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A Chave para o Velho Testamento – Literalismo ou N. Testamento? A CHAVE PARA O VELHO TESTAMENTO: O LITERALISMO OU O NOVO TESTAMENTO? O dispensacionalismo representa o sistema de interpretação bíblica o qual afirma que os termos "Israel" e "Igreja" nas Escrituras sempre se referem a dois concertos totalmente diferentes entre Deus e o Seu povo: Israel representa um reino nacional-teocrático e terreno, mas a Igreja, um espiritual e celestial, Como propõe Lewis S. Chafer: Os dispensacionalistas acreditam que Deus está buscando dois propósitos distintos através das gerações: um relacionado à Terra, envolvendo pessoas e objetivos terrenos, o outro relacionado ao Céu, envolvendo pessoas e objetivos celestiais. 1 Por isso, Daniel P. Fuller conclui: "A premissa básica do Dispensacionalismo é os dois propósitos de Deus expressos na formação de dois povos que mantém as suas distinções através da eternidade". 2 Em outras palavras, o dispensacionalismo mantém diferentes escatologias para "Israel" e a "Igreja", cada um tendo suas próprias contrastantes promessas do concerto. A essência do dispensacionalismo, portanto, consiste em "causar divisão" nas 1

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A Chave para o Velho Testamento – Literalismo ou N. Testamento?A CHAVE PARA O VELHO TESTAMENTO: O LITERALISMO OU O NOVO TESTAMENTO?

O dispensacionalismo representa o sistema de interpretação bíblica o qual afirma que os termos "Israel" e "Igreja" nas Escrituras sempre se referem a dois concertos totalmente diferentes entre Deus e o Seu povo: Israel representa um reino nacional-teocrático e terreno, mas a Igreja, um espiritual e celestial, Como propõe Lewis S. Chafer:

Os dispensacionalistas acreditam que Deus está buscando dois propósitos distintos através das gerações: um relacionado à Terra, envolvendo pessoas e objetivos terrenos, o outro relacionado ao Céu, envolvendo pessoas e objetivos celestiais.1

Por isso, Daniel P. Fuller conclui: "A premissa básica do Dispensacionalismo é os dois propósitos de Deus expressos na formação de dois povos que mantém as suas distinções através da eternidade".2 Em outras palavras, o dispensacionalismo mantém diferentes escatologias para "Israel" e a "Igreja", cada um tendo suas próprias contrastantes promessas do concerto. A essência do dispensacionalismo, portanto, consiste em "causar divisão" nas Escrituras, não meramente em compartimentos de tempo ou dispensações, mas também em suas seções que se aplicam ou a Israel ou a Igreja, ou ainda aos gentios. Uma divisão derivada de 1 Coríntios 10:32. Chafer foi ainda mais longe ao ensinar que apenas o Evangelho de João, o livro de Atos e as Epístolas são dirigidos especificamente aos cristãos.3

O conflito final ou a tribulação mencionada em Apocalipse 6-20 acontece entre o anticristo e os judeus piedosos, não entre o anticristo e a Igreja, porque "o livro como um todo não é ocupado primariamente com o programa de Deus para a igreja'' J. F. Walvoord).4

O princípio fundamental sobre a qual essa divisão das Escrituras se origina é chamado de "literalismo consistente". Um dos seus modernos porta-vozes, Charles C. Ryrie, categoricamente afirma:

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A Chave para o Velho Testamento – Literalismo ou N. Testamento?Desde que o literalismo consistente é o princípio lógico e óbvio de

interpretação, o dispensacionalismo está mais do que justificado.5

O Dispensacionalismo é o resultado da aplicação consistente do princípio hermenêutico básico de interpretação literal, normal ou direta, Nenhum outro sistema de teologia pode reivindicar isso.6

O literalismo consistente está no coração da escatologia dispensacionalista.7

As implicações desse princípio pré-determinado de literalismo são de grande alcance em matéria de teologia, especialmente em escatologia, tendo em vista que ele requer o cumprimento literal das profecias do Velho Testamento, que por isso devem ocorrer durante algum período futuro na Palestina, "pois a Igreja não as está cumprindo em nenhum sentido literal".8 Assim, o literalismo leva necessariamente ao futurismo dispensacionalista em interpretação profética.

