206

03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf
Page 2: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf
Page 3: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf
Page 4: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

©2003byAlbertoVasconcellosdaCostaeSilvaDireitosdeediçãodaobraem línguaportuguesaadquiridospelaEDITORANOVAFRONTEIRAPARTICPAÇÕESS.A.Todososdireitos reservados.Nenhumapartedestaobrapodeserapropriadaeestocadaemsistemadebancodedadosouprocessosimilar,emqualquerformaoumeio,sejaeletrônico,defotocópia,gravaçãoetc.,semapermissãododetentordocopirraite.EDITORANOVAFRONTEIRAPARTICPAÇÕESS.A.RuaNovaJerusalém,345–Bonsucesso–CEP21042-235RiodeJaneiro–RJ–BrasilTel.:(21)3882-8200–Fax:(21)3882-8212/8313www.novafronteira.com.brTextorevistopelonovoAcordoOrtográfico.

CIP-Brasil.Catalogação-na-fonteSindicatoNacionaldosEditoresdeLivros,RJ

S578r Silva,AlbertodaCostae5.ed. UmriochamadoAtlântico:aÁfricanoBrasileoBrasilnaÁfrica/AlbertodaCostaeSilva.–5.ed.–RiodeJaneiro:NovaFronteira:2011.

Incluibibliografia

Page 5: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

ISBN978-85-209-3903-11.África,Sub-Saara-Relações-Brasil.2.Brasil-Relações-África,Sub-Saara.3,África,Sub-Saara-Civilização-Influênciasbrasileiras.4,Brasil-Civilização-Influênciasafricanas.I.Título.

CDD960CDU94(6)

Page 6: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Sumário

Apresentação-Umlivroaberto(ManoloFlorentino)PrefácioNasduasmargensAsrelaçõesentreoBrasileaÁfricaNegra,de1822àPrimeiraGuerraMundialOBrasil,aÁfricaeoAtlânticonoséculoXIXOBrasileaÁfrica,nosséculosdotráficodeescravosOtratodosviventesNamargemdeláUmavisitaaoMuseudeLagosOssobradosbrasileirosdeLagosOsbrasileirosdeLagosUmdomingonoreinodoDangoméOsbrasileiros ou agudás e a ocupação colonial daÁfricaOcidental: cumplicidade, acomodação eresistênciaNamargemdecáSerafricanonoBrasildosséculosXVIIIeXIXUmchefeafricanoemPortoAlegreComprandoevendendoAlcorõesnoRiodeJaneirodoséculoXIXApropósitodofrevoSobrearebeliãode1835,naBahiaAcasadoescravoedoex-escravoDeidaevoltaAhistóriadaÁfricaesuaimportânciaparaoBrasilBibliografiaReferênciasdostextosÍndiceremissivo

Page 7: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Apresentação–Umlivroaberto

Um rio chamadoAtlântico se converteu paramim em um livro novo a cada leitura. Bem sei oquantoémutanteoolhardequemlê,nãoéa issoquemerefiro.Falodeumasensação,quase tãopalpávelquantooexemplaremsuasmãosnestemomento.Aoindagarsobreasuaorigem,concluoqueessasensaçãoresultaemgrandemedidadateimosia

deAlbertodaCostaeSilvaemnãoatualizarescritosproduzidosemépocastãodíspares.De fato, osmais antigos dentre seus dezesseis ensaios datamde quatro, cinco décadas.Osmais

recentes apareceram há dez anos. Se na presente edição de novo surgem sem reparos é porque,conformealertaoautordesdeaprimeira,de2003,“busqueipreservá-loscomoumdiaosescrevi”.Opção nomínimo corajosa, pois— é sabido— grandes escritores gastaram boa parte de seu

tempo esquadrinhando sebos, livrarias e, mesmo, bibliotecas à cata de textos publicados najuventude... para queimá-los! (Com tal objetivo aomenos um adquiriu toda a tiragem ao próprioeditor.)AescolhadeCostaeSilvadenota,porcerto,ainsistênciacomquetemas,formasepessoasvisitam

a sua mente. Mas diz principalmente da forte ligadura que o fluxo do tempo se encarregou deproduzirentreaobraeonarrador,transformadoempersonagemdesimesmo.Fazsentidoamarotaobservação que dele ouvi por ocasião do lançamento do seu Invenção do desenho (Ficções damemória),em2007:“Caro,essaéaminhapsicanálise.”Render-seàdúvidacontidanoescritoenavidatornaimpossívelmacularoantesconstruído.Daía

constante retomada de determinados objetos, desbastados à maneira de um certo Drowne queNathanielHawthorneinventou,jovementalhadorparaquemaobraconsisteemdescobrirasformasquepinheirosecarvalhosobstinadamenteescondem.PorissoUmriochamadoAtlânticoéumlivroabertoe,comotal,fontedeestranhamentoparaoleitoratento.

*Asquatropartesemquesedistribuemosensaiosexploramcomretidãoaparenteametáforado

vastooceanoconvertidoemrio.Aolongodaprimeira(“Nasduasmargens”),oAtlânticoéaindaummarextenso,suportedemovimentosgrandiososnasintenções,configuraçõeseefeitos—otráficodealmaseocapitalismo,oabolicionismobritânicoeseudesiderato(odomíniodosfluxosmercantisdelongadistância),asguerrassantaseotrasladocompulsóriodemilharesdemuçulmanosparaasAméricas,mencionandoapenasalguns.A complexa urdidura desse Atlântico humanizado não caberia em algumas sínteses

historiográficas recentes, pormais bem-intencionadas que se apresentem. Guerrilha intelectual aoinvés de guerra clássica quando a África é o tema— eis o programa apontado pelo historiadordiletante,queécomoCostaeSilvaseconsente.Destaco“OBrasil,aÁfricaeoAtlânticonoséculoXIX”,o ensaiomaisdivulgado—peloousadodaperspectiva—desde suapublicação inicial, em1989.Asegundaeterceirapartes(“Namargemdelá”e“Namargemdecá”)têmporcenáriososlitorais

transformadosembeiras.Aestreitá-los,oenraizamentonaÁfricaenoBrasildeinstituições,óbvio;

Page 8: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

massobretudodecomunidades transoceânicas,encarnaçõesde intensasmestiçagensculturaisadarnovosignificadoaoespaço,aohomem,aseusdeuses.Queasemelhantesamálgamasnãoseroubouo conflito é prova contundente a presença de “Sobre a rebelião de 1835, na Bahia”, por muitosrealçadocomoumtextoseminal.Mepermitodestacar,noentanto,a importânciade“ComprandoevendendoAlcorõesnoRiode

JaneirodoséculoXIX”,porqueatravésdeleoautoresboçaatrajetóriadosmuçulmanosnegrosdaCorteimperialbrasileira—temaindispensávelemborasempreofuscado,talvezpelopesointelectualdosintérpretesdavertentebaianadoIslã.Tambémemrazãodesuasutilezametodológica,contidanainferênciadaenvergaduraedavinculaçãoreligiosadosmoslinsquehabitavamasterrascariocasapartirdealgotãosingelocomoaquantidadeeopreçodeAlcorõesporelesadquiridosalivreirosfrancesesaquiestabelecidos.

*Aquartaeúltimapartedo livro(“De idaevolta”)écomposta tãosomentepelopequenoensaio

intitulado “A história da África e sua importância para o Brasil”. Radica nele a outra fonte dasensaçãodenovidadeaquemereferinoinício.Bem-entendido.CostaeSilvafechaolivropugnandoparaqueahistóriadaÁfricaalcanceentre

nós a maioridade intelectual há tempos conquistada em outras plagas. Para tanto faz menção aosatalhosintuídos(masdesgraçadamenteolvidados)porautorescomoGilbertoFreyreeJoséHonórioRodrigues,paramencionar apenasosmelhores.Sóassimpassaremos—continuaele—àefetivaidentificaçãodosafricanismosressignificadosquenostecem.Representariaessaaúnica—esempreausente— via para saber até que ponto e como a África condicionava as relações entre as duasmargensdoAtlânticoSul.Não épautadepouco fôlego, bem sabeopoeta.Entretanto,mais doqueo esboço embutidona

plataforma historiográfica, capturo nesse último ensaio um contraponto à ferrenha lógica deestruturação formal até então imposta ao livro. Se é correto, como escreveu alguém, que overdadeiro contato entre os seres só se estabelece como uma prece interior, me parece legítimotomar o derradeiro texto de Um rio chamado Atlântico como prédica, uma súplica entoada porAlbertodaCostaeSilvatambémemartigosdedivulgação,palestras,entrevistaseaulasproferidaspeloBrasilafora.Apenas esse aspecto já sugere o quanto o Brasil e a África devem ao grande “historiador

diletante”.

*Nãotenhoailusãodehaverconvencido,masgarantoaoleitorqueacadavisita,àsemelhançado

contoOlivrodeareia,deJorgeLuisBorges,UmriochamadoAtlânticomudamesmo.Seeutivesseummínimodejuízo,talqualoprudentemoradordacalleBelgranoofariaperder-seentreasestantesúmidasdeumabibliotecapública,cujoendereçoprocurariaesquecer.MasaartedeAlbertodaCostaeSilvatemmaisforçaeconvencimentodoqueoreceioquetodos

temos da própria imaginação. Pensando bem, não é isso o que se aguarda de um experimentadodiplomataehomemdeletras?

ManoloFlorentino

Page 9: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

R

Prefácio

euninestelivro,quededicoàmemóriadedoisgrandesamigos,HerbertoSaleseJoséPauloPaes,váriostextospublicadosemjornaiserevistasoulidosemsemináriossobrehistóriadaÁfrica.Os

mais antigos datam de 1961— e até estes são agora impressos como então foram escritos, semoutrasalteraçõesqueocorte,aqui,deumadjetivoeatroca,dezpáginasmaisadiante,deumapalavraporoutra, a fimdeevitar repetiçãooueco.Tentou-me, emuito,odesejodemelhorexplicarumaafirmativa, de qualificar outra, de atualizar este parágrafo, cortar aquele ou expandir um terceiro,masresistiàtentação,parapreservarcadaumdessesensaioscomoumdiaosescrevi.Se a ela tivesse cedido, já teria o que somar, por exemplo, aos três primeiros parágrafos do

trabalhocomqueabroovolume,nosquaistratodoreconhecimentodaIndependênciadoBrasilpeloologun, ou rei de Onim ou Lagos, e seu suserano, o obá ou rei do Benim. Não passou o fatodespercebidoaMáriodeAndrade,queorecolheudaquartapartedasAntiqualhasememóriasdoRiode Janeiro, de José Vieira Fazenda, publicada no tomo 93, volume 147, da Revista do InstitutoHistóricoeGeográficoBrasileiro.Noseutrabalhosobreoscongos,incluídoemDançasdramáticasdoBrasil, Mário de Andrade ironiza o que classifica de “mania das embaixadas” que teriam osafricanosemenospreza—chama-lhe“inútil”—aenviadapeloologunOsinlokun,emnometambémdoobáOsemwede,parareconheceraseparaçãodoBrasildePortugal,ofereceramizadead.PedroIemanifestarodesejodecontinuarocomérciocomonossopaís.Quasenadaseisobreoseutitular,otenente-coronelManoelAlves de Lima. Pelo tom das acusações, que fez em cartas ao imperador,contraastropasportuguesasnaBahia,parecequeeranascidooucriadonoBrasil.PierreVergerotemcomocomerciantenaÁfrica—comerciantedeescravos,éclaro—eamigodoologun.DequefossecavaleirodasOrdensdeCristoedeSantiagodaEspada,pormercê,comoafirma,ded.JoãoVI,nãovejoporqueduvidar,umavezquecomotalfoirecebidonoRiodeJaneiro.Emuitomenosdequeoacolhessemcomoembaixador,poisnessacondiçãoapareceráemregistrosdepassaportesem1829e1830.Nãoeraoreconhecimentoporreinosafricanos,tidosporbárbaros,oqueesperavaansiosamenteo

