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INTRODUÇÃO
A Educação existe na história e nas sociedades humanas. Não é
anterior a ele, e em todos os sentidos é uma construção do homem. Ela existe
concretamente na sociedade, faz parte de uma estrutura de seus processos.
Em todas as sociedades é a educação um dos mas efetivos
instrumentos de controle social. Os seus conteúdos de efeito socializador em geral
conduzem mensagens que legitimam uma ordem social vigente.
Todo o processo educativo tem uma dimensão cultural
instrumentalizadora, por onde responde às necessidades gerais da pessoa e da
sociedade e recobre também uma dimensão política, que aparece no discurso de
pessoas e grupos que controlam a educação como a de um instrumento afinal ao
bem e ao desenvolvimento de toda a sociedade e a própria encobre, através de sua
prática oficial, os seus interesses políticos de classe; os interesses pelos quais os
grupos ou classes que controlam a educação dirigem a sua própria prática e os
seus efeitos em uma ou em outra direção.
As funções educativas da escola se centram no desenvolvimento
cultural, político e intelectual dos sujeitos para que possam se desenvolver como
pessoa e agente transformador da sociedade. O ato de educar não pode ser
substituído por treinar, e o trabalho deverá ser a fonte inspiradora do processo
educativo, mas a preparação técnica e profissional do trabalhador é incorporada
como fim da ação educacional.
O papel da escola é a partir do trabalho do próprio aluno, organizar
uma prática pedagógica que lhe possibilite conhecer o sentido social desse trabalho
e o papel que ele ocupa na sociedade, bem como os tipos de trabalho e as razões
pelas quais eles são privilegiados na distribuição dos bens econômicos.
1
A educação e trabalho representam instrumentos do mesmo processo
educativo, e é necessário compreender que o trabalho já se desenvolve inclusive na
ação educativa, tendo um papel fundamental da consciência crítica, quando é
incorporada pelo indivíduo às suas experiências de vida e de trabalho, a discussão
dos problemas culturais e sociais, produzirão desta forma mudanças nas relações
humanas e o homem inserido na ordem social poderá produzir uma nova ordem
formando um estudante que desenvolve suas capacidades em função de novos
saberes.
O potencial destrutivo gerado pelo desenvolvimento capitalista que visa
apenas o lucro imediato de uma minoria, aumentou a capacidade de destruição da
humanidade do que o seu bem estar e a sua prosperidade, baseando-se nesta
análise se faz necessário um novo projeto de sociedade que indique a direção e
forneça a força necessária para a construção de um mundo mais justo e mais
humano, como nos dizia Paulo Freire.
Neste contexto, que como coordenadora pedagógica da área rural tive
sempre a preocupação em aproveitar o potencial que a escola dispõe,
oportunizando, através das Técnicas Integradas de Agropecuária, práticas que
permitam ao aluno um comprometimento com a terra, bem como o saber e o fazer
para que possa obter uma produção que atenda às qualidades necessárias para o
consumo imediato, comercialização e transformação.
Este projeto objetiva que os professores percebam sua importância
dentro do contexto escolar, levando os alunos a identificarem os elementos do
ambiente, percebendo-os como parte de processos de relações, interações e
transformações, bem como relacionar que os recursos naturais têm um ritmo de
renovação e a sobrevivência das espécies.
O II Fórum da UNESCO sobre Ciência e Cultura, realizado em
Vancouver (Canadá) em Setembro de 1989 para estudar o tema “ A Sobrevivência
no Século XX” concluiu que a sobrevivência do Planeta tornou-se uma preocupação
imediata. A situação atual exige medidas urgentes em todos os setores – científico,
2
cultural, econômico e político, e uma maior sensibilidade de toda a humanidade, e
preocupação com a presente e gerações futuras.
A Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Sociedade:
Educação e Conscientização Pública para a Sustentabilidade, organizada pela
UNESCO, e realizada na Tessalônica, Grécia, em Dezembro de 1997 destaca os
seguintes fatores para o agravamento da situação da vida no planeta (UNESCO,
1999, p. 23): a) O rápido crescimento da população mundial e a mudança em sua
distribuição; b) a contínua persistência da pobreza generalizada; c) as crescentes
pressões sobre o meio ambiente devido a expansão da indústria em todo mundo e o
uso de modalidades de cultivos novos e mais intensivos ; d) a negação contínua da
democracia, as violações dos direitos humanos e o aumento dos conflitos e de
violência étnica e religiosa, assim como a desigualdade entre homens e mulheres; e)
o próprio conceito de desenvolvimento.
Considerando as relações entre educação, sociedade, homem e
trabalho este projeto objetiva contribuir para o despertar de uma consciência
ecológica, no processo educativo da Escola Estadual Técnica Dr.Rubem Machado
Lang, situada na região central do Estado do Rio Grande do Sul, no município de
Santiago, onde 7054 habitantes vivem no campo e 45.084 na zona urbana
totalizando em 52.138 habitantes. Este projeto implica numa reorientação no
currículo para que sejam incorporados certos princípios da ecopedagogia, como
orientar a concepção dos conteúdos, conhecimentos e habilidades, numa
abordagem significativa para os alunos, bem como buscando a sua
contextualização.
Propõe-se intensificar, aperfeiçoar e propiciar ao aluno inovações
tecnológicas que permitam ver a agricultura como um caminho viável para o futuro
como a base principal da vida e da sociedade humana, contribuindo, desta forma,
para um maior enriquecimento na qualidade de vida.
Nesta visão, busca-se realizar o nascimento de um novo paradigma,
que é a alma da produção sustentável num processo que permita o resgate dos
conhecimentos e o renascimento do ser dentro deste contexto de agroecologia,
3
fazendo com que o aluno possa criar o seu conhecimento, o seu próprio fazer, numa
relação com a vida e a terra, associando com o nosso projeto de vida e procurando
saber o que são realmente sustentáveis, isto é, significativos para as nossas vidas.
Busca-se a interação com diversas entidades afins propiciando a
articulação de políticas sociais que objetive a permanência do homem rural no
campo, evidenciando a agricultura familiar, apesar do crescente declínio e, para
tanto deverá a escola reconstruir, replanejar para buscar um modelo de educação
e agricultura. Assim este projeto prioriza questionar através da pesquisa como estão
sendo desenvolvidos os princípios norteadores da educação agroecológica na
Escola Estadual Técnica Dr. Rubem Machado Lang dentro da ecopedagogia,
promovendo um intercâmbio entre as Técnicas Integradas de Agropecuária.
4
1. HISTORIZANDO O DESENVOLVIMENTO MUNDIAL E A SUSTENTABILIDADE
1.1 A EVOLUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO MUNDIAL
Neste último século, imprimirá por diversas a marca indelével na
cronologia da humanidade profundas transformações salientam-se no campo
econômico e financeiro, a recente revolução tecnológica, as mudanças de vários
regimes políticos, o papel da democracia (e da cidadania) e o conseqüente repensar
acerca do socialismo e suas possibilidades (associado à natureza rapidamente
cambiante do próprio capitalismo); os variados processos sociais que emergiram no
período contemporâneo como, por exemplo, a presença feminina no mercado de
trabalho e a crescente afirmação social; os profundos impactos sociais e ambientais
do padrão de desenvolvimento industrial dos últimos cinqüenta anos, enfim, uma
lista quase interminável de transformações, muitas rápidas e radicais, a exigirem
outros posicionamentos sociais e, também, novas e ousadas interpretações.
Segundo Pinheiro:
Em 1939 começou a Segunda Guerra Mundial, mais encarniçada e tecnológica. Ante a evidente vitória dos “aliados”, foi realizada, em setembro de 1944, em São Francisco, uma reunião para a criação da Ordem Econômica, após o final do conflito. Ela ocorreu na cidade de Bretton Woods, na Califórnia, e ali nasceram as Nações Unidas. O Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e o GATT 1 a vigorar logo após o fim do conflito entre os países alinhados às nações aliadas autônomas. Era a organização de uma nova “sustentabilidade” para o comércio do mundo. Os empréstimos, agora, podiam ser de empresa privada para Estado Nacional e o dólar passa a ser a moeda internacional. (2001, p. 2).
Para compreender bem a Guerra Fria é necessário retroceder alguns
anos antes da Primeira Guerra Mundial, quando o petróleo passa a ser a matriz
energética e mola propulsora do progresso tecnológico. As empresas petroleiras
eram um novo tipo de negócio pois faziam tudo: prospecção, extração, refino,
transporte e comércio no varejo e criam a petroquímica, a agroquímica, plásticos e 1 General Agreement for Trade and Tariffs (Acordo Internacional de Comércio e Tarifas).
5
a indústria farmacêutica como subsidiária. Os grandes estadistas sabiam que este
seria o negócio do próximo século e esta foi a causa invisível das duas guerras
mundiais.
O crescimento vertiginoso da indústria do petróleo cria praticamente
um “Estado” dentro do Estado Nacional e isto é um problema, principalmente nos
Estados Unidos da América, uma república, onde as empresas começam a atuar
como um cartel. O congresso dos Estados Unidos antecipa-se, impede a
cartelização e monopólio destas empresas, impondo sua diversificação. As grandes
empresas petroleiras resolvem dedicar-se a grandes plantações de frutas na
América Central, principalmente plantações de bananas.
Este é o nascedouro na United Friut United Brands, Chiquita Banana e
outras corporações desmembradas das sete irmãs do petróleo.
A importância destas empresas dentro da economia dos pequenos e
feudais países era tão grande que eles passaram a ser um apêndice dos escritórios
destas empresas, daí a denominação de “República das Bananas”. Seguiram,
segundo Pinheiro (2001), as grandes corporações japonesas que tiveram um tipo de
crescimento muito parecido devido ao apoio da coroa em suas metas militaristas,
Este apoio era de tal monta que, muitas vezes, era difícil saber onde terminava a
empresa e começava o império nipônico – “Keiretsu”. Os exemplos como Mitsubishi,
Sony, Toshiba, Hitachi, Mitsui, Toyota, etc. marcam os nossos dias, hoje. Desde a
segunda metade do século XIX as grandes empresas começam a instalar-se em
diferentes países e eram bem recebidas, pois significavam progresso,
desenvolvimento, possibilidades de trabalho para a população e produtos industriais
a preços mais acessíveis, uma vez que não necessitavam de importação.
É interessante rever as idéias de Pinheiro (2001), quando escreve que:
Quando a pobreza começou a aumentar e os interesses destas empresas
começaram a misturar-se com os interesses das oligarquias e elites locais, elas
passaram a ser denominadas de multinacionais e passaram a ser identificadas com
o neocolonialismo.
6
Do ponto de vista histórico é sabido, desde as cavernas, que toda atividade humana provoca impactos positivos e negativos. Os negativos, no início, são desconhecidos, depois, ignorados em função dos benefícios de emprego, impostos, riqueza e comodidade para a comunidade e poder. Somente muito mais tarde, quando os benefícios são menores, passam a ser tolerados, chamados poluição ou inconvenientes do empreendimento. Elas são os agentes da insustentabilidade econômica. (PINHEIRO, 2001, p. 7).
Neste sentido, a tendência dos “bons” empreendimentos é de
crescimento, o que faz aumentar a poluição e inconvenientes, pois os empresários
não pensam em diminuir suas margens e lucros, entretanto, há uma pressão
evolutiva para substituir este empreendimento ou processo por outro mais avançado
e menos impactante. Contudo, a reação dos empresários estabelecidos é forte, no
sentido de garantir seus interesses.
Estas empresas criaram uma situação onde os processos e modelos
antigos, já obsoletos, eram trazidos para os países periféricos e, com isto, eles eram
substituídos de forma subsidiada muito mais barata nas fábricas-sede. Além de
trazerem os impactos negativos, principalmente os causados por poluição ao meio
ambiente, isto criará uma identidade caricata com o problema da poluição industrial
dos países industrializados.
Fora do enfoque econômico, sustentabilidade é a necessidade de
manter a capacidade do planeta de alimentar os seus filhos, ou seja, a sobrevivência
da humanidade, pois ela lembra a natureza de onde tiramos o ar, a água, todos os
alimentos e a qualidade de vida.
1.2 A EVOLUÇÃO DE CONCEPÇÃO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O conceito de desenvolvimento sustentável consiste essencialmente
em potencializar esquemas de desenvolvimento que têm como objetivo a satisfação
das necessidades da geração presente sem comprometer a capacidade das
gerações futuras para satisfazer suas próprias necessidades, e não o crescimento
econômico indiscriminado da região implicada, seja uma área rural, um município,
país ou conjunto da biosfera. Para isso, se estimula o estabelecimento de esquemas
7
de atividade econômica, de natureza ambiental, que impliquem na regeneração dos
processos naturais. Para os países em desenvolvimento tais esquemas supõem, por
um lado, a realização do potencial de crescimento econômico naqueles locais onde
não são satisfeitas as necessidades básicas e, por outra, a promoção de valores que
alimentem níveis de consumo que permaneçam dentro dos limites do
ecologicamente possível e ao que todos podem desejar de maneira razoável. Para
os países desenvolvidos a implementação de tais esquemas de atividade
econômica, de natureza ambiental, supõem, igualmente, a realização de seu
potencial de crescimento sempre que este reflita os conteúdos de sustentabilidade e
de não exploração dos demais, de tal forma que assegurem a igualdade de
oportunidades para todos. “Os esquemas de atividade econômica ambiental do
desenvolvimento sustentável terão de basear-se, pois, em uma coerente normativa
no que tange ao meio ambiente que desenhe uma estratégia ambiental baseada em
esquemas industriais de natureza sustentável”. (SUNKEL & GLICO, 1984, p. 136
apud ALMEIDA & NAVARRO, 1997). Esta definição obtida no relatório Brundtland
possui uma dinâmica de gestão que é esquematizada no Quadro 1. A definição
oficial de desenvolvimento sustentável se encontra imersa, desde sua formulação,
em uma profunda polêmica de natureza multidisciplinar entre o que definimos
anteriormente como orientações teóricas por um lado, do pensamento liberal, e por
outro, do pensamento alternativo.
O desenvolvimento sustentável surge para encarar a crise ecológica
tornando compatíveis níveis de consumo que satisfazem as necessidades de toda a
humanidade, dentro dos limites ecologicamente possíveis, como pensamos ter
demonstrado que as causas da crise estão claramente vinculadas ao processo de
apropriação da natureza, que chamamos capitalismo.
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Quadro 1
ACUMULAÇÃO TEÓRICA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS
EVENTO DESCOBERTA NATUREZAConferência de Estocolmo (1972)
As sociedades avançadas descobrem a existência de um só mundo (E o Inca Garcilaso?)Século 16
Um primeiro aviso da deterioração ambiental
Trabalhos do Clube de Roma (1972 – 1974)
É impossível o crescimento infinito com recursos finitos (Metodologia de interrelações sinérgicas e anti-sinérgicas)
Primeiros estudos oficiais sobre a deterioração ambientalRelatórios (1º e 2º)Fundamentação empírica
Relatório Global Ano 2000 (1980) a cargo do presidente Carter
Ameaça de sobrevivência da vida humana sobre o planeta (não é extensível a todo o mundo o estilo de vida do Norte)
Primeiro diagnóstico sobre a deterioração ambiental da Biosfera.
Relatório Brundtland (1987)Comissão Mundial de Meio Ambiente e do Desenvolvimento
Definição Oficial do conceito de Desenvolvimento Sustentável
Primeira discussão do método para encarar a crise ecológica
Conferência de Rio (1992)
Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
Carta da Terra ..................(Agenda 21:27 pontos)
Carta Climática .................(Convênio Climático)
Convênio da Biodiversidade ..................
Código de comportamento a ser seguido no século 21
Encarar alterações do Meio como conseqüência da mudança climática
Atuar em relação à ocupação crescente pela espécie humana dos habitats de outras espécies
Fonte: ALMEIDA, Jalcione e NAVARRO, Zander. Reconstruindo a agricultura: idéias e idéias na perspectiva de um desenvolvimento rural sustentável. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1997.
No Quadro 2 esquematizamos um conjunto de referenciais teóricos
configurados entre as orientações marxistas e narodista em sua confrontação a
favor, a primeira, e contrária, a segunda, do desenvolvimento do capitalismo na
Rússia do século 19. Neste contexto histórico e intelectual se produzem o que pode
ser considerado com os primeiros referenciais teóricos do desenvolvimento rural,
precursores do desenvolvimento sustentável. Já na entrada do século 20, também
nas orientações teóricas da vida rural americana, por um lado, e o neopopulismo e
marxismo heterodoxos, por outro. A implementação socioeconômica e política de
tais vias tem duas formas de ação social coletiva que podem considerar-se como
claros precedentes do desenvolvimento rural sustentável: o desenvolvimento
9
comunitário e o movimento vinculado a práxis intelectual e política de ida ao povo
(DUBE, 1958; HULME, 1990; HOLDCROFT, 1978).
Quadro 2
REFERENCIAIS TEÓRICOS NAS ORIGENS DO DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL
Pensamento Científico Convencional Pensamento AlternativoMarxismo Ortodoxo Narodismo ou Populismo RussoTeoria da Polarização Social na Agricultura (1) Karl Kautsky
Proletarização do Campesinato (1) (Vladimir I. Lenin)
Teoria da “marcha atrás” através do cooperativismo da “Obshina” (Nicolai Cherniskevsky)Sociologia subjetiva do “fundir-se com o povo” (1) (Nicolay Mikhailovskii)
Tradição Americana da Vida Rural Neopopulismo e MarxismoHeterodoxos
“Rururban Community” (2) (Charles Galpin)Continuum Rural-Urbano (2)(Pitirim E. Sokorin)(Carl C. Zimmerman)
Teoria dos espaços vazios de capitalismo(Rosa Luxemburg)Agronomia Social (1)(Alexander V. Chayanov)
Ecologia Humana (1)
Folk-Urban Communities(L. Wirth / R. Redfield)Ecossistema Social(R. E. Park / O. D. Duncan)
Desenvolvimento histórico multilinear
(Último Marx)(Teodor Shanin)
Notas:1 – Negrito: orientações teóricas;2 – ( ): Autores-chave na configuração dos referenciais teóricos.Fonte: ALMEIDA, Jalcione e NAVARRO, Zander. Reconstruindo a agricultura: idéias e idéias na perspectiva de um desenvolvimento rural sustentável. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1997.
“A primeira estratégia suficientemente documentada que desafia o
desenvolvimento do capitalismo, propondo ‘ações de desenvolvimento’ alternativas é
o que se conhece como ‘narodismo ou populismo russo’”. (CROSBY, 1986 apud
ALMEIDA & NAVARRO, 1997).
Este período, no qual se gesta teoricamente o desenvolvimento rural
sustentável vamos limitá-lo temporalmente entre a segunda metade do século 19 e o
período entre-guerras, depois do qual se produz a hegemonia da orientação teórica
liberal da modernização agrária, a extensão da agricultura industrializada e a
gestação da “Revolução Verde”, que passamos a considerar.
10
“O desenvolvimento sustentável na configuração teórica parte do
começo do ano 70, quando a pressão do movimento ambientalista começa a ter um
certo peso nas ‘sociedades avançadas’”. (VENTURINI, 1980, CAP. 28 apud
ALMEIDA & NAVARRO, 1997). Neste contexto da explosão ecologista nos Estados
Unidos e Europa que tem lugar a Conferência sobre o Meio Humano que,
organizada pelas Nações Unidas em 1972, em Estocolmo, estabelece os 26
princípios orientadores da relação homem-natureza.
Foi o canadense Maurice Strong que usou em 1973 pela primeira vez o
conceito de ecodesenvolvimento para caracterizar uma concepção alternativa de
política do desenvolvimento. Ignacy Sachs, formulou os princípios básicos desta
nova visão de desenvolvimento. Ela integrou basicamente seis aspectos, que
deveriam guiar os caminhos do desenvolvimento:
a) a satisfação das necessidades básicas; b) a solidariedade com as gerações futuras; c) a participação da população envolvida; d) a preservação dos recursos naturais e do meio ambiente em geral; e) a elaboração de um sistema social garantindo emprego, segurança social e respeito a outras culturas e f) programas de educação. (Ignacy Sachs in Clóvis Cavalcanti, 2001, p. 31).
Em junho de 1992 reuniram-se no Rio mais de 35 mil pessoas, entre
elas 106 chefes de governos, para participar da conferência da ONU sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento (UNCED). O Relatório do Worldwatch Institute de
19932 critica os resultados dessa conferência da ONU. Apesar do interesse mundial
mais intensivo pelo futuro do planeta, a conferência da ONU não correspondeu nem
às esperanças e nem às expectativas com ela ligadas. Muitos problemas surgiram
em conseqüência da pressão da delegação dos Estados Unidos em favor da
eliminação das metas e dos cronogramas para a limitação da emissão de CO2 do
acordo sobre o clima. Também a convenção sobre a proteção da biodiversidade
teve alguns pontos fracos, o mais grave foi a falta da assinatura dos Estados Unidos.
Apesar dessas restrições, documentou a UNCED o crescimento da consciência
sobre os perigos que o modelo atual de desenvolvimento sócio-econômico e as
transformações no meio ambiente, durante décadas ignorada, entrou no discurso
oficial da maioria dos governos do mundo.
2 Worldwatch Institute Report (1993). A edição original apareceu no mesmo ano: Worldwatch Institute Report (1993). State of the World 1993. Nova York, W. W. Norton & Company.
11
Tanto o Banco Mundial, quanto a UNESCO e outras entidades
internacionais adotaram o desenvolvimento sustentável para marcar uma nova
filosofia do desenvolvimento que combina eficiência econômica com justiça social e
prudência ecológica.
1.3 A SUSTENTABILIDADE COMO EXIGÊNCIA PARA A CONSTRUÇÃO DE
NOVAS VIAS DE DESENVOLVIMENTO
Segundo Caporal e Costabeber:
Entramos numa época de ilimitação e é nisso que temos o desejo de infinito (...). A sociedade capitalista é uma sociedade que caminha para o abismo, sob todos os pontos de vista, por não saber se autolimitar. E uma sociedade realmente livre, uma sociedade autônoma, deve saber se autolimitar, saber que há coisas que não se pode fazer, que não se deve nem tentar fazer, ou que não se deve desejar. Vivemos neste planeta que estamos destruindo (...). Tantas maravilhas em vias de extinção. Penso que deveríamos ser os jardineiros deste planeta. Teríamos que cultivá-lo. Cultivá-lo como ele é e pelo que é (...). A tarefa é enorme (...). Só que isto está muito longe não só do atual sistema quanto da imaginação dominante. O imaginário de nossa época é o da expansão ilimitada (...). Isso é que é preciso destruir. É nesse imaginário que o sistema se apóia. (CASTORIADIS, 1999).
A citação pretende resgatar um amplo debate teórico sobre
sustentabilidade e sobre estratégias de intervenção capazes de contribuir para a
construção de estilos de desenvolvimento rural e de agriculturas sustentáveis, um
novo estilo determinado pelo imperativo sócio-ambiental, que exige uma práxis
social diferenciada por parte dos agentes envolvidos com base em um “novo
profissionalismo”.
O desenvolvimento, em sua formulação mais ampla, significaria a
realização de potencialidades socioculturais e econômicas de uma sociedade em
perfeita sintonia com o seu entorno ambiental.
No entanto, a partir da construção do pensamento liberal, a aplicação
do conceito de desenvolvimento passou a conotar uma idéia de crescimento
econômico, adotando como parâmetro definidor do desenvolvimento os padrões de
vida e de consumo alcançados pelas nações ocidentais industrializadas. O conceito
de desenvolvimento passaria a significar, portanto, a corrida de sociedades distintas
12
e heterogêneas em direção a um modelo de organização social e econômica
considerado “desenvolvido”, ou seja, “passar de uma condição indigna” chamada
subdesenvolvimento, para um modelo de sociedade ocidental, capitalista e
industrializada, mediante estratégias geradoras de crescimento econômico.
(ESTEVA, 1996 apud ALMEIDA & NAVARRO, 1997).
A partir da década de 1970, os resultados da aplicação das estratégias
convencionais de desenvolvimento já começavam a se mostrar insuficientes para
dar conta das crescentes condições de desigualdade e exclusão social. Apesar de
crescimento do PIB, as análises destes resultados passavam a indicar que tais
estratégias estavam ocasionando graves danos ao meio ambiente. Os efeitos
contaminantes dos agrotóxicos, dos resíduos, do lixo e das contaminações gasosas,
assim como vários outros problemas derivados do estilo de vida próprio das
sociedades altamente industrializadas, por exemplo, fariam nascer a consciência
sobre a incapacidade de controlar-se as externalidades3 inerentes ao modelo
hegemônico e, portanto, se impunha a necessidade de “outro desenvolvimento”.
De acordo com Caporal, neste contexto, surgem novas orientações
teóricas que, partindo dos impactos negativos causados pelo modelo de
desenvolvimento convencional até então adotado, propõem o uso de conceitos mais
abrangentes, tais como o “desenvolvimento com eqüidade” e o
ecodesenvolvimento”.
1.3.1 Principais Enfoques da Sustentabilidade
Se crescimento econômico havia sido a palavra mágica das quatro
primeiras décadas do desenvolvimento, contemporaneamente o discurso sobre o
desenvolvimento incorporou, definitivamente, a problemática socioambiental. Disso
decorre que a busca de respostas à problemática da relação entre natureza e
sociedade passasse a ser articulada mediante o que Escobar (1995 apud CAPORAL
e COSTABEBER, 2001) chama de ”diálogo de discursos” entre três correntes de
pensamento: a liberal, a culturalista e a ecossocialista. Apesar da complexidade de
3 Externalidades é um conjunto utilizado na economia para caracterizar os custos e/ou benefícios (presentes ou futuros) que são externos ao mercado. Em sentido amplo, define todos os efeitos da atividade econômica que são externos ao mercado (...).
13
cada um destes discursos ambientalistas, reunimos os discursos culturalista e
ecossocialista – por seus pontos de convergência – numa só perspectiva, que aqui
chamamos de corrente ecossocial e o discurso liberal por sua vinculação com a
tecnocracia mundial, denominamos aqui corrente ecotecnocrática.
1.3.1.1 Corrente Ecotecnocrática
Construída nos marcos da Teoria do Equilíbrio, nasce do coração da
modernidade ocidental e sua versão mais conhecida é aquela difundida pelo
Relatório Brundtland4 (apud CAPORAL e COSTABEBER).
Partindo da necessidade de um crescimento econômico continuado –
ainda que aceitando os limites impostos pela Natureza – tenta resolver a equação
entre crescimento, sociedade e meio ambiente mediante a adoção de um otimismo
tecnológico e de artifícios econômicos, numa perspectiva tenta solucionar o
problema sócioambiental e os limites ao crescimento, mediante mecanismos de
mercado, como o estabelecimento de preços a produtos e serviços da natureza, a
cobrança de taxas ou impostos pela deterioração ambiental.
