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02 a 05 setembro 2013
Faculdade de Letras UFRJRio de Janeiro - Brasil
SIMPÓSIO - Intermidialidade: ensino e pesquisa
INDÍCE DE TRABALHOS(em ordem alfabética)
A cena Mangue e o conceito de poiesis: técnica, fluxos e identidade em tempos de globalização Sílvio Sérgio Oliveira Rodrigues
A pintura e os pintores em River of Smoke, de Amitav Ghosh Alessandra Cristina Rigonato
A disciplina Introdução à intermidialidade na UFMG Thaïs Flores Nogueira Diniz Página 05
A poesia, a biografia e as imagens de Cruz e Sousa no cinema de Sylvio Back Fátima Maria de Oliveira
Da intertextualidade à intermidialidade: o leão como personagem polivalente e polisígnica na literatura e no cinema Sigrid Renaux
Dom Casmurro e os discos voadores: um texto canônico como literatura de massa Mail Marques de Azevedo
Intercultural, intersemiótico, intermidial Luciano Barbosa Justino
Novas linguagens, novos olhares diante do mundo: a tecnologia e as mídias em sala de aula Aurora Gedra Ruiz Alvarez e Lílian Lopondo
O autoritarismo de Ricardo III: Entre o sertão medieval e a Inglaterra dos anos 30 Luiz Roberto Zanotti
“Os brinquedos que moram nos sonhos” e possíveis leituras multimidiáticas Silvia Maria Guerra Anastácio
Do palco para o texto: a “reencenação” da peça Marianna Alcoforado no Mani-festo Anti-Dantas, de Almada Negreiros Carla Cristina de Araújo
A remediação nas produções fotoliterárias contemporâneas Márcia Arbex
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Perspectivas Intermidiáticas em Artemisia de Agnès Merlet Miriam de Paiva Vieira
Referências intermidiáticas: teatralização de estratégias cinemáticas no texto e na cena Anna SteghCamati
Referências picturais: a literatura inspirada pela pintura André Soares Vieira
Transparência e opacidade nas mídias: alicerce (inter)midiático na literatura e no cinema Brunilda T. Reichmann
Virando o teatro do avesso: texto, encenação e as relações intermidiáticas na peça Avesso Célia Arns de Miranda e Luci Collin
Travessias labirínticas entre cinema e teatro em Vous n’avez encore rien vu, de Alain Resnais Barbara Cristina Marques, Maria Carolina de Godoy e Sonia Aparecida Vido Pascolati
Página 16
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A cena Manguebeat, que surge a partir da criação do projeto contra cultural de Chico Science, no
Recife, no início dos anos de 1990, aponta como uma proposta antropofágica e intersemiótica, que une
literatura, música, dança, performance, enfim, uma simbiose e uma alquimia de ritmos, gerando uma
intricada relação intercultural e dialógica, em que Arte e Indústria Cultural acabam por criar uma
relação paritária e de resgate da identidade nordestina. Nesse sentido, é construída uma nova ideia de
identidade, que abandona tanto a visão essencialista, quanto a relação opressiva que acaba por gerar
um esquecimento do indivíduo na escrita socioliterária.
Partindo do pensamento de Walter Benjamin (sobre a obra de arte, Indústria Cultural e reprodutibilidade
técnica) e Giorgio Agamben (no que se refere à ideia de arte e potência, a partir do pensamento de
Aristóteles), buscamos nessa comunicação fomentar uma discussão que leva em conta o pensamento
de Silviano Santiago, em O Cosmopolitismo do pobre, que defende a ideia de que o atual processo de
globalização, ou o capitalismo tardio (seguindo a esteira de Fredric Jameson) traz uma visão moderna
de multiculturalismo que sucinta uma nova teorização sobre as relações entre local e global, fazendo
com que haja uma reconfiguração das culturas nacionais.
Toda essa visão de arte que defendemos como marca da cena contemporânea, nos faz pensar um novo
conceito de práticas científicas, articulando a tese de que a poesia exige um outro tipo de ciência,
pois, na medida em que a teoria e a crítica literária são tributárias do conceito de ciência moderna, a
marginalidade da poesia nos estudos literários exige uma outra ciência. Partimos, assim, da ideia de
nomadologia do Deleuze e do Guattari, no v. 5 do “Mil Platôs”, quando tratam de se substituir uma
ciência dos objetos por uma ciência hidráulica, dos fluxos. A poesia, por ser “hidráulica”, intersemiótica
e fluxo, ela não consegue ser apreendida pela ciência tal qual se formou no ocidente. Uma ciência da
poesia teria que ser necessariamente uma ciência diferente da ciência da literatura, pois a ciência da
literatura é tributária do “objeto” escrito. A poesia de Chico Science como poesia do mangue, se insere
muito bem nesta proposta. Nosso trabalho, portanto, abre reflexões importantes sobre a função a ser
destinada às mídias eletrônicas nesse
A CENA MANguE E O CONCEITO DE pOIESIS: TéCNICA, fLuxOS E IDENTIDADE EM TEMpOS DE gLOBALIzAçãO
Sílvio Sérgio Oliveira Rodrigues
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Desde 2005, como uma das consequências da criação do Grupo de pesquisa Intermídia, vimos
oferecendo regularmente a disciplina UNI 004: Introdução à Intermidialidade para todos os alunos
da graduação da UFMG. No início, dividimos a disciplina por área de pesquisa, isto é, os módulos
tinham como base as áreas do conhecimento , a saber, artes plásticas, teatro, música, cinema, etc.
Cada professor interessado dava algumas aulas, escolhendo dentro de suas pesquisas, o assunto que
desejava expor , e convidando, inclusive, alguns mestrandos, doutorandos e recém doutores e mestres
para mostrar o resultado de seu trabalho.
