimento do acordo (amortização + juros + encargos).
A implantação do Plano Real traz em suas bases rigoroso plano de austeridade fiscal
sob o argumento de assegurar um superávit primário em conformidade com o volume dos
encargos da dívida pública. Entre os instrumentos de ajuste fiscal, elevação de carga tributária59,
criação do Fundo Social de Emergência, plano de demissão voluntária e defasagem salarial de
servidores públicos que se reproduz no setor privado. Redução de massa salarial e preços livres
de mercado sinalizam a transferência de renda para os donos de capital sob a forma de lucros
de dividendos.
No campo da política monetária, o Estado Nacional favorece a concentração de
renda à medida que mantém taxas de juros elevadas em prol da riqueza financeirizada,
penalizando empreendimentos produtivos de pequeno e médio porte, com maior capacidade de
geração de emprego/renda, cuja expansão depende da captação de recursos no mercado
financeiro60. Como consequência, tem-se a transferência de renda do setor produtivo para o
mercado financeiro, dada a elevação do custo de produção, compensado por salários
depreciados comparativamente aos países desenvolvidos, alimentando mais um mecanismo de
desigualdade a partir da distribuição da renda entre massa salarial e lucros. Em nov/1997, a taxa
57 Em 2014, a soma de amortização, juros e encargos da dívida do Estado de Alagoas correspondia a 8% do
somatório de receita corrente mais receita de capital. 58 Em 2002, Alagoas comprometia 4,30% do PIB, Piauí – 4,21%, Maranhão – 3,09%, Ceará – 2,74% e Paraíba –
2,35%. Na região Norte, Acre comprometia 3,39% e Tocantins – 2,40%, no mesmo ano. Eram esses os estados
com situação mais crítica. 59 Entre 1995 e 2002, a carga tributária brasileira passa de 28% para 35% do PIB. 60 Países em desenvolvimento costumam manter taxa de juros elevada para compensar o grau de risco de seus
mercados, atrair capital estrangeiro para elevação de reservas cambiais, tornar atrativos os títulos da dívida
pública e controlar a inflação. O efeito colateral, no entanto, é a elevação do custo de produção para pequenas e
médias empresas que não ofertam crédito, ao contrário, captam recursos no mercado financeiro para expansão
dos investimentos.
67
de remuneração dos títulos da dívida pública (Selic - Sistema Especial de Liquidação e
Custódia) chegou a 45,67% a.a., atingindo esse percentual novamente em março/1999, segundo
dados do Banco Central do Brasil61. Como resposta, as taxas de crescimento do PIB em 1998 e
1999 foram 0% e 0,3%, respectivamente.
A partir da década de 1990, a desregulamentação financeira associada a juros
elevados e privatização de bancos estatais contribuiu, em grande medida, para o aumento do
grau de financeirização da riqueza e instabilidade macroeconômica, colocando em evidência a
posição do Estado Nacional em prol dos interesses do capital, a despeito de seus efeitos nocivos
ao desenvolvimento da nação numa perspectiva de longo prazo. A assertiva é corroborada pela
alteração da legislação (desregulamentação de mercado) para acolher o apelo de valorização e
mobilidade de capital, seja no mercado financeiro ou no mercado de bens e serviços. Como
resultado, muitos bancos de capital estrangeiro se apropriaram dos instrumentos de fusão e
aquisição para ingressar no mercado nacional, aproveitando os processos de abertura comercial
e privatização62, em curso. Começa aí uma brutal concentração do setor, com redução do
número de bancos63, apesar do crescimento das operações bancárias e do número de clientes,
entre 1994 a 2014. Em 2011, relatório da FEBRABAN (Federação Brasileira de Bancos) indica
que dos 126 bancos associados, cinco deles concentravam 65% dos ativos, 66% dos lucros,
82% dos trabalhadores do setor e 87% das agências bancárias, incluindo dois bancos públicos
(Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal)64.
A partir de 1995, assiste-se à reestruturação do sistema financeiro nacional com o
apoio do governo federal através do PROER65, do Programa de Incentivo à Redução do Setor
Público Estadual na Atividade Bancária (PROES) e do Fundo Garantidor de Crédito (FGC),
que disponibiliza significativo aporte de recursos para assegurar a solvência financeira dos
61 Fonte: https://www.bcb.gov.br/Pec/Copom/Port/taxaSelic.asp. Acesso em 07/01/2017. 62 A partir da década de 1990, esse fenômeno de fusões e aquisições, resultando na formação de grandes
oligopólios com a presença do capital estrangeiro, ocorre em vários setores da economia brasileira, a exemplo do
setor de alimentos, da indústria automobilística, e do setor eletroeletrônico. 63 Em 1994, havia 273 bancos entre bancos públicos, bancos privados nacionais, bancos estrangeiros e bancos de
investimento. Quatro anos depois, esse número havia caído para 201, um recuo de 26,37%, porém, os bancos
estrangeiros passaram de 69 para 75 no mesmo período (1994-1998). Segundo publicação do Banco Central do
Brasil (Fonte: http://www.bcb.gov.br/fis/info/instituicoes.asp. Acesso em 07/01/2017), em 2016, o número de
bancos múltiplos e comerciais correspondia a 157 bancos. 64 Matéria publicada no site da Uol (http://atarde.uol.com.br/economia/noticias/1831178-quatro-bancos-
concentram-724-dos-ativos-das-instituicoes-financeiras. Acesso em 16/01/2017) denuncia que os quatro maiores
bancos do país (BB, CEF, Itaú e Bradesco) concentram 72,4% dos ativos financeiros em set/2016, demonstrando
que essa concentração segue crescendo numa trajetória contínua. 65 Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer),
implantado pela Medida Provisória nº 1.179 e a Resolução nº 2.208, ambas de 3/11/95, para ordenar a fusão e
incorporação de bancos a partir de regras ditadas pelo Banco Central.
68
bancos. Esse processo resultou na modernização do setor, com demissão de trabalhadores em
massa em todo o país, incluindo a extinção de muitas funções66. Desde a tentativa de integração
da economia nacional, o modelo de desenvolvimento que se tenta construir no país é alicerçado
na concentração da riqueza, tanto espacial quanto entre unidades de produção e entre
indivíduos67, favorecendo a formação de monopólios/oligopólios tanto no mercado financeiro
quanto no mercado de bens e serviços, em detrimento de unidades de produção de pequeno
porte.
Além dos juros elevados e do grau de oligopolização do sistema financeiro nacional
repercutirem sobre as desigualdades sociais, as condições de oferta do crédito são distintas entre
agentes econômicos, agrupados por renda e patrimônio. Contam com melhores condições de
acesso ao crédito empresas com patrimônio mais elevado e maior escala de produção, assim
como indivíduos com renda e patrimônio mais elevados.
No âmbito da política de renda, o país foi palco de avanços e retrocessos na disputa
entre trabalhadores e empregadores. A CLT68 - Consolidação das Leis do Trabalho, publicada
em 1943, foi um importante passo na construção do Estado Social gestado em um regime
autoritário, marcado por forças assimétricas e um histórico de exploração que guardava grande
semelhança com o trabalho escravo, apesar da abolição da escravatura. Em jul/1965 foi
publicada a Lei nº 4.725/65 que dispõe sobre os dissídios coletivos, determinando que os
reajustes salariais fossem concedidos com base no INPC (Índice Nacional de Preço ao
Consumidor) dos 24 meses anteriores à data de reajuste salarial. Em set/1966 foi publicada a
Lei 5.107, criando o FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, todavia, é revogado o
art. 492 da CLT que previa a estabilidade do trabalhador após dez anos contínuos na mesma
empresa. Com inflação muito elevada, foi publicada em out/1979 a Lei nº 6.708/79,
determinando que os reajustes fossem semestrais com base no INPC e acrescidos de um índice
de produtividade. A partir de 1983, com inflação fora de controle e moeda desvalorizada, o
governo implanta mecanismos de contenção salarial, limitando os reajustes a 80% do INPC,
debitando à conta da classe trabalhadora o ônus do ajuste cobrado pelo Fundo Monetário
Internacional aos países em desenvolvimento. Em 1986, através do Decreto-Lei nº 2.284/1986,
foi criado o Seguro Desemprego, com a finalidade de assegurar ao trabalhador demitido
66 Os bancos públicos enxugaram o quadro de servidores com o plano de demissão voluntária (PDV). 67 Para melhor compreensão das desigualdades econômicas e sociais no Brasil e demais países capitalistas, ver
POCHMANN, 2015. 68 Decreto Lei nº 5.452, de 01/05/1943 que aprova a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, cuja função é
regular as relações individuais e coletivas de trabalho.
69
involuntariamente sem justa causa um benefício por tempo determinado, de modo a financiar a
busca por uma nova ocupação no mercado, o que se traduz em mais um avanço para a classe
trabalhadora.
Quadro 1: Índice de Preço ao Consumidor Amplo – IPCA, Brasil – 1987 a 2001.
Fonte: Base de dados do Portal Brasil e IBGE. http://www.portalbrasil.net/ipca.htm. Acesso em 11/01/2017
Sob o ideário neoliberal, a década de 1990 corresponde a um período de forte
desregulamentação com vistas à flexibilização das relações de trabalho, sob a promessa de
elevar taxa de ocupação, porém, com o propósito de reduzir o custo de contratação/demissão
de mão de obra e transferir ao trabalhador parte dos riscos do empreendimento. Na prática,
adequação da legislação trabalhista aos interesses das grandes corporações, especialmente, das
que assumiram empresas estatais (telefonia, setor bancário, distribuição de energia etc.) e
realizaram significativa reestruturação produtiva. Entre as diversas alterações na legislação
trabalhista, implantação do contrato temporário ou por tempo determinado, implantação do
contrato de tempo parcial, contratação terceirizada, criação de banco de horas para compensar
horas extras, limite ao número de reajustes salariais anuais e a proibição de indexação dos
salários à inflação, além de alteração das regras de previdência social69. Dada a relação de
subordinação do trabalho ao capital e a conjuntura econômica recessiva após o confisco de
ativos financeiros, cai o poder de compra dos salários, mas não mais que os investimentos no
69 Ver Lei 8.987/1995, Lei 9.472/1997, Lei nº 9.601/1998, MP nº 1.709/1998, Decreto 3.048/1999.
ANO JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ ACUMULADO
1987 13,21 12,64 16,37 19,10 21,45 19,71 9,21 4,87 7,78 11,22 15,08 14,15 363,41%
1988 18,89 15,70 17,60 19,29 17,42 22,00 21,91 21,59 27,45 25,62 27,94 28,70 980,22%
1989 37,49 16,78 6,82 8,33 17,92 28,65 27,74 33,71 37,56 39,77 47,82 51,50 1.972,91%
1990 67,55 75,73 82,39 15,52 7,59 11,75 12,92 12,88 14,41 14,36 16,81 18,44 1.620,96%
1991 20,75 20,72 11,92 4,99 7,43 11,19 12,41 15,63 15,63 20,23 25,21 23,71 472,69%
1992 25,94 24,32 21,40 19,93 24,86 20,21 21,83 22,14 24,63 25,24 22,49 25,24 1.119,09%
1993 30,35 24,98 27,26 27,75 27,69 30,07 30,72 32,96 35,69 33,92 35,56 36,84 2.477,15%
1994 41,31 40,27 42,75 42,68 44,03 47,43 6,84 1,86 1,53 2,62 2,81 1,71 916,43%
1995 1,70 1,02 1,55 2,43 2,67 2,26 2,36 0,99 0,99 1,41 1,47 1,56 22,41%
1996 1,34 1,03 0,35 1,26 1,22 1,19 1,11 0,44 0,15 0,30 0,32 0,47 9,56%
1997 1,18 0,50 0,51 0,88 0,41 0,54 0,22 -0,02 0,06 0,23 0,17 0,43 5,22%
1998 0,71 0,46 0,34 0,24 0,50 0,02 -0,12 -0,51 -0,22 0,02 -0,12 0,33 1,66%
1999 0,70 1,05 1,10 0,56 0,30 0,19 1,09 0,56 0,31 1,19 0,95 0,60 8,94%
2000 0,62 0,13 0,22 0,42 0,01 0,23 1,61 1,31 0,23 0,14 0,32 0,59 5,97%
2001 0,57 0,46 0,38 0,58 0,41 0,52 1,33 0,70 0,28 0,83 0,71 0,65 7,67%
70
setor produtivo. Imersos num ambiente de incertezas, descapitalizados e incapazes de lidar com
a ruptura abrupta de um modelo protecionista, os empresários reduzem os investimentos,
diminuindo a oferta agregada e pressionando a elevação da inflação, conforme Quadro 1, a
despeito do esforço para mantê-la sob controle. A ampliação do grau de abertura comercial não
foi capaz de frear a alta generalizada dos preços no mercado doméstico, ao contrário, contribuiu
com o fechamento de muitas empresas nacionais, elevando o desemprego e alimentando ainda
mais a inflação a partir da queda da oferta agregada.
A situação da classe trabalhadora seguiu piorando na década de 1990, com a
flexibilização do trabalho (terceirização, contrato temporário, plano de demissão voluntária),
enfraquecimento das representações sindicais, privatização de empresas públicas e defasagem
salarial, esta última, usada como instrumento de controle inflacionário a partir da contração do
consumo. Estava em curso o desmonte dos direitos conquistados pela classe trabalhadora em
paralelo à insuficiência reativa de suas representações de classe. Todo o aparato institucional
se colocava a serviço de um projeto de governo que elege o congelamento de salários como um
dos instrumentos de controle inflacionário, junto com elevação dos juros e paridade cambial.
Marcio Pochmann dá uma importante contribuição a esse debate ao ressaltar o
crescimento das desigualdades entre países, entre corporações e entre indivíduos, decorrente
dos mecanismos de distribuição do incremento da renda e da riqueza, sob a regulamentação do
Estado, a despeito do extraordinário crescimento da produtividade nas economias capitalistas,
desde o início da industrialização. Segundo o autor, em 2014, Europa e América do Norte
respondiam por 67% da riqueza total e por apenas 18,6% da população do mundo, enquanto a
Ásia, que concentrava 61,1% da população, respondia por apenas 28,4% da riqueza total. Tais
desigualdades são acompanhadas pelo fortalecimento das corporações transnacionais, algumas
delas com faturamento anual superior à receita tributária da maioria dos países. Se fossem
países, as empresas R.Dutch Shell (holandesa) e Wal-Mart Stores (americana) ficariam com a
11ª e 12ª posição, colocando-se à frente da Espanha que em 2013 ocupava a 11ª posição. A
Suíça ficaria atrás de doze corporações transnacionais, no mesmo ano (POCHMANN, 2015).
Esse fenômeno explica a influência do capital privado sobre as políticas públicas e a legislação
de cada país, sobretudo trabalhista, visto que os mecanismos de financiamento eleitoral
subordinam os projetos de desenvolvimento aos interesses dos detentores do capital, o que tem
resultado no crescimento da desigualdade à medida que crescem os ganhos de produtividade.
71
IV - O ponto de inflexão da curva de desigualdade no Brasil
No Brasil, a curva ascendente de concentração da renda entre indivíduos e entre
regiões encontra seu ponto de inflexão em 2004, encetando um importante processo de
desconcentração que segue com êxito até 2014. No ano seguinte, o recuo do PIB já resulta em
queda nos gastos sociais. A concentração entre empresas, no entanto, seguiu seu curso normal
sem interrupção, especialmente, no mercado financeiro, mas de 2003 a 2014, a agenda de
governo na esfera nacional é definida em função de um modelo de desenvolvimento com
redistribuição mais justa da riqueza, numa tentativa de conciliação de classes70. O governo
sustenta o tripé neoliberal (superávit primário, câmbio flexível e taxa de juros relativamente
alta para manter a inflação na meta) em paralelo à elevação do gasto social e, a partir dele,
ampliação dos espaços de valorização do capital, numa relação entre Estado – mercado -
sociedade71. Na educação, o governo criou 18 universidades federais, implantou 173 campis
universitários (interiorização de universidades e institutos federais) e elevou o número de cursos
de graduação de 16,5 mil para 32 mil. Criou o sistema de financiamento para ingresso em
instituições particulares de ensino superior (FIES) e aumentou o crédito, entre 2003 e 2014, de
R$ 0,1 bilhão para R$ 15,2 bilhões72, a preços de 2015.
Na saúde, à medida que os investimentos no sistema único de saúde (SUS) crescem,
eleva-se o número efetivo de atendimentos a usuários em todo o país, assim como a contratação
de empresas privadas para serviços ambulatoriais, tratamentos de alta complexidade,
fornecimento de medicamentos e equipamentos destinados à expansão e modernização de
hospitais públicos. Em 2015, o Conselho Federal de Medicina, por dedução, estimava que o
número de usuários do SUS superava 150 milhões de pessoas, que corresponde à diferença
entre o tamanho da população (estimada em 204 milhões de pessoas) e o número de adesão à
saúde suplementar que correspondia a 50,5 milhões, em 201473. Vale ressaltar que muitos
usuários de planos de saúde recorrem ao SUS, dadas as restrições de seus contratos.
70 A expressão reflete a disposição dos governos progressistas em acolherem as demandas mais urgentes das
classes de baixa renda ao mesmo tempo que atendiam as exigências dos grandes conglomerados. De um lado,
ampliação da oferta de vagas nas universidades públicas, crédito subsidiado à população de baixa renda para
aquisição de casa própria, elevação de investimentos na saúde pública e na assistência social com resultados
exitosos, do ponto vista social. Do outro lado, ampliação de investimentos privados nos mais diversos setores
(construção civil, saúde, educação etc.), com reflexos sobre a dinâmica da economia e a rentabilidade do capital. 71 Para melhor compreensão de como é construída a relação do Estado com a iniciativa privada em função da
manutenção de um sistema de proteção social, ver DRAIBE, 1993a. 72 Dados disponíveis no Relatório da Secretaria do Tesouro Nacional sobre gastos sociais federais e INEP/MEC. 73 Fonte: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=25875. A agência Nacional
de Saúde Suplementar (ANS) contabilizou 50,5 milhões de adesões à saúde suplementar, em 2014. Fonte:
http://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-gerais. Acesso em 27/09/2017.
72
A elevação dos investimentos em saneamento e habitação não apenas reduziu o
déficit habitacional como também aqueceu o setor imobiliário com toda sua cadeia produtiva
que agrega mais de setenta subsetores, muitos deles, no setor de serviços. Na construção civil,
os incentivos fiscais e creditícios (renúncia fiscal sobre material de construção e liberação de
linhas de crédito subsidiadas para financiamento de imóveis e construção) atraíram novas
empresas para o setor, estimularam os processos de fusão e aquisição e elevaram os
investimentos em inovação tecnológica com o objetivo de assegurar maior produtividade e
fortalecimento das barreiras à entrada. A expansão do setor pode ser medida pelo valor
adicionado que cresceu 375,6%, entre 2003 e 2011, passando de R$ 8,2 bilhões para R$ 39
bilhões e pelo número de pessoas ocupadas que passou de 334,1 mil para 773,6 mil, crescimento
de 131,54%.
Quadro 2: Gasto social federal a preços de 2015. Brasil - 2002 e 2014.
Categoria de gasto
2002
(R$ bilhão)
2014
(R$ bilhão) Variação
Assistência social 15,9 95,8 502,52%
Educação e cultura 57 164,3 188,25%
Organização agrária 6,32 5,61 -11,23%
Previdência social 273,89 555,01 102,64%
Saneamento e habitação 4,9 28,5 481,63%
Saúde 60,6 130,2 114,85%
Trabalho e emprego 17,8 86 383,15%
TOTAL 436,41 1.065,42 144,13% Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Relatório Gasto Social.
O esforço do governo federal em expandir a oferta de serviços nas áreas de saúde,
educação, habitação e assistência social gerou uma surpreendente distribuição de renda,
possibilitando ao país reduzir o índice e Gini de 0,583 para 0,52774 enquanto, na média, países
da OCDE aumentavam o Índice de Gini de 0,26 para 0,32 entre 2003 e 201375. A redução da
desigualdade social no Brasil está associada a três fatores: a) elevação do gasto social que, em
74Para maior investigação acerca das desigualdades socioeconômicas no Brasil e nas principais economias
capitalistas do mundo, ver POCHMANN, 2015 e PIKETTY, 2014. 75 Matéria publicada no site da BBC-Brasil pela jornalista Daniela Fernandes, em maio/2015, informa que a
desigualdade da renda cresceu nos 34 países da OCDE, entre 2003 e 2013, mas caiu nos países da América
Latina, principalmente no Brasil, graças à expansão dos programas sociais e à valorização do salário mínimo.
Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/05/150520_desigualdade_estudo_ocde_df_rb.
73
termos reais, cresceu 144,13% no período 2002-201476, passando de R$ 436 bilhões para
R$1,065 trilhão (a preços de 2015, pelo IPCA), com destaque para Assistência Social, Saúde,
Saneamento/Habitação, Trabalho/Emprego e Educação/Cultura, conforme Quadros 2 e 3; b)
valorização do salário mínimo acima de 70%; e c) crescimento do emprego formal, cujo estoque
passou de 28,68 milhões para 49,57 milhões, segundo dados da RAIS (relatório de 2003 e
2014), um incremento de 20,89 milhões ou 72,84%.
Reunindo o gasto social das três esferas de governo, de 1975 a 2014, a cada período
de quatro anos, POCHMANN (2016) revela que, numa trajetória ascendente, o gasto social
total passou de 10,7% do PIB no período 1975-1979 para 23,8% no período 2011-2014. Porém,
de 1990-94 (18,9% do PIB) a 1999-2002 (19,7% do PIB), ele pouco se altera. Na esfera do
trabalho, a regulamentação do trabalho doméstico, equiparando-o às demais ocupações, no que
tange ao acesso a direitos trabalhistas, foi outra significativa conquista da classe trabalhadora77,
apesar de persistir a prática de exploração dessa mão de obra no interior do país, especialmente
em municípios mais pobres, longe dos olhos da fiscalização e onde muita gente se coloca refém
da extrema pobreza associada ao desconhecimento da lei.
A articulação desse conjunto de ações potencializou os efeitos de cada ação ou
programa que, superpostos, produziram um resultado maior que a soma das partes, colocando
o Brasil como referência na superação da extrema pobreza a partir de um exitoso modelo de
distribuição de renda, conforme resultados alcançados:
1. Entre 2001 e 2013, registra-se uma redução de 58,1% ou 5,6 mil crianças e adolescentes
no trabalho infantil, graças ao programa de erradicação do trabalho infantil. A média
mundial foi de 36% no mesmo período78;
2. Redução da taxa de mortalidade infantil correlacionada ao Programa Saúde da Família
e ao Programa Bolsa Família;
3. Geração de renda no campo com aquisição de produtos da agricultura familiar para o
abastecimento de instituições públicas;
76 Em 1995, o gasto social federal no Brasil correspondia a 11,24% do PIB e de 1995 a 2002, a taxa de
crescimento para o gasto social federal per capita foi de 32%, frente a 70% para o período 2003-2010 (Nota
Técnica nº 09 – IPEADATA, 2012). 77 Lei Complementar nº 150, publicada no DOU em 02/06/2015, que dispõe sobre o contrato de trabalho
doméstico. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp150.htm. Acesso em 16/01/2015. 78 Fonte: Portal Brasil, http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/06/brasil-e-o-pais-que-mais-reduziu-o-
trabalho-infantil.
74
4. Ampliação da rede de eletrificação rural com o programa Luz para Todos. Na região
Norte, apenas 41% dos domicílios rurais tinham acesso à rede de eletrificação. Em 2014,
esse percentual alcançara 92% dos domicílios rurais79;
5. Redução do déficit habitacional para as camadas de baixa renda, com ampliação do
crédito, taxas de juros subsidiadas e renúncia fiscal;
6. Redução da proporção de indigentes, passando de 12,48% para 3,01% entre 2000 e
201480. O IPEADATA registra para o ano 1976 uma taxa de indigentes correspondente
a 18,20%; para 1990 - 19,95% e para 2001 - 15,19%. Esses números revelam a dinâmica
e efetividade das políticas sociais implantadas no período 2003-2014 frente à lentidão
do período imediatamente anterior;
7. Elevação do Índice de Desenvolvimento Humano, passando de 0,68 para 0,76, entre
2002 e 201481;
8. Ampliação da oferta de vagas de graduação (presenciais e à distância em instituições
públicas e privadas), graças à ampliação do número de universidades públicas,
ampliação do número de cursos de graduação, além da criação do PROUNI, do REUNI
e do FIES, entre 2003 e 2013. No Nordeste, a taxa de matrículas no ensino superior
cresceu 94% no mesmo período82, a mais alta entre as cinco regiões.
Quadro 3: Evolução do Gasto Social do Governo Central – Brasil, 2002 a 2015 - % PIB.
Fontes: SIAFI/SIDOR , IBGE e Relatório da Secretaria do Tesouro Nacional.
79 Fonte: IBGE/PNAD 2002 e 2014. 80 Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano. Radar IDHM. Os valores estimados pelo IBGE para extrema
pobreza divergem do Atlas, mas ambos registram uma considerável redução da pobreza e extrema pobreza no
país, para esse período. 81 Para comparar IDH entre países, consultar site do PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento: http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/rankings/idh-global.html. 82 Fonte: Inep/MEC.
75
Vale registrar que, para o período 2003-2014, o recorte de gasto público federal não
inclui os investimentos públicos nem seus reflexos sobre os investimento privados, embora se
reconheça a importância dos investimentos em infraestrutura que integram o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) que executou quase R$ 2 trilhões entre 2007 e 2015,
distribuídos entre projeto de integração do Rio São Francisco83, recuperação de ferrovias e
rodovias84, modernização de portos e aeroportos, investimentos em tecnologia e infraestrutura
para exploração de petróleo no pré-sal, revitalização da indústria naval e ampliação da
capacidade da geração e distribuição de energia elétrica85. Um ano após o lançamento do PAC,
o país é surpreendido com a crise financeira do mercado internacional (2008) e taxa de
crescimento do PIB negativa em 2009 (-0,13%a.a.), apesar de surpreendente recuperação em
2010 (7,53%a.a.)86. Ademais, muitos desses investimentos não haviam sido concluídos até
2014. Outra variável relevante que merece maior investigação é o aporte de crédito em todas as
suas modalidades, considerando seus efeitos sobre o consumo e os investimentos de pequeno
porte, particularmente os destinados à agricultura familiar.
83 O projeto Rio São Francisco tem como meta a construção de 325 Km de canal, passando pelos estados de
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Até maio/2016 já haviam sido concluídos 265 Km de canal. 84 Até maio/2016, 11,84 mil quilômetros de rodovias e mais de 2 mil quilômetros de ferrovias haviam sido
concluídos, além de 54 empreendimentos em portos, o que resultou em elevação de 33% na movimentação
portuária. 85 Fonte: http://www.pac.gov.br/noticia/68777baf. Acesso em 11/11/2016. 86 Nos anos seguintes (2011 a 2014), as taxas anuais de crescimento do PIB foram 3,91%/1,92%/3,01% e 0,1%,
segundo dados do IBGE.
76
PARTE 2
1 – O ponto de inflexão do Estado Social Brasileiro (2003-2014)
O Estado Social, implantado no Brasil a partir do Estado Novo, assume distintos
propósitos em cada governo, ao longo do século XX, visto fazer parte de projetos políticos cuja
configuração vai sendo definida em função das forças políticas que dominam o tabuleiro de
xadrez, sob pressão do poder econômico (constituído de interesses conflitantes), seja em
regimes democráticos ou autoritários. Neutralizar opositores (inclusive sindicais) e conquistar
a confiança da classe trabalhadora, mesmo para um governo autoritário, era uma jogada
politicamente exitosa, para assegurar a governabilidade, mesmo contrariando interesses da
burguesia industrial. É nesse tabuleiro dinâmico do jogo político que nasce a CLT (1943) e são
regulamentados os primeiros institutos previdenciários (DRAIBE, 1993a e 2004).
No que se refere ao Estado Social no Brasil, DRAIBE (1993a) faz a seguinte
classificação por recorte temporal: a) 1930-43 – implantação (restringia-se a atender a quem
estivesse formalmente vinculado ao mercado de trabalho); b) 1943-64 – expansão fragmentada
e seletiva, deixando à margem as camadas mais pobres, particularmente, a população rural; c)
1964-77 – consolidação institucional; d) 1977-81 – expansão massiva, mas não universalização;
e) 1981-85 – reestruturação conservadora, ainda passível de legislação complementar; f) 1985-
88 – reestruturação progressista com definição de novo perfil a partir da Constituição de 1988.
Ao longo de todo o século XX, portanto, os indicadores sociais demonstram que as
políticas públicas voltadas ao Estado Social obtiveram resultados pouco significativos visto que
o objetivo era mais reduzir conflitos de classe e menos assegurar direitos sociais aos que
estavam abaixo da linha de pobreza. A esse respeito, Sônia Draibe revela que, na década de
1980, são percebidas falhas graves na formatação, na execução, na fiscalização e no controle
dessas políticas públicas, comprometendo sua eficácia à medida que as camadas mais pobres,
em sua grande maioria, eram excluídas, apesar de se comprometer 18,3% do PIB em 1986,
proporção superior a 2015 (17%), considerando apenas o gasto social federal. Para o ano de
1982, afirma a autora, registra-se grande distorção entre benefício e renda: 41% da população
recebia até 0,5 sm, entretanto, apenas 18% dos beneficiários estavam inseridos nessa faixa de
renda, reafirmando a ineficácia dessas políticas.
A distorção se estende a outros indicadores: na educação, quase 90% das famílias
com renda inferior a dois salários mínimos não alcançavam o segundo grau e 99% não
77
chegavam ao ensino superior. Era uma educação seletiva voltada ao atendimento das classes de
mais alta renda. O financiamento habitacional foi igualmente seletivo, destinado a uma “classe
média urbana” vinculada ao serviço público. Segundo a mesma autora, em 1989, 31% das
crianças com até cinco anos de idade encontravam-se desnutridas (para o Nordeste, esse
percentual correspondia a 46,1%); no mesmo ano, a mortalidade infantil batia a casa de 59‰
no Brasil e 98‰ no Nordeste; para o ano de 1988, a taxa de analfabetismo para pessoas de cinco
anos ou mais de idade correspondia a 24,6% no Brasil e 43,3% no Nordeste; para os domicílios
com acesso à água (1988), 70,9% no Brasil e 48,4% no Nordeste (DRAIBE, 1992). Esses
números revelam que é preciso mais do que definir um percentual do gasto social em relação
ao PIB, é necessário qualificar esse gasto, de modo a assegurar efetividade na direção da
homogeneidade social compatível com nível elevado de qualidade de vida, como defendia
Celso Furtado.
A Constituição de 1988 marca a universalização dos direitos sociais, rompendo com
o caráter seletivo anterior e dotando a sociedade de um importante instrumento de proteção
social, que é a seguridade social, abrangendo os serviços de saúde, assistência social e
previdência social, com fontes de recursos previstas constitucionalmente. Gestada em um
ambiente de grande instabilidade econômica e política, a Carta Magna dá os primeiros passos
em governos guiados pelo receituário neoliberal, subordinando a soberania nacional aos
interesses dos grandes conglomerados nacionais e internacionais, ávidos pela expansão dos
circuitos de valorização do capital, cuja condição básica repousa na padronização do consumo,
de estruturas produtivas, de legislação (trabalhista, fiscal, ambiental etc.) e do grau de
regulamentação dos mercados.
Dado o processo lento pelo qual se dá a evolução do Estado Social no Brasil,
acompanhado de mudanças culturais, econômicas e políticas relevantes, temos a compreensão
de que 2003 marca um ponto de inflexão nessa trajetória e o período 2003-2014 uma nova etapa
desse processo por reunir: uma agenda de governo de valorização do gasto social com metas
previamente definidas; uma conjuntura econômica favorável, com crescimento do PIB, baixa
inflação, baixo nível de desemprego e elevação do grau de confiança dos agentes econômicos,
pelo menos até 2013; e, por fim, maior protagonismo das representações de classe que
encontram nos governos progressistas desse período um espaço aberto para o diálogo.
O foco deste capítulo são os efeitos das políticas sociais e de emprego/renda
executadas no Brasil no período 2003 a 2014, sob a hipótese de que tratar de forma igual
espaços tão assimetricamente distintos produz resultados aquém do idealizado. Pessoas dotadas
78
de consciência política e algum princípio humanitário sonham com uma sociedade justa em
distribuição da renda e oferta de oportunidades iguais a todos, conforme determina a Carta
Magna (1988), mas há um percentual pequeno que defende o status quo sob qualquer
argumento. A decisão política implica posicionamento no campo de tensão entre esses dois
grupos. Se o sistema de mercado priva parte da sociedade do acesso a habitação, alimentação,
saúde, educação e cultura, cabe ao Estado Nacional, em parceria com os estados subnacionais,
provê-los das condições materiais básicas para que vivam dignamente, independente de raça,
gênero, situação de domicílio ou localização geográfica, visto ser a pobreza um problema de
Estado e não um problema individual, alimentada pelas engrenagens do sistema de reprodução
capitalista.
As políticas sociais e de emprego/renda serão investigadas conjuntamente, visto
não ser possível definir quanto uma ou outra foi responsável pelos avanços sociais identificados
nesse período. Ao contrário disso, suspeita-se que a integração dessas ações tenha
potencializado o esforço de governo na direção da redução das desigualdades sociais e
regionais, além da redução da pobreza e da indigência a partir de um processo induzido de
crescimento econômico. A partir de 2003, há um esforço do governo federal em conciliar o
modelo neoliberal87 com políticas públicas de inclusão social, abrangendo mercado de trabalho,
assistência social, habitação, saúde e educação. Para cada área, será feito um mapeamento das
principais ações e dos resultados alcançados, com o olhar voltado para as distintas capacidades
de resposta dos entes federativos, a fim de testar a hipótese que dá início a esta investigação.
I – Trabalho e Renda
Neste item, serão tratados dois pontos: a distribuição da renda a partir do sistema
de produção e as ações, no âmbito das políticas públicas de emprego e renda, que possibilitaram
um importante avanço na renda mensal dos estratos que compõem a base da pirâmide social88.
Constata-se evolução no novo padrão de consumo, na redução das desigualdades de renda, na
elevação do IDHM e na redução da pobreza e extrema pobreza (indigência), particularmente,
87 O modelo neoliberal está alicerçado em três pilares: a) controle da inflação por meio da taxa Selic; b)
austeridade fiscal com vistas a assegurar superávit primário e baixo grau de endividamento público em relação
ao PIB; e c) câmbio flexível em conformidade com as determinações do mercado (fluxo de divisas e saldo de
reservas). Ademais, o governo não interfere no modelo implantado na década de 1990 de flexibilização das
relações de trabalho, desregulamentação dos mercados e grau de abertura comercial, assim como não reverte as
privatizações. 88 Muitos deles sem remuneração ou com renda de até um salário mínimo, especialmente, nas regiões Norte e
Nordeste
79
nos estados periféricos, ainda que estes mantenham inalteradas suas posições no ranking
nacional, dadas as diferenças regionais expressas no tecido social e na estrutura produtiva.
Mantendo uma correlação positiva com a renda, o padrão de consumo aqui referido abrange
não apenas o consumo de produtos eletrônicos, mas também habitação, energia elétrica,
transporte, gêneros alimentícios, higiene pessoal, educação, cultura e lazer. Na sequência, serão
apresentadas as principais ações que repercutiram de forma positiva na esfera do trabalho nos
primeiros anos do século XXI, a partir de mudanças no escopo e na condução das políticas
públicas de emprego e renda.
I.1 - Distribuição da renda
Neste ponto, serão destacados os elementos que definem a distribuição da renda a
partir dos ciclos de produção, antes da intervenção do Estado através das políticas
compensatórias ou redistributivas. Diferenças de grau de escolaridade, tipo de ocupação,
gênero, situação de domicílio, informalidade, etnia e faixa etária são algumas das variáveis que
influenciam as diferenças de renda. Nenhuma variável é determinante, mas todas elas juntas
definem o padrão de remuneração assim como suas diferenças, sob forte influência das
convenções.
Uma análise mais apressada poderia levar à conclusão de que o grau de instrução
define o nível de remuneração. Trata-se de uma meia verdade, dado que é o tipo de ocupação
que define o padrão de remuneração, podendo sofrer alterações em função das outras variáveis
já mencionadas. Um indivíduo pode se graduar em medicina e ser inserido no mercado como
agente de viagem. O que determinará sua remuneração não será sua titulação, mas a função que
está ocupando. No entanto, se uma empresa abre uma vaga para consultor financeiro, o
indivíduo cuja formação não atenda às especificações definidas pela empresa jamais poderá
ocupá-la. A remuneração é definida em função das exigências de qualificação do cargo, assim
como pela relação entre oferta e demanda dessa mão de obra, quando se tratar da iniciativa
privada. À medida que as cadeias produtivas foram ficando mais sofisticadas e dinâmicas,
invadidas por fluxos de inovação tecnológica, novas ocupações foram surgindo com
diferenciados níveis de remuneração, do mesmo modo que outras funções foram
desaparecendo, contribuindo com uma reconfiguração da estratificação social.
A influência da diferença de gênero sobre a renda do trabalho pode ser confirmada
tanto pelos dados da RAIS quanto do IBGE. As mulheres recebem em torno de 70% da renda
80
média dos homens, embora esse percentual possa ser maior ou menor, a depender do tipo de
atividade e do grau de instrução. A compreensão dessa desigualdade requer que se façam
algumas considerações: a) os cargos com menor remuneração são ocupados por mulheres, a
exemplo do trabalho doméstico, educadores do ensino médio ou fundamental, profissionais de
enfermagem, profissionais de corte e costura etc. Por outro lado, em ocupações de remuneração
mais alta, há a predominância de homens, a exemplo de engenharia, economia e finanças,
judiciário, cargos eletivos nas três esferas de governo etc. b) há uma atitude discriminatória
percebida no mercado de trabalho, de modo que homens e mulheres auferem rendas distintas
para os mesmos cargos, especialmente na iniciativa privada. E mesmo no serviço público, os
cargos comissionados são preenchidos, em sua maioria, por homens, ainda que mulheres sejam
maioria e detenham maior grau de escolaridade; c) muitas mulheres, na tentativa de conciliar
família e trabalho, optam pelo trabalho de tempo parcial (meio turno), resultando em salários
mais baixos.
A situação do domicílio é outra variável que influencia as diferenças de renda na
esfera do trabalho. Os trabalhadores rurais auferem rendimento médio muito mais baixo que
trabalhadores urbanos, dado o predomínio da atividade agrícola e da informalidade com baixa
proteção social, incluindo a concentração do trabalho não remunerado, especialmente para o
recorte etário de dez a dezessete anos. Quanto às diferenças de etnia, os mesmos bancos de
dados já referidos apontam diferenças de remuneração média para brancos, negros e pardos,
revelando a reprodução de uma cultura de exploração do negro como resquício do período pré-
industrial.