De acordo com o dispensacionalismo, a Igreja de Cristo, que nasceu no dia de Pentecostes conforme relatado em Atos 2, não é definitivamente uma parte do concerto de Deus com Abraão e Davi. A Igreja cristã, com o seu evangelho da graça, é apenas uma "interrupção" do plano original de Deus com Israel, um "parêntesis" (H. Ironside) ou uma "intercalação" (L. S. Chafer), não previstos pelos profetas do Velho Testamento e não tendo ligação com as promessas de Deus de um reino terrestre para Abraão, Moisés e Davi.

Para o sistema dispensacionalista é básica a pressuposição de que Cristo ofereceu-Se para a nação de Israel como o Rei messiânico para estabelecer o glorioso reino terrestre que fora prometido a Davi. Sobre essa suposição repousa a inferência de que Cristo "adiou" o oferecimento de Seu reino quando Israel O rejeitou como seu legítimo rei. Por isso, Ele começou a oferecer o Seu reino da graça (de Mateus 13 em diante) como um concerto de graça temporário que terminará tão logo estabeleça novamente a nação judaica como Sua teocracia.

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A Chave para o Velho Testamento – Literalismo ou N. Testamento?A igreja dos crentes renascidos deve, por isso, primeiramente ser

tirada deste mundo através de um "arrebatamento" repentino e invisível para o Céu antes que Deus possa cumprir Suas promessas "incondicionais" feitas a Israel no Velho Testamento.

O dispensacionalismo assegura que as promessas do concerto veterotestamentárias feitas a Israel podem se cumprir apenas na nação judaica (em todos os detalhes como escrito) durante o futuro milênio judaico de Apocalipse 20. Somente então o propósito distintivo e incondicional de Deus com "Israel" será gloriosamente consumado. Isso implica a reconstrução do templo em Jerusalém e a reinstituição dos sacrifícios animais em "comemoração" à morte de Cristo. Todas as nações reconhecerão, então a Israel como o povo favorecido de Deus. Ryrie afirma, "essa culminação milenial é o clímax da História e o grande objetivo do programa de Deus para as gerações".9

Assim, está bem claro que o dispensacionalismo separa a Igreja de Cristo de todo o plano redentivo de Deus para Israel e a humanidade e restringe o Seu reino futuro à restauração de um reino estritamente judaico – o assim chamado reino milenial.

Essa dicotomia entre Israel e a Igreja, entre esta e o reino de Deus na Terra, entre o Evangelho de Jesus Cristo e o Evangelho da graça de Paulo, é o desenvolvimento lógico do princípio literalista de interpretação profética adotado para a Palavra de Deus, O literalismo não tem raízes na fé cristã histórica, mas foi criado em torno de 1830 em reação às espiritualizações da teologia liberal do século 19. O dispensacionalismo moderno ascendeu basicamente nos ensinos do ex-advogado John N. Darby (1800-1882), líder de um grupo cristão chamado Os Irmãos de Plymouth (na Inglaterra), e popularizado nas notas de rodapé da Scofield Reference Bible (New York: Oxford University Press, 1967).

A teologia dispensacionalista é elaborada sistematicamente por Lewis Sperry Chafer (sucessor de C. I. Scofield) em sua obra apologética Systematic Theology (8 vols.) e nos escritos de John F. Walvoord,

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A Chave para o Velho Testamento – Literalismo ou N. Testamento?presidente do Seminário Teológico de Dallas. O dispensacionalismo é ensinado por princípio no Instituto Bíblico Moody (Chicago) e, em aproximadamente duzentos institutos bíblicos nos Estados Unidos. A revista dispensacionalista é a Bibliotheca Sacra (herdada pelo Seminário Teológico de Dallas em 1934). Autores populares como Hal Lindsey, Salem Kirban e outros influenciam milhões de pessoas através de seus escritos e filmes a aceitarem a interpretação dispensacionalista como o verdadeiro quadro profético do plano de Deus para o povo judeu: uma guerra do Armagedom no Oriente Médio e um milênio judaico.