No que se refere à agricultura, esta orientação se torna operativa
através da idéia da “intensificação verde”, pressupõe seguir o mesmo padrão
tecnológico dominante, incorporando uma nova geração de tecnologias,
teoricamente menos danosas ao meio ambiente. Sua estratégia está alicerçada no
aprofundamento permanente da intensificação tecnológica em áreas de alto
potencial produtivo através do “uso abundante de insumos industriais”, confirmando,
assim, o que vem sendo chamado de Revolução Verde Verde ou Revolução
Duplamente Verde, desconsidera os já duplamente conhecidos efeitos sociais,
econômicos e ambientais da modernização tecnológica do campo.
Deste modo, a Revolução Verde Verde seguiria sendo um esforço de
homogeneização do padrão agrícola dominante, adaptado aos agricultores que
podem adotar as novas tecnologias, sem haver a preocupação com as
externalidades negativas comprovadamente inerentes a tal modelo.
4 Este Relatório, divulgado a partir de 1987, ficou popularizado como nosso futuro comum. (CMMAD, 1992).
14
1.3.1.2 Corrente Ecossocial
Este novo enfoque para analisar a problemática do desenvolvimento,
tenha nascido ainda na década de setenta, a partir do surgimento do conceito de
ecodesenvolvimento5. Sustenta a idéia de novo critério de racionalidade que fosse
amparado por duas dimensões de solidariedade: a solidariedade diacrônica, com
respeito às gerações futuras, mas sem esquecer a solidariedade sincrônica, que
deve ser estabelecida entre as gerações presentes, supõe o pluralismo tecnológico
calcado na importância da utilização das tecnologias tradicionais e modernas de
forma adequada, respeitando as condições do ecossistema local e estando de
acordo com as necessidades e decisões conscientes dos atores envolvidos nos
processos de desenvolvimento.
A elaboração teórica dos ecossocialistas também parte da crítica à
corrente liberal, destacando-se, porém, pelo seu interesse e centralidade na
Economia Política. Temas como a teorização da natureza do capital em sua “fase
ecológica” e a crítica ao mercado por sua incapacidade de responder tanto aos
desafios da pobreza como os desafios ambientais. O marco teórico dos
ecossocialistas sugerem estratégias alternativas não apenas no que se refere à
organização do trabalho como também às formas de produção e comercialização,
defendem um desenvolvimento que respeite os distintos modos de vida e as
diferentes culturas e que favoreça a preservação da biodiversidade. Em síntese,
propõem uma mudança no sistema e nas orientações econômicas dominantes,
baseadas na descentralização dos processos produtivos sejam compatíveis com as
condições ecológicas e capazes de incorporar as identidades étnicas e seus
respectivos valores culturais.
Na corrente ecossocial encontramos contribuições vindas da “teoria
marxista ecológica, que tenta explicar de uma nova visão de mundo, numa
5 O Ecodesenvolvimento é um estilo de desenvolvimento que em cada ecorregião insiste nas soluções específicas de seus problemas particulares, levando em conta os dados ecológicos da mesma forma que os culturais; as necessidades imediatas como também as de longo prazo (...) sem negar a importância dos intercâmbios...” (Sachs, 1986).
15
perspectiva de transição ao socialismo, determinado pela dupla contradição do
capitalismo, neste sentido, destacamos as contribuições de O’Connor6 , que,
analisando as contradições do capitalismo sob a perspectiva de “neo-marxismo
ecológico”.
Podemos dizer que seus seguidores não formem um grupo
homogêneo, a corrente ecossocial se caracteriza por suas reivindicações de
mudanças estruturais profundas na sociedade e de um novo pacto de solidariedade,
permitindo a construção de um novo projeto histórico e a busca de novos rumos nas
estratégias de desenvolvimento.
1.4 CONTEXTOS DE SUSTENTABILIDADE
A sustentabilidade não é algo estático ou fechado em si mesmo, mas
faz parte de um processo de busca permanente de estratégia de desenvolvimento
que qualifiquem a ação e a interação humana nos ecossistemas. Este processo
deve estar orientado por certas condições que, no seu conjunto, permitam a
construção e a conformação de um contexto de sustentabilidade crescente no curto,
médio e longo prazos. Como exemplo citamos as seguintes condições:
a) Ruptura das formas de dependência que põem os mecanismos de
reprodução, sejam estas de natureza ecológica, socioeconômica e/ou política.
b) Utilização daqueles recursos que permitam que os ciclos de
materiais e energias existentes no agroecossistema7 sejam o mais parcimonioso
possível.
6 Reforçando esta análise, os autores de Manifesto Ecossocialista. Antunes et al (1993) asseguram que “nenhuma contradição leva em si mesma a solução para superar de maneira global o atual sistema. Nenhuma contradição é absoluta. A novidade de nossa época consiste em que podem crescer diferentes formas de intervenção de distintos atores sociais, determinando transformações multidimensionais em direção a uma sociedade demais justa e respeitosa ao meio ambiente. 7 O agroecossistema corresponde a “um sistema ecológico e socioeconômico que compreende plantas e/ou animais domesticados e as pessoas que nele vivem, com o propósito de produção de alimentos, fibras ou outros produtos agrícolas. (CONWAY, 1997 apud ALTIERI, 2001).
16
c) Utilização dos impactos benéficos que se derivam dos ambientes
ecológicos, econômico, social e político existentes nos distintos níveis (desde a
propriedade rural até a “sociedade maior”).
d) Não alteração substantiva do meio ambiente quando tais mudanças,
através da trama da vida, podem provocar transformações significativas nos fluxos
de materiais e energia que permitem o funcionamento do ecossistema, o que
significa a tolerância ou aceitação de condições biofísicas em muitos casos
adversas.
e) Estabelecimentos dos mecanismos bióticos de regeneração dos
materiais deteriorados, para permitir a manutenção a longo prazo das capacidades
produtivas dos agroecossistemas.
f) Valorização, regeneração e/ou criação de conhecimentos locais, para
sua utilização como elementos de criatividade, que melhorem a qualidade de vida da
população, definida desde sua própria identidade local.
g) Estabelecimento de circuitos curtos para o consumo de mercadorias,
que permitam uma melhoria da qualidade de vida da população local e uma
progressiva expansão espacial, segundo os acordos participativos alcançados por
sua forma de ação social coletiva.
h) Potenciação da biodiversidade, tanto biológica como sociocultural
(SEVILLA GUZMÁN, 1999 apud ALTIERI, 2001).
A construção de contextos de sustentabilidade poderá servir de guia
para que as ações da extensão rural se distanciem gradualmente do caminho
perverso representado pela intensificação tecnológica que desconsidera as
agressões ao meio ambiente – e suas conseqüências de médio e longo prazos – a
exclusão social de importantes segmentos da sociedade e a perda de autonomia
das populações rurais em relação aos seus anseios e projetos de desenvolvimento.
Além disso, ajudaria recuperar formas de organização social e de conhecimento e
saber local, que se contraponham ao modelo de desenvolvimento hegemônico,
17
tratando de potencializar a máxima ecológica, que propõe agir localmente e pensar
globalmente.
Queremos dizer, deste modo, que devemos e necessitamos trabalhar
numa ação orientada ao desenvolvimento sustentável deverá ser baseada numa
prática social alicerçada na “aprendizagem”, isto é, na construção de saberes
adequados para impulsionar estilos de agricultura e de manejo dos recursos naturais
capazes de estabelecer patamares crescentes de sustentabilidade.
Em poucas palavras, meio ambiente e sociedade constituem os dois
pilares básicos de toda e qualquer proposta, dirigida à promoção da qualidade de
vida, à inclusão social e ao resgate da cidadania no campo. Precisamos, ainda,
identificar a construção de saberes ecológicos, agronômicos, econômicos e sociais
que nos permitam, de forma participativa, desenvolver processos toleráveis de
exploração da natureza e compatíveis com as exigências de reprodução social da
agricultura familiar em seus diferentes extratos ou segmentos. Sendo assim,
deveremos estar sempre atentos para as noções de sustentabilidade, produtividade,
estabilidade, eqüidade e qualidade de vida.
Segundo Cavalcanti, quando falamos de desenvolvimento sustentável
temos que considerar não só os aspectos materiais e econômicos, mas o conjunto
multidimensional e multifacetado que compõe o fenômeno do desenvolvimento: os
seus aspectos políticos, sociais, culturais e físicos.
A sustentabilidade do todo só pode repousar na sustentabilidade
conjunta de suas partes. Esses fatores e os seus respectivos equilíbrios repousam
sobre fatores qualitativos, como o são os graus de coesão e harmonia social,
questões como cidadania, alienação, valores éticos e morais, o grau de polarização
social e política e os valores da sociedade e o nível entrópico8 do sistema.
A entropia se diferencia de outras leis físicas e se caracteriza
justamente por dar conta de um fenômeno qualitativo: a mudança de um estado
8 Entropia, em termodinâmica, é a grandeza que permite avaliar a degradação de energia de um dado sistema. (CAVALCANTI, 2001, p. 105-106)
18
(baixa entropia) para outro (alta entropia). A sustentabilidade de material do
processo econômico repousa nesse limite qualitativo, na baixa entropia (energia e
estruturas materiais ordenadas) disponíveis no início do processo, frente à alta
entropia (energia e estruturas materiais dispersas) resultante no final do processo.
Pressupõe-se a redutilidade de que as decisões calcadas nestes
indicadores quantitativos sejam de tal modo influenciadas e dirigidas, que elas
evitem (ou minorem) a um nível sustentável ou tolerável os seus efeitos externos.
Ou seja: que a quantidade se traduza nos efeitos qualitativos desejados.
Mais do que isto, os custos ou as externalidades qualitativas de
qualquer inovação dependem, sobretudo, do contexto sócio-histórico no qual elas
ocorrem. Mesmo externalidades de definição e avaliação aparentemente mais fácil,
como o são a perda em estoque na exploração de recursos naturais, ou a emissão
de gases de efeito estufa apresentam dificuldades intransponíveis quando se busca
uma forma de internalizá-las visando ao fomento do seu uso sustentável. Como
avaliar os usos potenciais de um determinado recurso, como valorar as
necessidades das gerações futuras? Como avaliar os desequilíbrios ambientais
(enchentes, secas, catástrofes naturais), sociais (migrações, tensões, lutas por
terras agricultáveis, recrudescimento político, xenofobia, etc.) e culturais como
conseqüência das alterações climáticas devida à queima de combustíveis fósseis?
Como avaliar os custos em termos de saúde e de vidas, da alteração de hábitos
culturais e sociais decorrentes da destruição das camadas superiores de ozônio?
A demanda por um determinado recurso depende de uma série de
fatores, que vão bem além do seu preço de mercado, tal avaliação pudesse ser feita
que a aplicação estrita do princípio do “poluidor-pagador”, internalizando-se esses
custos, asseguraria um uso sustentável desses recursos?
A única forma de discutir e de controlar-se a busca de equilíbrios
qualitativos é a partir de critérios qualitativos: uma negociação e um controle político.
Os critérios quantitativos de mercado são extremamente eficientes para engendrar e
assegurar o objetivo quantitativo central do capitalismo, qual seja: a acumulação e a
expansão do capital.
19
Segundo Cavalcanti, a vida se afirma enquanto capacidade de
resistência frente à degradação entrópica. Já a biosfera como um todo assegura a
sua sobrevivência pela busca constante de estabilidade e da manutenção do nível
de baixa entropia. Esta capacidade de resistência frente à ação entrópica e a
manutenção da estabilidade do sistema biosférico repousam em sua capacidade de
reciclagem.
Do ponto de vista energético, a vida sobre a Terra consegue manter-se
frente à degradação por mais de três bilhões de anos, lutando contra a degradação
entrópica e buscando a estabilidade, o tempo da biosfera é um tempo circular, dos
ciclos circulares e da contínua reciclagem.
Com a crise ambiental, ressurge novamente a idéia de reciclagem,
indicando a impossibilidade de constituição de cadeias circulares no interior do
sistema industrial-capitalista nos moldes encontrados na biosfera. Em primeiro lugar,
pelo fato de que do ponto de vista energético, a sociedade industrial contemporânea
ainda está baseada no estoque aprisionado de baixa entropia encontrado nas fontes
ditas não-renováveis de energia, e não no fluxo contínuo de baixa entropia que nos
vem com a energia solar e as formas de energia dela decorrentes (energia eólica,
energia hidroelétrica, etc.). Além de este processo alterar profundamente diversos
ciclos biosféricos, em particular o ciclo do carbono (liberando-se quantidades
fantásticas de carbono na atmosfera que antes estavam “aprisionadas” em cadeias
orgânicas no petróleo, carvão, florestas, etc.) sendo o problema do efeito estufa, tal
processo é visivelmente insustentável do ponto de vista energético.
Seria então a passagem para fontes renováveis de energia uma
solução sustentável? Certamente ela permitiria reduzir a velocidade da degradação
entrópica, sendo neste sentido um paliativo.
Outro aspecto de sustentabilidade está ligado à ruptura temporal
trazida com o capitalismo, o que assistimos é um descompasso entre os diferentes
tempos. O tempo geológico da Terra, com as transformações que o acompanham, já
forçou fortes mudanças na composição da vida sobre a Terra. Já o tempo biológico
20
da biosfera sempre esteve perfeitamente adaptado para fazer face a estas
mudanças. Mais do que isto, a própria capacidade de constituição de ciclos
materiais e energéticos perfeitos (com 100% de reciclagem material e um
aproveitamento perfeitamente ajustado da baixa entropia solar) está diretamente
ligada a este tempo biológico. É ao longo dos séculos e milênios que as diferentes
cadeias foram se formando, surgindo as diferentes espécies e subespécies que
foram ocupando, respectivamente, diferentes elos na cadeia, assegurando um fluxo
contínuo e um processo de reciclagem natural. O homem tradicional, com a busca
constante de estabilidade, procurava justamente harmonizar-se com este tempo,
adequando o tempo social ao tempo biológico.
Com a ruptura capitalista, o tempo histórico se acelera de tal modo que
surge um descompasso frente à capacidade de evolução e adaptação da biosfera,
sendo a crise ambiental uma conseqüência direta desse descompasso. Com a
aceleração do tempo capitalista temos esse descompasso entre o tempo de
regeneração e formação da biosfera e o tempo de consumo e de sua transformação
em produtos não-recicláveis (alta entropia) por parte do subsistema econômico.
Nesse sentido, os recursos marítimos, florestais, a terra agriculturável e mesmo o ar
puro e a água, estão se transformando em recursos não-renováveis, observando-se
a contínua redução dos seus estoques, até um possível esgotamento.
Dessa forma, como vimos, a busca da sustentabilidade exige que
coloquemos novamente a busca dos equilíbrios qualitativos vitais no centro das
nossas preocupações e do funcionamento do nosso sistema, o que implica uma re –
inversão do próprio sistema capitalista vigente. O capitalismo marcou a inversão dos
meios econômicos em fins, apoiado na produção pela produção, na criação
incessante de necessidades visando a acumulação. Caracteriza-se por estar
centrado na racionalidade econômica, em detrimento de outras racionalidades. Já a
busca de equilíbrios sustentáveis exige a subordinação dos meios econômicos a
seus imperativos.
No nível político, essa crise se manifesta na descrença generalizada
frente aos instrumentos políticos, o crescimento de movimentos políticos
revisionistas e a banalização do debate político. Os desequilíbrios sociais e
21
econômicos se refletem a níveis crescentes de desemprego e de marginalização
social, nas disputas violentas entre diferentes grupos étnicos e raciais, na
desagregação e no desenraizamento social, na concentração de poder econômico e
nos resultados de um sistema orientado pelas necessidades da produção em
detrimento das necessidades do produtor-cidadão.
O exemplo mais claro de ensustabilidade seja encontrado na moderna
agricultura comercial: enquanto nos processos naturais e na própria agricultura
tradicional nós assistimos a processos cíclicos, assegurando uma resistência frente
à degradação entrópica, na moderna agricultura comercial este ciclo é quebrado.
É neste sentido, que Goldsmith mostra como na sociedade industrial os
ciclos naturais foram substituídos pelos ciclos industriais. Na agricultura a grande
exploração agrícola aquece e sustenta a agroindústria, a indústria dos fertilizantes e
defensivos, que tem como efeito colateral a destruição dos ciclos naturais,
pensemos, por exemplo, nos agrotóxicos destruindo, ao mesmo tempo, as pragas e
os predadores naturais, suscitando uma seleção de pragas resistentes, estimulando
assim a produção de novos agrotóxicos, reduzindo ou exterminando os predadores
naturais; porém, sem acabar com as pragas. (GOLDSMITH, 1992: 297-307 apud
CAVALCANTI, 2001). Consumida pelo homem, tal produção suscitará problemas de
saúde, que por sua vez, terão de ser tratados pela indústria médica, expandindo-a.
Os próprios desequilíbrios ambientais presentes são um exemplo claro desse
processo, já que eles são uma poderosa alavanca dos processos industriais visando
a substituir a produção natural pela biosfera.
A busca de modelos sustentáveis requer uma visão holística da
realidade, capaz de integrar os requerimentos materiais da sustentabilidade
(equilíbrios físico-químico-biológicos) à compreensão do funcionamento histórico da
sociedade humana.
É importante notar aqui a diferença que separa a visão moderna da
qual o paradigma americano é uma ilustração extrema – daquela que os índios
brasileiros representam, acerca não somente do desenvolvimento. No caso dos
índios (Quadro 3), a organização econômica está direcionada a prover o sustento do
grupo (e a proporcionar bem-estar dentro do contexto da visão de mundo do índio).
22
No caso da moderna perspectiva o que se visa antes de tudo é o lucro imediato,
preferencialmente naquelas atividades onde é mais fácil obtê-lo.
Quadro 3
COMPARAÇÃO DE DOIS DIFERENTES PARADIGMAS DE SUSTENTABILIDADE
Termos de comparação Índios EUAVisão de mundo
Formação de capital
Fontes de energia
Formas de conhecimento
Fonte de propulsão
Uso de matéria e energia
Principais objetivos econômicos
Tendência de longo prazo
Reverência pela natureza; humildade
Quase nenhuma; habilitações e ferramentas toscas
Renováveis somente
Base na experiência (trans-missão oral pelos antigos e pelos pajés)
Recursos naturais
Frugalidade; parcimônia termodinâmica
Satisfação das necessidades básicas; bem-estar comuni-tário
Altamente sustentável
Homem senhor e possuidor da natureza; arrogância
Cumulativa; necessidade de volumes sempre crescentes de investimento (para manter taxas constantes)
Combustíveis fósseis (fontes não-renováveis); menor pro-porção de renováveis
Ciência moderna (transmis-são sob forma escrita – bibliotecas, meios eletrônicos)
Progresso técnico
Forte degradação entrópica; esbanjamento, desperdício
Crescimento econômico ilimitado; lucro imediato
InsustentávelFonte: CAVALCANTI, Clóvis. Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável, 3 ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 158.
Sustentabilidade significa a possibilidade de se obterem continuamente
condições iguais ou superiores de vida para um grupo de pessoas e seus
sucessores em dado ecossistema, equivale a idéia de manutenção de nosso
sistema de suporte de vida.
Outra importantíssima questão de inter dependência é com relação aos
desequilíbrios nas relações de poder econômico e político, as relações de
dependência internacionais e a própria lógica de um sistema que gera uma minoria
de privilegiados às custas de uma minoria que, não tendo acessos aos frutos
23
materiais do sistema, se contentam em usufruir dos seus lados negativos: as
condições de trabalho subumanas, a poluição e a vida na periferia das grandes
metrópoles, a violência e a desagregação social. Porém, será que, não se discutindo
estas questões alguma forma de sociedade sustentável é possível? Nossa vida
pessoal é um contínuo processo de aquisição de bens de consumo, comprados,
muitas vezes, por hábitos consumistas e esbanjadores automáticos que adotamos
em virtude de esquemas persuasivos de marketing lançados maciçamente sobre
nós.
2. PRINCÍPIOS CIENTÍFICOS PARA A SUSTENTABILIDADE
As chamadas ciências ambientais se espremem em vazios
epistemológicos entre as ciências naturais e sociais, adjetivam disciplinas existentes
e provocam a interdisciplinaridade. Mesmo dentro da estreita visão economicista
24
atual é perfeitamente possível discernir quatro fatores principais que tornam a
civilização contemporânea claramente insustentável a médio e longo prazo:
crescimento populacional humano exponencial;
depleção da base de recursos naturais;
sistemas produtivos que utilizam tecnologias poluentes e de baixa
eficácia energética;
sistema de valores que propicia a expansão ilimitada do consumo
material.
Os cientistas que estudam o meio ambiente podem apontar fatos ainda
bem mais graves e profundos sobre o sistema atual, insustentado, decorrente do
dogma fundamental da teoria econômica vigente, a saber, o crescimento econômico
a qualquer custo:
o crescimento contínuo e permanente em um planeta finito;
a aceleração, cada vez mais rápida, de materiais, energia e riqueza;
a ultrapassagem de limites biofísicos;
a modificação de ciclos biogeoquímicos fundamentais;
a destruição dos sistemas de sustentação da vida;
a aposta constante nos resultados da tecnociência para minimizar os
efeitos causados pelo crescimento.
A possibilidade da construção de uma sustentabilidade deve levar em
conta os princípios extraídos dos recentes avanços nos paradigmas e teorias
científicas, uma vez que a insustentabilidade atual foi resultante em grande parte do
conhecimento – superado – anterior, inadequado, de convivência com o meio
ambiente. Os princípios filosóficos-científicos; emergentes dos novos paradigmas e
teorias, que podem – tentativamente – compor a base para a construção da
sustentabilidade, são os seguintes:
contingência;
complexidade;
sistêmica;
recursividade;
25
conjunção;
Interdisciplinaridade.
É importante ressaltar que estes princípios, conforme anteriormente
registrado são extraídos da área da teoria do conhecimento e dos novos paradigmas
científicos e, portanto, constituem parte do aparato conceitual disciplinar para uma
abordagem sustentável.
2.1 PRINCÍPIO DE CONTINGÊNCIA
Refere-se a possibilidade ontológica do novo não necessário, do
diferente contraditório, constituindo o com texto filosófico da teoria da auto-
organização. No campo científico, a contingência assume a forma das “prioridades
emergentes” dos sistemas – principalmente vivos – que não estão previstas pelo
somatório particular das partes que os compõem.
2.2 PRINCÍPIO DE COMPLEXIDADE
Este princípio opõe-se ao reducionismo praticado de forma
generalizada pelas ciências, tendo – ainda – que fornecer as bases para uma razão
aberta, que reformule a evolução do fechamento racional simplificador anterior,
devendo fazer frente às racionalizações, incerteza e ambigüidade.
2.3 PRINCÍPIO DE SISTÊMICA
Engloba a perspectiva cibernética, a abordagem holística à totalidade e
afirma a “inseparatividade” de todas as coisas e procura eliminar o discurso e a
prática dualistas, além de incluir aspectos de autonomia e integração.
A abordagem energética oferece subsídios revolucionários no sentido
de uma correta avaliação dos valores atribuídos a processos e recursos naturais.
26
A definição de energia, ou seja, a quantidade de energia multiplicada
por uma transformidade que se relaciona com a quantidade da energia em questão.
Inicialmente ocupando-se de ecossistemas “naturais”, passando pelos
agrossistemas, os modelos de energia chegaram, em pouco tempo, a integrar as
ações humanas e os seus imensos impactos ao meio ambiente, locais ou globais.
2.4 PRINCÍPIO DA RECURSIVIDADE
Baseia-se no paradigma “re” e está presente nas ciências, na auto-
organização no novo método, no holismo, na energia e no caos-fractais. A
recursividade põe a organização ativa como sinônimo de reorganização permanente
entre um sistema dinâmico e seu ambiente.
2.5 PRINCÍPIO DE CONJUNÇÃO
É o contraponto teórico e prático da disjunção mecânico –causalista
anterior, ou seja, a articulação dos campos do conhecimento, dos saberes e das
abordagens, permeando todos os paradigmas científicos novos.
2.6 PRINCÍPIO DA INTERDISCIPLINARIDADE
Permeia todos os novos paradigmas científicos, e é sobretudo na
abordagem sistêmica, na complexidade e na questão ambiental que a
interdisciplinaridade possui maior relevância, e muitos pesquisadores chegam a
enfocá-la como espécie de correção para o estilhaçamento da razão nas diversas
racionalidades hoje existentes.
Como marco referencial, utilizaremos conceito de agricultura
sustentável que foi desenvolvido por uma multiplicidade de organizações e
movimentos sociais em todo o mundo, referimo-nos aos chamados “Tratados
Alternativos de Agricultura e de Segurança Alimentar” elaborados no âmbito do Foro
27
Internacional de ONGs e Movimentos Sociais da Rio 92. O preâmbulo deste tratado
afirma:
El sistema mundial de dominación social, económica y politica que impulsa al modelo de producción agrícola e industrial, y el desarrollo actual, es la raíz de la crisis social y ambiental en la agricultura y en todo el planeta, sus repercuiones inciden tanto en las zonas rurales como urbanas.(JALCIONE AMEIDA e ZANDER NAVARRO, 1997, p.152).
E sob o título “Princípios para uma solución alternativa” propõe
definições de agricultura sustentável sobre a qual deve-se desenvolver o trabalho
das ONGs. Extraio aqui esta:
La agricultura sustentable es um modelo de organización social y económica basado en una visión participativa y equitativa de desarrollo, que reconece al ambiente y los recursos naturales como los fundamentos (base y límite) de la actividad económica. (JALCIONE AMEIDA e ZANDER NAVARRO, 1997, p.152).
3. AGRICULTURA SUSTENTÁVEL: UM NOVO PARADIGMA OU UM NOVO MOVIMENTO SOCIAL
A consciência da grande carência de modelos é a condição preliminar de todo progresso político e social na idéia de desenvolvimento. (Edgar Morin, 1984).
28
Neste século a história da humanidade será marcada por diversas
razões, entre elas, as profundas transformações no campo econômico e financeiro;
a revolução tecnológica ; as mudanças de vários regimes políticos; o papel da
democracia; os vários processos sociais que emergiram no período contemporâneo,
a presença feminina no mercado de trabalho e o próprio conceito de
desenvolvimento.
A agricultura está em crise. Embora as terras agricultáveis continuem a
produzir pelo menos tanto alimento quanto no passado, há sinais abundantes de que
as bases de sua produtividade ecológica estão em perigo.
A importância maior do movimento por uma agricultura sustentável não
está na sua “produção da produção”, mas na produção da consciência de uma nova
concepção de desenvolvimento econômico. A principal contribuição desse
movimento não está na criação de novas tecnologias ditas alternativas ou
sustentáveis, mas na criação de uma consciência social a respeito das relações
homem-natureza, na produção de novos valores filosóficos, morais e até mesmo
religiosos, e na gestão de novos conceitos jurídicos, enfim na produção de novas
formas políticas e ideológicas.