Império,mas,sim,odospaíseseuropeus.Apesardisso,nãohesitoemafirmarnãohaverfaltadoobomrecebimentoàembaixadadeOnim,nãoporquetenhaservido,comosugeriuVieiraFazenda,deconsolação, em face da reticência das cortes europeias,mas porque Lagos se tornara o principalportodeescravosparaaBahia,eoescravoeraoprimeiroitemdasimportaçõesbrasileiras.Seospolíticosnegaram importânciaao reconhecimentoda Independênciapordois reinosafricanos (umdelesumgrandeparceirocomercialdoBrasil),oshomensdenegóciosdaBahiaedoRiodeJaneironãopodemterdeixadodevercomsatisfaçãoogestodoologun.OsdoRio,certamentecomalívio,diantedopossívelfechamentoaosseusbarcosdosportosdeLuanda,CabindaeBenguela.Releiooqueescrevieconcluoquepoucoacrescentaaoensaiooriginal.Váriosdostópicosdesse

trabalho foram, contudo, reconsiderados em estudos subsequentes, que também figuram nestevolume. Neles sobejam repetições. Não as cortei, porque mostram a insistência com que certosassuntos epersonagensmeprovocarama curiosidade, ao longodemaisdequarenta anos.Apesardessedemoradoconvívio,oqueofereçoaoleitorsãoapenasaproximaçõesaostemasdequetrato,eesboçosdeenredos,erabiscosderetratos,edúvidas,eperguntasemaisperguntas,quesãotambémsugestõesparapesquisasquenuncapudefazereparaasquais,semesobradisposição,mefaltamos

Page 10: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

anos.

RiodeJaneiro,em30demarçode2002.

Page 11: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Nasduasmargens

Page 12: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

T

AsrelaçõesentreoBrasileaÁfricaNegra,de1822àPrimeiraGuerraMundial

1ranscrevePierreVerger1asqueixasdeumcerto tenente-coronelManoelAlvesdeLima,por terficadoretidoemSalvadorpelosúltimosepisódiosdalutaarmadaqueseseguiuàproclamaçãoda

IndependênciadoBrasil.DaBahia,AlvesdeLimaenvioualgumascartasad.PedroI,nasquaissedenominavaembaixadordoreideOnimelamentavanãoterpodidocontinuarviagemimediatamenteparaoRiodeJaneiro,afimdecumprirsuamissão.Vergerreencontrouomesmopersonagememdocumentosde1827,1829e1830,quemostramter

o tenente-coronel feito pelo menos três viagens de ida e volta entre a Nigéria e a Bahia. E, natraduçãoparaoinglêsdeseulivro,2indicaqueprovavelmenteManoelAlvesdeLima,“cavaleirodaOrdemdeNossoSenhorJesusCristoedeSantiagodaEspada,coroneldaCorporaçãodailhadeSãoNicolau,embaixadordeSuaMajestadeImperialdeBenidosReisdeÁfrica”,cumpriuseuencargo.Sabemos com certeza — pois existe no Arquivo Nacional brasileiro um documento em que seregistra,em4dedezembrode1824,anomeaçãodosecretáriodesuaembaixada3—queestevenoRiodeJaneiro,paraoficiarad.PedroIoreconhecimentodaIndependênciadoBrasil“porpartedoimperadordoBeniereiAjan4eosmaisreisdeÁfrica”.OobáOsemwede,5 doBenim, e o obáOsinlokun, deLagos, foram, dessa forma, os primeiros

soberanosareconheceraindependênciabrasileira.Edesseatodereconhecimentodiplomáticodata,paradoxalmente,aúltimaembaixadaoficial,queseconhece,deumreinoafricanonoBrasil.MissõesdosreisdeAbomé,deOnimedePortoNovotinhamsidofrequentesduranteoperíodo

colonial,poiserapormeiodaBahiaedoRiodeJaneiroqueogovernoportuguêsmantinhaogrossodesuasrelaçõesnãoapenascomosestadosafricanos,mastambémcomAngola.Háváriosrelatosdoirevirdessasembaixadas.Daque,em1796,ogovernodeLisboamandouda

BahiaaAdarunzáVIII6 , reideAbomé,sobrouumalongae interessantíssimanarrativa,emquesedescrevemasaventurasedesventurasdosembaixadores,padresCiprianoPiresSardinhaeVicenteFerreira Pires, assim como os hábitos sociais e as estruturas políticas do Daomé.7 O brasileiroFerreiraPires,porumlancedoacaso,pôdeassistiràscerimôniasdesepultamentodeAdarunzáVIIIeàsubidaaotronodeseusucessor,Adandozan.Descreveu-ascomminuciosaincompreensãoetodosospreconceitosdesuaformaçãoeclesiásticaedeseutempo.Odocumentoquedeixoué,noentanto,preciosopelariquezadepormenoresepelorealismodasaçõesedaspersonagensqueretrata.Aembaixadadotenente-coronelAlvesdeLimaindicaqueaIndependênciadoBrasilnãopassou

despercebidadaÁfrica.EmAngola,cujasrelaçõesdiretascomoBrasileramtradicionalmentemaisintensas do que as com a metrópole portuguesa, a notícia do 7 de setembro de 1822 teve forteimpacto e consequências imediatas. Surgiu, desde logo, em Benguela, uma corrente políticafavorávelàuniãodaqueleterritórioaoBrasil.E,dostrêsdeputadosangolanoseleitosparaasCortesGerais portuguesas, dois, na viagem para Lisboa, aderiram à causa da independência brasileira eficaram no Brasil: Eusébio de Queirós CoutinhoMatoso Câmara e FernandoMartins do AmaralGurgelSilva.Oterceirosóseguiuparaametrópoleapósmuitohesitar.8De tal formasedividiuaopiniãopúblicaemAngola, e tamanhas foramasdesordense as lutas

entre o partido brasileiro e o partido português, que houve receio, em Lisboa, de que aquele

Page 13: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

territórioacabasseporsejuntaraoBrasil.OTratadodeReconhecimentodaIndependênciadoBrasilporPortugal,concluídopormediaçãobritânicaem29deagostode1825,tranquilizariaparcialmenteo governo de Lisboa, ao vedar, em seu artigo III, que se aceitassem “proposições de quaisquercolôniasportuguesasparasereuniremaoImpériodoBrasil”.Logo após a independência brasileira, correram rumores de que o chachá Francisco Félix de

Souza—talvezemnomedoreiGuezo(GezoouGhèzo),seugrandeamigo—teriaoferecidoaoimperador d. Pedro I o protetorado sobre São João Batista de Ajudá, no Daomé.9 Não desejava,porém, o Brasil incorporar territórios que não eram seus, como bem o mostra o episódio deChiquitos,quandoogovernodoRiodeJaneirosenegouaaceitarajunçãoaoimpériodolestedaBolívia, solicitada por revolucionários que controlavam aquela área. A impopularidade da lutaarmada contra os partidários da separação da Província Cisplatina comprova também que osentimento anticolonialista dos brasileiros tinha por consequência lógica a recusa em estabelecercomoutrasnaçõesvínculosqueaspusessememrelaçãodedependência.

2Noiníciodesuavidasoberana,todooesforçodiplomáticodoBrasilconcentrou-senaobtenção

do reconhecimento de sua independência pelos demais Estados. Logrado esse reconhecimento,passaram a predominar nas preocupações externas do país os problemas ligados ao tráfico deescravoseànavegaçãocomercialentreoBrasileaÁfrica.Jáagoranãosetratavadeumdiálogodiretocomosreinoseascidades-estadoindependentesda

África,masdeumdebatediplomático,logotransformadoemazedadisputa,entreoBrasileaGrã-Bretanha.Estacedoganhariasequazes,defidelidadeoscilante,nosgovernosdaFrança,dePortugaledeoutraspotênciaseuropeias.Acausadadiscórdiaeraotráficonegreiro.NasprimeirasdécadasdoséculoXIX,passaramdeumextremoaooutroosinteresseseconômicos

da Grã-Bretanha. De grande mercadora de escravos, transformara-se em advogada ardorosa emilitantedaaboliçãodotráfico.Aprópriaexistênciadaescravidãocomeçavaacontrariarseusnovosobjetivos políticos e econômicos, ditados pelo avanço da chamadaRevolução Industrial. E, assimcomoaprimeiradessasrevoluçõesindustriaiseuropeias,noséculoXV,deflagraraograndeciclodenavegações luso-espanholas, a da segunda metade do século XVIII iria provocar um novomovimentoexpansionistasobreorestodomundo.AGrã-Bretanhahaviapraticado,demodointensivoesistemático,todasasformasquetomou,nas

Américas,oregimeescravista—todasaquelasformasqueEricWilliams10descrevecomindignadaprecisão.Aprimeiravítimaforaoameríndio.Logoemseguida,osinglesesorientaramparaasCaraíbase

paraascolôniasnorte-americanasumfluxometódicodeprisioneirospolíticos,religiososecomuns,aquesesomaramtrabalhadoressobcontrato(osindenturedservants),recrutadosportodososmeiosimagináveis,entreosquaisacabaramporterrelevoosequestrodeadultoseoroubodecrianças.JánoséculoXVItrariamparaasAntilhasosprimeirosescravosafricanos.Maistarde,aprópriaCoroabritânicatornou-seumdosprincipaispromotoresdotráficodenegrosdaÁfrica,enãosóparasuascolônias,mastambémparaoimpérioespanhol.Entreosprincipaisresponsáveispelorápidocrescimentodocapitalismobritânico,contavam-seos

lucrosdotráficonegreiro,osincentivosqueessecomérciocriouparaaindústriadoReinoUnidoeparaaexpansãodesuamarinha,bemcomooaçúcardasCaraíbaseoscarregamentosdeouroedemetaispreciososque,porintermédiodePortugaledaEspanha,afluíramdasAméricasparaoEstadoeparaosbancosingleses.Consolidadas as novas estruturas econômicas daGrã-Bretanha, os seus interesses nummercado

Page 14: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

europeu e mundial livre-cambista passaram a chocar-se violentamente com o tratamentomonopolístico que recebia o açúcar antilhano. As novas formas de capitalismo condenavam osistema colonial de até então e começavam a substituí-lo por novos tipos de domínio. Aindependência dos Estados Unidos e o aumento da presença britânica no subcontinente indianoreduziram ainda mais a importância relativa das possessões antilhanas, no novo ordenamentopolíticoeeconômicodoReinoUnido.Asmesmas forças que haviam encorajado o tráfico negreiro começaram a condená-lo. Outras

eramagoraasconveniênciaseasprioridades,nãoapenasdaindústriaedamarinhabritânicas,masdoprópriocomérciodoaçúcar,cujocontroleaGrã-Bretanhaaspiravaamanter.CresciaapressãocontraotráficonegreiroparaasAméricas,àmedidaqueosinteressesingleses

se ampliavam na Índia— onde, graças ao sistema de governo indireto e sob o pretexto de nãointerferêncianosassuntosinternosdosestadosnativos,seconsentiaeestimulavaotrabalhoescravonasplantaçõesdecana.Desejavamos inglesesdiminuiraspossibilidadesdecompetiçãodoaçúcaramericanocomoaçúcardaÍndiae,alémdisso,darsatisfaçãoostensivaaosinteressesdasAntilhasbritânicas,atingidospelaquebradoantigomonopóliocolonial.EmboraconcentradaemexpandiraproduçãoaçucareiranaÍndia,nãotinhaaGrã-BretanhacondiçõesdeabandonarosseuscolonosnasCaraíbas,arregimentadosemforte, ricaecoesafacçãodoParlamento londrino.Parasatisfazê-los,forçaeraaumentaracoaçãosobreoBrasileCuba.Se negava escravos às suas colônias nas Caraíbas, não podia o Reino Unido permitir que eles

continuassemachegaraosportosbrasileiros.OestancamentodofluxodemãodeobraafricanaeraessencialparaimpedirocrescimentodaproduçãoaçucareiranoBrasil,apreçosmaisbaixosdoquenaÍndiaounasAntilhasbritânicas.Váriosfatoresideológicossomavam-separadarímpetoeentusiasmoàcampanhacontraotráfico.