A Chave para o Velho Testamento: O Novo Testamento

É a hermenêutica dispensacionalista do "literalismo consistente" a chave genuína para a interpretação do cumprimento futuro das profecias do Velho Testamento? Está organicamente (isto é, genuinamente e intrinsecamente) relacionada às Sagradas Escrituras, ou é uma pressuposição forçada, impondo sobre a Palavra de Deus elementos externos como um "padrão objetivo"10, a fim de salvaguardar a Bíblia contra espiritualizações e alegorizações injustificadas? Não seria melhor que o princípio "objetivo" para a compreensão da Palavra de Deus fosse indutivamente derivado do próprio relato inspirado?

O ponto importante é esse: Ao cristão é permitido encarar os escritos do Velho Testamento como uma unidade fechada em si mesma, isolada dos testemunhos do Novo Testamento sobre o seu cumprimento, ou deve aceitar o Velho e o Novo Testamentos juntos como uma revelação natural de Deus em Cristo Jesus?

Em primeiro lugar, o Velho Testamento em si mesmo carece de uma norma indicadora de Jesus Cristo e dos Seus apóstolos para a compreensão cristã das Escrituras hebraicas, O princípio do "literalismo" é, então, introduzido nesse vácuo de um cânon não terminado da Escritura para suprir uma norma indicadora de interpretação apontada por Deus para se consumar em Cristo e no Novo Testamento, O próprio

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A Chave para o Velho Testamento – Literalismo ou N. Testamento?termo "literalismo" torna-se dúbio em significado se for definido como exegese gramático-histórica literal ou normal do Velho Testamento, mas então exalta essa exegese como a verdade final dentro do cânon total da Bíblia de maneira que Cristo e o evangelho apostólico não têm autoridade de desvelar, modificar ou (re) interpretar suas promessas, Charles C. Ryrie afirma que a visão dispensacionalista da revelação progressiva pode aceitar luz adicional, mas não aceita que o termo '"Israel" possa significar "Igreja". Isso significaria uma inaceitável "contradição" de termos e conceitos.11

O dispensacionalismo nega um relacionamento dependente entre as profecias do Velho Testamento e a Igreja de Cristo Jesus. Rejeita a aplicação tradicional das promessas do Reino davídico do governo espiritual de Cristo sobre Sua Igreja, porque tal aplicação interpretaria a profecia alegórica e não literalmente, e portanto, ilegitimamente.

Temos aqui uma questão crucial: Os dispensacionalistas realmente aceitam o caráter dependente da Bíblia como um todo, isto é, a unidade espiritual e teológica das revelações do Velho e do Novo Testamentos? Aos expositores cristãos é permitido interpretar o Velho Testamento como um cânon fechado, como a revelação de Deus completa e final para o povo judeu, sem deixar que Cristo seja o verdadeiro intérprete de Moisés e dos profetas, sem permitir que o Novo Testamento tenha a suprema autoridade de aplicar as profecias do Velho?

O cristão não pode interpretar o Velho Testamento num sentido final e completo como se Cristo ainda não tivesse vindo e como se o Novo Testamento não tivesse sido escrito. Não seria preferível a posição de que Cristo rejeitou o Judaísmo e o Sionismo?12

literalismo no Judaísmo no Período do Advento de Cristo

Está bem claro, a partir da perspectiva cristã, que os líderes judeus do tempo de Jesus tinham uma compreensão confusa e unilateral do Messias prometido. Interpretavam mal a Palavra profética devido ao seu

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A Chave para o Velho Testamento – Literalismo ou N. Testamento?literalismo, passando por alto o caráter condicional das bênçãos do concerto prometidas a Israel.13 Os judeus não estavam esperando um Messias sofredor; nem mesmo os discípulos de Cristo estavam (Lucas 24:20-27; Mateus 26:21-22).