Evidentemente, não cabe falar da agricultura sustentável como um
novo paradigma emergente, por mais familiar ou coloquial que seja este conceito, é
preciso pressupor que para configurar um novo paradigma, uma tecnologia deve
preencher três requisitos básicos: a) ser de ampla aplicabilidade; b) ser aplicada
tanto à esfera de produção (um redutor de custos) como a de consumo, através da
produção de novos bens e de novos segmentos consumidores; e c) ser aplicável
basicamente a ser um setor emergente (ou ascendente) do sistema econômico.
Se essa transição vai ocorrer ou não depende de muitas variáveis,
entre elas a força de pressão dos atuais movimentos ambientais em prol de uma
agricultura sustentável. Trata-se de definir o tipo de desenvolvimento que se quer,
para depois saber quais as tecnologias que lhe são apropriadas.
29
Os comentários a seguir estão baseados em um artigo de Frederick
Buttel sociólogo norte-americano que também considera a importância da agricultura
sustentável como um movimento social, apontando as principais forças que deverão
afetar o seu desenvolvimento no futuro (BUTTEL,1989 apud GLIESMAN, 2000).
Na opinião de Buttel, as atuais linhas de pesquisa da agricultura
sustentável estão baseadas no princípio do baixo uso de insumos, através de
inovações agronômicas que empregam o conhecimento disponível sobre rotações
de culturas e integração produção animal/vegetal. E aponta para dois tipos de
pesquisa não tradicionais que podem ser promissoras: a da agroecologia, do campo
da ciência básica, e no campo aplicado; a orientação das políticas públicas, visando
a imposição de medidas fiscais não apenas punitivas, mas que visem também
encorajar as práticas sustentáveis, tais como o princípio de quem poluir paga
impostos adicionais sobre a produção de químicos, como os usados para
desencorajar o uso de fumo e das bebidas alcoólicas, etc...
No Brasil, essa segunda linha pode vir a ser bastante promissora: é
através da democratização das políticas públicas que se pode caminhar na
construção de um processo de desenvolvimento que seja sustentável não apenas do
ponto de vista ecológico e mais eqüitativo do ponto de vista social e econômico, mas
principalmente sustentável do ponto de vista político.
O país ganhou em 1988 uma nova Constituição, entre elas, ela alterou
a relação entre os poderes executivo e legislativo, fortalecendo esse último nos
níveis do governo, impôs uma descentralização em âmbito nacional. Os resultados
não os fizeram por esperar na nova democracia brasileira, o Congresso Nacional
tem conseguido se impor como o canal fundamental de uma contínua “barganha
política” que se estabeleceu para a alocação dos fundos públicos. Em nível regional,
os governos dos estados conseguiram em parte romper a relação de total
dependência financeira que antes tinham em relação ao poder central e
reestabeleceram até mesmo velhas políticas regionais de incentivos fiscais e
subsídios.
30
Ainda que seja inaceitável reduzir o conceito de sustentabilidade à sua
dimensão ecológica, é preciso reconhecer que as políticas de meio ambiente no país
impedem o caminho de um desenvolvimento econômico e sustentável.
A busca do desenvolvimento sustentável deve trazer à tona uma
estratégia de autonomia e soberania subordinada aos princípios da ética. Esta
eleição de prioridades pode fazer com que os novos horizontes sejam uma
reinvenção da agricultura, a qual não é segmento nem negação da agricultura
tradicional, nem produto imitativo de tecnologias “alternativas” de outras latitudes,
mas sim produtora de um projeto de vida que considere a importância da agricultura
familiar, que preserve os recursos naturais, que respeite a autonomia e cultura dos
diferentes povos, trazendo a dignidade de ser agricultor e cidadão brasileiro. Apesar
destas transformações serem amplas, complexas e de longo prazo devem servir de
orientadoras e produtoras de políticas e ações de curto e médio prazos.
3.1 UMA ANÁLISE ECONÔMICA DA AGRICULTURA SUSTENTÁVEL
A urgente necessidade de combater a miséria rural e regenerar a base
de recursos das pequenas propriedades tem estimulado diversas Organizações
Não-Governamentais (ONGs), nos países em desenvolvimento, a buscar ativamente
novas estratégias de desenvolvimento e manejo de recursos na agricultura.
A sustentabilidade agrícola, embora de reconhecida importância em
todo o mundo, tem pouca participação na definição de políticas econômicas. Ela não
é medida por nenhum indicador comumente empregado, nenhuma convenção lhe
atribui valor e nenhuma definição amplamente aceita a descreve. Quando a
sustentabilidade agrícola é deixada de fora da política econômica, parecem lógicas
as distorções que ameaçam a sustentabilidade. Os subsídios que incentivam o uso
ineficiente de insumos e recursos, as práticas produtivas que degradam os recursos
naturais, e os programas de apoio à renda que restringem as rotações de cultura
podem, todos, parecer válidos socialmente. De fato, todos eles implicam altos custos
sociais. Para manter esses custos baixos, a análise econômica deve ser
redirecionada de forma a promover a sustentabilidade agrícola, contabilizar o uso
31
dos recursos naturais e refletir o real valor da produção e da política agrícola,
minimizando, ao mesmo tempo, impactos ambientais. Entretanto, nenhuma dessas
definições foi quantitativa, e a produtividade da base de recursos naturais,
fundamental à sustentabilidade, ainda não foi contabilizada em seus diferentes
fatores nas definições de produtividade agrícola. A noção de sustentabilidade
agrícola tem sido, assim, de uso limitado para formuladores de políticas e
pesquisadores, na tentativa de determinar os efeitos das várias políticas e
tecnologias.
Definida de forma ampla, sustentabilidade significa que a atividade
econômica deve suprir as necessidades presentes, sem restringir as opções futuras.
Em outras palavras, os recursos necessários para o futuro não devem ser esgotados
para satisfazer o consumo de hoje. Os livros definem renda como a quantidade
máxima que pode ser consumida no presente ano, sem reduzir o potencial de
consumo nos anos futuros, isto é, sem consumir os bens de capital.
Todavia, uma série de evidências mostram que a produtividade dos
recursos agrícolas pode ser tudo, menos estática. A erosão e a salinização podem
ter enormes impactos sobre a produtividade dos solos agricultáveis. A deterioração e
a contaminação podem danificar os recursos hídricos. Os poluentes lixinados dos
cultivos podem reduzir drasticamente a produtividade dos ecossistemas e encurtar a
vida de um reservatório.
As práticas atuais de contabilidade simplesmente não contemplam
essas perdas. O solo pode sofrer erosão, os recursos hídricos podem ser
degradados ou contaminados, a vida silvestre pode ser envenenada e os
reservatórios entulhados com sedimentos, mas as perdas não têm um impacto
aparente sobre o valor privado ou público da agricultura. Nenhuma taxa de
depreciação é aplicada sobre os atuais rendimentos em função da degradação
desses recursos, mesmo que as perdas ocorridas em sua produtividade ameacem
receitas futuras.
Se a sustentabilidade é compreendida como a capacidade de um
sistema de manter sua produtividade quando submetido a estress e perturbações,
32
então, de acordo com princípios básicos de contabilidade, os sistemas de produção
que danificam a estrutura do solo ou exaurem seus nutrientes, matéria orgânica ou
biota, são insustentáveis.
Segundo Altieri:
... os estudos de casos realizados na Índia, no Chile e Filipinas forneceram oito recomendações que estimulariam a agricultura sustentável e o desenvolvimento econômico. Elas incluem reformas institucionais, reformas políticas e melhoras nos instrumentos de monitoramento e avaliação do desempenho político.Recomendação 1: devem ser eliminados os subsídios que estimulam a degradação ou extinção dos recursos naturais em todos os países.Recomendação 2: os países industrializados devem eliminar os programas de incentivo agrícola que distorcem os indicadores econômicos para os agricultores, e assim criar excedentes de produtos que necessariamente impliquem altos custos fiscais e danos ambientais excessivos.Recomendação 3: as decisões sobre fundos públicos para pesquisa deveriam explicitamente levar em conta os custos ambientes e benefícios das pesquisas propostas.Recomendação 4: deve-se priorizar muito mais e destinar mais verbas à pesquisa das práticas sustentáveis de agricultura.Recomendação 5: os centros CGIAR9 devem trabalhar em conjunto com os agricultores e as organizações não-governamentais de pesquisa e extensão. Recomendação 6: as exigências multilaterais de desenvolvimento devem adotar métodos de contabilidade dos recursos agrícolas.Recomendação 7: o monitoramento físico dos impactos ambientais da agricultura deve ser radicalmente melhorado nos países em desenvolvimento.Recomendação 8: os indicadores econômicos nacionais do setor agrícola, registrados em estatísticas oficiais e em análises políticas, devem expressar o esgotamento e a degradação dos recursos naturais. (2001, p. 95-101).
É crucial que os cientistas envolvidos na busca por tecnologias
agrícolas sustentáveis se preocupem com quem, finalmente, se beneficiará com
elas. Isso exige que eles reconheçam a importância do fator político quando as
questões científicas básicas são colocadas em discussão, e não somente quando as
tecnologias são distribuídas à sociedade. Assim, o que é produzido, como é
produzido e para quem é produzido são questões-chave que precisam ser
levantadas, caso se queira fazer surgir uma agricultura socialmente justa. Quando
tais questões são examinadas, temas como posse de terra, mão-de-obra, tecnologia
adequada, saúde pública, política de pesquisa, etc., sem dúvida emergirão.
9 Grupo de Consultoria para Pesquisa Agrícola Internacional.
33
Cada vez mais os cientistas interessados em promover a agricultura
sustentável terão de se envolver na busca de contextos políticos que a promovam,
além disso, exige mudanças nas agendas das pesquisas, bem como políticas
agrárias, por exemplo, a facilidade no acesso do agricultor à terra, água, recursos
naturais, bem como as linhas de créditos, mercados e tecnologias apropriados e
sistemas econômicos abrangendo mercados abertos e preços e, ainda, incentivos
governamentais.
A figura, abaixo, reafirma as colocações acima mencionadas.
FIGURA 1: Requisitos para uma Agricultura Sustentável
Desenvolvimento edifusão de tecnologias
apropriadas, acessíveise baratas
Gerenciamento, uso e conservação de recursos
produtivos
Requisitos parauma agricultura
sustentável
Políticas agrárias compatíveisMercados e preços viáveis
Incentivos financeirosProteção ambientalEstabilidade política
Mudança institucionalOrganização social
Crescimento da capacidadeDesenvolvimento derecursos humanos
Pesquisa participativa
Fonte: ALTIERI, Miguel. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto Alegre: Ed. Universidade / UFRGS, 2001, p. 106.
3.1.1 O Papel da Agricultura na Proteção da Biodiversidade Regional e Global
O desenvolvimento agrícola mudou profundamente a relação entre a
cultura humana e o ambiente cultural. Um manejo das paisagens agrícolas que
tenha como perspectiva tanto a conservação da biodiversidade como a produção
pode beneficiar, a longo prazo, todos os organismos, incluindo os seres humanos. O
34
aprendizado de como trabalhar desta maneira exigirá a colaboração entre a biologia
da conservação e a agricultura, bem como um redirecionamento da pesquisa.
O potencial pleno de articulação entre agroecossistemas e
ecossistemas naturais, contudo, somente poderá ser realizado através de mudanças
profundas na natureza da própria agricultura. O fundamental é que a agricultura
adote práticas de manejo ecologicamente consistente, incluindo o controle biológico
e o manejo integrado de pragas, em substituição aos agrotóxicos, fertilizantes e
outros produtos químicos sintéticos, e assim podemos atingir a meta de uma
biosfera sustentável.
3.1.2 Tendências Globais Determinantes para a Opção dos Agricultores por um
Novo Paradigma
Para uma perspectiva de opção massiva por produtores rurais em
direção a um desenvolvimento sustentável, deve-se considerar, primeiramente, as
referências mais globais, em nível de cadeias de produção, determinantes das
tendências de organização dos processos de produção, de mercado e de consumo.
Nessa perspectiva, é importante destacar alguns aspectos
considerados como determinantes para a definição de estratégias de adesão do
produtor rural a uma perspectiva de desenvolvimento sustentável, entre os quais
destacam-se:
Nova matriz alimentar
Estimula o consumo de produtos alimentícios mais naturais com o
privilegiamento de ingestão de cereais integrais, verduras, legumes, frutas e grãos
produzidos de forma ecológica ou orgânica.
No caso brasileiro, e de outros países em desenvolvimento ou do
Terceiro Mundo, cabe acrescentar que esse mercado de produtos agroecológicos é
limitado, inclusive porque para a maioria da população o problema crucial ainda é o
da fome, questão não resolvida.
35
Preservação da biodiversidade
Refere-se à preservação de agroecossistemas com alto grau de
diversidade, por abrangerem nichos distintos.
Compatibilização das formas de produção e estilos de vida
Trata da questão de adotar formas de produção e estilos de vida
compatíveis com a sustentação dos recursos do planeta, sendo fundamental
repensar o consumo e a produção de energia, com base em matrizes energéticas, a
partir de recursos naturais renováveis.
Globalização da economia
Com a formação de megablocos econômicos e acordos internacionais
(NAFTA, CEE e MERCOSUL), a tendência é que as definições das políticas de
produção e comercialização ocorram em âmbito internacional através de
instrumentos como a Organização Mundial do Comércio (OMC), disciplinando
critérios e controles de qualidade e sanidade.
Políticas de desenvolvimento
O papel do Estado em adotar políticas de desenvolvimento (agrícolas, agrárias e tributárias), mediante a utilização de mecanismos como o crédito rural, a normatização legal, subsídios fiscais, etc., orientando a adoção de referenciais tecnológicos, sendo que a análise dos projetos de desenvolvimento deve contemplar critérios de avaliação de sustentabilidade, abrangendo aspectos ecolígicos e econômicos, mas também sociais, garantindo também a segurança alimentar da população. (MOREIRA, 1993).
3.1.3 Conversão para as Práticas Sustentáveis
Diversos fatores estão encorajando os produtores a começarem esse
processo de transição:
● o custo crescente de energia;
● as baixas margens de lucro das práticas convencionais;
● o desenvolvimento de novas práticas que são vistas como opções
viáveis;
36
● o aumento da consciência ambiental entre consumidores, produtores
e legisladores;
● novos e mais consistentes mercados para produtos agrícolas
cultivados e processados de forma alternativa.
3.1.3.1 Ações Desenvolvidas Dentro da Proposta de Desenvolvimento
Sustentável e Perspectiva de Novas Ações
O planejamento do trabalho por parte da EMATER/RS ocorre em nível
de comunidades rurais, com ênfase na organização dos agricultores, através de
associativas formais e informais, também está sendo utilizada a sistemática de
planejamento através de microbacias hidrográficas e a implantação do uso de
“diagnóstico rápido em sistemas de produção”.
Em termos das ações desenvolvidas pela EMATER/RS no âmbito de
desenvolvimento sustentável destaca-se a adoção das seguintes práticas:
Preservação e recuperação ambiental
- conservação do solo, com várias práticas, entre as quais o
terraceamento, estruturação dos sistemas produtivos de acordo com a microbacia,
com o planejamento de estradas vicinais, irrigação e drenagem;
- adubação verde através de cultura de plantas de cobertura e
recuperadoras do solo;
- adubação orgânica na forma de estercos ou de biofertilizantes líquido
enriquecido;
- cultivo mínimo;
- plantio direto na palha;
- reflorestamento com fins energéticos ou conservacionistas;
- educação ambiental dirigida aos produtores e às escolas rurais.
Defesa sanitária vegetal
37
- manejo integrado de pragas com controle biológico;
- utilização de caldas de baixa toxidade;
- agroquímicos: racionalização, redução e eliminação do uso, quando
possível.
Saneamento ambiental
- construção de esterqueiras, fossas sépticas, proteção de fontes de
água;
- compostagem de lixo domiciliar;
- tríplice lavagem.
Alimentação e saúde humana
- cultivo de plantas medicinais (uso caseiro ou destinadas à
comercialização);
- utilização de caldas de baixa toxidade para tratamento da parte aérea
de plantas;
- alimentação alternativa;
- aproveitamento integral de todos os excedentes através de produção
artesanal.
Organização rural
- estímulo dos produtores ao associativismo, à agroindustrialização e à
comercialização;
- gerenciamento da propriedade;
Agroindústria
- instalação de novas agroindústrias, visando ampliar opções
produtivas e econômicas para os produtos.
Artesanato
38
- lã, palhas, pintura e aproveitamento de excedentes.
Diversificação de culturas e integração entre vegetal e animal
- alternativas para a monocultura e diversificação da renda dos
produtos;
- criação de suínos ao ar livre.
Integração interinstitucional
- cooperação entre instituições de pesquisa.
3.1.4 Fertilidade do Solo
O modelo agroquímico criou a “fase da teimosia”, desgastou-se o solo,
mantendo-o na fase do capim, onde há uma total dependência dos adubos e
venenos para produzir. Ou seja, nesta condição parece ser impossível produzir sem
adubos e venenos.
Se melhorar o solo, reduz a necessidade do uso dos agroquímicos – se
pior, nem mais os agroquímicos salvarão. Na possibilidade de um desgaste maior o
“deserto” está bem próximo de acontecer. A possibilidade de melhoria geral das
condições de solo não interessa às empresas agroquímicas, porque não serão
necessários tantos insumos.
Segundo PLANFOR / EMATER/RS:
O processo de transformação / construção natural do solo levou aproximadamente cinco bilhões de anos. Sendo muito lento no início e mais rápido a da “cobertura” do solo. Cada centímetro da camada do solo pode ter levado de 200 a 400 anos para ser formada; um centímetro de solo pode-se perder em uma chuva forte, em solo arado e descoberto; a formação dos desertos aconteceu, em muitos casos, com menos de 400 anos de uso do solo. (PLANFOR – PROGRAMA ESTADUAL DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL, 2000, p. 16).
A destruição do solo é extremamente mais rápida do que sua
formação. É como derrubar em 30 minutos uma imbuia que demorou 720 anos para
crescer.
39
Desde que se descobriu os 20 elementos necessários para a produção
vegetal, passou a acreditar que a fertilidade do solo significa a presença destes vinte
elementos, pois esta idéia enquadrou-se muito bem na sociedade industrial e
passou a ser produzida na fábrica, através dos adubos e agrotóxicos.
Os sinais alarmantes do seu uso, por exemplo, o desgaste da terra e o
aumento da erosão comprovam que não é bem assim, fertilidade do solo é muito
mais do que a quantidade suficiente deste ou aquele nutriente.
A figura abaixo talvez possa ajudar a entender um pouco da
complexidade dos nossos solos e da produção agrícola. Além dos nutrientes, têm
muitos fatores que devem ser entendidos.
FIGURA 2: Fertilidade do Solo.
(Hansjörg Rinklin – Mestre em Agricultura Orgânica – Alemanha)Fonte: PROGRAMA ESTADUAL DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL – PLANFOR QUALIFICAR RS. Porto Alegre. EMATER/RS, 2000.
Como podemos ver, a nossa teia tem alguns fios mestres, são eles:
● matéria orgânica
● bio estrutura
● ar
● água
Se estes fios mestres forem desconsiderados ou estragados, o todo
não pode mais funcionar de uma forma satisfatória.
40
Um exemplo freqüente é a queimada das folhas, restos de cultivos,
vejamos as conseqüências dessa prática:
1º) Mexe-se no fio dos nutrientes e micronutrientes por causa da cinza
do fogo, esses nutrientes são lixiviados, pois se encontram numa forma solúvel em
água. O nitrogênio e o enxofre se perdem na hora do fogo;
2º) vai baixar o nível de matéria orgânica do solo;
3º) vai faltar alimento para a microvida, que resulta no aumento de
doenças e pragas;
4º) a bio estrutura vai diminuir, que sobrevive da palha, principalmente;
5º) vai diminuir a capacidade do solo para armazenar água e ar, a
planta vai sofrer com a seca e a raiz não pode desenvolver-se tão bem por falta dos
poros;
6º) vai aumentar a erosão levando a terra mais fértil.
3.1.4.1 Agricultura Química (Revolução Verde)
Na década de 60 houve um grande entusiasmo com um grande
aumento de colheitas envolvendo o uso de adubos químicos e venenos nos países
industrializados. Criou-se a expectativa de acabar com a fome mundial em poucos
anos. Através de uma “Revolução Verde” pensou-se em simplesmente transferir a
tecnologia desenvolvida para os países do terceiro mundo, onde houve, e ainda há,
subnutrição e fome.
Por um lado os adubos químicos e o uso dos agrotóxicos aumentaram
a produção, mas por outro, tiveram efeito negativo na fertilidade do solo, isto é, a
potência daquilo que o solo produz se reduziu, e ainda se reduz, cada vez mais.
FIGURA 3: Agricultura Química
41
SUSTENTÁVEL?Fonte: PLANFOR, QUALIFICAR RS. Porto Alegre: EMATER/RS, p. 31, 2001
A agricultura química entrou, geralmente começa com o uso de
adubos. O adubo aumenta a produção sem aumentar a fertilidade do solo. Com isso
provoca muitos desequilíbrios no solo e, conseqüentemente, na planta. A planta
desequilibrada é menos resistente: precisa de mais defensivos (agrotóxicos) para
protegê-la. Tanto os resíduos do adubo, como também os venenos prejudicam a
microvida do solo, responsável pela fertilidade natural. O solo se torna dependente,
necessita cada vez mais adubo para obter a mesma produção, pois a fertilidade
natural foi diminuída. Por causa disso, de novo cria-se uma planta ainda menos
resistente e assim por diante.
Estatísticas no mundo inteiro comprovaram que o efeito do pacote da
Revolução Verde é alto no início, mas no decorrer dos anos vai decaindo.
Estes dados nos mostram que o modelo implantado não é viável a
longo prazo (Quadro 4).
Quadro 4: Produção de Grãos
ANO Produção de grãos por tonelada de adubo químico usado
1970 48 toneladas
1980 24 toneladas
1990* 18,5 toneladas
* Dados da UNICRUZ na região de Cruz Alta/RS.
Fonte: PLANFOR, 2001, p. 32.
42
Além da ineficiência cada vez maior, o custo destes insumos subiu
constantemente nas últimas décadas, comparados com os preços dos produtos
agrícolas e o pequeno agricultor foi prejudicado e marginalizado, enquanto cresciam
as grandes agroindústrias, tendo como resultado o êxodo rural.
3.1.4.2 Fertilidade Natural
A planta cresce serve de alimento para seres humanos ou animais
ou os restos vegetais voltam direto para o solo para alimentar a microvida as
excreções animais ou humanas voltam ao solo, onde também alimenta a microvida
a microvida decompõe o esterco e os restos das plantas transformando-os de
forma que a planta de novo pode alimentar-se deles.
Funciona na natureza por séculos sem se cansar (Figura 4).
FIGURA 4: Ciclo Natural da Fertilidade do Solo
Fonte: PLANFOR, QUALIFICAR RS. Porto Alegre: EMATER/RS, p. 35, 2001
Este ciclo de vida pode funcionar por milhares de anos. Na agricultura
orgânica aduba-se o solo, quer dizer, alimenta-se a microvida e não a planta. A
alimentação da planta é assumida pela microvida. Assim também ocorre na
natureza, no ciclo da fertilidade natural. O aumento da produção ocorre através do
43
aumento da fertilidade, e o aumento da fertilidade através do aumento da
alimentação para a vida do solo.
Para uma agricultura sustentável, temos recursos importantes à
disposição, tais como:
a) Palhas, outros restos de culturas.
b) Adubação verde.
c) Estercos.
d) Outros resíduos.
3.1.4.3 Benefícios das plantas de cobertura e melhoradoras do solo
● Protegem o solo do impacto da gota da chuva, reduzindo a
velocidade do escoamento das águas e a erosão;
● evitam o aquecimento excessivo da superfície do solo e as perdas de
água por evaporação;
● rompem a camada adensada e melhoram a estrutura aumentando a
infiltração e o armazenamento de água no solo;
● elevam o teor de matéria orgânica, pelo aporte contínuo de material
vegetal no solo;
● incorporam nitrogênio no solo, principalmente, através das
leguminosas;
● reduzem a lavagem dos nutrientes para o lençol freático;
● melhoram a atividade biológica e reciclam nutrientes do solo,
permitindo reduzir a adubação de manutenção e de cobertura para as culturas;
● auxiliam no controle de plantas espontâneas (invasoras);
● ajudam a diminuir a incidência de pragas e doenças.
44
4. AGROECOLOGIA
A agroecologia fornece uma estrutura metodológica de trabalho para a compreensão mais profunda tanto da natureza dos agroecossistemas como um dos princípios segundo os quais eles funcionam. Trata-se de uma nova abordagem que integra os princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e sociedade como um todo. Ela utiliza os agroecossistemas como unidade de estudo, ultrapassando a visão unidimensional – genética, agronomia, edafologia10 - incluindo dimensões ecológicas, sociais e culturais. Uma abordagem agroecológica incentiva os pesquisadores a penetrar no conhecimento e nas técnicas dos agricultores e a desenvolver agroecossistemas com uma dependência mínima de insumos agroquímicos e energéticos externos. O objetivo é trabalhar com e alimentar sistemas agrícolas complexos onde as interações ecológicas e sinergismos entre os componentes biológicos criem, eles próprios, a fertilidade do solo, a produtividade e a proteção das culturas (ALTIERI, 1987).
A produção sustentável em um ecossistema deriva do equilíbrio entre plantas, solos, nutrientes, luz solar, umidade e outros organismos existentes. Na agroecologia, a preservação e ampliação da biodiversidade dos agroecossistemas é o primeiro princípio utilizado para produzir auto-regulação e sustentabilidade. (ALTIERI, Anderson E HERRICK, p. 49-58, 1987).
Se a causa da doença, das pragas, da degradação do solo, por
exemplo, entendida como desequilíbrio, então o objetivo do tratamento
agroecológico é restabelecê-lo. O tratamento e a recuperação são orientados por um
conjunto de princípios específicos e diretrizes tecnológicas. (TABELA 1) . Quando a
biodiversidade é restituída aos agroecossistemas, numerosas e complexas
interações passam a estabelecer-se entre o solo, as plantas e os animais. O
aproveitamento de interações e sinergismos complementares pode resultar em
efeitos benéficos, pois:
- cria uma cobertura vegetal contínua para a proteção do solo;
- assegura constante produção e variedade de alimentos e outros
produtos para o mercado;
10 Edafologia – Ciência que estuda os solos. (BUENO, Francisco da Silveira. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, 1985.
45
- fecha os ciclos de nutrientes e garante o uso eficaz dos recursos
locais;
- contribui para a conservação do solo e dos recursos hídricos, através
da cobertura morta e da proteção contra o vento;
- intensificar o controle biológico de pragas, fornecendo um habitat para
os inimigos naturais;
- aumentar a capacidade de múltiplo uso de território;
- assegurar uma produção sustentável das culturas sem o uso de
insumos químicos que possam degradar o ambiente. (ALTIERI, Letourneau e
DAVIS, v. 3, p. 45-49, 1983).