O setor público contribui, em grande medida, com essa dispersão salarial, nem
sempre associada a grau de instrução ou jornada de trabalho. As ocupações vinculadas ao poder
judiciário correspondem a um nível de remuneração sem paralelo no serviço público, exceto
para os cargos eletivos do poder legislativo. No setor privado, a dispersão se manifesta no
interior de cada subsetor: na saúde, os médicos que atuam em cirurgias plásticas auferem renda
muito mais elevada que os clínicos gerais ou médicos sanitaristas, por exemplo. E as
enfermeiras e técnicas em enfermagem auferem rendimentos bem menores que os médicos. A
dispersão salarial é influenciada por muitos fatores, inclusive, pela localização do
empreendimento gerador da ocupação89. A superposição desses elementos é o que define, de
fato, o nível de dispersão salarial no Brasil.
89 Uma mesma ocupação apresenta remunerações distintas no Sul e no Norte do país.
81
A renda de capital, produzida tanto no circuito financeiro quanto no circuito da
produção, é influenciada tanto por política fiscal quanto monetária. Taxas de juros elevadas
aumentam a rentabilidade do capital financeiro do mesmo modo que renúncia fiscal ou
investimentos públicos em áreas específicas podem favorecer a investidores de determinado
setor em detrimento de outros, favorecendo a acumulação de capital em ritmo mais acelerado
para as empresas ou os grupos selecionados. Assim nascem os oligopólios e monopólios com a
intervenção do Estado, a exemplo da trajetória da indústria da construção civil no país90. O
tratamento diferenciado, inevitavelmente, contribui com a elevação das desigualdades
econômicas e sociais, posto que decisões políticas podem colocar determinados grupos em
posição favorável no jogo competitivo.
Historicamente, capital e trabalho disputam a renda gerada a cada ciclo produtivo:
a massa salarial ora sobe, ora desce frente à renda de capital (juros, aluguéis e lucros), sob a
influência de políticas públicas com objetivos previamente definidos91 ao longo das últimas
nove décadas. Durante o regime militar, sob a determinação de deixar o bolo crescer para depois
dividir, a massa salarial caiu bruscamente. Entre 2003 e 2014, o país assiste a uma importante
recuperação da massa salarial, graças à implantação de políticas públicas de proteção ao
trabalho e proteção social, demonstrando que o Estado pode moderar o processo de
concentração da riqueza, estabelecendo regras mais justas para esse jogo de forças tão
assimétricas.
Segundo PIKETTY (2015), em sua investigação realizada na América do Norte,
Àsia e Europa, a desigualdade de renda cresce nos países ocidentais do século XIX até meados
do século XX, recua após a segunda guerra mundial e volta a crescer a partir da década de 1970.
A trajetória das desigualdades sociais e econômicas, dada a lógica de reprodução capitalista
90 Das 92,7 mil empresas da indústria de construção civil registradas em 2011 no Brasil, pouco mais de 100
dominam o mercado nacional e ascenderam no processo de acumulação de capital (faturamento anual +
patrimônio) graças a contratos de grande monta (construção pesada) com o setor público. Nenhuma empresa
alcançou essa posição disputando espaço através de contratos realizados apenas com a iniciativa privada. Em
2013, o percentual de contratos com o setor público das seis maiores empresas brasileiro era: Norberto
Odebrecht, 31%; Camargo e Corrêa, 55%; Andrade Gutierrez, 67%; Queiroz Galvão, 58%; OAS, 30%; e Galvão
Engenharia, 61%. As empresas citadas se concentram nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
A Delta Engenharia é um exemplo de sucesso a partir de contratos com o setor público. Em 2003, 100% de seus
contratos foram fechados com o setor público e ela ocupava a 15ª posição no ranking. Em 2011, ela havia subido
para a 6ª posição com 99% de seus contratos fechados com o setor público em um setor onde as barreiras à
entrada no grupo de elite são muito elevadas. Jamais uma empresa subiria, em tão pouco tempo, da 15ª para a 6ª
posição, a menos que fosse através de processo de fusão com uma empresa que já estivesse muito próxima da 6ª
posição (Fonte: Câmara Brasileira da Indústria da Construção, acesso em 09/12/2016 no sítio:
http://www.cbicdados.com.br/menu/empresas-de-construcao/maiores-empresas-de-construcao). 91 Os modelos de governabilidade ora priorizam a concentração, ora a distribuição da renda, em conformidade
com a composição do quadro político.
82
marcada pela contínua concentração de riqueza92, só pode ter seus resultados alterados pela
intervenção do Estado. Na concepção do autor, “os fatores por trás disso são complexos, mas
boa parte do fenômeno pode ser atribuída às diferenças de políticas fiscais e sociais adotadas
em cada país” (PIKETY, 2015).
I.2 - Valorização real do salário mínimo
No âmbito das políticas públicas de emprego e renda, a valorização do salário
mínimo é o primeiro ponto a ser tratado do conjunto de ações que possibilitaram um importante
avanço na redução das desigualdades sociais do país, no período 2003 a 2014. A pressão das
centrais sindicais gerou um campo de diálogo com o governo federal que resultou, já em 2005,
em elevação real de 9,25% do salário mínimo, tomando-se como referência o INPC, calculado
pelo IBGE (Quadro 1). Em 2006, nesse campo de diálogo, foi acordado com o governo um
critério de reajuste, acrescentando ao salário mínimo vigente o INPC do ano de aprovação da
Lei e a taxa de crescimento do PIB do ano anterior. Com esse critério de reajuste, estava
assegurada a valorização do salário mínimo. Entre 2002 e 2014, constata-se valorização real de
74% do salário mínimo (Gráfico 1), com reflexos sobre a renda média dos estados mais pobres
concentrados nas regiões Norte e Nordeste, o que se confirma pelos dados do IBGE que inclui
o mercado de trabalho informal (Quadro 2). O aumento real do salário mínimo teve grande
impacto também sobre os benefícios previdenciários e os benefícios assistenciais concedidos a
idosos extremamente pobres e pessoas com deficiência, cuja remuneração corresponde a um
salário mínimo. Pelos dados PNAD/IBGE (Quadro 2), com exceção de Sergipe, todos os demais
estados da região Nordeste elevaram a proporção de sua renda média mensal em relação à renda
média nacional. O melhor resultado na região Nordeste ficou com o Estado da Bahia, cuja renda
passou de 57% para 69,73% da renda média nacional, no período 2002-2014. Alagoas
apresentou um resultado modesto, tendo a renda média das pessoas ocupadas de 10 anos ou
mais de idade passado de 50,50% para 52,68% da renda média nacional, enquanto São Paulo
passou de 139% para 127,68% (Quadro 2). Mesmo caindo mais de onze pontos percentuais, a
92 A constatação de que, ao longo do século XX, a concentração de renda cresce até a década de 1940, decresce a
partir desse ponto até a década de 1970 e volta a crescer até os anos 2000 coloca em xeque a Curva de Kuznets,
expressa em U invertido ( ꓵ ), que defende a tese de que a concentração de renda aumenta, se estabiliza por um
tempo e, depois, diminui ao longo do processo de crescimento econômico. A justificativa da curva é que o
processo de modernização industrial demanda funções com maior nível de qualificação, elevando a desigualdade
de renda nesse primeiro estágio e, após estabilizar por um tempo, decresce dado o investimento em educação que
resulta na elevação de pessoas com melhor qualificação, reduzindo as desigualdades de renda salarial. Kuznets
ignora que a remuneração é definida pelas exigências de cada ocupação e não pela qualificação do trabalhador.
Em outras palavras, alguém pode ter uma excelente qualificação e não ocupar uma função em conformidade com
sua qualificação ou sequer ser inserida no mercado.
83
renda média do Estado de São Paulo para esse recorte era quase 28% superior à renda média
nacional enquanto em Alagoas a renda média correspondia a pouco mais da metade da renda
nacional, em 2014. Os dados revelam ter havido avanço na renda média dos estados mais pobres
no período considerado, porém, dado o abismo existente entre estes e os estados das regiões
Sul e Sudeste, esse avanço se revela um passo muito curto frente a um horizonte de
desenvolvimento em bases sustentáveis.
Quadro 1 - Valorização real do salário mínimo – Brasil, 2002 a 2016.
Fontes: IBGE e Banco Central do Brasil. Elaboração da autora.
Gráfico 1 - Valorização real do salário mínimo – Brasil, 2002 a 2016.
Fontes: IBGE e Banco Central do Brasil. Elaboração da autora.
ANO
Salário
mínimo R$ 1,0
INPC/IBGE
(%)
Reajuste
anual (%) Var. Real
2001 180,00 9,44
2002 200,00 14,74 11,11 1,67 101,67 1,67
2003 240,00 10,38 20,00 5,26 107,02 7,02
2004 260,00 6,13 8,33 2,05- 104,83 4,83
2005 300,00 5,05 15,38 9,25 114,53 14,53
2006 350,00 2,81 16,67 11,62 127,84 27,84
2007 380,00 5,16 8,57 5,76 135,20 35,20
2008 415,00 6,48 9,21 4,06 140,68 40,68
2009 465,00 4,11 12,05 5,57 148,51 48,51
2010 510,00 6,47 9,68 5,56 156,78 56,78
2011 545,00 6,08 6,86 0,40 157,40 57,40
2012 622,00 6,20 14,13 8,05 170,07 70,07
2013 678,00 5,56 9,00 2,81 174,84 74,84
2014 724,00 6,23 6,78 1,22 176,98 76,98
2015 788,00 11,28 8,84 2,61 181,60 81,60
2016 880,00 6,58 11,68 0,40 182,32 82,32
Valorização real
acumulada
100 101,67107,02104,83
114,53
127,84135,20
140,68148,51
156,78157,40
170,07174,84176,98
181,60182,32
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
200
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 2018
Valorização Salário Mínimo
84
Quadro 2 - Valor do rendimento médio mensal das pessoas de 10 anos ou mais de idade,
a preços correntes (R$), Brasil e unidades territoriais, anos selecionados.
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração da autora.
I.3 - Fortalecimento de instituições de fiscalização da legislação trabalhista
Este item trata dos avanços observados na esfera do trabalho, no período 2003 a
2014, dado o fortalecimento das instituições fiscalizadoras da legislação trabalhista, entre elas,
Ministério Público do Trabalho e Superintendências Regionais do Trabalho. Entre os avanços,
podem ser ressaltados: redução da taxa de informalidade93, com reflexos sobre condições de
trabalho e padrão de remuneração em todo território nacional; redução do trabalho infantil, do
93 Para maiores detalhes sobre a relação entre fiscalização e redução da informalidade, ver Plano Nacional de
Combate à Informalidade em http://www2.planalto.gov.br/noticias/2015/04/fiscalizacao-do-fgts-e-combate-a-
informalidade-sao-intensificados-em-2015. Acesso em 15/02/2018.
Relação Relação
2002 2005 2008 2012 2014 UF/BR 2002 UF/BR 2014
Brasil 400 525 698 1.001 1.196
Rondônia 369 459 557 866 1.021 92,25% 85,37%
Acre 428 395 540 770 877 107,00% 73,33%
Amazonas 296 389 488 695 917 74,00% 76,67%
Roraima 297 338 582 885 1.044 74,25% 87,29%
Pará 298 340 465 641 732 74,50% 61,20%
Amapá 318 456 500 802 1.004 79,50% 83,95%
Tocantins 256 368 571 824 964 64,00% 80,60%
Maranhão 191 236 368 559 659 47,75% 55,10%
Piauí 215 288 440 670 744 53,75% 62,21%
Ceará 227 303 426 623 722 56,75% 60,37%
Rio Grande do Norte 255 382 500 758 792 63,75% 66,22%
Paraíba 241 340 478 682 827 60,25% 69,15%
Pernambuco 249 327 439 655 796 62,25% 66,56%
Alagoas 202 262 402 539 630 50,50% 52,68%
Sergipe 255 347 474 730 755 63,75% 63,13%
Bahia 228 312 448 661 834 57,00% 69,73%
Minas Gerais 359 485 672 999 1.166 89,75% 97,49%
Espírito Santo 394 533 685 1.047 1.221 98,50% 102,09%
Rio de Janeiro 516 668 870 1.150 1.455 129,00% 121,66%
São Paulo 556 715 897 1.291 1.527 139,00% 127,68%
Paraná 432 609 808 1.174 1.370 108,00% 114,55%
Santa Catarina 460 669 886 1.229 1.515 115,00% 126,67%
Rio Grande do Sul 472 629 838 1.163 1.455 118,00% 121,66%
Mato Grosso do Sul 405 516 729 1.153 1.397 101,25% 116,81%
Mato Grosso 406 494 752 1.113 1.275 101,50% 106,61%
Goiás 374 525 705 1.047 1.192 93,50% 99,67%
Distrito Federal 796 1.029 1.458 1.958 2.377 199,00% 198,75%
Unidade
Territorial
ANO
85
trabalho não remunerado e do trabalho análogo ao trabalho escravo. À medida que cai a
informalidade, cresce o número de pessoas inseridas no mercado de trabalho com carteira
assinada. Na região Nordeste, a proporção de pessoas de 16 anos ou mais de idade ocupadas no
mercado de trabalho formal passou de 27,6% para 39,6% entre 2004 de 2014 (Gráfico 2). Entre
2002 e 2014, a taxa de informalidade caiu no Brasil e em todas as unidades federativas: no
Brasil, passou de 58,20% para 47,30%, enquanto no Estado do Acre caiu de 71,64% para
60,49% (Tabela 1). Em alguns estados, a queda da informalidade foi mais significativa, a
exemplo do Estado de Pernambuco, cuja taxa passou de 69,63% para 55,74%, redução de
19,95%. A atuação das instituições de fiscalização, com o apoio da Justiça do Trabalho, teve
um papel relevante em assegurar o cumprimento da legislação trabalhista em um país marcado
pela cultura da exploração da mão de obra e pela concentração fundiária, que se agrava à medida
que sai da área urbana para a área rural e dos grandes centros urbanos para as regiões periféricas.
Em 2015, foram julgados mais de 3,5 milhões de processos, sendo 305,3 mil sob a
responsabilidade do Tribunal Superior do Trabalho, 769 mil pelos diversos Tribunais Regionais
(TRT) e 2,56 milhões pelas Varas do Trabalho94. Graças ao empenho de todas as instituições
públicas de proteção ao trabalho, entre 2002 e 2014, o número de pessoas ocupadas no mercado
de trabalho com carteira assinada passou de 28,68 milhões para 49,57 milhões, com avanço no
combate ao trabalho análogo ao trabalho escravo e ao trabalho infantil95. Na relação entre
trabalho e capital, marcada pela assimetria de forças, a intervenção do Estado mostra-se
imprescindível ao cumprimento da legislação que ampara aqueles desprovidos de qualquer
instrumento eficaz de enfrentamento.
No país, a proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas, sem
remuneração ou declaração de rendimento, caiu de 12,95% para 10,03% entre 2002 e 2014,
com resultados distintos para as Unidades da Federação, conforme Quadro 3. No Estado do
Piauí, a variação é de 28,59% para 22,49% enquanto no Rio de Janeiro a variação no mesmo
período é de 4,62% para 3,95%, expondo a dimensão das diferenças regionais e revelando que
quanto maior o nível de agregação dos números, menor o grau de transparência no que tange
às singularidades de cada estado96. Surpreende, no entanto, a proporção de pessoas ocupadas
94 O setor com maior número de processos trabalhistas é a indústria de transformação, seguida pelo setor de
serviços e o setor de comércio. Fonte: http://www.tst.jus.br/documents/10157/be16b1fc-09a7-41e7-838b-
7eb3933a1b47. Acesso em 12/03/2017. 95 Segundo dados do IBGE (https://sidra.ibge.gov.br/tabela/1926#resultado), acessados em 15/03/2017, entre
2002 e 2015, o percentual de pessoas ocupadas de cinco a catorze anos passa de 2,74% para 0,67% da população
ocupada de cinco anos ou mais de idade (PNAD/Pesquisa Básica, Tabela 1926). 96 Chama atenção o crescimento da população ocupada sem remuneração ou sem declaração na região Norte,
contrariando o que ocorre nas demais regiões que registram uma redução dos não remunerados, entre 2002 e
86
com renda de até ½ salário mínimo, especialmente na região Nordeste cuja proporção oscilava
entre 14,51% (Sergipe) e 26% (Piauí) em 2002. Nas regiões Sul e Sudeste, a proporção de
pessoas com rendimento de até ½ salário mínimo é muito baixa, a exemplo de Santa Catarina
que, em 2002, apresentava taxa de 3,31%.
Gráfico 2 - Proporção de pessoas de 16 anos ou mais de idade ocupadas na semana de
referência em trabalhos formais, por grandes regiões do Brasil, 2004 a 2014
A visualização gráfica mostra que os estados da região Nordeste respondem
positivamente às políticas públicas de emprego e renda, assim como a todas as outras, porém,
isso não altera suas respectivas posições no ranking nacional e, para algumas variáveis, a
capacidade de resposta é ainda mais lenta, especialmente no que tange ao padrão de
remuneração. Manter a mesma posição no ranking nacional não é o problema, visto não se tratar
de uma competição, mas da proteção à vida. O que se contesta aqui é o abismo entre riqueza e
pobreza com os agravos que essa condição de pobreza impõe, não apenas pela privação do
consumo alimentar, mas também da negação de acesso a bens e serviços essenciais para
assegurar uma vida digna. Reivindica-se, portanto, o direito de acesso a bens e serviços
resguardados pela Carta Magna em vigor no país.
2014. Não é possível afirmar que tal fenômeno esteja relacionado ao crescimento da informalidade naquela
região (ver Tabela 2), sendo mais provável estar relacionado à dispersão dos domicílios que dificulta a realização
da pesquisa por amostragem.
87
Tabela 1 - Percentual de informalidade*, Brasil e unidades federativas, anos
selecionados.
Unidade Territorial
ANO
2002 2006 2011 2014
Brasil 58,20 54,71 47,52 47,30
Acre 71,64 64,61 54,75 60,49
Alagoas 67,84 67,51 59,44 56,27
Amazonas 63,59 58,85 56,11 56,23
Amapá 65,97 63,88 56,31 56,44
Bahia 75,08 70,91 64,34 63,69
Ceará 73,93 72,42 64,48 61,92
Distrito Federal 45,24 44,16 37,19 38,34
Espírito Santo 57,22 51,05 44,35 50,08
Goiás 63,99 57,49 50,78 48,47
Maranhão 86,53 81,66 74,64 75,46
Minas Gerais 56,30 52,78 47,24 46,57
Mato Grosso do Sul 58,35 54,70 48,31 45,91
Mato Grosso 64,53 59,82 49,36 47,65
Pará 74,45 70,65 64,59 63,44
Paraíba 75,48 75,32 66,10 65,33
Pernambuco 69,63 66,89 55,85 55,74
Piauí 85,38 82,18 74,35 69,47
Paraná 52,20 49,08 41,42 38,65
Rio de Janeiro 50,92 47,78 41,65 40,84
Rio Grande do Norte 70,07 65,10 59,97 58,78
Rondônia 59,70 58,40 49,57 46,53
Roraima 85,47 76,01 60,95 60,20
Rio Grande do Sul 53,76 51,91 43,38 42,42
Santa Catarina 44,91 42,16 36,74 37,44
Sergipe 68,16 68,23 64,15 62,95
São Paulo 45,27 41,47 34,80 35,85
Tocantins 81,62 75,94 68,76 62,66
Fonte: IPEADATA/Base de dados - Social/Grau de informalidade. Elaboração da autora
* Corresponde à proporção de pessoas ocupadas sem carteira assinada e por conta própria em relação ao total de
pessoas ocupadas com remuneração.
88
Quadro 3 - Proporção das pessoas ocupadas de 10 anos ou mais de idade por classe de
rendimento (%).
UF
2002 2014
Até 1 sm
Sem rend ou
decl 2002 Total Até 1 sm
Sem rend
ou decl Total
BR 27,11 12,95 40,06 25,47 10,03 35,5
RO 28,13 7,66 35,79 21,68 13,02 34,7
AC 33,83 11,8 45,63 34,03 14,72 48,75
AM 28,65 6,57 35,22 27,35 12,81 40,16
RR 25,55 3,28 28,83 35,53 11,2 46,73
PA 37,17 8,55 45,72 39,75 15,75 55,5
AP 25,69 3,98 29,67 26,85 4,25 31,1
TO 41,11 17,9 59,01 35,21 14,56 49,77
MA 47,61 22,4 70,01 45,84 24,53 70,37
PI 46,92 28,59 75,51 45,58 22,49 68,07
CE 44,98 19,59 64,57 48,51 15,67 64,18
RN 39,92 12,54 52,46 45,81 10,87 56,68
PB 43,25 22,93 66,18 42,68 15,33 58,01
PE 39,66 22,27 61,93 40,58 12,5 53,08
AL 47,28 20,33 67,61 49,93 13,33 63,26
SE 44,77 13,62 58,39 48,99 12,86 61,85
BA 46,17 19,35 65,52 46,27 13,95 60,22
MG 31,39 13,7 45,09 27,75 9,4 37,15
ES 27,72 14,7 42,42 23,13 10,39 33,52
RJ 15,92 4,62 20,54 16,51 3,95 20,46
SP 13,1 5,66 18,76 11,46 6,74 18,2
PR 21,53 14,1 35,63 14,67 6,52 21,19
SC 12,9 15,97 28,87 10,95 7,87 18,82
RS 17,02 18,21 35,23 16,08 12,21 28,29
MS 27,4 9,07 36,47 18,34 6,36 24,7
MT 23,16 12,93 36,09 18,52 5,59 24,11
GO 29,81 8,79 38,6 23,15 5,7 28,85
DF 13,97 2,64 16,61 12,08 3,19 15,27
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração da autora.
89
Gráfico 3 - Proporção das pessoas ocupadas de 10 anos ou mais de idade sem rendimento,
Brasil e unidades federativas, 2002 e 2014.
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração da autora.
I.4 - Linhas de créditos subsidiadas para empreendedores individuais
Este é o quarto ponto, na esfera do trabalho, que deixou sua contribuição ao
aquecimento dos mercados locais, por contemplar pessoas com dificuldade de acesso ao
mercado financeiro assim como ao mercado de trabalho pelos critérios de exclusão vigentes.
Em 2004, foi criado o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO),
inicialmente, pela medida provisória 226/2004 e, mais tarde, pela Lei 11.110/2005, direcionado
a microempreendedores, formais ou informais, com faturamento anual de até R$ 120 mil,
utilizando recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), alocados nos bancos públicos
de fomento. O objetivo do programa era a geração de renda de forma autônoma entre
empreendedores com dificuldade de acesso ao sistema financeiro nacional, pelas regras
vigentes do mercado. Por esse mecanismo, o Estado Nacional jogou um volume expressivo de
12,95
7,66
11,8
6,57
3,28
8,55
3,98
17,9
22,4
28,59
19,59
12,54
22,93
22,27
20,33
13,62
19,35
13,7
14,7
4,62
5,66
14,1
15,97
18,21
9,07
12,93
8,79
2,64
10,03
13,02
14,72
12,81
11,2
15,75
4,25
14,56
24,53
22,49
15,67
10,87
15,33
12,5
13,33
12,86
13,95
9,4
10,39
3,95
6,74
6,52
7,87
12,21
6,36
5,59
5,7
3,19
0 5 10 15 20 25 30 35
BR
RO
AC
AM
RR
PA
AP
TO
MA
PI
CE
RN
PB
PE
AL
SE
BA
MG
ES
RJ
SP
PR
SC
RS
MS
MT
GO
DF
Sem rend ou decl 2014 Sem rend ou decl 2002
90
crédito pulverizado no mercado, aquecendo particularmente os mercados de regiões periféricas,
com predomínio da agricultura e do comércio. Agentes de crédito foram utilizados para avaliar
a viabilidade econômica dos empreendimentos e evitar taxas elevadas de inadimplência97, que
se mostrou muito baixa, vale ressaltar.
O programa entrou em operação em 2005 e, nos dois primeiros anos, aumentou o
número de operações em 52,42% e o volume de crédito liberado em 82,68%, registrando 936,5
mil operações e um volume de crédito na ordem de R$ 1,8 bilhão em 2007, conforme publicação
do MTE98. Em 2014, o programa já alcançava 5,7 milhões de operações e um volume de crédito
em torno de R$ 13,4 bilhões (Tabela 2). O relatório completo publicado pelo MTE revela que
a maioria dos contratos de crédito são concedidos a mulheres, o maior volume de crédito é
direcionado a empreendimentos informais e o comércio é o setor com maior participação entre
os empreendimentos contemplados.
Tabela 2 - Execução consolidada do PNMPO, Brasil – 2005 a 2014.
Ano
Número de operações
de crédito
Valor concedido
(R$ 1,0)* Variação
Valor médio por
operação (R$ 1,0)
2005 632.106 1.075.122.370,64 1.700,86
2006 828.847 1.447.251.711,79 34,6% 1.746,10
2007 963.459 1.826.977.644,02 26,2% 1.896,27
2008 1.280.680 2.945.582.271,69 61,2% 2.300,01
2009 1.620.656 3.521.814.308,41 19,6% 2.173,08
2010 1.966.718 4.365.506.896,56 24,0% 2.219,69
2011 2.576.559 5.603.869.961,66 28,4% 2.174,94
2012 3.814.781 8.384.649.627,79 49,6% 2.197,94
2013 5.713.091 12.334.894.340,93 47,1% 2.159,06
2014 5.667.287 13.391.110.372,23 8,6% 2.362,88
TOTAL 25.064.184 54.896.779.505,72
Fonte: Informações gerenciais do PNMPO/MTE – 2015.
*Valores atualizados pelo INPC/IBGE de 2015.
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) foi
criado no ano 2000 com o propósito de estimular a geração de renda na área rural através do
financiamento de atividades agropecuárias e não agropecuárias. O crédito é disponibilizado por
instituições financeiras de fomento a pessoa física, pessoa jurídica e cooperativas para fins de
custeio, investimentos, industrialização e comercialização, nas modalidades: PRONAF mais
alimento, PRONAF agroindústria, PRONAF floresta, PRONAF semiárido, PRONAF mulher,
97 Para mais informações, ver portal MTE no endereço http://portalfat.mte.gov.br/programas-e-acoes-
2/programa-nacional-do-microcredito-produtivo-orientado-pnmpo/, visitado em 08/10/2017. 98 Fonte: http://www.bacen.gov.br/pre/microfinancas/arquivos/horario_arquivos/apres_89.pdf. Acesso em
08/10/2017.
91
PRONAF jovem, PRONAF custeio, PRONAF comercialização e PRONAF agroecologia. Taxa
de juros (entre 2,5% e 5,5%a.a.), carência e prazo para reembolso dependem do valor do
empréstimo e da finalidade do crédito. Segundo publicação do Ministério de Desenvolvimento
Agrário (MDA), de 2002/2003 a 2014/2015, o crédito PRONAF passou de R$ 2,3 bilhões para
R$ 24,1 bilhões99, a preços de 2015. Essa variação de 947,83%, associada ao gasto social com
desenvolvimento agrário, possibilitou significativa melhoria nas condições de vida da
população rural.
O total do crédito rural informado pelo Banco Central para financiamento de
atividades agropecuárias, no ano de 2014, foi de R$ 164,48 bilhões distribuídos em 2,6 milhões
de operações. A região Sul recebeu a maior fração (37,13%), seguida pela região Sudeste
(27,29%), Centro-Oeste (22,20%), Nordeste (8,37%) e Norte (5,01%)100. O Estado do Paraná
responde por 16% do volume total de crédito, superior à soma das regiões Nordeste e Norte.
A oferta de linhas de crédito com taxas de juros subsidiadas através dos bancos de
fomento possibilitou a geração autônoma de renda, beneficiando pessoas cujo perfil é
dispensado pelo mercado de trabalho formal, estimulando as economias locais e possibilitando
ao país a elevação do consumo com sinalização positiva aos investimentos privados. A renda
gerada pelos que trabalham por conta própria é, às vezes, a principal renda da família e em
municípios muito pobres, com estrutura produtiva simplificada, a informalidade se coloca como
alternativa de sobrevivência. O crédito destinado à agricultura familiar, associado a uma política
de incentivo à produção de cooperativas possibilitou a fixação do homem no campo,
fortalecendo cadeias produtivas locais em regiões cuja vocação produtiva é fortemente marcada
pela atividade agrícola e pela pecuária.
Apesar de todo esse esforço, dadas as diferenças de estrutura produtiva, volume de
massa salarial, tecido social e suporte dos gestores locais aos empreendedores individuais e
empreendimentos de pequeno porte, os estados mais pobres101 apresentam resultados mais
99Fonte:http://www.mda.gov.br/sitemda/sites/sitemda/files/user_arquivos_383/Cr%C3%A9dito%20Rural%20Pr
onaf%202015-2016.pdf. Acesso em 26/02/2018. 100 Fonte: Banco Central do Brasil (BCB) - Departamento de Regulação, Supervisão e Controle das Operações do Crédito Rural e do Proagro (Derop). 101 Aqui definidos como os de menor renda per capita, baixo PIB per capita, menor expectativa de vida, maior
taxa de mortalidade infantil, maior proporção de pessoas abaixo da linha da pobreza, menor grau de
escolaridade, maior taxa de analfabetismo, menor proporção de pessoas com nível superior completo, estrutura
produtiva pouco diversificada e de baixo conteúdo tecnológico e IDH baixo ou muito baixo.
92
tímidos, pois a participação destes no PIB nacional permanece quase inalterado, assim como a
relação entre renda média estadual e renda média nacional para qualquer recorte.
I.5 - Leis de proteção a categorias vulneráveis
Neste ponto, são apresentadas algumas leis que foram instituídas ou reeditadas com
o propósito de ora acolher pessoas socialmente mais vulneráveis, ora estender direitos
trabalhistas vigentes no país a determinadas ocupações até então desamparadas, ora assegurar
uma renda mais justa a determinada categoria profissional, minimizando uma injustiça social e
um erro estratégico numa perspectiva de desenvolvimento do país. O fato é que todas elas
contribuíram com a elevação da renda nas camadas com renda mensal familiar per capita de até
meio salário mínimo. A primeira lei que vai influir no período 2003 a 2014 é a Lei nº
10.608/2002, que altera a Lei 7.998/1990, Art.2º, texto que estabelece o pagamento de um
salário mínimo por três meses a pessoas resgatadas de trabalho análogo ao escravo, com
encaminhamento ao SINE, a fim de serem submetidas a cursos de profissionalização, com
vistas a retornarem ao mercado de trabalho.
A segunda intervenção protecionista se dá pela Lei nº 10.779/2003 que institui o
seguro defeso para atender, temporariamente, às necessidades de sustento do pescador
profissional durante a proibição da pesca, no período de reprodução de espécies que são alvo
de sua atividade. Esse benefício corresponde a um salário mínimo e é concedido pelo período
de cinco meses, com possibilidade de prorrogação por mais um mês. O objetivo de estender o
seguro desemprego a esses pescadores é evitar a pesca predatória, proteger o meio ambiente e
assegurar o sustento às comunidades pesqueiras. A ampliação do direito de acesso ao seguro
desemprego102 resultou em elevação do gasto direto com trabalho e emprego103 no conjunto de
gastos sociais, passando de R$ 17,8 bilhões para R$ 58,7 bilhões, entre 2002 e 2014 (a preços
de 2015 pelo IGP-DI), o que corresponde a um aumento real de 230%, excluindo gastos
tributários (renúncia fiscal).
A terceira intervenção chegou por meio da Lei 11.344/2006 de incentivo à titulação
de professores do ensino superior, professores de 1º e 2º graus e profissionais de institutos de
ciência e tecnologia. Além de fortalecer o setor de educação com a valorização de profissionais
102 O Seguro desemprego foi instituído pelo Decreto Lei nº 2.284 em março de 1986 e regulamentado pelo Decreto
nº 92.608 em abril do mesmo ano, tendo por objetivo suprir as necessidades do trabalhador demitido sem justa
causa por um período de três a cinco meses, a depender do tempo que permaneceu no emprego. 103 O gasto com trabalho e emprego faz parte da seguridade social e inclui as diversas modalidades de seguro
desemprego e o abono salarial.
93
educadores, o governo contribuiu com a elevação da massa salarial através do setor que tem
uma importância estratégica para o desenvolvimento do país. A quarta intervenção veio através
da Lei nº 11.738, sancionada em 11 de julho de 2008, estabelecendo um novo piso salarial para
professores da educação básica e limites de carga horária em sala de aula (máximo de 2/3 da
carga horária contratada, reservando 1/3 para atividade extraclasse)104. Até então, na maior
parte dos municípios do país, essas professoras recebiam apenas um salário mínimo que
correspondia a R$ 415,00 mensais. O novo piso salarial passou a ser R$ 950,00, um aumento
de 128,92%, resultando em grande impacto em municípios nanicos onde quase 50% da
população ocupada auferia até um salário mínimo mensal, o que é muito comum na região
Nordeste. A quinta intervenção, também no setor de educação, chegou por meio do Decreto Lei
nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, implantando o Plano Nacional de Formação dos
Professores da Educação Básica (PARFOR), possibilitando a essa categoria profissional a
realização de curso de graduação, numa parceria com CAPES, estados, municípios e
instituições de ensino superior (IES), com efeitos sobre o plano de cargos e carreira do
magistério. Era mais um avanço na remuneração de uma categoria predominantemente
feminina e com um nível de remuneração relativamente baixo105.
A sexta intervenção foi a PEC das domésticas, aprovada em abril de 2013 e
regulamentada em 2015, assegurando a essa categoria todos os direitos trabalhistas
vigentes (férias, 13º salário, folga semanal remunerada, carga horária semanal máxima de
44 horas, licença maternidade e paternidade, hora extra etc.). Dada uma cultura de
exploração enraizada na sociedade brasileira, onde ter empregada doméstica assemelha-se
à posse de um escravo, entre os séculos XVI e XIX, não raro, foram ouvidos depoimentos
de pessoas que praticavam essa exploração desqualificando a referida lei sob o argumento
de que era nociva às domésticas, pois elas preferiam trabalhar mais que oito horas/dia sem
o devido recebimento de horas extras. Estava subentendido, embora não verbalizado, que
empregados domésticos preferiam essa condição ao enfrentamento do desemprego. Apesar
da nova legislação, a informalidade campeia na periferia do país, especialmente em
municípios nanicos onde grande parte da população, desprovida de informação e refém da
extrema pobreza, submete-se a todo tipo de exploração numa demonstração de
agradecimento ao explorador. Mais do que a elevação da renda, a valorização de
empregadas e empregados domésticos, sob o amparo de direitos trabalhistas, representa
104 Fonte: http://www.ebc.com.br/educacao/2015/01/entenda-o-piso-salarial-nacional-do-magisterio. Em
09/02/2015. 105 Fonte: http://www.capes.gov.br/educacao-basica/parfor. Em 09/02/2015.
94
um importante avanço do ponto de vista social, por reduzir a informalidade e a exploração
de pessoas socialmente vulneráveis.
I.6 - Efeitos da intervenção do Estado na esfera do trabalho
Em 2000, o Brasil apresentava um tecido social mais vulnerável, com 12,5% da
população brasileira vivendo em condição de extrema pobreza, maior desigualdade da renda
(Gini de 0,589 em 2002) e menor índice de desenvolvimento humano106, frente ao que se
observa em 2014, quando a população indigente cai para 3%, o Índice de Gini cai para 0,518 e
o IDHM sobe para 0,761, fruto de um conjunto articulado de ações que se dá tanto na esfera do
trabalho quanto na área social. No entanto, embora as políticas de emprego e renda tenham sido
direcionadas à redução das desigualdades sociais e à melhoria das condições de trabalho no
território nacional, os estados mais pobres, concentrados nas regiões Norte e Nordeste,
respondem positivamente, mas esbarram em barreiras estruturais mantidas pelas condições do
sistema de educação, pela estrutura produtiva e pela gestão pública local107. A educação, que
em grande medida influencia o tecido social, exerce um papel fundamental sobre os rumos que
uma sociedade pode tomar, à medida que os atores sociais se impõem politicamente e de forma
organizada na perspectiva de influenciar as agendas de governo de sua região e do país.
106 Índice calculado pela Organização das Nações Unidas com base em três variáveis: saúde/longevidade,
educação e renda. 107 Dois elementos são fundamentais a uma boa gestão pública: a) um povo ciente de seus direitos, com boa
capacidade de organização social e b) um gestor tecnicamente qualificado, capaz de escolher boa equipe de
apoio e capacidade de estabelecer um diálogo com a sociedade, à luz da democracia.
95
Tabela 3 - Coeficiente de Gini, anos selecionados, Brasil e Unidades Federativas.
Brasil e UFs
Coeficiente de Gini, anos selecionados
2002 2004 2006 2008 2009 2011 2012 2013 2014
Brasil 0,589 0,572 0,563 0,546 0,543 0,531 0,530 0,527 0,518
Acre 0,621 0,594 0,592 0,560 0,613 0,547 0,550 0,525 0,542
Alagoas 0,606 0,575 0,627 0,583 0,572 0,526 0,499 0,525 0,501
Amazonas 0,563 0,536 0,514 0,513 0,509 0,541 0,511 0,543 0,530
Amapá 0,549 0,542 0,475 0,456 0,519 0,519 0,537 0,522 0,470
Bahia 0,593 0,556 0,557 0,559 0,556 0,554 0,548 0,558 0,527
Ceará 0,591 0,577 0,548 0,540 0,545 0,539 0,527 0,514 0,506
Distrito Federal 0,629 0,629 0,607 0,621 0,624 0,608 0,587 0,578 0,582
Espírito Santo 0,580 0,549 0,537 0,521 0,532 0,497 0,497 0,494 0,492
Goiás 0,554 0,535 0,510 0,513 0,510 0,483 0,481 0,484 0,450
Maranhão 0,567 0,609 0,595 0,521 0,538 0,542 0,609 0,560 0,529
Minas Gerais 0,561 0,542 0,528 0,515 0,513 0,499 0,499 0,489 0,485
Mato G. do Sul 0,563 0,536 0,533 0,529 0,521 0,512 0,488 0,497 0,487
Mato Grosso 0,574 0,528 0,530 0,544 0,504 0,479 0,523 0,505 0,460
Pará 0,559 0,535 0,505 0,496 0,509 0,538 0,501 0,502 0,486
Paraíba 0,601 0,595 0,565 0,585 0,591 0,538 0,528 0,525 0,513
Pernambuco 0,609 0,607 0,582 0,565 0,553 0,527 0,507 0,502 0,507
Piauí 0,618 0,591 0,599 0,574 0,555 0,508 0,545 0,515 0,501
Paraná 0,540 0,548 0,519 0,500 0,497 0,471 0,483 0,469 0,453
Rio de Janeiro 0,549 0,550 0,555 0,540 0,542 0,533 0,530 0,532 0,525
Rio G. Norte 0,584 0,570 0,561 0,551 0,559 0,562 0,531 0,541 0,496
Rondônia 0,544 0,516 0,545 0,501 0,509 0,496 0,484 0,476 0,470
Roraima 0,561 0,583 0,564 0,542 0,521 0,524 0,540 0,531 0,502
Rio G. do Sul 0,548 0,528 0,515 0,504 0,500 0,486 0,477 0,478 0,476
Santa Catarina 0,471 0,461 0,465 0,465 0,460 0,444 0,424 0,435 0,421
Sergipe 0,556 0,561 0,560 0,539 0,576 0,560 0,542 0,560 0,485
São Paulo 0,555 0,528 0,525 0,498 0,489 0,485 0,493 0,494 0,493
Tocantins 0,559 0,551 0,522 0,544 0,523 0,523 0,526 0,519 0,515
Fonte: IPEADTA/ Social/Renda – desigualdade – Coeficiente de Gini. Elaboração própria.