Em todos os escritos judeus apócrifos que refletem vários conceitos do Messias esperado e do reino de Deus, nem uma vez é previsto um Messias que deveria morrer pelos pecados de Israel em cumprimento de Isaías 53.14 O que a teologia judaica do judaísmo no período do advento de Cristo ensinava a respeito do Messias e do Seu reino nunca devem, por isso, ser um guia seguro ou uma norma cristã para compreender o que as profecias do Velho Testamento realmente significavam.

Os discípulos de Cristo, incluindo João Batista (Mateus 11:26), descobriram um significado novo e mais profundo envolvendo a missão messiânica e o reino de Deus. Jesus não veio para oferecer-Se a Israel como o rei da glória ou conceber um reino terreno com poder político. Quando os judeus tentaram fazê-Lo rei pela força (João 6:15), Jesus recusou tornar-Se o rei de Israel, como interpretavam o Seu reinado, e "retirou-se novamente, sozinho, para o monte". E para Pilatos, governador romano, Ele esclareceu, "O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui" (João 18:36; ênfase acrescentada).

Aqui está a razão porque os judeus como nação rejeitaram a Cristo como seu Rei. Haviam interpretado extremamente mal a missão do Messias e a natureza profunda e religiosa de Seu governo e do Seu reino.15 Por se concentrarem primariamente na glória terrena e política do Messias vindouro e do Seu reino e por negligenciar o panorama basicamente religioso da missão e reino messiânicos, o judaísmo rabínico passou a esperar um Messias político que libertaria a nação judaica da opressão romana.16 A expectação judaica da vinda do reino messiânico era, portanto, o oposto do que Jesus tencionava introduzir em Israel. Aquele que veio, acima de tudo, para vencer a Satanás e seu poder

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A Chave para o Velho Testamento – Literalismo ou N. Testamento?escravizador sobre o coração dos judeus através de Sua vitória no deserto e para redimir os israelitas, exorcizando os demônios de sua alma, foi denunciado pelos judeus como realizando a obra de Belzebu (Mateus 12:22-28), como tendo um "espírito imundo" (Marcos 3:30). Cristo, contudo, interpretou o exercício de Seu poder salvador em favor de Israel como o verdadeiro reino de Deus: "Se, porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós" (Mateus 12:28; ênfase acrescentada; cf. Lucas 17:21 na RSV).

Mesmo os próprios discípulos de Cristo não haviam compreendido a natureza do reino de Deus. Quando Pedro quis impedir Jesus de ser o Messias sofredor e moribundo, Cristo o repreendeu veementemente: "Arreda, Satanás! Porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens" (Marcos 8:33). T. W Manson faz a sua tradução livre assim: "Fora do meu caminho, Satanás! Tu és para mim uma pedra de tropeço; porque estais mais interessado em um império humano do que no reino de Deus".17

Jesus ofereceu-Se a Israel exatamente como a Palavra profética havia determinado, primeiramente não como Rei da glória, mas como Messias servo. Esse fato está claro, pois, Jesus não ofereceu um Império Davídico glorioso. Ao invés disso, Ele rejeitou o messianismo político da esperança judaica, mesmo de Seus próprios discípulos (Lucas 19:41-42; Mateus 23:37-38). G. E. Ladd concluiu:

O próprio fato de que Ele não veio como Rei glorioso, mas como um Salvador humilde, deveria ser uma evidência adequada em si mesma para provar que o Seu oferecimento do reino não era exterior, terreno, mas correspondia à forma na qual o seu Rei chegou aos homens.18

Qual foi então a causa da rejeição de Jesus pelos judeus como o Príncipe da Paz, de Seu reino espiritual como o reino de Deus? Desde o começo de Seu ministério público Cristo desapontou a expectativa judaica de um Messias glorioso no mundo secular e sua esperança de que Israel como nação deveria ser exaltada como a cabeça de um reino universal (Lucas 4:16-30; Mateus 5:1-12).