Após algumas avaliações dos alunos, e depois do oferecimento da disciplina por alguns semestres,
optamos por agrupar as aulas em módulos que contemplassem os processos de intermidialidade, a
saber: transposição, combinação e referências intermidiáticas, independente da grande área ou áreas
em que os processos se realizavam. Hoje, com o aumento do número de professores interessados na
disciplina, estamos tentando, além de dividir os módulos pelas diversas unidades acadêmicas (Letras,
Belas Artes, Música, Comunicação), fazer com que cada um dos módulos trabalhe também com os
vários processos (transposição, combinação de mídias e referências intermidiáticas) dentro da grande
área de pesquisa oriunda de cada uma das unidades acadêmicas.
Com este objetivo, que vem se enriquecendo e se transformando a cada semestre, temos procurado
montar o cronograma da disciplina, levando em conta as pesquisas que estão sendo realizadas por
cada professor responsável pelo módulo, mas também as teses e dissertações que têm sido defendidas.
Desta maneira acreditamos estar ampliando o campo de pesquisa da intermidialidade, além de
estarmos criando entre os alunos das várias áreas, professores de leitura não apenas de textos verbais
mas de todos os outros tipos de texto.
A DISCIpLINA INTRODuçãO à INTERMIDIALIDADE NA ufMg.
Thaïs Flores Nogueira Diniz
6
Em River of Smoke, romance histórico do indiano Amitav Ghosh, publicado em 2011, destaca-se a
importância da pintura em sua interface com a literatura em diversos aspectos. A narrativa se passa no
delta do Rio das Pérolas, no sul da China, em meados do século XIX, pouco antes do início da 1ª. Guerra
do Ópio, e acompanha o destino de três grupos de personagens de origens étnicas diferentes, cada um
deles relacionado a uma determinada embarcação, que, por sua vez, representa um tipo de transporte
e de trocas naquela região: mercadorias (principalmente o ópio), seres humanos (trabalhadores
contratados) e espécimes botânicos.
Essa série de trânsitos promove também a circulação de conhecimentos (sobre a flora europeia e
asiática, por exemplo) e a introdução de técnicas artísticas, como a pintura de paisagens e de retratos,
bem como a ilustração botânica. A figura do pintor inglês Chinnery (por meio de Robin Chinnery, seu
filho ficcional) é emblemática da presença europeia na região, que, devido à população de expatriados
em Macau e Cantão, constituía um mercado importante para esse pintor que, embora considerado
secundário em seu lugar de origem e caracterizado por um comportamento inadequado em sua
vida familiar, obteve sucesso ao suprir a demanda por retratos dos comerciantes e suas famílias,
primeiramente em Calcutá e, em seguida, no sul da China.
Em contraposição a este pintor europeu, são apresentados os ateliês chineses da época, voltados,
sobretudo, para cópias de outros trabalhos. No romance, a pintura serve, principalmente, a dois
propósitos. Em primeiro lugar, esta arte é apresentada quanto à sua materialidade (as telas, papéis,
pincéis e tintas usados), às técnicas características da tradição europeia e chinesa, e ao tipo de
socialidade que cerca os pintores e os ateliês. Em segundo lugar, as telas e desenhos de Chinnery são
traduzidos para a escrita em forma de ecfrases ou de enredos secundários. O objetivo deste trabalho
é, portanto, analisar e discutir River ofSmokea partir do ponto de vista das relações intermidiáticas
entre a pintura e a literatura.
A pINTuRA E OS pINTORES EM RiveR of Smoke, DE AMITAv gHOSH
Eliana Lourenço de Lima Reis
6
7
O presente trabalho tem por objetivo estabelecer uma relação entre literatura e cinema, a partir da
análise do filme de Sylvio Back “ Cruz e Sousa, o poeta do Desterro” (1998, 86 min). Trata-se de um
filme que em 34 “estrofes visuais” (Sylvio Back) visa relacionar fatos da vida e fragmentos da obra
do poeta simbolista catarinense, que morou na antiga cidade de Desterro, atual Florianópolis, até
1890, mudando-se então definitivamente para o Rio de Janeiro, onde viveu e produziu a parte mais
significativa de sua obra até sua morte em 1898.
Cruz e Sousa, seus sonetos e textos em prosa poética são apresentados neste filme através de múltiplas
imagens, que se prestam de modo particular à discussão contemporânea sobre a inscrição, no cenário
literário brasileiro, de um poeta negro, cuja estética de matriz européia e, portanto, branca, provocava
reações controversas no período oitocentista, em que produzia e publicava seus textos. O filme de
Sylvio Back seduz pela riqueza de referências culturais e de recursos metafóricos de que se vale o
diretor para desencaixar as peças do jogo vida/obra, diluindo-lhes a suposta complementaridade e
ativando a tensão entre elas. Ao realizar a intervenção crítica na biografia do poeta, o cineasta promove
o que a poeta Ana Cristina Cesar, em seu texto “Literatura não é documento” (1979), chamará de
desbiografização, ou seja, a destruição da ilusão do princípio fundador do documento, do arquivo,
para a construção da imagem, via de regra estetizada e sublimada, do escritor e da obra, na produção
de documentários cinematográficos sobre autores de literatura brasileira.