TABELA 1: Elementos técnicos básicos de uma estratégia agroecológica
I. Conservação e Regeneração dos Recursos Naturais a. Solo (controle da erosão, fertilidade e saúde das plantas) b. Água (captação/coleta, conservação in situ, manejo e irrigação) c. Germolasma (espécies nativas de plantas e animais, espécies locais, germoplasma
adaptado). d. Fauna e flora benéficas (inimigos naturais, polinizadores, vegetação de múltiplo uso)II. Manejo dos Recursos Produtivos a. Diversificação: - temporal (isto é, rotações, seqüências) - espacial (policultivos, agroflorestas, sistemas mistos de plantio/criação de animais) - regional (isto é, zoneamento, bacias hidrográficas) b. Reciclagem dos nutrientes e matéria orgânica: - biomassa de plantas (adubo verde, resíduos das colheitas, fixação de nitrogênio) - biomassa animal (esterco, urina, etc.) - reutilização de nutrientes e recursos internos e externos à propriedade c. Regulação biótica (proteção de cultivos e saúde animal): - controle biológico natural (aumento dos agentes de controle natural) - controle biológico artificial (importação e aumento de inimigos naturais, inseticidas botânicos, produtos veterinários alternativos, etc.)III. Implementação de Elementos Técnicos a. Definição de técnicas de regeneração, conservação e manejo de recursos adequados às necessidades locais e ao contexto agroecológico e socioeconômico. b. O nível de implementação pode ser o da microrregião, bacia hidrográfica, unidade produtiva ou sistema de cultivo. c. A implementação é orientada por uma concepção holística (integrada) e, portanto, não sobrevaloriza elementos isolados. d. A estratégia deve estar de acordo com a racionalidade camponesa, incorporando elementos do manejo tradicional de recursos.
46
Para os agroecologistas, quatro aspectos desses sistemas tradicionais
de conhecimento são relevantes (ALTIERI, 1987):
- Conhecimento sobre o meio ambiente.
- Taxonomias biológicas populares.
- A natureza experimental do conhecimento tradicional.
- Conhecimento de práticas agrícolas.
- Diversidade e continuidade espacial e temporal.
- Otimização do uso de espaço e recursos.
- Reciclagem de nutrientes.
- Conservação da água.
- Controle de sucessão e proteção de cultivos.
Vejamos os exemplos na Tabela 2, onde pequenos agricultores
atendem as exigências ambientais de seu sistema de produção de alimentos
concentrando-se em uns poucos processos e princípios descritos.
TABELA 2: Alguns exemplos de sistemas de administração do solo, espaço, água e vegetação utilizados por agricultores tradicionais do mundo (de acordo com Klee, 1980).
ObstáculosAmbientais
Objetivo Prática recomendada
Espaço limitado
Encostas declivosas
Fertilidade de solos marginais
Maximizar o uso de recursos e terra do ambiente.
Controlar a erosão e conservar os recursos hídricos
Manter a fertilidade do solo e reciclar a matéria orgânica.
Cultivo intercalado, agroflorestamento, cultivo em diferentes extratos, hortas caseiras, zoneamento agrícola por altitude, subdivisão da propriedade, rotação.
Construção de terraços, cultivo em curvas de nível, barreiras vivas ou artificiais, cobertura morta, nivelamento, cultivo contínuo e de pousio, taipas de pedra.
Pousios naturais ou melhorados, rotações de cultura e plantio consorciado com leguminosas, coleta de resíduos, compostagem, esterco, adubação verde, pastagem de animais em áreas de pousio, solos de latrina e restos domésticos, restos de capina, solos de formigueiros como fonte de
47
Enchente ou água em excesso
Excesso de água
Pluviosidade instável
Temperatura ou radiação solar extremas
Incidência de pragas (invertebradas, vertebradas)
Integrar a agricultura com a oferta de água
Disponibilidade de água por canal ou diretamente.
Melhor utilização da umidade disponível.
Melhorar o microclima.
Proteger as plantações, minimizar as populações de pragas.
fertilizantes, uso de depósitos de aluvião, uso de aguapés, plantio de leguminosas em aléias, folhas, galhos e outros entulhos arrancados, vegetação queimada, etc.
Agricultura de campos elevados (chinampas, tablones), campos com drenos, diques, etc.
Controle de fluxo de água através de canais e represas feitas de pequenas valas. Áreas cavadas até o nível da água. Irrigação por borrifação. Irrigação de canais através de lagos formados pelo lençol freático, poços, lagoas e reservatórios.
Uso de espécies e variedades tolerantes à seca, cobertura morta, indicadores de clima, plantio misto no final da estação de chuvas, cultivos com curtos períodos de crescimento.
Redução ou aumento de sombra; espaçamento de plantas; poda; cultivos tolerantes à sombra; aumento de densidade das plantas; cobertura morta; controle do vento com o uso de cercas vivas, cercas, linhas de árvores; capina e aração superficiais; cultivo mínimo; consórcios; agroflorestamento, plantio em aléias, etc.
Plantio abundante para permitir um certo risco de ocorrência de pragas, observação dos cultivos, cercas vivas ou cercados, uso de variedades resistentes, plantio misto, aumento dos inimigos naturais, caça, coleta, uso de venenos, repelentes, plantio em épocas de menor ataque de pragas.
Fonte: ALTIERI, Miguel. Agroecologia: A dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto Alegre: Editora da Universidade / UFRGS, p. 29-30, 2001.
4.1 PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL BASEADOS NA
AGROECOLOGIA
Um elemento-chave tem sido o desenvolvimento de novos métodos
agrícolas baseados em princípios agroecológicos, que se assemelham ao processo
de produção camponês, distinguindo-se daquela da Revolução Verde porque reforça
o emprego de tecnologias de baixo uso de insumos, mas também por critérios
socioeconômicos, no que tange às culturas afetadas, beneficiários, necessidades de
pesquisa e participação local. (Tabela 3).
48
TABELA 3: Comparação entre as Tecnologias da Revolução Verde e da AgroecologiaCaracterísticas Revolução Verde Agroecologia
TécnicasCultivos afetados
Áreas afetadas
Sistema de cultivo dominante
Insumos predominantes
AmbientaisImpactos e riscos à saúde
Cultivos deslocados
EconômicasCustos das pesquisas
Necessidades financeiras
Retorno financeiro
InstitucionaisDesenvolvimento tecnológico
SocioculturaisCapacitações necessárias à pesquisa
Participação
Integração cultural.
Trigo, milho, arroz, etc.
Na sua maioria, áreas planas e irrigáveis
Monocultivos geneticamente uniformes.
Agroquímicos, maquinário; alta dependência de insumos externos e combustível fóssil.
Médios a altos (poluição química, erosão, salinização, resistência a agrotóxicos, etc.). Riscos à saúde na aplicação dos agrotóxicos e nos seus resíduos no alimento.
Na maioria, variedades tradicionais e raças locais.
Relativamente altos.
Altas. Todos os insumos devem ser adquiridos no mercado.
Alto. Resultados rápidos. Alta produtividade de mão-de-obra.
Setor semipúblico, empresas privadas.
Cultivo convencional e outras disciplinas de ciências agrícolas.
Baixa (na maioria, métodos de cima para baixo). Utilizados para determinar os obstáculos à adoção das tecnologias.
Muito baixa.
Todos os cultivos.
Todas as áreas, especialmente as marginais (dependentes da chuva, encostas declivosas)
Policultivos geneticamente heterogêneos.
Fixação de nitrogênio, controle biológico de pragas, corretivos orgânicos, grande dependência nos recursos locais renováveis.
Nenhum.
Nenhum.
Relativamente baixos.
Baixas. A maioria dos insumos está disponível no local.
Médio. Precisa de um determinado período para obter resultados mais significativos. Baixa a média produtividade da mão-de-obra.
Na maioria, públicas: grande envolvimento de ONGs.
Ecologia e especializações multidisciplinares.
Alta. Socialização ativadora, induz ao envolvimento da comunidade.
Alta. Uso extensivo de conhecimento tradicional e formas locais de organização.
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Fonte: ALTIERI, Miguel. Agroecologia: A dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto Alegre: Editora da Universidade / UFRGS, p. 29-30, 2001.
A abordagem agroecológica é também mais sensível às complexidades dos sistemas agrícolas. Nela, os critérios de desempenho incluem não só uma produção crescente, mas também propriedades como sustentabilidade, segurança alimentar, estabilidade biológica, conservação de recursos e eqüidade. Um problema da Revolução Verde é que ela concentrou seus esforços nos agricultores mais bem providos de recursos, em um processo difusionista de transferência de tecnologias (Figura 5). Os agroecologistas enfatizam o desenvolvimento ser realmente de baixo para cima, deve começar com aqueles pequenos agricultores da parte inferior do gradiente, assim nesta abordagem provou-se ser culturamente compatível, na medida que se constrói com base no conhecimento agrícola tradicional, combinando-o com elementos da moderna ciência agrícola (ALTIERI E HECHT, 1989).
FIGURA 5:
A I
GOLONCET
Nota: O enfoque da agroecologia é nos agricultores com poucos recursos, isto é, aqueles que têm o menor acesso aos insumos tecnológicos e poucas relações com o mercado. A agroecologia vê esses agricultores como o ponto de partida para uma estratégia de desenvolvimento rural sustentável.
Em termos práticos, a aplicação de princípios agroecológicos aos
programas de desenvolvimento rural tem se traduzido em uma diversidade de
programas de pesquisa e demonstração e sistemas alternativos de produção. Esses
programas possuem uma série de objetivos. (Altieri, 1992):
a) melhorar a produção de alimentos básicos ao nível das unidades produtivas, fortalecendo e enriquecendo a dieta alimentar das famílias. Isto tem envolvido a valorização de produtos tradicionais (caruru, quinoa, tremoços, etc.) e a conservação de germoplasma de variedades cultivadas locais;b) resgatar e reavaliar o conhecimento e as tecnologias camponesas;c) promover o uso eficiente dos recursos locais (isto é, terra, mão-de-obra, subprodutos, etc.;
ENFOQUE DA REVOLUÇÃO + VERDE
AGRICULTORES COM MUITOS RECURSOS
- +
AGRICULTORES COM POUCOS RECURSOS
ENFOQUE DAAGROECOLOGIA -
50
d) aumentar a diversidade vegetal e animal de modo a diminuir os riscos;e) melhorar a base de recursos naturais através da conservação e regeneração da água e do solo, enfatizando o controle da erosão, a captação de água, o reflorestamento, etc.;f) reduzir o uso de insumos externos, diminuindo a dependência e sustentando, ao mesmo tempo, os níveis de produtividade, através de tecnologias apropriadas, da experimentação e implementação da agricultura orgânica e outras técnicas de baixo uso de insumos;g) garantir que os sistemas alternativos resultem em um fortalecimento não só das famílias, mas de toda a comunidade. Assim, as intervenções e processos tecnológicos são complementados por programas de educação que preservam e reforçam a racionalidade camponesa, simultaneamente, na transição para novas tecnologias, relações com o mercado e organização social. (ALTIERI, 1992).
4.1.1 Exemplos de Programas Agroecológicos Promovidos pelas ONGs
Exemplos de programas promovidos por ONGs, utilizando abordagens
agroecológicas, podem ser encontrados em diferentes partes do mundo.
● Cultivo em aléias na África
● Promoção de sistemas agrícolas integrados em Bangladesh
● Conservação dos solos nas encostas na América Central
● Reconstruindo terraços abandonados nos Andes
● Recriando a agricultura inca nos Andes Peruanos
● Envolvimento dos agricultores em programas de conservação
genética in situ
● Melhora na oferta de alimentos e na renda das pequenas
propriedades mediterrâneas do Chile
Muitos dos projetos das ONGs, baseados em uma abordagem
agroecológica, carecem de avaliações formais e detalhadas. Todavia, há fortes
evidências de que muitas dessas organizações têm gerado e adaptado inovações
tecnológicas capazes de contribuir, significativamente, na melhoria das condições de
vida dos camponeses, aumentando sua segurança alimentar, fortalecendo a
produção de subsistência, gerando fontes de renda e melhorando a base de
recursos naturais. Esses programas tiveram êxito através de novas tecnologias e
arranjos institucionais, bem como da utilização de métodos originais de promoção da
51
participação das comunidades rurais. Efeitos documentados de práticas
agroecológicas reforçadas pelas ONGs são mostrados na tabela 4.
TABELA 4: Efeitos Registrados das Estratégias Produtivas da Agroecologia Implementadas pelas ONGs
I. Efeitos no solo a) Aumento do conteúdo da matéria orgânica. Estímulo da atividade biológica. Incremento da mineralização dos nutrientes. b) Queda da erosão. Conservação do solo e da água. c) Melhoria da estrutura e condições gerais do solo. Melhoria da retenção e reciclagem de nutrientes. Equilíbrio positivo dos nutrientes. d) Aumento da atividade de micorrizas e de antagonistas.
II. Efeitos sobre pragas, doenças e ervas adventícias a) A diversificação afeta pragas de insetos, reduzindo herbívoros e estimulando os inimigos naturais. b) Consórcios em linhas ou mistos reduzem os patógenos. c) A ampla cobertura dos solos com policultivos elimina ervas. d) Plantações de cobertura em pomares diminuem o ataque de insetos e infestações de ervas. e) O cultivo mínimo pode reduzir doenças do solo.
III. Efeitos sobre a produção a) A produção por unidade de área pode ser 5-10% menor, mas em relação a outros fatores (por unidade de energia, de perdas no solo, etc.), é maior. b) Policultivos produzem mais que monocultivos. c) Pode haver uma perda inicial na produção durante a conversão ao manejo orgânico, que poderá ser minimizada com a substituição de insumos. Melhora na produção com o passar do tempo. d) A variabilidade da produção é baixa: a estabilidade da produção é maior e há menos riscos envolvidos.
IV. Efeitos sobre os aspectos econômicos a) Baixos custos de produção. b) Baixos custos ambientais (fatores externos), menor depreciação do solo, baixos custos por contaminação. c) Maior eficiência energética e menor uso total de energia. d) As exigências de mão-de-obra são maiores para algumas práticas, e menores para outras. Há uma diluição ou uma difusão do efeito dessas exigências durante a estação, evitando picos nas demandas de mão-de-obra.Fonte: ALTIERI, Miguel. Agroecologia: A dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto Alegre: Editora da Universidade / UFRGS, p. 29-30, 2001.
Qualquer que seja o método utilizado para avaliar a sustentabilidade
das pequenas propriedades, ele deve fornecer um indicador da situação de, no
mínimo, quatro atributos:
a) manutenção da capacidade produtiva do agroecossistema
(capacidade produtiva);
52
b) preservação da base de recursos naturais e da biodiversidade
(integridade ecológica);
c) fortalecimento da organização social e diminuição da pobreza (saúde
social);
d) fortalecimento das comunidades locais, manutenção das tradições e
participação popular no processo de desenvolvimento (identidade cultural).
4.1.2 Princípios Básicos de um Agroecossistema Sustentável
Os princípios básicos de um agroecossistema sustentável são a
conservação dos recursos renováveis, a adaptação dos cultivos ao ambiente e a
manutenção de um nível moderado, porém sustentável, de produtividade. Para
enfatizar a sustentabilidade ecológica de longo prazo, e não a produtividade no curto
prazo, o sistema de produção deve (Altieri, 1987):
a) reduzir o uso de energia e recursos e regular a entrada total de energia de modo que a relação entre saídas e entradas (output/input) seja alta;b) reduzir as perdas de nutrientes detendo a lixiviação, o escorrimento e a erosão, e melhorando a reciclagem de nutrientes com o uso de leguminosas, adubação orgânica e composto, e outros mecanismos eficientes de reciclagem;c) incentivas a produção local de cultivos adaptados ao meio natural e socioeconômico;d) sustentar um excedente líquido desejável, preservando os recursos naturais, isto é, minimizando a degradação do solo;e) reduzir custos e aumentar a eficiência e a viabilidade econômica das pequenas e médias unidades de produção agrícola, promovendo, assim, um sistema agrícola potencialmente resiliente (ALTIERI, 1987).
Do ponto de vista de manejo, os componentes básicos de um
agroecossistema incluem:
a) cobertura vegetal como meio eficaz de conservar o solo e a água:
pode ser obtida através de práticas de cultivo que não movam o solo, uso de
cobertura morta, cultivos de cobertura viva, etc;
53
b) suprimento regular de matéria orgânica: obtido com a incorporação
regular de matéria orgânica (esterco, composto) e promoção da atividade biológica
do solo;
c) mecanismos eficazes de reciclagem dos nutrientes incluindo:
rotações de culturas, sistemas mistos de cultivos, criação, agroflorestamento e
sistemas de consorciação baseados em leguminosas;
d) regulação de pragas: as práticas de manipulação da biodiversidade
e a introdução e/ou conservação dos inimigos naturais fornecem os agentes
biológicos necessários para o controle das mesmas.
Os princípios básicos de um sistema agrícola auto-sustentável, de
baixo uso de insumos externos, diversificado e eficiente, devem ser transferidos para
sistemas alternativos práticos e específicos, planejados de forma a atender as
necessidades singulares de comunidades de agricultores, nas diferentes regiões
agroecológicas do mundo. Uma estratégia fundamental na agricultura sustentável é
recuperar a diversidade agrícola no tempo e no espaço, através de rotações de
culturas, cultivos de cobertura, consorciações, sistemas de cultivo-criação, etc.
(ALTIERI, 1987). Existem diferentes opções para se obter uma diversificação, que
variam de acordo com as características do sistema de monocultura existente,
baseado em culturas anuais ou perenes (Figura 6).
Existem muitas estratégias alternativas de diversificação que apresentam efeitos benéficos para a fertilidade do solo, proteção das culturas e produtividade. O uso de um ou mais desses sistemas alternativos de produção aumenta a possibilidade de interações complementares entre os vários componentes do agroecossistema, resultando em efeitos positivos como:a) fechamento dos ciclos de nutrientes;b) conservação do solo e da água e uso eficaz dos recursos locais;c) aumento do controle biológico de pragas através da diversificação;d) ampliação da capacidade de múltipla utilização da paisagem;e) produção sustentada do cultivo sem o uso de insumos que degradam o ambiente. (ALTIERI, 1994).
54
FIGURA 6: Estratégias de diversificação dos sistemas modernos de agricultura baseados em plantios anuais e perenes. (Altieri, 1994).
Sistemas agrícolas modernos
Cultivos anuais Cultivos permanentes
Monocultivos Grãos Hortigranjeiros Alfafa Pomares Parreirais
------------------------------------------ ------------------------------------------Estratégias de diversificação
Seqüências de plantios e rotaçãoCultivos múltiplos (intercalados, em associação, etc.)Sem araçãoCobertura vivaCultivo de cobertura vegetalQuebra-ventosParcelas em pousio
Agrosilvicultura (produçãocombinada de cultivos e
recursos florestais)
Cultivos de coberturaPolicultivos perenes e hortos mistosCultivos anuais consorciadosCobertura vegetalCordões de proteçãoManejo da vegetação circundante
Sistemasagropastoris
Sistemasagrosilviculturais
Produção agrícola eanimal (produção mista)
4.1.3 Alguns Exemplos de Sistemas Diversificados de Produção
● Sistemas de cultivos múltiplos
● Rotação de culturas
● Cultivos de cobertura
● Sistemas agroflorestais
● Agricultura orgânica
55
Como observa-se na Figura 7, acima, a função protetora das árvores
em relação ao solo, hidrografia e plantas, pode ajudar na diminuição de riscos de
degradação ambiental.
FIGURA 7: Efeitos ecológicos de um plantio de cobertura verde em parreiral diversificado.
Lavoura comcobertura verde
Mudançasno microclima
Complexobenéfico de
insetos
Estrutura do solo Organismos do solo
Proteção contra erosão Minhocas
Matéria orgânica eciclo do nitrogênio
Fonte: ALTIERI, Miguel. Agroecologia: A dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto Alegre: Editora da
Universidade / UFRGS, p. 29-30, 2001.
Todas essas práticas levam ao aumento da matéria orgânica do solo, à eliminação de resíduos potencialmente tóxicos dos agrotóxicos, à supressão biológica de pragas, doenças e ervas adventícias, e à estocagem de água da chuva, evitando o escoamento desnecessário. (USDA, 1980; Roberts, 1992).
Estudos comparativos dos sistemas convencionais e orgânicos de
agricultura concluíram o seguinte (Lockeretz et al., 1981; Lampkin, 1990):
a) em condições de desenvolvimento altamente favoráveis, as produtividades da agricultura convencional foram muito maiores do que as da agricultura orgânica.b) a agricultura convencional consumiu muito mais energia do que a orgânica, sobretudo em razão do maior uso de petroquímicos. Além disso, o sistema orgânico apresentou uma eficiência energética muito maior do que o convencional.c) muitas propriedades orgânicas são altamente mecanizadas e utilizam uma quantidade de mão-de-obra ligeiramente maior do que as convencionais.d) os sistemas orgânicos de agricultura bem manejados, quase sempre, usam menos agrotóxicos, fertilizantes e antibióticos químicos sintéticos por unidade de produção do que os sistemas convencionais.e) a incorporação de vários plantios em sistemas agrícolas orgânicos permite que os mesmos ganhem estabilidade, e se houver animais e árvores integrados ao sistema, isso será útil para o seu equilíbrio. (LOCKERETZ et al., 1981; LAMPKIN, 1990).
56
4.1.4 Considerações sobre Agroecologia
Os solos estão doentes. A utilização intensiva de uma mecanização
inadequada, do uso indiscriminado de agrotóxicos, corretivos e adubos químicos
solúveis, somados ao monocultivo e a falta de práticas adequadas de combate à
erosão, conduziram a grande maioria dos solos das lavouras a um processo de
degradação de suas capacidades produtivas.
Processo caracterizado, entre outras coisas pela formação, de uma
camada subsuperficial compactada, perda do horizonte e, por conseqüência, uma
redução da matéria orgânica e da atividade biológica do solo, tornando estas
lavouras cada vez mais exigentes em insumos e em geral menos produtivas.
Os problemas de distúrbios nutricionais, raros outrora, avolumam-se
retratando o desequilíbrio e a lenta degradação dos solos e do ambiente. Somado à
isto, uma série de outras conseqüências ecológicas, energéticas, econômicas e
sociais negativas de poluição, que certamente levarão a insustentabilidade deste
modelo produtivo convencional.
A agricultura convencional é sistemática. Sempre repõe o que falta ou
combate o sintoma. E vê cada fator de produção isoladamente, sem conseguir o
domínio das interrelações existentes, nem nas relações causa-efeito. Tenta-se
atingir padrões ideais só que estes nunca se repetem. O modelo de agricultura
convencional não preservou e, ao contrário, por vezes reduziu a capacidade
produtiva dos solos.
Também não foi adequado à realidade cultural da maioria dos
agricultores, os quais são vistos como mais um item de produção.
Então, no atual estágio é mais fácil abandonar este modelo do que
tentar corrigi-lo, promovendo-se uma transição gradual e segura do sistema
convencional para um alternativo. Porém, agora com níveis de conhecimento e
consciência mais elevados.
57
As duas ciências das quais a “agroecologia” deriva a ecologia e a
agronomia tiveram um relacionamento tenso durante o século XX. A ecologia
ocupou-se principalmente do estudo de sistemas naturais, enquanto a agronomia
tratou da aplicação de métodos de investigação científica à prática da agricultura.
A agroecologia proporciona o conhecimento e a metodologia para
desenvolver uma agricultura que é ambientalmente consistente, altamente produtiva
e economicamente viável. Valoriza o conhecimento local e empírico dos agricultores,
a socialização desse conhecimento e sua aplicação ao objetivo comum da
sustentabilidade.
Os princípios e métodos ecológicos formam a base da agroecologia,
são essenciais para determinar: a) se uma prática, insumo ou decisão de manejo
agrícola é sustentável; b) a base ecológica para o funcionamento, a longo prazo, da
estratégia de manejo escolhida, estejam identificados , podem ser desenvolvidas
práticas que reduzam os insumos externos comprados, diminuam os impactos de
tais insumos quando usados e estabeleçam uma base para desenhar sistemas que
ajudem os produtores a sustentar seus cultivos e suas comunidades produtoras.
Em última instância, o conhecimento ecológico da sustentabilidade dos
agrossistemas deve dar nova forma à perspectiva que a humanidade tem da
produção vegetal e animal, a fim de que seja alcançada em nível mundial, a
produção sustentável de alimentos.
58
5. ECOPEDAGOGIA E EDUCAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE
5.1 PEDAGOGIA E SUSTENTABILIDADE
A consciência ecológica levanta-nos um problema duma profundidade e duma vastidão extraordinária temos de defrontar ao mesmo tempo o problema da vida no planeta terra, o problema da sociedade moderna e o problema do destino do Homem. Isto obriga-nos a repor em questão a própria orientação da civilização ocidental. Na outrora do terceiro milênio, é preciso compreender revolucionar, desenvolver, inventar, sobreviver, viver, morrer, anda tudo inseparavelmente ligado. (Edgar Morin, apud ANTÔNIO LAGO, 1984, p.6).
Nos livros de Francisco Gutiérrez e Daniel Prieto sobre a “mediação
pedagógica” (1994a e 1994b), os autores definem pedagogia como o trabalho de
promoção da aprendizagem através de recursos necessários ao processo educativo
no cotidiano das pessoas, sendo este o lugar do sentido da pedagogia, pois a
condição humana passa inexoravelmente por ela.
Para Francisco Gutiérrez apud Moacir Gadotti (2000, p. 61), parece
impossível construir um desenvolvimento sustentável sem que haja uma educação
para o desenvolvimento sustentável. Para ele, o desenvolvimento requer quatro
condições básicas, que deve ser:
(a) economicamente factível;
(a) ecologicamente apropriado;
(b) socialmente justo;
(c) culturalmente eqüitativo, respeitoso e sem discriminação de
gênero.
A escala local tem que ser compatível com uma escala planetária, daí a
importância da articulação com o Poder Público. As pessoas e a sociedade civil, em
parceria com o Estado, precisam dar sua parcela de contribuição para criar cidades
e campos saudáveis sustentáveis, isto é, com qualidade de vida.
59
Em seu livro Pedagogia para el Desarrollo Sostenible (1994), Francisco
Gutiérrez apud Moacir Gadotti (2000), apresenta algumas características ou “chaves
pedagógicas” que se completam entre elas numa dimensão maior “holística” que
apontam para novas formas de vida do “cidadão ambiental”:
1) promoção da vida para desenvolver o sentido da existência;
1) equilíbrio dinâmico para desenvolver a sensibilidade emocional;
2) congruência harmônica que desenvolve a ternura e o
estranhamento;
3) ética integral, isto é, conjunto de valores;
4) racionalidade intuitiva que desenvolve a capacidade de atuar
como um ser humano integral;
5) consciência planetária que desenvolve a solidariedade
planetária.
