19
VI SEME VI SEME AD AD ESTUDO DE CASO ESTUDO DE CASO RECURSOS HUMANOS RECURSOS HUMANOS PROCESSO DE MUDANÇA ORGANIZACIONAL: UM ESTUDO DE CASO Estevão Anselmo 1 Roberto Shinyashiki 2 1 Estevão Anselmo é mestre e doutorando em administração de empresas pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo e professor da Faculdade Trevisan. E-mail: [email protected]; Telefone: (11) 9625 3954 2 Roberto Shinyashiki é médico psiquiatra e doutorando em administração de empresas pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]; Telefone: (11) 3872 6104 1

019RH - Processo de Mudança Organizacional

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: 019RH - Processo de Mudança Organizacional

V I S E M EV I S E M E ADAD E S T U D O D E C A S OE S T U D O D E C A S OR E C U R S O S H U M A N O SR E C U R S O S H U M A N O S

PROCESSO DE MUDANÇA ORGANIZACIONAL: UM ESTUDO DE CASO

Estevão Anselmo1

Roberto Shinyashiki2

1 Estevão Anselmo é mestre e doutorando em administração de empresas pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo e professor da Faculdade Trevisan. E-mail: [email protected]; Telefone: (11) 9625 39542 Roberto Shinyashiki é médico psiquiatra e doutorando em administração de empresas pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]; Telefone: (11) 3872 6104

1

Page 2: 019RH - Processo de Mudança Organizacional

PROCESSO DE MUDANÇA ORGANIZACIONAL: UM ESTUDO DE CASO

RESUMO

O presente estudo buscou responder a três questões sobre mudanças organizacionais: que mudanças ocorrem ao longo do desenvolvimento de um organização; por que essas mudanças ocorrem; e como essas mudanças são implementadas e gerenciadas. Para responder a essas questões utilizou-se o método contextualista de análise e um estudo de caso de uma empresa real, na qual analisou-se o conteúdo das mudanças nas estratégias de negócios, na estrutura organizacional e na cultura da empresa. Conclui-se que a abordagem contextualista utilizada foi útil na análise das mudanças da empresa, e que essas mudanças mostraram boa aderência aos modelos teóricos analisados.

1. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS DO TRABALHO

Os estudos sobre mudanças estratégicas nas organizações ganharam força a partir da década de 60, quando o ambiente externo começou a ficar mais turbulento e as organizações começaram a enfrentar maiores desafios. Uma parte desses estudos têm buscado respostas a respeito do conteúdo das mudanças, analisando as variáveis estratégia, estrutura, sistemas, pessoas e o desempenho das empresas (Chandler, 1962; Rumelt, 1974). Outra categoria de estudos tem buscado analisar o contexto externo que determina essas mudanças, correlacionando as características do ambiente externo com as formas de organização (Woodward, 1965; Lawrence e Lorsch, 1967). Um número menor de estudos tem focalizado o processo de mudança, buscando analisar como tais mudanças são decididas, implementadas e controladas (Leontíades, 1980; Pettigrew, 1985, 1989). Mais recentemente, Mintzberg (2000) buscou integrar essas vertentes teóricas ao conceituar a estratégia como um processo de transformação organizacional, ao longo de fases de desenvolvimento das empresas.

Este trabalho objetiva estudar a aplicação desses conceitos, analisando o conteúdo e o contexto das mudança em uma empresa. Quanto ao conteúdo, buscou-se analisar as mudanças na estratégia, estrutura e cultura da empresa. Quanto ao contexto, buscou-se analisar as principais variáveis do macro ambiente, do ambiente competitivo, e do ambiente interno, e como eles condicionaram as mudanças observadas. Para tanto aplicou-se a metodologia do estudo de caso em uma empresa real.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. Modelo Contextualista de Estudo das Mudanças Organizacionais

Para o entendimento da evolução e mudança da empresa adotou-se neste trabalho o modelo de estudo contextualista proposto por Pettigrew (1989). Segundo esse autor, “a pesquisa teoricamente correta e praticamente útil sobre a tomada de decisão e mudança estratégica deve desenvolver a interação contínua entre idéias a respeito do contexto da mudança, do processo de mudança e do conteúdo da mudança, juntamente com a habilidade de regular as relações entre os três”. A figura 1, a seguir, ilustra essa abordagem.