Emprimeiro lugar,osentimentohumanitário,queseopunhaà iniquidadedo regimeescravocrata.Emsegundolugar,acrençaeuropeianumanecessáriaevoluçãohistórica,semelhanteparatodosospovos,enoconsequentedeverdeprocuraremosmaisadiantadosconduzirosmaisatrasadospeloscaminhos do progresso. Em terceiro lugar, o renascido zelo pela catequese cristã. Em quarto, oprestígiodateoriadaliberdadedecomércio.EssedensotecidoideológicofezcomqueacampanhacontraotráficoepelaaboliçãoassumissedimensõesquasereligiosaseviesseajustificarorenascerdeumavontadecolonialnaEuropa.Pouco a pouco,mas sem recuosduradouros, o combate humanitarista ao tráficode escravos, o

sentimentodamissãocivilizadoraeuropeiaeasteoriasdolivrecomércioforamfazendoprevalecernaGrã-Bretanha,comonorestodaEuropa,astesesdaefetivaocupaçãocolonialdaÁfricasobreopensamentodaquelesquedefendiamumapresençarestritaaentrepostoscomerciais.Alutacontraostraficantes de escravos tornou-se o grande instrumento da derrubada sistemática das estruturaspolíticasafricanas.11Destroem-se, numa velocidade crescente, à medida que caminha o século, quase todos os

mecanismos de poder africano. Sob pretexto de erradicar o tráfico de escravos e de favorecer aliberdadedastrocas,elimina-seocomey12,arrasam-searededecomunicaçõeseosentrepostosdosintermediários nativos do comércio de óleos vegetais, de resinas, de borracha, de marfim e demadeiras,privam-seoschefesafricanosdosrecursosquelhespermitiamadquirirarmasemobilizartropasparamanteraindependência.Paraalgunsbrasileiros,desdecedo,asintençõesbritânicasnaÁfricanãopassaramdespercebidas.

Jáem2dejulhode1827,quandosediscutia,naCâmaradosDeputados,aConvençãofirmadaem23denovembrodoanoanterior,entreoBrasileaGrã-Bretanha,paraotérminofinaldocomérciodeescravos,CunhaMatos,aoatacarumajustequenoserapraticamenteimpostopelaesquadrainglesa,declarava: “A Inglaterra aspira ao domínio universal daÁsia, assim como, pelas colonizações de

Page 15: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

guerraquevaiempreendendonaÁfrica,sedevesuporqueaspiraaosenhorioabsolutodestagranderegião.”13A Convenção de 1826 era uma reiteração agravada do ajuste firmado entre Portugal e a Grã-

Bretanha em 1817. Atingia de frente e com dureza a soberania do Brasil, pois dava aos naviosingleses o direito de visita aos barcos brasileiros e permitia o apresamento daqueles que sededicassemaotráfico.Em torno dessaConvenção vai travar-se o debate diplomático entre o Brasil e o ReinoUnido,

debate intenso e rude, com os britânicos a abusarem da arrogância e os brasileiros a exercerempaciente e firme resistência. O assunto ocupa a maior parte dos Relatórios da Repartição dosNegóciosEstrangeirosdoBrasil até1850,quando,expulsosdaÁfrica,os interessesbrasileiros sedeslocam, com nitidez, do oceano Atlântico para a bacia do Prata, e a política externa do paísprovisoriamenteseregionaliza.

3Procurava a Grã-Bretanha, no início do século XIX, consolidar o domínio político na Índia e

fortaleceraposiçãocomercialnocontinenteafricano.Sómaistardeéqueaprópriaforçaexpansivadeseupodernacionaleosinteressesdesuaindústria—desejosadeassegurar,comregularidadeeapreçosestáveis,oabastecimentodematérias-primastropicais—irãofazê-latrocarocomérciopeloimpério.Narealidade,aGrã-BretanhacomeçouaconstruirumamplodomíniocolonialnaÁfricacontraa

vontade de seus políticos e de sua diploma-cia. Os dirigentes ingleses queriam entrepostoscomerciais seguros e lucrativos, e nãoprotetoradosou colônias.O avassalador impulsodopodernacionalbritâniconãopôde,porém,sercontido,contrariadoouanulado.Emnomedocombateaotráfico de escravos, cônsules aventureiros, comerciantes cheios de audácia emissionários zelososassinaram, sem autorização daCoroa ou em desobediência clara de ordens expressas, tratados deproteçãocomchefesafricanos,forçaramamarinhainglesaaatuarcontraváriosdelesepuseramogoverno de Sua Majestade britânica diante de um conjunto de fatos irreversíveis, que levaram àconstruçãodeumimpérioinicialmentenãodesejadoedecurtaduração.14Apassagemdeumapolíticadefeitoriasparaumapolíticadecolôniasestavanalógicadosfatos.A

partirde1870,asresistênciasaoavançodospropugnadoresdeumanovaordemcolonialvãocaindorapidamente, uma após outra, tanto na Grã-Bretanha quanto na França e em outras potênciaseuropeias,quepassamadisputarentresiomandoefetivosobreaÁfrica.Ascontradiçõesentreasideiasquemotivavamapolíticabritânicaearealidadedeseusatosnem

sempresemostraramclarasàsmentesmaisgenerosasdaépoca.Apersistentecampanhadeespíritosinteiramente dedicados à causa humana, como Granville Sharp, Thomas Clarkson e WilliamWilberforcenaGrã-Bretanha,ouJoaquimNabuco,JosédoPatrocínio,LuísGamaeCastroAlves,noBrasil, esteve sempre votada, com energia, à supressão do tráfico negreiro e à extinção daescravatura nas Américas. Poucas vezes, e quase sempre de voz baixa, abordou-se, antes deconsumar-seaaboliçãonohemisférioocidental,otemadotrabalhoescravonaÍndiaeemdiferentesáreasdaÁsiaedaÁfricasobinfluênciaoucontroleeuropeus.EmboapartedaÁfrica,aescravidãoostensivamanter-se-iaatéasegundaeaterceiradécadasdo

séculoXX.Efoicontraditoriamentenaquelesterritóriosondeoseuropeusestimularamocomérciodematérias-primas,afimdesubstituirotráficodesereshumanosparaasAméricas,queelatomounovas formas e dimensões. O trabalho da escravaria tornou-se essen-cial para desenvolver umaagriculturadelargaescala,voltadaparaaexportação.Comoconsequência,ascondiçõesdoregimeservil passaram, em várias regiões da África, a ser semelhantes às das grandes plantações

Page 16: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

americanas.15 Basta lembrar, a propósito, os enormes plantios de dendezeiros feitos porGuezo eGelelê(ouGlelê).16PertenciamaoreieaosgrandesdoDaoméesebaseavamnumtipodetrabalhoescravo que pouco diferia do americano em dureza e crueldade. Um sistema semelhante,caracterizadopelagrandeconcentraçãodeescravosnocultivodaterra,existianassociedadeshauçásenoslatifúndiosfulas.17QuasedenossosdiasforamasplantaçõesdecravoemZanzibar,fundadasnaescravidão.Se diziam agir em nome da liberdade do comércio, as potências europeias contraditoriamente

ressuscitavamomercantilismo,aodisputarentresiomonopóliodastransaçõesnosprincipaisportosda costa ocidental da África. Combatiam sobretudo, de maneira feroz e determinada, os inter-mediáriosafricanos,eprocuravamteracessodiretoeexclusivoàsfontesprodutorasdointeriordocontinente.Quandoumafricano,ouumcriouloouummestiçodoBrasiloudasAntilhasestabelecidona África, procurava criar seus mecanismos próprios de comércio direto com a Europa ou asAméricas,eralogoacusadodetraficantenegreiroesemontavaasuadestruição.AhistóriadeJajádeOpoboofereceumexcelenteexemplodecomoascoisassepassavam.18ComércioepoderpolíticoestavamintimamentevinculadosnaÁfrica.Ocomércioexterior,quase

sempre privilégio do príncipe, era instrumento essencial para a própria segurança política dasmonarquiasemascensão.Dessaforma,aderrocadadeumaestruturacomercialafricanaequivaliaàdestruiçãodeumsistemadepoder.Evice-versa.OverdadeiropecadodeJajádeOpobofoiodeserumgrandecomerciante.Teveapretensãode

querer competir com os europeus no comércio intercontinental e de enviar diretamente óleo depalmaparaLiverpool.IssoerainsultodemasiadoparaosardorososdefensoresdaaberturadaÁfricaaocomérciolivre,semprequeestesefizesseentreeuropeuseembenefíciodeeuropeus.DiametralmenteopostosaosinteressesdaGrã-Bretanhanãopodiamdeixardeserosdosreinose

cidades-estado africanos, que lutavam para manter suas tradições políticas, sua organizaçãocomercialeaprópriaindependência.Paraasestruturasdepoderafricanas,avendadeescravoseraessen-cialàobtençãodearmasde

fogo,demuniçãoedeumavastagamadeobjetosquedavamstatuseprestígioaosseuspossuidores.O sistema de troca de seres humanos (geralmente prisioneiros de guerra e presos comuns oupolíticos)porarmasdefogoeoutrosbensconsolidara-seao longodosséculos,desdeoprimeirocontatodoseuropeuscomaÁfrica,enãopodiaserfacilmentesubstituídopelocomércionormal.Háquempensequeointeressedealgunsafricanosnamanutençãodotráficoeraaindamaiordoqueodosarmadoresdosbarcosnegreirosouodossenhoresdeengenhosedeplantaçõesnocontinenteamericano.19Comoquerquefosse,nãohádúvidadequeotráficoerasinistramentenecessário,senão indispensável, nas difíceis condições de conflito com os europeus, à independência de váriasunidadespolíticasafricanas.EmborasemsupervalorizaroimpactodasarmasdefogonahistóriadaÁfrica,nãosepodedeixar

dereconhecerqueexerceramimportantepapelnofortalecimentodemonarquiassemiabsolutasenaconsolidação de estados expansionistas como Acuamu, Denquira, Axante e Daomé.20 Talvez asespingardas e os fuzis não decidissem por si só as batalhas, nas quais os corpos de arqueiros elanceiroseramaindaamassadastropasdosreinosdasflorestas,eacavalarialeveoupesada,omaissignificativocontingentedosexércitosdassavanas.Masasarmasdefogoinfluenciaramoresultadodos encontros militares, apesar da baixa qualidade dos fuzis fabricados para venda exclusiva àÁfrica, sobretudo por Birmingham. Essas armas eram tão malfeitas que muitas vezes, ao seremutilizadas,explodiamnadescargaeferiamoatirador.21Causavam,porém,medonoinimigoeeramumelementoamaisnosdispositivosdeforçadeumexército.Se os estados em expansão, como Axante e Daomé, não podiam prescindir de crescentes

importaçõesdearmasde fogo—sobretudoporque, sendodefeituosas, estas sedeterioravamcom