A evolução do consumo, embora insuficiente para expressar a dimensão da política
de emprego e renda, enquanto parte da agenda de governo no período 2003-2014, revela os
efeitos do esforço do governo federal, assim como as limitações de tal política frente ao desafio
de redução das desigualdades sociais e econômicas no Brasil entre regiões, estados e indivíduos.
Para medir a evolução do consumo, foram utilizados os dados referentes ao consumo de
computadores com internet, máquina de lavar, geladeira e telefone (fixo e móvel). Para este
último, a variação entre 2003108 e 2014 corresponde a 50,89%, passando de 61,94% para
108 Alguns dados não estão disponíveis para o ano 2002, a exemplo do acesso a telefone e internet, por domicílio.
96
93,46% dos domicílios. Todavia, enquanto no Maranhão o percentual de domicílios com acesso
a telefone em 2014 correspondia a 77,65%, após uma variação de 152,52%, no Estado de São
Paulo correspondia a 97,12%, com uma variação de 26,21%, entre 2003 e 2014. O abismo que
separa o Estado do Maranhão do Estado de São Paulo é o mesmo que separa a região Sudeste
da região Nordeste.
A diferença da proporção de domicílios com acesso à máquina de lavar é ainda
maior, tanto em 2002 quanto em 2014. É importante ressaltar a influência da máquina de lavar
sobre o tempo disponível à dedicação ao trabalho remunerado para o gênero feminino.
Novamente, Maranhão apresenta a pior situação em 2002 com apenas 4,99% dos domicílios
com acesso à máquina de lavar, enquanto, nesse mesmo ano, o Estado de Santa Catarina (entes
federativos semelhantes em volume populacional) apresenta um percentual correspondente a
53,14%. Em 2014, os dois estados apresentam, respectivamente, percentuais de domicílios com
acesso à máquina de lavar de 20,19% e 84,80%, denunciando o abismo que os separa (Quadro
4 e Gráfico 5). Em números absolutos, em 2002, o Estado do Maranhão tem 69 mil domicílios
com máquina de lavar, enquanto Santa Catarina, 878 mil. Em 2014, Maranhão tem 387 mil,
com um acréscimo de 318 mil domicílios, enquanto Santa Catarina tem 2,02 milhões, com um
acréscimo de 1,14 milhão de domicílios. Portanto, em valores percentuais, Maranhão apresenta
uma variação mais expressiva (461% frente a 129,84% de Santa Catarina), mas em volume,
Santa Catarina apresenta um resultado que corresponde a 3,6 vezes o resultado de Maranhão.
O Estado do Piauí fica numa situação muito próxima à do Maranhão com
percentuais de 6,07% e 21,07% nos anos de 2002 e 2014. Santa Catarina apresentou uma
variação positiva de 59,6% na proporção de domicílios com acesso a máquina de lavar entre
2002 e 2014 enquanto Maranhão apresenta uma variação positiva de 304,6%, mostrando que
qualquer avanço sobre uma base de cálculo próxima de zero vai gerar um resultado pífio. Os
números revelam que o abismo que separa os dois mundos mantém-se elevado e essa
constatação não se resume ao consumo, estende-se a educação, esgotamento sanitário,
expectativa de vida, mortalidade infantil ou qualquer outro indicador.
97
Quadro 4 - Domicílios particulares permanentes com acesso a bens duráveis
selecionados, Brasil e UFs - 2002 e 2014.
Unidade Territorial
Geladeira (%) Máquina de lavar roupa
(%)
2002 2014 2002 2014
Brasil 86,63 97,56 33,89 58,68
Rondônia 90,81 97,90 13,58 39,72
Acre 87,49 90,57 12,37 20,51
Amazonas 88,38 88,82 34,92 54,00
Roraima 90,13 94,59 36,36 51,84
Pará 79,96 89,63 20,86 26,52
Amapá 86,89 94,10 54,40 40,38
Tocantins 66,96 96,95 8,24 31,91
Maranhão 63,48 94,60 4,99 20,19
Piauí 62,40 93,77 6,07 21,07
Ceará 67,83 95,69 7,53 33,21
Rio Grande do Norte 75,83 97,80 15,55 36,15
Paraíba 72,26 95,77 9,87 34,59
Pernambuco 72,35 97,02 12,45 36,58
Alagoas 64,55 95,42 7,18 29,17
Sergipe 77,02 96,20 11,02 32,27
Bahia 63,74 93,71 11,09 25,74
Minas Gerais 87,44 98,38 24,65 53,87
Espírito Santo 92,46 99,02 26,98 58,48
Rio de Janeiro 97,34 99,41 53,66 75,87
São Paulo 97,21 99,47 51,62 81,68
Paraná 93,31 99,16 41,77 72,74
Santa Catarina 97,35 99,33 53,14 84,80
Rio Grande do Sul 94,10 99,28 52,45 78,52
Mato Grosso do Sul 92,17 98,38 29,26 58,02
Mato Grosso 81,50 98,43 32,74 54,27
Goiás 89,08 98,59 16,62 60,96
Distrito Federal 96,11 99,22 45,62 78,46
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração da autora.
98
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração da autora.
Para domicílios com acesso a computadores e internet109, o fenômeno se repete. O
Estado do Piauí apresenta uma variação de 595,06%, entre 2003 e 2014, passando de 2,63%
para 18,28%, enquanto o Estado de São Paulo já apresentava, em 2003, um percentual de
domicílios com acesso a computador e internet superior ao Estado do Piauí em 2014, passando
de 19,05% para 57,28%, uma variação de 200,68% (Quadro 5 e Gráfico 6). Computador,
telefone e internet são importantes instrumentos para o desenvolvimento de atividades
econômicas assim como educacionais, à medida que possibilitam transmissão de dados em
109 Para esta variável, o IBGE/PNAD/Pesquisa Básica disponibiliza dados a partir de 2003.
0 50 100 150
Brasil
Rondônia
Acre
Amazonas
Roraima
Pará
Amapá
Tocantins
Maranhão
Piauí
Ceará
Rio Grande do Norte
Paraíba
Pernambuco
Alagoas
Sergipe
Bahia
Minas Gerais
Espírito Santo
Rio de Janeiro
São Paulo
Paraná
Santa Catarina
Rio Grande do Sul
Mato Grosso do Sul
Mato Grosso
Goiás
Distrito Federal
Gráfico 4 - Domicílios
particulares permanentes com
geladeira (%)
Geladeira 2014 Geladeira 2002
0 50 100
Brasil
Rondônia
Acre
Amazonas
Roraima
Pará
Amapá
Tocantins
Maranhão
Piauí
Ceará
Rio Grande do Norte
Paraíba
Pernambuco
Alagoas
Sergipe
Bahia
Minas Gerais
Espírito Santo
Rio de Janeiro
São Paulo
Paraná
Santa Catarina
Rio Grande do Sul
Mato Grosso do Sul
Mato Grosso
Goiás
Distrito Federal
Gráfico 5 - Domicílios
particulares permanentes com
máquina de lavar roupa (%)
Máquina de lavar roupa 2014
Máquina de lavar roupa 2002
99
tempo real e abrem portas de acesso à informação, configurando-se em importante ferramenta
competitiva em qualquer época ou espaço geográfico. A superposição de tantas privações
impostas aos estados mais pobres torna a nação brasileira um espaço marcado por desigualdades
de toda ordem e elevado grau de injustiça social. Todavia, tanto nos estados mais pobres quanto
nos mais ricos, a desigualdade econômica assim como a injustiça social estarão presentes, seja
pela apropriação patrimonial, seja pela apropriação da renda gerada a partir da atividade
produtiva.
Quadro 5 - Domicílios particulares com acesso a microcomputador e internet (%).
Brasil e Unidades da Federação
ANO
Variação 2003 2014
Brasil 11,42 42,09 309,89%
Rondônia 6,7 33,06 393,43%
Acre 8,24 24,74 200,24%
Amazonas 5,62 26,72 375,44%
Roraima 6,54 26,91 311,47%
Pará 4,57 16,78 267,18%
Amapá 4,23 24,75 485,11%
Tocantins 2,82 24,22 758,87%
Maranhão 2,97 15,67 427,61%
Piauí 2,63 18,28 595,06%
Ceará 4,2 25,49 506,90%
Rio Grande do Norte 5,28 32,31 511,93%
Paraíba 4,44 33,52 654,95%
Pernambuco 5,3 32,72 517,36%
Alagoas 4,34 25,56 488,94%
Sergipe 6,28 26,03 420,21%
Bahia 4,7 30,74 554,04%
Minas Gerais 8,59 42,2 391,27%
Espírito Santo 11,36 45,22 298,06%
Rio de Janeiro 15,99 50,76 217,45%
São Paulo 19,05 57,28 200,68%
Paraná 13,33 48,62 264,74%
Santa Catarina 15,08 50,04 231,83%
Rio Grande do Sul 11,92 47,05 294,71%
Mato Grosso do Sul 9,08 39,6 336,12%
Mato Grosso 8,08 36,33 349,63%
Goiás 6,93 37,35 438,96%
Distrito Federal 25,09 64,09 155,44%
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração da autora.
100
Gráfico 6 - Domicílios particulares com acesso a telefones fixo e móvel (%).
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração da autora.
Não se pode negar a relevância de uma política de valorização do trabalho associada
a uma política de proteção social como instrumento de redução das desigualdades sociais, mas
é certo que seu alcance é limitado como pode ser visto a partir de qualquer indicador
socioeconômico. É preciso mais que transferência direta de renda e valorização real do salário
mínimo para corrigir as distorções na distribuição de riqueza gerada no país em um modelo
capitalista orientado por uma meritocracia cega que ignora aspectos históricos e culturais de
um povo que, na oratória, condena a exploração do trabalho enquanto a pratica sem culpa por
não se enxergar explorador em suas relações habituais de empregado/empregador. Romper o
modelo que alimenta a condição de subdesenvolvimento da periferia do país exige-se sair da
superfície, no campo de ação da política pública, e empenhar esforços num complexo conjunto
articulado de ações estruturais que possibilitem a estados e municípios periféricos a inserção na
economia nacional em condição semelhante à que é dispensada aos entes que compõem o centro
dinâmico da economia nacional. No campo político, essa operação exige o enfrentamento em
defesa de um novo projeto de desenvolvimento e de novos critérios de alocação de recursos,
86,45
66,78
76,95
77,83
65,53
62,61
68,82
73,61
74,92
54
61,42
61,94
63,99
38,78
42,49
38,51
44,99
62,08
57,5
32,34
44,85
36,24
36,24
66,06
62,1
30,4
46,65
30,75
98,92
97,14
97,12
96,98
96,76
96,22
95,97
95,67
95,47
94,87
93,87
93,46
92,77
92,15
91,81
91,43
91,36
90,79
90,51
90,3
89,95
89,48
88,99
87,63
87,19
87,14
83,9
77,65
0 20 40 60 80 100 120
Distrito Federal
Mato Grosso do Sul
São Paulo
Rio Grande do Sul
Goiás
Espírito Santo
Paraná
Rio de Janeiro
Santa Catarina
Mato Grosso
Minas Gerais
Brasil
Rondônia
Tocantins
Rio Grande do Norte
Paraíba
Sergipe
Roraima
Amapá
Alagoas
Pernambuco
Ceará
Bahia
Acre
Amazonas
Piauí
Pará
Maranhão
2014 2003
101
sobretudo investimentos, suprindo as regiões mais pobres das condições ideais de produção e
inovação, de formação de mão de obra e de acesso a elementos essenciais como água, energia
e eficiente sistema de comunicação.
A partir do índice de desenvolvimento humano dos municípios (IDHM), indicador
que sintetiza a evolução dos indicadores saúde, educação e renda, percebe-se que o Brasil
avançou, passando de 0,612 para 0,761, entre 2000 e 2014, porém, mantendo o abismo que
separa a realidade dos estados pobres e ricos. Enquanto o IDHM 2014 da educação do Estado
de Sergipe correspondia a 0,591, o de São Paulo correspondia a 0,800, fenômeno que se repete
com os IDHM de longevidade e renda. O IDHM do Estado de Alagoas, após uma variação
positiva ao longo de 14 anos (passa de 0,47 para 0,67 entre 2000 e 2014, variação de 42,55%),
chega a 2014 com o IDHM que Santa Catarina já apresentava em 2000. Como todos os estados
avançaram, em 2014, o IDHM de Santa Catarina correspondia a 0,813, registrando uma
evolução positiva de 21,34% em relação a 2000. Comparando os estados ricos e pobres,
observa-se o mesmo fenômeno - entre os estados das regiões Sul e Sudeste, nenhum estado
apresentava em 2000 IDHM inferior a 0,62 enquanto, na região Nordeste, nenhum estado
apresentava IDHM superior a 0,55, embora alguns apresentassem um índice muito mais baixo,
a exemplo de Alagoas (0,47), Maranhão e Piauí (0,48).
As políticas públicas implantadas entre 2003 e 2014 permitiram que todos os
estados avançassem, havendo pouca alteração na classificação desses entes federativos, para
cada indicador. Enquanto os estados mais pobres conseguem, em 2014, alcançar a situação dos
estados mais bem posicionados em 2002, ou dela se aproximar, estes já deram outros passos à
frente, assegurando o abismo que os separa. Essa constatação não desqualifica tais políticas,
cujo esforço conseguiu acolher a grande maioria dos que viviam em condição de extrema
pobreza. Em 2002, Alagoas apresentava uma taxa de 47,28% da população de dez anos ou mais
de idade com rendimento mensal de até um salário mínimo. Em 2014, essa taxa sobe para
49,93%. Uma primeira leitura parece nos levar a crer que as coisas pioraram, mas a taxa da
população ocupada sem rendimento ou sem declaração caiu no mesmo período de 20,33% para
13,33%, revelando um avanço. Comparado com os entes federativos das regiões Sul e Sudeste,
tem-se um abismo; comparado com os demais da região Nordeste, tem-se um cluster da pobreza
(Quadro 3).
102
Tabela 4 - Índice de Desenvolvimento Humano, anos selecionados.
2014
IDHM
2014
IDHM
2010
IDHM
2000
Brasil e
Unidades
Federativas
IDHM
Educação
IDHM
Longevidade
IDHM
Renda
BRASIL 0,706 0,836 0,741 0,761 0,727 0,612
RO 0,667 0,766 0,711 0,715 0,69 0,54
AC 0,673 0,804 0,679 0,719 0,66 0,52
AM 0,666 0,774 0,688 0,709 0,67 0,52
RR 0,720 0,765 0,710 0,732 0,71 0,6
PA 0,592 0,779 0,654 0,675 0,65 0,52
AP 0,734 0,806 0,702 0,747 0,71 0,58
TO 0,698 0,797 0,701 0,732 0,7 0,53
MA 0,647 0,750 0,638 0,678 0,64 0,48
PI 0,612 0,761 0,661 0,678 0,65 0,48
CE 0,682 0,807 0,659 0,716 0,68 0,54
RN 0,640 0,837 0,674 0,717 0,68 0,55
PB 0,631 0,794 0,678 0,701 0,66 0,51
PE 0,651 0,801 0,674 0,709 0,67 0,54
AL 0,603 0,764 0,634 0,667 0,63 0,47
SE 0,591 0,786 0,665 0,681 0,67 0,52
BA 0,627 0,800 0,682 0,703 0,66 0,51
MG 0,707 0,862 0,738 0,769 0,73 0,62
ES 0,695 0,875 0,743 0,771 0,74 0,64
RJ 0,714 0,843 0,776 0,778 0,76 0,66
SP 0,800 0,875 0,783 0,819 0,78 0,7
PR 0,748 0,858 0,764 0,790 0,75 0,65
SC 0,765 0,890 0,783 0,813 0,77 0,67
RS 0,691 0,870 0,776 0,779 0,75 0,66
MS 0,688 0,833 0,764 0,762 0,73 0,61
MT 0,739 0,812 0,749 0,767 0,73 0,6
GO 0,697 0,814 0,739 0,750 0,74 0,62
DF 0,789 0,876 0,852 0,839 0,82 0,73
Fonte: Radar IDHM, IPEA/Fundação João Pinheiro/PNUD. Elaboração da autora.
http://www.atlasbrasil.org.br/2013/data/rawData/RadarIDHM_Analise.pdf.
103
Gráfico 7 - Índice de Desenvolvimento Humano, anos selecionados, Brasil e UFs.
Fonte: Radar IDHM, IPEA/Fundação João Pinheiro/PNUD. Elaboração da autora.
http://www.atlasbrasil.org.br/2013/data/rawData/RadarIDHM_Analise.pdf
0,715
0,719
0,709
0,732
0,675
0,747
0,732
0,678
0,678
0,716
0,717
0,701
0,709
0,667
0,681
0,703
0,769
0,771
0,778
0,819
0,79
0,813
0,779
0,762
0,767
0,75
0,839
0,69
0,66
0,67
0,71
0,65
0,71
0,7
0,64
0,65
0,68
0,68
0,66
0,67
0,63
0,67
0,66
0,73
0,74
0,76
0,78
0,75
0,77
0,75
0,73
0,73
0,74
0,82
0,54
0,52
0,52
0,6
0,52
0,58
0,53
0,48
0,48
0,54
0,55
0,51
0,54
0,47
0,52
0,51
0,62
0,64
0,66
0,7
0,65
0,67
0,66
0,61
0,6
0,62
0,73
0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9
RO
AC
AM
RR
PA
AP
TO
MA
PI
CE
RN
PB
PE
AL
SE
BA
MG
ES
RJ
SP
PR
SC
RS
MS
MT
GO
DF
IDHM
2000 2010 2014
104
II. Políticas Sociais
O segundo, porém, não menos importante campo de intervenção do Estado na
perspectiva de reduzir as desigualdades sociais e erradicar a extrema pobreza do mapa do Brasil,
no período 2003-2014, é o conjunto de políticas sociais que assumem uma posição prioritária
na agenda de governo, recebendo um incremento de recursos nas mais diversas áreas, como
será tratado a seguir. As políticas sociais, concebidas como políticas compensatórias frente às
distorções produzidas por um sistema de reprodução capitalista concentrador e excludente,
possui uma ampla área de interface com o universo do trabalho. Em tese, a proteção social se
destina a amparar os socialmente vulneráveis, especialmente, os inabilitados ao trabalho por
idade ou incapacidade física, além dos que, desafortunadamente, são vítimas do desemprego
involuntário ou estão inseridos no mercado em condições degradantes, a exemplo do trabalho
infantil ou trabalho análogo ao escravo. Neste campo, serão analisadas as quatro ações que
registraram maior impacto no período analisado: i) assistência social, ii) saúde, iii)
educação/cultura e iv) habitação, as duas primeiras ligadas à seguridade social110. A partir
dessas ações, e reconhecendo que a política de proteção social não se restringe a elas, cumpre-
se o propósito de mostrar que, embora imprescindíveis, não são suficientes para avançar na
redução das desigualdades sociais e regionais de forma mais efetiva, por longo prazo. A partir
de certo ponto, há um esgotamento porque a estrutura produtiva permanece espacialmente
inalterada e a estrutura do sistema de educação avança, porém, mantendo as mesmas
desigualdades entre os entes federativos, sem tirar dos estados mais ricos os diferenciais
competitivos que lhes asseguram melhor nível de renda e melhor condição de vida, o que pode
ser comprovado a partir do Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM).
A depender do desenho das políticas macroeconômicas, o modelo de
desenvolvimento implantado no país em determinado período, ainda que resulte em
crescimento econômico, não assegura melhor distribuição de renda nem redução da pobreza,
ao contrário, pode até aumentá-la. Isso pode ser constatado em diferentes períodos e países. No
Brasil, o período com taxas mais elevadas de crescimento (1968-1973) foi também o que
registrou maior concentração da riqueza, exclusão social e elevação da pobreza, contrapondo-
se ao período 2004-2008 e 2010-2014, onde o crescimento foi moderado, mas promoveu ainda
110 A previdência social é uma ação que, além de fazer parte da seguridade social, está ligada também à esfera do
trabalho, porém, não é foco deste trabalho, visto que o direito ao benefício está atrelado a uma legislação que não
foi alterada com vistas à redução das desigualdades sociais no período em tela. Desenvolvimento agrário
permaneceu com a mesma representação percentual (0,2% do PIB entre 2002 e 2014). Trabalho/renda refere-se a
seguro desemprego e abono salarial, o primeiro já tratado no item I.5 e o abono salarial não registrou nenhum
gasto excepcional no período em questão.
105
que moderadamente, um processo de desconcentração da riqueza e redução da pobreza e da
indigência. Esses fenômenos não são aleatórios, mas fruto de um projeto de governo que define
previamente suas metas, sob a influência de interesses conflitantes na arena política. No entanto,
só mudanças estruturais profundas são capazes de promover a redução das desigualdades
sociais a níveis suportáveis, criando um mercado mais dinâmico à medida que as unidades
federativas sejam inseridas no mercado nacional em condições mais competitivas, o que
significa dotá-las de infraestrutura logística e sistema educacional compatíveis com os que se
concentram no centro dinâmico da economia nacional. Desse modo, não importa se um estado
é grande ou pequeno em área ou população, importa se é dotado das condições necessárias para
assegurar à população local condições dignas de vida, o que se alcança com uma estrutura
produtiva capaz de ofertar ocupações no mercado de trabalho formal compatíveis com renda
que corresponda, no mínimo, a 90% da renda nacional. É preciso, sobretudo, corrigir as
distorções de renda por hora trabalhada entre as diversas categorias profissionais.
O capitalismo é um sistema de produção cujas engrenagens são engenhosamente
desenhadas para assegurar, prioritariamente, lucros extraordinários aos detentores de capital e,
secundariamente, à reprodução de mão de obra em conformidade com as necessidades do
próprio capital. Nessa lógica de reprodução, parte da mão de obra é descartada, ora por ser dada
como inabilitada ao processo de reprodução do capital, ora por se evidenciar excessiva e, neste
caso, assume o papel de estoque regulador de seu próprio preço (salários)111.
II.1 – Assistência Social
A assistência social é a primeira das quatro ações de maior impacto no campo das
políticas sociais, no período 2003-2014, a ser tratada neste ponto, com resultados importantes
positivamente correlacionados com a elevação do gasto social nesse período, a exemplo da
redução da extrema pobreza no país.
Antes, porém, vale ressaltar o histórico do aparato legal de proteção social no país.
A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) foi aprovada em 1993 e a primeira Política
Nacional de Assistência Social (PNAS) surge em 1998. Apesar de sua relevância, esse aparato
legal apresentava-se, ainda, insuficiente frente aos desafios enfrentados pelo país no campo
111 Ainda que o desemprego afete a dinâmica dos mercados em função da queda da massa salarial, aos donos do
capital não interessa nada que não esteja diretamente relacionado ao imediato ganho de produtividade e, nessa
perspectiva, boa parte do estoque de mão de obra é descartado pelo capital sob a lógica da reprodução capitalista.
O indivíduo é identificado como consumidor e/ou fator de produção e existe tão somente enquanto engrenagem
do circuito de valorização do capital (D-M-D’).
106
social, sobretudo, pela resistência política e cultural à sua efetividade112. Em 2004, surge a nova
PNAS113 que, efetivamente, incorpora a assistência social como direito universal e obrigação
do Estado. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS), por sua vez, foi aprovado e
normatizado pelo Conselho Nacional de Assistência Social somente em 15/07/2005. Acerca da
morosidade com que esse aparato legal vai se consolidando, com forte resistência à implantação
efetiva das políticas de proteção social nas agendas de governo, as assistentes sociais Berenice
Couto, Maria Yazbek e Maria Raichelis esclarecem:
As explicações para essa lentidão são encontradas no fato de que seu processo de
implantação vai ocorrer em uma conjuntura adversa e paradoxal, na qual se evidencia
a profunda incompatibilidade entre ajustes estruturais de economia e investimentos
sociais do Estado. Incompatibilidade esta legitimada pelo discurso e pela
sociabilidade engendrados no âmbito do ideário neoliberal, que reconhecendo o dever
moral do socorro aos pobres não reconhece seus direitos. (COUTO et al, 2014)
A Constituição de 1988 institui um aparato legal de proteção social, atribuindo ao
Estado a responsabilidade de regulamentação, execução e fiscalização, mas os avanços foram
tímidos visto que o neoliberalismo econômico ia se fortalecendo no país com seu ideário de
desestatização/privatização, flexibilização das relações de trabalho, desregulamentação dos
mercados e abertura comercial. Na década de 1990, a desigualdade de renda no Brasil (Gini =
0,60) era muito maior que a desigualdade média registrada nos países da OCDE (Gini = 0,26),
assim como a taxa de indigentes era uma das mais elevadas do mundo. Em 2014, mesmo
reduzindo a desigualdade de renda, o Índice de Gini correspondia a 0,518 e, portanto, muito
mais elevado que a média dos países da OCDE, com Gini de 0,34, apesar de a desigualdade de
renda ter se elevado nesses países. A redução das desigualdades de renda no Brasil é fruto de
políticas redistributivas que partem de uma base marcada pela desigualdade social, elevado
índice de pobreza e baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em um ambiente marcado
pela meritocracia, onde indivíduos de trajetórias distintas de vida entram nas disputas de
mercado em condições competitivas absolutamente desiguais, sob a égide do Estado Nacional.
A institucionalização efetiva da proteção social é percebida a partir da correlação
positiva entre determinadas categorias de gastos públicos e indicadores socioeconômicos, entre
2002 e 2014, com impactos positivos sobre crescimento econômico à medida que a
desconcentração da riqueza deu mais fluidez à circulação da renda pelos circuitos tradicionais
de valorização do capital: renda →produção →comercialização →renda acrescida de valor
adicionado. Todavia, o modelo alicerçado em transferência direta de renda e valorização do
112 Uma boa parte da sociedade brasileira é conivente com um sistema de produção que, apoiado no discurso da
meritocracia, explora negros (as), mulheres, jovens, crianças e pobres de qualquer gênero, idade ou religião. 113 A nova PNAS surge por meio da Resolução nº 145, publicada no DOU em 28/10/2004.
107
salário mínimo, para fins de redução das desigualdades sociais, tende a alcançar seu
esgotamento muito cedo, se estiver desvinculado da descentralização da produção entre
unidades federativas, que pode ser viabilizada por meio de instrumentos fiscais114 e/ou
monetários115.
No Brasil, esse modelo foi exitoso por pouco mais de uma década, com seu ponto
de inflexão entre 2014 e 2015116. Em 2002, o gasto com assistência social correspondia a R$
15,9 bilhões (a preços de 2015 pelo IPCA) enquanto as proporções de pessoas em condição de
pobreza e indigência correspondiam, respectivamente, a 27,9% e 12,48% da população
brasileira, sendo mais elevadas nos estados mais pobres. Em 2014, o gasto com assistência
social havia subido para R$ 95,8 bilhões (a preços de 2015/IPCA), enquanto os percentuais de
pobreza e indigência caíram para 8,10% e 3% da população brasileira, ainda que tenham se
mantido mais elevados nos estados mais pobres (Tabela 5 e Quadro 6). Não se trata, apenas, da
elevação de desembolso a título de transferência direta de renda a vulneráveis117, mas da
ampliação do número de beneficiários, com base em critérios definidos pelo próprio programa
de assistência social. É certo que a redução da extrema pobreza, assim como a elevação do
Índice de Desenvolvimento Humano não se explicam, apenas, pelos programas de assistência
social, mas por um conjunto de ações que, articuladas, potencializam o esforço do governo.
Entre as muitas ações é possível destacar: valorização do salário mínimo, elevação do número
de empregos com carteira assinada, programa de habitação popular, investimentos em educação
114 Embora o período 2003-2014 corresponda a um período de redução de desigualdades sociais, o Brasil foi
conduzido sob a ideologia neoliberal e com uma política fiscal regressiva, onde a soma dos impostos indiretos
ultrapassa a soma dos impostos diretos, sacrificando em maior grau os indivíduos de menor renda. Ignorou-se a
dívida de grandes corporações e de indivíduos detentores de grandes fortunas, assim como permaneceu engavetado
projeto de Lei que tributaria as grandes fortunas, comprometendo o projeto de distribuição efetiva da renda. O
governo avançou na alocação de recursos em gastos sociais, mas não avançou na modernização da infraestrutura
produtiva dos estados periféricos. O projeto de integração nacional é alicerçado na lógica da concentração e da
centralização, o que se reproduz no interior de cada região e de cada ente federativo. 115 O crescimento da financeirização da riqueza gerou uma demanda das grandes organizações multilaterais junto
às nações periféricas de elevação da rentabilidade do capital no circuito financeiro associado à desregulamentação
dos mercados, esta última, para elevar a mobilidade do capital entre nações. O fenômeno, ao mesmo tempo que
transferiu recursos da atividade produtiva para a especulação financeira, também elevou o custo de captação de
recursos no mercado financeiro para consumidores e pequenos empreendedores, desprovidos de capital próprio
para expansão dos investimentos. Essa elevação dos custos de produção, inevitavelmente, impacta sobre os preços
de bens e serviços, em outras palavras, sobre o índice de inflação, indicador de instabilidade econômica. 116 As causas apontadas para justificar a crise econômica que acomete o Brasil a partir de 2014 são muitas: a)
disputa política que resulta em boicote dos oposicionistas com o objetivo de fragilizar e destituir o governo; b)
incompreensão da população acerca dos instrumentos de distribuição de renda com uma campanha da mídia
monopolista de desqualificação dos beneficiários dos programas sociais, fazendo com que parte da sociedade se
sentisse subtraída a partir do pagamento de impostos; e c) vida útil muito curta do modelo. A transferência de
renda sem prévia contribuição deve ser um instrumento temporário programado para ir sendo reduzido
gradualmente enquanto medidas estruturais vão sendo encaminhadas na perspectiva de gerar autonomia na geração
de renda pelos beneficiários. 117 Idosos, portadores de deficiência e pessoas vivendo em condição de extrema pobreza.
108
e saúde públicas e expansão do crédito subsidiado, especialmente, aqueles direcionados à
agricultura familiar e aos empreendedores de pequeno porte.
Tabela 5 – Gastos do governo federal com assistência social, a preços de dezembro de
2015 (IGP-DI), R$ bilhão.
Fonte: SIAFI/SIDOR. Elaboração: Secretaria do Tesouro Nacional.
A fração do gasto social correspondente à assistência social incorpora três
benefícios: a) Programa Bolsa Família (PBF), destinado a famílias com renda familiar per capita
de até ¼ de salário mínimo, criado pela Lei 10.836/2004 com a finalidade de unificar os
benefícios preexistentes (bolsa alimentação, bolsa escola, bolsa renda e auxílio gás) e ampliar
o público alvo, respeitando-se condicionantes previstos em Lei118; b) Renda Mensal Vitalícia
(RMV), criado em 1974 pela Lei nº 6.179, elegendo como beneficiários idosos com mais de 70
anos e pessoas consideradas inválidas. O valor do benefício correspondia a ½ salário mínimo,
sendo alterado para um salário integral a partir da Constituição Federal de 1988. Foi extinto em
1996, o que justifica a redução do número de beneficiários a partir dessa data, conforme Tabela
6; c) Benefício de Prestação Continuada (BPC) a idosos e a portadores de deficiência, criado
em 1988 em substituição ao RMV. Para a categoria ‘idosos’, a idade de acesso ao benefício foi
alterada de 70 para 67 anos em 1998 e para 65 em 2000. Ao contrário do RMV, cuja liberação
estava condicionada a uma contribuição prévia de pelo menos 12 meses, o BPC não está
condicionado a nenhum tipo de contribuição.
118 Criança mantida na escola e com cartão de vacina atualizado.
109
Quadro 6 - Proporção de pobreza e extrema pobreza - Brasil e Unidades Federativas,
anos selecionados.
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano. Radar IDHM. Elaboração própria.
1 -Indigente - indivíduo com renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 70,00 mensais, em reais
de agosto de 2010.
2 - Pobre - indivíduo com renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 140,00 mensais, em reais de
agosto de 2010.
3 - Vulnerável à pobreza - indivíduo com renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 255,00
mensais, em reais de agosto de 2010, equivalente a 1/2 salário mínimo nessa data.
Tabela 6 - Número de beneficiários por programa social, Brasil – 2002 a 2014.
Fonte: Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Elaboração: Secretaria do Tesouro Nacional.
Indigente
(% )
Pobre
(% )
Vulnerável à
pobreza (% )
Indigente
(% )
Pobre
(% )
Vulnerável à
pobreza (% )
Indigente
(% ) Pobre (% )
Vulnerável à
pobreza (% )
BRASIL 3,01 8,10 22,09 6,62 15,20 32,56 12,48 27,90 48,39 75,88%
RO 3,01 7,19 22,73 6,39 14,80 33,33 12,60 29,81 53,65 76,11%
AC 6,19 17,72 40,69 15,59 29,46 50,97 22,99 44,02 65,28 73,08%
AM 4,33 14,12 36,30 16,43 30,78 51,78 27,13 48,50 68,38 84,04%
RR 2,57 8,23 26,82 15,66 26,65 45,72 16,53 33,56 53,97 84,45%
PA 4,59 16,73 40,15 15,90 32,33 55,99 22,89 46,92 69,77 79,95%
AP 1,15 6,54 26,39 9,93 24,07 45,22 17,40 38,13 59,32 93,39%
TO 4,54 12,01 30,06 10,21 22,15 44,71 22,28 45,18 68,45 79,62%
MA 9,98 24,18 49,39 22,47 39,53 63,58 37,21 62,78 81,41 73,18%
PI 6,24 16,63 37,56 18,77 34,11 58,13 32,51 57,28 77,60 80,81%
CE 6,31 17,26 40,70 14,69 30,32 54,85 28,11 51,75 73,43 77,55%
RN 4,66 13,60 35,54 10,33 23,79 47,70 21,54 44,89 68,29 78,37%
PB 5,81 12,95 36,43 13,39 28,93 53,65 25,17 49,61 72,39 76,92%
PE 5,75 15,01 36,25 12,32 27,17 51,86 22,30 45,27 67,83 74,22%
AL 8,69 20,27 47,91 16,66 34,29 59,76 31,95 56,80 76,24 72,80%
SE 3,27 13,14 37,58 11,70 27,89 52,13 24,52 48,84 70,77 86,66%
BA 5,08 15,23 36,67 13,79 28,72 52,71 25,68 49,72 71,25 80,22%
MG 2,23 5,71 18,25 3,49 10,97 28,85 9,05 24,64 48,17 75,36%
ES 1,59 5,44 18,22 2,67 9,53 26,82 7,04 22,81 46,40 77,41%
RJ 1,45 3,56 14,37 1,98 7,23 22,26 3,64 13,65 32,56 60,16%
SP 1,39 2,78 9,97 1,16 4,66 16,13 2,42 9,74 26,55 42,56%
PR 1,03 3,12 10,98 1,96 6,46 19,70 6,08 18,90 41,24 83,06%
SC 0,86 1,98 7,20 1,01 3,65 12,36 3,82 12,79 31,40 77,49%
RS 1,30 3,66 11,88 1,98 6,37 18,65 5,01 15,56 34,53 74,05%
MS 0,99 2,68 11,22 3,55 9,92 26,83 7,10 22,83 48,36 86,06%
MT 1,32 3,26 12,44 4,41 10,52 27,00 7,83 22,00 46,92 83,14%
GO 0,97 3,12 14,28 2,32 7,59 24,22 6,11 20,97 46,38 84,12%
DF 0,97 2,31 11,40 1,19 4,93 16,00 3,28 12,28 28,89 70,43%
Redução
indigência
2000-2014
2014 2010 2000
Brasil e
Ufs
110
Considerando a pobreza, em sua expressão mais degradante, como o principal
critério de inclusão ao grupo de beneficiários dos programas de assistência social e
confrontando a representação populacional ao percentual de benefícios por ente federativo
(Quadros 7 e 8; Tabela 7), percebe-se que as regiões Norte e Nordeste respondem pela
concentração da pobreza e, portanto, dos beneficiários de tais programas. Em 2014, a região
Nordeste respondia por 27,69% da população brasileira, porém, acolhia 36,32% dos
beneficiários do BPC (idoso e portadores de deficiência) e 50,7% do PBF. O inverso ocorre
com as regiões Sul e Sudeste. Para o mesmo período, esta última respondia por 41,98% do
contingente populacional, porém, com um percentual bem menor de beneficiários do Bolsa
Família (24,9%) e do BPC (34,54%). Renda média per capita, taxa de mortalidade infantil,
expectativa de vida ao nascer e IDHM dos entes federativos corroboram a assertiva de que
Norte e Nordeste representam o cluster da pobreza, vista não apenas como a privação de bens
materiais, mas como um fenômeno que vai além da fronteira renda/consumo.
Quadro 7 - Programa Bolsa Família, número de beneficiários e valor repassado (R$) a
preços correntes, anos selecionados, Brasil, Macrorregiões e UFs.
Fonte: MDS - DATASOCIAL.