Assim como o literário não reflete o biográfico, a reelaboração cinematográfica de uma leitura da vida e
da obra de Cruz e Sousa não reflete o próprio poeta e sua criação. O cineasta Sylvio Back apropria-se da
força da linguagem de Cruz e Sousa, seleciona e ordena as imagens, os sons, as legendas, recombina-as,
junta fragmentos literários e visuais, cruza tempos e espaços diferentes e alcança uma forma singular
de representação de uma possibilidade de leitura de textos produzidos pelo escritor, da época em que
viveu em diálogo com o tempo presente. “Cruz e Sousa, o poeta do Desterro” possui para além dos
aspectos ficcionais a dimensão documental que permite ao espectador deter-se diante do registro da
obra e da biografia do próprio artista e estabelecer relações – especulativas e imaginativas – entre
aquilo que se vê e aquilo que se sabe. A cinebiografia do poeta negro simbolista torna-se, portanto, nas
aulas de leitura/literatura, de nível médio de ensino e/ou graduação, um recurso didático produtivo a
ser utilizado na formação de leitores intermidiáticos.
A pOESIA, A BIOgRAfIA E AS IMAgENS DE CRuz E SOuSA NO CINEMA DE SyLvIO BACk
Fátima Maria de Oliveira
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Esta comunicação visa apresentar e discutir os procedimentos intermidiáticos envolvidos na obra
poetas e fotógrafos contemporâneos, em especial nas produções ditas fotoliterárias de Michel Butor
(1926-) e de Jean Le Gac (1936-). Entende-se por fotoliteratura o conjunto das produções que colocam
em relação a literatura com a imagem fotográfica. Trata-se de produções editorias ilustradas, mas
também de obras nas quais o procedimento e o imaginário associados à fotografia têm função
estruturadora. Para pensar essa interação entre as artes, focalizaremos o conceito de remediação
apresentado por Irina Rajewsky, bem como por Walter Moser. Os trabalhos de Michel Butor e de Jean
Le Gac são, a nosso ver, representativos desse fenômeno intermidiático, uma vez que o diálogo que
ali se observa entre a literatura, a pintura e a fotografia cumpre as funções qualificadas por Moser
de “espelho midiático” ou de “reflexão metacrítica”. A referência à pintura e à escrita de ficção, bem
como a publicação em formato livro do conteúdo de suas exposições, aparecem então como “desvios
midiáticos”. A remediação consiste justamente na presença de camadas arqueológicas de mídias e a
revelação da “midialidade de uma arte [que] se faz a partir de uma intermidialidade anterior e com o
auxílio desta.” Retomando a argumentação de Moser, a questão que colocamos então é como a poesia e
arte contemporânea interagem e fazem referência a outras artes, em particular à pintura e à literatura,
e se constituem em relação a elas, tornando aparente e visível um alicerce midiático que parecia
transparente ou inexistente. As produções fotoliterárias contemporâneas, nesse sentido, apresentam
um campo de interrogação sempre renovado para se pensar a arqueologia da intermidialidade.
A REMEDIAçãO NAS pRODuçõES fOTOLITERáRIAS CONTEMpORâNEAS
Márcia Arbex
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Os estudos de intermidialidade, oferecendo reflexões sobre as relações entre as diversas artes –
sejam a literatura, as artes visuais, a música, o teatro e o cinema, entre outras – continuam a instigar
professores e alunos a novas descobertas tanto na transposição de textos literários para outras mídias,
como na combinação de textos com outros textos, artes e mídias. Dentro desta perspectiva, o presente
artigo pretende analisar a figura polivalente e polisígnica do leão como personagem no conto “A
vida curta e feliz de Francis Macomber” (1935) de Ernest Hemingway, no romance A confissão da
leoa de Mia Couto (2012) e nos clássicos infantís O mágico de Oz (1939) de Frank Baum e Crônicas
de Nárnia (especificamente no conto “O leão, a feiticeira e o guarda roupa”)(1956) de C.S.Lewis.
Concomitantemente, discutir como essas obras – com exceção do romance de Mia Couto – foram
transpostas para o cinema, além da televisão, teatro, musicais e outros. O objetivo seria verificar como
se dá, no texto e na tela, o resgate da humanidade deste animal, que, em todos esses textos e filmes –
seja na descrição do leão ferido observando o caçador, em Hemingway, no confronto das personagens
com as feras, em Couto, na personalidade do leão covarde que almeja ser corajoso ao acompanhar
Dorothy à procura do mágico de Oz, em Baum, e na ajuda que o poderoso leão Aslam dá aos irmãos
Pevensie para derrotar a bruxa e devolver a paz ao mundo de Nárnia, em Lewis – é apresentado em
sua individualidade animal e simultaneamente humana, através da sensibilidade e criatividade que só
os grandes escritores e diretores conseguem transmitir aos leitores e à platéia. Esta leitura intertextual
e intermidiática será feita com apoio teórico em textos de Claus Clüver, Solange Ribeiro de Oliveira,
Irina Rajewski, Thais Nogueira Diniz, Márcia Arbex e outros que se fizerem necessários.
DA INTERTExTuALIDADE à INTERMIDIALIDADE: O LEãO COMO pERSONAgEM pOLIvALENTE E pOLISÍgNICA NA LITERATuRA E NO CINEMA
Sigrid Renaux
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O Manifesto Anti-Dantas foi escrito no ano de 1915 por José de Almada Negreiros e é um dos textos
mais polêmicos entre os que foram publicados no início do século XX em Portugal. Constitui, como
já anuncia o título, em um protesto contra a literatura de Júlio Dantas, que passa a representar, nesse
manifesto, todo o passadismo da literatura de alguns intelectuais da virada do século. Surgiu como
reação à ofensa de Júlio Dantas à chamada geração d’Orpheu. Júlio Dantas, que além de escritor era
também médico, atestou, na sua autoridade profissional, a insanidade dos jovens editores da também
polêmica Revista Orpheu, editada em 1915.