Page 17: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

rapidez—,omesmo sucedia comos reinosmenores, queprocuravampreservar a independência,postaemperigoporvizinhospoderosos.ApartirdofimdoséculoXVIII,impõe-seàÁfrica,comorealidade,umanovaameaça:apresença

política, econômica e militar, cada vez mais constante e exigente, do europeu. E como era ele ofornecedor das armas de fogo, não só orientou para aÁfrica instrumentos demá qualidade,mastambémtiposcaídosemdesuso.EmplenasegundametadedoséculoXIX,quandoofuzildecartuchoeo de fechamento a ferrolho já eram triviais nos exércitos europeus, o grossodopoder de fogoafricano baseava-se em espingardas de pederneira e de agulha e cápsula de fulminante, ambas decarregamentopelaboca.A partir da campanha abolicionista na Grã-Bretanha, até mesmo espingardas obsoletas e

defeituosaspassaramaserobtidascomdificuldadepelosafricanos.Ocomérciodematérias-primasnão podia dar satisfação, sequer parcial, às necessidades africanas de armamentos, até porque oseuropeusrelutavamemfornecê-los.Venderarmasaoscentrosdepoderautóctonesquecontrolavamo fluxo das mercadorias para o litoral e o seu embarque equivalia a dar força aos organismospolíticosqueos europeusdesejavamenfraquecer e desintegrar.Como tempocriaram-se todosostipos de restrições ao fornecimento de armas de fogo aos chefes africanos. Estes, para obterarmamentos,passaramaterdevaler-se,quasequeexclusivamente,dotráficonegreiroclandestino,comoofariammaistarde,noaugedalutacontraocolonizadorfrancês,SamorieRabah.A oposição entre os interesses da África e os da Europa era total. Os dirigentes africanos

desejavamguardaramaiscompleta independência,enquantooseuropeusaspiravamacontrolarasrelaçõesexternasdosestadosdaÁfrica,paradominarocomércio.Queriamosafricanosmantersuasestruturasadministrativas,judiciáriasereligiosas;jáoseuropeus,considerando-asbárbarasecruéis,pretendiam “purificá-las” e “civilizá-las”, alterando-lhes profundamente as feições. Se os chefesafricanos ambicionavam manter fechados seus territórios, para preservar a soberania que nelesexerciam, os europeus almejavam abri-los ao trânsito livre de seus comerciantes e missionários,instalar neles entrepostos fortificados, usar sem restrições os cursos d’água e construir estradas eferrovias,comoseestivessememterrasdeninguém.Todoesseesquemadeintençõeseuropeias,quecomeçouaaplicar-se,lentaecuidadosamente,nas

primeirasdécadasdoOitocentos,epassouaserexecutadode formacadavezmaisacelerada,eàsescâncaras, à medida que se caminhava para o século XX, vai aparecer, como doutrina, nasrecomendações aprovadas pela ConferênciaAntiescravista deBruxelas, de 1890, durante a qual ocombateàescravidãoseidentificou,demaneiraclaraedefinitiva,comocontrolecolonialdaEuropasobreocontinenteafricano.

4No Brasil, a Independência não havia alterado substancialmente as estruturas econômicas

coloniais,fundadasnalavouralatifundiáriaenaescravidão.Essaaliançaentregrandepropriedadeetrabalho servil tinha-se atémesmo fortalecido,pois, comoacessodopaís à soberaniapolítica, seromperaarededomonopóliocolonialeseabriramparaaexportaçãodeseusprodutososamplosmercadoseuropeus.O poder, no novo estado, tinha origem na classe agrária, e esta estava comprometida com a

escravatura. Não perceberam, por isso, os que fizeram e consolidaram a Independência, quãocontraditórioeraconsagrarnaConstituiçãoaliberdadeindividualeaigualdadedetodosperantealeie, ao mesmo tempo, preservar intocada a escravidão. Poucos compreendiam a naturezaintrinsecamente imoral do regime escravista. E quase todos fizeram ouvidos moucos à pregaçãocontraaviolênciaeainjustiçadaescravatura,àsadvertênciaseàsacusaçõesdeumJoséBonifáciode

Page 18: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

AndradaeSilva,deumHipólitoJosédaCosta,deumJoséEloiPessoadaSilva,deumMacieldaCosta,osadversáriosdoescravismodageraçãoquetornouoBrasilindependente.A colônia americana de Portugal expandira-se a partir de pequenos e coesos núcleos

populacionais, formados por banidos, cristãos-novos, órfãos desamparados, nobres sem fortuna,ameríndios livres ou escravos,mestiços de indígenas e europeus.Desses núcleos, emque logo seintegraramosprimeirosescravosnegroseondelogosurgiramosprimeirosmulatos,iniciar-se-iaapenetraçãodointeriordopaís.Avinda,emnúmeroscrescentes,deescravariaafricanapropiciariaosurgimento e a prosperidade da indústria açucareira, das plantações de fumo e de algodão e dasgrandes lavouras de café, assim como permitiria que se expandissem a pecuária e o extrativismomineral— dois ramos de atividade em que os africanos forammestres de quase todos os outrospovoadores, pois transplantaram para o Brasil experiências de trabalho em área de geografiasemelhanteeconhecimentostécnicosignoradosporseussenhores.22PandiáCalógeras,porexemplo,ressalta ser dos africanos “o mérito da primeira indústria de preparo direto de ferro, nas forjasrudimentaresdeMinasGerais”.23EAiresdaMataMachadoFilhodemonstraaimportânciadonegronamineraçãododiamanteenopovoamentodasáreasemqueelasedeu.24DurantegrandepartedoséculoXVIII,foraintensaaimigraçãoportuguesaparaoBrasil,atraída

pelasdescobertasdeouroediamantes.Mal,porém,começouaesgotar-seariquezaaventurosadasminas,imediatamentesereduziramaschegadasdeeuropeus.AÁfricatornou-seaúnicafontecapazde oferecer ao Brasil a gente de que necessitava para ocupar seu vasto território, assegurar suaunidade e transformar-se numa grande nação. E o africano, apesar de oprimido, humilhado ereduzidoemsuahumanidadepelaescravidão,cumpriuessepapeledeixousuamarcaprofundaemtodosossetoresdavidabrasileira.25Foiárduo,longoemuitasvezesviolentoodebateentreosquedefendiameosquecombatiam,no

Brasil,aextinçãodotráficonegreiroeaaboliçãodaescravatura.Osantiescravistasnãocessaram,noentanto, deganhar terreno, e a abolição acaboupor transformar-se numa forte causapopular.Porissomesmo, a extinção legal da escravatura se processa noBrasil não só pacificamente,mas emambientedefesta.Asnovascondiçõeseconômicasquesefirmavamnopaís,nofimdoséculoXIX—comodespontardaindústria,odesenvolvimentodasferroviaseamodernizaçãodeoutrosmeiosdetransporte,oaperfeiçoamentodosprocessosdefabricodoaçúcaredobeneficiamentodocaféeoafluxodecapitaisestrangeiros—,nãomaispodiamconvivercomotrabalhoescravo,contraoqualseerguiamaselites intelectuaiseaopiniãopopular.Acurta lei26aprovadaem8demaiode1888,quasesemoposiçãoparlamentar,por85votoscontra9,equeseriaassinada,numclimadedelirantealegria, em13demaio, “apenas reconheciaumestadode fato”,pois,naquelemomento, “onegroescravoeramenosde5%sobreapopulaçãonacional”,27formadamajoritariamentepormestiçosedescendentespurosdeafricanos.AAboliçãobeneficiou750mil escravosem todoopaís.Menosdeumdécimodapopulaçãode

cor.28Comefeito,seocensopopulacionalbrasileirode1872revelaraaexistênciadequatromilhõesde

mulatos e mestiços e de dois milhões de negros, num total de dez milhões de habitantes, norecenseamentode1890—dois anos após a abolição—contaram-se6.302.198brancos, 5.934.291mestiçose2.097.426negros.Onormalteriasido,dadooforteeconstanteprocessodemiscigenação,queosmestiços,em1890,formassemogrupomaisnumeroso.Ocontingentebrancohavia,porém,aumentado,comaretomadadaimigraçãoeuropeia,queseacentuaraapartirde1884.Entreesseanoe1893,entraramnoBrasil883.668imigrantes,dosquais510.533eramitalianos.29

5

Page 19: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Em 13 de maio de 1888, a nação brasileira estava a poucos passos da unanimidade, quanto aextinguir a escravatura. Bem distinto era o panorama das três primeiras décadas após aIndependência.Otráficonegreirotinhaasustentá-lonãosóospoderososinteressesdossenhoresdeterras e dosmercadores de escravos, mas também os ressentimentos e as apreensões de um paísrecém-independente,queviaumagrandepotênciaexercercontraeletodosostiposdecoação.Nãopodia oBrasil deixar de reagir às tentativas de lhe imporem de fora regras de conduta política ejurídica.EissoeraoquepretendiaaGrã-Bretanha.ApolêmicatravadanoBrasilentreabolicionistaseescravocrataséumexcelenteexemplodecomo

sãorarasasposiçõesideológicassimétricas.Aolongododebatesobreotráficodeescravos,haviaquem, para combatêlo, somasse a razões humanitárias as teorias pseudocientíficas em voga naEuropa, segundo as quais havia uma gradação de valor entre as raças humanas. Para os que seorgulhavam de estar em dia com as últimas palavras da ciência, era urgente deter a imigraçãoforçada de africanos, a fim de não comprometer ainda mais, com a proliferação de uma raçainferior,ofuturodoBrasil,jácastigadoporseuclimadoentio.Compunhamumasóedensateiaosconceitosdainferioridadedonegro,dadegenerescênciadomulatoedainsalubridadedostrópicos.Felizmente para a história do movimento abolicionista, os seus maiores líderes não só se

recusavam a pactuar com a ignomínia da escravidão, mas eram também isentos de preconceitosraciais—comooprovamaspalavraseasaçõesdeRuiBarbosa,CastroAlves,JosédoPatrocínio,LuísGamaeAndréRebouças,ostrêsúltimos,negrosoumulatos.Deoutrolado,haviaquemdefendesseacontinuação,aindaporalgumtempo,dotráficonegreiro,

por estar persuadido de que o escravo africano representava, para o Brasil, um fator deenriquecimentocultural,pelabagagemdeexperiênciasdevidanostrópicosquetrazia.Paraosqueassim pensavam, como Bernardo Pereira de Vasconcelos, a África não só povoava, mas tambémcivilizavaoBrasil.30Em2dejulhode1827,diziaclaramenteRaimundoJosédaCunhaMatosaoParlamento:“Eupor

modoalgummeproponhoadefenderajustiçaeaeternaconveniênciadocomérciodeescravosparao Império do Brasil; (...) o que me proponho é mostrar que ainda não chegou o momento deabandonarmosa importaçãodosescravos,poisque,nãoobstanteserummal,éummalmenordoquenãoosrecebermos.”31ParaCunhaMatos,nãopodiaoBrasil“rejeitarumimensorecrutamentodegentepreta,quechegariaaoestadodenosdarcidadãosativose intrépidosdefensoresdenossapátria”.Revelava-se,assim,sempreconceitosraciais,aoressaltaracontribuiçãodosafricanosparaaformaçãoeaconsolidaçãodoBrasil.Eadvertiaqueaintençãobritânica,aocombaterotráfico,erafazercessarocomércioentreosportosafricanoseasAméricas,paramaisfacilmenteassenhorear-sedaÁfrica.AprovadaaConvençãode23denovembrode1826,entreSuaMajestadeoimperadordoBrasile