BRASIL 6.571.839 5.278.447.260 10.965.810 7.524.661.322 12.370.915 12.454.702.501 13.902.155 21.156.744.695 14.003.441 27.185.773.070
CENTRO-
OESTE 292.405 210.485.856 596.620 351.932.212 676.500 607.858.297 775.260 1.105.385.355 754.626 1.355.191.487
DF 41.943 27.641.700 85.725 46.467.670 76.327 74.411.196 99.950 117.744.390 86.524 147.618.177
GO 135.758 95.619.564 259.524 149.106.549 305.949 271.603.489 348.375 503.670.231 336.606 594.530.349
MS 32.588 26.382.900 114.876 69.110.530 127.768 116.685.417 142.249 213.096.228 145.224 273.980.353
MT 82.116 60.841.692 136.495 87.247.463 166.456 145.158.195 184.686 270.874.506 186.272 339.062.608
NORDESTE 3.320.446 2.814.400.920 5.442.567 3.947.869.879 6.207.633 6.565.158.755 7.049.046 10.861.967.170 7.099.673 14.119.987.863
AL 214.726 183.207.624 339.921 237.778.776 395.459 418.051.447 436.270 684.449.448 439.655 871.525.795
BA 838.963 707.132.460 1.391.245 1.006.377.304 1.581.639 1.663.238.830 1.808.346 2.745.399.558 1.808.376 3.521.265.723
CE 572.730 487.414.092 882.220 650.956.446 947.720 1.008.130.971 1.107.009 1.682.212.386 1.089.813 2.119.762.800
MA 380.742 339.689.340 706.878 540.255.598 846.345 943.841.215 951.611 1.587.398.372 985.136 2.176.602.595
PB 273.135 230.916.912 406.904 300.484.368 444.729 477.101.969 506.234 773.695.346 524.967 1.061.078.037
PE 518.956 425.736.456 860.546 599.409.419 1.035.989 1.062.895.529 1.151.313 1.726.095.580 1.150.879 2.170.581.340
PI 217.931 189.333.588 366.906 266.100.304 413.867 433.021.424 455.182 711.762.091 456.811 989.951.719
RN 190.116 155.009.304 298.643 207.027.636 321.710 330.812.114 364.751 543.066.280 362.805 693.426.312
SE 113.147 95.961.144 189.304 139.480.028 220.175 228.065.256 268.330 407.888.109 281.231 515.793.542
NORTE 527.652 453.097.644 1.023.507 733.822.941 1.285.567 1.421.170.210 1.574.868 2.677.469.556 1.681.599 3.667.272.281
AC 28.851 24.992.160 53.404 38.578.165 62.600 70.480.788 70.769 131.235.840 78.561 211.925.970
AM 104.135 93.432.432 204.075 153.300.149 263.064 297.805.814 332.516 592.418.676 358.516 838.601.829
AP 10.256 8.850.024 26.244 14.875.734 44.678 52.577.974 53.417 97.187.278 55.527 125.784.926
PA 259.641 225.555.960 506.444 370.230.625 635.204 714.241.108 813.367 1.374.529.852 887.426 1.896.876.455
RO 54.942 42.455.568 94.953 64.203.055 116.211 117.490.447 117.806 181.188.534 114.170 209.845.340
RR 14.522 12.171.216 31.850 21.979.343 41.201 48.064.116 47.303 82.008.674 48.104 102.869.912
TO 55.305 45.640.284 106.537 70.655.870 122.609 120.509.963 139.690 218.900.702 139.295 281.367.849
SUDESTE 1.730.675 1.295.633.256 2.875.677 1.818.026.956 3.105.229 2.899.757.730 3.442.625 4.982.671.123 3.487.940 6.303.930.502
ES 120.911 90.006.864 191.421 121.944.133 190.428 180.269.180 201.274 287.678.836 190.049 333.780.708
MG 756.335 577.789.944 1.128.261 752.171.755 1.117.946 1.046.437.741 1.197.240 1.748.030.913 1.143.020 2.086.248.180
RJ 196.330 151.994.700 441.667 270.666.179 658.726 617.267.928 789.827 1.161.814.934 827.847 1.549.211.891
SP 657.099 475.841.748 1.114.328 673.244.889 1.138.129 1.055.782.881 1.254.284 1.785.146.440 1.327.024 2.334.689.723
SUL 700.661 504.829.584 1.027.439 673.009.334 1.095.986 960.757.509 1.060.356 1.529.251.491 979.603 1.739.390.937
PR 308.754 216.515.232 452.172 289.350.049 482.335 404.945.234 449.794 634.769.161 406.918 697.085.779
RS 290.660 214.056.648 436.169 290.873.006 462.966 425.434.593 463.519 680.500.672 434.715 793.687.488
SC 101.247 74.257.704 139.098 92.786.279 150.685 130.377.682 147.043 213.981.658,00 137.970 248.617.670
Unidade
Territorial
Quantidade
de
Beneficiários
Valor
repassado
Quantidade
de
Beneficiários
Valor
repassado
Quantidade
de
Beneficiários
Valor
repassado
Quantidade
de
Beneficiários
Valor
repassado
Quantidade
de
Beneficiários
2004 2006 2009 2012 2014
Valor
repassado
111
A pobreza agrega estigmas, preconceitos, ausência de oportunidades efetivas de
mobilidade social, além de outros elementos que se encontram no campo da subjetividade.
Ultrapassar essa fronteira requer mais que uma simples transferência de renda, requer o
reconhecimento de valores culturais e inclusão política, abrindo espaço ao diálogo e à inclusão
de suas demandas nas agendas de governo. A superação do elevado grau de desigualdade social
com o qual o país convive, hoje, exige a manutenção das políticas sociais como forma de
assegurar a universalização dos direitos fundamentais; a restauração dos direitos trabalhistas
conquistados até a década de 1980 e da política de valorização do salário mínimo; e a inclusão
de: a) reforma do sistema tributário; b) padronização do sistema de educação pública em todo
o território nacional, tomando como referência as escolas de melhor infraestrutura e melhores
resultados; e c) incentivos à desconcentração da estrutura produtiva do país, inserindo os
estados periféricos na economia nacional em melhores condições de competição de mercado.
Quadro 8 - Benefício de Prestação Continuada, por tipo de benefício e por região,
quantidade de beneficiários e valor repassado, anos selecionados.
Fonte: MDS/DATASOCIAL, http://aplicacoes.mds.gov.br. Elaboração da autora.
Por sua complexidade, a pobreza impõe aos gestores públicos o desafio de construir
um modelo de desenvolvimento que ultrapasse o olhar superficial sobre fome ou ausência de
moradia, uma vez que esse fenômeno se manifesta de diferentes formas, incluindo as dimensões
cultural, política, econômica e social. É preciso compreender que a pobreza se manifesta de
diferentes formas de norte a sul do país, uma vez que a pobreza do Estado de Santa Catarina
não guarda muita semelhança com a pobreza do Piauí, do Maranhão ou de Alagoas, dadas as
condições a que um grupo e outro são submetidos. O desafio de se estreitar o abismo que separa
esses dois mundos impõe ultrapassar a fronteira da assistência social e dotar os estados
Unidade Territorial
Quantidade de
beneficiários do
BPC Idosos
Valor total
repassado para o
BPC Idosos (R$)
Quantidade de
beneficiários do
BPC Pessoas com
deficiência
Valor total
repassado para o
BPC Pessoas com
deficiência (R$)
Somatório
beneficiários
BPC
Participação
macrorregiões
nº beneficiários
Somatório valor
BPC
Participação
macrorregiõ
es Valor
(R$)
CENTRO-OESTE 150.395 493.687.752,81 110.568 367.475.443,48 260.963 11,46% 861.163.196,29 11,45%
NORDESTE 337.309 1.097.740.781,35 412.081 1.386.533.349,41 749.390 32,91% 2.484.274.130,76 33,02%
NORTE 113.279 368.403.974,47 139.982 467.950.269,62 253.261 11,12% 836.354.244,09 11,12%
SUDESTE 330.230 1.069.962.559,97 397.693 1.331.566.259,31 727.923 31,96% 2.401.528.819,28 31,92%
SUL 134.391 439.971.646,03 151.437 500.569.407,45 285.828 12,55% 940.541.053,48 12,50%
Brasil 1.065.604 3.469.766.714,63 1.211.761 4.054.094.729,27 2.277.365 100,00% 7.523.861.443,90 100,00%
2005
Unidade Territorial
Quantidade de
beneficiários do
BPC Idosos
Valor total
repassado para o
BPC Idosos (R$)
Quantidade de
beneficiários do
BPC Pessoas com
deficiência
Valor total
repassado para o
BPC Pessoas com
deficiência (R$)
Somatório
beneficiários
BPC
Participação
macrorregiõe
s nº
beneficiários
Somatório valor
BPC
Participação
macrorregiõ
es Valor
(R$)
CENTRO-OESTE 171.331 1.484.498.461,58 176.113 1.496.993.375,37 347.444 8,41% 2.981.491.836,95 8,48%
NORDESTE 602.813 5.156.137.697,38 897.452 7.584.917.704,05 1.500.265 36,32% 12.741.055.401,43 36,26%
NORTE 179.413 1.535.766.690,38 234.232 1.984.277.053,78 413.645 10,01% 3.520.043.744,16 10,02%
SUDESTE 739.173 6.318.846.555,29 687.336 5.807.857.582,74 1.426.509 34,54% 12.126.704.138,03 34,51%
SUL 183.880 1.575.992.869,26 258.689 2.196.141.420,69 442.569 10,71% 3.772.134.289,95 10,73%
Brasil 1.876.610 16.071.242.273,89 2.253.822 19.070.187.136,63 4.130.432 100,00% 35.141.429.410,52 100,00%
2014
112
periféricos de melhores condições de geração de emprego e renda, sob o amparo da legislação
trabalhista. Os indicadores socioeconômicos denunciam os limites de alcance de políticas
públicas focadas na transferência direta de renda, ainda que se reconheça a relevância dessas
políticas frente à urgência de superar a fome. O que é imprescindível pode não ser suficiente
para assegurar o desenvolvimento de longo prazo. E é disso que estamos falando.
Tabela 7 - População residente no Brasil, Grandes Regiões e UFs, anos selecionados
(Mil pessoas).
Unidade
Territorial
Ano x Situação do domicílio Total
2002
(%)
Total
2014
(%)
Regiões
2014
2002 2014
Total Urbana Rural Total Urbana Rural
Brasil 175077 147280 27797 203191 172827 30364
Rondônia 973 973 - 1753 1338 415 0,56% 0,86%
Acre 418 418 - 793 588 205 0,24% 0,39%
Amazonas 2312 2312 - 3889 3253 635 1,32% 1,91% Norte
Roraima 282 282 - 500 416 84 0,16% 0,25% 8,51%
Pará 4470 4470 - 8093 5671 2422 2,55% 3,98%
Amapá 485 485 - 755 677 78 0,28% 0,37%
Tocantins 1243 904 338 1501 1179 322 0,71% 0,74%
Maranhão 5990 3974 2016 6858 4058 2800 3,42% 3,38%
Piauí 2955 1800 1155 3197 2159 1038 1,69% 1,57%
Ceará 7858 5929 1930 8862 6516 2346 4,49% 4,36%
Rio Grande do Norte 2942 2197 745 3417 2613 804 1,68% 1,68%
Paraíba 3551 2604 948 3948 3222 726 2,03% 1,94% Nordeste
Pernambuco 8328 6283 2045 9292 7533 1760 4,76% 4,57% 27,69%
Alagoas 2986 2024 963 3326 2384 942 1,71% 1,64%
Sergipe 1897 1543 353 2225 1600 626 1,08% 1,10%
Bahia 13841 9221 4621 15144 11375 3768 7,91% 7,45%
Minas Gerais 18673 15758 2915 20767 17560 3207 10,67% 10,22%
Espírito Santo 3308 2698 610 3894 3289 605 1,89% 1,92% Sudeste
Rio de Janeiro 15132 14623 509 16490 16048 442 8,64% 8,12% 41,98%
São Paulo 38957 36715 2242 44140 42624 1516 22,25% 21,72%
Paraná 9930 8255 1675 11105 9715 1390 5,67% 5,47%
Santa Catarina 5646 4559 1088 6747 5675 1072 3,22% 3,32% Sul
Rio Grande do Sul 10479 8408 2071 11225 9539 1685 5,99% 5,52% 14,31%
Mato Grosso do Sul 2209 1912 297 2628 2344 283 1,26% 1,29%
Mato Grosso 2675 2128 547 3233 2677 556 1,53% 1,59% C.Oeste
Goiás 5338 4710 627 6544 6036 508 3,05% 3,22% 7,51%
Distrito Federal 2198 2096 102 2863 2736 127 1,26% 1,41%
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.
113
A elevação do gasto federal com assistência social teve um aumento em valores
reais, a preços de 2015 (IPCA), de 502,52% entre 2002 e 2014119, assumindo um papel
fundamental na retirada de 75,88% de pessoas que viviam abaixo da linha de pobreza, conforme
Tabela 5 e Quadro 6. De 2004 a 2014, o quantitativo de beneficiários do PBF teve um
crescimento de 113,08%; de 2002 a 2014, o BPC para portadores de deficiência elevou o
número de beneficiários em 133% e o BPC idoso em 221%. Tais benefícios, somados aos
benefícios previdenciários, totalizam um volume de renda imprescindível à dinâmica de
municípios desprovidos de estrutura produtiva diversificada e bem articulada com outros
municípios, que gere ocupações no mercado formal compatíveis com salários elevados120. No
Estado de Alagoas, onde quase 70% da população ocupada com 10 anos ou mais de idade aufere
rendimento de até dois salários mínimos, em 2014, a soma desses três benefícios (previdência,
BPC e PBF) era muito próxima à execução orçamentária do Estado, incluindo receita fiscal
diretamente arrecadada e fundo de participação dos estados (FPE)121.
Na comparação entre entes federativos, observa-se que alguns possuíam, em 2014,
uma taxa de indigência superior à taxa de indigência dos estados mais ricos no ano 2000, a
exemplo de Maranhão e Santa Catarina. Em 2000, Maranhão apresentava uma taxa de
indigentes de 37,21% da população, enquanto o Estado de Santa Catarina apresentava uma taxa
de 3,82%. Passados quatorze anos (2014), após grande esforço a partir de um conjunto
articulado de ações no campo do trabalho, na assistência social, na saúde e na educação, é
constatado êxito em todos os estados, mantendo quase a mesma classificação, conforme Quadro
6: Maranhão havia reduzido em 73,18% a taxa de indigência, passando de 37,21% para 9,98%,
enquanto o Estado de Santa Catarina havia reduzido em 77,49%, passando de 3,82% para
0,86%. Por ordem decrescente, os quatro estados com maior taxa de indigentes, em 2014, eram:
Maranhão, Alagoas, Ceará e Piauí.
Embora o país consiga reduzir a extrema pobreza, a proporção de pobres no
Maranhão correspondia a 9,74 vezes a proporção de pobres em Santa Catarina no ano 2000 e a
11,6 vezes em 2014, demonstrando uma capacidade de resposta mais exitosa do Estado mais
rico para essa variável, nesse intervalo de tempo. E mesmo para os estados ricos que obtiveram
resultados menos expressivos no ranking nacional, continuam bem posicionados visto que
119 O PBF (Programa Bolsa Família) começa a partir de 2004 (Tabela 5). Em 2002 e 2003, os valores disponíveis
referiam-se apenas a BPC e RMV. 120 Aqui consideradas as ocupações com rendimento mensal acima de cinco salários mínimos. 121 A execução orçamentária de Alagoas em 2014 correspondeu a R$ 8,15 bilhões dos quais 8,39% se destinaram
a amortização e serviços da dívida do Estado.
114
assim já estavam no ano 2000, a exemplo de Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul. Em
2010122, 32 dos 5.565 municípios apresentavam IDHM muito baixo e estavam todos localizados
nas regiões Norte e Nordeste, com IDHM entre 0,418 (Melgaço – PA) e 0,499 (Assunção do
Piauí – PI). Os 39 municípios com IDHM muito alto, excluindo o Distrito Federal (9ª posição
com IDHM igual a 0,824), estão localizados nas regiões Sul e Sudeste, concentrados nos
estados de São Paulo e Santa Catarina, com variação entre 0,800 (Concórdia – SC) e 0,862 (São
Caetano do Sul – SP)123. Essas desigualdades existem também no interior de cada estado e de
cada município, sobretudo, quando se confrontam população urbana e população rural.
Desigualdade social está presente em qualquer sistema de governo e em qualquer
espaço geopolítico, mas a pobreza que afronta a dignidade humana só é mantida quando o
Estado se mostra incapaz de enfrentar o sistema concentrador de riqueza, de modo a assegurar
às camadas mais pobres o acesso a bens e serviços essenciais à vida. O desafio que está posto
para a superação da extrema pobreza é identificar os meios de diluir parte da riqueza
concentrada, assim como fazer sua justa distribuição. Enquanto alvo do processo de
distribuição, a riqueza patrimonial é passível de tributação e, no caso de terras improdutivas, de
desapropriação para fins de reforma agrária. A desapropriação de terras improdutivas e de
propriedades cujos proprietários sejam flagrados fazendo uso de trabalho análogo ao escravo já
é previsto em lei, porém, a relação estabelecida entre poder econômico e poder político leva ao
descumprimento da lei. Fazer o enfrentamento à concentração da riqueza enquanto foco da
desigualdade compatível com elevados níveis de pobreza e extrema pobreza requer do Estado
a decisão política de fazer cumprir a lei seguida da implementação de um conjunto de ações
que tenha a redução das desigualdades como ponto de convergência. A esse respeito, Celso
Furtado sugere:
Para participar da distribuição da renda social é necessário estar habilitado por títulos
de propriedade e/ou pela inserção qualificada no sistema produtivo. O que está
bloqueado em certas sociedades é o processo de habilitação. Isso é evidente com
respeito a populações rurais sem acesso à terra para trabalhar ou devendo pagar rendas
escorchantes para ter esse acesso. O mesmo se pode dizer das populações urbanas que
não estão habilitadas para ter acesso à moradia. (...) A pobreza em massa,
característica do subdesenvolvimento, tem com frequência origem numa situação de
privação original do acesso à terra e à moradia. Essa situação estrutural não encontra
solução através dos mecanismos dos mercados. (FURTADO, 1992)
122 A última publicação do IDHM disponibilizado pelo Atlas de Desenvolvimento Humano para os municípios é
de 2010. 123 Fonte: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/ranking. Acesso em 20/05/2017.
115
II.2 – Saúde
No campo das políticas sociais, a saúde é a segunda área abordada neste trabalho,
ressaltando-se a evolução do gasto federal no setor, assim como os resultados alcançados.
Desde a promulgação da Constituição Federal (1988), a saúde pública integra a seguridade
social juntamente com previdência e assistência social, cujas fontes de recursos estão previstas
em lei. O Tribunal de Contas da União (TCU), em documento intitulado “Fontes de
financiamento da saúde pública no Brasil” (07/05/2013)124, revela que o gasto do país com
saúde (público e privado) correspondia, em 2007, a 8,4% do PIB, porém, do gasto total per
capita, apenas 41,6% correspondia a gasto público e 58,4% ao gasto privado. No Reino Unido,
o gasto público correspondia a 81,7% do gasto per capita com saúde, em Cuba correspondia a
95% e no Canadá a 70%. Acerca da proporção observada no Brasil entre gasto público e gasto
privado, vale ressaltar que os quase 59% do gasto per capita privado com saúde destina-se a
atender menos de 25% da população, enquanto os 41,6% restantes (público) destinam-se a mais
de 75% da população. Ainda, segundo o TCU, desses 41,6% do gasto público, mais de 50%
dos serviços prestados à rede pública de saúde são executados por agentes privados,
demonstrando o elevado grau de mercantilização da saúde no país.
Nas economias capitalistas, em alguns períodos de governo, dificilmente, políticas
destinadas exclusivamente às camadas mais pobres ganham prioridade no orçamento fiscal. Na
melhor das hipóteses, entram secundariamente, a fim de assegurar estabilidade ao sistema e às
engrenagens dos circuitos de valorização do capital. Muitas conquistas, no âmbito dos direitos
sociais, ocorrem a partir do protagonismo de representações de classe, apesar do baixo grau de
sindicalização, cuja adesão fica abaixo de 20% da classe trabalhadora125, dificultando a atuação
dos movimentos sindicais126. Os direitos sociais, seja pela insuficiência da oferta ou da
qualidade, vêm ampliando as oportunidades de atuação do setor privado, o que se traduz no
avanço de sua mercantilização.
124Fonte: http://arquivos.sbn.org.br/pdf/tcu_saude.pdf, acesso em 02/06/2017. 125 Há muitos países com um nível menor de sindicalização, mas, na Dinamarca, o percentual em 2015
correspondia a 67% e, no Canadá, 27%. 126 As ameaças de extinção a direitos trabalhistas anunciadas junto com as investidas de impeachment ao governo
Dilma levam ao crescimento do número de sindicalizados no país, apesar da elevação da taxa de desemprego
registrada no mesmo período. Entre 2014 e 2015, o percentual de sindicalização passa de 16,9% para 19,5% da
classe trabalhadora, mas vale ressaltar que esse percentual é sobre trabalhadores inseridos no mercado com e sem
carteira de trabalho assinada. São 18,4 milhões de trabalhadores sindicalizados no país. E dos 94 milhões de
trabalhadores, apenas 48 milhões estavam inseridos no mercado de trabalho formal, em 2015 (MTE/RAIS 2015).
116
Apesar das desvantagens da classe trabalhadora na arena política, as leis de proteção
à saúde, com suas fragilidades e limitações de alcance, foram elaboradas e sancionadas,
conforme segue: a) Lei 1.920 de 25, de julho de 1953, que cria o Ministério da Saúde127 cuja
função é elaborar políticas públicas voltadas à promoção, prevenção e assistência à saúde; b)
Lei 2.312, de 03 de setembro de 1954 que, em seu primeiro artigo, estabelece ser dever do
Estado defender e proteger a saúde do indivíduo, dividindo essa responsabilidade com as
famílias; c) Lei 6.229, de 17 de julho de 1975, dispõe sobre a organização do Sistema Nacional
de Saúde, reconhecendo o setor privado como um agente de promoção da saúde; d) as duas
últimas foram revogadas e substituídas pela Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990 (Lei Orgânica
da Saúde), logo após a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) inscrito na Constituição
Federal de 1988 que define o acesso à saúde pública como um direito universal e igualitário.
Em suas disposições gerais, a Lei Orgânica da Saúde define como dever do Estado garantir a
saúde através da formulação de políticas públicas econômicas e sociais que visem à redução de
riscos de doenças e de outros agravos.
Saúde, educação e previdência são importantes reservas de mercado para
valorização do capital, cujos donos entram nessa disputa com a voracidade de um predador
faminto por rentabilidade. Do outro lado, os defensores de uma agenda de proteção social,
desprovidos do apoio do Estado128, lançam-se numa batalha de vida ou morte na perspectiva de
convocar a sociedade a participar da luta em prol da preservação dos direitos sociais. O
resultado dessa batalha é que, ao longo da década de 1990, o grau de mercantilização de direitos
sociais cresceu a olhos vistos no país e, à medida que avançou, parte do orçamento que deveria
estar vinculado à saúde foi sendo desviado para cumprir o circuito de valorização do capital,
com pagamento de juros ou contratação de empresas privadas para prestação de serviços ao
setor público através de contratos de terceirização. Em 1994 foi criado o Fundo Social de
Emergência com o objetivo de desvincular do orçamento da seguridade social (saúde,
assistência social e previdência social) 20% da arrecadação de CONFINS, PIS/PASEP, CSLL
e a extinta CPMF, transformando esse percentual em receita discricionária da União,
direcionada à área econômica, particularmente, ao pagamento dos encargos da dívida pública.
127 A saúde é desvinculada do Ministério da Educação e Saúde, passando a ter mais autonomia na gestão de
recursos destinados à saúde. 128 No neoliberalismo, o Estado foi cooptado pelos donos do capital que, ao contrário dos capitalistas liberais, já
não concordam com a premissa de que os mercados se autorregulam. No neoliberalismo, os donos do capital
precisam que o Estado defenda mais que a propriedade privada, precisam que lhes assegure reservas de mercado
onde o Estado sempre atuou e que se mostra como potencial circuito de valorização do capital. Em contrapartida,
os mesmos senhores financiam a recondução dos parasitas parlamentares ao poder com o pacto de que estes
defendam seus interesses.
117
A seguridade social foi criada pela Constituição Federal de 1988 e essa desvinculação de receita
da União (DRU) é justificada sob o argumento de assegurar o equilíbrio fiscal do governo
federal. E o que deveria ser provisório tornou-se permanente e seu percentual foi elevado de
20% para 30%, em junho/2016.
Assegurar a todos, em conformidade com a Carta Magna (CF 1988)129, o direito à
saúde, em condições dignas e sem distinção entre os cidadãos, independente de classe social ou
condição de domicílio, diminuiria entre os entes federativos as diferenças de taxa de
mortalidade infantil e expectativa de vida ao nascer, com reflexos sobre a qualidade de vida dos
que, desafortunadamente, nasceram e residem em estados mais pobres, fora das regiões
metropolitanas ou na área rural. Na prática, o acesso à saúde é restrito, seja pelo volume
insuficiente do serviço ofertado, pela estrutura inadequada dos postos de atendimento ou por
sua ausência. Como consequência, os estratos mais ricos gozam de melhor estado de saúde,
dadas as condições de acesso a um plano privado, além do acesso à estrutura do SUS (vacinas,
cirurgias de alta complexidade não cobertas por planos privados de alcance limitado,
distribuição de medicamentos para tratamentos de quimioterapia e outras patologias graves) e
a condições de vida mais confortáveis (alimentação, habitação e tudo o que uma renda mais
elevada pode proporcionar).
O atendimento na área de saúde exige uma estrutura complexa, com estrutura física
adequada, equipamentos de baixa, média e alta complexidade, medicamentos desde analgésicos
a coquetéis mais elaborados e, acima de tudo, equipes com capacitações distintas para
demandas diárias que vão desde uma simples vacina até transplante de órgãos. Com uma
população superior a 200 milhões de pessoas, apenas 50 milhões, aproximadamente, têm acesso
a planos privados de saúde. Com uma demanda superior a 150 milhões de usuários, o Estado é
requerido a aportar recursos em volume suficiente para atender ¾ da população com vacinação,
atendimento ambulatorial, hospitalar e emergencial, atendimento odontológico, exames
laboratoriais e de alta complexidade, medicamentos e medicina preventiva com agentes de
saúde. De 2002 a 2014, o gasto social federal com saúde cresceu 117%, passando de R$ 60,6
bilhões para R$ 130,2 bilhões a preços de 2015 (IPCA), incluindo os gastos tributários, como
dedução de imposto de renda, isenção tributária a instituições sem fins lucrativos e
medicamentos (Tabela 6).
129 A Constituição Federal de 1988 determina em seu Artigo 196 que “a saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
118
Em 2012, o gasto público per capita anual do país com saúde foi de R$ 903,52130
(Tabela 8), elevado, se comparado a China e Índia, porém, muito baixo se comparado a países
de primeiro mundo. Tomando como referência o custo anual dos planos privados de saúde,
percebe-se que o aporte de recursos para a saúde pública é, sem sombra de dúvida, insuficiente
para assegurar um atendimento adequado a todos que dele precisam131. O mais grave não é o
que os números agregados revelam, mas a crueldade que eles escondem. Em um país de
dimensão continental, com 27 unidades territoriais, o acesso ao sistema público de saúde não é
igual para todos, visto que muitos sequer têm acesso a uma unidade de atendimento,
particularmente, nos municípios e estados mais pobres. A estrutura dos centros mais
desenvolvidos em nada se compara com a de municípios nanicos no interior do país. Essa
distinção se repete no interior de cada unidade federativa, entre área rural e área urbana, entre
a região metropolitana da capital e os demais municípios, tanto na estrutura de atendimento
como na qualidade técnica das equipes recrutadas. As diferenças nos indicadores finais só serão
superadas quando as diferenças estruturais forem equalizadas.
Não é preciso muito esforço para compreender que pessoas mais pobres submetidas
a condições de vida mais árduas e a severas restrições alimentares, dadas as restrições
orçamentárias, recorrem mais cedo e com mais frequência a atendimento de saúde já em estágio
de elevada gravidade. A medicina preventiva é mais acessível a indivíduos dotados de melhor
grau de escolaridade, renda mais elevada e acesso a plano privado de saúde. Sem um tratamento
diferenciado do Estado Nacional que compense as carências de saúde, saneamento, educação e
habitação dos entes federativos mais pobres, essas desigualdades serão apenas mascaradas com
os programas de transferência direta de renda. A pobreza tem origem estrutural e só pode ser
superada ou minimizada por meio de ações estruturais que possibilitem aos indivíduos
submetidos à condição de indigência a geração de renda de forma autônoma, sem a dependência
de políticas compensatórias, colocadas em risco a cada mudança de governo. Um projeto
nacional de desenvolvimento não pode ignorar o abismo que separa os dois mundos e suprir as
carências dos estados mais pobres que, sozinhos, jamais conseguirão superar seus obstáculos
estruturais.
130 Para o mesmo ano, somando o gasto público ao gasto privado per capita, o Brasil assume a 42ª posição no
ranking internacional, com valor de US$ 1.056,47 (gasto público + gasto privado). O país com a 1ª posição é a
Noruega com US$ 9.055,35 de gasto per capita. Fonte: http://www.deepask.com.br/goes?page=Veja-ranking-de-
paises-pelo-gasto-per-capita-com-saude. Acesso em 28/05/2015. Para 30/dez/2012, a cotação do dólar
correspondia a R$ 2,04, segundo banco de dados do Banco Central do Brasil. 131 Vale ressaltar que a qualidade dos serviços de saúde é agravada pela insuficiência da quantidade de
procedimentos disponíveis.
119
Com uma estrutura complexa atrelada a investimentos e riscos elevados, o grau de
cobertura dos planos privados de saúde alcança menos de 25% da população, segundo dados
do Datasus132 (Tabela 8). No entanto, desagregando os dados, observa-se que os estados da
região Nordeste possuem um grau de cobertura infinitamente menor, assim como o gasto
público anual per capita. A título de ilustração, o grau de cobertura por planos privados de saúde
da região Nordeste, em 2012, oscilou entre 6,49% (Maranhão) e 15,43% (Rio Grande do Norte)
da população enquanto na região Sudeste a oscilação ficou entre 26,76% (Minas Gerais) e
44,41% (São Paulo). No mesmo ano, o gasto público per capita anual em saúde no Estado do
Maranhão foi de R$ 519,11 e no Acre R$ 1.046,92133.
Tabela 8 – Gasto do governo federal com saúde, a preços de 2015 (IGP-DI) – R$ bilhão. Brasil –
2002 a 2014.
Fonte: SIAFI/SIDOR. Elaboração: Secretaria do Tesouro Nacional.
Famílias desprovidas das condições materiais básicas (alimentação, moradia com
acesso a água tratada e rede de esgotamento sanitário, saúde e educação) registram maior
número de casos de mortalidade infantil, assim como apresentam menor taxa de expectativa de
vida ao nascer. A ausência de renda ou a renda familiar per capita muito baixa coloca essas
famílias em absoluta condição de vulnerabilidade social e na dependência da intervenção do
Estado.
É importante chamar atenção para os obstáculos que os estados mais pobres
enfrentam para elevar o investimento em saúde: o investimento per capita em saúde é mais
132 Fonte: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2012/matriz.htm#cober. Acesso em 21/05/2017. 133 Há umas curiosidades sobre a região Norte que, embora mantenha um grau de cobertura dos planos de saúde
privados muito baixo, traz o mais alto investimento per capita anual (Acre – R$ 1.046,92) e o mais baixo (Pará –
R$ 482,63). Mas a região Norte não é uma região homogênea e muitas pesquisas produzidas ali trazem
inconsistências, possivelmente, devido à dispersão dos domicílios, assim como às dificuldades de acesso.
120
baixo em valores absolutos e ainda são demandados por uma proporção maior da população
que não tem cobertura de planos de saúde, no entanto, como proporção do PIB, os percentuais
são mais elevados nos estados mais pobres. Isso demonstra as limitações dos entes federativos
mais pobres que já fazem um esforço maior, possuem uma estrutura de atendimento mais
precária e seu investimento em saúde representa apenas uma fração do que é investido nos
estados mais ricos. Enquanto na região Nordeste o investimento médio (público) corresponde
a 5,41% do PIB, na região Sudeste corresponde a 2,78%, apesar de, em valores absolutos, o
investimento per capita ser maior nos estados mais ricos, conforme Tabela 9.
Considerando que a principal fonte de arrecadação dos estados é o ICMS, quanto
menor a participação do Estado na arrecadação total e mais distante (abaixo) estiver da
representação demográfica134, menor será sua capacidade de intervenção, seja na infraestrutura
ou em políticas sociais. Isso reafirma a tese de que a desconcentração espacial da atividade
produtiva daria uma grande contribuição à redução das desigualdades econômicas e sociais
entre os estados. Para isso, é necessário dotar os estados periféricos de condições estruturais
atrativas a investimentos de qualquer natureza, de modo que sejam capazes de articular cadeias
produtivas regionais integradas à economia nacional, com autonomia e não em condição de
subordinação.
A desigualdade social não se explica, apenas, pela dimensão econômica. Isso
significa que a renda é apenas um de seus fios condutores. Entretanto, a privação da renda pode
levar à privação de vários bens e serviços essenciais à vida. Nessa direção, para reforçar a tese
de que as diferenças sociais são mais elevadas entre indivíduos distribuídos em todo o território
nacional do que entre indivíduos de um mesmo Estado, foi realizado um recorte apenas de
trabalhadores com carteira de trabalho assinada, por grau de instrução e gênero (RAIS 2015).
Foram escolhidos quatro estados (AL, MA, RJ e SP). A renda mais baixa correspondia à
remuneração média de mulheres analfabetas em Alagoas (R$ 975,83) e a remuneração mais
elevada correspondia à remuneração de homens com nível superior completo no Estado do Rio
de Janeiro (R$ 9.278,50). A diferença entre a menor e a maior renda média correspondia a uma
variação de 850,83%, todavia, a diferença entre a menor e a maior renda no Estado de Alagoas
correspondia a uma variação de 513,70%, demonstrando que as diferenças sociais no país são
mais acentuadas quando confrontadas rendas de microespaços com diferenciadas estruturas
produtivas. Se fossem considerados os trabalhadores informais e por conta própria, incluídas as
134 Em Alagoas, a título de exemplo, em 2014, a participação na arrecadação do ICMS correspondia a 0,8% do
total do país, enquanto a representação demográfica correspondia a 1,64%. Para o PIB nacional, a participação
do Estado para o mesmo ano era de 0,71%.
121
variáveis cor, subsetor de atividade econômica e condição do domicílio, as diferenças de renda
seriam muito mais acentuadas no interior de cada estado e ainda mais no território nacional.
Tabela 9: Dados sobre saúde, Brasil e Unidades Federativas, 2010 e 2012.
Unidade Territorial
Gasto ações saúde %
do PIB
Gasto per capita
anual R$1,0
Cobertura planos
saúde (%)
2010 2012 2012
Rondônia 4,45 774,3 13,94
Acre 7,46 1046,92 5,88
Amazonas 4,04 843,79 15,29
Roraima 6,24 987,49 6,57
Pará 3,87 482,63 9,8
Amapá 5,49 865,39 9,51
Tocantins 6,55 1040,92 6,76
Maranhão 6,33 519,11 6,49
Piauí 7,33 622,82 7,65
Ceará 5,67 618,12 13,35
Rio Grande do Norte 6,3 737,62 15,43
Paraíba 6,37 662,73 10,32
Pernambuco 5,29 667,86 17,28
Alagoas 6,39 584,2 12,94
Sergipe 5,08 760,32 14,28
Bahia 4,33 582,49 10,9
Minas Gerais 3,46 730,65 26,76
Espírito Santo 2,92 858,92 31,69
Rio de Janeiro 2,76 856,61 36,93
São Paulo 2,58 924,7 44,41
Paraná 2,81 733,42 24,54
Santa Catarina 2,65 794,11 21,69
Rio Grande do Sul 2,71 812,97 24,56
Mato Grosso do Sul 4,5 924,83 18,44
Mato Grosso 3,18 795,28 14,86
Goiás 3,27 625,4 15,65
Distrito Federal 1,15 858,4 31,13
Brasil 3,67 903,52 25,1
Fontes: Ministério da Saúde/Agência Nacional de Saúde - Sistema de Informações de Beneficiários e IBGE.
122
Tabela 10 – Esperança de vida ao nascer, anos selecionados, Brasil e Unidades
Federativas135.
Esperança de vida ao nascer
BR e UFs 2014 2010 2000
BRASIL 75,14 73,94 68,61
Rondônia 70,94 72,97 66,27
Acre 73,26 71,63 66,66
Amazonas 71,42 73,3 66,51
Roraima 70,9 73,51 67,99
Pará 71,71 72,36 68,49
Amapá 73,38 73,8 67,68
Tocatins 72,82 72,56 66,28
Maranhão 69,98 70,4 63,92
Piauí 70,68 71,62 65,55
Ceará 73,39 72,6 67,77
Rio G.Norte 75,23 72,52 66,98
Paraíba 72,61 72 65,34
Pernambuco 73,05 72,32 67,32
Alagoas 70,84 70,32 63,79
Sergipe 72,15 71,84 65,66
Bahia 72,99 71,97 65,8
Minas Gerais 76,7 75,3 70,55
Espírto Santo 77,51 75,1 71,64
Rio de Janeiro 75,57 75,1 69,42
São Paulo 77,48 75,69 72,16
Paraná 76,47 74,8 69,83
Santa Catarina 78,41 76,61 73,69
Rio G. Sul 77,21 75,38 73,22
Mato G. Sul 75 74,96 70,09
Mato Grosso 73,72 74,25 69,38
Goiás 73,83 74,6 71,4
Distrito Federal 77,57 77,35 73,86
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano. Elaboração da autora.
135 Alguns indicadores não estavam disponíveis para o ano 2003, para um mesmo banco de dados. Nesses casos,
recuamos para o ano mais próximo.
123
Gráfico 8 - Esperança de vida ao nascer, Brasil e UFs, anos selecionados.
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano. Elaboração da autora.
O importante avanço na área de saúde observado no período 2003 a 2014 foi
resultado de um conjunto articulado de ações que, em paralelo a ações de outras áreas
(habitação, saneamento, emprego/renda e educação/cultura), possibilitou a muitos brasileiros
melhor qualidade de vida. Entre as ações da área de saúde, destacam-se: a ampliação do número
de famílias cadastradas no Programa Saúde da Família, passando de 22 milhões de famílias
para mais de 35 milhões (equivalente a 103 milhões de pessoas), aumento da cobertura vacinal
que passa de 76,1% para 83,7%, distribuição gratuita de medicamento, contratação de mais
profissionais na área de saúde e expansão das unidades de atendimentos à saúde. Essas ações
75,14
70,94
73,26
71,42
70,9
71,71
73,38
72,82
69,98
70,68
73,39
75,23
72,61
73,05
70,84
72,15
72,99
76,7
77,51
75,57
77,48
76,47
78,41
77,21
75
73,72
73,83
77,57
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
BRASIL
Rondônia
Acre
Amazonas
Roraima
Pará
Amapá
Tocatins
Maranhão
Piauí
Ceará
Rio G.Norte
Paraíba
Pernambuco
Alagoas
Sergipe
Bahia
Minas Gerais
Espírto Santo
Rio de Janeiro
São Paulo
Paraná
Santa Catarina
Rio G. Sul
Mato G. Sul
Mato Grosso
Goiás
Distrito Federal
Esperança de vida ao nascer, Brasil e UFs, anos
selecionados
2000 2010 2014
124
possibilitaram uma redução significativa na taxa de mortalidade infantil, assim como elevação
da esperança de vida ao nascer (Tabelas 10 e 11).
Indicadores como mortalidade infantil e expectativa de vida nunca estão
relacionados a uma só variável, ao contrário, derivam-se de combinações entre muitas variáveis
que, superpostas, resultam na potencialização de seus efeitos. A renda é capaz de definir boa
parte desses efeitos, visto que, a partir dela, é possível intervir sobre condições de moradia e
acesso a tratamento adequado de saúde e educação, no entanto, é possível que a equação não se
feche nestas quatro variáveis. Em um sistema de produção cuja engrenagem produz profundas
desigualdades na distribuição da riqueza gerada, é necessário que o Estado faça intervenções
para possibilitar a grande parte da sociedade, submetida à condição de vulnerabilidade social,
oportunidades de competir com estratos sociais mais afortunados, a fim de reduzir o abismo
que os separa. Essa intervenção pode se dar em dois campos: na regulamentação e na oferta
direta de serviços capazes de assegurar semelhantes condições de oportunidade a todos os
cidadãos, indistintamente.