A reação de Almada Negreiros, que certamente se faz em nome de sua geração, emerge no Manifesto e
vem a público na leitura entusiasmada dele no Café Martinho. Na severa crítica que faz ao dramaturgo
Júlio Dantas e à sua obra, o autor do Manifesto elege especificamente a peça Marianna Alcoforado, que
fora encenada em outubro de 1915, para apontar as falhas da atuação de Dantas como escritor e diretor
de teatro. Nisso está o interesse do Manifesto para o estudo das relações intermidáticas. O artigo
pretende apresentar uma análise do Manifesto Anti-Dantas de modo a ressaltar os seus aspectos visual
e sonoro e, sobretudo, o processo de transposição midiática que ocorre na narração da encenação da
peça Marianna Alcoforado, dirigida por Júlio Dantas, em 1915. Fundamenta este estudo o conceito de
hipertexto, proposto por Gerárd Genette, e os conceitos de intermidialidade, e, mais especificamente,
o de transposição midiática, propostos por Irina Rajewski.
A descrição cuidadosa e detalhada do cenário e a narração de toda a movimentação dos atores, enfim,
a “reencenação” da peça no texto nos permite identificar um caso de transposição midiática, em que o
autor, com o emprego da linguagem verbal, tão somente, recria a cena e dá ao leitor a exata impressão
do que foi a peça – a seus olhos, é claro –, com todos os recursos que a encenação de uma peça teatral
emprega: luzes, sons, movimento, dentre outros. Trata-se, convém lembrar, de uma recriação crítica,
em que o que o autor quer ressaltar são as falhas da direção e da atuação dos atores. Embora não seja
o mais comum nos estudos das relações intermidiáticas o estudo de recriações críticas, nem por isso
o Manifesto deixa de constituir um exemplo de transposição midiática quando resgata a encenação
da peça no palco. Ademais, para além do fragmento em que trata da peça Marianna Alcoforado, o
que Almada Negreiros faz, em todo o Manifesto, e desde a primeira linha, constitui um caso muito
curioso de uma super exploração dos recursos que a linguagem verbal pode oferecer a quem queira,
através dela, incitar a emergência da imagem, com suas cores e sons, na mente do seu leitor.
DO pALCO pARA O TExTO: A “Reencenação” DA pEçA maRianna alcofoRado NO manifeSto anti-dantaS, DE ALMADA NEgREIROS
Carla Cristina de Araújo
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A tendência de reescrever textos canônicos ficcionais como mash-ups - termo usado para descrever a
remixagem de música, video-clips e filmes na internet - de gêneros da literatura de massa chegou ao
Brasil. Em 2010, publicaram-se aqui romances que acrescentam o sobrenatural e o grotesco a obras
canônicas de Machado de Assis, José de Alencar e Bernardo Guimarães. Zumbis, vampiros, bruxas e
seres extraterrestres tornam-se parte da ação ou, como é o caso de Dom Casmurro e os discos voadores,
objeto deste artigo, personagens da trama. A influência avassaladora do cinema e da televisão sobre
as gerações mais novas criou expectativas que exigem a atenção de escritores e estudiosos. Cabe aos
autores a decisão de aderir ou não aos recursos da mídia audiovisual, a fim de atrair leitores nutridos
nesses recursos desde a primeira infância.
Tal decisão seria a causa da proliferação de híbridos de alta cultura e de literatura de massa, de
textos canônicos casados à ficção científica, ao terror gótico, ou a gêneros menores, que têm maior
impacto sobre o grande público. Os níveis de venda são significativos, embora não atinjam a categoria
de bestsellers. É indiscutível, porém, que a atmosfera de suspense e fantasia criada pela inserção de
gêneros da cultura popular, mais os efeitos seriocômicos inevitáveis da justaposição de elementos da
cultura elevada e da cultura popular, atrai o leitor jovem. Em Dom Casmurro e os discos voadores,
Lúcio Manfredi recria o romance clássico de Machado de Assis, sob a perspectiva da ficção científica,
quando inclui na trama seres alienígenas e andróides.
Conforme declarou em entrevista recente, Manfredi não acredita ter cometido uma heresia, pois o
próprio Machado de Assis, por quem tem profundo respeito, “flertou” com o fantástico. O objetivo
deste trabalho é observar na reescritura de Dom Casmurro as marcas do hibridismo criado pela leitura
(ou desleitura) que o autor faz do texto de Machado de Assis. Para tanto estabelecem-se inicialmente
paralelos entre o texto-fonte e a ficção cientifica de Manfredi, ─ declaradamente fiel em 40% ao texto
machadiano ─ como ponto de partida para uma reflexão sobre a transposição entre gêneros efetuada.
Tratar-se-ia de paródia, no conceito de Linda Hutcheon, o que implica distanciamento irônico e
ênfase na diferença e não na semelhança entre as obras em foco, ou simples pastiche de recursos de
mídias diversas escrito com propósitos comerciais? Cria-se inevitavelmente um questionamento sobre
o valor literário desses textos, o que justifica sua análise e discussão em níveis de graduação e de pós-
graduação, etapa final deste trabalho.
DOM CASMuRRO E OS DISCOS vOADORES: uM TExTO CANôNICO COMO LITERATuRA DE MASSA
Mail Marques de Azevedo
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É comum se ouvir que nossa época é a época das imagens. Mas é correto afirmar, talvez até com
mais propriedade, que um dos maiores feitos das formações sociais contemporâneas, em todas as
suas esferas, seja o aprofundamento de um élan (trans-histórico?) intercultural, intersemiótico e
intermidial. Há muito deixamos de ser, se é que um dia fomos,monossemiósicos. Mesmo a imagem
apresenta-se no mais das vezes associada a textos e sons, quase nunca só ou em si mesma. Ademais,
dos anos 60 para cá o processo inteiro de produção de sentido, produção, circulação, consumo, é todo
atravessado por este élan polissistêmico, se é que não foi sempre assim.A proliferação de máquinas
de linguagem ajudou a mudar a nossa percepção das coisas. Se a modernidade inventou “sistemas
especiais”, como o cinema, a HQ, a fotografia, também solidificou sistemas “dispersos” (por falta de
uma palavra melhor), como a música, a literatura e a poesia, as artes plásticas.