SuaMajestadebritânica,paraacabarcomotráficonegreiro,epromulgadaaleide7denovembrode1831,queimpunhapenasaosimportadoresedeclaravalivretodoescravovindodeforadopaís,tudocontinuouasepassarcomoseessesdocumentosnãoexistissem.Emrespostaàinérciaouconivênciadasautoridadesbrasileiras,atodo-poderosaesquadrainglesa

começouausareaabusardodireitodevisitaebusca.Apresavaasembarcaçõesdostraficantesdeescravos. Vexava e apreendia os navios que se dedicavam ao comércio de produtos brasileiros(aguardentes,tabaco,charque,açúcaremanufaturas)eafricanos(azeitedecheirooudedendê,panosdacostaenoz-de-cola)quesehaviaminstaladonoshábitosdeconsumo,nosdoisladosdoAtlântico.BastavaumnaviohastearabandeiradoBrasilparasersuspeitodenegreiro.Aconstantehostilidadedamarinhabritânicafoipaulatinamentedestruindoasconexõescomerciais

legítimas que se tinham, como subproduto do tráfico de escravos, estabelecido entre o Brasil e aÁfrica.32Oprópriomovimentodepassageiros,quegarantiaocontatoentrefamíliasdivididaspor

Page 20: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

doiscontinentes,começouareduzir-seeacaminharparaaextinção.Com o pretexto de fazer cessar um comércio ignominioso, a Grã-Bretanha tentava assumir o

controledoAtlânticoaosuldo trópicodeCâncer.Esónãosecumpriu inteiramenteesseobjetivoporqueentraramnovosparceiros,sobretudoaFrança,nomesmojogo.Mudara,poucoapouco,aEuropa,deumapolíticadeempóriosnaÁfrica,paraumapolíticade

colônias.Da feitoria ao império.Do comércio à fixação.AGrã-Bretanha, a França e,mais tarde,outras potências europeias buscavam assegurar a divisão do continente africano em zonas demonopóliocomercial.Num primeiro momento, concentraram-se em tentar obter dos africa-nos a exclusividade de

compradoóleodepalma,ricoemestearina,utilizadonafabricaçãodevelasedesabões,omesmoazeitededendêque,maisrefinado,épresençafrequentenascozinhasafricanaebrasileira.Os óleos, as resinas, as ceras e a borracha erammatérias-primas indispensáveis à expansão da

indústriaeuropeia.NaEuropa,recobrava-seohábitoperdidodobanhoperiódico,que,noBrasilenaÁfrica,jamaisdeixoudeserdiário.Osabãofez-seartigocorriqueiroeimprescindívelemtodososlares.33Eoóleodedendêtornara-seoingredientepreferidoparaofabricodesabõesesabonetes,sobretudodepoisque,em1852,aMaisonRégis,doscomerciantesmarselhesesVictoreLouisRégis—osimpulsoresdapenetraçãocolonialfrancesanaÁfricaAtlântica—,descobriuumprocessodedescoloração,quefezextremamentepopularochamado“savondeMarseille”.34ParaassumiroplenodomíniodocomércioexteriordaÁfrica,osbritânicosefrancesestinhamde

constranger, reduzir e abafar a presença mercantil brasileira no outro lado do oceano. O tráficonegreiroera,pois,apenasumaspectodeumapolíticamaisampla,contraaqualseergueu,enquantoteveforças,aresistênciabrasileira.NoBrasil,emplenomarenaÁfrica.Àmedidaquecresciaafiscalizaçãobritânica,francesaeportuguesa,aumentavaeseaperfeiçoava

a rede de tráfico clandestino nas duas margens do Atlântico. Do lado brasileiro, os traficanteschegaram a ter um certo apoio popular, causado unicamente pela insolência britânica. Do ladoafricano,reis,sobas,chefesdecasaedirigentesdecomunidadesdebrasileirosasseguravamtantoocontrabandodeescravos,quantoocomérciodemercadorias.Seeraimpotenteparadestruirotráficonegreiro,aaçãoinglesacausavaosmaioresprejuízosao

comércioeàMarinhamercantedoBrasil.Aopartirdoprincípiodequetodaembarcaçãobrasileiraerasuspeitadecontrabandodeescravos,osbritânicosdetalformaasperseguirameagrediram,quedesestimularam os armadores do Brasil, fazendo com que boa parte do comércio do país para aEuropa e as Américas se processasse sob outras bandeiras, entre as quais sobressaía a do ReinoUnido.A coação britânica chegou até mesmo a estorvar a navegação de cabotagem. Após ter-se

promulgado o BillAberdeen, em 1845, os navios de guerra ingleses não hesitaram em abordarbarcosbrasileirosqueseencontravamnomarterritorialouancoradosnasbaíasdoBrasil.

6Todas essas violências contra o Direito Internacional faziam-se em nome dos deveres e das

obrigaçõesdas“naçõescultas”.Eramas“naçõescultas”queexigiamofimdotráficonegreiroealiberdade do comércio. E para essas nações, cada vez mais alimentadas pelos preconceitospseudocientíficosqueosdesviosdodarwinismoiamimpondoaopensamentoeuropeu,nãopodiasercultoumpaíscomooBrasil,de intensíssimamiscigenação,umpaísonde,comodiziaocondedeGobineau,ministrodaFrançanoRiodeJaneiroentre1869e1870,ninguém“édesanguepuro”e“ascombinaçõesdecasamentoentrebrancos, indígenasenegrossãodetalmodomultiplicadasqueasnuanças de carnação são inumeráveis”, produzindo “nas classes baixas, como nas altas, uma

Page 21: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

degenerescênciadomaistristeaspecto”.35Bempodemosimaginarosdesgostosqueodiplomatafrancêsexperimentaria,aoterdelidarcom

ospolíticosdoImpériodoBrasil,poisalgunsdentreeles,edosmaiseminentes,tinhamascendênciaafricana, comooviscondede Jequitinhonha, oviscondede InhomirimeobarãodeCotegipe, ummestiçoquefoichefedegoverno,naMonarquia,comoseriampresidentesdaRepúblicaocabocloFloriano Peixoto e os mulatos Nilo Peçanha e, se não mentem as fotografias, Campos Sales,RodriguesAlveseWashingtonLuís.Apesar da pressão das “nações cultas” contra um país mestiço e tropical, o contrabando de

escravosparaoBrasilsóterminouquandoassimdecidiuogovernobrasileiro.Duranteoperíododaperseguiçãoinglesa,otráficonegreirochegouatémesmoaaumentar.Osriscosdonegócioignóbilampliavamospreçosdevendadosescravoseincentivavamosambiciosos.Os preços subiram tanto, que os custos do trabalho escravo começaram a deixar de apresentar

vantagememrelaçãoaosdo trabalho livre.Sobretudonasnovasáreasdeexploraçãoagrícola.Asclassesagrárias sofriamo fortepesodasdívidascontraídascomosnegreiros,paraaaquisição, aalto custo, de escravos contrabandeados, de tal sorte que a extinção do tráfico passou a ser dointeressedaquelessenhoresdeterrasquequeriamlivrar-sedojugodausura.36Sentia-se,alémdisso,anecessidadededesviaroscapitais investidosnocomércionegreiroparanovosempreendimentosqueaexpansãoeconômicadopaísestimulava.Nãoteve,porisso,oministrodaJustiça,EusébiodeQueirós—umbrasileironascidoemAngola—,dificuldadesparaobterdoParlamentoaleide4desetembrode1850,quedeuaogovernopoderesamploseefetivosparaabolirotráfico.A repressão foi eficiente e imediata: destruíam-se os barracões que serviam de depósitos de

escravos; deportavam-se os traficantes estrangeiros (vários deles importantes credores dosproprietáriosrurais);perseguiam-seosnaviosnegreiros;osafricanosintroduzidosclandestinamentenopaíseramteoricamentelibertados.Em1842,entraramnoBrasil17.435escravos;em1846,50.324;em1848,60mil;em1850,23mil;

em1851,apenas3.287.37Em1852,setecentosescravosaindadescemnascostasbrasileiras,mas,nosdoisanosseguintes,nãohánotíciasdeafricanoscontrabandeados.Asúltimas tentativas conhecidas sãode 1855 e 1856.Emoutubrode 1855, aMarinhabrasileira

apreende,nacostadeSerinhaém,emPernambuco,umpalhaboteportuguês,construídoemAngola,com162escravosabordo.38E,emjaneirode1856,écapturada,nabarradeSãoMateus,noEspíritoSanto, a escuna norte-americanaMaryE.Smith, com350 escravos.39 Depois desse, nenhum novocasodecontrabandonegreirofoiidentificado.Otráficofora,dedireitoedefato,extintonoBrasil.Não terminaram, porém, os abusos britânicos. A extinção do tráfico fizera-se graças à ação

brasileira,àvontadebrasileira,masosagentesinglesescontinuaramaatuarcomoseoBrasiltivessedeprestarcontasdosseusatosàGrã-Bretanha.O“direitodevisita” foiaindaaplicadoporalgunsanosapós1850,gerandonovasreclamaçõesenovastensões.Em 1852, lorde Palmerston afirmava, no Parlamento britânico, que a Grã-Bretanha e o Brasil

estavam cooperando, por acordo, “no grande objetivo da repressão do tráfico”. A resposta dePaulinoJoséSoaresdeSousa,ministrodosNegóciosEstrangeirosdoBrasil,foicontundente:“Essacooperaçãonuncaexistiuporacordo,nemédeesperarqueestesedê,enquantoosnossosportosemares estiverem sujeitos às violências que temos sofrido. Temos reprimido o tráfico e devemoscontinuarareprimi-lo,atéextingui-lodevez,comacordoousemacordocomogovernobritânico,equalquerquesejaoseuprocedimento,porqueaissonoscomprometemosperanteomundo,eporqueisso é indispensável para a dignidade, segurança, moralidade e verdadeira felicidade do nossopaís.”40Que o tráfico clandestino para o Brasil se extinguiu pela ação das auto-ridades e da Marinha

brasileiras, e não pelos atos arbitrários daGrã-Bretanha, prova-o o fato de não ter conseguido a