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A Chave para o Velho Testamento – Literalismo ou N. Testamento?Contudo, a causa fundamental pode ser encontrada em um

literalismo freqüentemente aplicado nas exegeses judaicas do primeiro século.19 Esta forma de tratamento atomístico das Escrituras levava muito a sério as letras e as palavras de Moisés e dos profetas, e ainda dissecava e fragmentava as Escrituras por negligenciar relacionar as palavras proféticas à história da salvação e ao centro teológico da Escritura. Esse centro unificador do Velho Testamento é o Deus vivo de Israel,20 de quem emana toda a revelação da verdade e com quem toda a revelação deve relacionar-se, a fim de compreender todo o Seu eterno propósito para o mundo e para o Seu povo do concerto. Por isso, o literalismo ou o letrismo judaico pode ser descrito como uma forma de legalismo.

Uma forma peculiar de literalismo judaico e de divisão dos Escritos proféticos era empregada pela seita de Qumran ou membros do concerto do Mar Morto. Eles não apenas explicavam partes da lei mosaica de uma maneira mais dissecada do que o judaísmo farisaico (e.g. sobre Êxodo 16:29),21 mas as suas interpretações das Escrituras proféticas (e.g. Habacuque) mostram que ignoravam completamente o contexto histórico e literário das profecias do Velho Testamento. Interpretavam as passagens proféticas como estando exclusivamente preocupadas com o período em que viviam como sendo o tempo do fim e a sua própria seita como o remanescente fiel de Israel.22 A convicção dos essênios de serem possuidores do único discernimento verdadeiro das Escrituras foi construída sobre a implícita confiança na direção divina do "Mestre da Justiça", o fundador da comunidade de Qumran. Deus havia revelado inquestionavelmente para ele o verdadeiro significado das profecias, a chave para desvendar todos os seus mistérios e a pedra de toque para todas as aplicações da crise iminente. Por isso, a seita de Qumran identificou inteiramente as interpretações das Escrituras feitas por seu mestre "justo" com a revelação divina e tomava as suas palavras específicas como norma absoluta de interpretação.23 Essa forma de apocalipsismo com suas reivindicações exclusivas de significado

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A Chave para o Velho Testamento – Literalismo ou N. Testamento?"literal" das profecias e sua negligência da exegese histórico-gramatical foi realmente apenas uma forma de literalismo especulativo, uma caricatura da interpretação literal genuína. É desnecessário afirmar que sua esperança desorientada terminou em um desapontamento catastrófico para os seus seguidores. Qumran começou literalmente de um ponto de partida errado, ou seja, mais interessada na aplicação da palavra profética do que no significado original do texto bíblico. Sua exegese levou os crentes a aceitarem incondicionalmente as reivindicações de um mestre carismático contemporâneo como a norma superior de interpretação das Escrituras.

A Chave para o Velho Testamento: Cristo no Novo Testamento

Deus mesmo é o Intérprete de Sua Palavra, isto é, as palavras das Escrituras recebem o seu significado e a sua mensagem do próprio Autor divino e devem estar constantemente relacionadas com Sua vontade dinâmica e progressiva, a fim de que possamos ouvir o desdobramento feito por Ele da interpretação de Suas promessas iniciais através de um "assim diz o Senhor".

Promessas concernentes a Israel como um povo, relacionadas à dinastia, à terra, à cidade e aos montes não são auto-abrangentes, isoladas por causa de Israel, mas são partes integrantes do plano de salvação progressivo de Deus para o mundo e a raça humana. O Velho Testamento revela esse plano universal que pode ser detectado por uma abordagem diacrônica, longitudinal que presta atenção à seqüência cronológica das mensagens proféticas do Velho Testamento.