A ironia é que uma tal solidificação de “sistemas sistemáticos”, para lembrar Even-Zohar, expandiu o
que estou chamando de élan intercultural, intersemiótico e intermidial. Meu objetivo neste seminário
é discorrer a respeito de um devir que correlaciona, ininterruptamente, o sonoro, o visual e o verbal em
um médium, cujas relações com um estágio sincrônico da cultura e dos meios de produção, dos quais
o de linguagem é determinante, configuram-se em certos objetos como uma relação de intercâmbio
e troca que implica de uma só vez transposição, combinação e referência, não separadamente, mas
como parte de um processo em devir. Em outras palavras: um médium, um video, por exemplo, está
inserido numa relação dinâmica com sistemas de produção de linguagem que não se resumem ao seu
próprio campo, ao seu próprio sistema, e as tradições, de longo e curto prazo, de uma dada época.
Quero pensar tudo isso no vídeo SubterranenHomesick Blues de Bob Dylan.
O clipe de Dylan combina literatura, música, cinema e fotografia; traduz, com forte carga de ironia, a
música para a escrita, o canto pro discurso; cita, através da presença de Ginsberg no vídeo, a poesia beat,
o cinema neo-realista e os faroestes dos finais dos anos 50 e início dos anos 60. Trata-se de um objeto
a partir do qual o pesquisador pode vislumbrar relações entre mídias, sobretudo vídeo e fotografia,
entre sistemas modernos de produção de linguagem, música e literatura, entre processos culturais
em diálogo, cultura popular, de massa e alta cultura. Para tanto, parto do conceito de polissistema de
Itamar Even-Zohar (2007), de uma noção alargada de médium, mais processo que objeto, em Régis
Debray (1996) e das teorias da tradução de Walter Benjamin (2007) e de Haroldo de Campos (2004).
INTERCuLTuRAL, INTERSEMIóTICO, INTERMIDIAL
Luciano Barbosa Justino
13
Ao tratar das relações intertextuais, há muito o homem contemporâneo deixou de pensar apenas no
diálogo entre as artes da tradição. Com o advento da indústria cultural, outros meios de manifestação
da expressão surgiram e, por conseguinte, novos produtos entraram na cadeia dialógica. Em Marxismo
e filosofia da linguagem, Bakhtin/Volochinov considera(m) que todo signo só adquire sentido quando
introduzido na cultura e nela passa a interagir com outros signos de diferentes sistemas semióticos.
Neste sentido, no âmbito da Intermidialidade, podemos dizer que todo o signo, artístico ou não, é
intermidial, uma vez que na produção ou na recepção sempre se cruzam componentes de diferentes
mídias. É pensando nesta permanente interação da cultura que pretendemos discutir não apenas
sobre matérias sígnicas resultantes da combinação de mídias, mas também sobre artefatos originados
da transposição intersemiótica ou midiática, conforme respectivas formulações de ClausClüver e
Irina Rajewsky. Desta perspectiva teórica, vamos refletir sobre algumas possibilidades de o professor
trabalhar em sala de aula algumas ocorrências de combinação de mídias, como o videoclipe e a
linguagem publicitária, bem como a transformação de um conteúdo de uma mídia para outra, ou
de um suporte não midiático para uma mídia, ou, ainda, o inverso desta última situação, como a
transposição de uma receita de livro de culinária para a música, a transformação de uma pintura para
vídeo documentário ou para roupas da alta moda, criadas por importantes estilistas que escolhem,
como gênese da sua criação, a representação de telas de renomados artistas. Nosso objetivo não é o de
ensinar tipologias do processo genético de constituição de mídias aos alunos do Ensino Médio, mas de
refletir com eles sobre a importância desse estudo para a sua formação de leitor crítico. Pretendemos
mostrar que a análise da linguagem midiática pode ser instrumento que propicie ao discente um olhar
perscrutador, interpelativo, diante dos objetos da cultura.
NOvAS LINguAgENS, NOvOS OLHARES DIANTE DO MuNDO: A TECNOLOgIA E AS MÍDIAS EM SALA DE AuLA
Aurora Gedra Ruiz Alvarez e Lílian Lopondo
Célia arns de Miranda e
luCi Collin
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O presente artigo visa ampliar o âmbito das pesquisas sobre traduções intersemióticas e culturais,
através da reflexão sobre as complexas relações intermidiais entre duas transposições da obra
Ricardo III de William Shakespeare: a transposição brasileira para o palco de Ricardo III, de William
Shakespeare, e a versão fílmica da mesma obra. A montagem brasileira Sua Incelença Ricardo III foi
dirigida por Gabriel Vilela ( 2010), sendo que o espetáculo integra um projeto cultural apoiado pela
Petrobras do grupo potiguar “Clowns de Shakespeare”. O grupo tem como principal linha de pesquisa
a comicidade na obra do dramaturgo inglês, que em sua concretização cênica subverte o protocolo
tradicional ao trazer o sertão medieval através de um espetáculo que mistura uma diversidade de
estéticas que abrangem o teatro, a dança, a música, a ópera e a pantomima, bem como trabalha a
fusão do texto de Shakespeare com as linguagens de meios da cultura popular como o circo e os ritos
carnavalescos. Por outro lado, o filme selecionado para a pesquisa é uma versão do “teatro filmado”,
Ricardo III (1995), dirigido por Richard Loncraine, e estrelado por Ian McKellen.