2

Page 3: 019RH - Processo de Mudança Organizacional

FFigura 1: Metodologia de Estudo das Mudanças Organizacionais (Fonte: Pettigrew, 1989)

Neste modelo, o porquê da mudança deriva de uma análise do contexto externo e interno, o quê da mudança refere-se às áreas de mudança da organização (estratégia, estrutura, processos, pessoas) e o como da mudança pode ser entendido como a metodologia ou processo utilizado para promover as mudanças. Tal modelo foi aplicado na análise do histórico de desenvolvimento da empresa, procurando-se fazer cortes longitudinais (na linha de tempo) para identificar incidentes críticos e as mudanças mais importantes na organização.

2.2. Conteúdo das Mudanças Organizacionais

Para o entendimento do conteúdo das mudanças na empresa, buscou-se o referencial teórico na chamada “Escola de Configuração”, cujo autor mais proeminente é Mintzberg. Segundo esse autor, a escola da configuração baseia-se no conceito de estratégia como um processo de transformação, que engloba dois aspectos básicos: “O primeiro é como as diferentes dimensões de uma organização se agrupam sob determinadas condições para definir ”estados”, “modelos”, ou “tipos ideais”. Por exemplo, organizações recém formadas, em especial em indústrias emergentes, tendem a depender de líderes empreendedores e estratégias visionárias operando em estruturas relativamente simples. O segundo é como esses diferentes estados são seqüenciados ao longo do tempo para definir “estágios”, “períodos” e “ciclos de vida” organizacionais. Para continuar com o exemplo, à medida que a organização empreendedora envelhece e sua indústria se acomoda na maturidade, o estágio inicial dá lugar a uma estrutura mais formalizada sob os assim chamados gerentes profissionais, que dependem de processos de planejamento” (Mintzberg, 2000:222).

Anselmo (1995), ao analisar os diversos estudos sobre mudanças estratégicas nas empresa, observou que em cada fase de desenvolvimento as empresas apresentam determinadas

Porquê Mudar: contexto externo e interno

O Quê Mudar: conteúdo/áreas de mudança Como Mudar: processo de mudança

3

Page 4: 019RH - Processo de Mudança Organizacional

características em sua estratégia, estrutura, cultura e política interna, as quais buscam se ajustar para garantir seu bom desempenho. Tais características estão indicadas no Quadro 1 a seguir.

FASES

VARIÁVEIS

NASCIMENTO CRESCIMENTO MATURIDADE DECLÍNIO OU REVITALIZAÇÃO

ESTRATÉGIANegócio Único Negócio

dominanteNegócios relacionados

Negócios não relacionados

ESTRUTURAInformal Funcional

centralizadaDivisional com funções centralizadas

Holding (descentralizada)

CONFIGURAÇÃO POLÍTICA

Autocracia Instrumental ou missionária

Sistema fechado ou meritocrático

Arena política

QUESTÕES CULTURAIS

Cultura como uma cola que mantém a organização unida

Esforço para clarificação de uma cultura

Integração cultural declinante com sub-culturas

Cultura torna-se barreira à mudança

Quadro 1: Fases de Desenvolvimento e Características Organizacionais ( Fonte: Anselmo, 1995:31)