Essas são também as características de uma sociedade sustentável o
que nos leva a concluir que não há “desenvolvimento sustentável sem sociedade
sustentável”. Além de se constituírem em princípios ou “chaves pedagógicas”
(GUTIÉRREZ apud GADOTTI (2000, p. 64), as características acima descritas
podem muito bem ser consideradas como princípios pedagógicos da sociedade
sustentável.
Não resta dúvida que esta concepção do desenvolvimento coloca em
xeque o consumismo do modo de produção capitalista, principalmente responsável
pela degradação do meio ambiente e pelo esgotamento dos recursos materiais.
Esse modelo de desenvolvimento, baseado no lucro e na exclusão social, não só
distancia ricos e pobres, países desenvolvidos e sub-desenvolvidos, globalizadores
e globalizados. Na era da globalização, o capitalismo está criando, em escala
mundial, um ambiente favorável ao surgimento de alternativas políticas regressivas e
anti-democráticas que se aproximam do fascismo.
Segundo Gadotti:
Ele “não nos traz apenas o produto, traz-nos formas de organização social que destroem a nossa capacidade de utilizá-lo adequadamente.
60
Assistimos impotentes a bestificação de crianças e adultos frente à televisão, ao fato de passarmos cada vez mais tempo trabalhando intensamente para comprar mais coisas destinadas a economizar o nosso tempo. Vemos simultaneamente o impressionante avanço do potencial disponível e somos incapazes de transformar este potencial numa vida melhor (...). Enquanto aumenta o volume de brinquedos tecnológicos nas lojas, escasseiam o rio limpo para nadar e pescar, o quintal com as árvores, o ar limpo, água limpa, a rua para brincar ou passear, a fruta sem medo da química, o tempo disponível, os espaços de socialização informal. O capitalismo tem necessidade de substituir felicidades gratuitas por felicidades vendidas e compradas. (LADISLAU DOWBOR apud FREIRE, 1995, p. 12-13).
Parece claro que entre sustentabilidade e capitalismo existe uma
incompatibilidade de princípios. Essa é uma contradição de base que está inclusive
no centro de todos os debates da Carta da terra e que pode inviabilizá-la. Como
pode existir um crescimento com eqüidade, um crescimento sustentável numa
economia regida pelo lucro, pela acumulação ilimitada, pela exploração do trabalho,
e não pelas necessidades das pessoas?
Não podemos desconsiderar que os problemas urbanos são
conseqüência do modelo econômico e da falta de um planejamento orientado pelo
desenvolvimento sustentado, mas, inegavelmente, a educação e, em particular a
educação comunitária e ambiental também têm um papel importante. A
ecoeducação, a educação ambiental e comunitária (popular), o que chamamos de
educação sustentável, precisa ser estimulada no sentido de uma educação para a
cidadania, por exemplo, muitas doenças poderiam ser evitadas por uma educação
para a saúde; e a elaboração de políticas humanas e democráticas.
5.2 EDUCAÇÃO SUSTENTÁVEL
O desenvolvimento sustentável tem um comportamento educativo
formidável: a preservação do meio ambiente depende da educação. É aqui que
entra a ecopedagogia. Ela é uma pedagogia para a promoção da aprendizagem do
sentido das coisas a partir da vida cotidiana. Encontramos o sentido do caminhar,
vivenciando o contexto e o processo de abrir novos caminhos, é por isso uma
pedagogia democrática e solidária. Encontramos essa preocupação com a
cotidianidade desde os primeiros escritos de Paulo Freire:
61
É nesse sentido que se pode afirmar que o homem não vive autenticamente enquanto não se acha integrado com a sua realidade. Criticamente integrado com ela. E que vive vida autêntica enquanto estrangeiro na sua realidade. Dolorosamente desintegrado dela. Alienado de sua cultura (...) não há organicidade na superposição, em que inexiste a possibilidade de ação instrumental. (...) a organicidade do processo educativo implica a sua integração com as condições do tempo e do espaço a que se aplica para que possa alterar ou mudar essas mesmas condições. Sem esta integração o processo se faz inorgânico, superposto e inoperante. (FREIRE, 1959, p. 9).
Se não houver “relação de organicidade” pouco mudará, não haverá
promoção da aprendizagem (GUTIÉRREZ, 1996). A ecopedagogia se propõe a
realizar essa “organicidade” na promoção da aprendizagem, e isso só será
conseguido numa relação democrática e solidária.
O que significa promover? Segundo Francisco Gutiérrez, que cunhou a
palavra “ecopedagogia” no início dos anos 90, “promover é facilitar, acompanhar,
possibilitar, recuperar, dar lugar, compartilhar, inquietar, problematizar, relacionar,
reconhecer, envolver, comunicar, expressar, comprometer, entusiasmar, apaixonar,
amar”. (GUTIÉRREZ, 1996, p. 36).
A ecopedagogia teve origem na “educação problematizadora” de
PAULO FREIRE, que se busca o sentido da própria aprendizagem, caminhar com
sentido. Para Francisco Gutiérrez, “caminhar com sentido, significa, antes de mais
nada, dar sentido ao que fazemos, compreender o sem-sentido de muitas outras
práticas que aberta ou solapadamente tratam de impor-se”. (GUTIÉRREZ, 1996, p.
39). Assim a ecopedagogia busca na defesa da vida o sentido da aprendizagem.
A pedagogia tradicional centrava-se na espiritualidade, a pedagogia
da escola nova, na democracia e a tecnicista, na neutralidade científica. A
ecopedagogia centra-se na relação entre os sujeitos que aprendem juntos “em
comunhão com outros sujeitos e com o mundo. É sobretudo uma pedagogia ética,
uma “ética universal do ser humano”, não a ética do mercado”. (FREIRE, 1997, p.
19), que fundamenta a mercoescola.
Hoje a ética volta ao centro dos debates das ciências da educação na
medida em que a escola tornou-se um local problemático e na medida em que a
62
sobrevivência do ser humano está diretamente relacionada à sobrevivência do
planeta. Dispomos de instrumentos que podem destruir o planeta, e se não houver
um comportamento ético, individual, institucional e coletivo de buscar o bem comum
e a solidariedade, acabaremos aniquilando a nós mesmos (era do exterminismo). A
ética e a solidariedade não são hoje apenas uma virtude, um dever. São condições,
exigências da sobrevivência do planeta e dos seres que nele vivem.
A educação, concebida em seu sentido amplo, não como
escolarização, pode e deve ter um peso na luta pela sustentabilidade econômica,
política e social. Processos não formais, informais e formais já estão
conscientizando muitas pessoas e interando positivamente; se não solucionando,
despertando para o problema da degradação crescente do meio ambiente.
Reformas educacionais como as de Toronto, no Canadá, já introduzem mudanças
na forma de conceberem os conteúdos curriculares, buscando novos elementos
para uma alfabetização ambiental. Elas requerem uma nova formação dos
docentes e apoio técnico-pedagógico e instrumental às escolas. As pedagogias
tradicionais, fundadas no princípio da competitividade, da seleção e da classificação
da cientificidade, não dão conta da formação de um cidadão que precisa ser mais
cooperativo e ativo. A educação ambiental em muitas escolas tem sido o ponto de
partida dessa conscientização, embora se saiba que a educação para um futuro
sustentável é mais ampla do que uma educação ambiental escolar.
Leff reconhece a grande contribuição de Paulo Freire à educação
ambiental, com sua pedagogia ecológica popular, inspirada na pedagogia do
oprimido, que foi re-significada por princípios de sustentabilidade e diversidade
cultural. (LEFF, 1994, p. 121).
Para ele essa pedagogia surge da fusão da vertente crítica da
pedagogia com o pensamento de complexidade. Por isso ele chama essa nova
pedagogia de “pedagogia da complexidade ambiental”, que reconhece que aprender
o mundo parte do ser mesmo de cada sujeito, o que é um processo dialógico que
ultrapassa a pura racionalidade comunicativa construída sobre a base de um
possível consenso de sentidos e verdades. Para além de uma pedagogia do meio –
na qual o aluno volta-se para o seu entorno, para a sua cultura e a sua história para
63
reapropriar o seu mundo a partir de suas realidades empíricas – a pedagogia da
complexidade ambiental reconhece o conhecimento, enxerga o mundo como
potência e possibilidades, entende a realidade como construção social mobilizada
por valores, interesses e utopias.
O modelo atual de globalização ameaça a diversidade cultural da
humanidade. A esse respeito, a Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e
Sociedade: Educação e Conscientização Pública para a Sustentabilidade da
Tessalônica, Grécia (1997) conclui:
(...) A tendência atual para a globalização ameaça a riqueza das culturas humanas e muitas culturas tradicionais já foram destruídas. O argumento a favor de se pôr um fim ao desaparecimento de espécies também é aplicável às perdas culturais e ao conseqüente empobrecimento do acervo coletivo dos meios de sobrevivência da humanidade. (UNESCO, 1999, p. 72).
A situação atual exige mudanças urgentes em todos os setores –
científico, cultural, econômico e político e uma maior sensibilidade de toda a
humanidade, e neste sentido a educação deve estar voltada para valores da
sobrevivência da espécie humana, e não para uma pedagogia competitiva, como os
padrões de consumo do modelo de desenvolvimento econômico vigente.
A palavra “ecologia” foi criada em 1866 pelo biólogo alemão Ernest
Haeckel (1854-1919), com a publicação do seu livro Morfologia Geral dos
Organismos; a palavra deriva do grego oikos “casa”, a ecologia pode ser
considerada como a “ciência da casa”, da nossa casa maior que é o planeta Terra.
Podemos distinguir quatro vertentes da ecologia:
- a ecologia ambiental – se preocupa com o meio ambiente;
- a ecologia social – que insere o ser humano e a sociedade dentro da
natureza;
- a ecologia mental – que estuda o tipo de mentalidade que vigora hoje
e que remonta à vida psíquica humana consciente e inconsciente, pessoal e
arquetípica;
- a ecologia integral – que parte de uma visão da Terra.
64
Neste sentido, não devemos esquecer que “A era planetária começa
com a descoberta de que a Terra é apenas um planeta”. (MORIN e KERN, 1993, p.
16 apud GADOTTI, 2000). Um planeta real, potencial e que precisa ser protegido,
defendido, pois como escreveu Leonardo Boff (1996b, p. 15 apud GADOTTI, 2000) a
ecologia hoje precisa ser entendida como “relação e inter-ação de todas as coisas,
entre si e com tudo o que existe, real ou potencial”.
Como se traduz na educação o princípio da sustentabilidade:
Ele se traduz por perguntas como: Até que ponto há sentido no que
fazemos? Até que ponto nossas ações contribuem para a qualidade de vida dos
povos e para a sua felicidade? Se tentarmos responder essa questão vamos
perceber que a sustentabilidade é um princípio reorientador da educação e,
principalmente, dos currículos, objetivos e métodos de nossas escolas.
É no contexto da evolução da própria ecologia, chamada de pedagogia
do desenvolvimento sustentável, que a ecopedagogia está se desenvolvendo, seja
como um movimento pedagógico, seja como abordagem curricular.
5.2.1 A ecopedagogia como movimento pedagógico
A ecopedagogia como movimento social e político surge no seio da
sociedade civil, nas organizações tanto de educadores quanto de ecologistas e de
trabalhadores e empresários preocupados com o meio ambiente. A sociedade civil,
os movimentos sociais e populares e as organizações não-governamentais (ONGs)
têm alertado os governos sobre os danos causados ao meio ambiente e aos seres
humanos por políticas públicas anti-sustentáveis, percebendo que apenas por uma
ação integrada é que essa degradação pode ser combatida. As organizações não-
governamentais estão se movimentando mais na busca de uma pedagogia do
desenvolvimento sustentável, entendendo que, sem uma ação pedagógica efetiva,
de nada adiantarão os grandes projetos estatais de despoluição e preservação do
meio ambiente, e com esta hipótese que o Instituto Paulo Freire em seu Programa
de Ecopedagogia inspira também o Movimento pela Ecopedagogia, criado em
65
agosto de 1999 durante o I Encontro Internacional da Carta da Terra na Perspectiva
da educação. (GADOTTI, 2000, p. 91).
A ecopedagogia nasceu no interior das ONGs e está ganhando espaço
nos debates universitários e nos sistemas educacionais na medida em que vem se
constituindo em resposta à demanda por uma educação não só de qualidade, mas
com objetivos e conteúdos curriculares novos.
5.2.2 A ecopedagogia como abordagem curricular
A ecopedagogia como abordagem curricular implica uma reorientação
dos currículos que incorpore certos princípios pedagógicos a respeito do
desenvolvimento sustentável e de defesa da vida que deve nortear os projetos
pedagógicos das escolas e, conseqüentemente, a concepção de conteúdos
escolares, além da elaboração de livros didáticos e paradidáticos.
Sem dúvida, a ecopedagogia também influencia a estrutura e o
funcionamento dos sistemas de ensino. É sabido que os sistemas nacionais de
educação nasceram no século XIX sob o signo da pedagogia clássica, racionalista e
centralizadora. A ecopedagogia propõe uma nova forma de governabilidade,
propondo a descentralização democrática e uma racionalidade baseadas na ação
comunicativa que, também, deverá influenciar a formação dos novos sistemas de
ensino, como o Sistema Único e Descentralizado de Educação Básica, por exemplo.
(GADOTTI, 2000, p. 175-8).
Finalmente, a ecopedagogia defende a valorização da diversidade
cultural, a garantia para a manifestação ético-política e cultural das minorias étnicas,
religiosas, políticas e sexuais, a democratização da informação e a redução do
tempo de trabalho, para que todas as pessoas possam participar dos bens culturais
da humanidade; dirige-se não apenas aos educadores, mas aos habitantes da terra
em geral pretendendo ir além da escola impregnando toda a sociedade.
66
5.2.3 Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global
O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Geral nos oferece um excelente referencial para que possamos
discutir um novo paradigma para a educação.
Destacamos alguns princípios básicos desse importante documento.
(FÓRUM GLOBAL, 1992, p. 194-6):
1 – A educação ambiental deve ter como base o pensamento crítico e inovador, em qualquer tempo ou lugar, em seus modos formal, não formal e informal, promovendo a transformação e a construção da sociedade.2 – A educação ambiental é individual e coletiva. Tem o propósito de formar cidadãos com consciência local e planetária, que respeitem a autodeterminação dos povos e a soberania das nações.3 – A educação ambiental deve envolver uma perspectiva holística, enfocando a relação entre o ser humano, a natureza e o universo de forma interdisciplinar.4 – A educação ambiental deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos humanos, valando-se de estratégias democráticas e interação entre as culturas.5 – A educação ambiental deve integrar conhecimentos, aptidões, valores, atitudes e ações. Deve converter cada oportunidade em experiências educativas das sociedades sustentáveis.6 – A educação ambiental deve ajudar a desenvolver uma consciência ética sobre as formas de vida com as quais compartilhamos este planeta, respeitar seus ciclos vitais e impor limites à exploração dessa formas de vida pelos seres humanos. (GADOTTI, 2000, p. 95).
A educação ambiental também chamada de ecoeducação, vai muito
além do conservacionismo. Trata-se de uma mudança radical de mentalidade em
relação à qualidade de vida, que está diretamente ligada ao tipo de convivência que
se mantém com a natureza e que implica atitudes, valores e ações. Trata-se de uma
opção de vida por uma relação saudável e equilibrada com o contexto, com os
outros e com o ambiente mais próximo, a começar pelo ambiente de trabalho e pelo
ambiente doméstico. Caminhando nessa direção podemos dizer que o ser humano
precisa de uma alfabetização ecológica.
67
5.2.4 Princípios da Alfabetização Ecológica: Princípios Ecológicos, Princípios
Educacionais
A alfabetização ecológica supõe que todo ser humano possa ter
acesso à discussão de princípios educacionais e ecológicos tais como:
1 – Interdependência. Todos os membros de um ecossistema estão interligados numa teia de relações em que todos os processos vitais dependem uns dos outros. O sucesso do sistema como um todo depende do sucesso de seus indivíduos, enquanto o sucesso de cada membro depende do sucesso do sistema como um todo. – Numa comunidade de aprendizagem, instrutores(as), animadores(as), aprendizes, administradores, empresários e membros da comunidade estão interligados em uma rede de relações, trabalhando juntos para promover o aprendizado.2 – Sustentabilidade. A sobrevivência no longo prazo de cada espécie depende de uma base de recursos limitada. – A adoção deste princípio em uma comunidade de aprendizagem significa que os instrutores têm noção do impacto que causam sobre os participantes no longo prazo.3 – Ciclos ecológicos. A interdependência entre os membros de um ecossistema envolve trocas de matéria e energia em ciclos contínuos. estes ciclos ecológicos agem como circuitos de regeneração. – Não existe o ensino de uma só via, mas um intercâmbio cíclico de informação. O foco é no aprendizado e cada um é, ao mesmo tempo, aluno e professor.4 - Fluxo de energia. A energia solar, transformada em energia química pela fotossíntese das plantas, comanda os ciclos ecológicos. – Comunidades de aprendizagem são espaços abertos onde as pessoas estão sempre entrando e saindo, buscando seus lugares dentro do sistema.5 – Associação. Todos os membros vivos de um ecossistema participam de uma interação sutil, através de competição e cooperação, que envolve inúmeras formas de associação. – Todos os membros de uma comunidade de aprendizagem cooperam e trabalham em associação, o que significa democracia e fortalecimento de cada um, pois cada parte tem um papel fundamental.6 – Flexibilidade. Ao agirem como circuitos de regeneração, os ciclos ecológicos apresentam uma tendência à flexibilidade, caracterizada pelas flutuações de suas variáveis. – Nas comunidades de aprendizagem as programações diárias são flexíveis; a cada momento acontece uma mudança, com o ambiente de aprendizagem sendo sempre recriado.7 – Diversidade. E estabilidade de um ecossistema depende muito do grau de complexidade, ou da diversidade de sua rede de relações. – Experiências que encorajem os(as) aprendizes a utilizar diversas maneiras e estratégias de aprendizado são essenciais nas comunidades de aprendizagem. Estilos diferentes de aprendizado, produto da diversidade cultural, são bem-vindos pela riqueza que trazem para a experiência de aprendizagem coletiva.8 – Coevolução. A maioria das espécies de um ecossistema coevolui através da interação entre criação e adaptação mútua. A inovação é propriedade fundamental da vida, e se manifesta nos processos de desenvolvimento e aprendizagem. – À medida que empresas e organizações comunitárias passam a trabalhar em associação com as
68
escolas, cada um compreende melhor as necessidades dos outro e, portanto, “coevoluem”. (GADOTTI, p. 99-100).
5.2.5 Carta da Terra
Outro elemento bastante relevante para que as escolas possam
rediscutir seus currículos à luz da ecopedagogia, da educação para a
sustentabilidade é a Carta da Terra. Ela foi escrita com base em princípios e valores
fundamentais no que nortearão pessoas e Estados no que se refere ao
desenvolvimento sustentável, e espera-se que serva como um código ético
planetário, uma vez aprovada pelas Nações Unidas em 2002, sendo considerada
como uma declaração no que concerne à sustentabilidade, à eqüidade e à justiça.
Entre os valores que se afirmam na minuta de referência encontramos:
1 – Respeito à Terra e à sua existência.2 – A proteção e a restauração da diversidade, da integridade e da beleza dos ecossistemas da Terra.3 – A produção, o consumo e a reprodução sustentáveis.4 – Respeito aos direitos humanos, incluindo o direito a um meio ambiente propício à dignidade e ao bem-estar dos humanos.5 – A erradicação da pobreza.6 – A paz e a solução não violenta sos conflitos.7 – A distribuição eqüitativa dos recursos da Terra.8 – A participação democrática nos processos de decisão.9 – A igualdade de gênero.10 – A responsabilidade e a transparência nos processos administrativos.11 – A promoção e aplicação dos conhecimentos e tecnologias que facilitam o cuidado com a Terra.12 – A educação universal para uma vida sustentada.13 – Sentido da responsabilidade compartilhada, pelo bem-estar da comunidade da Terra e das gerações futuras. (GADOTTI, p. 115).
Podemos assinalar os principais eixos de valores nos quais deve
sustentar-se a ecopedagogia:
1 – Sacralidade, diversidade e interdependência da vida.2 – Preocupação comum da humanidade de viver com todos os seres do planeta.3 – Respeito aos Direitos Humanos.4 – Desenvolvimento sustentável.5 – Justiça, eqüidade e comunidade.6 – Prevenção do que pode causar danos. (GADOTTI, p. 119).
69
Esses eixos constituem-se em grandes chaves político-pedagógicas
que traduzem o desejo de construir uma humanidade menos opressiva do que
aquela que construímos até hoje.
No texto escrito sobre a Carta da Terra, em 1994, Herbert de Souza, o
Betinho, escreveu:
Um dia, a vida surgiu na Terra. A Terra tinha com a vida um cordão umbilical. A vida e a Terra. A Terra era grande, e a vida pequena, inicial. A vida foi crescendo, e a Terra ficando menor, não pequena. Cercada, a Terra virou coisa de alguém, não de todos, não-comum. Virou a sorte de alguém e a desgraça de tantos. Na história, foi tema de revoltas, revoluções, transformações. A terra e a cerca. A terra e o grande proprietário. A terra e o sem-terra. E a morte.
Mas é tanta, é tão grande, tão produtiva, que a cerca treme, os limites se rompem, a história muda e, ao longo do tempo, o momento chega para pensar diferente: a terra é um bem planetário, não pode ser privilégio de ninguém; é um bem social e não privado; é patrimônio da humanidade e não arma do egoísmo particular de ninguém. É para produzir, gerar alimentos, empregos, viver. É um bem de todos para todos. Esse é o único destino possível para a Terra. (GADOTTI, p. 120).
A ecopedagogia pretende desenvolver um novo olhar sobre a
educação, um olhar global, uma maneira de ser e de estar no mundo, um jeito de
pensar a partir da vida cotidiana, que busca sentido a cada momento, em cada ato
que pensa a prática (Paulo Freire), em cada instante de nossas vidas, evitando a
burocratização do olhar e do comportamento.
Precisamos buscar caminhos da ação, isto é, o que nós podemos fazer
para mudar, seja pessoalmente, seja socialmente, institucional e coletivamente, não
podemos separar a ecopedagogia da cotidianidade.
5.2.5.1 Tópicos da Minuta do Documento de Referência Carta da Terra, 11 de
abril de 1999...
5.2.5.1.1 Princípios Gerais
1 – Respeitar a Terra e a vida.2 – Cuidar a comunidade da vida em toda sua diversidade.3 – Esforçar-se por edificar sociedades livres, justas, participativas, sustentáveis e pacíficas.
70
4 – Garantir a abundância e a beleza da Terra para as gerações atuais e futuras.
5.2.5.1.2 Integridade ecológica
5 – Proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da Terra, com especial preocupação pela diversidade biológica e pelos processos naturais que sustentam e renovam a vida.6 – Prevenir o dano ao ambiente, como o melhor método de proteção ecológica, e, quando o conhecimento for limitado, tomar a senda da prudência.7 – Tratar todos os seres vivos com compaixão e protegê-los de crueldade e de destruição desnecessária.
5.2.5.1.3 Uma ordem econômica justa e sustentável
8 – Adotar padrões de consumo, produção e reprodução que respeitem e protejam as capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bem-estar comunitário.9 – Garantir que as atividades econômicas apóiem e promovam o desenvolvimento humano de forma eqüitativa e sustentável.10 – Erradicar a pobreza como um imperativo ético, social, econômico e ecológico.11 – Honrar e defender o direito de toda pessoa, sem discriminação, a um ambiente que favoreça sua dignidade, saúde corporal e bem-estar espiritual.12 – Impulsar em nível mundial o estudo cooperativo dos sistemas ecológicos, a disseminação e aplicação do conhecimento e o desenvolvimento, adoção e transferência de tecnologias limpas.
5.2.5.1.4 Democracia e paz
13 – Estabelecer o acesso à informação, à participação inclusiva na tomada de decisões e à transparência, credibilidade e responsabilidade no exercício do governo.14 – Afirmar e promover a igualdade de gênero como pré-requisito do desenvolvimento sustentável.15 – Fazer do conhecimento valores e habilidades necessárias para forjar comunidades justas e disponíveis para que sejam parte integral da educação formal e da aprendizagem ao longo da vida para todos.16 – Criar uma cultura de paz e cooperação. (GADOTTI, p. 204-209).
5.2.6 Princípios fundamentais inspiradores da ecopedagogia
Um dos referenciais teóricos é Paulo Freire com seu método de
aprendizagem a partir do cotidiano. São princípios fundamentais da pedagogia
freireana:
1 – Partir das necessidades dos alunos (curiosidade).
71
2 – Relação dialógica professor-aluno.3 – Educação como produção e não como transmissão e acumulação de conhecimentos.4 – Educação para a liberdade (escola cidadã e pedagogia da autonomia). (GADOTTI, p. 174-175).
Esses princípios estão presentes nos primeiros escritos sobre
ecopedagogia. Algumas das intuições originais de Paulo Freire, de ontem, parecem
inspirar a ecopedagogia de hoje:
1 – A ênfase nas condições gnosiológicas da prática educativa.2 – A defesa da educação como um ato de diálogo no descobrimento rigoroso, porém, por sua vez, imaginativo, da razão de ser das coisas.3 – A noção de uma ciência aberta às necessidades populares.4 – Um planejamento comunitário e participativo. (GADOTTI, p. 175).
Podemos afirmar que são princípios da ecopedagogia, de uma
pedagogia da terra:
1 – O planeta como uma única comunidade.2 – A Terra como mãe, organismo vivo e em evolução.3 – Uma nova consciência que sabe o que é sustentável, apropriado, faz sentido para a nossa existência.4 – A ternura para com essa casa. Nosso endereço é a Terra.5 – A justiça sociocósmica: a Terra é um grande pobre, o maior de todos os pobres.6 – Uma pedagogia biófila (que promove a vida): envolver-se, comunicar-se, compartilhar, problematizar, relacionar-se, entusiasmar-se. 7 – Uma concepção do conhecimento que admite só ser integral quando compartilhado.8 – O caminhar com sentido (vida cotidiana).9 – Uma racionalidade intuitiva e comunicativa: afetiva, não instrumental.10 – Novas atitudes: reeducar o olhar, o coração.11 – Cultura da sustentabilidade: ecoformação. Ampliar nosso ponto de
vista. (GADOTTI, p. 175-176).