O abismo aqui referido revela, seja qual for o ano, que os estados da região Nordeste
apresentam taxas mais elevadas de mortalidade infantil (Tabela 11, Gráfico 9), apesar dos
avanços atribuídos ao êxito das políticas públicas de saúde. Para expectativa de vida ao nascer,
os estados das regiões Sul e Sudeste apresentam, para todos os anos selecionados, um tempo
médio de vida mais longo (Tabela 10, Gráfico 8). Voltando no tempo, entre as décadas de 1930
e 40, a expectativa de vida ao nascer da região Nordeste correspondia a 36,7 anos enquanto na
região Sul a média era de 49,2 anos, uma distância de 12,5 anos entre as duas regiões. Para o
ano de 2005, a esperança de vida ao nascer para Nordeste e Sul era, respectivamente, 69 e 74,2
anos. A distância, portanto, foi reduzida, mas sem alterar a posição das regiões. O desempenho
dos entes federativos para esses dois indicadores, no período 2003 a 2014, demonstra a
importância do investimento público em direitos essenciais à vida como ferramenta
imprescindível à redução das desigualdades sociais, à medida que consegue prolongar a vida
daqueles que se encontram na base da pirâmide social. Não se trata de padrão de consumo,
trata-se da possibilidade de elevar a esperança e a qualidade de vida dos que são desprovidos
de renda para firmar contratos com operadoras de planos de saúde. Mais de 75% da população
brasileira depende da saúde pública e privar a população desse serviço é assumir a
responsabilidade pela mortalidade precoce. A base do desenvolvimento não pode incluir o
recrudescimento das desigualdades sociais.
125
Tabela 11 - Mortalidade Infantil por mil crianças nascidas vivas, anos selecionados.
BR e UFs
ANO
2014 2013 2012 2011 2010 2000 1991
BRASIL 14,40 15,02 15,69 16,43 16,70 30,57 44,68
RO 20,82 21,27 21,75 22,24 18,02 30,38 42,41
AC 18,37 19,18 20,06 21,03 23,01 30,36 41,85
AM 19,38 20,03 20,71 21,43 17,01 37,95 50,36
RR 17,57 17,76 17,96 18,16 16,11 29,03 49,25
PA 17,65 18,26 18,89 19,57 20,29 33,05 52,55
AP 23,67 23,88 24,11 24,34 15,14 31,62 43,72
TO 16,86 17,43 18,04 18,69 19,56 36,48 63,65
MA 23,52 24,75 26,08 27,50 28,03 46,53 81,97
PI 20,37 21,07 21,81 22,60 23,05 41,87 64,73
CE 15,81 16,65 17,56 18,57 19,29 41,43 63,13
RN 16,14 17,04 18,08 19,25 19,70 43,27 67,93
PB 17,97 19,02 20,18 21,46 21,67 43,30 74,47
PE 13,99 14,85 15,87 17,08 20,43 47,31 62,55
AL 22,36 24,03 25,90 27,95 28,40 48,96 74,50
SE 17,94 18,94 20,05 21,25 22,22 42,97 65,76
BA 18,95 19,86 20,87 21,95 21,73 41,81 70,87
MG 11,97 12,56 13,20 13,88 15,08 27,75 35,39
ES 9,64 10,14 10,69 11,30 14,15 23,45 34,98
RJ 12,29 12,71 13,14 13,60 14,15 21,21 29,94
SP 10,49 10,83 11,19 11,58 13,86 19,35 27,31
PR 10,13 10,57 11,04 11,53 13,08 20,30 38,69
SC 9,80 10,12 10,47 10,82 11,54 16,79 24,84
RS 10,16 10,45 10,75 11,07 12,38 16,71 22,53
MS 14,94 15,42 15,93 16,47 18,14 25,53 34,73
MT 17,71 18,14 18,59 19,05 16,80 27,53 33,64
GO 15,79 16,24 16,71 17,20 13,96 24,44 29,53
DF 10,99 11,22 11,47 11,73 14,01 20,71 27,35
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano. Elaboração da autora.
126
Gráfico 9 - Mortalidade Infantil, anos selecionados, Brail e UFs.
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano. Elaboração da autora.
II. 3 - Educação e Cultura
Educação e cultura constituem a terceira categoria de gasto social do governo
federal a ser tratada neste trabalho, no âmbito das políticas sociais implementadas no período
2003-2014, com resultados expressivos sobre a redução das desigualdades sociais, de efeitos
mais prolongados, visto que os efeitos da elevação do número de matrículas no ensino médio e
no ensino superior têm reverberação no longo prazo. A execução orçamentária do governo
nacional nessa área contempla educação básica, educação superior, educação
profissional/tecnológica e cultura/esporte/lazer, incluindo investimentos, custeio e despesas
14,40
20,82
18,37
19,38
17,57
17,65
23,67
16,86
23,52
20,37
15,81
16,14
17,97
13,99
22,36
17,94
18,95
11,97
9,64
12,29
10,49
10,13
9,80
10,16
14,94
17,71
15,79
10,99
16,7
18,02
23,01
17,01
16,11
20,29
15,14
19,56
28,03
23,05
19,29
19,7
21,67
20,43
28,4
22,22
21,73
15,08
14,15
14,15
13,86
13,08
11,54
12,38
18,14
16,8
13,96
14,01
30,57
30,38
30,36
37,95
29,03
33,05
31,62
36,48
46,53
41,87
41,43
43,27
43,3
47,31
48,96
42,97
41,81
27,75
23,45
21,21
19,35
20,3
16,79
16,71
25,53
27,53
24,44
20,71
0,00 10,00 20,00 30,00 40,00 50,00 60,00
BRA…
RO
AC
AM
RR
PA
AP
TO
MA
PI
CE
RN
PB
PE
AL
SE
BA
MG
ES
RJ
SP
PR
SC
RS
MS
MT
GO
DF
Mortalidade infantil
2000 2010 2014
127
com pessoal. Entre 2002 e 2014, o gasto direto passou de R$ 54,0 bilhões para R$ 146,7 bilhões
(apreços de 2015/IPCA), com crescimento real de 171,7%. Incluindo o gasto tributário
(incentivos fiscais), a variação foi de R$ 57,0 bilhões para R$ 164,3 bilhões, com variação real
de 188%. A julgar pela evolução do gasto, os destaques foram: a) ensino superior, com elevação
de 462,3%, passando de R$ 5,3 bilhões para R$ 29,8 bilhões, incluindo FIES (financiamento
do ensino superior) e criação de novas instituições de ensino superior; e b) educação
profissional e tecnológica, com elevação real de 335,3%, passando de R$ 1,7 bilhão para R$
7,4 bilhões (Tabelas 12 e 13).
A maior fatia dos gastos federais com educação e cultura, no entanto, fica com a
educação básica que, em 2014, abocanhava 66,7% dos recursos referentes a custeio e
investimento, enquanto o ensino superior registrava uma participação de 25,7%136. O gasto
tributário, que corresponde à renúncia fiscal em favor de empresas137, avançou no mesmo ritmo,
passando de 5,2% para 10,7% do gasto total, no mesmo período (Tabela 12).
Tabela 12 - Evolução do gasto com educação e Cultura, Brasil – 2002 a 2014, em R$
bilhões, a preços de 2015 (IGP-DI).
Fonte: SIAFI/SIDOR, FGV. Relatório da Secretaria do Tesouro Nacional sobre gasto social federal.
136 Segundo o mesmo relatório, em 2002, o gasto federal direto com ensino superior correspondia a 13,3%. 137 Até 2013, a maior parcela do gasto tributário com educação e cultura correspondia à dedução de despesa com
educação na declaração do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). A partir de 2014, a despesa com o Programa
de Inclusão Digital supera as deduções na declaração do IRPF. Em terceiro lugar, vem a renúncia fiscal a empresas
sem fins lucrativos no ramo da educação, seguida pelo PRONAC (Programa Nacional de Apoio à Cultura). Os
demais gastos tributários são agregados por serem de menor monta.
128
Tabela 13 - Gasto direto com educação e cultura por categoria, Brasil – 2002 a 2014, em
R$ bilhões, a preços de 2015 (IGP-DI).
Fonte: SIAFI/SIDOR, FGV. Relatório da Secretaria do Tesouro Nacional sobre gasto social federal.
Tabela 14 - Estimativa do Investimento Público Direto em Educação por Estudante e
Nível de Ensino - Brasil 2002 a 2014.
Ano
Investimento Público Direto por Estudante (*) R$1,00
Todos os
Níveis de
Ensino
Níveis de Ensino Proporção da
Educação
Superior
sobre a
Educação
Básica
(Estudante)
Educação
Básica
Educação
Infantil
Ensino Fundamental
Ensino
Médio
Educação
Superior
De 1ª a 4ª
Séries ou
Anos
Iniciais
De 5ª a 8ª
Séries ou
Anos
Finais
2002 2.397 1.986 2.051 2.174 2.051 1.423 19.531 9,8
2003 2.355 1.978 2.338 2.088 1.977 1.578 17.067 8,6
2004 2.497 2.135 2.353 2.385 2.205 1.441 16.157 7,6
2005 2.660 2.254 2.188 2.556 2.378 1.528 17.409 7,7
2006 3.164 2.749 2.391 2.863 3.125 2.123 18.023 6,6
2007 3.696 3.218 2.899 3.365 3.552 2.576 19.044 5,9
2008 4.183 3.695 3.097 3.877 4.134 2.980 17.602 4,8
2009 4.601 4.046 3.101 4.374 4.567 3.142 19.769 4,9
2010 5.294 4.654 3.808 5.000 5.010 3.958 21.013 4,5
2011 5.791 5.045 4.507 5.175 5.189 4.906 22.389 4,4
2012 6.168 5.472 5.313 5.572 5.353 5.582 20.335 3,7
2013 6.601 5.847 5.783 5.873 5.809 5.902 22.753 3,9
2014 6.669 5.935 5.878 5.911 5.927 6.021 21.875 3,7
Fonte: Inep/MEC - Tabela elaborada pela Deed/Inep.
*Valores atualizados pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA) 2014.
O esforço no fortalecimento da educação enquanto área estratégica de
desenvolvimento do país resultou no crescimento do número de matrículas em todas as etapas
do ensino (educação básica, ensino médio e ensino superior), elevação do número de alunos
129
egressos do ensino superior em 79,6%, redução da taxa de analfabetismo e elevação do tempo
médio de estudo entre pessoas de 15 anos ou mais de idade (Quadros 9, 10 e 11; Tabelas 13 e
14). Esses avanços são constatados em todos os estados da federação, refletindo-se também no
Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM), conforme Tabela 15. Entre 2002 e 2014, o
crescimento registrado no número de matrículas no ensino superior foi de 86,39%, sendo
92,09% em instituições privadas e 73,22% em instituições públicas. Chamam atenção os
percentuais registrados no Estado do Piauí, onde o número de matrículas nas instituições
públicas cresceu apenas 2,83% enquanto nas instituições privadas cresceu 537,80%. No Estado
de Santa Catarina ocorreu o contrário: enquanto o crescimento de matrículas nas instituições
privadas cresceu apenas 8,96%, nas instituições públicas o crescimento foi de 148,91%. Essa
desproporção entre o crescimento de matrículas em instituições públicas e privadas chama
atenção para a gestão pública nos estados subnacionais, seja por força do poder executivo ou
da representação parlamentar. Por que em um Estado tão pobre quanto o Piauí, que apresenta
indicadores muito ruins na educação138, não houve esforço para ampliação de vagas em
instituições públicas de ensino superior enquanto no Estado de Santa Catarina isso foi possível?
Quase todos os estados das regiões Norte e Nordeste apresentavam, em 2002, um
número de matrículas em instituições privadas muito menor que as matrículas em instituições
públicas, invertendo-se essa posição em 2014, muito provavelmente por interferência do crédito
para financiamento do ensino superior assim como a renúncia fiscal concedida a instituições
privadas ditas “sem fins lucrativos”. Em 2014, apenas três estados na região Norte (Roraima,
Pará e Tocantins) e um da região Nordeste (Paraíba) ainda registravam número de matrículas
em instituições públicas superior ao número de matrículas nas instituições privadas. O Distrito
Federal e os demais estados já apresentavam um número maior de matrículas nas instituições
privadas em 2002, mantendo essa posição em 2014. As médias nacionais de matrículas nas
instituições públicas e privadas correspondiam a 30% e 70%, respectivamente, em 2002,
passando para 28% e 72% em 2014. Isso denuncia a tendência de elevação do grau de
mercantilização do ensino superior no país, que se observa já a partir da década de 1990.
138 Dados do IBGE/PNAD revelam que em 2014 o Estado do Piauí apresentava a segunda maior taxa de pessoas
de dez anos ou mais de idade sem instrução ou com menos de um ano de escolaridade (17,74%), ficando à frente
apenas do Estado de Alagoas com 18,87%.
130
Quadro 09 - Egressos de cursos de graduação no Brasil, 2002 e 2014 por categoria
administrativa e sexo.
Concluintes em Cursos de Graduação Presenciais, Brasil - 2014
Categoria adm. Total Masculino Feminino Fem/Masc. Fem/Total
Pública 225.714 92.897 132.817 42,97% 58,84%
Federal 119.988 50.622 69.366 37,03% 57,81%
Estadual 82.076 32.861 49.215 49,77% 59,96%
Municipal 23.650 9.414 14.236 51,22% 60,19%
Privada 611.590 246.367 365.223 48,24% 59,72%
Total 837.304 339.264 498.040 46,80% 59,48%
Concluintes em Cursos de Graduação Presenciais, Brasil - 2002
Categoria adm. Total Masculino Feminino Fem/Masc. Fem/Total
Pública 151.101 58.145 92.956 59,87% 61,52%
Federal 71.285 30.912 40.373 30,61% 56,64%
Estadual 63.917 21.374 42.543 99,04% 66,56%
Municipal 15.899 5.859 10.040 71,36% 63,15%
Privada 315.159 114.806 200.353 74,51% 63,57%
Total 466.260 172.951 293.309 69,59% 62,91%
Variação 2014/2002 79,58% 96,16% 69,80%
Fonte: MEC/INEP/DEED. Elaboração da autora.
Relatório do INEP (2003) revela que, das 1.859 instituições de ensino superior no
país139, 88,9% são privadas140, ressaltando que o sistema brasileiro de educação superior está
entre os mais privatizados do mundo. Esses dados estão alinhados com o número de matrículas
em instituições públicas e privadas tanto em 2002 quanto em 2014 (Quadro 10). É inegável a
importância do crédito para financiamento do ensino superior, especialmente, nos estados
periféricos, desprovidos de vagas suficientes para atender à demanda por cursos de graduação,
mas é preciso que o Estado Nacional se responsabilize em assegurar os direitos constitucionais
ao invés de se esforçar para abrir espaço à valorização do capital em áreas que deveriam ser de
atuação predominantemente estatal.
139 Entre universidades, faculdades, faculdades integradas, escolas e institutos, escolas de educação tecnológica e
centros universitários. 140 Fonte: Censo da Educação Superior 2003, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP).
http://download.inep.gov.br/download/superior/censo/2004/resumo_tecnico_050105.pdf. Acesso em 24/04/2017.
131
Quadro 10 - Matrículas em Cursos de Graduação por Unidade da Federação, anos
selecionados.
Fonte: MEC/INEP/DEED (2014) e MEC/INEP/DAES (2002). Elaboração própria.
No que tange à educação básica, a participação das instituições privadas no número
de matrículas passou de 9,2% para 18,3% entre 2002 e 2014. Assim como no ensino superior,
a participação das instituições privadas cresceu, porém, mais de 80% das matrículas da
educação básica estão no setor público. A proporção de alunos oriundos de escolas públicas
que ingressam nas instituições públicas de ensino superior, todavia, está descolada dessa
proporção de 81,7% dos alunos matriculados em escolas públicas, denunciando a qualidade do
ensino básico e do ensino médio, de responsabilidade dos estados subnacionais. É um equívoco
pensar que o processo seletivo é equilibrado nas instituições de ensino superior, visto que pouco
Total Inst. Públicas Inst. Privadas Total Inst. Públicas Inst. Privadas
Brasil 6.486.171 1.821.629 4.664.542 3.479.913 1.051.655 2.428.258
Rondônia 48.491 9.997 38.494 22.219 8.707 13.512
Acre 25.287 10.849 14.438 9.801 8.571 1.230
Amazonas 140.384 51.591 88.793 57.038 30.074 26.964
Roraima 20.592 11.119 9.473 4.172 3.684 488
Pará 134.563 69.813 64.750 61.175 39.825 21.350
Amapá 31.965 10.128 21.837 8.776 5.875 2.901
Tocantins 49.562 25.782 23.780 26.930 19.207 7.723
Maranhão 122.282 48.988 73.294 45.221 29.592 15.629
Piauí 95.962 42.623 53.339 49.814 41.451 8.363
Ceará 228.348 75.606 152.742 74.271 46.352 27.919
Rio Grande do Norte 110.523 48.246 62.277 43.195 28.698 14.497
Paraíba 127.845 68.789 59.056 47.500 33.618 13.882
Pernambuco 224.784 84.497 140.287 109.207 61.540 47.667
Alagoas 82.170 36.237 45.933 31.268 15.471 15.797
Sergipe 69.098 26.220 42.878 24.308 10.147 14.161
Bahia 317.908 96.778 221.130 117.625 49.776 67.849
Minas Gerais 665.592 182.162 483.430 306.895 85.035 221.860
Espírito Santo 118.175 26.685 91.490 66.489 14.795 51.694
Rio de Janeiro 549.529 137.786 411.743 384.197 80.369 303.828
São Paulo 1.715.515 270.652 1.444.863 988.696 153.432 835.264
Paraná 376.563 123.572 252.991 238.724 90.274 148.450
Santa Catarina 229.322 110.913 118.409 153.232 44.560 108.672
Rio Grande do Sul 389.784 92.474 297.310 285.699 42.638 243.061
Mato Grosso do Sul 87.871 29.294 58.577 55.824 18.068 37.756
Mato Grosso 128.419 37.898 90.521 52.297 19.577 32.720
Goiás 210.018 59.769 150.249 119.297 49.658 69.639
Distrito Federal 185.619 33.161 152.458 96.043 20.661 75.382
Matrículas 2014 Matrículas 2002
Unidade territorial
132
mais de 50% dos alunos selecionados e matriculados nessas instituições são de escolas
públicas141.
Quadro 11 - Número de Matrículas na Educação Básica - Ensino Regular, Especial e/ou
EJA.
Fonte: INEP – Censo da Educação Básica 2014. Elaboração da autora.
Acesso em 11/02/2017: http://inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-superior.
141 Em publicação feita na página da Agência Brasil, datada de 12/01/2016, lê-se: “Os dados gerais nacionais
mostram que, nas universidades federais, 50,6% dos estudantes são de escolas públicas. Nos institutos federais,
esse percentual é 50,5%”. Acesso em 25/04/2017. http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2016-
01/mec-diz-que-nas-universidades-federais-506-dos-alunos-sao-de-escolas.
Unidade territorial Mat.2014 Mat.2002
Variação
2014/2002
Mat.Inst. Priv.
2014
Percent.
Priv/total
2014
Mat.Inst.
Priv. 2002
Percent.
Priv/total
2002
Rondônia 462.759 317.594 45,71% 42.811 9,25% 18.360 5,78%
Acre 274.105 149.619 83,20% 14.367 5,24% 7.391 4,94%
Amazonas 1.191.882 732.978 62,61% 107.269 9,00% 35.415 4,83%
Roraima 149.079 75.975 96,22% 15.925 10,68% 2.047 2,69%
Pará 2.414.952 1.623.105 48,79% 236.798 9,81% 65.052 4,01%
Amapá 230.629 130.555 76,65% 23.931 10,38% 8.147 6,24%
Tocantins 408.151 290.662 40,42% 39.943 9,79% 12.163 4,18%
Maranhão 2.100.008 1.609.858 30,45% 229.145 10,91% 82.155 5,10%
Piauí 915.816 784.655 16,72% 113.852 12,43% 54.227 6,91%
Ceará 2.295.034 1.863.625 23,15% 453.958 19,78% 199.446 10,70%
Rio Grande do Norte 877.431 635.124 38,15% 175.373 19,99% 67.564 10,64%
Paraíba 1.037.073 867.244 19,58% 191.179 18,43% 74.159 8,55%
Pernambuco 2.394.561 1.791.861 33,64% 579.509 24,20% 219.652 12,26%
Alagoas 912.740 718.589 27,02% 136.135 14,91% 44.027 6,13%
Sergipe 570.227 423.106 34,77% 122.536 21,49% 34.041 8,05%
Bahia 3.703.824 3.629.276 2,05% 527.070 14,23% 191.207 5,27%
Minas Gerais 4.746.926 3.520.975 34,82% 754.937 15,90% 220.027 6,25%
Espírito Santo 923.071 582.096 58,58% 119.664 12,96% 64.817 11,14%
Rio de Janeiro 3.715.402 2.474.530 50,15% 1.158.837 31,19% 462.110 18,67%
São Paulo 10.320.191 5.993.885 72,18% 2.258.562 21,88% 773.172 12,90%
Paraná 2.586.577 1.693.577 52,73% 435.611 16,84% 130.098 7,68%
Santa Catarina 1.525.070 963.336 58,31% 260.091 17,05% 75.345 7,82%
Rio Grande do Sul 2.361.335 1.715.977 37,61% 394.777 16,72% 140.628 8,20%
Mato Grosso do Sul 679.425 486.134 39,76% 94.547 13,92% 38.796 7,98%
Mato Grosso 866.009 602.446 43,75% 104.726 12,09% 36.225 6,01%
Goiás 1.440.552 1.099.223 31,05% 296.868 20,61% 107.798 9,81%
Distrito Federal 668.542 374.357 78,58% 201.912 30,20% 70.708 18,89%
Brasil 49.771.371 35.150.362 41,60% 9.090.333 18,26% 3.234.777 9,20%
133
É preciso, portanto, fortalecer a educação básica e o ensino médio nas escolas
públicas para se evitar que grande parcela de alunos formados nessas instituições seja excluída
de processos seletivos em instituições públicas de ensino superior. Para cursos com elevada
nota de corte como Engenharia, Medicina e Direito, o percentual de alunos oriundos de escolas
públicas é ainda menor, especialmente, nas instituições mais concorridas do país. Em estados
mais pobres, as vagas para esses cursos sequer são preenchidas pela população local. Ao
contrário, são preenchidas por alunos de instituições privadas de estados com maior
investimento per capita na educação. Para piorar, grande parte dos alunos de escola pública não
dispõem de renda para fazer curso suplementar de preparação ao ENEM (Exame Nacional do
Ensino Médio). Isso expõe as fragilidades do ensino público na fase da educação básica com
velhos problemas já conhecidos que vão desde a infraestrutura das escolas até o nível de
remuneração dos profissionais da educação e das condições de acesso à escola em alguns
municípios brasileiros.
De 2002 a 2014, registra-se um importante avanço no grau de escolaridade da
população brasileira de 10 anos ou mais de idade, fenômeno comum a todas unidades
federativas, com redução de 25,4% de pessoas sem instrução e elevação de 90,2% de pessoas
com 15 anos ou mais de estudo (Tabela 15, Gráfico 10). Entre os estados da região Nordeste,
no entanto, seja em 2002 ou em 2014, o percentual de pessoas sem instrução fica muito acima
do que se observa nas regiões Sul e Sudeste, o que se reafirma no Gráfico 10 que ilustra a taxa
de analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais de idade, a partir de outro banco de dados,
porém, no mesmo período.
No Nordeste, em 2014, o ente federativo com a menor taxa de analfabetismo entre
pessoas de 15 anos ou mais de idade era o Estado da Bahia com 14,74% e o maior era Alagoas
com 21,97%. Enquanto isso, o Estado do Rio de Janeiro apresentava uma taxa de analfabetismo
de 3,21% e o de Santa Catarina 3,34% para o mesmo ano, conforme Tabela 16 e Gráfico 11.
Em 2000, as disparidades eram ainda maiores, o que se permite deduzir que o conjunto de ações
direcionado à melhoria da educação básica, no período 2003 a 2014, surtiu efeito positivo,
embora insuficiente para eliminar o abismo que separa o cluster da pobreza142, representado
pelas regiões Norte e Nordeste, dos demais entes federativos que guardam entre si diferenças
moderadas.
142 O trabalho infantil, comum em famílias submetidas à extrema pobreza, contribui com a evasão escolar ou, na
melhor das hipóteses, compromete a formação do indivíduo, impondo-lhe barreiras elevadas a uma boa
colocação no mercado de trabalho e à ascensão social.
134
As desigualdades observadas entre os estados se reproduzem no interior de cada um
deles, submetendo os indivíduos a condições assimétricas de acesso a um novo estágio de
formação assim como na disputa por ocupações de remuneração mais elevada no mercado de
trabalho, sobretudo em concursos públicos nas funções compatíveis com níveis mais elevados
de remuneração e status143. Sob a ideologia neoliberal e orientado pela lógica da meritocracia
que define o resultado da competição entre unidades territoriais, unidades de produção e
indivíduos, o Estado Nacional se posiciona alheio às desigualdades econômicas que definem
sua própria estratificação social sob o argumento de que as oportunidades são iguais para todos.
É razoável supor que uma criança que começa a trabalhar aos dez anos, em condições análogas
a trabalho escravo, tenha a mesma oportunidade de um indivíduo nascido em família capaz de
lhe assegurar estudar até concluir sua primeira graduação, sem precisar trabalhar? As diferenças
regionais e sociais jamais serão superadas enquanto as estruturas do sistema educacional entre
estados e municípios preservarem os abismos que as separam, expressos nos indicadores aqui
analisados.
Entre 2002 e 2014, o número de cursos de graduação no país passou de 14,4 mil
para 32,9144, um aumento de 128,3% em doze anos, com a particularidade de que instituições
públicas de ensino chegaram a municípios até então desassistidos. Fenômeno acompanhado
pelo número de matrículas que passa de 3,5 milhões para 6,5 milhões entre 2002 e 2014,
conforme Quadro 10. Incluindo as matrículas na modalidade EAD (ensino a distância), o
número sobe para 7,83 milhões de alunos matriculados em 2014, variação de 125% nesses doze
anos. O processo de interiorização impactou positivamente sobre as economias desses
municípios, criando novas perspectivas entre moradores locais e reduzindo fluxos migratórios
movidos pela busca de uma formação em centros mais desenvolvidos. Os dados revelam que
todos os estados avançaram na educação, porém, sem alterar suas posições no ranking nacional.
143 Em concursos públicos realizados em estados das regiões Norte e Nordeste, grande parte dos cargos é
preenchida por pessoas oriundas de outros estados, especialmente os de remuneração mais elevada. 144 Fonte: MEC/INEP.
135
Tabela 15 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade sem instrução e com mais de 15 anos de
estudo, Brasil e UFs – 2002 e 2014 (%).
Unidade territorial
2014 2002
Sem instrução e menos de
1 ano
15 anos ou
mais
Sem instrução e menos de
1 ano
15 anos ou
mais
Brasil 8,85 9,49 11,87 4,99
Rondônia 10,34 7,72 11,14 2,86
Acre 15,02 7,18 12,44 3,35
Amazonas 9,23 7,98 8,52 2,17
Roraima 7,32 8,59 16,0 2,35
Pará 9,5 4,58 10,45 3,08
Amapá 8,67 9,14 9,05 1,84
Tocantins 11,7 7,52 15,23 2,0
Maranhão 15,32 4,09 23,08 1,17
Piauí 17,74 5,75 25,87 2,13
Ceará 15,43 5,18 20,21 2,69
Rio Grande do Norte 13,29 6,22 17,82 3,54
Paraíba 15,8 7,5 22,58 3,77
Pernambuco 13,06 7,08 18,62 3,93
Alagoas 18,87 4,77 27,49 2,07
Sergipe 14,97 5,07 19,38 3,15
Bahia 14,93 5,69 21,32 2,1
Minas Gerais 7,82 8,74 10,82 4,21
Espírito Santo 7,75 9,22 11,27 4,2
Rio de Janeiro 4,91 12,85 6,23 7,6
São Paulo 4,91 13,13 6,83 7,52
Paraná 7,27 10,84 8,96 5,36
Santa Catarina 5,04 11,09 5,37 5,24
Rio Grande do Sul 5,25 9,95 6,51 5,59
Mato Grosso do Sul 8,02 10,68 10,62 4,85
Mato Grosso 10,04 9,52 11,34 4,58
Goiás 8,89 8,34 11,61 3,38
Distrito Federal 4,95 20,06 5,74 10,52
Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Pesquisa Básica.
136
Gráfico 10 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade sem instrução e com mais de 15 anos de
estudo, Brasil e UFs – 2002 e 2014 (%).
Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Pesquisa Básica.
8,85
10,34
15,02
9,23
7,32
9,5
8,67
11,7
15,32
17,74
15,43
13,29
15,8
13,06
18,87
14,97
14,93
7,82
7,75
4,91
4,91
7,27
5,04
5,25
8,02
10,04
8,89
4,95
9,49
7,72
7,18
7,98
8,59
4,58
9,14
7,52
4,09
5,75
5,18
6,22
7,5
7,08
4,77
5,07
5,69
8,74
9,22
12,85
13,13
10,84
11,09
9,95
10,68
9,52
8,34
20,06
11,87
11,14
12,44
8,52
16,0
10,45
9,05
15,23
23,08
25,87
20,21
17,82
22,58
18,62
27,49
19,38
21,32
10,82
11,27
6,23
6,83
8,96
5,37
6,51
10,62
11,34
11,61
5,74
4,99
2,86
3,35
2,17
2,35
3,08
1,84
2,0
1,17
2,13
2,69
3,54
3,77
3,93
2,07
3,15
2,1
4,21
4,2
7,6
7,52
5,36
5,24
5,59
4,85
4,58
3,38
10,52
0 10 20 30 40 50 60
Brasil
Rondônia
Acre
Amazonas
Roraima
Pará
Amapá
Tocantins
Maranhão
Piauí
Ceará
Rio Grande do Norte
Paraíba
Pernambuco
Alagoas
Sergipe
Bahia
Minas Gerais
Espírito Santo
Rio de Janeiro
São Paulo
Paraná
Santa Catarina
Rio Grande do Sul
Mato Grosso do Sul
Mato Grosso
Goiás
Distrito Federal
2014 Sem instrução e menos de 1 ano 2014 15 anos ou mais
2002 Sem instrução e menos de 1 ano 2002 15 anos ou mais
137
Tabela 16 - Taxa de analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais de idade.
BR e Ufs
ANO
2014 2013 2012 2011 2010 2000
BRASIL 8,27 8,52 8,66 8,58 9,61 13,63
RO 8,34 8,56 8,57 9,74 8,73 12,97
AC 13,08 14,61 13,46 14,38 16,48 24,49
AM 6,2 7,34 8,27 8,35 9,84 15,5
RR 7,47 9,81 7,39 9,62 10,33 13,49
PA 9,97 10,05 10,51 10,61 11,74 16,77
AP 4,22 5,97 6,72 7,6 8,4 12,1
TO 12,15 12,24 13,4 12,17 13,09 18,78
MA 19,61 19,85 20,84 21,64 20,87 28,39
PI 20,21 19,72 18,83 19,31 22,92 30,51
CE 16,28 16,72 16,27 16,49 18,74 26,54
RN 16,21 17,17 16,04 15,84 18,54 25,43
PB 16,91 18,21 18,59 17,23 21,91 29,71
PE 14,76 15,27 16,74 15,74 18 24,5
AL 21,97 21,65 21,83 21,78 24,33 33,39
SE 17,15 16,93 16,31 15,98 18,4 25,16
BA 14,74 14,91 15,89 14,45 16,58 23,15
MG 7,06 7,6 7,36 7,88 8,31 11,96
ES 6,55 6,59 6,73 6,38 8,12 11,67
RJ 3,21 3,74 3,79 3,67 4,27 6,64
SP 3,76 3,71 3,81 3,67 4,32 6,64
PR 4,95 5,33 5,27 6,27 6,28 9,53
SC 3,34 3,52 3,15 3,88 4,13 6,32
RS 4,47 4,43 4,26 4,27 4,52 6,65
MS 6,45 7,17 6,99 6,37 7,67 11,19
MT 7,3 7,83 8,05 7,39 8,48 12,36
GO 7,68 7,06 7,29 7,18 7,94 11,93
DF 2,73 3,19 3,49 3,15 3,47 5,68
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano. Elaboração própria.
Gráfico 11 - Taxa de analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais.
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano. Elaboração própria.
BRASIL
RO AC AM RR PA AP TO MA PI CE RN PB PE AL SE BA MG ES RJ SP PR SC RS MS MT GO DF
2014 8,27 8,34 13,08 6,2 7,47 9,97 4,22 12,1519,6120,2116,2816,2116,9114,7621,9717,1514,74 7,06 6,55 3,21 3,76 4,95 3,34 4,47 6,45 7,3 7,68 2,73
2000 13,6312,9724,49 15,5 13,4916,77 12,1 18,7828,3930,5126,5425,4329,71 24,5 33,3925,1623,1511,9611,67 6,64 6,64 9,53 6,32 6,65 11,1912,3611,93 5,68
05
10152025303540
2014 2000
138
Embora exista uma correlação positiva entre nível de remuneração e grau de
escolaridade, do ponto de vista da organização do mercado, o que define o nível de remuneração
de cada região é a distribuição espacial do setor produtivo guiado pela lógica racional de
rentabilidade ou de valorização de capital. Um curso de pós-graduação não assegura ao
indivíduo uma remuneração compatível com sua formação visto ser o cargo que define a
remuneração. A formação cria vantagens competitivas na disputa individual pelos melhores
cargos disponíveis. Sua contribuição, portanto, é secundária para a remuneração. É um
equívoco supor que um indivíduo graduado em Engenharia de Petróleo tenha uma remuneração
compatível com essa formação se as ocupações correspondentes nem estão disponíveis na
região onde ele reside. Por outro lado, os critérios que definem a escolha de localização para
instalação de uma empresa incluem: matéria prima disponível, logística de distribuição da
produção, poder aquisitivo do mercado consumidor local, recrutamento de mão de obra
qualificada e cadeia produtiva organizada na qual a empresa possa estar inserida.
II.4 – Habitação
Entre as políticas sociais, a política habitacional é a quarta e última a ser tratada
neste trabalho, com reconhecida relevância enquanto instrumento de proteção social. Seu
campo de ação pode ser identificado a partir de: elevação do crédito habitacional subsidiado,
investimentos públicos em distribuição de água canalizada e saneamento básico, expansão da
rede de eletrificação rural e renúncia fiscal sobre material de construção, em parceria com os
estados subnacionais. O resultado iminente foi a redução relativa do déficit habitacional, com
alteração da paisagem nas regiões periféricas com maior concentração da pobreza, assim como
na melhoria da qualidade de vida de estratos socialmente mais vulneráveis.
O déficit habitacional é definido145 pelo número de habitações demandadas pela
população nas seguintes situações: coabitação familiar, habitações inadequadas (carência de
infraestrutura e/ou habitação precária) e ônus excessivo com aluguel. A partir dessa definição,
foram produzidos relatórios sequenciais sobre déficit habitacional no país, orientando a política
habitacional, prioritariamente, direcionada a famílias com renda até três salários mínimos
mensais.
Definida como principal meta da nova Política Nacional de Habitação do governo
federal, a redução do déficit habitacional logra êxito a partir de um conjunto articulado de ações,
145 Para maiores detalhes, ver Brasil. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Habitação. Déficit
Habitacional no Brasil 2013-2014. Fundação João Pinheiro. Centro de Estatística e Informações: Belo
Horizonte, 2016
139
conforme segue: i) criação de novas regras para os contratos de financiamento imobiliário; ii)
elevação do aporte de crédito146 utilizando recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS) tanto para investimentos quanto para aquisição de imóveis147, com taxas de juros
subsidiadas148, além da renúncia fiscal (isenção de Imposto sobre Operações Financeiras –
IOF); iii) investimentos em infraestrutura, contemplando rede elétrica e rede de saneamento e
esgotamento sanitário, em parceria com os governos subnacionais; e iv) renúncia fiscal sobre
material de construção, estimulando construção e reformas, com impactos positivos sobre a
renda dos profissionais ligados direta e indiretamente ao setor.
Tabela 17 – Gasto do governo federal com saneamento e habitação a preços dez/2015
(IGP-DI), R$ bilhão, Brasil - 2002 a 2014.
Fonte: SIAFI/SIDOR. Elaboração: Secretaria do Tesouro Nacional.
Esse esforço se traduz na elevação do gasto com habitação e saneamento que passou
de R$ 4,9 bilhões para R$ 28,5 bilhões, entre 2002 e 2014 (Tabela 17), passando de 0,15% para
0,48% do PIB. A Lei nº 11.124/2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de
Interesse Social (SNHIS), criou o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e
seu Conselho Gestor, demonstrando o interesse do governo federal em reduzir o déficit
habitacional, contemplando as famílias de baixa renda ao mesmo tempo que dava uma
sobrevida à indústria da construção civil, como um dos mecanismos para alavancar a economia,
146 Em 2006 é publicada a Resolução 3.347 de 08/02/2006, que regulamenta a utilização de crédito do Sistema
Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) para financiamento habitacional (obras de infraestrutura,
construção e reformas), envolvendo bancos públicos e privados. 147 Grande parte dos créditos para financiamento imobiliário é oriunda do Fundo de Arrendamento Residencial
(FAR), criado em 12/02/2001 pela Lei 10.188. No entanto, ele começa a ser utilizado em 2007 com um aporte de
R$ 824 milhões e em 2011 dá um salto para R$ 9,2 bilhões. O fundo é destinado tanto à aquisição de imóveis
novos quanto a reformas. 148 O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) tem condições distintas para quatro faixas de renda. A
primeira faixa de renda sendo isenta de juros e as demais faixas têm acesso ao crédito com taxas que variam de
5% a 8,16% ao ano.
140
dada a capilaridade de sua cadeia produtiva. O resultado foi a elevação dos investimentos
públicos e privados no setor, seguida da elevação do emprego (direto e indireto).
O déficit habitacional no Brasil se concentra entre famílias com renda média mensal
de até três salários mínimos que, em 2014, respondiam por 83,9% do déficit habitacional do
país e 94,7%149 do déficit habitacional do Estado de Alagoas. De 2000 a 2014, as habitações
precárias no Brasil passaram de 2,13 milhões para 863 mil, redução de 59,4%; na região Norte,
a redução foi de 61% e no Nordeste, de 61,6%150. Embora a política seja nacional, o impacto
foi mais significativo na região Nordeste que, em 2000, concentrava 61% do total de moradias
precárias do país, embora respondesse por pouco mais de 27% da população brasileira.
Tabela 18 - Estrutura Fundiária, Brasil 2009.