A essência desses modelos é o de que as organizações evoluem ao longo de fases, nas quais buscam um ajuste ao ambiente externo através de sua estratégia e o conseqüente ajuste da organização, que inclui a adequada definição e gerenciamento dos vários elementos que compõe o seu modelo de gestão: estrutura, processos/sistemas, pessoas, cultura e relações de poder. Tais ajustes objetivam, em última análise, garantir o bom desempenho da organização em termos mercadológicos e financeiros. Esse conceito ajusta-se ao modelo do processo de transformação proposto por Fischer (2002), que se assenta nos seguintes pressupostos básicos: (i) a transformação organizacional é um processo contínuo de construção e reconstrução do significado da organização, com o qual se busca aperfeiçoar sistemas, processos, políticas e práticas que constituem sua gestão e desenvolver as competências – pessoais e organizacionais – que constituem seu mais valioso patrimônio; (ii) a mudança organizacional depende da clara compreensão da interação de dois pólos de qualquer organização: seu direcionamento estratégico, constituído pelo intento estratégico e pelos focos que direcionam as estratégias propriamente ditas; e o conjunto de elementos que integram o conteúdo de sua gestão e cuja composição determina seu nível de excelência. O direcionamento estratégico é a face visível do desempenho organizacional que atua como uma engrenagem externa que determina sua competitividade externa. Entretanto essa engrenagem não possui força motriz própria e depende de uma outra engrenagem interna, composta pelos elementos constituintes da configuração organizacional – modelo organizacional, instrumentos de gestão, comunicação, recursos, sistemas de informação, infra-estrutura – que determinam sua competitividade interna; (iii) a transformação organizacional só se efetiva com as pessoas, para as pessoas e através do envolvimento e comprometimento efetivo das pessoas.

4

Page 5: 019RH - Processo de Mudança Organizacional

O grande desafio da gestão é garantir um processo coordenado e planejado de mudança. Entretanto, o que se observa na prática é que a mudança ocorre através de etapas de continuidade, nas quais se busca gerenciar a estratégia estabelecida para essa fase, que são interrompidas por momentos de crise ou revoluções, normalmente associadas à perda de desempenho, nos quais se busca alterar a estratégia vigente na etapa anterior e, consequentemente, ajustar os elementos que compõem a configuração organizacional. A figura 2, a seguir, ilustra esse processo.

A passagem de uma fase para a outra envolve mudanças em várias dimensões da organização simultaneamente, sendo denominadas mudança quânticas, podendo ocorrer de forma rápida - revolucionária – ou, menos freqüente, de forma gradual.

Figura 2: Fases de Evolução e Revolução na Transformação Organizacional

2.3. Processo de Mudança Organizacional

O último elemento de análise no estudo das mudanças organizacionais refere-se aos processos ou métodos utilizados para efetuar a mudança.

Mintzberg (2000) propõe duas dimensões para se analisar os métodos de mudança: (i) a dimensão da amplitude da mudança, indo das micro mudanças, de caráter localizado e simples, até as macro mudanças, de caráter geral e que visam a organização inteira; (ii) a dimensão das abordagens básicas do processo de mudança: mudança planejada, mudança conduzida e mudança evoluída. A mudança planejada é programática e contempla um conjunto de procedimentos a serem seguidos. A mudança conduzida é guiada, ou seja, um indivíduo ou grupo pequeno,

IDADE DA ORGANIZAÇÃO

TAMANHO

J OVEM MADURA

PEQUENA

GRANDE

PRO-CESSOS

PESSOAS

ESTRA-TÉGI A

ESTRU-TURA

PRO-CESSOS

PESSOAS

ESTRA-TÉGI A

ESTRU-TURA

PRO-CESSOS

PESSOAS

ESTRA-TÉGI A

ESTRU-TURA

PRO-CESSOS

PESSOAS

ESTRA-TÉGI A

ESTRU-TURA

NASCIMENTO CRESCIMENTO MATURIDADE DECLÍNIO OUREVITALIZAÇÃO

ESTÁGI OS DE EVOLUÇÃO

ESTÁGI OS DE REVOLUÇÃO

5

Page 6: 019RH - Processo de Mudança Organizacional

usualmente numa posição influente de autoridade, supervisiona a mudança e garante que ela aconteça. Finalmente, a mudança evoluída é orgânica, ou seja, ela acontece de forma desestruturada, podendo ser conduzida por pessoas que não ocupam posição de autoridade significativa, com freqüência em lugares obscuros da organização.