Em nossos dias, Walter C. Kaiser Jr., conduziu uma pesquisa indutiva do Velho Testamento em seu livro erudito Toward an Old Testament Theology (Grand Rapids, Mich.: Zondervan, 1978). Concluiu que o centro focal do Velho Testamento como uma unidade orgânica é a promessa de Deus em abençoar todos os povos através da semente de Abraão, também sumarizada na fórmula tripartida: "Eu serei o Teu Deus

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A Chave para o Velho Testamento – Literalismo ou N. Testamento?e tu serás o Meu povo, e Eu habitarei contigo" (pp. 12, 32-35). Este plano de Deus inclusivo e singular, esta promessa, é o cerne fixo na revelação progressiva de todos os concertos de Israel. Ele não é claramente uma "vara divina abstrata" imposta aos textos do Velho Testamento, mas provê "seu próprio padrão para um modelo permanente e normativo pelo qual julgar aquele dia e todos os outros dias por uma régua que reivindica ter sido estabelecida para o escritor da Bíblia e todos os subseqüentes leitores simultaneamente" (p. 14).

Kaiser mostra que a promessa messiânica é o foco central de todo concerto de Deus com o homem desde o começo. Essa promessa se relaciona com as predições divinas do Velho Testamento. Os escritores do Novo Testamento reconhecem a Cristo como o perfeito cumprimento das promessas de Deus aos patriarcas e a Israel. Paulo sumaria a totalidade da esperança messiânica em uma promessa definida:

E, agora, estou sendo julgado por causa da esperança da promessa que por Deus foi feita a nossos pais, a qual as nossas doze tribos, servindo a Deus fervorosamente de noite e de dia, almejam alcançar; é no tocante a esta esperança, ó rei, que eu sou acusado pelos judeus (Atos 26:6-7).

Nós vos anunciamos o evangelho da promessa feita a nossos pais, como Deus a cumpriu plenamente a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus (Atos 13:32-33).

E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa (Gálatas 3:29).

Cristo é o alvo da missão de Abraão e de Israel. Veio para redimir o mundo e a raça humana como um todo. A salvação vem dos judeus, mas não para os judeus apenas.

Mas a Escritura encerrou tudo sob o pecado, para que, mediante a fé em Jesus Cristo, fosse a promessa concedida aos que crêem (Gálatas 3:22).

O Novo Testamento enfatiza a verdade de que Deus cumpriu a promessa Abraãmica em Jesus de Nazaré e renovou o Seu concerto com

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A Chave para o Velho Testamento – Literalismo ou N. Testamento?Israel através de Jesus Cristo por uma "superior afiança'' (Hebreus 7:22), introduzindo uma "esperança superior" (Hebreus 7:19) para todos israelitas e gentios crentes em Cristo (Hebreus 8).

Assim, o Novo Testamento testifica de um cumprimento básico das promessas do Velho no Messias Jesus. Nas palavras do apóstolo Paulo, "Porque quantas são as promessas de Deus, tantas têm nele o 'sim' " (2 Coríntios 1:20). Para ele, cada interpretação que se centraliza no Israel nacional, nas promessas terrenas e políticas do concerto, falha em compreender o sentido real e o centro teológico da promessa divina.

Sem reconhecer a Jesus Cristo como a Chave, a Raiz e o Centro de todos os concertos de Deus com Israel (Apocalipse 22:16), qualquer compreensão "literal" dos antigos concertos do Senhor com Seu antigo povo, se constituiria em apenas uma dramática incompreensão e as reivindicações às bênçãos prometidas, uma presunção. "Mas até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles. Quando, porém, algum deles se converte ao Senhor, o véu lhe é retirado" (2 Coríntios 3:15-16).

Sem Cristo ou o Espírito, as aplicações do concerto de Israel apenas endurecem o coração. "A letra mata, mas o espírito vivifica" (2 Coríntios 3:6). Apenas quando os judeus aceitam a mensagem do Novo Testamento de que Jesus é o Messias da profecia e O recebem de todo o coração como Senhor e Salvador, o véu escuro é removido das letras do Velho Testamento e eles são capazes de compreender o verdadeiro significado literal das Escrituras e a intenção original do Velho Testamento. Por isso, é necessário fazer uma distinção fundamental entre uma interpretação literal genuína e o literalismo ou letrismo. A chave para o Velho Testamento não é um método ou princípio racionalista, seja literal ou alegórico, mas Cristo Jesus, o Filho de Deus, como revelado no Novo Testamento.