No que tange à concentração fundiária, em 2009, 3,2% dos imóveis rurais
concentravam 62,6% das terras cadastradas pelo INCRA enquanto 59,1% dos imóveis, com até
25 hectares, respondiam por apenas 5,1% da área cadastrada, conforme Tabela 18. Isso explica
por que o Índice de Gini da propriedade rural é tão elevado. Por mais de trinta anos (1967 a
2000), esse índice ficou quase inalterado, passando de 0,836 para 0,802. As regiões com maior
concentração são as regiões Norte e Centro Oeste, porém, todas apresentam o Gini acima de
0,70, o que denota a elevada concentração fundiária. A propriedade de ativos fundiários
apresenta-se como variável de peso na equação que define o nível de concentração da riqueza
no Brasil, sobretudo, pela subutilização de terras férteis utilizadas para fins de especulação
imobiliária frente à fome e aos problemas que dela derivam.
149 Para maiores detalhes, ver Déficit habitacional no Brasil 2013-2014 / Fundação João Pinheiro. Centro de
Estatística e Informações – Belo Horizonte, 2016. 150 Para maiores informações, ver Déficit Habitacional no Brasil. Fundação João Pinheiro. Centro de Estatística e
Informações, publicações de 2005, 2009 e 2016.
141
Tabela 19 – Déficit habitacional – Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação,
anos selecionados.
Unidade
territorial
ANO
2000 2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014
Região Norte
848.696
614.583
559.951
645.226
613.188
564.620
652.998
632.067
Rondônia
47.895
45.859
30.579
71.281
46.323
37.174
45.286
45.339
Acre
23.639
20.671
18.804
26.071
21.937
28.695
28.047
30.071
Amazonas
174.924
140.805
131.574
177.002
146.460
158.369
178.195
168.668
Roraima
19.867
14.133
13.799
18.992
21.637
16.092
24.500
22.810
Pará
489.506
301.398
283.817
273.314
292.813
256.212
294.394
286.766
Amapá
22.413
28.508
19.060
28.816
26.194
17.172
21.488
30.201
Tocantins
70.452
63.209
62.318
49.750
57.824
50.906
61.088
48.212
Região Nordeste
2.851.196
2.056.826
1.919.236
2.018.797
1.937.074
1.777.212
1.844.141
1.900.646
Maranhão
620.806
462.757
435.604
435.174
461.973
407.626
407.965
392.517
Piauí
158.610
137.904
122.444
116.607
111.958
100.105
112.269
88.569
Ceará
451.221
297.224
270.389
303.068
245.951
246.274
255.250
283.102
Rio Grande do Norte
140.030
114.097
102.264
121.641
120.777
120.271
112.800
97.833
Paraíba
160.194
117.416
101.315
107.521
124.435
113.302
125.417
135.153
Pernambuco
381.214
264.154
258.156
284.571
243.359
240.850
236.658
274.905
Alagoas
160.600
109.250
84.377
116.995
103.720
92.212
95.040
122.063
Sergipe
94.746
66.445
67.225
76.169
68.629
77.412
81.716
69.032
Bahia
683.775
487.579
477.462
457.051
456.272
379.160
417.026
437.472
Região Sudeste
2.341.698
2.156.007
1.989.754
2.173.778
1.984.196
2.108.602
2.246.364
2.425.679
Minas Gerais
640.559
483.260
452.693
524.529
431.049
482.949
493.504
529.270
Espírito Santo
99.098
91.358
86.891
105.078
87.376
77.033
99.977
108.728
Rio de Janeiro
505.201
439.261
417.171
368.098
376.447
397.357
398.794
460.273
São Paulo
1.096.840
1.142.128
1.032.999
1.176.073
1.089.324
1.151.263
1.254.089
1.327.408
Região Sul
678.879
645.093
564.757
580.608
583.875
550.726
628.104
645.189
Paraná
265.815
239.231
199.633
230.258
218.035
226.336
247.093
257.531
Santa Catarina
131.264
142.906
140.359
128.464
140.336
133.201
167.008
155.777
Rio Grande do Sul
281.800
262.956
224.765
221.886
225.504
191.189
214.003
231.881
Região Centro-Oeste
502.175
382.866
404.011
479.567
463.635
429.402
474.433
464.480
Mato Grosso do Sul
93.862
72.053
77.366
77.922
81.606
65.024
80.399
71.651
Mato Grosso
98.616
66.866
68.180
102.455
69.422
78.959
103.146
72.399
Goiás
198.275
145.678
158.655
185.269
192.086
164.689
179.301
202.720
Distrito Federal
111.422
98.269
99.810
113.921
120.521
120.730
111.587
117.710
BRASIL
7.222.644 5.855.375 5.437.709 5.897.976 5.581.968 5.430.562 5.846.040 6.068.061
Fontes: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - IBGE, volumes 28 a 34 e Fundação João
Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações (CEI).
142
Tabela 20 – Percentual de déficit habitacional – Brasil, Grandes Regiões e Unidades da
Federação, anos selecionados.
Unidade territorial
ANO
2000 2007 2014
Região Norte 30,2% 19,2% 12,8%
Rondônia 13,8% 13,7% 7,9%
Acre 18,2% 17,1% 13,3%
Amazonas 30,7% 20,6% 16,2%
Roraima 26,7% 18,2% 14,7%
Pará 37,4% 19,9% 12,6%
Amapá 22,7% 22,2% 14,8%
Tocantins 25,1% 19,8% 10,0%
Região Nordeste 25,0% 17,5% 10,8%
Maranhão 50,2% 33,9% 20,4%
Piauí 24,0% 19,3% 9,2%
Ceará 25,7% 16,7% 10,2%
Rio Grande do Norte 20,9% 16,7% 9,1%
Paraíba 18,9% 15,5% 11,1%
Pernambuco 19,4% 13,6% 9,3%
Alagoas 24,7% 17,3% 12,2%
Sergipe 21,7% 14,5% 9,9%
Bahia 21,6% 14,9% 8,8%
Região Sudeste 11,6% 10,5% 8,3%
Minas Gerais 13,4% 10,9% 7,6%
Espírito Santo 11,8% 11,4% 8,2%
Rio de Janeiro 11,9% 10,4% 7,7%
São Paulo 10,6% 10,4% 8,9%
Região Sul 9,4% 9,9% 6,3%
Paraná 10,0% 9,8% 6,7%
Santa Catarina 8,8% 9,2% 6,5%
Rio Grande do Sul 9,3% 10,3% 5,7%
Região Centro-Oeste 15,9% 12,2% 9,0%
Mato Grosso do Sul 16,7% 12,3% 8,1%
Mato Grosso 15,3% 11,0% 6,6%
Goiás 14,2% 11,1% 9,1%
Distrito Federal 20,4% 16,4% 12,5%
BRASIL 16,1% 12,9% 9,0%
Fontes: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - IBGE, volumes 28 a 34 e Fundação João
Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações (CEI).
143
Gráfico 12 - Percentual de déficit habitacional – Brasil e Unidades da Federação, anos
selecionados.
Fontes: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - IBGE, volumes 28 a 34 e Fundação João
Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações (CEI).
A vulnerabilidade social apresenta-se mais expressiva nos estados mais pobres do
país, especialmente na área rural, com maior déficit habitacional151 e menor cobertura dos
domicílios por rede de saneamento e esgotamento sanitário, correlacionando-se positivamente
com menor expectativa de vida e maior taxa de mortalidade infantil. Entre 2002 e 2014, a taxa
de domicílios ligados à rede coletora de esgotamento sanitário avança, passando de 46,45%
para 63,47%, mas as diferenças entre os entes federativos revelam, mais uma vez, o abismo que
separa o cluster da riqueza do cluster da pobreza: enquanto no Estado de Rondônia, para o
151 O conceito de déficit habitacional aqui adotado corresponde ao somatório de moradias irregulares, coabitação
e ônus excessivo de aluguel.
13,8%
18,2%
30,7%
26,7%
37,4%
22,7%
25,1%
50,2%
24,0%
25,7%
20,9%
18,9%
19,4%
24,7%
21,7%
21,6%
13,4%
11,8%
11,9%
10,6%
10,0%
8,8%
9,3%
16,7%
15,3%
14,2%
20,4%
16,1%
13,7%
17,1%
20,6%
18,2%
19,9%
22,2%
19,8%
33,9%
19,3%
16,7%
16,7%
15,5%
13,6%
17,3%
14,5%
14,9%
10,9%
11,4%
10,4%
10,4%
9,8%
9,2%
10,3%
12,3%
11,0%
11,1%
16,4%
12,9%
7,9%
13,3%
16,2%
14,7%
12,6%
14,8%
10,0%
20,4%
9,2%
10,2%
9,1%
11,1%
9,3%
12,2%
9,9%
8,8%
7,6%
8,2%
7,7%
8,9%
6,7%
6,5%
5,7%
8,1%
6,6%
9,1%
12,5%
9,0%
0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0%
Rondônia
Acre
Amazonas
Roraima
Pará
Amapá
Tocantins
Maranhão
Piauí
Ceará
Rio Grande do Norte
Paraíba
Pernambuco
Alagoas
Sergipe
Bahia
Minas Gerais
Espírito Santo
Rio de Janeiro
São Paulo
Paraná
Santa Catarina
Rio Grande do Sul
Mato Grosso do Sul
Mato Grosso
Goiás
Distrito Federal
BRASIL
2014 2007 2000
144
mesmo período, os domicílios ligados à rede coletora passam de 1,94% para 16,53%, no Estado
de São Paulo a cobertura passa de 85,51% para 92,21% (Quadro 12, Gráfico 13).
Quadro 12 - Proporção de domicílios ligados à rede coletora ou com fossas sépticas
ligadas à rede coletora, Brasil e UFs – 2002 a 2014.
Fonte: IBGE/ Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração própria.
O mesmo ocorre com o abastecimento de água: em 2002, enquanto apenas 53,94%
dos domicílios do Estado do Piauí eram atendidos por rede de abastecimento de água, no Estado
de São Paulo esse percentual correspondia a 98,87%, uma diferença de quase 45 pontos
percentuais. Um esforço do governo, a partir de 2003, foi pouco a pouco reduzindo essa
diferença, de modo que, em 2014, o Estado do Acre (com 74,81% dos domicílios atendidos por
rede de água canalizada) e o Estado do Espírito Santo (com 99,73%) haviam reduzido essa
diferença para 24,92 pontos percentuais (Quadro 13, Gráfico 14).
BR RO AC AM RR PA AP TO MA PI CE RN PB PE
2002 46,45 1,94 25,48 2,65 12,21 3,28 1,17 2,65 7,6 2,31 21,11 6,21 27,84 34,06
2003 47,95 4,22 20,67 3,9 9,26 2,34 5,39 5,31 10,19 1,11 20,95 14,04 32,99 35,54
2004 47,93 2,43 19,16 4,11 3,78 2,95 3,86 3,85 11,49 4,18 25,07 14,16 31,2 34,89
2005 48,12 1,77 17,64 2,03 10,18 3,74 1,1 5,4 9,08 4,12 22,05 15,06 35,58 36,6
2006 48,33 2,39 22,57 3,69 13,54 3,29 1,29 9,35 10,91 3,65 24,53 16,15 32,91 38,12
2007 51,15 3,61 16,71 23,58 10,59 4,92 2,18 11,85 12,58 5 27,13 16,46 39,6 38,59
2008 52,51 2,79 26,38 19,44 10,37 3,73 3,62 15,43 13,36 2,76 30,15 17,68 40,84 42,35
2009 59,16 5,9 32,23 19,3 12,95 10,59 1,25 15,15 12,74 5,91 33,97 20,9 40,46 40,36
2011 62,66 4,8 27,7 34,79 31,82 17,68 6,73 18,72 19,86 5,61 36,34 19,79 53,78 56,12
2012 63,28 8,26 29,88 34,17 23,12 13,2 7,34 20,07 18,81 3,26 41,21 24,26 53,13 51,47
2013 63,41 13,41 33,12 36 27,57 13,41 3,21 17,62 13,25 3,37 40,47 24,19 53,76 52,4
2014 63,47 16,53 31,37 38,33 25,67 13,18 12,06 25,38 12,64 6,4 37,99 25,12 54,29 54,59
AL SE BA MG ES RJ SP PR RS SC MS MT GO DF
2002 7,24 31,41 37,23 72,17 55,52 49,79 85,51 46,11 14,56 10,01 9,3 8,95 30,49 84,58
2003 4,21 38,51 37,4 72,83 54,46 57,08 86,44 44,41 12,84 17,22 10,32 13,16 31,43 84,6
2004 5,82 49,72 39,02 75,09 58,66 59,49 87,34 42,77 11,4 15,79 8,67 11,14 31,75 84,06
2005 8,11 34,01 39,33 73,85 60,69 58,36 88,05 47 11,91 15,92 10,57 12,17 32,26 83,13
2006 8,59 30,27 40,86 74,91 55,9 61,56 85,49 47,45 14,75 11,49 13,2 13,01 33,19 81,16
2007 7,66 29,03 42,96 76,25 55,39 69,05 86,84 52,48 20,41 21,89 16,08 9,76 35,35 82,08
2008 13,14 34,07 45,1 77,74 57,32 69,17 88,53 55,39 15,76 28,18 18,07 18,51 35,44 85,47
2009 14,53 53,14 46,01 78,57 67,36 84,62 90,82 61,16 53,92 56,7 19,27 15,41 38,28 88,84
2011 30,3 49,7 49,43 78,38 76,69 84,75 92,71 58,31 62,27 56,63 30,71 23,4 44,08 87,61
2012 32,41 47,54 52,24 78,36 75,3 87,96 93,12 62,91 62,36 55,43 40,31 27,49 41,46 85,9
2013 22,31 49,92 53,01 79,04 81,9 87,47 93,71 65,79 62,02 49,45 36,77 28,63 45,17 88,98
2014 28,03 46,12 54,7 79,1 77,31 88,65 92,21 66,04 62,57 54,09 31,6 26,74 45,81 85,23
Domicílios com acesso a esgotamento sanitário - redes coletoras ou fossas sépticas ligadas à rede
coletora (%). Brasil e Unidades Federativas, 2002 a 2014.
ANO
145
Gráfico 13: Percentual de domicílios ligados à rede coletora ou com fossas sépticas
ligadas à rede coletora. Brasil e UFs, 2002 e 2014.
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração da autora
.
A ausência da rede coletora leva à contaminação dos mananciais e a água, quando
consumida, transforma-se em vetor de doenças graves, acometendo crianças e idosos,
principalmente. O déficit habitacional, para as comunidades mais pobres, é um problema que
se agiganta à medida que se constata a ausência de uma infraestrutura dotada de condições
46,45
1,94
25,48
2,65
12,21
3,28
1,17
2,65
7,6
2,31
21,11
6,21
27,84
34,06
7,24
31,41
37,23
72,17
55,52
49,79
85,51
46,11
14,56
10,01
9,3
8,95
30,49
84,58
63,47
16,53
31,37
38,33
25,67
13,18
12,06
25,38
12,64
6,4
37,99
25,12
54,29
54,59
28,03
46,12
54,7
79,1
77,31
88,65
92,21
66,04
62,57
54,09
31,6
26,74
45,81
85,23
0,00 10,00 20,00 30,00 40,00 50,00 60,00 70,00 80,00 90,00 100,00
BR
RO
AC
AM
RR
PA
AP
TO
MA
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CE
RN
PB
PE
AL
SE
BA
MG
ES
RJ
SP
PR
RS
SC
MS
MT
GO
DF
2014 2002
146
adequadas de moradia com acesso a água, energia elétrica e rede de saneamento e esgotamento
sanitário. Enquanto uns lutam por melhoria na qualidade de educação e cultura, outros ainda
lutam por habitação, água canalizada, energia elétrica e segurança alimentar. Em algumas
comunidades rurais das regiões Norte e Nordeste, falta até transporte para levar criança à escola
mais próxima. Gerar renda em regiões carentes de água e energia elétrica impõe aos
governantes articulação entre as três esferas de governo com vistas a elaborar e executar
projetos de infraestrutura capazes de superar esses gargalos ao desenvolvimento em bases
sustentáveis. De 2002 a 2014, registra-se grande avanço nessa área, tanto na distribuição de
água (Quadro 13) quanto de energia elétrica (Tabela 21), mas os mesmo dados revelam que
ainda há muito por fazer.
Quadro 13 - Domicílios particulares com abastecimento de água canalizada (%).
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração da autora.
Unidade Territorial ANO
2002 2014
Brasil 88,7 95,45
Rondônia 84,32 97,41
Acre 62,45 74,81
Amazonas 84,04 88,94
Roraima 94,35 93,98
Pará 70,01 85,65
Amapá 92,96 91,03
Tocantins 70,75 92,37
Maranhão 55,52 77,25
Piauí 53,94 87,78
Ceará 71,04 89,42
Rio Grande do Norte 78,25 91,88
Paraíba 74,25 89,74
Pernambuco 74,57 89,2
Alagoas 66,33 87,64
Sergipe 84,73 91,2
Bahia 70,18 90,95
Minas Gerais 93,67 99
Espírito Santo 97,52 99,73
Rio de Janeiro 97,53 97,56
São Paulo 98,87 99,29
Paraná 97,32 99,34
Santa Catarina 98,74 99,21
Rio Grande do Sul 96,83 99,19
Mato Grosso do Sul 95,71 98,81
Mato Grosso 82,23 97,96
Goiás 93,08 99,24
Distrito Federal 98,75 98,83
147
Gráfico 14 - Domicílios particulares permanentes com água canalizada (%).
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração da autora.
Em 2003, o governo federal instituiu o Programa Luz para Todos, um esforço para
universalizar o acesso à energia elétrica, visto que o Censo Demográfico IBGE 2000
demonstrava que quase dois milhões de domicílios, grande parte concentrada na área rural, não
tinham acesso à energia elétrica, privados da condição elementar à geração de renda. As regiões
com maior déficit energético (Norte e Nordeste) apresentam maior proporção de área rural e
maior concentração de pobreza. Na área rural dessas regiões, o investimento per capita é
elevado e o consumo é baixo, dada a baixa densidade demográfica e a baixa renda per capita.
À luz da racionalidade capitalista, não há viabilidade econômica para esse investimento, porém,
do ponto de vista social, a privação de acesso à energia elétrica compromete o desenvolvimento
local e eleva o grau de vulnerabilidade e dependência dessas famílias a programas sociais. Em
matéria publicada no site do Planalto152, entre 2003 e maio/2015, registra-se que foram
beneficiadas 3,2 milhões de famílias ou 15,5 milhões de pessoas, das quais 49,9% na região
Nordeste. Em 2004, a proporção de domicílios rurais no país cobertos por rede de iluminação
elétrica correspondia a 81,5%, avançando para 97,8% em 2014, todavia, no Estado de
Tocantins, a cobertura passa de 47,7% para 96% e no Estado de Santa Catarina, passa de 98,8%
para 99,6% no mesmo período. Para os estados cuja cobertura encontrava-se próximo à
totalidade, a resposta parece mais tímida em relação àqueles, cuja cobertura estava abaixo de
50%, todavia, o mais importante é constatar que o programa equalizou essas diferenças e mudou
as condições materiais de vida de comunidades periféricas (Tabela 21 e Gráfico 15). Qualquer
152 http://www2.planalto.gov.br/noticias/2015/05/prorrogado-ate-2018-luz-para-todos-deve-beneficiar-mais-um-milhao-de-brasileiros. Acesso em 21/10/2017.
0
20
40
60
80
100
120B
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Go
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o F
ed
era
l
2002 2014
148
projeto de desenvolvimento que ignore a dimensão das desigualdades sociais e econômicas que
fragmentam essa nação, jamais caminhará em direção à criação de condições efetivas ao
desenvolvimento, compreendido como um processo complexo e multidimensional.
Tabela 21 - Proporção de domicílios particulares permanentes rurais com iluminação
elétrica.
Brasil, regiões e
unidades federativas
ANO
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014
Brasil 81,5 83,5 86,1 89,1 91,4 93,3 95,8 97,0 97,4 97,8
Norte 61,4 64,5 68,4 74,8 77,6 83,0 85,0 89,0 90,6 92,0
Rondônia 76,7 79,8 80,6 88,5 86,9 88,3 95,3 98,2 99,5 99,0
Acre 49,5 50,1 60,2 61,6 70,2 75,6 77,2 79,8 83,3 82,7
Amazonas 61,9 68,7 68,7 77,8 78,7 89,6 73,5 82,8 81,5 77,2
Roraima 63,3 69,0 72,9 80,2 84,8 88,9 82,3 87,4 92,8 94,0
Pará 60,7 62,6 66,8 72,1 76,8 80,7 85,2 88,3 90,8 94,1
Amapá 68,9 77,4 67,4 81,8 80,9 91,5 83,1 91,5 84,1 97,8
Tocantins 47,7 51,1 62,4 70,6 68,9 77,4 92,7 93,7 94,7 96,0
Nordeste 75,3 78,0 81,6 85,2 89,4 91,5 95,8 97,1 97,5 98,0
Maranhão 53,8 51,7 63,0 68,7 76,9 81,1 96,7 97,8 97,7 98,7
Piauí 66,4 69,5 68,6 72,7 80,8 81,5 82,3 89,7 92,3 92,9
Ceará 81,6 84,7 88,3 89,2 92,8 96,3 99,1 98,9 99,0 99,7
Rio Grande do Norte 89,5 92,2 96,1 95,6 97,0 98,8 99,7 99,1 99,7 99,7
Paraíba 93,8 93,1 94,3 96,1 97,9 98,2 98,8 99,2 99,7 99,7
Pernambuco 89,9 91,6 92,9 95,9 97,4 98,1 99,7 99,4 99,4 99,6
Alagoas 87,5 89,4 89,3 90,6 96,3 97,8 99,3 99,8 98,9 99,3
Sergipe 80,4 83,2 87,1 92,3 96,8 98,0 99,6 98,6 99,2 98,5
Bahia 67,9 74,0 77,7 83,4 86,3 88,9 92,6 94,9 95,6 96,3
Sudeste 94,0 94,2 95,8 97,6 98,1 98,1 99,1 99,4 99,4 99,4
Minas Gerais 88,3 88,9 91,9 95,1 96,7 95,9 99,0 99,1 99,1 99,1
Espírito Santo 97,7 99,4 99,2 99,5 98,7 99,5 100,0 100,0 100,0 100,0
Rio de Janeiro 99,4 97,7 99,2 99,4 98,9 99,1 100,0 99,6 99,6 100,0
São Paulo 99,0 98,9 98,9 99,7 99,3 100,0 98,7 99,8 99,5 99,5
Sul 95,2 95,9 96,6 98,0 97,3 98,5 99,5 99,6 99,7 99,7
Paraná 92,7 94,6 95,2 96,2 95,9 97,6 99,4 99,7 99,6 99,8
Santa Catarina 98,8 99,0 99,4 99,8 99,0 99,8 99,2 99,6 99,4 99,6
Rio Grande do Sul 95,2 95,4 96,3 98,4 97,6 98,6 99,7 99,6 99,8 99,6
Centro-Oeste 84,2 89,2 90,9 91,4 94,6 97,9 97,8 98,5 97,9 98,8
Mato Grosso do Sul 92,4 98,1 97,4 97,4 97,5 98,8 96,7 98,6 96,8 99,6
Mato Grosso 72,4 77,2 81,3 83,7 88,8 96,5 99,2 98,3 97,7 97,9
Goiás 89,2 93,9 95,7 95,5 97,4 98,2 96,8 98,2 98,0 98,9
Distrito Federal 95,6 97,6 97,9 99,4 99,4 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: IBGE/ Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – 2004 a 2014. Elaboração da autora.
149
Gráfico 15 - Proporção de domicílios particulares permanentes rurais com iluminação
elétrica.
Fonte: IBGE/ Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – 2004, 2007, 2011 e 2014. Elaboração da autora.
O investimento em habitação, portanto, atendeu a dois propósitos, social e
econômico: i) reduziu o déficit habitacional de 16,1% para 9%, entre 2000 e 2014 (Tabelas 19
e 20), contribuindo com a redução da pobreza e da extrema pobreza, com impactos distintos
entre os entes federados, visto que a proporção da pobreza, assim como do déficit habitacional
apresentam configurações distintas nesses espaços: no Estado do Maranhão o déficit
habitacional foi reduzido de 50% para 20,4%, enquanto no Estado de Santa Catarina a redução
foi de 8,8% para 6,5%; e ii) conseguiu alavancar a economia, dado o efeito multiplicador do
investimento na construção civil, alavancando vários outros setores, elevando emprego direto
e emprego indireto, além de fortalecer todos os subsetores ligados à sua cadeia produtiva. Como
a geração de emprego é uma importante ferramenta de distribuição de renda, pode-se afirmar
que tais investimentos cumpriram tanto o propósito econômico quanto social com êxito, entre
2003 e 2014. Dados da RAIS (Relatório Anual e Informações Sociais) revelam que o emprego
direto com carteira assinada na construção civil cresceu 102,7%, entre 2006 e 2014153 frente a
41% na média de todos os setores juntos, incluindo a Construção Civil. Isso dá a dimensão da
força desse setor na economia brasileira, especialmente entre 2011 e 2014, período de maior
aporte de crédito do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), sob a gestão do governo
federal.
153 O valor absoluto de emprego com carteira assinada, na construção civil, passa de 1.393.446 para 2.815.686,
entre 2006 e 2014.
61,4
75,3
94,0 95,2
84,2 92,0
98,0 99,4 99,7 99,8
0,0
20,0
40,0
60,0
80,0
100,0
120,0
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
2004 2007 2011 2014
150
As raízes que sustentam as desigualdades econômicas e sociais se alimentam de
muitas fontes, fortalecidas pelo avanço do neoliberalismo, cujo discurso se apoia da dualidade
que atribui prosperidade ao exitoso empreendedorismo individual e o insucesso à
incompetência e à indolência dos indivíduos. Explicar a pobreza a partir do fracasso individual
expõe uma percepção limitada e superficial da realidade, que se expressa muito mais complexa
e densa.
A história mostra que as engrenagens do sistema capitalista de produção, construída
e guiada pela lógica da acumulação, e só por ela, encerra em si mesma seu propósito, sem
qualquer compromisso com a distribuição da riqueza gerada em conformidade com os
princípios de justiça ou senso humanitário, ao contrário, favorece aos detentores do capital em
detrimento daqueles que só dispõem da própria força de trabalho, mas sem a qual a produção
jamais seria realizada.
A região Sudeste acomoda 42% da população (2014), mas concentra 52% da massa
de rendimento do trabalho. Para ilustrar essa desproporção, o rendimento médio do trabalho da
região Nordeste corresponde a 59,75% do rendimento médio da região Sudeste. A concentração
da renda do trabalho produz disparidades entre outros indicadores, cuja correção jamais se dará
apenas pela transferência direta de renda, ainda que ela se mostre imprescindível e urgente em
determinado momento. O desenvolvimento do país está condicionado à disposição de se
enxergar e enfrentar, na esfera política, as desigualdades sociais, econômicas e regionais com a
densidade e a profundidade com que se manifestam, visto estarem correlacionadas. A região
Sudeste, formada por quatro entes federativos, concentra quase 60% da atividade industrial do
país, segundo Pesquisa Anual Industrial/IBGE (2014). A desconcentração da atividade
industrial reduziria os impactos ambientais das cidades densamente povoadas, com reflexos
sobre a qualidade de vida de seus habitantes. A redistribuição espacial da atividade produtiva
criaria as condições favoráveis à redução da concentração da riqueza e seria, por si só, um
mecanismo eficiente de retomada de crescimento econômico, visto que uma renda bem
distribuída tende a elevar seu efeito multiplicador à medida que libera a demanda até então
reprimida pela restrição orçamentária imposta à maioria das famílias.
Das 27 unidades territoriais, as cinco com menor nível de ocupação estão na região
Nordeste, refletindo sua tímida estrutura produtiva associada à elevada taxa de analfabetismo e
baixo tempo médio de escolaridade da força de trabalho comparativamente às regiões Sul e
Sudeste que concentram a atividade produtiva do país, assim como os setores mais dinâmicos
e uma estrutura mais organizada de instituições de ensino e pesquisa. As transferências de
151
renda, ainda que imprescindíveis aos estados com grande concentração de indigentes, são
insuficientes para dotá-los das condições necessárias à superação das bases sobre as quais se
apoia a reprodução da extrema pobreza. Nesses estados mais pobres, onde o capital se reproduz
em sua forma mais primitiva, a informalidade responde por mais de 50% das ocupações,
marcada pela exploração de mão de obra, elevadas taxas de trabalho infantil, trabalho análogo
ao escravo, o que se traduz em elevada precariedade de trabalho.
Ao longo do século XX, as desigualdades de renda foram gestadas tanto no setor
público quanto no setor privado: a) o Estado brasileiro tem concedido pisos e reajustes salariais
generosos a categorias muito bem posicionadas, enquanto a outras, o tratamento se restringe a
baixo piso salarial e reajustes insuficientes até para reposição de perdas com base na inflação,
sob o argumento de assegurar o equilíbrio fiscal; b) igual dispersão salarial é observada no
processo de modernização das cadeias produtivas ao longo do processo de industrialização,
demandando diferenciados níveis de qualificação para novas ocupações com distintos níveis de
remuneração e status, fragmentando a classe trabalhadora154. Enquanto uns encontravam sua
área de conforto a partir de um novo padrão de renda e consumo, descolando-se das categorias
de base, outros viam suas ocupações serem extintas, tornando-se dispensáveis aos interesses de
reprodução do capital. Tem-se, portanto, uma classe trabalhadora fragmentada que, em grande
medida, contribuiu com as desigualdades sociais enfrentadas no país.
As desigualdades regionais, por sua vez, contribuem com as desigualdades sociais
e estão alicerçadas em problemas estruturais historicamente enfrentados pelos estados
periféricos. Colocar em execução uma agenda de governo que tenha como meta alcançar o
desenvolvimento com inclusão social e redução de impactos ambientais não passa nem de longe
nos planos da oligarquia agrária que domina estados e municípios das duas regiões mais pobres
do país, sobretudo, porque a cultura local acolhe os profissionais da política que trocam voto
por valor equivalente a um almoço de classe média, sem o eleitor desconfiar que é ele próprio
quem paga essa conta. Mas a urgência da fome ou a suposta “vantagem” financeira imediata
parecem inebriar alguns eleitores e, assim, políticos profissionais descompromissados com o
desenvolvimento local renovam seus mandatos numa aposta segura que lhes permite, já
previamente, expandir seu patrimônio e contribuir com a expansão das desigualdades sociais
no próprio estado. Investir na educação, com vistas a estimular a reflexão e o senso crítico, pode
mesmo parecer contraproducente à perpetuação de mandatos políticos.
154 A esse respeito, ver Daniel Bell (1977) e Marcuse (1973).
152
PARTE 2
2 - Limitações das políticas públicas
É inegável que, desde a implantação do Estado Social (década de 1930), as políticas
públicas executadas no Brasil, no período 2003-2014, se aproximaram como em nenhum outro
período do que se concebe como um estado de bem-estar social, no que pesem todas as críticas.
E, embora a Constituição de 1988 seja um marco divisor na universalização dos direitos
fundamentais à preservação da vida e da dignidade humana, há pouca efetividade em seu
cumprimento na década seguinte, seja pela limitação do alcance ou pela qualidade do pouco
que chega às camadas mais pobres. A mudança no cenário social pode ser percebida a partir de
indicadores de emprego/renda, consumo, saúde, educação ou habitação/saneamento. Entre
2000 e 2014, o percentual da população vulnerável à pobreza ou com renda domiciliar per capita
de até ½ sm mensal passou de 48,39% para 22,09%. Em 1991, esse estrato social correspondia
a 58,53% da população, portanto, um avanço modesto e lento até 2000.
Os avanços observados no período 2003-2014 não escondem, todavia, a ausência
de intervenção estatal federal em direção a mudanças estruturais capazes de inserir, em iguais
condições de oportunidade, os estados periféricos no sistema produtivo nacional, de modo a
resultar em distribuição menos assimétrica da riqueza gerada, o que implica qualificar esses
espaços para a disputa dos investimentos privados ligados a cadeias produtivas mais complexas
e dinâmicas, assim como à população local, visto que, em grande medida, as desigualdades
sociais se constituem na esfera do trabalho. Nessa perspectiva, os investimentos em educação
nas regiões periféricas, inclusive em pesquisa, ciência e tecnologia, têm um longo caminho pela
frente. Houve avanço nos indicadores sociais em todos as unidades federativas, porém, o
abismo entre a riqueza e a pobreza foi apenas moderadamente reduzido e as políticas baseadas
na transferência de renda são passíveis de interrupção a cada renovação do quadro político tanto
no legislativo quanto no executivo nacionais.
Apontar novos caminhos a um projeto de desenvolvimento nacional em bases mais
sustentáveis com vistas a ultrapassar a fronteira da solidariedade e enfrentar os condicionantes
estruturais exige que se considerem os principais entraves: i) concentração espacial das cadeias
produtivas; ii) limitada capacidade de intervenção dos entes federativos com baixa capacidade
de arrecadação fiscal; iii) sistema tributário regressivo; e iv) fragmentação do tecido social nos
estados mais pobres concentrados nas regiões Norte e Nordeste.
153
I – Concentração espacial das cadeias produtivas
A concentração espacial da atividade produtiva, particularmente da atividade
industrial, é aqui identificada como um dos principais entraves ao desenvolvimento em bases
sustentáveis, considerando que, em qualquer economia, o fluxo de riqueza é gerado a partir da
produção, do emprego e da renda, com efeitos sobre arrecadação tributária para os entes
federativos que sediam a produção. Desde a falência do modelo agroexportador brasileiro
(1929), o setor industrial assume o protagonismo na dinâmica da economia nacional, cujas
raízes já pareciam mais fortalecidas no Estado de São Paulo. Daí em diante, foi um pulo para
que o Estado de São Paulo se consolidasse no centro dinâmico da economia nacional em um
processo de integração no qual os estados periféricos entram de forma subordinada. A
interrupção de relações comerciais com o mercado externo e o protecionismo estatal à indústria
nascente concentrada no Estado dotado de melhor estrutura logística (São Paulo) possibilitam
uma extraordinária vantagem comercial a São Paulo frente aos estados periféricos,
influenciando sua capacidade de acumulação e realização de novos investimentos, com vistas
a manter sua posição de centro dinâmico da economia nacional.
O processo de concentração espacial da produção foi sendo acompanhado pelo
fortalecimento de oligopólios e monopólios, sob a compreensão de que a elevada escala de
produção é condição imprescindível à competitividade comercial no mercado internacional. À
luz desse raciocínio, os estados periféricos tornam-se úteis aos propósitos do centro dinâmico
como mercado consumidor e fornecedor de mão de obra e matéria-prima baratas, graças à força
dos monopsônios setoriais. Se de um lado do país, poucos estados dispunham de uma arrojada
infraestrutura produtiva, do outro, faltavam até mesmo água e energia para consumo doméstico,
deixando os estados periféricos desprovidos das condições elementares à disputa por
investimentos privados na organização das cadeias produtivas nacionais. Essa condição
desfavorável impôs às populações periféricas um custo social marcado por elevadas taxas de
desemprego, ocupações precárias compatíveis com informalidade e baixa remuneração, além
da reprodução da pobreza em escala tão larga quanto a produção dos grandes monopólios.
A desigualdade regional, marcada por distintas estruturas produtivas, diferenciados
padrões de ocupação e renda, diferenciadas estruturas do sistema educacional, produz tecidos
sociais igualmente distintos, cuja combinação tem resultado no congelamento do abismo que
separa territórios prósperos de territórios marcados pelo atraso em todos os aspectos. Os dois
tipos de território são fortemente influenciados pelas ocupações derivadas de suas estruturas
154
produtivas e pelo sistema educacional local. À medida que esses elementos ajudam a compor
uma base sólida de acumulação de capital, os estados mais ricos tendem a manter sua liderança.
Tomando-se como referência PIB, renda per capita e produção setorial dos entes
federativos, constata-se que os sete estados das regiões Sul e Sudeste respondem por mais de
70% da produção e da renda, embora acomodem apenas 56% da população brasileira
(IBGE/PNAD 2014). A título de ilustração, embora o Estado de Alagoas acomodasse 1,64% da
população brasileira, em 2014, sua participação no PIB nacional correspondia a 0,71%, sua
participação nos impostos sobre produção corrente do país correspondia a 0,46% e seu PIB per
capita equivalia a 42,64% do PIB per capita nacional. No mesmo ano, o Estado de São Paulo
que respondia por 21,72% da população brasileira, abocanhava 32,15% do PIB nacional e
37,87% dos impostos sobre produção corrente do país (Tabela 1). O centro dinâmico do país
concentra as ocupações compatíveis com as remunerações mais elevadas, o que resulta em
níveis mais elevados de consumo, arrecadação tributária e capacidade de acumulação dos
investidores privados. Esse ciclo virtuoso assegura a expansão dos investimentos e maior
capacidade de intervenção do Estado no próprio desenvolvimento. O sistema de mercado não
consegue corrigir essas distorções sem a intervenção do Estado Nacional, dada a limitada
capacidade de intervenção dos estados periféricos.
A partir da trajetória de formação bruta de capital e nível de pessoal ocupado,
constata-se uma crescente concentração de capital em diversos setores, conforme Tabela 2. Os
grupos de atividade econômica de maior peso são oligopolizados e dominados por quatro ou,
no máximo, doze empresas que respondem por mais de 50% daquele segmento de mercado. No
setor de previdência complementar, por exemplo, quatro empresas dominam 90% do mercado.
Em atividade de serviços financeiros, com mais de 42 mil empresas, oito respondem por 65%
do segmento de mercado. Em telecomunicações sem fio, de um universo de 592, quatro
empresas respondem por 88% do setor.
155
Tabela 1 – Participação das unidades territoriais no Produto Interno Bruto do Brasil e
nos impostos sobre a produção a preços correntes, anos selecionados.