No filme, é criada uma convinscente realidade dos anos 30, com Ricardo III iconicamente ligado a
figura de Hitler. Em nossa análise trabalharemos com o conceito tradução intersemiótica e/ou cultural,
expandido e desmembrado em diferentes nuanças tais como amplamente teorizado por diversos críticos
(CLÜVER, 1997; PLAZA, 2003; DINIZ, 1999; HUTCHEON, 2006). Neste trajeto, identificaremos o
processo de produção de sentido decorrente da transposição do texto shakespeariano para o palco
e a tela, estabelecendo um diálogo entre Sua Incelença Ricardo e a adaptação fílmica realizada por
Loncraine, através de suas concepções de mistura e fusão de diversas mídias, bem como evidenciando
como os recursos da intermidialidade enriqueceram as propostas espetaculares e fílmicas destas duas
obras de arte que revitalizame renovam a dramaturgia de Shakespeare.
O AuTORITARISMO DE RICARDO III: ENTRE O SERTãO MEDIEvAL E A INgLATERRA DOS ANOS 30
Luiz Roberto Zanotti
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Recuperar formas de narratividade construídas a partir de uma exposição de brinquedos no Museu
de Arte da Bahia, “Os brinquedos que moram nos sonhos”, é a proposta deste trabalho, que se detém
em analisar brinquedos do fotógrafo David Glat. Reunidos em seções temáticas, os 1.500 brinquedos,
expostos sob a curadoria do próprio colecionador, juntamente com o diretor do Museu, propõem um
tipo de narração predominantemente mimética (BORDWELL,1985), que consiste em mostrar, através
dessa rede semiótica ou da arte de um grande espetáculo lúdico e multimidiático, o posicionamento
político e social da curadoria. Como fica a figura do narrador por trás de toda essa grande instalação, que
é a exposição? Como o modo diegético também se insere em uma narratividade predominantemente
mimética, em que um jogo icônico (ROSE, 2005) de cores, sons, formas, luzes é ativado para atingir o
público alvo?
“OS BRINquEDOS quE MORAM NOS SONHOS” E pOSSÍvEIS LEITuRAS MuLTIMIDIáTICAS
Silvia Maria Guerra Anastácio
16
De acordo com Griselda Pollock, existe uma crescente indústria de ficção sobre artistas, pinturas e seus
autores, em forma de romances e filmes. Essas obras se baseiam em pesquisas acadêmicas documentais
para construir suas personas históricas, compondo assim os sentimentos e as vozes das personagens
das pinturas, ou de seus criadores. Romances em que “a obra de arte, ou a figura de um artista –
pintor, escultor, músico, não importa – aparece como elemento estruturador” são conhecidos como
Künstlerroman. Solange Oliveira resume que o Künstlerroman é uma narrativa na qual os aspectos
estéticos e técnicos fazem parte da trama, e as soluções ficcionais afetam outros aspectos da vida do
artista. Seu correlato fílmico é conhecido como Biopic. São vários os produtos culturais, em forma
de romance, peças teatrais e filme, baseados na vida e obra da pintora caravagista italiana Artemisia
Gentileschi (1593-1652). Apesar da qualidade de suas pinturas, a artista é geralmente lembrada por
ter sido estuprada por seu tutor Agostino Tassi, e ainda torturada e humilhada durante o julgamento
de seu agressor. A grande maioria desses produtos culturais, mesclando realidade e ficção, tem tal
episódio como ponto de partida de suas respectivas tramas. A adaptação cinematográfica do tipo
Biopic Artemisia (1997), da francesa Agnès Merlet, teve recepção crítica bastante controversa, pois
reverte a temática do crime em uma história de amor. Um manifesto distribuído na estreia em Nova
York, seguido por um seminário coordenado pela historiadora feminista Mary Garrard, conseguiu
que a distribuidora Miramax tirasse do cartaz de divulgação a afirmação de o filme ser uma “história
real”. Visando principalmente contribuir para o estudo de transposições, em especial as ecfrases e as
adaptações cinematográficas, e sem intenção de fazer mais uma leitura feminista do filme, o objetivo
desta comunicação é discutir o papel da transgressão de fronteiras entre as mídias pintura e cinema
através de referências intermidiáticas como, por exemplo, nas passagens ecfrásticas em que Tassi
ensina à sua pupila as sutilezas de suas técnicas utilizadas pra compor perspectiva. Para tal vou contar
com a noção de intermidialidade proposta por Irina Rajewsky, e ainda com as definições de ecfrase
propostas por Tamar Yacobi e Claus Clüver.
pERSpECTIvAS INTERMIDIáTICAS EM ARTEMISIA DE AgNèS MERLET
Miriam de Paiva Vieira
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REfERêNCIAS INTERMIDIáTICAS: TEATRALIzAçãO DE ESTRATégIAS CINEMáTICAS NO TExTO E NA CENA
Anna SteghCamati
Roteiros cênicos e cinematográficos apresentam semelhanças, visto que tanto espetáculos teatrais
como filmes fazem uso de efeitos sonoros, música, iluminação, cenários, adereços, figurinos e outras
especificidades. Na contemporaneidade, diversos críticos investigam instâncias do ‘entre-lugar’ que
estas duas artes ocupam, ou seja, como elas se configuram em um espaço entre uma mídia e outra(s).