Neste trabalho adotamos o modelo de mudança planejada proposto por Fischer (2002), conforme indicado na Figura 3.

Figura 3: Etapas do Processo de Transformação Organizacional (Fonte: Fischer, 2002: 155)

3. PROBLEMA E METODOLOGIA DE PESQUISA

O presente estudo buscou responder a três questões sobre mudanças organizacionais: que mudanças ocorrem ao longo do desenvolvimento de um organização; por que essas mudanças ocorrem; e como essas mudanças são implementadas e gerenciadas. Para responder a essas questões utilizou-se o método contextualista de análise e um estudo de caso de uma empresa real na qual analisou-se o conteúdo das mudanças nas estratégias de negócios, na estrutura organizacional e na cultura da empresa.

AUSCULTAÇÃO•Mapeamento de aptidões e resistências à mudança•Mapeamento dos agentes do contexto•Levantamento de restritores e alavancadores•Levantamento de projetos em andamento•Levantamento de opiniões e sugestões dos agentes

CONCEPÇÃO•Diretrizes Estratégicas da organização•Mobilização de grupos-tarefa•Projetos de aperfeiçoamento•Definição do perfil para os gestores•Concepção e disseminação

•Difusão de objetivos e estratégias p/ atores

•Emprego de sistemas de gestão p/ mudança

SUSTENTAÇÃO•Acompanhamento do plano de ação•Auscultação permanente•Revitalização de compromissos•Comunicação interna/ Proces. decisórios

DISSEMINAÇÃO/ ADESÃO•Absorção/ internalização•Aperfeiçoamento•Compromissos•Facilitadores/ inibidores

AUSCULTAÇÃO•Mapeamento de aptidões e resistências à mudança•Mapeamento dos agentes do contexto•Levantamento de restritores e alavancadores•Levantamento de projetos em andamento•Levantamento de opiniões e sugestões dos agentes

CONCEPÇÃO•Diretrizes Estratégicas da organização•Mobilização de grupos-tarefa•Projetos de aperfeiçoamento•Definição do perfil para os gestores•Concepção e disseminação

•Difusão de objetivos e estratégias p/ atores

•Emprego de sistemas de gestão p/ mudança

SUSTENTAÇÃO•Acompanhamento do plano de ação•Auscultação permanente•Revitalização de compromissos•Comunicação interna/ Proces. decisórios

AUSCULTAÇÃO•Mapeamento de aptidões e resistências à mudança•Mapeamento dos agentes do contexto•Levantamento de restritores e alavancadores•Levantamento de projetos em andamento•Levantamento de opiniões e sugestões dos agentes

CONCEPÇÃO•Diretrizes Estratégicas da organização•Mobilização de grupos-tarefa•Projetos de aperfeiçoamento•Definição do perfil para os gestores•Concepção e disseminação

•Difusão de objetivos e estratégias p/ atores

•Emprego de sistemas de gestão p/ mudança

SUSTENTAÇÃO•Acompanhamento do plano de ação•Auscultação permanente•Revitalização de compromissos•Comunicação interna/ Proces. decisórios

DISSEMINAÇÃO/ ADESÃO•Absorção/ internalização•Aperfeiçoamento•Compromissos•Facilitadores/ inibidores

6

Page 7: 019RH - Processo de Mudança Organizacional

De acordo com Yin (1989:23), um estudo de caso é uma investigação empírica que estuda um fenômeno contemporâneo, dentro de um contexto de vida real, onde os limites entre os fenômenos e o contexto não estão claramente evidenciados, e no qual muitas fontes de evidências são utilizadas. O método do caso tem sido a estratégia de pesquisa privilegiada nos estudos clínicos e longitudinais, incluindo os processos de diversificação, mudanças organizacionais e estudos sobre política e cultura organizacional (Pettigrew, 1985; Fleury e Fischer, 1989).