Page 22: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

esquadrainglesadeterocomérciodeescravosparaCuba,cujosportosforamfrequentados,apartirde1849,porcercadedoismilnaviosnegreirosanuais.Entre1857e1862,onúmerodeescravosentrados emCubaultrapassou a cifra anual dedezmil indivíduos.O tráfico cubano só cessou em1865,pordecisãodogovernoespanhol.41AaboliçãodotráficoparaoBrasilocorreunomomentohistóricoemquemaissefaziamsentiros

efeitosdachamadaRevoluçãoIndustrialsobreasestruturasagráriaseuropeias.Aofertadetrabalho,pelomenosdesdeofimdaIdadeMédia,sempreseapresentara,naEuropa,maiordoqueademanda;e disso já se deduziu que foi a abundância de mão de obra branca barata o que impediu que aescravidão dos negros se convertesse numa instituição importante no continente europeu.42 Nocorrer do séculoXIX, acentuou-se o rompimento do equilíbrio rural-urbano e aumentaram aindamais os excedentes de mão de obra. A reserva de trabalho, que permitiria ao sistema industrialproduzir a baixos custos pela pressão sobre os salários, iria também provocar as grandes ondasmigratóriasquesedirigiram,noOitocentos,paraasAméricas.Razõespolíticas,comoperseguiçõesaminoriasnacionaisoureligiosas,pogronsesistemasabusivosdetaxaçãodapequenapropriedadeagrícola,iriamjuntar-seaoempobrecimentoruraldegrandesáreasdaEuropaeàsdurascondiçõesdevidanascidadesindustriais,paraincentivarabuscadenovaspátrias.Entre1850eosnossosdias,chegaramaoBrasilcercadecincomilhõesdeeuropeuseasiáticos,

entre os quais sobressaem, pelo número, portugueses, italianos, espanhois, alemães, japoneses,russos,austríacos,libaneses,síriosepoloneses.Somaram-seelesaosafricanostrazidospelotráfico—maisdetrêsmilhõesemeiodepessoas43—,aosdescendentesdosantigoscolonosportugueses,aos ameríndios e à grande massa de mestiços, continuando, até hoje, o intenso processo demiscigenaçãoétnicaeentrelaçamentocultural,iniciadonoséculoXVI.

7Durante45anos, aquestãodocomérciodeescravosazedouas relaçõesentreoBrasil eaGrã-

Bretanha.Mesmoapósacompletacessaçãodo tráfico,não terminaramosproblemasdiplomáticosdele decorrentes, arrastando-se por quase duas décadas as reclamações de particulares porapreensõesilegítimasdeseusbarcosebens.Acontendaprovocadapelotráficonegreirotravou-sesobretudocomaGrã-Bretanha,44masnão

faltaram incidentes com a França, com Portugal e com outros países europeus. A diplomaciabrasileira recusou-se a assumir compromissos que representassem uma forma de dependênciaconsentidaemrelaçãoàCoroabritânicaeprocuroumanterumalinhadeintransigentedefesa,frenteàs tentativas que fazia um país em pleno voo imperial para reduzir o Brasil à condição desemiprotetorado,emnomedeprincípioshumanitáriossemelhantesaosqueutilizavaparasubmetergrandepartedaÁfrica.Esse trabalho diplomático de neutralização dos esforços britânicos e de resposta aos atentados

contra a soberania brasileira fazia-se sobretudo no Rio de Janeiro, em Londres, Paris, Lisboa eWashington.EraextremamenterestritaapresençapolíticadoBrasilnaÁfricaSubsaariana.Epoucapossibilidadetinhaopaísdeatuar juntoàsestruturasdepoderafricanas, jáabaladaspelacrescenteintromissãoeuropeia.DuranteoséculoXIX,ospoucosrepresentantesoficiaisdogovernobrasileironaÁfricamantinhamdiálogosomentecomosfuncionáriosdaspotênciaseuropeiasqueexerciamaproteçãoouocontrolecolonialsobredeterminadasregiõesdocontinente.Por algum tempo, a presença oficial do Brasil naÁfrica ficou reduzida aos seus delegados na

ComissãoMistaBritânico-Brasileira da SerraLeoa, criada pelo artigo 4° daConvenção de 23 denovembrode1826.AComissão,comosuacongênerenoRiodeJaneiro,tinhaportarefajulgaroscasos de contrabando de escravos e as reclamações de proprietários de navios injusta ou

Page 23: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

equivocadamenteapreendidos.Essarepresentaçãonãofoiconstante,pois,duranteváriosanos,esteveoBrasilsemmembrosna

entidade,oucomapenasumcomissário,oqueocasionavagravesprejuízosaosseusinteresses.Emabril de 1833, o comissário-juiz era José de Paiva;Mateus Egídio da Silveira, embora nomeadocomissário-árbitro,aindanãochegaraaFreetown.Noanoseguinte,apartebrasileiradaComissãoestava completa, bem como em 1835, quando Mateus Egídio passou a comissário-juiz, sendocomissário-árbitroManoeldeOliveiraSantos.Em1836,ambospediramlicençaparatratardasaúde,tendomorrido logo depoisMateusEgídio.Em1837,Manoel deOliveiraSantos estava de volta àSerraLeoa, como comissário-juiz, sendo comissário-árbitro JoaquimFelicianoGomes.Em1838,vagou o lugar de comissário-juiz, e em 1839, também o de árbitro. Em 1840, HermenegildoFrederico Niteroi foi nomeado comissário-juiz, sendo comissário-árbitro Joaquim Tomás doAmaral,quesetornariacélebre,nahistóriadadiplomaciabrasileira,comoviscondedeCaboFrio.Em maio de 1844, já estavam, como comissário-juiz, Orlando Magno de Melo Matos, e comoárbitro,Manoel de Oliveira Santos. Um ano depois, extinguia-se a Comissão, por ter o governobrasileirodadoporterminadasasconvençõessobreotráficodeescravos.45Duranteavigênciadessasconvenções,osescravosencontradosnosnaviosnegreirosapreendidos

pela esquadra inglesa eram encaminhados ao Estabelecimento da Serra Leoa. Neles teve origemgrandeparte da elite de africanos serra-leonesesque tantos serviçosprestou àpenetraçãopolítica,econômica,militar, cultural e religiosa daGrã-Bretanha naÁfrica, e quemuitas vezes se rebeloucontraseusaspectosdiscriminatórios,bemcomo,maistarde,contraoprópriofatocolonial.46Para fazer faceaoproblemadosescravosqueseachassemnosnavioscapturadospelaesquadra

brasileiraouquetivessemsidointroduzidosilegalmentenoBrasil,aleide7denovembrode1831pressupunhanegociaçõescomasautoridadesafricanas,afimdequedessemasiloaessesnegros,queseriam “reexportados para a Costa d’África”. Embora muitos deles manifestassem o desejo depermanecernoBrasil, onde já eranumerosaapopulação livredeorigemafricana, a isso seopôsfirmementeoReinoUnido.Diantedasdificuldadesencontradasparanegociardiretamentecomasautoridadesafricanasedo

temor de que viessem esses negros,mal desembarcados naÁfrica, a ser de novo vendidos comoescravos, propôs oBrasil ao governo britânico que os acolhesse na Serra Leoa.47 Em resposta àsolicitação brasileira, Palmerston declarou que só poderiam ser recebidos em Freetown, caso oBrasilpagassepelamanutençãodecadaumdeles.48Maistarde,aGrã-Bretanhadispôs-searemetê-losparaTrinidad,ondeescasseavaamãodeobra.49Não se encontrou boa vontade em nenhuma das potências que tinham estabelecimentos ou

protetorados naÁfrica para solucionar o problema.OsEstadosUnidos alegaramquenãopodiamatuar no assunto, visto ser a Libéria uma empresa particular de colonização.50 O representantebrasileiro em Washington entendeu-se diretamente com os administradores da Libéria, delesrecebendo a indicação de que só poderiam abrigar os africanos libertados peloBrasilmediante opagamento de cinquenta pesos espanhois por unidade.51 A França e Portugal não chegaram a darresposta.Poralgumtempo,cogitou-seemcriarnaÁfricaumaespéciedeLibériabrasileira,pelacomprade

“algumterrenonaspossessõesportuguesas”,52paraondeseriamenviadososescravosque,trazidosdecontrabando,fossemlibertadospelaesquadraoupelasautoridadesdoBrasil.Nãofoipossível,noentanto,darrealidadeàideia.Ao extinguir-se a vigência da Convenção de 23 de novembro de 1826, o problema deixou de

existir.OsafricanosencontradosembarcosapreendidospelaMarinhabrasileirapassaramapoderpermanecernoBrasil.Oslocalizadospelaesquadrainglesacomeçaramaserremetidos,comtodaasem-cerimômia,paraacolôniadoCabo,paraacolôniadeDemeraraeparaasAntilhas.

Page 24: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Em1847,oBrasilcriouumVice-ConsuladoHonorárioemFreetown,tendoportitularJohnLoganHook.53E,em1850,HermenegildoFredericoNiteroi—omesmoquehaviasidocomissário-juiznaSerraLeoa—foifeitocônsul-geraleencarregadodeNegóciosinterinonaLibéria,paísquesehaviaproclamado república soberanaem1847.Foi, assim,Niteroioprimeiro representantediplomáticobrasileirojuntoaumgovernoindependenteafricano.54Na metade do século XIX, o Brasil também mantinha repartições consulares no Cabo da Boa

Esperança,55nailhadeSantaHelena56eemLuanda.AinstalaçãodesseconsuladoemAngolanãosefezsemdificuldades,etemasuahistória.Comoeranatural,tendoemvistaosvínculosexistentesentreoBrasileosterritóriosportugueses

naÁfrica,ogovernobrasileiro, tão logoviusua independência reconhecidaporLisboa,procurouinstalarumconsuladoemLuanda.E,pordecretode30deoutubrode1826,RuiGermakPossolofoinomeadocônsuldoBrasilemAngola.Logo em seguida, o governador de Angola, Nicolau de Abreu Castelo Branco, informava a

metrópoledequeadmitiraoagenteconsularbrasileironoexercícioprovisóriodeseucargo,masque“lhemarcaraprazodeoitomeses”,paraqueseobtivesse“arespectivaautorização”.Nãofoiofato bem recebido em Lisboa, que se apressou a recordar a Castelo Branco que se achava“rigorosamentevedada a residência de estrangeiros nas colônias portuguesas”, acrescentandoque,se, “durante o prazo que concedera ao dito cônsul, não recebesse o governador a indispensávelautorização,terminariaoreconhecimentoquelheprestara”.57Foi,assim,decurtaduraçãoapresençadoprimeiroagenteconsulardoBrasilemLuanda.Numde

seusúltimosofíciosaogovernadordeAngola,emfinsdenovembrode1827,manifestavaeleoseudesagradopelapoucaatençãodispensadaemLuandaàsuapessoa.58Nãodesistiu,porém,deseupropósitoogovernodoBrasil,queconsideravadamaiorimportância

ter umcônsul residente emLuanda, “como fimde vigiar sobre o armamento de embarcações depretosafricanos”,quedalieramcontrabandeadosparaoslitoraisbrasileiros.59Ainda em 1850, Paulino José Soares de Sousa,ministro dosNegócios Estrangeiros, reclamava

contraosobstáculosqueogovernoportuguêspunha“àadmissãodeagentesconsulares”doBrasil“nosportosdesuaspossessõesultramarinasabertosaocomércioestrangeiropelaleide5dejunhode1844”.EreiteravaqueareivindicaçãobrasileiratinhaporbasesoprincípiodereciprocidadeeaconveniênciadehaverquemcuidassedosinteressesdossúditosdoBrasilemAngola,“acudindo-lhesnosvexamesqueporvezestêmsofridodasautoridadesportuguesas”.60Asdiscussõespolíticas,asconspirações,ostumultoseastentativasderevoltaquesesucederam,

sobretudo em Benguela, após a Independência do Brasil, explicam a resistência portuguesa àinstalaçãodoconsulado.Surgira,nooutroladodoAtlântico,umpartidobrasileiro,empenhadoemunir Angola ao Império do Brasil.61 E tão tensa se tornou a situação, que correram temerosos einfundadosboatossobreaiminênciadeumataquearmadodaesquadrabrasileira,sobocomandodelordeCochrane.62Temiam as autoridades portuguesas que um cônsul do Brasil em Luanda pudesse, com sua

presença ativa, estimular um partido independentista angolano ou os defensores da união com oImpériobrasileiro,emboraestivesseessaúltimahipóteseexpressamenteproibidanotratadode29deagosto de 1825. Havia ainda o receio de que viesse o cônsul a contribuir para intensificar “anavegaçãobrasileira,ouacobertadapelopavilhãobrasileiro”,63entreosportosdasduasmargensdoAtlânticoSul.Issoocorreriaemdetrimentodosnaviosdebandeiraportuguesaedapolíticalusitanade reorientar para Portugal o comércio de Angola, que estava, antes da Independência do Brasil,tradicionalmenteligadoaoRiodeJaneiro,àBahiaeaoRecife.64Decidido o Brasil, em 1850, a extinguir o tráfico negreiro, aumentou seu interesse em ter um

consulado em Angola. Só assim poderia fazer frente ao contrabando de escravos, que dali tinha