Unidades
Territoriais
Participação no PIB do Brasil
Participação dos impostos sobre a
produção do país
2002 2006 2010 2014 2002 2006 2010 2014
Brasil 100 100 100 100 100 100 100 100
Norte 4,7 5,04 5,33 5,33 3,86 4,19 4,15 4,38
Nordeste 13,09 13,2 13,45 13,93 10,96 11,59 11,05 11,92
Sudeste 57,38 57,71 56,13 54,94 62,72 61,96 60,85 59,35
Sul 16,23 15,62 15,96 16,41 15,26 14,85 15,61 16,45
Centro-Oeste 8,61 8,44 9,13 9,39 7,19 7,41 8,35 7,9
Rondônia 0,5 0,54 0,62 0,59 0,38 0,45 0,51 0,45
Acre 0,2 0,19 0,21 0,23 0,1 0,13 0,13 0,14
Amazonas 1,48 1,66 1,57 1,5 1,77 1,85 1,8 1,83
Roraima 0,16 0,16 0,17 0,17 0,08 0,08 0,1 0,09
Pará 1,78 1,91 2,13 2,16 1,18 1,31 1,23 1,44
Amapá 0,21 0,22 0,21 0,23 0,09 0,11 0,11 0,13
Tocantins 0,36 0,36 0,42 0,45 0,25 0,27 0,27 0,3
Maranhão 1,07 1,23 1,19 1,33 0,62 0,86 0,89 1,03
Piauí 0,48 0,55 0,57 0,65 0,37 0,41 0,45 0,46
Ceará 1,93 1,93 2,04 2,18 1,68 1,69 1,74 1,89
Rio Grande do Norte 0,91 0,95 0,93 0,93 0,68 0,73 0,69 0,72
Paraíba 0,86 0,86 0,86 0,92 0,62 0,6 0,63 0,74
Pernambuco 2,42 2,3 2,5 2,68 2,24 2,29 2,44 2,71
Alagoas 0,77 0,72 0,7 0,71 0,43 0,48 0,48 0,46
Sergipe 0,69 0,68 0,68 0,65 0,49 0,47 0,47 0,47
Bahia 3,95 3,96 3,97 3,87 3,83 4,07 3,26 3,44
Minas Gerais 8,33 8,83 9,04 8,94 8,19 7,98 7,88 7,75
Espírito Santo 1,82 2,22 2,2 2,23 2,17 2,95 2,66 2,35
Rio de Janeiro 12,38 12,44 11,58 11,61 12,06 12,8 12,08 11,38
São Paulo 34,85 34,22 33,32 32,15 40,31 38,23 38,23 37,87
Paraná 5,93 5,71 5,8 6,02 5,44 5,05 5,54 5,83
Santa Catarina 3,66 3,78 3,96 4,2 3,26 3,45 3,99 4,68
Rio Grande do Sul 6,64 6,13 6,21 6,19 6,57 6,35 6,08 5,94
Mato Grosso do Sul 1,1 1,11 1,22 1,37 0,84 1,05 0,99 1,06
Mato Grosso 1,29 1,27 1,46 1,75 1,13 1,24 1,17 1,29
Goiás 2,59 2,55 2,75 2,86 2,05 1,97 2,32 2,29
Distrito Federal 3,62 3,51 3,71 3,42 3,17 3,14 3,87 3,25
Fonte: IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e
Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA. Elaboração da autora.
A cada movimento na direção da concentração da produção e geração de riqueza,
produzem-se exploração e miséria na outra ponta. Nenhum modelo baseado na concentração
da atividade produtiva, seja espacial ou setorial, será socialmente sustentável, particularmente,
se estiver sob o domínio do capital privado. Setores dominados por monopólios e oligopólios
156
(privados), livres de regulação, são compatíveis com preços abusivos e lucros extraordinários,
sem distribuição dos ganhos a quem efetivamente agrega valor à produção, a classe
trabalhadora. Os salários nunca acompanham a rentabilidade dos empreendimentos, ao
contrário, vão sendo pressionados à medida que o desemprego cresce e os grandes
conglomerados, representados por lobistas, interferem nas agendas de governo e em projetos
de lei que resultam em perdas de diretos trabalhistas.
Tabela 2 – Concentração econômica por pessoal ocupado nas maiores empresas da
indústria, comércio e serviços em grupos de atividades selecionadas, Brasil 2014.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Metodologia das Estatísticas de
Empresas, Cadastros e Classificações, Cadastro Central de Empresas 2014.
Obs.: Foram selecionadas as atividades com maior nível de concentração.
4 maiores
empresas
8 maiores
empresas
12
maiores
empresas
Extração de carvão mineral 56 5 824 53,6 90,0 97,7
Extração de petróleo e gás natural 189 4 081 48,0 67,7 76,5
Extração de minerais metálicos 757 89 046 69,7 76,4 81,1
Extração de minério de ferro 200 71 296 86,4 91,5 93,8
Extração de minerais metálicos não-ferrosos 557 17 750 36,4 52,3 61,5
Abate e fabricação de produtos de carne 4 261 550 879 37,6 46,7 51,7
Fabricação de óleos e gorduras vegetais e animais 382 56 043 41,4 59,3 69,3
Torrefação e moagem de café 1 590 25 187 29,9 43,2 49,1
Fabricação de bebidas alcoólicas 2 305 78 891 61,5 68,8 72,6
Fabricação de celulose e outras pastas para a fabricação de papel 55 19 294 79,5 94,0 97,4
Fabricação de produtos derivados do petróleo 201 65 298 89,6 91,6 93,2
Fabricação de defensivos agrícolas e desinfestantes domissanitários 215 29 070 64,8 78,3 84,8
Fabricação de produtos farmoquímicos 127 2 142 32,3 49,2 62,4
Fabricação de cimento 53 31 268 54,2 69,1 78,2
Siderurgia 473 101 427 52,6 68,9 79,1
Fabricação de equipamento bélico pesado, armas de fogo e munições 19 6 706 91,1 99,6 99,9
Fabricação de equipamentos de informática e periféricos 683 43 177 42,6 57,1 66,6
Fabricação de equipamentos de comunicação 363 38 886 52,8 69,7 77,1
Fabricação de aparelhos eletromédicos e eletroterapêuticos e
equipamentos de irradiação 311 6 858 38,3 48,2 53,8
Fabricação de equipamentos e instrumentos ópticos, fotográficos e
cinematográficos 139 2 750 38,8 54,4 63,7
Fabricação de eletrodomésticos 532 63 339 51,6 65,4 71,9
Fabricação de automóveis, camionetas e utilitários 54 111 177 70,9 86,9 95,6
Fabricação de caminhões e ônibus 30 29 232 79,1 95,1 97,8
Fabricação de aeronaves 92 21 786 82,7 87,7 91,5
Transporte aéreo de passageiros 415 70 312 82,6 87,9 90,2
Telecomunicações sem fio 592 33 623 87,9 90,7 91,8
Telecomunicações por satélite 146 2 191 39,9 55,3 63,7
Operadoras de televisão por assinatura 229 6 813 48,0 57,2 63,1
Atividades de serviços financeiros 42 263 711 316 53,3 64,9 67,1
Seguros-saúde 13 4 794 87,6 99,3 100,0
Previdência complementar 12 1 352 89,9 99,5 100,0
Atividades selecionadasPessoal
ocupado
Concentração econômica por
pessoal ocupado (% )
Empresas
157
O Brasil reproduz, a partir da desregulamentação dos mercados e da abertura
comercial, a ordem neoliberal que predomina no centro dinâmico do capitalismo global.
Segundo Pochmann (2015), “apenas 1% das corporações transnacionais detém o controle de
40% de toda a rede capitalista de produção e distribuição de bens e serviços do mundo nesse
início do século XXI”. Por decisão e conveniência políticas, esse modelo concentrador é
reproduzido na economia nacional.
Quadro 1 –Percentual de empresas por setores selecionados e salário médio mensal por
setor em salário mínimo, Brasil e UFs, 2014.
Fonte: IBGE - Demografia das Empresas. Elaboração da autora.
A concentração espacial identificada a partir do valor da produção e da renda é
também observada na distribuição espacial das unidades de produção, conforme Quadro 1.
Foram selecionados cinco setores de atividade econômica com remuneração média mensal e
distribuição de empresas por entes federativos, em 2014. Como outros indicadores já apontam,
o Estado de São Paulo, que responde por apenas 21,72% da população total do país (Tabela 7,
Parte II.1), concentra o maior percentual de empresas, sediando 31,27% do total, 27,59% da
indústria de transformação, 30,33% da construção civil e 40,59% de atividades
Total
Indústrias de
transformação-
A
Construção-
B
Comércio-
C
Atividades
financeiras-
D
Educação-
ETotal A B C D E
Brasil 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 2,8 3,2 2,8 2,1 7,4 2,2
Rondônia 0,63% 0,63% 0,55% 0,76% 0,43% 0,52% 2,3 1,8 4 1,8 5,3 2,4
Acre 0,16% 0,14% 0,19% 0,20% 0,12% 0,14% 1,9 1,7 1,7 1,7 6,5 2,5
Amazonas 0,61% 0,50% 0,69% 0,71% 0,46% 0,58% 2,5 2,9 2,3 1,9 6,3 2,3
Roraima 0,12% 0,06% 0,13% 0,15% 0,08% 0,11% 1,9 1,6 1,9 1,5 6,4 1,9
Pará 1,38% 1,16% 1,42% 1,72% 0,94% 1,62% 2,4 2,1 2,9 1,7 6,4 1,9
Amapá 0,15% 0,09% 0,18% 0,20% 0,10% 0,17% 2,1 2,4 2,1 1,5 5,1 2,1
Tocantins 0,50% 0,32% 0,52% 0,60% 0,31% 0,47% 2 1,9 1,9 1,7 6,4 2,5
Maranhão 1,19% 0,69% 1,11% 1,65% 0,64% 1,10% 2,1 2,2 2,6 1,7 6,7 2
Piauí 0,83% 0,64% 0,65% 1,13% 0,38% 0,80% 1,8 1,5 1,6 1,5 6,2 2
Ceará 2,62% 3,05% 2,32% 3,15% 1,62% 2,78% 1,9 1,6 2 1,5 7,8 1,8
Rio Grande do Norte 1,05% 0,93% 1,42% 1,16% 0,61% 1,11% 1,9 1,7 1,9 1,5 6,6 1,9
Paraíba 1,02% 0,92% 1,37% 1,28% 0,67% 1,17% 1,8 1,7 1,8 1,5 6,6 1,7
Pernambuco 2,47% 2,81% 2,02% 2,80% 2,02% 3,15% 2,2 2,2 2,7 1,7 6,1 1,8
Alagoas 0,74% 0,46% 0,62% 0,92% 0,53% 0,86% 1,8 1,8 2 1,5 6,3 1,6
Sergipe 0,56% 0,50% 0,53% 0,63% 0,48% 0,83% 2,1 2,1 1,9 1,7 6,3 1,9
Bahia 4,51% 3,23% 3,83% 5,38% 2,68% 4,98% 2,2 2,9 2,4 1,6 6,7 1,9
Minas Gerais 10,81% 11,75% 10,47% 10,96% 9,30% 10,34% 2,4 2,7 2,4 1,7 6 2
Espírito Santo 1,95% 2,01% 2,09% 1,98% 1,76% 1,68% 2,5 2,8 2,2 1,9 6 2,1
Rio de Janeiro 7,11% 5,07% 7,12% 6,25% 9,45% 10,30% 3,4 4,5 3,6 2 7,8 2,1
São Paulo 31,27% 27,59% 30,33% 28,10% 40,59% 33,11% 3,4 4,2 3,3 2,7 8,2 2,5
Paraná 8,24% 9,65% 8,95% 8,37% 7,44% 6,62% 2,6 2,8 2,6 2,2 6,4 2,3
Santa Catarina 5,61% 9,23% 6,43% 5,12% 4,62% 3,72% 2,5 2,6 2,3 2,1 5,7 1,9
Rio Grande do Sul 8,40% 11,38% 8,68% 8,35% 8,10% 5,98% 2,6 2,9 2,4 2,1 6,4 2
Mato Grosso do Sul 1,27% 0,98% 1,11% 1,34% 0,94% 0,98% 2,3 2,5 2,5 1,9 5,5 2
Mato Grosso 1,74% 1,67% 1,79% 1,88% 1,35% 1,30% 2,4 2,4 2,9 2,1 5,6 2,4
Goiás 3,28% 3,71% 3,29% 3,63% 2,53% 3,13% 2,3 2,4 2,4 1,9 6 1,9
Distrito Federal 1,79% 0,82% 2,20% 1,59% 1,86% 2,44% 3,3 2,6 2,5 2,1 10,9 2,4
Atividades econômicas selecionadas - unidades locais ativas
Unidade Territorial
Salário médio mensal por atividade
158
financeiras/seguros e atividades relacionadas. Em 2014, a região Sudeste respondia por 61% e,
junto com a região Sul, por 81,26% das 114,5 mil empresas de atividades financeiras/seguros e
serviços relacionados, enquanto as regiões Norte e Nordeste respondiam, respectivamente, por
2,5% e 9,7%155. O setor financeiro é também o setor onde a renda média mensal é mais elevada
em todas as unidades federativas.
Embora existam diferenças de rendimento entre setores de atividade econômica, há
também diferença de rendimento entre unidades federativas para cada setor, de modo que, entre
os setores selecionados, enquanto a remuneração média mensal da atividade financeira
correspondia a 7,4 salários mínimos (sm), a do comércio correspondia a 2,1 sm, em 2014. Para
o mesmo setor de comércio, enquanto em sete estados localizados nas regiões Norte e Nordeste
a remuneração média mensal correspondia a 1,5 sm, no Estado de São Paulo correspondia a 2,7
sm. Em quase todos esses estados, o setor de comércio acomoda a maior fração das unidades
locais de produção. Essa concentração de unidades locais de produção no setor de comércio
explica-se pela estrutura produtiva pouco diversificada e com baixo conteúdo tecnológico, sem
perspectiva de mudança no curto ou no médio prazo, visto ser necessário superar os elementos
condicionantes, tais como infraestrutura e produção de ciência e tecnologia nos estados
periféricos.
I.1 – Histórico recente da concentração e desconcentração espacial da indústria
Neste tópico, será analisado o setor industrial, principal mola motora da dinâmica
capitalista, com reverberações sobre agricultura, comércio e serviços em seus constantes
movimentos de expansão e contração, restrito ao período 2003-2014. Embora se constate um
contínuo processo de desindustrialização no Brasil a partir da década de 1980, em alguns anos,
constata-se uma tímida recuperação seguida por novo declínio, particularmente, na indústria de
transformação, conforme observado na Tabela 3. Composto por quatro subsetores: indústria de
transformação, indústria extrativa, indústria da construção civil e indústria de serviços de
utilidade pública (energia, gás, água e esgotamento sanitário), a indústria vem perdendo espaço
para o setor de serviços (incluindo comércio e administração pública) que já respondia por
71,2% do valor adicionado bruto, em 2014.
155 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Metodologia das Estatísticas de Empresas, Cadastros e
Classificações, Cadastro Central de Empresas 2014.
159
Nesses primeiros anos do século XXI, a participação da indústria de transformação
no total do valor adicionado apresenta seu melhor resultado em 2004, com uma participação de
17,9% do valor adicionado total. Dez anos depois, cai para 12%, um recuo de 33%. O ente
federativo que sofre maior impacto é o que concentra as atividades do setor. De 2002 a 2014, o
VTI do Estado de São Paulo passa de 42,45% para 33,60%, uma queda relativa de quase 21%.
Na direção oposta, o setor de serviços, incluindo comércio e administração pública, passa de
68% para 71,2% do valor adicionado total do país e o Estado de São Paulo é o que melhor
explora essa expansão, certamente por sediar uma estrutura produtiva mais diversificada e
robusta.
Tabela 3 – Participação no valor adicionado bruto a preços básicos, segundo os grupos de
atividades – 2000 a 2014.
Grupos de Atividade
Participação no valor adicionado bruto a preços básicos (%)
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Agropecuária 5,5 5,6 6,4 7,2 6,7 5,5 5,1 5,2 5,4 5,3 4,8 5,1 4,9 5,3 5
Indústria 26,5 26,3 26,2 27 28,7 28,7 27,8 27,2 27,4 25,7 27,4 27,2 26,0 24,9 23,8
Ind. Extrativa 1,4 1,6 2 2,2 2,5 3,2 3,5 3 3,8 2,2 3,3 4,4 4,5 4,2 3,7
Ind. transformação 15,1 15,2 14,4 16,9 17,9 17,4 16,7 16,6 16,6 15,4 15 13,9 12,6 12,3 12
Prod. Distrib.
Eletricidade, gás, água,
esgoto e limp. Urbana 3,1 3,3 3,4 3,3 3,4 3,4 3,2 3 2,6 2,7 2,8 2,7 2,4 2 1,9
Construção Civil 6,9 6,2 6,4 4,6 4,9 4,7 4,4 4,6 4,4 5,4 6,3 6,3 6,5 6,4 6,2
Serviços 68 68 67,3 65,8 64,6 65,9 67,1 67,7 67,2 69,1 67,8 67,7 69,1 69,9 71,2
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Coordenação de Contas Nacionais
Em 2014, o valor da transformação industrial (VTI) da região Sudeste correspondia
a 59,66% e, somado ao da região Sul (19,84%), totalizava 79,5% (Tabela 5). Os demais entes
federativos respondiam por pouco mais da 20% da produção industrial do país. Nesse mesmo
ano, entre todos os estados da federação, Rio de Janeiro e Minas Gerais respondiam, juntos, por
69,31% do VTI da indústria extrativa mineral156, o que dá a esses estados, pelo recebimento de
royalties, uma renda extraordinária para intervenção no desenvolvimento local, excluindo a
receita fiscal.
É fato, porém, que a participação da indústria de transformação no PIB vem caindo
no país desde a década de 1980, quando chega a 21,6% do PIB nacional em 1985
(POCHMANN, 2016). Apresenta uma breve recuperação ao final da década de 1990 por força
de uma desvalorização cambial para recuperar a competitividade no mercado internacional,
156 Inclui a extração de petróleo.
160
volta a cair e crescer, novamente, atingindo 17,9% do valor adicionado total em 2004. A partir
daí, segue declinando, chegando a 12% em 2014 (Tabela 3).
Tabela 4 - Empresas industriais com 5 ou mais pessoas ocupadas, pessoal ocupado,
remuneração e VTI- Brasil e UFs – 2002.
Brasil e Unidades Unidades Pessoal Remuneração VTI
Federativas Industriais Ocupado (Em R$ 1,000,00) (Em R$ 1,000,00)
Brasil 100,00% 100,00% 100,00% 100,00%
Minas Gerais 12,48% 10,35% 8,15% 9,71%
Rio de Janeiro 6,47% 6,29% 8,82% 9,66%
São Paulo 34,23% 37,06% 49,27% 42,45%
Espírito Santo 2,09% 1,57% 1,48% 2,02%
Paraná 8,27% 7,29% 5,75% 6,52%
Santa Catarina 8,04% 7,83% 5,60% 4,90%
Rio Grande do Sul 10,52% 10,75% 8,65% 8,01%
Rondônia 0,62% 0,42% 0,18% 0,16%
Acre 0,11% 0,05% 0,02% 0,01%
Amazonas 0,51% 1,24% 1,45% 3,49%
Roraima 0,04% 0,02% 0,01% 0,01%
Pará 1,02% 1,18% 0,72% 1,39%
Amapá 0,06% 0,04% 0,03% 0,04%
Tocantins 0,19% 0,12% 0,05% 0,04%
Maranhão 0,43% 0,36% 0,23% 0,33%
Piauí 0,44% 0,33% 0,12% 0,13%
Ceará 2,12% 2,63% 1,17% 1,18%
Rio Grande do Norte 0,76% 0,87% 0,60% 0,46%
Paraíba 0,84% 0,85% 0,37% 0,39%
Pernambuco 2,20% 2,32% 1,43% 1,28%
Alagoas 0,38% 1,37% 0,50% 0,42%
Sergipe 0,44% 0,49% 0,42% 0,45%
Bahia 2,45% 2,29% 2,47% 4,14%
Mato Grosso do Sul 0,73% 0,67% 0,36% 0,46%
Mato Grosso 1,28% 1,05% 0,57% 0,61%
Goiás 2,78% 2,19% 1,26% 1,52%
Distrito Federal 0,53% 0,34% 0,33% 0,23%
Fonte: IBGE - Pesquisa Industrial Anual - Empresa, 2002. Elaboração da autora.
O recuo da indústria de transformação é observado também no nível de ocupação.
Em estudo publicado pela FIESP/CIESP (2015), com base nos relatórios RAIS/MTE, de 1985
a 2013, o percentual de pessoas empregadas na indústria de transformação caiu em todo o país,
particularmente no Estado de São Paulo, cuja participação no emprego caiu de 39% para 20%.
A redução da participação do Estado de São Paulo no PIB nacional, portanto, é fruto do
161
expressivo recuo da indústria de transformação na produção nacional e não um efeito decorrente
das políticas de redistribuição de renda. É preciso distinguir os efeitos dos programas sociais
dos resultados decorrentes do processo de desindustrialização.
Tabela 5 - Empresas industriais com 5 ou mais pessoas ocupadas, pessoal ocupado,
remuneração e VTI- Brasil e UFs – 2014.
Brasil e Unidades Unidades Pessoal Remuneração VTI
Federativas Industriais Ocupado (Em R$ 1,000,00) (Em R$ 1,000,00)
Brasil 100,00% 100,00% 100,00% 100,00%
Rondônia 0,65% 0,45% 0,25% 0,26%
Acre 0,14% 0,10% 0,05% 0,05%
Amazonas 0,60% 1,56% 1,51% 3,28%
Roraima 0,07% 0,03% 0,01% 0,01%
Pará 1,12% 1,28% 1,12% 2,49%
Amapá 0,09% 0,06% 0,04% 0,06%
Tocantins 0,29% 0,22% 0,14% 0,16%
Maranhão 0,59% 0,54% 0,40% 0,48%
Piauí 0,56% 0,35% 0,16% 0,16%
Ceará 2,87% 2,97% 1,46% 1,40%
Rio Grande do Norte 0,92% 0,85% 0,61% 0,76%
Paraíba 0,89% 0,96% 0,47% 0,43%
Pernambuco 2,77% 2,85% 1,88% 1,68%
Alagoas 0,43% 0,97% 0,50% 0,38%
Sergipe 0,52% 0,59% 0,49% 0,42%
Bahia 2,85% 2,86% 2,76% 4,02%
Minas Gerais 11,80% 10,83% 9,08% 11,27%
Espírito Santo 2,30% 1,71% 1,64% 2,83%
Rio de Janeiro 5,15% 5,93% 10,27% 10,96%
São Paulo 29,93% 33,21% 40,85% 33,60%
Paraná 8,89% 8,48% 7,25% 7,13%
Santa Catarina 9,59% 8,46% 6,76% 5,54%
Rio Grande do Sul 10,44% 8,85% 7,87% 7,17%
Mato Grosso do Sul 0,89% 1,14% 0,89% 1,23%
Mato Grosso 1,59% 1,35% 0,90% 1,37%
Goiás 3,41% 3,02% 2,34% 2,56%
Distrito Federal 0,66% 0,37% 0,30% 0,28%
Fonte: IBGE - Pesquisa Industrial Anual - Empresa, 2014. Elaboração da autora.
I.2 – Concentração no Setor de Serviços
Assim como na atividade industrial, a região Sudeste também concentra o setor de
serviços, respondendo por 64,9% da receita bruta das atividades de serviços não financeiros e
162
65,2% da massa salarial e outras rendas157, enquanto a região Nordeste, segunda região mais
populosa do país, responde por 10,7% e 11%, respectivamente. Comparando o desempenho das
macrorregiões em 2002 e 2014 para esse setor (Tabelas 6 e 7), constata-se uma melhor
performance da região Sudeste, revelando sua capacidade de compensar a perda de participação
no PIB industrial. Como a região Sudeste concentra as unidades de produção do sistema
financeiro nacional, responsável pelas ocupações de melhor remuneração, isso também lhe dá
uma vantagem no que se refere à massa salarial e a outras formas de renda, que exerce uma
importância significativa para a manutenção da dinâmica econômica da região, particularmente,
o Estado de São Paulo.
Tabela 6 - Distribuição percentual das empresas prestadoras de serviços não financeiros,
por Grandes Regiões, segundo variáveis selecionadas – 2014.
Grandes
regiões Receita bruta
Salários e outras
rendas Pessoal ocupado
Número de
empresas
Norte 2,80% 2,60% 2,90% 1,48%
Nordeste 10,70% 11,00% 15,00% 11,06%
Sudeste 64,90% 65,20% 58,40% 58,86%
Sul 14,20% 14,10% 16,10% 21,30%
Centro-Oeste 7,40% 7,00% 7,70% 7,29%
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coord. de Serviços e Comércio, Pesquisa Anual de Serviços 2014.
Tabela 7 - Distribuição percentual das empresas prestadoras de serviços não financeiros,
por Grandes Regiões, segundo variáveis selecionadas – 2002.
Grandes
regiões Receita bruta
Salários e outras
rendas Pessoal ocupado
Número de
empresas
Norte 2,23% 2,16% 2,13% 1,11%
Nordeste 11,97% 12,47% 14,41% 9,73%
Sudeste 62,20% 60,25% 56,52% 59,38%
Sul 17,43% 19,38% 20,71% 24,37%
Centro-Oeste 6,17% 5,73% 6,23% 5,41%
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coord. de Serviços e Comércio, Pesquisa Anual de Serviços 2002.
I.3 – Concentração no Setor de Comércio
A concentração espacial da atividade produtiva também se manifesta no setor de
comércio, o que se explica pela concentração do fluxo de renda, seja do trabalho ou de capital,
nas regiões Sul e Sudeste, que concentram receita bruta, salários/outros rendimentos, número
157 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Serviços e Comércio, Pesquisa Anual de Serviços
2014.
163
de empresas e pessoal ocupado, apesar de um movimento de desconcentração constatado entre
2002 e 2014.
A elevação do gasto social com maior transferência direta de renda aos estratos
sociais de baixa renda associada à liberação de microcrédito para empreendedores individuais
teve grande impacto no comércio local dos estados periféricos por destravar uma demanda há
muito tempo reprimida. O aquecimento do comércio na região Nordeste possibilitou a elevação
da massa salarial e outras remunerações nesse setor, passando de 11,47% para 13,7% do total
nacional, entre 2002 e 2014, assim como a receita bruta de revenda que passa de 12,62% para
15,5% (Tabelas 9 e 10). A região Sudeste, por sua vez, registrou queda na participação de
receita bruta de revenda, passando de 54,52% para 51,1% no mesmo período. Esse movimento
foi influenciado pelo conjunto de programas sociais que teve como alvo a pobreza e a extrema
pobreza, dotando essas famílias de um pequeno incremento de renda e/ou crédito que resultou
na elevação da capacidade de consumo de itens de elevado grau de essencialidade (alimentação,
vestuário e moradia). No entanto, isso não está assegurado no médio prazo, visto que os
programas podem sofrer cortes orçamentários decorrentes da inversão de prioridade na agenda
de governo, expondo a fragilidade dos programas de transferência direta de renda, pois suas
bases de sustentação se apoiam na esfera política. Tais programas foram imprescindíveis no
período 2003 a 2014, mas o país carece de um projeto que possibilite a geração de renda de
forma autônoma, o que implica criar condições de geração de renda a partir das cadeias
produtivas organizadas de forma descentralizada, em todo o território nacional.
Em 2014, o Nordeste (com 27,69% da população) atingia um nível de arrecadação
de ICMS, maior fonte de receita fiscal dos entes federativos, de 15,9% do total nacional, após
ter alcançado um avanço de 1,5 p.p em relação a 2002 (Tabela 8, Gráfico 1). A região Sudeste,
por outro lado, que em 2014 respondia por 41,98% da população brasileira158, levou 52,1% da
arrecadação de ICMS no mesmo ano, após ter perdido 4,5 p.p. em relação a 2002 (56,6%). A
concentração fica ainda mais clara a partir da arrecadação dos dez maiores arrecadadores de
ICMS (estados das regiões Sul e Sudeste mais os estados de Bahia, Pernambuco e Goiás).
Juntos, são responsáveis por 80% da arrecadação de ICMS no país. Os demais entes federativos
(dezessete) dividem os 20% restantes, mas Acre, Amapá e Roraima respondiam, cada um, por
apenas 0,2%, em 2014. O Estado de São Paulo tem um volume de arrecadação de ICMS quase
igual à soma das regiões Nordeste e Sul, em 2014, mas entre 2002 e 2010 superava as duas
158 Fonte: IBGE/PNAD 2015.
164
regiões em mais de 10%. Esses números dão a dimensão do desafio a ser enfrentado para a
redução das desigualdades sociais que passam, necessariamente, pela redução das
desigualdades regionais no que tange à geração e à distribuição da riqueza.
Tabela 8 - Participação relativa das unidades federativas do Brasil na arrecadação do
ICMS, anos selecionados.
Unidade Federativa 2002 2010 2014
NORTE 4.9 5.7 6.2
Acre 0.2 0.2 0.2
Amazonas 1.9 2.1 2.0
Pará 1.6 1.9 2.3
Rondônia 0.6 0.8 0.8
Amapá 0.1 0.2 0.2
Roraima 0.1 0.2 0.2
Tocantins 0.4 0.4 0.5
NORDESTE 14.4 15.0 15.9
Maranhão 0.9 1.1 1.2
Piauí 0.5 0.7 0.8
Ceará 2.3 2.3 2.4
Rio Grande do Norte 1.0 1.1 1.1
Paraíba 0.9 0.9 1.1
Pernambuco 2.7 3.1 3.3
Alagoas 0.6 0.8 0.8
Sergipe 0.7 0.7 0.7
Bahia 4.9 4.4 4.5
SUDESTE 56.6 55.3 52.1
Minas Gerais 9.1 10.1 9.9
Espírito Santo 2.3 2.6 2.3
Rio de Janeiro 9.9 8.5 8.2
São Paulo 35.4 34.1 31.6
SUL 16.2 15.6 16.6
Paraná 5.5 5.1 5.9
Santa Catarina 3.7 3.8 4.1
Rio Grande do Sul 7.1 6.6 6.7
CENTRO-OESTE 7.9 8.4 9.2
Mato Grosso 1.8 2.0 2.1
Mato Grosso do Sul 1.4 1.7 1.9
Goiás 2.9 3.0 3.4
Distrito Federal 1.9 1.7 1.8
Fonte: Secretaria de Fazenda, Finanças ou Tributação159.
159 https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/boletim-do-icms/@@consulta_arrecadacao. Acesso
18/03/2017.
165
Gráfico 1 – Participação relativa das grandes regiões - ICMS, 2002 e 2014.
Fonte: Secretaria de Fazenda, Finanças ou Tributação. Elaboração da autora.
Embora notória a elevação da renda das camadas mais pobres como resultado de
um conjunto articulado de políticas públicas, elevando a capacidade de consumo nos estados
periféricos, o avanço foi tímido e a perspectiva atual é de recuo a partir da reforma trabalhista,
do congelamento dos gastos sociais e da reforma previdenciária (em curso). O enfrentamento
ao abismo que separa a extrema pobreza da riqueza exige um esforço maior do governo federal,
com investimento em infraestrutura capaz de alterar a configuração espacial das cadeias
produtivas, em paralelo a ações de reestruturação do sistema de educação (ensino e pesquisa).
Tabela 9 - Distribuição percentual das empresas comerciais, por Grandes Regiões,
segundo as variáveis selecionadas – 2014.
Grandes regiões
Receita bruta de
revenda
Salários e outras
rendas
Pessoal
ocupado
Número de
empresas
Norte 3,60% 3,00% 3,20% 1,90%
Nordeste 15,50% 13,70% 17,80% 19,80%
Sudeste 51,10% 55,50% 51,20% 48,40%
Sul 20,00% 19,70% 19,50% 22,00%
Centro-Oeste 9,80% 8,10% 8,30% 7,90%
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Serviços e Comércio, Pesquisa Anual de Comércio 2014.
4,9
14,4
56,6
16,2
7,96,2
15,9
52,1
16,6
9,2
0
10
20
30
40
50
60
NORTE NORDESTE SUDESTE SUL CENTRO-OESTE
2002 2014
166
Tabela 10 - Distribuição percentual das empresas comerciais, por Grandes Regiões,
segundo as variáveis selecionadas – 2002.
Grandes regiões
Receita bruta de
revenda
Salários e outras
rendas
Pessoal
ocupado
Número de
empresas
Norte 2,89% 2,17% 2,19% 1,22%
Nordeste 12,62% 11,47% 15,47% 17,78%
Sudeste 54,52% 59,58% 53,84% 50,99%
Sul 21,31% 19,58% 19,98% 21,84%
Centro-Oeste 8,66% 7,20% 8,53% 8,17%
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Serviços e Comércio, Pesquisa Anual de Comércio 2002.
I.4 – Concentração na Indústria da Construção Civil
Para finalizar a demonstração de que a concentração regional é constatada em todos
os setores, destacamos a construção civil do setor industrial, dada sua capilaridade e o
incremento de recursos destinados a esse setor, no período 2003-2014, como parte de uma
política de redução do déficit habitacional no país, priorizando as camadas socialmente mais
vulneráveis. Em 2002, o setor contava com 122,89 mil empresas e 1,47 milhão de pessoas
ocupadas. De 2002 a 2014, o número de empresas não cresceu muito (128 mil), mas o número
de pessoas ocupadas dobrou passando para 2,9 milhões. Houve o ingresso de empresas de
pequeno porte para obras pequenas assim como um forte processo de fusões e aquisições,
elevando a força das organizações que já dominavam os principais segmentos do mercado. Este
é um setor em que 100 empresas dominam o mercado de obras de grande porte e edificações,
com fortes barreiras à entrada, constituindo-se em uma das cadeias produtivas mais organizadas
do país.
As Tabelas 11 e 12 ratificam a tese de que a concentração espacial da atividade
produtiva pode ser constatada em todo e qualquer setor, com variações muito sutis entre eles.
Destaca-se, para cada ano, o descolamento entre salários/outras rendas e volume de pessoal
ocupado para a região Nordeste. Em 2014 (Tabela 11), a região respondia por 14,97% do
conjunto de rendimentos, porém, empregava 20,35% de todo o pessoal do setor, reafirmando o
que já havia sido apontado no início do capítulo (Quadro 1). Enquanto no Estado do Piauí, a
renda média mensal paga na construção civil correspondia a 1,6 sm, no Estado do Rio de Janeiro
correspondia a 3,6 sm. Em 2002 (Tabela 12), a situação é semelhante: há o mesmo
distanciamento entre proporção de pessoal ocupado e massa salarial tanto para o Nordeste
quanto para o Sudeste, embora as situações sejam invertidas.
167
Tabela 11 - Distribuição percentual das empresas da indústria da construção civil, por
Grandes Regiões, segundo as variáveis selecionadas – 2014.
Grandes regiões
Participação no vlr. das
incorporações, obras e/ou
serv. da construção
Salários e
outras rendas
Pessoal
ocupado
Número de
empresas
Norte 3,58% 3,07% 4,22% 3,51%
Nordeste 14,97% 14,97% 20,35% 13,94%
Sudeste 59,45% 61,83% 53,12% 47,92%
Sul 13,91% 13,28% 14,85% 26,48%
Centro-Oeste 8,08% 6,85% 7,47% 8,16%
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria, Pesquisa Anual Indústria da Construção 2013-
2014
Tabela 12 - Distribuição percentual das empresas da indústria da construção civil, por
Grandes Regiões, segundo as variáveis selecionadas – 2002.
Grandes regiões
Participação no vlr. Das
incorporações, obras e/ou
serv. da construção
Salários e
outras rendas
Pessoal
ocupado
Número de
empresas
Norte 3,58% 3,29% 4,02% 4,60%
Nordeste 14,05% 13,78% 18,85% 15,88%
Sudeste 62,90% 64,19% 55,82% 47,41%
Sul 11,65% 12,07% 14,48% 25,96%
Centro-Oeste 7,82% 6,67% 6,83% 6,15%
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria, Pesquisa Anual Indústria da Construção 2002.
I.5 - Considerações acerca dos quatro setores
A possibilidade de desconcentração das cadeias produtivas organizadas reside em
investimentos na infraestrutura (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, abastecimento regular
de água potável, fornecimento de energia elétrica e eficiente sistema de comunicação em todo
o território nacional) e no fortalecimento de instituições de ensino e pesquisa nos estados
periféricos, de modo a engendrar um processo de reconfiguração espacial da produção que
resulte em maior participação dos estados periféricos na produção nacional, mas não em
condição de subordinação aos interesses políticos e econômicos do centro dinâmico. A
desconcentração da renda passa pela desconcentração espacial da produção, instrumentalizando
adequadamente todos os estados e possibilitando a formação de novas cadeias produtivas entre
os entes federativos de uma mesma região. Enquanto a geração de riqueza estiver,
proporcionalmente, descolada da representação demográfica, as desigualdades sociais
continuarão muito acentuadas, a despeito das transferências constitucionais a título de fundo de
participação a estados e municípios (FPM e FPE).
168
Alterações na participação da região Sudeste no PIB nacional têm sido
influenciadas muito mais pelo processo de desindustrialização, ora em curso no país, pela
conjuntura do mercado internacional associada a alterações cambiais, preços de commodities e
taxa de juros do que por políticas públicas compensatórias, embora tais políticas tenham
contribuído com a elevação do consumo no mercado doméstico, assegurando o crescimento do
PIB em 2010, após a crise financeira do mercado internacional em 2008, com um bom
desempenho de todos os setores.
A força econômica da região Sudeste se assenta na articulação de todos os grandes
setores e subsetores, constituindo sólidas cadeias produtivas organizadas. Os dados aqui
analisados ajudam a compreender que não é possível a uma região ter forte representação na
indústria e uma fraca representação em outros setores, visto que a decisão de investir segue, em
princípio, a lógica das economias de aglomeração, o que significa que o setor de serviços será
forte onde a indústria se apresenta forte. Grande parte dos subsetores de serviços estão, de
algum modo, atrelados à atividade industrial. O setor de comércio, por sua vez, será mais forte
nas regiões onde circula maior volume de renda. Desse modo, as cadeias produtivas foram se
formando no território nacional, guiadas pela busca de lucros elevados e riscos moderados, com
o apoio de investimentos do governo nacional para demandas apresentadas pelos entes
federativos.
II – Limitada capacidade de intervenção dos entes federativos periféricos
O propósito deste item é discutir as dificuldades que os entes federativos periféricos
enfrentam para vencer a condição de subdesenvolvimento, dadas as limitações de arrecadação
tributária e insuficiência de transferências constitucionais para fazer face à superação da
pobreza e da extrema pobreza, a partir da geração de emprego e renda em bases sustentáveis.
A capacidade de intervenção de cada ente federativo está diretamente relacionada à sua
capacidade de produção e arrecadação, numa perspectiva de se criar um ambiente atrativo a
novos investimentos privados, consolidando-se cadeias produtivas densamente organizadas,
com capacidade de expansão à luz da própria lógica de reprodução capitalista. Os mecanismos
de distribuição de riqueza serão efetivos, apenas, quando redistribuídas espacialmente as
cadeias produtivas organizadas, ainda que se produza tensão política entre os entes federativos.
Se a principal fonte de arrecadação dos estados é o ICMS e 80% desta receita se
concentra em dez entes federativos (Quadro 2), qualquer obra de infraestrutura de maior
169
envergadura nos estados periféricos exige o apoio do Estado Nacional. É preciso, sobretudo,
fortalecer as instituições de fiscalização do orçamento público, a fim evitar que os entes
federativos sejam lesados por má gestão, especialmente os estados mais pobres. O desvio de
recursos do erário público confunde a população acerca do papel do Estado, fazendo parecer
que sua presença é nefasta, quando, só através dele e do fortalecimento institucional, é possível
corrigir as distorções produzidas pelas engrenagens do sistema capitalista de produção, desde
que sob o comando de um governo que tenha tal compreensão, posto que governos neoliberais
tendem a elevar essas distorções.
Quadro 2 – Os dez maiores estados arrecadadores de ICMS no Brasil, 2010 a 2015.
Fonte: Minifaz/Cotepe. http://www.bcb.gov.br/pec/Indeco/Port/indeco.asp.
A título de ilustração, tome-se como referência o serviço de saúde pública, para o
qual investimento de estados mais pobres é proporcionalmente elevado em relação ao PIB e,
em valores absolutos, muito menor que o valor registrado pelos estados mais ricos, porém, os
preços de mercado para qualquer procedimento de saúde é o mesmo em todo o país e o grau de
cobertura por plano de saúde é menor nos estados mais pobres. Essa é uma equação
visivelmente desfavorável aos estados mais pobres que influencia negativamente o IDHM.