Nesse sentido, recursos cinemáticos são apropriados pelo teatro e vice-versa, flagrando tensões geradas
pelo cruzamento de fronteiras midiáticas. Estas e outras práticas foram classificadas como referências
intermidiáticas (intermedialeBezüge), uma modalidade de intermidialidade no sentido restrito, por
Irina Rajewski (DINIZ; VIEIRA, 2012), como, por exemplo, “referências, num texto literário, a um
certo filme, gênero fílmico ou cinema em geral (a escrita fílmica)” (p. 58).
Em seus postulados teóricos, a autora esclarece que, apesar de recursos cinemáticos não estarem
presentes, de fato, em roteiros cênicos e espetáculos teatrais, eles são “usados e adaptados de tal modo que
eles guardam correspondência e semelhança com elementos, estruturas e práticas representacionais”
(p. 61) do cinema, criando, desta maneira, a ilusão de qualidades cinemáticas. Essas manipulações de
especificidades midíaticas do cinema “implicam uma série de restrições materiais e operativas que
podem, sim, ser alvo de brincadeiras, mas sem que o emprego dos meios e instrumentos midiáticos
respectivos os abalem” (p. 68), ou seja, o teatro não se converte, efetivamente, em cinema.
“O que se cria nesse caso é uma mera ilusão, um ‘como se’ relativamente à outra mídia” (p. 69).
Desdemona, uma peça sobre um lenço (1994), de Paula Vogel, foi escrito ‘como se’ fosse um roteiro
fílmico, uma vez que fornece instruções detalhadas ao diretor e sua equipe sobre a construção
das cenas. Neste texto para teatro, a dramaturga estadunidense introduz e teatraliza estratégias
cinemáticas, dentre elas, o uso de cenas curtas, cortes bruscos, diálogo e marcações aceleradas, além
da produção de imagens cênicas. Em um parágrafo curto, intitulado “Nota ao diretor”, ela recomenda
que na encenação a ação deve ser acelerada à maneira do cinema: “Desdemona foi escrita em 30
tomadas cinematográficas; o diretor é instigado a criar diferentes quadros para simular o processo de
filmagem: mudança de posicionamentos de camera, cortes cinemáticos abruptos e repetições, etc. Não
deverá fazer a mudança de cenas por meio de blackouts” (p. 4). Esse aspecto de simulação do processo
de filmagem, mencionado por Vogel, é descrito por Rajewsky como uma referência intermidiática. O
presente artigo objetiva analisar a teatralização de recursos cinemáticos no roteiro cênico Desdemona,
uma peça sobre um lenço (1994), de Paula Vogel, e no espetáculo.
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REfERêNCIAS pICTuRAIS: A LITERATuRA INSpIRADA pELA pINTuRA
Brunilda T. Reichmann
Esta apresentação reflete sobre os conceitos de transparência e opacidade, explorados por Walter
Moser (2006), do alicerce (inter)midiático em narrativas ficcionais e fílmicas. Ao resgatar a noção
de iluminação mútua das mídias (adaptação da expressão “iluminação mútua das artes”, de
OskarWalzel, 1917), tanto a narrativa ficcional como a narrativa fílmica esclarecem, dentro de sua
linguagem específica, características do texto ou do filme que levam à transparência ou opacidade. A
possível clarificação do que vem a ser a transparência, comum a uma estética da imitação ou mimese,
(inexistência de elementos que revelam a materialidade da mídia) ou a opacidade midiática, comum
a uma estética do processo de construção, (existência de elementos que revelam a materialidade da
mídia), auxilia a passar aos nossos estudantes o que seja o alicerce midiático.
Na literatura, a metaficção é um exemplo dessa técnica. Em um romance realista ou naturalista, por
exemplo, o alicerce não é revelado para o leitor; este não é despertado para a materialidade da mídia
ao lê-lo; na metaficção, em romance que elabora sobre seu processo de construção, o alicerce torna-se
opaco e a materialidade do mesmo é revelada ao leitor. No cinema, o alicerce midiático de filmes que
hold a mirroruptonature torna-se também transparente; em filme nos quais o espectador vê o processo
de filmagem na tela, a transparência deixa de existir, e o espectador, assim como o leitor de romances
metaficcionais, passa a ter consciência da opacidade fílmica. A trilogia romanesca de Samuel Beckett:
Molloy, Malone morre e O inominável é um exemplo da opacidade midiática da literatura. Ele escreve:
“Eu sou em palavras, eu sou feito de palavras, palavras dos outros.
Eu sou todas estas palavras, todos estes estrangeiros, esta poeira de verbo. E preciso dizer palavras
enquanto elas estão aí (…) é preciso tentar logo, com as palavras que restam.” No cinema, Passion,
de Jean-Luc Godard, é um exemplo por excelência da opacidade no cinema. É filmado o processo
de filmagem de um filme que acaba sendo abandonado. As noções de transparência e opacidade do
alicerce (inter)midiático são assim clarificadas pela iluminação mútua das mídias ou pelo diálogo
entre elas.
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TRANSpARêNCIA E OpACIDADE NAS MÍDIAS: ALICERCE (INTER)MIDIáTICO NA LITERATuRA E NO CINEMA
Brunilda T. Reichmann
Esta apresentação reflete sobre os conceitos de transparência e opacidade, explorados por Walter
Moser (2006), do alicerce (inter)midiático em narrativas ficcionais e fílmicas. Ao resgatar a noção
de iluminação mútua das mídias (adaptação da expressão “iluminação mútua das artes”, de
OskarWalzel, 1917), tanto a narrativa ficcional como a narrativa fílmica esclarecem, dentro de sua
linguagem específica, características do texto ou do filme que levam à transparência ou opacidade. A
possível clarificação do que vem a ser a transparência, comum a uma estética da imitação ou mimese,
(inexistência de elementos que revelam a materialidade da mídia) ou a opacidade midiática, comum
a uma estética do processo de construção, (existência de elementos que revelam a materialidade da
mídia), auxilia a passar aos nossos estudantes o que seja o alicerce midiático.