A unidade de análise do caso é a Eagle’s Flight Brasil (EFB). Trata-se da representante brasileira da Eagle’s Flight, empresa canadense, líder mundial em programas de aprendizagem experiencial. No Brasil, os programas são importados e adaptados da matriz canadense.

Quanto à coleta de dados, e conforme proposto por Yin (1989:84), buscou-se a utilização de múltiplas fontes de evidência. Os principais métodos e fontes de coleta de dados foram: (1) pesquisa na Internet, na qual se obteve dados históricos e dos resultados mais recentes da empresa; (2) análise documental e de arquivos; e (3) entrevistas pessoais semi estruturadas com os dois sócios dirigentes da empresa, o Sr. Alberto e o Sr. Daniel, além de cinco pessoas chave das áreas de Marketing, Comercial, Administrativa/Financeira, Logística e Produção. A coleta de dados ocorreu no período de abril a maio de 2002.

4. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA

4.1. Contexto Externo do Negócio

O mercado brasileiro de treinamento e desenvolvimento (T&D) apresentou forte crescimento no curto período de existência da EFB. Embora não se disponha de dados estatísticos confiáveis, estima-se que esse mercado tenha dobrado em tamanho nos últimos 6 anos. Tal fato deve-se às profundas mudanças na dinâmica competitiva do ambiente empresarial brasileiro nesse período, marcado pelos grandes programas de privatização, investimentos externos em diversos setores e, obviamente, pelo impacto da globalização em todos os setores de nossa economia. Esses movimentos têm levado as empresas a buscar maior competitividade, tornando-se o fator humano peça chave no tabuleiro do jogo corporativo.

Podemos, simplificadamente, dividir o mercado de T&D em dois grandes segmentos: (a) O segmento de treinamento técnico, onde os profissionais buscam complementar e/ou atualizar seus conhecimentos em áreas específicas, tendo como objetivo melhorar sua “competência técnica”; e (b) O segmento de treinamento comportamental, no qual o profissional, e mais freqüentemente a empresa, busca aprimorar a “competência comportamental” ou “atitudinal” dos funcionários.

O segmento de mercado de treinamento técnico é constituído pelos cursos de especialização, MBAs, cursos “in company” e, mais recentemente, pelas universidades corporativas. Esse mercado, além de enorme, tem crescido a altas taxas, atraindo investimentos de muitos empresários nacionais e internacionais, sendo, também, extremamente competitivo.

7

Page 8: 019RH - Processo de Mudança Organizacional

O mercado de treinamento comportamental, onde a EFB se focaliza, é mais difuso. Os principais concorrentes da EFB nesse mercado são as empresas de treinamento vivencial (TEAL, entre outras), bem como os diversos consultores autônomos e palestrantes motivacionais. A competição nesse segmento é menos intensa, porém o mercado é menor e de mais difícil acesso, exigindo maior esforço de venda.

O foco de atuação da EFB tem sido junto às grandes empresas, predominantemente multinacionais, de todos os setores. Tais clientes tem se tornado cada vez mais exigentes, e atrelado os investimentos em T&D a resultados observáveis no desempenho do negócio. Este fato tem tornado as vendas cada vez mais difíceis.

4.2. Contexto Interno da Empresa

O desenvolvimento dos negócios da EFB foi, de certa forma, tranqüilo e natural até meados de 2001. O mercado era demandante e a grande questão enfrentada pela empresa foi desenvolver a capacidade de entrega dos produtos. A rentabilidade dos negócios era satisfatória, e não havia muita pressão por resultados e crescimento. Em tal ambiente criou-se uma cultura alegre, onde o prazer em trabalhar é considerado fator fundamental tanto pelos acionistas como pela pequena equipe. Este elemento cultural definiu, inclusive, o “tipo” de funcionário a ser aceito pela equipe. A grande preocupação foi a de manter a “família” unida, sendo que qualquer mudança era vista como ameaça ao clima. Tal cultura, entretanto, tem agido como restritor ao crescimento, sendo que um dos sócios define a empresa como “alegre e tímida”.