Page 25: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

origem, em barcos brasileiros ou em navios que hasteavam as bandeiras portuguesa, norte-americana,espanhola,argentina,chilenaeuruguaia.Oassuntoresolveu-se,afinal,em17demarçode1854,dataemqueogovernodeLisboaconcordoucomoestabelecimentodeconsuladosdoBrasilem todos os portos ultramarinos abertos ao comércio estrangeiro.65 Criou-se o consulado emLuanda,66paraoqualfoinomeado,em23deagostode1854,HermenegildoFredericoNiteroi,quetinha larga experiência em assuntos africanos. Não tendo ele, por motivos que se desconhecem,seguidoparaopostonodevidotempo,foisubstituído,emjaneirode1856,porInácioJoséNogueiradaGama.67EstepermaneceuemAngolaaté1858,68quandotevesucessor.Em1863,EduardoSerendatassumiuocargodecônsulhonoráriodoBrasilnasIlhasMaurícias.69

Em1868, estabeleceu-se umvice-consulado na ilha deSãoTomé.70 E, em 1871, outro na ilha doPríncipe.71Foiessaapequenarepresentaçãoqueoestadobrasileiro,duranteamonarquia,mantevenaÁfrica.

ElacontrastacomasintensasrelaçõesqueentãoexistiamentreoBrasileocontinenteafricano.Essesistemaderelaçõesmuitosofreucomaextinçãodotráficonegreiro,quelheserviadebasee

acicate. E restringiu-se aindamais, àmedida que se processou a ocupação daÁfrica pelos paíseseuropeus.

8NoiníciodoOitocentos,erammaisnumerosososnaviosquefaziamopercursoentreAngolaeo

Brasil do que aqueles que ligavam os portos angolanos a Portugal. Tão intenso quanto o quevinculavaachamadaCostadosEscravosàEuropaeraotráficomarítimoentreoBrasil,deumlado,e,dooutro,osportosdaatualRepúblicadoBenim,doTogoedaNigéria.Opanoramatransformou-seporcompleto,menosdecemanosdepois.No fim do século XIX, o comércio de artigos brasileiros e de produtos africanos caiu

verticalmente e passou a efetuar-se sobretudo por intermédio de barcos europeus. Do tráfico depassageiros, pode-se dizer que praticamente terminou com o século, quase cessando de todo oscontatos entre as comunidades de brasileiros estabelecidos na Costa da África e seus parentes esóciosnoBrasil.ComotestemunhouNinaRodrigues,algunsnaviosavelaaindafaziam,naúltimadécadadoséculo

XIX,trêsaquatroviagensporanoentreaBahiaeLagos.TambémsaíamalgunsbarcosdoRecifeedoRiodeJaneiro.Neles iambrasileirosvisitaraÁfrica,ali fixar-seou fazercomércio,evinhamquase sempre “nagôs comerciantes, falando iorubano e inglês, e trazendo noz-de-cola, cauris,objetosdeculto,sabão,panodacosta,etc”.72Mesmo depois que terminaram as ligações marítimas diretas, houve teimosos que tomaram

paquetes ingleses até Dacar e dali seguiram, por barcos menores, para Lagos73 e outros portosafricanos,comobjetivoscomerciaisouafimdecumprirdeveresfamiliaresoureligiosos.Até1930,aindahaviamembrosda comunidadebrasileiradeLagosque importavamcarne-secadoBrasil.Oprodutofaziaumlongotrajeto,daBahiaoudePernambucoparaLasPalmasedaliparaaNigéria.74Desdeo iníciodo séculoXVIII,mas sobretudoapósas revoltasmuçulmanasde1807a1835na

Bahia—repercussões,noBrasil,daguerrasantaquemoviam,naÁfrica,UsumandanFodioeosseusseguidores—, instalaram-se,emváriospontosdacostaafricana,comunidadesdebrasileiros,quesededicaramaotráficodeescravos,aocomérciotransoceânico,aocultivodotabaco,docacau,damandioca e do algodão, à construção civil, aos ofíciosmanuais especializados e às profissõesliberais.Osmembrosdessascomunidadescompreendiam:brancos,mamelucos,cafuzos,mulatosenegros

nascidosnoBrasil;negrosnascidosnaÁfricalevadoscomoescravosparaoBrasiledeleexpulsos

Page 26: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

—comoapós a sublevaçãode1835,naBahia75—,ouque, alforriados, regressaramporvontadeprópriaaocontinenteafricano;osescravosqueesses indivíduosadquiriramnaÁfricaequenuncaestiveram no Brasil, mas assimilaram, por meio de seus senhores, os nomes e os hábitosbrasileiros;76mulatosenegrosque,retornandodepaísesdaAméricahispânica,como,porexemplo,Colômbia,CubaeVenezuela,seassociaram,pelassemelhançasdelíngua,condiçãoecostumes,aosbrasileiros e terminaram por se confundir com esses; os descendentes, nascidos na África, debrasileirose“brasileiros”.Algunsdosex-escravosquevoltaramàÁfrica instalaram-seemáreasdistantesemuitodiversas

culturalmentedesuasregiõesdenascimento.Mesmoaquelesqueregressavamàsterrasdeorigem,aliencontravamumacerradaestruturadesolidariedadetribaledehábitosaquenãomaissesentiamvinculados. Tinham-se, no exílio, abrasileirado. Procuravam, por isso, unir-se e formar núcleossociaispróprios.Chamaram-sea sipróprios,desdeo início,brasileiros, eassimsãoconhecidosatéhojeos seus

descendentes,apesardaguerraquecontraessadenominaçãomoveram,porexemplo,osdirigentesbritânicosdeLagos—interessados,dentroda lógicadocolonialismo,emdesvincularaÁfricadoBrasil.AsautoridadesinglesasdoqueviriaaseraNigériasempreinsistiramemqueelesdeveriamchamar-sede “iorubás repatriados”.Não foram,porém,ouvidas e, atémesmona correspondênciaque mantinham com os dirigentes coloniais, os membros dessas comunidades se denominavam“brasileiros”eassimdesignavamseusfilhosenetos.77

Page 27: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf
Page 28: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Concentravam-se geralmente em bairros próprios, como o “Brazilian Quarter”, de Lagos, o“QuartierBrésil”eo“QuartierMarô”,emAjudá(ouUidá).EmAcra,disseram-me,em1961,queopovo“tá-bom”—comoéconhecidaacomunidade“brasileira”—tambémtiverabairropróprio,queacabouporsedescaracterizar,talcomosucedeucomodeLagos,quesesituanumapartedacidadeondeéintensaaespeculaçãoimobiliária.Outrosgruposformaramvilasecidades,comoAtouetáePortoSeguro,ambasnoTogo.AprimeirafoifundadaporJoaquimd’Almeida78,easegunda,porlibertosjejesrepatriados.Essascomunidades,emAcra,Lomé,PortoSeguro,Anexô,Aguê,Cotonu,Ajudá,Abomé,Porto

Novo,Badagry,Lagos,aolongodacostaatlânticaatéoGabão(onde,em1972,encontreilembrançasde famíliasbrasileiras), reforçaram-secomomovimentode retornoàÁfrica,que severificounasegundametadedoséculoXIXesobretudoapósaaboliçãototaldaescravatura,em1888.Ascomunidades“brasileiras”existematéhojenaNigéria,naRepúblicadoBenim,noTogoeem

Gana,ondemuitosdeseusmembrosexerceram,eexercem,papelderelevonavidapolítica,culturale artística. Durante a disputa europeia pelo controle da África, os “brasileiros” opuseram-se aosinteresses alemães, britânicos ou franceses, ou se aliaram a uns contra os outros. No períodocolonial,prestaramserviçoàsadministraçõeseuropeiasou foramdosprimeirosaelas fazer face,como o nigeriano de origem brasileira Moses da Rocha,79 que, desde o início do século XX,procurou,emcontatocomintelectuaisnegrosdosEstadosUnidosedasCaraíbas,estimularacriaçãodeuma ideologiaafricana.Umdescendentedebrasileiro,comsangueameríndio,80 foioprimeiropresidentedaRepúblicadoTogo,SylvanusOlympio.Os “brasileiros” estão inteiramente identificados com o sentimento nacional dos países a que

pertencem.Mas,assimcomoos iorubáseos jejesdifundiramosseusvaloresculturaisnaBahiaedeles a impregnaram profunda e intensamente — sendo, de certa forma, os responsáveis pelapersonali-dadeespecialqueelapossui—e,assimcomooscongoseosangolanosimprimiramsuafortemarcaem todooBrasil,osbrasileirosnatosedeadoção,quese fixaramnaÁfrica,paraalitransferiram modos de vida, técnicas, tradições e gostos desenvolvidos na margem ocidental doAtlântico.Os seus descendentes não apenas ficaram irremediavelmente “abaianados”, “amaciados,

urbanizados, polidos pela Bahia”, como explica Gilberto Freyre,81 mas também acariocados oupernambucanizados.DoRecifepartiumuitagenteparaaÁfrica—e,aindaem1972,naprefeituradeAbomé,numalmoçocomasprincipaisfigurasdacomunidadebrasileiralocal,osnumerosospratosque nos ofereceram eram os mesmos que figurariam num encontro familiar de domingo emPernambuco.Osbrasileirose“brasileiros”levaramparaaÁfricaassuascomidasmestiças,comoofeijãode

leite de coco, a cocada, o pirão, amoqueca de peixe e o cozido,82 pratos que, por esses nomes,ligeiramenteadulterados, sãoatéhojeconhecidos.Comi,emCotonu,poissonaupiron.E comprei“cocado”naNigéria.Continuaramfiéisàssuasfestas,dançasefolguedos.Aobumbameuboi,porexemplo,chamado