72
6. O ENSINO AGRÍCOLA
6.1 HISTÓRICO DO ENSINO AGRÍCOLA
De acordo com as idéias de Coelho (2000, p. 59), na considerada fase
pré-histórica da agricultura, muito antes do descobrimento do Brasil, os nativos se
dedicavam à policultura, cultivando milho, fumo, fava, algodão, etc., em torno da
taba para suprir as necessidades pessoais ou coletivas. Desprovidos de ambição e
estímulos, os aborígenes não mantinham qualquer tipo de comércio para os
alimentos que produziam. De índole despreocupada, os nativos apenas plantavam
para garantir a sobrevivência do grupo.
Segundo Coelho (2000, p. 59-60), a época da implantação das
primeiras capitanias no Brasil, teve início o primeiro ciclo da agricultura. Com os
donatários também chegaram às terras brasileiras as primeiras levas de escravos
africanos, destinados ao duro trabalho nos campos de cana-de-açúcar. Com o
passar do tempo e a verificação da viabilidade econômica desta cultura, houve a
preocupação de se iniciar um processo de ensino de ofícios no País – seguido na
introdução de um processo educacional, tal como acontecia em países da Europa,
onde a qualificação das artes fabris e da educação sistemática corriam de forma
paralela. A par da evangelização dos índios, os padres espanhóis mostraram-se
hábeis no empreender as lides da agricultura, deve-se ressaltar a capacidade dos
colonos índios em assimilar e pôr em prática os métodos mais positivos de cultivar
as terras. Mesmo nos dias de hoje, o que se procura ensinar aos nossos lavradores,
inclusive nos centros mais desenvolvidos, os padres jesuítas conseguiram passar
aos indígenas. Tais ensinamentos foram transformados em práticas agrícola e os
resultados, registra a história, foram um sucesso, daí o reconhecimento dos
membros da Companhia de Jesus, considerados grandes mestres da agricultura no
início da formação da nação brasileira, no cuidado com o ensino, na capacidade de
prospectar as forças elementares, sofremos a influência benéfica dos padres
73
jesuítas, que conseguiram repassar técnicas elementares herdadas de geração
passadas.
Após a chegada da família real e quatro anos de permanência no
Brasil, D. João VI resolveu apostar na agricultura, criando um curso agrícola na
Bahia, era o primeiro estabelecimento oficial de ensino agrícola do Império, eram as
bases do ensino brasileiro na área. É necessário destacar que mesmo carecendo de
uma didática educacional, foi sob o reinado da Corte Portuguesa que surgiram os
verdadeiros germens do ensino agrícola no Brasil, devido à criação das primeiras
escolas do gênero, com base no repassamento de conteúdos organizados e
especializados. Mas ainda não havia sido despertada a chamada vocação para a
agricultura dos brasileiros, uma vez que as técnicas praticadas ainda se
encontravam dentro de um aspecto primitivista.
Segundo Coelho (2000, p. 62), relata que em 1866 alguns fazendeiros
norte-americanos que para cá emigraram introduziram o desenvolvimento e
utilização de máquinas e ferramentas nos processos agrícolas. Aos olhos do Império
era uma promessa de prosperidade. Assim, foi criada a motivação para o estudo de
técnicas de agricultura. O início do processo de ensino na área seguiu, em 1812
através da Carta Régia de 25 de junho, D. João VI recomenda ao Conde de Arcos,
governador na Bahia, a criação de um curso de agricultura teórico-prática, esta foi a
primeira tentativa da criação de uma escola neste campo, já que em 1814 foi criado
um curso de agricultura no estado do Rio de Janeiro. Em 1° de abril de 1848, o
Decreto n° 15, do Governo Imperial, criou uma escola de agricultura na Fazenda
Nacional Rodrigo de Freitas (RJ), mas ela nunca entrou em funcionamento. No
espaço entre os anos de 1859 e 1861, o Governo Imperial baixou vários Decretos
criando Institutos de Agricultura nas províncias da Bahia, Pernambuco, Sergipe,
Fluminense e Sul-rio-grandense, que não perduraram por falta de recursos
financeiros.
Em 28/6/1875, com recursos financeiros, foi criado o Instituto Baiano e
a Imperial Escola Agrícola da Bahia em 15/2/1877, com sede na fazenda Engenho
de São Bento das Lages, comarca de Santo Amaro. No início, seus cursos foram
divididos em elementar e superior. O elementar formava operários e regentes
74
agrícolas, enquanto o superior formava agrônomos engenheiros agrícolas,
silvicultores e veterinários. Ainda sob a regência Imperial foram criadas mais três
escolas agrícolas, sendo uma no Rio Grande do Sul, em Pelotas, uma em São
Paulo, em Piracicaba e a terceira em Minas Gerais, em Lavras; pouco a pouco
voltaram-se para a formação de veterinários e por volta de 1890 transformaram-se
em Liceus de Agronomia e Veterinária.
Coelho relata, também, que o nascimento da República ensejou a
criação do Ministério de Instrução Pública, Correios e Telégrafos, tendo como
primeiro titular Benjamin Constant que iniciou grandes reformas no ensino brasileiro,
onde foi beneficiado o ensino agrícola com a fundação da Escola de Piracicaba em
São Paulo em 3/6/1901, recebendo a denominação de Escola Superior Agrícola
Prática Luiz de Queiróz. Em 1908 missionários evangélicos norte-americanos
fundaram uma escola agrícola em Minas Gerais, hoje Medicina Veterinária
(ESAMV), localizada em Santa Cruz, no Rio de Janeiro. O Ministro Rodolfo Nogueira
da Rocha Miranda, foi o responsável pelo ato oficial, e hoje é considerado como
autor do primeiro código do ensino agrícola no Brasil. Depois de cerca de 15 anos
de aplicação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola, vigorou a Lei n° 4024 de dezembro
de 1961, determinando as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que deu nova
estrutura ao ensino agrícola em três graus, tais sejam, primário, médio e superior.
Para o ensino técnico de nível médio, a Lei fixou a normatização para o
funcionamento dos cursos industrial, agrícola e comercial.
As antigas escolas de iniciação agrícola e escolas agrícolas foram
unificadas como ginásios, ajuste da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
nº 4024/61. Agora entendidas como escolas agrotécnicas de três séries do segundo
ciclo, contando com estágio prático e diplomação em Técnico em Agricultura para
seus alunos.
Já nas origens da formação histórico-social do país vamos encontrar o
embrião do preconceito acerca do trabalho manual e intelectual, também entre a
teoria e sua prática. Tais preconceitos são ampliados pelo fato do ensino agrícola ter
sido, por muitos anos, ministrado principalmente em patronatos e/ou instituições de
cunho flagrantemente corretivo.
75
A Coordenadoria Nacional do Ensino Agropecuário, a COAGRI, extinta
em 21 de novembro de 1986, pelo Decreto n° 93.613/86, teve, enquanto existiu, a
missão de gerenciar toda a rede de educação agrícola de nível médio no Brasil.
Através dela foi implantada uma metodologia do sistema escola-fazenda, tendo por
base o princípio do “aprender fazer fazendo”. Deste modo foi introduzida a cobrança
sistemática sobre as escolas agrícolas de primar pela boa qualidade dos cursos,
introdução de técnicas cada vez mais apuradas e ensejar a estimulação dos alunos
com relação à visão sócio-política, para que quando profissionais tivessem
condições de atuarem em favor de uma nova concepção para o meio rural, assim, o
ensino agrotécnico passou a ser fundamental nas transformações das sociedades
moldadas no meio rural.
A educação tecnológica, grande marca do final dos anos 70, deu
origem aos Centros Federais de Educação Tecnológica como novo modelo cuja
característica básica foi a integração e a verticalização dos diversos níveis de
ensino. Assim, no limiar do novo século e a partir da estrutura ora construída,
buscou-se o atendimento das necessidades, não só no campo tecnológico, mas no
campo técnico-rural, apoiados também pelo SENAR – Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural, criado pela Lei n° 8.315 de 23 de dezembro de 1991.
Em 20/12/1996 a Lei Federal n° 9.394 (LDB), veio revolucionar o
ensino no Brasil, desde o ensino fundamental até o superior. A formação do cidadão
começa com os conhecimentos adquiridos no ensino continuado, da educação
infantil à preparação para o trabalho e da cidadania.
É bom lembrar que o Decreto n° 2.202, de 17 de abril de 1997,
estabelece uma organização curricular para a educação profissional de nível técnico
de forma independente e articulada ao ensino de nível médio, associando a
formação técnica a uma sólida educação básica, de forma dinâmica que flexibiliza a
formação de técnicos às tendências do mercado de trabalho.
76
6.2 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL
Fazendo uma retrospectiva histórica acerca da educação profissional
utilizar-se-á a concepção do Parecer Nº 16/1999, p. 9.
Os primórdios da formação profissional do Brasil registram apenas
decisões circunstanciais especialmente destinadas a “amparar os órfãos e os
demais desvalidos da sorte”, assumindo um caráter assistencialista que tem
marcado toda sua história.
A primeira notícia de um esforço governamental em direção à
profissionalização data de 1809, quando um Decreto do Príncipe Regente, futuro D.
João VI, criou o “Colégio das Fábricas”, logo após a suspensão da proibição de
funcionamento de indústrias manufatureiras em terras brasileiras. Posteriormente,
em 1816, houve a criação de uma “Escola de Belas Artes”, com o propósito de
articular o ensino das ciências e do desenho parta os ofícios mecânicos. Bem como,
em 1861, foi organizado, por Decreto Real, o “Instituto Comercial do Rio de Janeiro”,
cujos diplomados tinham preferência no preenchimento de cargos públicos das
Secretarias de Estado.
A partir da década de 40 do século XIX foram construídas dez “Casas
de Educandos e Artífices” em capitais de província, sendo a primeira delas em
Belém do Pará, para atender prioritariamente os menores abandonados, objetivando
“a diminuição da criminalidade e da vagabundagem”. Posteriormente, Decreto
Imperial de 1854 criava estabelecimentos especiais para menores abandonados, os
chamados “Asilos da Infância dos Meninos Desvalidos”, onde os mesmos aprendiam
as primeiras letras e eram, a seguir, encaminhados pelo Juizado de Órfãos.
Na segunda metade do século passado foram criadas, ainda, várias
sociedades civis destinadas a “amparar crianças órfãs e abandonadas”, oferecendo-
lhes instrução teórica e prática, e iniciando-as no ensino industrial. As mais
importantes delas foram os “Liceus de Artes e Ofícios”, dentre os quais os do Rio de
Janeiro (1858), Salvador (1872), Recife (1880), São Paulo (1882), Maceió (1884) e
Ouro Preto (1886).
77
No início do século XX o ensino profissional continuou mantendo,
basicamente, o mesmo traço assistencial do período anterior, isto é, o de um ensino
voltado para os menos favorecidos socialmente, para os “órfãos e desvalidos da
sorte”. A novidade será o início de um esforço público de organização da formação
profissional, migrando da preocupação principal com o atendimento de menores
abandonados para uma outra, considerada igualmente relevante, a de preparar
operários para o exercício profissional.
Em 1906, o ensino profissional passou a ser atribuição do Ministério da
Agricultura, Indústria e Comércio. Consolidou-se, então, uma política de incentivo ao
desenvolvimento do ensino industrial, comercial e agrícola. Quanto ao ensino
comercial, foram instaladas escolas comerciais em São Paulo, como a “Fundação
Escola de Comércio Álvares Penteado”, e escolas comerciais públicas no Rio de
Janeiro, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, entre outras.
Nilo Peçanha, em 1910, segundo Parecer Nº 16/1999, p. 10, instalou
dezenove “Escolas de Aprendizes Artífices” destinadas “aos pobres e humildes”,
distribuídas em várias Unidades da Federação. Eram escolas similares aos Liceus
de Artes e Ofícios, voltadas basicamente para o ensino industrial, mas custeadas
pelo próprio Estado. No mesmo ano foi reorganizado, também, o ensino agrícola no
País, objetivando formar “chefes de cultura, administradores e capatazes”.
Nessa mesma década foram instaladas várias escolas-oficina
destinadas à formação profissional de ferroviários. Essas escolas desempenharam
importante papel na história da educação profissional brasileira, ao se tornarem os
embriões da organização do ensino profissional técnico na década seguinte.
Na década de 20 a Câmara dos Deputados promoveu uma série de
debates sobre a expansão do ensino profissional, propondo a sua extensão a todos,
pobres e ricos, e não apenas aos “desafortunados”. Foi criada, então, uma comissão
especial, denominada “Serviço de Remodelagem do Ensino Profissional Técnico”,
que teve o seu trabalho concluído na década de 30, à época da criação dos
Ministérios da Educação e Saúde Pública e do Trabalho, Indústria e Comércio.
78
Segundo Parecer Nº 16, de 05/10/66, p. 10, relata que na década de
20, um grupo de educadores brasileiros imbuídos de idéias inovadoras em matéria
de educação criava, em 1924, na cidade do Rio de Janeiro, a Associação Brasileira
de Educação (ABE), que acabou se tornando importante pólo irradiador do
movimento renovador da educação brasileira, principalmente através das
Conferências Nacionais de Educação, realizadas a partir de 1927. Em 1931 foi
criado o Conselho Nacional de Educação e, nesse mesmo ano, também foi efetivada
uma reforma educacional, conhecida pelo nome do Ministro Francisco Campos e
que prevaleceu até 1942, ano em que começou a ser aprovado o conjunto das
chamadas “Leis Orgânicas do Ensino”, mais conhecidas como Reforma Capanema.
Destaque-se da reforma Francisco Campos os Decretos Federais n°s
19.890/31 e 21.241/32, que regulamentaram a organização do ensino secundário,
bem como o Decreto Federal n° 20.158/31, que organizou o ensino profissional
comercial e regulamentou a profissão de contador. A importância deste último deve-
se ao fato de ser o primeiro instrumento legal a estruturar cursos já incluindo a idéia
de itinerários de profissionalização.
Em 1932 foi lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,
buscando diagnosticar e sugerir rumos às políticas públicas em matéria de
educação. Preconizava a organização de uma escola democrática, que
proporcionasse as mesmas oportunidades para todos e que, sobre a base de uma
cultura geral comum, de forma flexível, possibilitasse especializações “para as
atividades de preferência intelectual (humanidades e ciências) ou de preponderância
manual e mecânica (cursos de caráter técnico).” Estas foram assim agrupadas: a)
extração de matérias primas (agricultura, minas e pesca); b) elaboração de matérias
primas (indústria); c) distribuição de produtos elaborados (transportes e comércio).
Segundo o Parecer Nº 16/1999, p.11, nesse mesmo ano, realizou-se a “V
Conferência Nacional de Educação”, cujos resultados refletiram na Assembléia
Nacional Constituinte de 1933. A Constituição de 1934 inaugurou objetivamente uma
nova política nacional de educação, ao estabelecer como competências da União
“traçar Diretrizes da Educação Nacional” e “fixar o Plano Nacional de Educação”.
79
Com a Constituição outorgada de 1937 muito do que fora definido em
matéria de educação em 1934 foi abandonado. Entretanto, pela primeira vez, uma
Constituição tratou das “escolas vocacionais e pré-vocacionais”, como um “dever do
estado” para com as “classes menos favorecidas” (Art. 129). Essa obrigação do
estado deveria ser cumprida com a “colaboração das indústrias e dos sindicatos
econômicos”, as chamadas “classes produtoras”, que deveriam “criar, na esfera de
sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários
ou de seus associados”. Esta era uma demanda do processo de industrialização
desencadeado na década de 30, que estava a exigir maiores e crescentes
contingentes de profissionais especializados, tanto para a indústria quanto para os
setores do comércio e serviços.
Em decorrência, a partir de 1942, são baixadas, por Decretos-Lei, as
conhecidas “Leis Orgânicas da Educação Nacional”:
• 1942 – Leis Orgânicas do Ensino Secundário (Decreto-Lei nº .244/42)
e do Ensino Industrial (Decreto-Lei nº 4.073/42);
• 1943 – Lei Orgânica do Ensino Comercial (Decreto-Lei nº6.141/43);
• 1946 – Leis Orgânicas do Ensino Primário (Decreto-Lei nº8.529/46),
do Ensino Normal (Decreto-Lei nº8.530/46) e do Ensino Agrícola (Decreto-Lei nº
9.613/46).
A determinação constitucional relativa ao ensino vocacional e pré-
vocacional como dever do Estado, a ser cumprido com a colaboração das empresas
e dos sindicatos econômicos, possibilitou a definição das referidas Leis Orgânicas
do Ensino Profissional e propiciou, ainda, a criação de entidades especializadas
como o Serviço Nacional da Aprendizagem Industrial (SENAI), em 1942, e o serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), em 1946, bem como a
transformação das antigas escolas de aprendizes artífices em escolas técnicas
federais. Ainda em 1942, o Governo Vargas, por um Decreto-Lei, estabeleceu o
conceito de menor aprendiz para os efeitos de legislação trabalhista e, por outro
Decreto-Lei, dispôs sobre a “organização da Rede Federal de Estabelecimentos de
Ensino Industrial”. Com essas providências, o ensino profissional se consolidou no
80
Brasil, embora ainda continuasse a ser preconceituosamente considerado como
uma educação de segunda categoria.
No conjunto das Leis Orgânicas da Educação Nacional, o objetivo do
ensino secundário e normal era o de “formar as elites condutoras do país” e o
objetivo do ensino profissional era o de oferecer “formação adequada aos filhos dos
operários, aos desvalidos da sorte e aos menos afortunados, aqueles que
necessitam ingressar precocemente na força de trabalho”. A herança dualista não só
perdurava como era explicitada.
No início da república, o ensino secundário, o normal e o superior,
eram competência do Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores e o ensino
profissional, por sua vez, era afeto ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
A junção dos dois ramos de ensino, a partir da década da 30, no âmbito do mesmo
Ministério da Educação e Saúde pública foi apenas formal, não ensejando, ainda, a
necessária e desejável “circulação de estudos” entre o acadêmico e o profissional. O
objetivo primordial daquele era propriamente educacional, e deste, primordialmente
assistencial, embora já se percebesse a importância da formação profissional dos
trabalhadores para ocupar os novos postos de trabalho que estavam sendo criados,
com os crescentes processos de industrialização e de urbanização.
Apenas na década de 50 é que se passou a permitir a equivalência
entre os estudos acadêmicos e profissionalizantes, quebrando em parte a rigidez
entre os dois ramos de ensino e entre os vários campos do próprio ensino
profissional. A Lei Federal nº 1.076/50 permitia que concluintes de cursos
profissionais pudessem continuar estudos acadêmicos nos níveis superiores, desde
que prestassem exames das disciplinas não estudadas naqueles cursos e
provassem “possuir o nível de conhecimento indispensável à realização dos aludidos
estudos”. A lei Federal nº 1.821/53 dispunha sobre as regras para a aplicação desse
regime de equivalência entre os diversos cursos de grau médio. Essa Lei só foi
regulamentada no final do mesmo ano, pelo Decreto nº 34.330/53, produzindo seus
efeitos somente a partir do ano de 1954.
81
A plena equivalência entre todos os cursos do mesmo nível, sem
necessidade de exames e provas de conhecimentos, só veio a ocorrer a partir de
1961, com a promulgação da Lei Federal nº 4.024/61, a primeira lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional.
Essa primeira LDB equiparou o ensino profissional, do ponto de vista
da equivalência e da continuidade de estudos, para todos os efeitos, ao ensino
acadêmico, sepultando, pelo menos do ponto de vista formal, a velha dualidade
entre o ensino para “elites condutoras do país” e ensino para “desvalidos da sorte”.
Todos os ramos a modalidades de ensino passaram a ser equivalentes, para fins de
continuidade de estudos em níveis subseqüentes.
Na década de sessenta, estimulados pelo disposto no artigo 100 da Lei
Federal nº 4.024/61, uma série de experimentos educacionais, orientados para a
profissionalização de jovens, foi implantada no território nacional, tais como o GOT
(Ginásios Orientados para o Trabalho) e o PREMEN (Programa de Expansão e
Melhoria do Ensino).
A Lei Federal nº 5.692/72, que reformulou a Lei Federal nº 4.024/61 no
tocante ao então ensino de primeiro e de segundo graus, também representa um
capítulo marcante na história da educação profissional, ao generalizar a
profissionalização no ensino médio, então denominado segundo grau. Grande parte
do quadro atual da educação profissional pode ser explicada pelos efeitos dessa Lei.
desse quadro não podem ser ignoradas as centenas e centenas de cursos ou
classes profissionalizantes sem investimentos apropriados e perdidos dentro de um
segundo grau supostamente único, Dentre seus efeitos vale destacar: a introdução
generalizada do ensino profissional no segundo grau se fez sem a preocupação de
se preservar a carga horária destinada à formação de base; o desmantelamento, em
grande parte, das redes públicas de ensino técnico então existentes, assim como a
descaracterização das redes do ensino secundário e normal mantidas por estados e
municípios; a criação de uma falsa imagem da formação profissional como solução
para os problemas de emprego, possibilitando a criação de muitos cursos mais por
imposição legal e motivação político-eleitoral que por demandas reais da sociedade.
82
A educação profissional deixou de ser limitada às instituições
especializadas. A responsabilidades da oferta ficou difusa e recaiu também sobre os
sistemas de ensino público estaduais, os quais estavam às voltas com a
deterioração acelerada que o crescimento quantitativo do primeiro grau impunha às
condições de funcionamento das escolas. Isto não interferiu diretamente na
qualidade de educação profissional das instituições especializadas, mas interferiu
nos sistemas públicos de ensino, que não receberam o necessário apoio para
oferecer um ensino profissional de qualidade compatível com as exigências de
desenvolvimento do país.
Esses efeitos foram atenuados pela modificação trazida pela lei
Federal nº 7.044/82, de conseqüências ambíguas, que tornou facultativa a
profissionalização no ensino de segundo grau. Se, por um lado, tornou esse nível de
ensino livre das amarras da profissionalização, por outro, praticamente restringiu a
formação profissional às instituições especializadas. Muito rapidamente as escolas
de segundo grau reverteram suas “grades curriculares” e passaram a oferecer
apenas o ensino acadêmico, às vezes, acompanhado de um arremedo de
profissionalização.
Enfim a Lei Federal nº 5.692/71, conquanto modificada pela de
nº7.044/82, gerou falsas expectativas relacionadas com a educação profissional ao
se difundirem caoticamente, habilitações profissionalizantes dentro de um ensino de
segundo grau sem identidade própria, mantido clandestinamente na estrutura de um
primeiro grau agigantado.
A Lei Federal nº 9.394/96, atual LDB – Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – configura a identidade do ensino médio como uma etapa de
consolidação da educação básica, de aprimoramento de educando como pessoa
humana, de aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental
para continuar aprendendo e de preparação básica para o trabalho e a cidadania. A
LDB dispõe, ainda, que “a educação profissional, integrada às diferentes formas de
educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente
desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva”. (LDB Nº 9394/96, art. 39).
83
Segundo o Parecer Nº 16/1999, p. 16, essa concepção representa a
superação dos enfoques assistencialista e economia de educação profissional, bem
como de preconceito social que a desvalorizava. Nela, após o ensino médio, a rigor,
tudo é educação profissional. Nesse contexto, tanto o ensino técnico e tecnológico
quanto os cursos seqüenciais por campo de saber e os demais cursos de graduação
devem ser considerados como cursos de educação profissional. A diferença fica por
conta do nível de exigência das competências e da qualificação dos egressos, da
densidade do currículo e respectiva carga horária.
6.3 A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA LDB
Segundo o Parecer Nº 16/1999, p. 16, tanto a Constituição Federal
quanto a nova LDB situam a educação profissional na confluência dos direitos da
cidadão à educação a ao trabalho. A Constituição Federal, em seu artigo 227,
destaca o dever da família, da sociedade e do Estado em “assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, a alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária”. O parágrafo único do artigo 39 da
LDB define que “o aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e
superior, bem como o trabalhador em geral contará com a possibilidade de acesso à
educação profissional”.
A composição dos níveis escolares, nos termos do artigo 21 da LDB,
não deixa margem para diferentes interpretações: são dois os níveis de educação
escolar no Brasil – a educação básica e a educação superior. Essa educação, de
acordo com o § 1º do artigo 1º da lei, “deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à
prática social”.
O Parecer Nº 16/1999 relata que: a educação básica, nos termos do
artigo 22 da LDB, “tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a
formação comum indispensável para o desenvolvimento da cidadania e fornece-lhe
meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”, tanto no nível superior
quanto na educação profissional e em termos de educação permanente. A educação
84
básica tem como sua etapa final e de consolidação o ensino médio que objetiva a
preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando para continuar
aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas
condições de ocupado ou aperfeiçoamento posteriores”.
A educação profissional, na LDB, não substitui a educação básica e
nem com ela concorre. A valorização de uma não representa a negação da
importância da outra. A melhoria da qualidade da educação profissional pressupõe
uma educação básica de qualidade e constitui condição indispensável para o êxito
num mundo pautado pela competição, inovação tecnológica e crescentes exigências
de qualidade, produtividade e conhecimento.
A busca de um padrão de qualidade, desejável e necessário para
qualquer nível ou modalidade de educação, deve ser associada à eqüidade, como
uma das metas de educação nacional. A integração entra qualidade será a via
superadora dos dualismos ainda presentes na educação a na sociedade.
A preparação para profissões técnicas, de acordo com o § 2º do artigo
36 da LDB Nº 9394/96, poderá ocorrer no nível do ensino médio, após “atendida a
formação geral do educando”, onde o mesmo se aprimora como pessoa humana,
desenvolve autonomia intelectual e pensamento crítico, bem como compreende os
fundamentos científicos e tecnológicos dos processos produtivos, dando nova
dimensão à educação profissional, como direito do cidadão ao permanente
desenvolvimento de aptidões para a vida social e produtiva.
A prioridade educacional do Brasil, para os próximos anos, é a
consolidação da universalização do ensino fundamental, obrigatório e gratuito, na
idade própria e, progressivamente, a universalização da educação infantil, gratuita, e
de responsabilidade prioritária doa municípios, e do ensino médio, como
progressivamente obrigatório, gratuito e de responsabilidade primeira dos Estados.
É essencial que se concentrem esforços na instauração de um processo de contínua
melhoria da qualidade da educação básica, o que significa, sobretudo, preparar
crianças e jovens para um mundo regido, fundamentalmente, pelo conhecimento e
pela mudança rápida e constante. Importa, portanto, capacitar os cidadãos para uma
85
aprendizagem autônoma e contínua, tanto no que se refere às competências
essenciais, comuns e gerais, quanto no tocante às competências profissionais.
O momento, portanto, é de se investir prioritariamente na educação
básica e, ao mesmo tempo, diversificar e ampliar a oferta de educação profissional.
A LDB Nº 9394/96 e o decreto Federal nº 2.208/97 possibilitam o atendimento
dessas demandas.