No início de 2001, entretanto, tal clima foi ameaçado. Retornando de sua viagem ao Canadá, onde pode observar o modelo de gestão da matriz, Alberto procurou implementar um novo modelo de gestão baseado em metas e cobrança de resultados. Tal tentativa encontrou resistência da equipe, pois significou mais “seriedade” nos negócios, o que conflitava com o espírito de liberdade e alegria da equipe. Tal processo precisou ser abortado meses depois e, até o momento, não foi implementado.

A crescente dificuldade pelo atingimento das metas agiu, também, como fator impulsionador para as mudanças na área comercial, conforme se poderá observar pelas diversas mudanças nessa área. A grande questão interna consiste no conflito entre o desejo de crescimento e o receio de perda do clima de empresa alegre e familiar.

4.3. Evolução das Mudanças no Contexto Interno e Incidentes Críticos

Nos dois primeiros anos de existência a empresa lutou para se firmar no mercado, sendo os maiores desafios o processo de venda e a organização interna para entregar os produtos. Em 1998 a estratégia consistia em aumentar as linhas de produtos e conseguir novos clientes. A estrutura organizacional era do tipo funcional simples, porém sendo as decisões concentradas na figura dos dois sócios. A Figura 4 ilustra a estrutura nesse período.

8

Page 9: 019RH - Processo de Mudança Organizacional

Figura 4: Estrutura Organizacional em Meados de 1998

Nesse período o principal desafio era conquistar novos clientes, o que levou os diretores a decidir pelo aumento do número de pessoas na área comercial, que chegou a ter cinco pessoas. Esse aumento do quadro não se mostrou efetivo, além de influenciar negativamente o clima interno, sendo que em meados do ano foi efetuado o corte de quatro pessoas recém contratadas para a área comercial. Os processos eram muito pouco estruturados e “todos faziam de tudo”.

No período de 1999 a 2000 esse modelo de organização e gestão continuou inalterado, sendo que a equipe foi sendo ampliada para se ajustar à crescente demanda de mercado. No final de 2000 a equipe contava com vinte colaboradores, tendo sido treinados 12.000 pessoas no ano. Em meados de 2000 Alberto viaja ao Canadá onde iria passar 6 meses. Tal mudança gerou expectativas internas e receio na equipe, que nunca havia prescindido de sua liderança.

Ao retornar do Canadá, no final de 2000, e tendo observado o modelo de gestão da sede canadense, Alberto tentou implementar um novo modelo de organização e um novo estilo de gestão. Em termos de organização foi criada a figura de “líder de área”, e decidiu-se criar a área de marketing. O novo modelo foi implementado em março de 2001 (Figura 5).

Figura 5: Estrutura Organizacional em Março de 2001

A principal mudança do modelo, entretanto, foi a maior autonomia atribuída ao líder de área, porém com cobrança de resultados. Foram definidas metas gerais e específicas para cada área, as

LÍDERFINANÇAS/

ADMINISTRAÇÃO(3)

LÍDERMARKETING

(1)

LÍDERCOMERCIAL/

VENDAS(11)

LÍDERLOGÍSTICA

(2)

LÍDERPRODUÇÃO

(5)

A D

DIRETORIA - 3

9

Page 10: 019RH - Processo de Mudança Organizacional

quais passaram a ser acompanhadas e avaliadas. Tal mudança, entretanto, conflitou com a cultura vigente (a grande família) e exigiu o retorno ao modelo anterior.