Na literatura, a metaficção é um exemplo dessa técnica. Em um romance realista ou naturalista, por
exemplo, o alicerce não é revelado para o leitor; este não é despertado para a materialidade da mídia
ao lê-lo; na metaficção, em romance que elabora sobre seu processo de construção, o alicerce torna-
se opaco e a materialidade do mesmo é revelada ao leitor. No cinema, o alicerce midiático de filmes
que hold a mirroruptonature torna-se também transparente; em filme nos quais o espectador vê o
processo de filmagem na tela, a transparência deixa de existir, e o espectador, assim como o leitor de
romances metaficcionais, passa a ter consciência da opacidade fílmica.
A trilogia romanesca de Samuel Beckett: Molloy, Malone morre e O inominável é um exemplo da
opacidade midiática da literatura. Ele escreve: “Eu sou em palavras, eu sou feito de palavras, palavras
dos outros. Eu sou todas estas palavras, todos estes estrangeiros, esta poeira de verbo. E preciso dizer
palavras enquanto elas estão aí (…) é preciso tentar logo, com as palavras que restam.” No cinema,
Passion, de Jean-Luc Godard, é um exemplo por excelência da opacidade no cinema. É filmado
o processo de filmagem de um filme que acaba sendo abandonado. As noções de transparência e
opacidade do alicerce (inter)midiático são assim clarificadas pela iluminação mútua das mídias ou
pelo diálogo entre elas.
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Que novas interações e convergências pode haver ainda entre cinema e teatro depois de todo um
século (XX) de experimentações? A análise do filme Vous n’avez encore rien vu, do diretor Alain
Resnais, lançado na França em 2012, é um possível caminho para refletir acerca da questão, afinal,
ele é uma criação típica do cenário artístico contemporâneo, marcado pela forte tendência de criação
de objetos híbridos. Trata-se de um filme no qual literatura, teatro e cinema fazem multiplicar e/
ou fazem convergir várias possibilidades de leitura. O filme de Resnais parece ser uma espécie de
obra caleidoscópica ao apagar (e questionar) os limites entre o espaço fílmico e o espaço teatral e
ressignificar os modos de representação.
Um conceito-chave para sustentar nossa leitura de Vous n’avez encore rien vu, tendo em vista a
relação intermedial entre cinema, teatro e literatura, vem de Bolter e Grusin (2002) ao lançarem o
termo “Remediation” (Remediação) a fim de explicar as formas de apropriação, ressignificação e
recontextualização de mídias anteriores por novas mídias. Nossa proposta de trabalho é analisar o
modo como o filme de Resnais, ao se valer das peças Cher Antoine ou l’amour raté (1969) e Eurydice
(1942), de Jean Anouilh, constrói-se como mise en abyme capaz de permitir um duplo deslizamento:
no nível da intriga, de uma peça para outra e delas edificar o enredo do próprio filme; no nível formal,
há um movimento contínuo de passagem do cinema para o teatro e vice-versa, seja como técnica
de representação, seja na multiplicação de espaços, tempos, personagens e situações dramáticas. O
resultado desse caleidoscópio é:
a) a ampliação exponencial das possibilidades de leitura do amor mítico de Orfeu e Eurídice,
protagonistas de Eurydice, já que ele passa a ser representado de três formas diferentes, em três
diferentes tempos;
b) a criação de um espaço em que as fronteiras entre ficção e “realidade” se tornam fluidas para as
personagens do filme, atores de uma mesma companhia teatral (aliás, os atores do filme portam seus
nomes verdadeiros);
c) a constante alternância da posição-espectador, num jogo labiríntico em que se desdobram vários
níveis, a saber: os possíveis espectadores do filme de Resnais, na sala de cinema; os experientes atores
da companhia teatral que assistem a uma projeção de vídeo da representação de Eurydice por um
TRAvESSIAS LABIRÍNTICAS ENTRE CINEMA E TEATRO EM vOuS N’AvEz ENCORE RIEN vu, DE ALAIN RESNAIS
Barbara Cristina Marques, Maria Carolina de Godoy e Sonia Aparecida Vido Pascolati
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jovem grupo de atores; os atores representando personagens da peça Eurydice tornam-se espectadores
uns dos outros em alguns momentos da película.
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Esta pesquisa/artigo pretende investigar a transposição intermidiática da peça teatral “Avesso” que foi
encenada em 2012 pela Companhia O Ambulatório, de Curitiba. Tomando como sustentação teórica
‘a série de concretizações textuais’, defendida por Patrice Pavis, objetiva-se analisar a transformação
do texto dramático até a sua concretização receptiva. A participação de três diretores – de cena, de
cinema e de corpo – torna-se um forte indício da presença de elementos multimídia no espetáculo
que, em conjunto, concorrem com o texto verbal propriamente dito.
O espaço cênico torna-se um minúsculo reduto onde vinte ou trinta espectadores são absorvidos para
um teatro perfomático que lhes desperta emoções, surpresas, reações. Há um confronto com a noção
do teatro dramático: a desagregação do diálogo, a fragmentação da identidade, o esfacelamento das
unidades de ação, tempo e lugar fazem despontar a estética pós-dramática onde a forma torna-se o
próprio significado.
vIRANDO O TEATRO DO AvESSO: TExTO, ENCENAçãO E AS RELAçõES INTERMIDIáTICAS NA pEçA aveSSo
Célia Arns de Miranda e Luci Collin