Centros equipados para tratamento de câncer terão o mesmo custo de manutenção, seja no Acre
(participação de 0,2% na arrecadação de ICMS, 2014) ou no Estado de São Paulo (participação
de 31,6% na arrecadação de ICMS, 2014). Em 2012, o Estado do Maranhão recebia um
investimento público em saúde na ordem de 6,33% do seu PIB enquanto São Paulo recebia um
investimento de 2,58%, no entanto, os valores absolutos eram, respectivamente, R$ 519,11
(MA) e R$ 924,70 (SP). Para piorar a situação, apenas 6,5% da população maranhense tinha
cobertura de plano de saúde, enquanto em São Paulo a cobertura correspondia a 44,4%. Em
resumo, nos estados mais pobres, um número maior de pessoas depende da saúde e demais
serviços públicos. Diante da incapacidade de atendimento, esses estados colocam em risco a
vida da população local, o que se comprova a partir de menor expectativa de vida e elevada
taxa de mortalidade infantil.
(% )
SP RJ MG RS PR BA SC PE GO ES (a/b)
2010 92 317 23 002 27 188 17 893 13 870 12 143 10 366 8 411 8 170 6 965 220 325 270 726 81,4
2011 107 427 25 155 29 219 19 503 15 962 13 231 12 514 9 926 9 875 8 561 251 373 307 397 81,8
2012 109 104 27 773 32 100 21 378 17 860 14 443 12 719 10 602 11 369 9 222 266 570 330 175 80,7
2013 121 912 31 646 35 953 24 061 20 758 16 832 14 011 11 709 12 138 8 787 297 806 369 269 80,6
2014 122 836 31 887 38 288 25 854 22 816 18 117 15 770 12 660 13 253 9 026 310 505 388 667 79,9
2015 125 990 33 034 37 947 27 126 24 942 19 290 16 071 12 840 13 745 9 473 320 458 402 020 79,7
PeríodoEstados Selecionados 10 Estados
(a)
Brasil
(b)
170
A dificuldade de investimento público se estende a educação, distribuição de água
e rede de esgotamento sanitário e infraestrutura, o que só pode ser realizado com um projeto
nacional de desenvolvimento capaz de inserir na agenda de governo a superação desses
gargalos. Se o Estado Nacional não intervir para equalizar essas diferenças ou tomar
providências para alterar a distribuição espacial da geração de riqueza, as desigualdades sociais
e econômicas serão perpetuadas. O desenvolvimento em bases sustentáveis está condicionado
à redução das desigualdades sociais e impactos ambientais, ao acolhimento às demandas de
grupos marginalizados, ao respeito à diversidade cultural e à desconcentração econômica na
perspectiva de que seu desdobramento tenha alcance social, político e ambiental.
III – Sistema tributário regressivo
O terceiro obstáculo à implantação de um modelo de desenvolvimento com justa
distribuição da riqueza e, portanto, à redução das desigualdades sociais é a regressividade do
sistema tributário brasileiro que onera mais as camadas mais pobres, concentradas nas regiões
Norte e Nordeste. O Índice de Desenvolvimento Humano de um país guarda uma relação muito
estreita com o sistema tributário associado a uma agenda de governo que define as prioridades
em conformidade com a predominância da ideologia política que se assenta entre os poderes
executivo e legislativo. Apostar na distribuição de renda através do gasto público, prescindindo
de um sistema tributário progressivo, estará apenas compensando uma injustiça social, ou
devolvendo aos estratos de menor renda aquilo que lhes foi confiscado injustamente. Tomando
como referência países da OCDE com melhor índice de desenvolvimento humano, constata-se
que a carga tributária é semelhante, porém, o nível de tributação sobre da renda é muito mais
elevado na Dinamarca e na Noruega que no Brasil, conforme Gráfico 2. Enquanto no Brasil, a
incidência de tributos sobre a renda correspondia a 6,11%, nos países da OCDE a média era de
11,7%, chegando a 30,7% na Dinamarca.
No que tange a tributos sobre bens e serviços, ocorre o contrário: enquanto no Brasil
a incidência é 17,9%, entre os países da OCDE a média corresponde a 11,5%, chegando 4,3%
nos Estados Unidos da América (Gráfico 3). De 2005 a 2009, de toda arrecadação tributária
brasileira, a que advém de renda, salários e propriedade passa de 45,62% para 49,16% da receita
tributária total e volta a cair, chegando a 47,37% em 2014 (Tabela 14). O problema do sistema
tributário brasileiro não está no tamanho da carga tributária, mas na sua regressividade, no
171
elevado nível de sonegação160 consentida e, em muitos casos, na má gestão de recursos
públicos. Em 2014, a carga tributária brasileira atingia 33,47% do PIB (Tabela 13), enquanto a
média dos países da OCDE correspondia a 35% e a Dinamarca a 48,6%. A partir de pesquisa
realizada com a declaração de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) de 2007 a 2013,
GOBETTI e ORAIR (2016) concluem que o nível de progressividade do Imposto de Renda
ainda é muito baixo, se comparado aos países mais ricos da OCDE, especialmente no que se
refere à tributação das rendas de capital.
Tabela 13 - Carga tributária e representação sobre o PIB, Brasil – 2013 e 2014.
Fonte: Ministério da Fazenda, Receita Federal/CTAD, 2015.
Tabela 14 - Evolução da participação das bases de incidência na arrecadação tributária
total, Brasil - 2005 a 2014.
Fonte: Ministério da Fazenda, Receita Federal/CTAD, 2015.
O Relatório da distribuição pessoal da renda e da riqueza da população brasileira,
elaborado a partir da declaração de Imposto de Renda de pessoa física ano-calendário 2014
(Exercício 2015), revela que, no universo de 26,5 milhões de declarantes, o centésimo mais rico
160 Estima-se que a sonegação fiscal no Brasil fique acima de R$ 400 bilhões por ano aos preços de 2017,
favorecendo principalmente as grandes organizações, muitas delas prestadoras de bens e serviços ao governo
Nacional ou aos governos subnacionais.
172
detinha 14% da renda bruta e 15% de bens e direitos líquidos, e os cinco centésimos mais ricos
detinham 28% de renda, bens e direitos líquidos161. O mesmo relatório revela que, entre os
países da OCDE com maior desigualdade de renda, o Brasil só perde para Os Estados Unidos
da América e para a Alemanha onde os cinco centésimos mais ricos respondem,
respectivamente, por 34,6% e 28,1% da renda.
Considerando que esses 26,5 milhões de declarantes formam um grupo mais
homogêneo do que o conjunto total da população ocupada em 2014, que correspondia a 99,5
milhões de pessoas, a desigualdade efetiva da renda no país é mais profunda, sobretudo porque
mais de 45% da população de 15 ou mais de idade da área rural do país auferia, em 2014, renda
média mensal de até um salário mínimo. No Nordeste, a população rural é mais representativa,
assim como o percentual dos que auferem rendimento de até um salário mínimo (Quadros 2 e
3, Parte 1.1).
Gráfico 2: Carga tributária sobre a renda, lucros e ganhos de capital, Brasil e países da
OCDE, 2013.
Fonte: Ministério da Fazenda, Receita Federal/CTAD, 2015.
161 Para maiores informações, ver Brasil, Ministério da Fazenda. Relatório da distribuição pessoal da renda e da
riqueza da população brasileira. Dados do IRPF 2015/2014. Distrito Federal: Secretaria de Política Econômica /
SPE, 2016.
173
Gráfico 3 - Carga tributária sobre bens e serviços, Brasil e países da OCDE, 2013.
Fonte: Ministério da Fazenda, Receita Federal/CTAD, 2015.
IV – Tecido social vulnerável
Este é o quarto e último item apontado como obstáculo à implantação de um modelo
de desenvolvimento em bases sustentáveis, compatível com crescimento econômico associado
à inclusão social e justa distribuição da riqueza. O abismo que separa a extrema pobreza dos
cinco centésimos mais ricos da população brasileira demanda do Estado Nacional um olhar
microscópico sobre as singularidades que definem o mosaico social deste país, assentado em
espaços geográficos igualmente singulares. Todos os indicadores socioeconômicos convergem
à mesma direção, apontando a região Nordeste como concentradora do maior percentual de
famílias em condição de pobreza e extrema pobreza, que se expressa com uma carga de
subjetividade jamais capturada pelo cruzamento de dados estatísticos.
Uma cultura contaminada por resquícios escravocratas, associada a baixo grau de
escolaridade e carente de uma formação política crítica, alimenta a resignação e a tolerância em
uma fração da sociedade que, mesmo submetida a todo tipo de exploração, não consegue
174
assumir o protagonismo na esfera política, prescindindo de um processo de reconstrução social
que assegure, em qualquer área, oportunidades iguais para todos. Esse protagonismo só poderá
ser exercido se os indivíduos forem, adequadamente, instrumentalizados e as condições básicas
de sobrevivência asseguradas. O processo de transformação social demanda uma educação
pública universalizada que estimule a reflexão e o senso crítico, particularmente, dos
marginalizados. Nesse sentido, a elevação do tempo de escolaridade é importante, mas não
suficiente ao exercício do protagonismo social.
Nos estados periféricos, a infraestrutura do sistema educacional, associada a uma
estrutura produtiva constituída de setores com baixo dinamismo e baixo conteúdo tecnológico,
condiciona a dinâmica da economia local assim como a renda média dos assalariados. Para
alguns indicadores, os estados de Alagoas, Piauí e Maranhão apresentaram, em 2014, resultados
iguais ou piores que São Paulo e Santa Catarina no ano 2000, depois de um esforço do governo
federal para melhorar as condições de saúde, educação e moradia.
Os indicadores da educação revelam a dimensão desse abismo: em 2002, a região
Nordeste registrava um percentual de 31,77% da população 18 anos ou mais de idade ocupada
(sindicalizada) sem instrução e com até um ano de estudo, enquanto a média nacional
correspondia a 12,27% e a região Sudeste a 4,58%. Com os investimentos realizados em
educação, entre 2003 e 2014, tema já tratado neste trabalho, essas taxas caem em todas as
regiões, conforme Tabela 15. Porém, embora a região Nordeste tenha apresentado um recuo
maior que a região Sudeste (42,4% e 40,2%, respectivamente), ainda mantinha em 2014 uma
taxa de 18,31% de pessoas sem instrução e com até um ano de estudo frente a 2,74% na região
Sudeste. Outro indicador para esse mesmo grupo é o percentual de pessoas com 15 anos ou
mais de estudo: apesar do avanço da região Nordeste (38,5%) ter sido superior ao da região
Sudeste (19,8%), em 2014, os percentuais de pessoas com 15 anos ou mais de estudo
correspondiam, respectivamente, a 12,95% e 25,86%.
Essas desigualdades revelam-se ainda mais acentuadas a partir dos dados
desagregados, mirando-se os estados e municípios. Em 2000, o Estado do Rio de Janeiro
apresentava uma taxa de analfabetismo para pessoas de 15 anos ou mais de idade de 6,64%,
porém, após intervenções do governo federal, essa taxa cai para 3,21% em 2014, enquanto no
Estado de Alagoas, esse percentual ainda estava em 21,97% (Tabela 16, Parte 2.1). Se a
educação é um dos pilares do processo de desenvolvimento, ignorar esse abismo significa
ignorar um dos gargalos a um projeto de desenvolvimento nacional, supondo que a linearidade
da ação seja capaz de equalizar os sons distorcidos do atraso e da pobreza.
175
Tabela 15 - Pessoas de 18 anos ou mais de idade, ocupadas e associadas a sindicato, por
grau de instrução, Brasil e macrorregiões, 2002 e 2014.
Unidade
Territorial Grupos
Ano Variação
2002-2004 2002 (%) 2014 (%)
Brasil Sem instrução e menos de 1 ano 12,27 7,9 -35,6%
15 anos ou mais de estudo 16,16 21,01 30,0%
Nordeste Sem instrução e menos de 1 ano 31,77 18,31 -42,4%
15 anos ou mais de estudo 9,35 12,95 38,5%
Norte Sem instrução e menos de 1 ano 7,09 9,55 34,7%
15 anos ou mais de estudo 13,22 18,45 39,6%
Sudeste Sem instrução e menos de 1 ano 4,58 2,74 -40,2%
15 anos ou mais de estudo 21,58 25,86 19,8%
Sul Sem instrução e menos de 1 ano 4,82 2,39 -50,4%
15 anos ou mais de estudo 13,35 22,14 65,8%
Centro-Oeste Sem instrução e menos de 1 ano 5,6 3,15 -43,8%
15 anos ou mais de estudo 20,99 28,67 36,6%
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração própria.
Para qualquer indicador social ou econômico, as diferenças entre indivíduos são
acentuadas, em grande medida, definidas pelas diferenças regionais, seja pela perspectiva do
mercado de trabalho, da estrutura produtiva ou da capacidade de arrecadação e intervenção do
Estado. Pelo Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento, são consideradas
vulneráveis à pobreza famílias com renda per capita domiciliar de até meio salário mínimo. Em
2000, 81,41% da população do Estado de Maranhão se encontrava nessa condição, enquanto
no Estado de São Paulo, apenas, 26,55%. Esse é o tecido social fragmentado que compõe o
país.
Para os anos 2002 e 2014, foram selecionados seis indicadores para medir o grau
de vulnerabilidade do tecido social de cada ente federativo. Os indicadores foram renda, taxa
de indigentes, taxa de pobreza, mortalidade infantil, trabalho informal e taxa de analfabetismo,
cujas fontes foram IPEADATA, IBGE e Atlas de Desenvolvimento Humano. Observa-se que
a curva de 2014 é menos sinuosa em relação a de 2000, o que demonstra um resultado exitoso
das políticas públicas implantadas no período 2003-2014, porém, seja para 2002 ou para 2014,
o índice de vulnerabilidade social mostra-se mais acentuado nos estados que compõem a região
Nordeste (Gráfico 4). Isso significa que é necessário um esforço para além das políticas
compensatórias com vistas à redução das desigualdades regionais e sociais.
176
Gráfico 4 – Índice de vulnerabilidade social, Brasil – 2002 e 2014.
Fonte: IPEADATA/Social - Grau de informalidade; IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios; Atlas
de Desenvolvimento Humano/ Radar IDHM. Elaboração da autora.
A tentativa de redistribuir renda por meio de políticas compensatórias tem
produzido tensão na arena política, explorada pelos conservadores como estratégia de
inviabilizar uma agenda de inclusão social. Para essa empreitada, os defensores da meritocracia
têm contado com o apoio tanto da “classe emergente” quanto da própria classe beneficiária, por
motivações distintas: a primeira, descontente em contribuir com a mobilidade social das classes
“D” e “E” e a segunda, incapaz de reconhecer que suas conquistas são derivadas de uma política
de acolhimento aos socialmente vulneráveis e não apenas do mérito individual.
O Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios é mais um indicador que
joga luz nesse mosaico territorial marcado por desigualdades sociais e econômicas. Agregando
indicadores de educação, renda e longevidade, o IDHM 2014 oscila nas cinco escalas (de muito
baixo a muito alto): em 2010, enquanto São Caetano do Sul (SP) assumia o primeiro lugar e
apresentava IDHM de 0,862, Melgaço (PA) apresentava IDHM de 0,418162. Entre os 5.565
municípios, em 2010, 32 estavam com IDHM muito baixo (abaixo de 0,500). Os 134
municípios com IDHM mais baixo (IDHM ≤ 0,525) em 2010 estavam localizados entre as
regiões Norte e Nordeste. Para os 100 municípios com IDHM mais elevado, à exceção de
Fernando de Noronha (PE), Palmas (TO), Cuiabá (MT) e Distrito Federal, os demais municípios
(IDHM ≥ 0,784) se concentravam nas regiões Sul e Sudeste.
162 Para maiores informações, consultar relatório PNUD no site:
http://www.pnud.org.br/content/brazil/pt/home/idh0/rankings/idhm-municipios-2010.html.
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
RO AC
AM RR
PA
AP
TO MA PI
CE
RN PB PE
AL
SE BA
MG ES RJ
SP PR SC RS
MS
MT
GO DF
Índice de Vulnerabidade Social
INDVULN 2014 INDVULN 2002
177
Conclusão
Com o propósito de investigar a efetividade das políticas públicas implantadas no
Brasil com vistas ao enfrentamento das desigualdades sociais e da extrema pobreza no período
2003-2014, percorremos etapas anteriores, definindo como ponto de partida a década de 1930
que coincide com as primeiras ações em direção à construção do Estado Social no país163,
gestado em um regime autoritário com a finalidade de assegurar estabilidade política e não a
redução de desigualdades sociais164. Ademais, o trabalho assalariado era imprescindível a essa
nova fase da economia nacional, mais industrializada, moderna e urbanizada, com foco no
consumo doméstico.
Enquanto fenômeno multidimensional, a desigualdade social não se restringe aos
elementos quantificáveis (renda, saúde, educação, habitação, cultura), mas se expande pelo
universo da subjetividade, incluindo relações humanas experimentadas na teatralidade
quotidiana, marcada por subjugo e preconceitos forjados. Entretanto, o alcance desta pesquisa
se restringe à análise dos dados estatísticos, agregados por unidade federativa e, às vezes, por
macrorregião165, que nos impossibilita perceber a diversidade e as particularidades dos
microespaços. Em outras palavras, é possível que um município que integra um estado com
pouca densidade econômica e indicadores sociais compatíveis com alta vulnerabilidade social
tenha apresentado, para o período 2003-2014, resultados mais significativos que um município
situado em um estado de maior densidade econômica e melhor tecido social. Isso reforça a tese
de que as desigualdades se reproduzem em todas as escalas, no interior de cada região, de cada
estado e de cada município. Também é possível que municípios muito pobres, uma vez
contemplados com transferências de renda por meio de programas sociais, crédito a juros
subsidiados a pequenos empreendedores e valorização do salário mínimo, com impactos sobre
pensões e aposentadorias, tenham apresentado um resultado mais expressivo (em variação
percentual, mas não em volume) no padrão de consumo e na dinâmica da economia local que
estados mais ricos, posto que, nestes, a mesma intervenção terá, proporcionalmente, um peso
menor, em razão da existência de ouras fontes de renda e de uma dinâmica econômica definada
por cadeias produtivas mais densas e melhor estruturadas.
163 Para maior aprofundamento sobre o Estado Social, ver DRAIBE, 1993a. 164 Nessa fase (1930-1945), o Estado Social se restringe à regulamentação das relações entre capital e trabalho,
com criação de institutos previdenciários e aprovação da CLT. 165 A agregação de dados sempre esconde uma parte da realidade.
178
A análise das desigualdades sociais no Brasil, ora apresentada, é feita a partir de
recortes de um universo infinitamente mais complexo. O período de análise se restringe ao hiato
temporal 2003-2014, o olhar sobre a intervenção do Estado limita-se às políticas públicas de
saúde, educação, assistência social, habitação/saneamento e trabalho e o período histórico para
melhor compreensão dos fios condutores parte da década de 1930. Tal recorte deixou de lado
grande parte dos investimentos públicos166 e o volume total de crédito, por modalidade, apesar
de seus efeitos sobre os investimentos privados. Além das dificuldades de alcance a tudo o que
está vinculado às desigualdades sociais (causa e efeito), esse recorte se justifica pelo expressivo
crescimento do gasto social federal sobre o PIB (passa de 12,8% para 17,5%) e pelos avanços
na esfera do trabalho, no período analisado.
De 1930 a 1985, tem-se 36 anos de regime ditatorial (1930-45 e 1964-85) com
intervalo de 19 anos de regime democrático, possivelmente, contaminados por traços culturais
que não se apagam no curto prazo. E como dizia Celso Furtado, “Existe evidência estatística de
que os regimes autoritários favorecem a concentração de renda” (FURTADO, 1992). A CF
1988 nasce logo após o fim do 2º regime autoritário e representa um grande avanço do Estado
Social a partir da universalização dos direitos fundamentais, incluindo a seguridade social.
Todavia, a década de 1990 estreia com a consolidação do neoliberalismo no país, provocando
grande retrocesso na esfera do trabalho, com plano de demissão voluntária (PDV) para
viabilizar as privatizações, defasagem salarial, terceirização de atividade meio e contrato
temporário. A massa salarial dos 60% mais pobres permanece quase inalterada entre 1991 e
2000, passando de 15,70% para 15,90%167, fruto de elevação do desemprego, expansão da
informalidade e pressão sobre salários. Além da precarização do trabalho, o país torna-se palco
de acelerado processo de privatizações e desregulamentação dos mercados, resultando na
elevação do grau de financeirização da riqueza e instabilidade econômica.
O período 1930-1970 registra forte concentração espacial da atividade produtiva
nas regiões Sudeste e Sul, particularmente, no estado de São Paulo que, em 1970, concentrava
58,1% do VTI da região Sudeste e esta, por sua vez, concentrava 80,7% do VTI nacional. O
Sudeste sediou a indústria de base, os primeiros portos, aeroportos, rodovias, sistema financeiro
nacional e sistema de comunicação, condições necessárias à dinâmica econômica com enorme
166 Exceto os que se referem a habitação/saneamento, saúde e educação/cultura, inclusos no montante do gasto
social. 167 Para o período 2000-2010, a massa salarial dos 60% mais pobres passa de 15,90% para 19,23%, refletindo a
valorização do salário mínimo e a redução da informalidade, do trabalho infantil e do trabalho análogo ao
escravo. Fonte: Atlas Radar IDHM.
179
vantagem competitiva em relação aos demais entes federativos. A partir da década de 1980, o
país começa a experimentar uma desaceleração da indústria de transformação, seguindo uma
tendência dos países capitalistas mais desenvolvidos e afetando, em boa medida, a participação
do Estado de São Paulo sem, no entanto, ameaçar sua liderança. Esse fenômeno é seguido das
deseconomias de aglomeração e da guerra fiscal168 que se instala a partir do pacto federativo na
década de 1990, reforçando o movimento de desconcentração da atividade produtiva, porém,
moderadamente.
Em 2014, a participação do Sudeste no VTI caíra dos 80,7% (1970) para 58,67%,
entretanto, o Estado de São Paulo concentrava um terço de toda a produção nacional e da
produção industrial, os setores mais dinâmicos da indústria, as unidades que compõem o
sistema financeiro nacional e as instituições de ensino e pesquisa dotadas de melhor
infraestrutura, influenciando a renda per capita e o dinamismo econômico daquela região. Os
avanços sociais não foram acompanhados de uma alteração na estrutura que produz e alimenta
as desigualdades econômicas e sociais no país. Tomando como referência a participação dos
entes federativos no PIB nacional, percebe-se que apenas dois estados (SP e RJ) respondem por
43,76% do PIB 2014, enquanto oito estados das regiões Norte e Nordeste respondem por apenas
3,68% no mesmo ano (Tabela 1, Parte II.2). Entre 2002 e 2014, a participação do Nordeste no
PIB nacional passa de 13,09% para 13,93%, enquanto a da região Sudeste passa de 55,8% para
54,94%.
O início do século XXI registra um ponto de inflexão na trajetória do Estado Social
no país. Embora os governos progressistas não tenham conseguido romper com o
neoliberalismo econômico, fizeram um enorme esforço na perspectiva de dar mais efetividade
ao texto constitucional (CF 88), alcançando resultados significativos na área social, apesar das
concessões feitas ao capital privado (crédito que irrigou os setores de educação privada e
construção civil, renúncia fiscal, terceirização de serviços de saúde pública etc.).
A averiguação do desempenho das políticas públicas direcionadas à redução das
desigualdades sociais no país, no período 2003-2014, deu-se confrontando-se a intervenção do
Estado na área social e na esfera do trabalho com os resultados alcançados, medidos a partir
dos indicadores sociais. Do lado das intervenções estatais, destacam-se: a) valorização do
salário mínimo; b) extensão de direitos trabalhistas a empregados (as) domésticos (as); c)
168 A guerra fiscal só favorece alguns poucos estados, reproduzindo no interior de cada região o mesmo padrão
de concentração nacional.
180
valorização dos salários de professores do ensino médio e do ensino fundamental; d)
reestruturação, modernização e ampliação dos serviços de saúde, educação; e) ampliação do
público alvo beneficiário dos programas de assistência social, com benefícios reajustados
anualmente acima da inflação; e) investimentos em redes de eletrificação rural e redes de
esgotamento sanitário; e f) financiamento de habitação popular, além da expansão de crédito
subsidiado para construção e reformas.
Em resposta às intervenções do Estado, destacam-se como principais resultados: a)
redução da pobreza e da extrema pobreza; b) inserção de 21 milhões de pessoas no mercado de
trabalho formal frente aos 28,68 milhões registrados em 2002, totalizando 49,57 milhões de
pessoas empregadas com carteira assinada em 2014169; c) elevação do poder de compra dos
estratos de baixa renda; d) redução do Índice de Gini; e) redução da taxa de mortalidade infantil;
f) elevação da expectativa de vida; g) redução do déficit habitacional; e h) melhoria das
condições de saúde e educação em todos os estados da federação, refletindo-se na evolução do
IDHM. Muitos dos resultados alcançados vão além do que os dados estatísticos conseguem
revelar, a exemplo do grau de empoderamento de grupos até então marginalizados, dado o
acesso a trabalho, cultura, educação e condições dignas de moradia.
É importante considerar que esse conjunto articulado de políticas públicas foi muito
além da transferência direta de renda, visto que o desembolso com assistência social (Programa
Bolsa Família - PBF e Benefício de Prestação Continuada - BPC) representava apenas 8,9% de
todo gasto social de 2014 ou 1,5% do PIB, enquanto educação/cultura, que é um instrumento
de empoderamento, correspondia a 15,3% de todo o gasto social ou 2,7% do PIB, no mesmo
ano, sem falar da liberação de crédito subsidiado a microempreendedores e ao desenvolvimento
agrário. Os investimentos em educação e cultura, assim como o crédito destinado ao
empreendedorismo rural ou urbano são políticas emancipatórias, porém, os resultados da
educação são alcançados em prazo mais longo e, por isso, de difícil mensuração no curto prazo,
o que leva a avaliações de limitado alcance quanto ao efeito multiplicador desse gasto, do ponto
de vista social.
Apesar das evidências de êxito das políticas sociais implantadas entre 2003-2014,
grande parte delas fica muito vulnerável a mudanças de governo, visto depender das
transferências diretas de renda a beneficiários, cujos critérios podem ser alterados à luz de
políticas de maior austeridade fiscal. É preciso compreender que os fios condutores das
169 Relatório RAIS/MTE 2014.
181
desigualdades sociais no Brasil se cruzam com os fios que tecem as desigualdades econômicas
e regionais, como se formassem um circuito integrado de mecanismos que se retroalimentam
continuamente, desenhando uma paisagem marcada, de um lado, pela extrema pobreza e, do
outro, por uma minoria detentora de grande fortuna, objeto de especulação financeira e
imobiliária. Enquanto, para uns, terra e renda seriam fontes de sustento, para outros, são apenas
ativos, reservas de valor para fins especulativos, símbolo de status social.
O abismo que separa pobres e ricos no Brasil, marcado pela propriedade patrimonial
e apropriação da renda, não pode ser resolvido apenas com políticas compensatórias. Carece de
uma intervenção estatal mais complexa e de maior envergadura, envolvendo as três esferas de
governo, mas sob a coordenação do Estado Nacional que se apropria de quase 60% da receita
tributária líquida, tem sob seu comando os principais bancos de fomento e maior capacidade de
endividamento. Um projeto de desenvolvimento em bases sustentáveis demanda intervenções
estruturais que, dotando os estados periféricos de condições competitivas no que tange à
infraestrutura produtiva e sistema de educação/pesquisa/desenvolvimento tecnológico, possam
inseri-los no setor produtivo nacional em condição semelhante à dos grandes centros dinâmicos.
O projeto industrializante no país se deu de forma fragmentada e seletiva, sem nunca ter
efetivado a integração nacional, senão nos moldes de subordinação que se reproduz na esfera
social. A configuração da sociedade brasileira reflete a herança de um modelo escravocrata de
subjugo e predominância (consentida) do mais forte. O rompimento dessa cultura carece de
uma tomada de consciência e de atitude, numa perspectiva de equilibrar o jogo entre atores
sociais e agentes econômicos.
Recorrendo à hipótese de que os entes federativos mais pobres respondem mais
timidamente às políticas públicas voltadas à redução das desigualdades sociais, nossa conclusão
é que, para os indicadores influenciados pela transferência direta de renda ou investimento
direto do governo federal para o enfrentamento de desigualdades regionais, a exemplo de
abastecimento de água canalizada ou eletrificação rural, os estados de menor densidade
econômica (baixa participação no PIB industrial, baixa diversificação produtiva, baixa renda
per capita, baixo conteúdo tecnológico) e maior vulnerabilidade social apresentaram resultados
positivos com maior variação percentual, mas nem sempre com maior volume170. Isso acontece,
170 Tomando como referência dois estados de mesmo tamanho, um de menor densidade econômica (Maranhão) e
outro com economia e tecido social de melhor estrutura (Santa Catarina), temos que para o consumo de máquina
de lavar, Maranhão tinha 69 mil domicílios com máquina de lavar em 2002 (correspondia a 4,99% dos
domicílios) e Santa Catarina, 878 mil domicílios (53,14%). Em 2014, esses números se elevaram: Maranhão
sobe para 387 mil (20% dos domicílios com um acréscimo de 318 mil domicílios ou variação de 461%) e Santa
Catarina para 2,02 milhões (84,8% dos domicílios com um acréscimo de 1,14 milhão de domicílios ou
182
principalmente, para indicadores muito próximos de zero, a exemplo do consumo da máquina
de lavar.
Para indicadores que dependem da estrutura produtiva, o processo de
desindustrialização contaminou os dados por exercer grande influência sobre os estados com
maior participação no PIB industrial, a exemplo de São Paulo, cuja participação no PIB passou
de 34,85% para 32,15% e dos impostos sobre a produção nacional, de 40,31% para 37,87%.
Entretanto, com baixa participação no PIB industrial, Alagoas também teve sua participação no
PIB nacional reduzida de 0,77% para 0,71%, embora a participação dos impostos no PIB tenha
subido de 0,43% para 0,46%, graças ao incremento de consumo (Tabela 1, parte 2.2). No
Nordeste, Bahia e Sergipe apresentaram queda tanto na participação do PIB quanto na
arrecadação de impostos; no Sul, com exceção do Rio Grande do Sul, os demais apresentaram
evolução e na região Centro Oeste todos avançaram nos dois indicadores.
O desempenho de estados pobres e ricos não segue uma lógica linear para todos os
indicadores, dada a diversidade de variáveis que lhes influenciam, incluindo a variável gestão
pública, descartada neste trabalho em função da indisponibilidade de dados confiáveis sobre
uso responsável do erário público, desvio de recursos públicos, composição de equipe técnica,
padrão de qualidade dos projetos de desenvolvimento (elaboração/execução) em conformidade
com as particularidades de cada microespaço. Gestão pública é uma variável que merece
atenção, dada sua relevância no padrão de desenvolvimento dos entes federativos, apesar da
constante renovação das equipes técnicas, a cada renovação de mandato do poder executivo e
da representação parlamentar dos entes federativos.
Houve avanços sociais em todos os entes federativos, sem alterar a desigualdade
abismal e sem comprometer a posição dos estados mais ricos no ranking nacional para os
principais indicadores socioeconômicos (renda, esperança de vida ao nascer, mortalidade
infantil, grau de indigência, IDHM etc.). Alagoas, Maranhão e Piauí continuam liderando os
indicadores que expressam o atraso socioeconômico e a concentração da pobreza, enquanto São
Paulo continua sendo o centro dinâmico da economia nacional e Santa Catarina lidera os
melhores resultados para os indicadores sociais.
crescimento de 129,84%). Portanto, Maranhão apresentou uma variação percentual maior porque seu percentual
estava mais próximo de zero, mas Santa Catarina apresentou uma evolução de maior conteúdo.
(IBGE/PNAD/Pesquisa Básica – Tabela 1954)
183
Ao final da investigação, chega-se à conclusão de que, embora as políticas de
transferência de renda tenham sido imprescindíveis à retirada de muitas famílias da condição
de extrema pobreza e que a elevação do gasto social em outras áreas (saúde, educação/cultura
e habitação) tenha sido uma forte aliada, potencializando o esforço do governo numa
perspectiva de inclusão social, há uma carência de investimentos em infraestrutura voltada ao
fortalecimento dos estados nanicos, pobres e periféricos, de modo que possam ser inseridos na
economia nacional em condições semelhantes aos estados que concentram a atividade industrial
e os setores mais dinâmicos e rentáveis. Os estados mais pobres são marcados por: a) estruturas
produtivas de baixo conteúdo tecnológico; b) indústria de transformação concentrada em
poucos subsetores e com baixa participação no PIB estadual e no PIB nacional; c) forte
concentração fundiária; e d) elevado grau de informalidade, culminando com uma média
salarial muito abaixo da média nacional.
Não existe uma correlação positiva entre desigualdade social elevada e estado pobre
ou estado rico. O que se observa, a partir do Índice de Gini, é que, em todos os entes federativos,
o coeficiente de Gini caiu, demonstrando uma redução da concentração de renda em resposta a
políticas de proteção social e proteção ao trabalho, entretanto, Maranhão apresentou um Gini
(0,529) próximo ao Estado do Rio de Janeiro (0,525), em 2014, do mesmo modo que Amapá
apresentou um Gini (0,470) próximo ao registrado no Estado do Rio Grande do Sul, no mesmo
ano (Tabela 3, Parte 2.1). Entretanto, ao se considerar o território nacional com suas
desigualdades sociais, econômicas e regionais, percebe-se que a diferença entre o máximo e o
mínimo para renda ou qualquer outro indicador no interior de cada estado é menor que o
máximo e o mínimo para o território nacional. Em outras palavras, o pobre do Piauí está
submetido a uma realidade de maior privação que o pobre de Santa Catarina, do mesmo modo
que os que compõem o primeiro percentil mais rico do Estado de Alagoas não se equiparam
aos que compõem o primeiro percentil mais rico do Estado de São Paulo, seja em ativos ou
renda.
É preciso compreender que as desigualdades regionais, em grande media,
alimentam e fortalecem as desigualdades econômicas e sociais. Enquanto alguns estados estão
discutindo elevar os investimentos em pesquisa científica e inovação tecnológica, outros ainda
enfrentam a ausência de distribuição de água, energia elétrica e sistema eficiente de
comunicação. Um projeto de desenvolvimento assentado em bases sustentáveis precisa
homogeneizar as condições estruturais de produção de riqueza e produção do conhecimento.
As diferenças sociais e regionais são compreensíveis, mas, no Brasil, elas afrontam a dignidade
184
humana, visto que o saldo de todas as formas de concentração e desigualdade se traduzem num
caldo de injustiça social que, de tanto tempo experimentada, passou a ser banalizada e suportada
como consequência natural do sistema de produção, sem qualquer reação. Segundo MARCUSE
(1973), uma sociedade guiada pelo consumo submerge a um profundo estado de alienação e a
padronização do consumo não põe fim às desigualdades sociais, posto que operários e patrões
continuam sendo duas categorias distintas, numa relação de subordinação.
Os estratos sociais mais vulneráveis, desprovidos de boa formação educacional,
renda para assegurar as condições básicas de sobrevivência e consciência de classe que lhes
permita o engajamento a movimentos sociais organizados, não parecem qualificados ao
exercício do protagonismo na esfera política, exceto os movimentos rurais organizados que
representam pouco mais de 1% da população brasileira171, com história de luta marcada por
enfrentamentos sangrentos, nem sempre com o apoio do Estado, mas com conquistas sociais,
políticas e econômicas relevantes. As elevadas taxas de analfabetismo da população em
condição de extrema pobreza refletem a fragilidade do tecido social dos territórios periféricos
e influenciam o nível de estagnação econômica e social dessas regiões.
As bases do elevado déficit social do país repousam, de um lado, sobre a
concentração fundiária e a exploração do trabalho análogo ao escravo e, do outro, sobre as
desigualdades produzidas no âmago do sistema de reprodução capitalista que adota a
meritocracia como o mecanismo de distribuição da riqueza, ignorando as assimetrias de força
competitiva entre os diversos recortes sociais (homens e mulheres, pobres e ricos, negros e
brancos, habitantes rurais e urbanos). Guardiã da falácia “as oportunidades são iguais para
todos”, a meritocracia é um mecanismo de recrudescimento das desigualdades e injustiças
sociais, incorporada ao discurso dos que defendem o status quo como escudo de proteção
pessoal. Afinal, como os filhos da burguesia vão garantir uma empregada doméstica, se os
filhos da doméstica puderem ascender socialmente e optarem por outra ocupação?
O enfrentamento às desigualdades sociais, portanto, depende de esforços para além
de tudo o que já foi visto até agora, desde a década de 1930. Nenhuma ação isolada surtirá
171 Em 2017 o INCRA publica um painel de assentamentos (http://painel.incra.gov.br/sistemas/index.php ) com
um número de 972,29 mil famílias assentadas. Estima-se para 2017 72,372 milhões de famílias no Brasil
(atualizadas a uma taxa de variação de 1,57% sobre 2015, mesma taxa de variação observada para estimativa da
população residente - IBGE /PNAD 2015). Cruzando esses números, tem-se uma representação de 1,34% da
população vinculada a movimentos sociais rurais. E vale ressaltar que as conquistas desse grupo estão, em
grande medida, associadas a uma estratégia de politização com base na ideologia marxista que ressalta as lutas
de classe como principal instrumento de enfrentamento na esfera política. Esse grupo politicamente organizado
reforça a importância de instrumentalização de uma classe social a partir da formação política.
185
efeito, mas um conjunto articulado de ações entre políticas estruturantes e redistributivas, entre
as quais podemos destacar: a) equalização do sistema de educação e produção de ciência e
tecnologia em todo o território nacional. A produção de conhecimento e de inovação
tecnológica é uma ferramenta imprescindível nas disputas por investimentos privados entre as
unidades federativas; b) reforma fiscal que assegure um sistema tributário progressivo e coíba
a sonegação fiscal, particularmente, dos grandes conglomerados; c) reforma agrária que
assegure o uso da terra para geração da renda a partir da produção de alimentos e não para
especulação imobiliária; d) equalização da infraestrutura (portos, aeroportos, ferrovias,
rodovias, sistema de comunicação, água e energia elétrica) entre os entes federativos, de modo
que estados periféricos possam disputar os investimentos privados e ser inseridos na economia
nacional com mais autonomia. Estados nanicos jamais conseguirão receita suficiente para obras
de infraestrutura de grande monta sem o apoio do Estado Nacional; e por fim, e) assegurar a
intervenção do Estado por meio de políticas compensatórias, visto ser da natureza do
capitalismo produzir desigualdades nos seus ciclos de produção, de forma ascendente. Sem esse
conjunto de políticas, articuladas e implantadas simultaneamente, qualquer projeto de
enfrentamento às desigualdades regionais e sociais terá limitado alcance e curto prazo de
validade.
186
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