No início de 2002 a grande questão continuava a ser “como crescer”. A visita de um alto executivo da matriz canadense trouxe novas idéias de mudanças na área comercial. Assim, a partir de maio de 2002 foi implementado um novo modelo comercial. A idéia consiste em fortalecer a área comercial através da criação de três equipes multifuncionais de vendas, conforme indicado na Figura 6.

Figura 6: Organização da Área de Vendas (maio de 2002)

A idéia básica desse modelo consiste em atribuir metas de vendas e margens comerciais para cada equipe multifuncional. Sempre que essas metas forem superadas, 10% do valor adicional serão distribuídos para a equipe. Esse novo modelo está em fase de implementação, e a grande questão que se coloca é se a cultura vigente não impedirá novamente essa implementação.

4.4. Auscultação do Momento Atual

O objetivo dos sócios é alcançar uma receita de US$ 20MM em 2005, contra uma receita de US$ 2,5MM prevista para 2002. Para alcançar esse objetivo as seguintes questões restritoras às mudanças precisão ser resolvidas:

O foco estratégico não está claro, existem muitas dúvidas sobre a direção a seguir em termos de produtos e mercados;

A estrutura organizacional acomoda as pessoas ao momento atual, porém não responde aos desafios de crescimento futuro;

Os processos críticos do negócio – vendas, produção e logística – não suportam o crescimento futuro desejado;

Os processos operacionais são muito dependentes das pessoas, não existindo um sistema adequado de informações e suporte a decisão;

A equipe é muito júnior e confia exageradamente em sua vantagem competitiva;

DIRETOR DE VENDAS

LEDS

VENDEDOR J ÚNIOR

VENDEDOR SENIOR

EXECUTIVO DE VENDAS

FACILITADOR

ASSISTENTE DE VENDAS

LEDS

VENDEDOR J ÚNIOR

VENDEDOR SENIOR

EXECUTIVO DE VENDAS

FACILITADOR

ASSISTENTE DE VENDAS

LEDS

VENDEDOR J ÚNIOR

VENDEDOR SENIOR

EXECUTIVO DE VENDAS

FACILITADOR

ASSISTENTE DE VENDAS

10

Page 11: 019RH - Processo de Mudança Organizacional

A equipe não conhece a estratégia e os objetivos da empresa;

Os funcionários mais antigos sentem-se donos da empresa;

Os sócios e a equipe valorizam mais a amizade e o clima do que o crescimento e resultados.

Os aspectos positivos e alavancadores do processo de mudança são:

Desejo de crescer e ser a primeira empresa em treinamento no Brasil;

Sinergia entre os sócios;

União da equipe;

Valores: lucro ético;

Foco no cliente

4.5. Concepção das Mudanças

Com base no objetivo de crescimento definido para a empresa e na auscultação do momento atual, concebeu-se as seguintes linhas gerais de mudanças a serem avaliadas e implementadas pela equipe gestora da empresa:

Os sócios deverão decidir o que eles querem da empresa: um lugar gostoso de trabalhar ou uma empresa competitiva e de resultados (será possível ambos?);

Delinear a estratégia futura da empresa em termos de foco de mercado, produtos e vantagens competitivas, objetivando alcançar a meta de US$ 20mm em 2005;

Envolver a equipe no processo de criação da visão estratégica e nos processos de mudança;

Ajustar a estrutura organizacional e os processos de negócio gradualmente em linha com a estratégia definida;

Implementar sistemas de informação e de suporte a decisão alinhados com os processos de negócio definidos;

Desenvolver as competências da equipe atual e buscar novas competências no mercado, em linha com a estratégia e os objetivos definidos;

Trabalhar a cultura organizacional para implementar um novo modelo de gestão por competências e resultados.

Após a validação dessas concepções, a direção da empresa deverá cuidar da implementação e sustentação das mudanças.