O intérprete cristão do Velho Testamento é, de uma vez por todas, obrigado a ler as Escrituras hebraicas à luz do Novo Testamento como

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A Chave para o Velho Testamento – Literalismo ou N. Testamento?um todo, porque o Velho é aí interpretado autorizadamente, como a contínua história da salvação, sob a inspiração divina.

O cristianismo histórico sempre confessou que o Novo Testamento é o alvo e o cumprimento do Velho.24 G. E. Ladd representa a posição de gerações da Igreja quando afirma: "Nosso ponto de partida deve ser a maneira como o Novo Testamento interpreta o Velho''.25 F. F. Bruce declara mais especificamente: "O uso que Nosso Senhor faz do Velho Testamento bem pode servir como modelo e padrão na interpretação bíblica e os cristãos ainda podem relembrar que a obra presente do Espírito Santo é abrir-lhes as Escrituras assim como o Cristo ressurreto fez aos discípulos no caminho de Emaús".26

The Ecumenical Study Conference (A Conferência Ecumênica de Estudo), ocorrida em Oxford, Inglaterra em 1949, aceitou como "Princípios Normativos para a Interpretação da Bíblia", entre outras, a seguinte pressuposição teológica necessária:

Concorda-se que a unidade do Velho e do Novo Testamento não deve ser encontrada em qualquer desenvolvimento naturalístico ou em qualquer identidade estática, mas na continua atividade redentiva de Deus na história de um povo, alcançando o seu cumprimento em Cristo.

Conseqüentemente, é de importância decisiva para o método hermenêutico de interpretar o Velho Testamento á luz da revelação total na pessoa de Jesus Cristo, a palavra de Deus encarnada, do qual ascende a fé plena trinitariana da Igreja.27

E em relação à interpretação teológica de uma passagem, depois que a exegese gramatical e histórica for completada:

Concorda-se que no caso de uma passagem do Velho Testamento, ela deve ser examinada e exposta em relação à revelação de Deus para Israel, tanto antes quando depois de seu próprio período. Em seguida, o intérprete deveria voltar-se para o Novo Testamento, a fim de ver a passagem na perspectiva deste. Procedendo dessa forma, a passagem do Velho Testamento pode receber limitações e correções, e também ainda desvelar,

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A Chave para o Velho Testamento – Literalismo ou N. Testamento?à luz do Novo Testamento, um novo e mais profundo significado, desconhecido ao escritor original.

Concorda-se que no caso de passagem do Novo Testamento, ela deveria ser examinada à luz de seu cenário e contexto. Em seguida, volta-se para o Velho Testamento para descobrir o seu background na revelação primária de Deus. Ao voltar-se mais uma vez para o Novo Testamento, o intérprete será capaz de ver e expor a passagem à luz do escopo total da Heielgeschichte (História da Salvação). Aqui, o nosso entendimento da passagem do Novo Testamento pode ser aprofundado através de nossa compreensão do Velho.28

Referências Bibliográficas:

1. Lewis S. Chafer, "Dispensacionalism," BSac. 93 (1936):448.2. Daniel P. Fuller, "The Hermeneutics of Dispensacionalism"

(dissertation, Northern Baptist Theological Seminary, Chicago, Ill., 1957), p. 25.

3. Chafer, "Dispensacionalism," pp. 406-407.4. John F. Walvoord, The Revelation of Jesus Christ (Chicago: Moody

Press, 1967), p. 103.5. Charles C. Ryrie, Dispensacionalism Today, (Chicago: Moody Press,

1965), p. 97.6. Idem, p. 96.7. Ibid., p. 158.8. Ibid.9. Ibid., p. 104.10. Ryrie (ibid., p. 88) afirma: "Que controle haveria sobre a variedade

de interpretações que a imaginação do homem pode produzir se não houvesse um padrão objetivo provido pelo princípio literal?"