A LDB Nº 9394/96 reservou um espaço privilegiado para a educação
profissional. Ela ocupa um capítulo específico dentro do titulo amplo que trata dos
níveis e modalidades de educação e ensino, sendo considerada como um fator
estratégico de competitividade e desenvolvimento humano na nova ordem
econômica mundial. Além disso, a educação profissional articula-se, se forma
inovadora, à educação básica passa a ter um estatuto moderno e atual, tanto no que
se refere à sua importância para o desenvolvimento econômico e social, quanto na
sua relação com os níveis da educação escolar.
O Decreto Federal nº 2.208/97 estabelece uma organização curricular
para a educação profissional de nível técnico de forma independente e articulada ao
ensino médio, associando a formação técnica a uma sólida educação básica e
apontando para a necessidade de definição clara de diretrizes curriculares, com o
objetivo de adequá-las às tendências do mundo do trabalho.
Segundo o Parecer Nº 16/1999 do CNE mostra que: a independência
entre o ensino médio e o ensino técnico, que tem mais flexibilidade na escolha de
seu itinerário de educação profissional não ficando preso a rigidez de uma
habilitação profissional vinculada a um ensino médio de três ou quatro anos, quanto
para as instituições de ensino técnico que podem, permanentemente, com maior
versatilidade, rever e atualizar os seus currículos. O cidadão que busca uma
oportunidade de se qualificar por meio de uma curso técnico está, na realidade, em
busca do conhecimento para a vida produtiva. Esse conhecimento deve se alicerçar
em sólida educação básica que prepare o cidadão para o trabalho com
competências mais abrangentes e mais adequadas às demandas de um mercado
em constante mutação. As características atuais do setor produtivo tornam cada vez
86
mais tênues as fronteiras entre as práticas profissionais. Um técnico precisa ter
competências para transitar com a maior desenvoltura e atender as várias
demandas de uma área profissional, não se restringindo a uma habilitação vinculada
especificamente a um posto de trabalho.
Convém salientar, ainda, de acordo com o Parecer Nº 16/99 – CNE, a
modularização dos cursos deverá proporcionar maior flexibilidade às instituições de
educação profissional e contribuir para a ampliação e agilização do atendimento das
necessidades dos trabalhadores, das empresas e da sociedade. Cursos, programas
e currículos poderão ser permanentemente estruturados, renovados a atualizados,
segundo as emergentes e mutáveis demandas do mundo do trabalho. Possibilitarão
o atendimento das necessidades dos trabalhadores na construção de seus
itinerários individuais, que os conduzam a níveis mais elevados de competência para
o trabalho.
Quanto à certificação de competências, todos os cidadãos poderão, de
acordo com o artigo 41 da LDB Nº 9394/96, ter seus conhecimentos adquiridos “na
educação profissional, inclusive no trabalho”, avaliados, reconhecidos e certificados
para fins de prosseguimentos e de conclusão de estudos.
A LDB Nº 9394/96, considerando que a educação profissional deve se
constituir num direito da cidadania, preconiza a ampliação do atendimento, ao
prescrever, para tanto, em seu artigo 42, que “as escolas técnicas e profissionais,
além dos seus cursos regulares, oferecerão cursos especiais, abertos à
comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não
necessariamente ao nível de escolaridade”.
Finalmente, é essencial estabelecer, em norma regulamentadora,
processo permanente para atualizar a organização de educação profissional de nível
técnico que conte com a participação de educadores, empregadores e
trabalhadores.
87
6.4 O PERFIL DO PROFISSIONAL
Segundo Coelho (2001, p. 13), o técnico agrícola está legalmente
enquadrado como profissional liberal nos termos da portaria do Ministério do
Trabalho n° 3.156, de 28 de maio de 1987 – seção I, página 806. Pertence ao 35°
grupo, no plano da Confederação Nacional das Profissões Liberais a que se refere o
artigo n° 577 da CLT.
Profissional liberal é todo o trabalhador que possua um título
profissional ou uma habilitação profissional obtida através de um currículo escolar
legalmente constituído e que o habilite e capacite-o a exercer uma especialidade
profissional no campo da ciência e da arte, respeitadas as disposições da Lei e dos
princípios morais e éticos e exercendo sobre seus atos toda a responsabilidade. É
livre e possui a capacidade de exercer suas atividades profissionais da forma como
determinar, através dos seus atos, conceitos, opinião, etc. Assim sendo, o técnico
agrícola pode desenvolver suas atividades profissionais, como: autônomo,
empregado, servidor público e empreendedor.
De acordo com as idéias de Coelho (2000, p. 14), o trabalho ou toda a
atividade produtiva contribui com o desenvolvimento da sociedade. Cada pessoa
desenvolve seu trabalho ou sua atividade laboral conforme sua vocação, aptidão
física, habilidade, treinamento ou necessidade. Também exigem distintos graus de
habilidades intelectuais:
- o trabalhador sem formação intelectual formal;
- o trabalhador com formação intelectual básica;
- o trabalhador com formação intelectual complexa;
- o trabalhador com formação intelectual superior.
Dentro deste contexto, segundo Coelho (2000, p. 15), o técnico
agrícola pode ser descrito como um profissional habilitado, conhecedor da realidade
técnico-produtiva do meio rural, buscando assim sua realização profissional junto
com a promoção do bem estar da comunidade rural, bem como a elevação de seu
88
padrão de vida, podendo ser descrito como agente de transformação do meio rural,
pois sua formação está voltada para o desenvolvimento da realidade agrícola.
Apresenta-se como elemento indispensável à evolução do setor
econômico do País por sua grande multiplicidade de orientador rural, que busca
desenvolver os projetos propostos pela comunidade, a partir de suas carências,
promovendo assim a satisfação comunitária.
Outras condições fazem da sua formação profissional como a
capacidade técnica, a eficiência, a comunicação e a interação social.
Capacidade técnica – conhecimento técnico-científico suficiente para
interpretar e aplicar os conhecimentos, a tecnologia e o senso crítico social e político
junto ao meio agropecuário.
Eficiência – pressupõe o uso da lógica e da praticidade na execução
das ações, bem como a identificação na forma de ser e agir no exercício
profissional.
Comunicação – raciocínio lógico e coerente para receber e transmitir
informações.
Interação Social – os melhoramentos da qualidade de vida da
população rural devem ter prioridade, pois e do campo que sai a riqueza, a
alimentação e a saúde para os centros urbanos. Utilização de tecnologias
possibilitando o desenvolvimento de qualidades e aptidões para um melhor
desempenho das atividades.
A Lei n° 5.524/68, que oficializou a profissão de técnico agrícola, no
seu artigo 2°, parágrafo I a V, descreve as atividades profissionais da classe, nos
seguintes termos:
I – conduzir a execução técnica dos trabalhos de sua especialização;II – prestar assistência técnica, no estudo e desenvolvimento de projetos e pesquisas tecnológicas;III – orientar e coordenar a execução dos serviços de manutenção de equipamentos e instalações;
89
IV – dar assistência técnica na compra, venda e utilização de produtos e equipamentos especializados;V – responsabilizar-se pela elaboração e execução de projetos compatíveis com sua respectiva formação profissional. (COELHO, 2000, p. 16).
Em virtude da regulamentação da profissão, o técnico agrícola pode
desenvolver todo seu potencial em favor da nação brasileira. Todas as dúvidas que
por ventura existissem foram dirimidas pelo Decreto Federal n° 90.922/85 que
regulamenta a Lei n° 5.524/68, descrevendo as atribuições dos técnicos de nível
médio da área industrial e agrícola, como consta nos artigos 6° e 7° do Decreto
Federal n° 90.922/85.
Artigo 6º - As atribuições dos técnicos agrícolas de 2º grau em suas diversas modalidades, para efeito do exercício profissional e da sua fiscalização, respeitados os limites de sua formação, constituem em:I – desempenhar cargos, funções ou empregos em atividades estatais, paraestatais e privadas;II – atuar em atividades de extensão, associativismo e em apoio à pesquisa, análise, experimentação, ensaio e divulgação técnica;III – ministrar disciplinas técnicas de sua especialidade, constantes dos currículos do ensino de 1º e 2º graus, desde que possuam formação específica, incluída a pedagógica, para o exercício do magistério, nesses dois níveis de ensino;IV – responsabilizar-se pela elaboração de projetos, compatíveis com a respectiva formação profissional;V – elaborar orçamentos relativos às atividades de sua competência;VI – prestar assistência técnica e assessoria no estudo e desenvolvimento de projetos e pesquisas tecnológicas, ou nos trabalhos de vistoria, perícia, arbitramento e consultoria, exercendo, dentre outras, as seguintes tarefas:1. coleta de dados de natureza técnica;2. desenho de detalhes de construções rurais;3. elaboração de orçamentos de materiais, insumos, equipamentos, instalações e mão-de-obra;4. detalhamento de programas de trabalho, observando normas técnicas e de segurança no meio rural;5. manejo e regulagem de máquinas e implementos agrícolas;6. assistência técnica na aplicação dos produtos agropecuários;7. execução e fiscalização dos procedimentos relativos ao preparo do solo até a colheita, armazenamento, comercialização e industrialização dos produtos agropecuários;8. administração de propriedades rurais;9. colaboração nos procedimentos e multiplicação de sementes e mudas, comuns e melhoradas, bem como em serviços de drenagem e irrigação.VII – conduzir, executar e fiscalizar obra e serviço técnico, compatíveis com a respectiva formação profissional;VIII – elaborar relatórios e pareceres técnicos, circunscritos ao âmbito de sua habilitação;IX – executar trabalhos de mensuração e controle de qualidade;X – dar assistência técnica na compra, venda e utilização de equipamentos e materiais especializados, assessorando, padronizando, mensurando e orçando.
90
XI – emitir laudos e documentos de classificação e exercer a fiscalização de produtos de origem vegetal, animal e agroindustrial.XII – prestar assistência técnica na comercialização e armazenamento de produtos agropecuários;XIII – administrar propriedades rurais em nível gerencial;XIV – prestar assistência técnica na multiplicação de sementes e mudas, comuns e melhoradas;XV – conduzir equipes de instalações, montagem e operação, reparos ou manutenção;XVI – treinar e conduzir equipes de execução de serviços e obras de sua modalidade;XVII – desempenhar outras atividades compatíveis com a sua formação profissional;§ 1º - Os técnicos em agropecuária poderão, para efeito de financiamento de investimento e custeio pelo sistema de crédito rural ou industrial e no âmbito restrito de suas respectivas habilitações, elaborar projeto de valor não superior a 1500 MVR (25.368,77 UFIR’s).§ 2º - Os técnicos agrícolas do setor agroindustrial poderão responsabilizar-se pela elaboração de projetos de detalhes e pela condução de equipe na execução direta de projetos agroindustriais.Artigo 7º - Além das atribuições mencionadas neste Decreto, fica assegurado aos técnicos agrícolas de 2º grau o exercício de outras atribuições desde que compatíveis com sua formação curricular. (COELHO, 2000, p. 17).
Com suas atribuições definidas, o técnico agrícola exerce suas
atividades nas várias áreas do setor primário da economia, ficando distribuída nas
seguintes áreas de habilitação (ver Resoluções n°s. 262 e 343 do CONFEA e
Resolução n° 04/99 do CNE).
1 – Técnico em Açúcar e Álcool;2 – Técnico em Agricultura;3 – Técnico em Agropecuária;4 – Técnico em Carnes e Derivados;5 – Técnico em Enologia;6 – Técnico em Florestas ou Florestal;7 – Técnico em Leite e Derivados;8 – Técnico em Meteorologia;9 – Técnico em Pecuária;10 – Técnico em Pesca/Recursos Pesqueiros;11 – Técnico em Irrigação e Drenagem;12 – Técnico em Meio Espaço Ambiente.
6.5 RESPONSABILIDADE E ÉTICA PROFISSIONAL
6.5.1 Responsabilidade
De acordo com as idéias de Coelho (2000, p. 50), o profissional técnico
agrícola tem uma legislação própria que lhe garante o exercício profissional
91
específico de forma liberal e autônoma. Para ser um bom profissional de pouco
adianta ter formação, criatividade, talento se não tem formação ética ou moral de
forma a cumprir seu papel de promoção e desenvolvimento da sociedade. O respeito
dos profissionais advém dos seus valores éticos, do conhecimento técnico e da
competência. Para exercer dignamente a profissão os técnicos agrícolas são
compromissados moralmente com uma série de responsabilidades profissionais.
Além das responsabilidades de cidadão, os técnicos agrícolas
possuem responsabilidades profissionais, assim descritas, como demonstra a Figura
8, abaixo:
a) Responsabilidade técnica;
b) Responsabilidade civil;
c) Responsabilidade penal;
d) Responsabilidade trabalhista, previdenciária e sindical, segundo a
legislação vigente.
6.5.1.1 Organograma das Responsabilidades Profissionais
FIGURA 8RESPONSABILIDADES
PROFISSIONAIS TÉCNICA CIVIL PENALTRABALHISTAS-
SINDICAL E PREVIDENCIÁRIO
FATO GERADOR DO ILÍCITO
EXERCÍCIO ILEGAL OU AÉTICO DA PROFISSÃO
DANO PESSOAL OU PATRIMONIAL
CONTRAVENÇAÕ OU CRIME
NÃO CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES
CONTRATUAIS ACIDENTÁRIAS OU
PREVIDENCIÁRIAS E SINDICAIS
TIPO DE AÇÃOPROCESSO DE
INFRAÇÃO PROFISSIONAL
AÇÃO CÍVEL AÇÃO PENAL AÇÃO TRABALHISTA
AGENTECONSELHO
FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL
JUSTIÇA COMUM JUSTIÇA COMUMJUSTIÇA DO
TRABALHO E JUSTIÇA COMUM
DISPOSITIVO LEGAL LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL
CÓDIGO CIVIL CÓDIGO PENAL CLT ESTATUTO
COMBINAÇÃO LEGAL PENALIDADES INDENIZAÇÃO PENAS INDENIZAÇÃO
Fonte: COELHO, Carlos Dinarte e RECH, Luiz Roberto Dalpiaz. Técnico Agrícola: Formação e atuação profissional, p. 56. Porto Alegre: Impr. Livre, 2000.
6.5.2 Ética Profissional
Os técnicos agrícolas adotam um código de ética profissional sucinto,
com recomendações gerais e de caráter social que dignificam os valores da
sociedade brasileira.
92
6.5.2.1 Código de Ética do Técnico Agrícola
São deveres dos profissionais técnicos agrícolas em suas diversas
modalidades:
1. Cooperar com seus conhecimentos e capacidade pelo progresso da humanidade e o desenvolvimento rural, produzindo alimentos saudáveis sem prejudicar o meio ambiente;2. Dignificar a profissão do técnico agrícola, difundindo a legislação profissional, conhecimentos tecnológicos e a organização de sua categoria;3. Não cometer injustiças contra colegas de profissão, nem praticar atos que possam prejudicar outras modalidades profissionais;4. Exercer a profissão até o limite dos seus conhecimentos com responsabilidade e espírito de justiça para com seis clientes e empregadores;5. Respeitar os direitos e a dignidade dos empregados e subordinados, bem como o progresso funcional dos mesmos.
Fonte: COELHO, Carlos Dinarte e RECH, Luiz Roberto Dalpiaz. Técnico Agrícola: Formação e atuação profissional, p. 57. Porto Alegre: Impr. Livre, 2000.
6.6 POR UMA EDUCAÇÃO BÁSICA DO CAMPO
A I Conferência Nacional: por uma Educação Básica do Campo, em
Luziânia (GO), 27 a 30/7/1998, organizada por cinco entidades promotoras (CNBB,
MST, UNICEF, UNESCO e UnB (Universidade de Brasília – Grupo de Trabalho de
Apoio à Reforma Agrária), onde diversas pessoas, instituições e movimentos sociais
que trabalham com educação no meio rural, se reuniram para trocar experiências e
analisar dificuldades comuns.
Segundo Kolling et al (1999, p. 23-24), destacamos algumas
considerações a respeito do texto-base desta Conferência:
Educação
1. A educação do campo precisa ser uma educação específica e
diversificada, isto é, alternativa. No sentido amplo de processo de formação humana,
que constrói referências culturais e políticas para a intervenção das pessoas e dos
sujeitos sociais da realidade, visando a uma humanidade mais plena e feliz.
93
2. Garantir que todas as pessoas do meio rural tenham acesso a uma
educação de qualidade, voltada aos interesses da vida do campo, a proposta
educativa que ali se desenvolve e o vínculo necessário dessa educação com uma
estratégia específica de desenvolvimento para o campo.
Educação básica
1. Trabalha-se com o conceito da Lei de Diretrizes Básicas (LDB), que
identifica a educação básica como um dos níveis da educação escolar, formada pela
educação infantil, ensino fundamental e ensino médio (art. 21), inclui também a
educação de jovens e adultos e a educação profissional, integrada mas não
necessariamente vinculada aos níveis de escolarização (artigo 39).
2. A partir do conceito presente na legislação educacional atualmente
em vigor no Brasil, chamar-se-á a atenção para duas questões principais:
• A escolarização não é toda a educação, mas é um direito social
fundamental a ser garantido para todo o povo, seja no campo ou na cidade.
• A expressão educação básica carrega em si a luta popular pela
ampliação da noção de escola pública: embora a legislação atual só garanta a
obrigatoriedade do ensino fundamental, já começa a ser incorporada em nossa
cultura a idéia de que todos devem estudar, pelo menos até a conclusão do ensino
médio, e de que a educação infantil também faz parte da idéia de escola, e de
escola pública, dever do Estado.
3. Na questão da escolarização não deve implicar um fechamento à
discussão sobre inúmeras experiências significativas de educação não-formal, de
caráter popular, existentes hoje no meio rural. Muitas dessas experiências
representam focos importantes, fundamentais na própria formulação de uma
proposta de escola do campo. Nesse sentido o conceito de educação básica,
incorpora os aprendizados de outras práticas educativas, especialmente daquelas
ligadas aos diversos grupos culturais que vivem e trabalham no meio rural.
94
Ainda, segundo Kolling (1999, p. 26), o texto-base da I Conferência
Nacional: por uma Educação Básica do Campo, coloca o campo como base da
educação voltada para os trabalhadores(as) do campo.
Do campo
1. Utilizar-se-á a expressão campo, e não mais a usual meio rural, com
o objetivo de incluir no processo da conferência uma reflexão sobre o sentido atual
do trabalho camponês e das lutas sociais e culturais dos grupos que hoje tentam
garantir a sobrevivência desse trabalho.
2. Embora com essa preocupação mais ampla, há uma preocupação
especial com o resgate do conceito de camponês. Um conceito histórico e político.
Seu significado é extraordinariamente genérico e representa uma diversidade de
sujeitos. No Brasil, em algumas porções do Centro-Sul, há a denominação de
caipira. No Nordeste é curumba, tabaréu, sertanejo, capiau, lavrador... No Norte é
sitiano, seringueiro. No Sul é colono, caboclo...
3. Mas qual o destino social do campesinato em nosso país? Ainda há
espaço para um modelo de produção camponês? Com as transformações dos
processos de trabalho, com as lutas sociais do campo, como se definiria hoje uma
agricultura camponesa ou familiar? A discussão sobre a educação do meio rural não
pode tratar somente dela mesma, mas sim deve ser inserida na discussão da
problemática mais ampla do campo hoje, voltada aos interesses e ao
desenvolvimento sociocultural e econômico dos povos que habitam e trabalham no
campo, atendendo às suas diferenças históricas e culturais para que vivam com
dignidade e para que, organizados, resistam contra a expulsão e a expropriação, ou
seja, este do campo tem o sentido do pluralismo das idéias e das concepções
pedagógicas: diz respeito à identidade dos grupos formadores da sociedade
brasileira. Não basta ter escolas no campo; quer-se ajudar a construir escolas do
campo, ou seja, escolas com um projeto político-pedagógico vinculado às causas,
aos desafios, aos sonhos, à história e à cultura do povo trabalhador do campo.
4. A chamada por uma educação básica do campo indica o desafio da
construção, do processo que se pretende desencadear com a conferência. Uma
95
proposta de educação básica que assumisse, de fato, a identidade do meio rural,
não só como forma cultural diferenciada, mas principalmente como ajuda efetiva no
contexto específico de um novo projeto de desenvolvimento do campo, em relação a
políticas públicas como em relação a princípios, concepções e métodos
pedagógicos.
6.6.1 Contexto 11
Referenciando ainda as idéias de Kolling (1999, p. 30-37), destacamos:
O lugar do campo na sociedade moderna
1. Nos documentos oficiais sobre educação no Brasil, a população rural
aparece apenas como dado. São números citados de uma população esquecida.
São apenas quantidades ou, no máximo, referências marginais e pejorativas. É
como se a diferenciação entre o rural e o urbano não fizesse mais sentido, uma vez
que a morte do primeiro já estaria anunciada.
2. Para pensar a vida no campo, é preciso pensar a relação campo-
cidade no contexto do modelo capitalista de desenvolvimento em curso no país. O
rápido avanço do capitalismo no campo esteve baseado, no Brasil, em três
elementos fundamentais: um desenvolvimento desigual, nos diferentes produtos
agrícolas e nas diferentes regiões; um processo excludente, que expulsou e
continua expulsando camponeses para as cidades e para regiões diferentes de sua
origem; e um modelo de agricultura que convive e reproduz, simultaneamente,
relações sociais de produção atrasadas e modernas, desde que subordinadas à
lógica do capital. No campo, esse processo tem gerado uma maior concentração da
propriedade e da renda. Nas cidades, esse processo tem implicado maior violência.
No plano das relações sociais, há uma clara denominação do urbano sobre o rural,
na sua lógica e em seus valores. Os dados do Censo Demográfico de 1996 revelam
que no Brasil, hoje, cerca de 25% da população que vive no campo trabalha na
cidade; por sua vez, 25% da população que trabalha no campo mora na cidade. Isso
11 Este capítulo tomou como base o texto já referido de Bernardo Mançano Fernandes (1998) e também os elementos de análise do capitalismo no campo que se encontram no Programa de Reforma Agrária do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra.
96
certamente complexifica ainda mais a discussão sobre a relação entre urbano e rural
e sobre as possibilidades de reversão da lógica de desenvolvimento atual.
3. A extraordinária migração campo-cidade, combinada com a
hegemonia de um modelo de vida urbano, tem levado muitos cientistas e
formuladores de políticas a concluir que o rural já não tem significado histórico
relevante e que o campesinato está em processo de extinção. A única possibilidade
de sobrevivência do camponês seria a sua integração à agroindústria patronal e a
sua subordinação às exigências do mercado dominado pela agricultura capitalista.
Dentro dessa lógica, a agricultura familiar camponesa, destinada à subsistência e ao
mercado local, foi abandonada pelas políticas públicas. No entanto, há novas
tendências considerar:
• Desde os anos 1980, a busca de melhores condições de vida e de
novos espaços de desenvolvimento do capitalismo está interiorizando a indústria e
levando as metrópoles a um crescimento apenas vegetativo.
• A modernização capitalista da agricultura não consegue incluir a
todos. Isso não tem gerado apenas a expulsão, mas também lutas sociais como a
dos trabalhadores sem terra, que pressionam a realização da reforma agrária.
• Os trabalhadores com terra, pequenos agricultores, a agricultura
familiar foi marginalizada pelo governo, na medida em que este priorizou a
agricultura capitalista (patronal) baseada na monocultura exportadora. A luta dos
pequenos agricultores não passa mais tanto pela busca de melhores preços, mas de
crédito diferenciado para investimento e custeio, pela assistência técnica direcionada
para tecnologias alternativas e para agroecologia e pela constituição de
empreendimentos cooperados visando avançar nos demais estágios da cadeia
produtiva.
4. A interação campo-cidade faz parte do desenvolvimento da
sociedade brasileira. O camponês brasileiro foi estereotipado, pela ideologia
dominante, como fraco e atrasado: como Jeca Tatu, que precisa ser redimido pela
modernidade para se integrar à totalidade do sistema social – ao mercado.
97
5. É preciso refletir sobre o sentido da inserção do campo no conjunto
da sociedade para quebrar o fetiche que coloca o camponês como algo à parte. É
preciso romper com essa visão unilateral, dicotômica (moderno-atrasado), que gera
dominação, e afirmar o caráter mútuo da dependência: um (rural ou urbano, campo
ou cidade) não sobrevive sem o outro.
6. Os pequenos agricultores lutam por uma política agrícola
diferenciada para a agricultura familiar. A política governamental considera moderna
a agricultura familiar vinculada ao mercado e direcionada para a obtenção de renda,
e atrasada quando vinculada à subsistência. Para nós, a agricultura familiar é
constituída pelo trabalho familiar e também pelo assalariamento temporário, por
exemplo, nos períodos de safra. São essas as características que determinam a
agricultura familiar, cooperada ou não.
7. Em alguns lugares, as tímidas iniciativas de reforma agrária já estão
conseguindo implementar um modelo diferente de agricultura, que não é o do
capital, mas também não é o modelo camponês tradicional. Um modelo que inclui os
excluídos, amplia os postos de trabalho no campo, articula, organiza e aumenta as
oportunidades de desenvolvimento das pessoas e das comunidades e avança em
produção e em produtividade.
8. Está aumentando a população rural. O campo não tende
necessariamente a desaparecer, e exige espaço para ser sujeito. Segundo a
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), foram criados
832 mil empregos do campo.
9. Um projeto de educação que contribua para a realidade do campo é
fundamental para a modernização da agricultura brasileira segundo novos
parâmetros. A agricultura familiar é reconhecida pela sua produtividade
(especialmente de alimentos), por suas iniciativas de reorganização do trabalho e da
produção, por meio da cooperação.
10. Um outro grande desafio é pensar uma proposta de
desenvolvimento e de escola do campo que leve em conta a tendência de
superação da dicotomia rural-urbano, que é o elemento positivo das contradições
98
em curso, ao mesmo tempo em que resguarde a identidade cultural dos grupos que
ali produzem sua vida, ou seja, o campo hoje não é sinônimo de agricultura ou de
agropecuária. Há traços culturais no mundo urbano que passam a ser incorporados
no modo de vida rural, assim como há traços do mundo camponês que voltam a ser
respeitados, como forma de resgate de alguns valores humanos sufocados pelo tipo
de urbanização que caracterizou nosso processo de desenvolvimento. Nesse
sentido, a escola do campo precisa ser escola vinculada à cultura que se produz por
meio de relações sociais mediadas pelo trabalho na terra.
Continuamos ainda com as idéias de Kolling (1999, p. 38-47), onde
coloca sobre:
6.6.2 A realidade da educação básica no campo hoje
1. Começar-se-á identificando quais são os principais problemas da
educação no meio rural hoje. O primeiro deles é a própria escassez de dados e
análises sobre esse tema, o que já identifica o tipo de tratamento que a questão tem
merecido, tanto pelos órgãos governamentais como pelos estudiosos.