5. ANÁLISE DOS RESULTADOS

11

Page 12: 019RH - Processo de Mudança Organizacional

Analisando-se o conteúdo das mudanças da EFB, observa-se que as mesmas ajustam-se aos modelos de fases de desenvolvimento apresentados no referencial teórico. Na fase de nascimento da empresa, observou-se a existência de um negócio único, com uma estrutura pouco formalizada e baseada em uma liderança centrada nos sócios fundadores. O momento atual parece indicar uma mudança quântica da etapa de nascimento para a etapa de crescimento da empresa, conforme proposto na Figura 2. Essa transição tem exigido profundas mudanças em vários elementos do modelo de gestão da empresa: estratégia, estrutura, processos e pessoas. O aspecto restritor mais crítico parece confirmar a teoria, ou seja, a cultura organizacional na fase de nascimento das empresas parece atuar como uma cola que mantém a organização unida, porém age como barreira ao processo de mudança.

Analisando-se o contexto externo e interno da empresa, observa-se que o determinante fundamental do processo de mudança encontra-se no contexto interno, ou seja, na necessidade de organização interna para suportar o crescimento pretendido. Em uma indústria em crescimento, o contexto externo induz ao processo de crescimento, porém, nas empresas em fase de nascimento e consolidação, é no contexto interno que se encontram os maiores restritores,e, portanto, os determinantes da mudança.

6. CONCLUSÕES E LIMITAÇÕES DO ESTUDO

As principais conclusões do trabalho podem ser divididas em dois grupos,

a) Quanto à metodologia do processo de mudança, a análise contextualista, embora incompleta por questão de tempo, mostrou-se rica ao captar elementos importantes do contexto externo e interno ao longo da existência da empresa. O modelo de auscultação permitiu captar os principais elementos restritores e alavancadores atuais do processo de mudança, sendo complementado pela análise histórica e contextualista da empresa, o que facilitou a concepção das mudanças futuras. Em resumo, o modelo mostrou-se útil para as fases iniciais do processo de mudança.

b) Quanto aos resultados do estudo, observou-se uma boa aderência aos modelos teóricos discutidos. Embora os resultados não possam ser generalizados, pois limitam-se ao caso analisado, indicam linhas de estudo que poderiam ser aprofundados em uma pesquisa de campo de maior amplitude, e que permita generalizações (validade externa).

7. BIBLIOGRAFIA

12

Page 13: 019RH - Processo de Mudança Organizacional

ANSELMO, E.A.. Mudanças Estratégicas nas Empresas: Um Estudo de Caso. Tese FEA/USP, 1995.

CHANDLER, Alfred D. Strategy and Structure: chapters in the history of the american industrial enterprise. Cambridge, Massachussets, MIT Press, 1962.

FISCHER, R.M. Mudança e Transformação Organizacional. In: Fleury, M.T.L. (coord.). As Pessoas na Organização. São Paulo, Ed. Gente, 2002.

FLEURY, Maria T.L.; FISCHER, Rosa M. (coord.). Poder e Cultura nas Organizações, São Paulo, Atlas, 1989.

LAWRENCE, P. R.; LORSCH, J. W. Organization and Environment. Boston, Graduate School of Business Administration, Harvard University, 1967.

LEONTIADES, Milton. Strategies for Diversification and Change. Boston, Little, Brown and Co., 1980.

MINTZBERG, H. et alli. Safári de Estratégia. Porto Alegre, Bookman, 2000.

PETTIGREW. A.M. A Cultura das Organizações é Administrável? In FLEURY, Maria T.L.; FISCHER, Rosa M. (coord.). Poder e Cultura nas Organizações, São Paulo, Atlas, 1989.

PETTIGREW. A.M. & FENTON, E.M. The Innovating Organization. London, SAGE, 2000.

RUMELT, Richard P. Strategy, Structure and Economic Performance. Boston, Harvard Business School, 1974.

YIN, Robert K. Case Study Research: Design and Methods. Newbury Park, CA, Sage Publications, 1989.

13