11. Ibid., 94. 12. O objetivo do Sionismo é criar para o povo judeu um lar na

Palestina garantido pela lei pública (o programa de Basel para o Mundo Judaico, 1897). A "Proclamação de Independência" do Estado de Israel (1948) declara que a Assembléia Nacional dos Judeus Palestinos e o Movimento Sionista Mundial, juntos apelam para "os dons naturais e históricos do povo judeu" para a Palestina como sua terra natal e se referem à sua "grande luta" para o cumprimento do sonho de gerações pela

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A Chave para o Velho Testamento – Literalismo ou N. Testamento?redenção de Israel." Ver F. H. Epp, Whose Land is Palestine? (Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co.., 1974), pp. 117, 191, 192.

13. Ver S. Mowinckel, He That Cometh (Nashville, Tenn.: Abingdon Press, 1954), capítulo 9, "The National Messiah."

14. G. E. Ladd, Crucial Questions About the Kingdom of God (Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1961), p. 115. Ladd mostra que nem mesmo o Messias moribundo de IV Esdras 7:27-31 tem um propósito vicário. Também G. Scholem, The Messianic Idea in Judaism (New York: Schockn Books, 1974), pp. 17-18.

15. Ver o excelente tratado "Kingdom of God" de G. E. Ladd em Baker's Dictionary of Theology, ed. E. F. Harrison (Grand Rapids. Mich.: Baker Book House, 1973). E também seu, "Theology of the New Testament" (Grand Rapids.: Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1974), capítulo 4.

16. T. W. Manson, The Servant Messiah (Grand Rapids, Mich.: Baker Bock House, 1977: reimpressão da edição de 1953), capítulo 1, referindo-se especialmente à natureza da esperança messiânica nos Psalms of Salomon (8 e 17).

17. Ibid., p. 36, nota 3.18. Ladd. Crucial Questions About the Kingdom of God, p. 117.19. Ver R. Longenecker, Biblical Exegesis in Apostolic Period (Grand

Rapids.: Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1977), capítulo 1, "Jewish Hermeneutics in the First Century," para alguns exemplos de "hiperliteralismo". A interpretação literalista "foi considerada básica para todos os desenvolvimentos exegéticos" (p. 29). Cf. também Ramm, Protestant Biblical Interpretation, p. 45-48, que conclui: "Há uma lição maior a ser aprendida da exegese rabínica: o mal do letrismo. Na exaltação da própria letra da Escritura o seu verdadeiro significado era perdido" (p. 48). Cf. G. F. Moore, Judaism (Cambridge: Harvard University Press, 1932), vol. 1, p. 248.

20. Ver G. F. Hasel, "The Problem of the Center in the OT Theology Debate," 2AV 86 (1974): 65-82.

21. A interpretação literal extremada de Êxodo 16:29 aparece no relatório de Flávio Josefo de que no sábado os essênios se recusavam até mesmo a "remover qualquer vaso do seu lugar, ou ir ao banheiro" (War II, 8, 9 [Josephus, Complete Works., trad. W. Whiston (Grand Rapids, Mich.: Kregel Publ., 1966]).

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A Chave para o Velho Testamento – Literalismo ou N. Testamento?22. Ver F. F Bruce, Biblical Exegesis in the Qumran Texts (Grand

Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1959), pp. 9f., 15-17.23. See H. K. LaRondelle, Perfection and Perfectionism, Andrews

University Monographs, Studies in Religion, Vol. 3, 3d ed. (Berrien Springs, Mich. : Andrews University Press, 1979), pp. 272-275.

24. Para a confissão Católica Romana mais recente da unidade progressiva de ambos os Testamentos, ver The Documents of Vatican II, W. M. Abbot e J. Gallagher, eds. (New York: Guild Press, 1966), capítulo 4, seção 16, "Dogmatic Constitution on Divine Revelation."

25. Ladd, Crucial Questions About the Kingdom of God, p. 139. Ver também, The Last Things (Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1978), pp. 18, 19.

26. F. F. Bruce em Baker's Dictionary of Theology (1973), p. 293.27. In G. Ernest Wright, "The Problem of Archaizing Ourselves",

Interpretation 3 (1949): 457f.28. In Wright, "The Problem of Archaizing Ourselves", Interpretation 3

(1949): 458.

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