2. Analfabetismo. Os dados da Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) de 1995 apontam que 32,7% da população do meio
rural, que tem acima de quinze anos, é analfabeta. O próprio IBGE esclarece que
não participaram desse censo as populações rurais de Rondônia, Acre, Roraima,
Pará e Amapá. Há grande probabilidade de que o índice geral de analfabetismo seja
maior. O fato é que ainda existem milhões de pessoas que não chegaram nem
mesmo a este direito elementar de acesso à leitura e à escrita. É preciso uma
política pública efetivamente comprometida com a alfabetização (e a pós-
alfabetização) desses jovens e adultos que continuam analfabetos.
3. Matrícula do ensino fundamental. No Plano Nacional de Educação
não constam dados específicos sobre a exclusão no meio rural. Segundo os dados
do censo de 1996 do IBGE, que constam do plano, são aproximadamente 2,7
milhões de crianças na faixa de sete a quatorze anos que estão fora da escola no
99
Brasil. Embora tenha havido um aumento, nos últimos cinco anos, de 5,9% das
matrículas no ensino rural.
4. Ensino médio. Estima-se que mais de 50% da população brasileira
na faixa etária própria ao ensino médio (quinze aos dezessete anos) esteja fora da
escola, enquanto 54,3% das matrículas no ensino médio estão na faixa etária acima
de dezessete anos. Por sua vez, a matrícula no meio rural representa, desde 1991,
apenas 1,1% do total dessas matrículas, e o número de escolas não passa de 3,2%
de um total pequeno: pouco mais de quinze mil escolas em todo o país (para 195 mil
do ensino fundamental).
5. Educação infantil. Sem dúvida, foi um avanço a inclusão dessa
demanda no meio rural, dados apontam um crescimento de 25,6% nas matrículas da
educação infantil do meio rural no período de 1991 a 1996.
6. Docentes. Há consenso sobre os dois problemas principais:
valorização do magistério e formação dos professores, problemas que não são
somente do meio rural, mas sim de todo o sistema educacional brasileiro. No meio
rural algumas das principais aberrações salariais, de professores que ficam longe de
receber o salário mínimo e muito menos o piso que deveria estar sendo garantido
pela legislação em vigor.
7. Devido à situação geral da educação brasileira hoje, e em particular
da tendência de marginalização das escolas do meio rural, é também um problema
grave o tipo de escola pública oferecida à população do campo, uma escola
relegada ao abandono, e em muitos estados recebe a infeliz denominação de
escolas isoladas. Predomina a concepção unilateral da relação cidade-campo.
8. Tratada como uma espécie de resíduo do sistema educacional
brasileiro, a escola no meio rural tem problemas:
• falta de infra-estrutura necessária e de docentes qualificados;
• falta de apoio a iniciativas de renovação pedagógica;
• currículo e calendário escolar alheios à realidade de campo;
100
• em muitos lugares, atendida por professores/professoras com visão
de mundo urbano, esses profissionais nunca tiveram uma formação específica para
trabalhar com aquela realidade;
• deslocada das necessidades e das questões do trabalho no campo;
• alheia a um projeto de desenvolvimento;
• alienada dos interesses dos camponeses, dos indígenas, dos
assalariados do campo, enfim, do conjunto dos trabalhadores, das trabalhadoras, de
seus movimentos e de suas organizações;
• estimuladora do abandono do campo por apresentar o urbano como
superior, moderno, atraente; e,
• é articuladora do deslocamento dos estudantes para estudar na
cidade, especialmente por não organizar alternativas de avanço das séries em
escolas do próprio meio rural.
9. Também existe a concepção de que a escola urbana é melhor do
que a rural.
10. É preciso considerar que o problema da educação no Brasil não se
apresenta somente no meio rural.
1. Nesse vazio deixado pelo Estado, têm surgido algumas iniciativas da
própria população, por intermédio de suas organizações e de seus movimentos
sociais, no sentido de reagir ao processo de exclusão, forçar novas políticas públicas
que garantam o acesso à educação, e tentar construir uma identidade própria das
escolas do campo. São exemplos desse esforço:
• as Escolas-Família (EFAs), que existem em vários estados há trinta
anos, com mais de duzentos centros educativos em alternância espalhados pelo
Brasil, voltados para a educação dos filhos/filhas da agricultura familiar;
• as várias iniciativas no campo da alfabetização de jovens e adultos,
como por exemplo o trabalho do Movimento de Educação de Base (MEB);
101
• a luta do MST pelas escolas de assentamento e de acampamento e
suas experiências na área de formação de professores e de técnicos na área da
produção;
• a preocupação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
com as escolas dos reassentamentos;
• a luta dos indígenas e dos povos da floresta por uma escola vinculada
à sua cultura; e
• as diversas iniciativas tomadas pelas comunidades e pelos
professores/professoras de inúmeras escolas isoladas, espalhadas nos vários
cantos do país, que lutam pela sobrevivência e pela dignidade do seu trabalho.
12. Interessa especialmente nessa conferência construir um mapa
detalhado dessas práticas alternativas, como matéria-prima fundamental para nossa
elaboração de uma proposta de educação básica do campo.
De acordo com as reflexões durante a realização da “I Conferência
Nacional: por uma Educação Básica do Campo”, foram elaborados alguns desafios e
propostas de ação aos participantes, destacamos:
6.6.3 Bases para a elaboração de uma proposta de educação básica do campo
A situação predominante hoje no meio rural brasileiro é uma opção
política de nossos governantes e, como tal, passível de mudanças. O grande desafio
é vincular a educação com um grande e massivo projeto de construção de novas
opções para o desenvolvimento de nosso país. Buscar delinear o que seria a
proposta de uma escola do campo é participar desse processo de transformação.
A realidade nacional
1. A sociedade brasileira está vivendo uma época crítica. Não estamos
nos referindo a uma conjuntura difícil, nem mesmo a uma crise econômica, mas a
102
algo mais profundo: auto-estima, valores, destino, identidade diante de si e do
mundo.
2. Está se vivendo, querendo ou não, um projeto elaborado pelas elites
de nosso país sob a influência do capital internacional. Os problemas visíveis para a
população brasileira são: desemprego, fome, miséria, falta de casa, falta de terra,
falta de escola, violência, falta de atendimento de saúde, sucateamento dos serviços
públicos, entre outros.
3. Muitos estudiosos do Brasil afirmam que nossos problemas têm
duas origens:
• uma é que o nosso país continua sendo uma colônia, uma colônia-
moderna em que o capital internacional tomas as decisões mais importantes sobre o
nosso futuro econômico e político;
• outra é a herança de 498 anos de uma sociedade profundamente
desigual, que levou o povo excluído a uma perda de identidade cultural e de senso
de nacionalidade.
4. Resumem-se os principais problemas que nossa sociedade enfrenta,
ou sente no dia-a-dia:
• Concentração da riqueza e da renda. Os 50% mais pobres ficam com
apenas 10% da renda, enquanto, 5% mais ricos recebem 20% dela.
• Dependência externa.
• Dominação do capital financeiro
• Estado a serviço apenas da elite
• Monopólio dos meios de comunicação
• Latifúndio improdutivo e concentração da propriedade da terra
• Bloqueio cultural
• Questão ética
103
5. Diante dessa realidade perversa, nosso país terá de fazer uma
escolha: ou segue no caminho trilhado até aqui ou revê o caminho e começa a
elaborar um outro projeto de desenvolvimento, que inclua o povo brasileiro, mas
todo o povo, como sujeito da construção de novas alternativas que tenham como
pilares a justiça social, a diminuição das desigualdades e a construção de uma nova
cultura, que ajude a repensar o nosso jeito de ser país, de ser povo, de fazer
história.
6.6.3.1 Um projeto popular de desenvolvimento nacional
1. A discussão de uma opção brasileira parte da convicção de que é
possível construir um novo caminho de desenvolvimento para o nosso país. Na
síntese feita por César Benjamin e demais signatários da opção brasileira, esse
processo envolve cinco compromissos básicos:
• O compromisso com a soberania.
• O compromisso com a solidariedade.
• O compromisso com o desenvolvimento.
• O compromisso com a sustentabilidade.
• O compromisso com a democracia ampliada.
2. Para concretizar esses compromissos, é preciso valorizar nossa
população e nosso patrimônio natural e social e propor um projeto que reoriente a
economia, redistribua os recursos, redefina os direitos, reinvente as instituições e
altere a forma e o conteúdo do exercício do poder.
3. Qual o espaço do campo nesse novo projeto nacional? A escola do
campo pode e deve ser um dos espaços para debate e aprofundamento dessa
questão.
104
6.6.3.2 I Conferência Nacional Por uma Educação Básica do Campo – 27 a 30 de julho de 1998 – Luiziânia-GO.
Os participantes dessa Conferência, assumem, pessoal e
coletivamente, os seguintes compromissos e desafios:
1. Vincular as práticas de educação básica do campo com o processo de construção de um projeto popular de desenvolvimento nacional.2. Propor e viver novos valores culturais.3. Valorizar as culturas do campo.4. Fazer mobilizações em vista da conquista de políticas públicas pelo direito à educação básica do campo.5. Lutar para que todo o povo tenha acesso à alfabetização.6. Formar educadoras e educadores do campo.7. Produzir uma proposta de educação básica do campo.8. Envolver as comunidades nesse processo.9. Acreditar na nossa capacidade de construir o novo.10. Implementar as propostas de ação dessa conferência.
6.6.4 Educação para Cidadania
Paulo Freire, no livro “A importância do ato de ler”, faz referência ao
posicionamento político que o educador deve assumir, da seguinte forma: “... uma
das questões fundamentais seja a clareza em torno de, a favor de quem e contra o
que, fazemos educação a de a favor de quem e do que, portanto, contra quem e
contra o que, desenvolvemos a atividade política”. (1987, p. 27).
Cidadania é a consciência de direitos e deveres com exercício de
democracia. Não existe cidadania sem democracia.
Ela fundamenta-se em direitos: direitos civis (segurança), direitos
sociais (saúde), direitos políticos (voto).
A cidadania pressupõe instituições e regras justas. O Estado, nesta
visão socialista-democrática, precisa exercer uma ação, fazendo valer as regras
definidas socialmente. A chamada escola cidadã está inserida nesse contexto
histórico de busca de identidade nacional.
105
Os eixos norteadores da escola cidadã são:
A integração entre a educação e a cultura, a escola e a comunidade,
democratização das relações de poder dentro da escola, o enfrentamento da
questão da repetência e da avaliação, a visão interdisciplinar e a formação
permanente dos educandos.
Concluindo, a certeza é que mudando passo a passo, numa certa
direção, podemos operar a grande mudança, a qual poderá acontecer como
resultado de um esforço lento, porém contínuo e solidário.
6.6.4.1 Educador para a Escola Cidadã
Segundo o caderno do Instituto Padre Réus (s.d., p. 7), os profissionais
da educação, engajados na proposta presente devem estar construindo suas
posturas, entre elas:
- cumprindo com a tarefa de educar, desenvolvendo a consciência da
importância social e transformadora da sua ação;
- buscando a competência técnica continuamente;
- tendo uma visão coletiva da educação.
Com isso, concluímos que não adianta um profissional ter competência
técnica, mas ser alienado e individualista. Ou outro que possua o comprometimento
político com a educação, mas não tenha sua ação com habilidades técnicas como
professor. Ou, ainda, aquele que só apresenta uma visão coletiva do trabalho
escolar, descuidando dos outros elementos. É preciso conscientização e tomada de
posição, pois as três posturas acima se completam e se interagem na construção da
escola cidadã.
106
7. A INVESTIGAÇÃO DA REALIDADE
A análise e a discussão dos dados obtidos através do questionário
aplicado aos professores-técnicos (Anexo II) que atuam com atividades específicas
na Escola Estadual Técnica Dr. Rubem Machado Lang, revelam que:
A população pesquisada pode ser descrita como exercendo o
magistério de dez (10) a vinte e oito (28) anos, enquanto que o tempo de serviço na
área específica varia de 06 a 28 anos. Isso nos permite dizer que, em relação ao
tempo de serviço e de trabalho na área específica, não há falta de experiência dos
profissionais pesquisados.
No que se refere à formação, percebe-se que 75% dos consultados
têm formação na área das Ciências Agrárias e 25% na área das Ciências Humanas.
O nível de formação desses professores constata-se que 25% têm
Curso Técnico em Nível Médio e 75% têm Curso Superior, inclusive, um deles faz
Mestrado na Área das Ciências Rurais. Quanto ao grau de formação podemos
afirmar que está, em grande parte, afinada com a temática desta pesquisa. Embora,
isso não garanta um trabalho efetivo, institucionalizado em relação ao
desenvolvimento sustentável, o que é revelado na própria fala dos envolvidos na
investigação quando respondem as questões a que foram submetidos e que
veremos na seqüência (Anexo I).
- Como a escola agrícola está fazendo para desenvolver a consciência
ecológica e trabalhar o desenvolvimento sustentável?
Os resultados obtidos mostram que 50% dos pesquisados entendem
que “a escola, hoje, oferece muito pouco no que diz respeito à consciência ecológica
e que praticamente não tem nenhum programa ou planejamento que leve ao
107
desenvolvimento sustentável; os outros 50% demonstram que, o que fazem é em
nível pessoal e,não da instituição como um todo. Isso é revelado por suas próprias
falas. “Eu desenvolvo através de reuniões com os alunos” ou “eu trabalho através de
aulas teórico-práticas”.
Essa posição nos leva a questionar: Como podemos esperar que os
agricultores ajam com consciência ecológica e se envolvam com projetos de
desenvolvimento sustentável se a escola que os forma não age de forma organizada
e consciente nessa direção?
- O desenvolvimento sustentável tem sido preocupação constante da
escola ao longo de sua história?
Cinqüenta por cento responderam taxativamente que “não”, enquanto
os demais responderam de forma evasiva dizendo “deveria” ou “em parte”. Mas, são
os complementos a essas respostas que revelam a falta de investimento nessa
causa quando afirmam: “... já houve períodos bem efetivos (...), mas nos últimos
anos isso passou para segundo plano, embora exista um projeto (...) que contemple
essa temática” ou “pouco se pensa num plano de produção. Inclusive, esta escola já
foi mais prudente e organizada nesse sentido. Atualmente, vive com dificuldades por
falta de planejamento e competência”.
Essa última afirmativa nos leva a questionar: Será que se trata de falta
de competência? Que tipo de competência estaria faltando aos profissionais dessa
instituição, pois, se olharmos a área e o nível de formação dos entrevistados
poderíamos dizer que conhecimento técnico-científico não deve faltar. É possível
que lhes falte planejamento e trabalho coletivo da comunidade escolar. No entanto,
cabe investigar: - não seria essa a função da elaboração do projeto Político
Pedagógico da Escola?
- O desenvolvimento sustentável e a consciência ecológica têm sido
preocupação coletiva das UEPs da Escola:
108
Em relação a essa questão as respostas foram bastante controversas,
25% revelaram que não, pois “... o uso de defensivos e agrotóxicos, bem como
práticas prejudiciais de algumas pessoas não revelam uma consciência ecológica...”;
outros 25% respondem que “teoricamente sim, mas em ações práticas e efetivas,
nada”; outros 25% responderam que “em parte, em alguns processos, como a
compostagem de matéria orgânica”; no entanto, outros 25% responderam de forma
evasiva, dizendo que “devemos trabalhar mais (...), pois têm setores que não são
aproveitados produtos de transformação”.
As respostas a essa questão nos leva à percepção de que não há
unidade de trabalho em relação è temática, pois as respostas não convergem e, em
alguns aspectos, são até mesmo dicotômicas, para não dizer antagônicas.
Essas respostas nos levam a repensá-las em conexão com a questão
a seguir:
- Como são processados os dejetos dentro das unidades?
Mais uma vez as respostas são dispersas e contundentes, vejamos:
25% responderam que “por incrível que pareça, após mais de 12 anos de escola,
continuam os dejetos de suínos largados à céu-aberto e direto nas sangas de
acesso, além de outros lixos da escola; 25% responderam que “os estrumes são
coletados e amontoados (...) para compostagem, após alguns dias são usados nas
covas para as plantas”; outros 25% dizem que “... não estamos aproveitando a
totalidade dos produtos degradáveis”; outros 25% afirmam existir um plano sobre
tanques de captação de dejetos de diferentes setores (...) mas que não foi
completado...”.
Detendo-se nestas respostas pode-se perceber que a escola agrícola
está longe de trabalhar a consciência ecológica na prática, pois não é possível que
alguém que “jogue dejetos e lixos nas sangas”, possam formar uma consciência
ecológica, mesmo que isso se faça em nível de discurso.
109
- O processo educacional está contribuindo para melhorar a
expectativa na propriedade rural?
Merecem grande atenção as respostas obtidas nessa questão pois,
25% responderam que “sim, mas (...) tem um potencial muito maior a contribuir”;
25% que “(...) seguramente o papel da escola está longe de atender os anseios do
aluno do campo. Atualmente o campo, com suas carências, ainda está melhor
estruturado que a escola”; 25% entende que “na escola isso já foi possível e que em
breve será novamente”, no entanto, outros 25% que “é preciso mais dedicação,
empenho e interesse. Essas respostas nos permite pensar que talvez o problema
possa estar no corpo docente, por isso é fundamental buscar as respostas à
questão:
- Qual e como é a orientação oferecida aos professores em relação à
consciência ecológica e ao desenvolvimento sustentável?
Aqui percebemos que realmente a escola tem deixado a desejar, pois
não tem uma proposta de trabalho integrada, no sentido da formação continuada
dos professores, em relação a sua identidade que é o trabalho agrícola, pois as
respostas dos 100% dos pesquisados assim demonstraram ao afirmarem que: “não
há uma política definida...”; “cada qual busca como pode...”; “alguma coisa em nível
de teoria, nada porém em termos práticos efetivos”. Em relação a esta última
afirmativa é interessante questionar qual é a concepção de teoria e de prática
desses professores? A concepção, hoje, mais respeitada é que teoria e prática são
indissociáveis. Outra explicação interessante foi dada dizendo que “é preciso
conscientizar o grupo sobre a importância da ecologia e desenvolvimento
sustentável”.
Nesse aspecto relativo à orientação dos professores procuramos
investigar também se:
110
- A metodologia usada em seus tempos escolares ajudam a despertar a consciência
ecológica e o desenvolvimento sustentável?
Em relação a essa questão, 50% dos pesquisados dizem que em parte
a metodologia contribui, mas que “nos dias de hoje pouco se vê neste sentido,
sendo necessário uma profunda reformulação (...)”; não vejo metodologia como
problema, mas no interesse e no apoio ao professor; outros 50% afirmam que “não”,
a metodologia não tem auxiliado para despertar a consciência ecológica e o
desenvolvimento sustentável, pois “(...) devemos trabalhar continuamente”, “sempre
que existir uma escola planejada, que cobre de seus segmentos de forma efetiva, os
planos e diretrizes de ações, de forma consciente e responsável, logicamente é
possível”.
Os pesquisados apresentam, ainda, uma série de sugestões para que
a escola seja percebida pela comunidade escolar como uma unidade que trabalha e
consciência ecológica e o desenvolvimento sustentável tais como: “fazer mais
reuniões”; “fazer palestras para despertar mais interesse na comunidade”; “trabalhar
em forma de projetos”; “proporcionar orientação aos professores em geral”;
“promover campanhas ecológicas”.
Em termos gerais percebe-se, através dessa investigação, que a
Escola Estadual Técnica Dr. Rubem Machado Lang, embora sendo uma escola
agrícola, não tem proporcionado a seus alunos e à comunidade em geral, reais
condições da construção da consciência ecológica e de perspectiva de orientar o
desenvolvimento sustentável.
111
8. CONCLUSÃO
Com relação à pesquisa, podemos observar que 75% dos professores
possuem formação nas áreas das Ciências Agrárias e 25% nas Ciências Humanas,
que embora a maioria tendo formação específica não garante um trabalho efetivo
com relação ao tema pesquisado. Constatou-se que a escola oferece muito pouco,
não tendo nenhum planejamento ou programa que leve ao desenvolvimento
sustentável e consciência ecológica, observou-se que alguns professores que fazem
é em nível pessoal e não como um trabalho pedagógico norteador da prática
educativa de uma escola agrícola, não tendo uma relação entre a teoria e prática,
quando observa-se os dados quanto à preocupação ao longo da história da escola
com o desenvolvimento sustentável, foi colocado que: “já houve períodos
efetivos(...), pouco se pensa num plano de produção”, o que faz pensar que a escola
produz pouco, não aproveitando seus hectares de terra. Quanto à falta de
competência, todos os profissionais possuem curso técnico de médio a superior,
realmente sugere-se ao corpo docente repensar o Projeto Político Pedagógico como
forma de assegurar uma produção imediata, que atenda as peculiaridades da
comunidade escolar.
Observa-se que os próprios pesquisados sugerem reuniões, palestras,
trabalhar em forma de projetos, promover campanhas ecológicas e orientação aos
professores em geral, como forma de adequar uma metodologia que reflita o
despertar dessa consciência ecológica e desenvolvimento sustentável.
Segundo Coelho ao descrever o técnico agrícola como “agente de
transformação do meio rural (...) e sua grande multiplicidade de orientador rural, que
busca desenvolver projetos propostos pela comunidade (...)”. (COELHO, 2000, p.
15); desta forma queremos frisar a responsabilidade em suas atividades e
112
competências que técnico deve apresentar, visando o desenvolvimento do meio
rural.
Por outro lado, gostaríamos de rever o PPP 12 da Escola nas suas
finalidades “(...) na conscientização e permanência do homem ao meio rural
preservando sua origem (...) na melhoria das condições de produtividade da
propriedade e do nível de vida (...)”, salientando que a escola técnica não atende
aos anseios do aluno do campo, de acordo com os dados da pesquisa.
Outra finalidade não atendida pela referida escola está na (...) melhoria
do nível de vida, como podemos elevar a qualidade de vida quando temos “dejetos
de suínos largados à céu-aberto e direto nas sangas de acesso (...), podendo
comprometer as áreas vicinais próximas da escola. Sugere-se que seja feito um
relatório e projeto ambiental visando sanar prejuízos ainda maiores no ambiente e,
por conseqüência, nas pessoas e seres vivos que ali vivem.
Entre outra finalidade que a escola se propõe está “na adequada
utilização de uma agropecuária biológica”, vimos de acordo com os dados
apresentados o “uso de defensivos e agrotóxicos”, bem como práticas prejudiciais
não revelam uma consciência ecológica, existindo um mínimo em nível de
agricultura orgânica como vimos nas respostas dos pesquisados, onde foi colocado
“não estamos aproveitando a totalidade de produtos degradáveis”, sendo assim, a
escola deveria usar esses produtos de transformação, reciclagem de matéria
orgânica, controle biológico e produtos veterinários alternativos.
Gostaríamos de ressaltar o conhecimento técnico do aluno egresso,
que contribuição poderá levar para sua propriedade rural? Qual o tipo de aluno que
queremos e estamos formando ao término do ensino fundamental? Como esperar
consciência ecológica e trabalhar numa linha de desenvolvimento rural sustentável
se a escola não proporciona princípios norteadores de sua real filosofia?
12 Projeto Político Pedagógico.
113
Sugere-se, ainda, seja reelaborado o Projeto Político Pedagógico,
contemplando aspectos do desenvolvimento sustentável e um trabalho mais efetivo
com relação ao ambiente e sua preservação.
Constatou-se, também, a falta de orientação ao corpo técnico bem
como um plano que dê sustentabilidade em ambos os sentidos: econômico, social e
ambiental, um projeto integrado para que os técnicos sejam agentes de
transformação da escola e, por conseqüência, do meio rural. Sugere-se que seja
trabalhado com entidades e órgãos afins, como EMATER e SENAR, Lei nº 8315 de
25/12/1991, para o sucesso do trabalho da escola; para que esta cumpra sua função
social. Observou-se, ainda, que falta mais comprometimento com a comunidade
escolar principalmente com pais dos alunos que possuem propriedade rural, já que
sua formação profissional técnica está voltada para o meio rural.
Constatou-se, ainda, a necessidade urgente de dar finalidade dos
dejetos e lixos como forma de evitar impactos ambientais maiores, que poderá afetar
a vida de vilas próximas à escola e ainda o aproveitamento e separação dos
produtos biodegradáveis dos não-degradáveis, como forma de não dicotimizar teoria
e prática.
É neste contexto que devemos pensar na educação do futuro, na
perspectiva de uma educação agrícola que vise a sustentabilidade mantendo a
capacidade produtiva, a qualidade e a quantidade de alimento de melhor qualidade
ao longo do tempo, que garanta a sobrevivência da humanidade, bem como da
própria escola.
É preciso ter em mente, em todo o planejamento presente ou futuro,
que as atividades desenvolvidas em qualquer setor da economia, educação ou lazer,
etc, sejam sustentáveis. No tocante a agricultura, que ela deve apoiar-se na
utilização de boas práticas que respeitem os ciclos da natureza em sua oferta
sustentável, e com isto busque racionalizar o uso dos solos, dentro de suas
fertilidade e aptidões, a consciência sobre o uso da água sem desperdiço, técnicas
que maximizem a produção, incluindo a reciclagem e o uso racional de defensivos
agrícolas.
114
Neste contexto e diante do imperativo sócioambiental, defendemos a
prática de ações em prol do desenvolvimento rural sustentável como o “ processo de
intervenção de caráter educativo e transformador, baseado em metodologias de
investigação-ação participante que permitam o desenvolvimento de uma prática
social mediante a qual os sujeitos do processo buscam a construção e
sistematização de conhecimentos que os leve a incidir conscientemente sobre a
realidade” (CAPORAL, 1998, apud CAPORAL e COSTABEBER, 2001). Ela tem o
objetivo de alcançar um modelo de desenvolvimento socialmente eqüitativo e
ambientalmente sustentável, adotando os princípios teóricos da Agroecologia como
critério para o desenvolvimento e seleção das soluções mais adequadas e
compatíveis com as condições específicas de cada agroecossistema e do sistema
cultural das pessoas envolvidas no seu manejo (CAPORAL, 1998 apud CAPORAL e
COSTABEBER, 2001).
Quando queremos falar num processo de mudança necessita-se ter
presente uma visão do conjunto de elementos que irão fundamentar e orientar seu
desenvolvimento. O desenvolvimento sustentável das organizações dever ser
orientado pelo princípio da autopromoção e autogestão, tendo como bases as
mudanças qualitativas, esse patamar será alcançado através da participação de
pessoas organizadas, responsáveis e capacitadas que possam se autodeterminar.
Também, as entidades, além de articuladas, devem valorizar a mobilização dos seus
próprios recursos, sejam eles financeiros, humanos ou materiais. Para que se possa
assegurar esse desenvolvimento sustentável, necessita-se, então, de organizações
autogeridas, de pessoas com auto-estima e motivação elevada e de metodologias
de trabalho que facilitem a tomada de decisão e sua implementação.
115
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