“Boi”, em Lagos, e “Burrinha” ou “Burrinhão”, na República do Benim. Não abandonaram asmascaradas carnavalescas,83 a que assisti, em 1972, no pátio da casa do chachá, em Ajudá, e noterreirodoreidePortoNovo.Cantamedançamacompanhadosporinstrumentosdepercussão,entreos quais dois, o pandeiro e o prato e faca, são exclusivos, na África Atlântica, pelo que pudeobservar,dosgruposdebrasileiros.Difundiram o culto deNosso Senhor doBonfim e de SãoCosme eDamião.84 E impuseram o

sobrado neoclássico, algumas vezes com reminiscências barrocas, como a casa de rigor para asnovasclassesascendentes.85

Page 29: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Essetipodearquitetura,“queseencontraemtodasascidadesevilas”86—atédentrodopaláciotradicionaldeAbomé,ondeháumsobradoconstruídoparaoreiGuezopelochacháFranciscoFélixdeSouza—,ficouconhecido,naÁfrica,comoestilobrasileiro.Comopassardotempo,as linhasneoclássicassofreramalterações,queacentuaramoselementosdecorativosatéextremosdeexagero.Talqualsucedeucomachamada“casadebrasileiro”emPortugal.Foramosbrasileirososmestresdaconstruçãociviledamarcenariaaojeitoeuropeu.Marcaram

com seus padrões de gosto a estatuária dos cemitérios católicos, dali se espraiando suas liçõesestéticasparaosmonumentosfuneráriosdechefesenotáveis.DasfigurasdeanimaisemlouçaouemgessoqueornamascasascoloniaiseneoclássicasdoBrasilderiva,pelaaçãodosbrasileiros,umadasmaisimportantesformasnovasdeartedaNigéria—aoparecerdeUlliBeier87—,aesculturaemcimento,dequeháexcelentesexemplosaguardareaencimarasfachadaseosbalcõesdecasasricasounobres,comooPaláciodeAkure.Seaindahojeascomunidades“brasileiras”mantêmfielmenteoapegoafetivoaumBrasilqueé

sobretudoaidealizaçãodainfânciaoudeumsentimentodesaudade,transmitidodepaisafilhos,econservamuma forte consciênciadeunião (emque se traduz adeterminaçãodepossuir, comoosoutrosgruposque as cercam,umaunidadedeorigemepassado), bemmais forte tinhade ser, noséculoXIX,acoesãodessesnúcleosdeimigranteserepatriados.Amaioria deles era católica, mas havia também grande número de islamitas e de adeptos dos

cultosafricanos.Tãoforteetãoprofundaera,noentanto,aformaçãotrazidaouherdadadoBrasil,queosmuçulmanosbrasileiros tinhamumcomportamentosocialmaispróximodamaneiradeserdos católicos do que daquele que caracterizava os outros maometanos.88 Em Porto Novo eramchamados de “muçulmanos crioulos”, para distingui-los dos demais. Casavam-se frequentementecom moças católicas, transformando-se, assim, “numa espécie de ponte entre o cristianismo e oislame ”.89 Seus templos e os dos serra-leoneses, como as famosas Mesquita Shitta e MesquitaCentral,90emLagos,eramconstruídosnoestilobrasileiro.As comunidades brasileirasmantinham contatos entre si ao longo da costa e estavam atentas às

notícias do outro lado do Atlântico. Nas grandes datas, a bandeira do Brasil era hasteada naresidênciadochachá,emAjudá,eprovavelmentenascasasdeoutroschefesdegruposbrasileiros,poisalgunsdelesadotaramasformasexternasdasestruturaspolíticasousociaisqueosrodeavam,como,emAcra,ocorreucomopovo“tá-bom”.91Continuaramosbrasileirosacomemorar,naÁfrica,asdatasfestivasdoBrasil.Em8dedezembro

de1880,porexemplo,aCompanhiaDramáticaBrasileiraesuaorquestraofereceram,emLagos,umgrandeespetáculoemhomenagemaoaniversáriodoimperadord.PedroII.92Amesmacompanhiateatraleamesmaorquestraapresentariamfunçãosemelhante,em23demaiode1882,emregozijopelonatalíciodasoberanainglesa.93EnormefoiamanifestaçãodejúbilonaÁfrica,aosereceberanotíciadaAboliçãodaescravatura

noBrasil.AboanovasóchegouaLagosemagostode1888,efoicomemoradacomváriosdiasdefesta: missa solene, procissões, bailes, representações dramáticas, desfile carnavalesco emascaradas.94

Page 30: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf
Page 31: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Asfestividadeseaalegrianãoocultamofatodequealgumasdessascomunidadesdebrasileirosseformaram em função do tráfico de escravos, ou mesmo ao redor de traficantes famosos, comoFranciscoFélixdeSouzaouDomingosJoséMartins.Muitosdostraficantesedosmestresdenaviosnegreiros foram africanos ou brasileiros descendentes de africanos, o que não é de se estranhar,quando o observador se põe na perspectiva da época e verifica que os negros libertos, noBrasil,tambémeramcomfrequênciadonosdeescravos.

9Aconstância dos vínculos dessas comunidades com oBrasil, durante quase todo o séculoXIX,

explica-senãoapenaspelasafinidadesculturaisesentimentais,massobretudoporcoincidiremseusinteressescomosdocomérciobrasileiro,comomostraoquerestadaintensacorrespondênciaentrefirmasmercantisehomensdenegóciosdasduasmargensdooceano.95Porissomesmo,africanosebrasileiros não se limitaram a opor-se às medidas britânicas contra o tráfico de escravos;combateram também as investidas do renascente espírito colonialista europeu contra osintermediárioslocaisdocomérciodeazeitededendê,deceras,deresinas,demadeirasedemarfim.A importância que, por seus contatos comerciais, assumiram ao longo da costa terminaria

fatalmente por envolver as comunidades brasileiras nas disputas políticas internas dos reinos ecidades-estado que as abrigavam, nas lutas entre distintos grupos nacionais, no combate desigualcontraosinteressesbritânicos,francesesealemães,bemcomoporenredá-lasnumaintrincadasériede conluios, alianças e contra-alianças com os grupos europeus, contribuindo para prolongar eaguçarosatritosentreosdiversosinteressescoloniais.Jáem1778,os“brasileiros”deAntônioVazCoelhointervinhamnalutaentrePortoNovoeAjudá,

e contra Acpenu.96 Nos primeiros anos do século XIX, Francisco Félix de Souza expulsavaComalagã,régulodailhadeGliji,apósoterderrotadopelasarmas.97Maistarde,em1818,omesmoFélixdeSouzapraticamentecolocariaoreiGuezonotronodeAbomé.98Vemostambémosbrasileirosenvolvidosnadisputaentrebritânicosefrancesespeloprotetorado

sobrePortoNovo.Osbrasileiros locais lideravamopartidoantibritânico99 e impulsionaramo reiSojiaassinarcomaFrançaotratadodeproteçãode1863.Mas,seobrasileiroJoaquimManueldeCarvalho,sóciodeSojinotráficonegreiroenofornecimentodeóleodepalmaàMaisonRégis,erao orientador da política antibritânica, um outro, o grande comerciante Domingos José Martins,apoiavaapretensãodoreiGlelê,doAbomé,deserosoberanodePortoNovoedequasetodaacostada atual República do Benim. Martins opunha-se abertamente aos franceses, que ameaçavam omonopóliodocomérciodequeatéentãogozaraemCotonu.100ApósamortedeSoji,em1864,aposiçãodeCarvalhomudainteiramente.Começaahostilizaros

franceseseconseguecolocarnotronodePortoNovooreiMepon.101Nãoserestringe,noentanto,adar combate aos interesses franceses e a seu ex-parceiro Victor Régis. Mantém-se na linhaantibritânica:alia-seaKosoko,queosinglesestinhamexpulsadodeLagosparaEpe,eorganizacomeleumanovarededetráficodeescravos.102OepisódiodaquedadeKosokotalvezsejaoquemaispõeemrelevoaresistênciadosbrasileiros

àpenetraçãobritânicanaÁfrica.Etambémasdisputaspelopoderqueentreelessetravavam.A luta pelo título de ologun deOnim ouLagos, um complexo problema de sucessão dinástica,

tiveraraízesem1811.AomorrerAdele,em1834,avelhacontendareabriu-se,eKosokoreclamouodireitodeserreideOnim.FoipreteridoporOluwole,umdosfilhosdofalecidoologun.Exilou-se,então,emAjudá,ondearregimentouoapoiodosbrasileiros,desejososdeestabeleceremlugarmaisseguroumnovoportodeembarquedeescravosquenãofossetãofacilmentevisadopelaesquadra

Page 32: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

inglesa.Em1841,faleciaOluwole.Kosokoapresentoudenovosuacandidatura,masoeleitofoiseutio,

Akitoye, que gozava do apoio britânico. Inconformado, Kosoko, com o auxílio dos brasileiros,derrotou militarmente Akitoye em 1845 e, logo em seguida, começou a expandir o mercado deescravos,aqueLagosdeveseuprimeirograndeimpulsodecrescimentocomocidade.Akitoye refugiou-se emBadagry e aliou-se de corpo e alma ao partido inglês. Transformou-se

provisoriamenteemantiescravista.Como,porém,osbritânicos tardassememajudá-lo, logrou,em1847, o apoio econômico de Domingos José Martins, que, instalado em Porto Novo, desejavacontrolar o porto de Lagos, mais seguro para suas atividades de grande traficante de escravos.Organizou-se, sustentada por Martins, uma campanha militar contra Kosoko. Martins armou trêsgrandesnaviosquetrouxeradoBrasil103emobilizoutropasdetodasascidadescosteirasaonortedeLagosatéAjudá.Masseusesforçosmalograram.Os ingleses resolveram retomar a iniciativa e conduziram Akitoye para Fernando Pó, sob o

pretexto de protegê-lo. Ali obtiveram sua concordância expressa em extinguir o tráfico negreiro,casofosserecolocadonacadeiradeologun.Estava decidida a sorte de Kosoko. Em dezembro de 1851, os navios ingleses bloquearam e

atacaramLagos,expulsaramdacidadeKosokoeseusaliadosbrasileirosereinstalaramAkitoyenopoder.104AGrã-Bretanhapassou,defato,acontrolarLagos.Sintomaticamente, o primeiro tiro de canhão contra os barcos de guerra britânicos, que

bloqueavam a cidade, foi dado por um grupo de duzentos homens armados, sob a chefia de umbrasileiro,denomeLima.105Eentreasprimeirasmedidasadotadaspelosingleses,apósatomadadeLagos, figurou a expulsãodenumerososbrasileiros.Muitos deles acompanharamKosoko em seuexílio em Epe, de onde regressaria a Lagos, em 1852, para tentar inutilmente recuperar o poder.Outros se espalhariam por diversos pontos da Costa dos Escravos. E não foram poucos os quepassaram a cooperar com os ingleses e tentarammanter suas posições comerciais,mercadejandoazeitededendêeoutrosprodutos.A presença comercial do Brasil continuou a ser combatida em toda a costa africana pelos

britânicosefranceses,paraosquais,mesmoapósasdrásticasmedidastomadaspelogovernodoRiode Janeiro em 1850, os brasileiros e “brasileiros” eram inveterados e incorrigíveis traficantes deescravos.Havianissomuitaverdade,poisalgunsdelescontinuaramfiéisaocontrabandonegreiro,cujosportosdedestinosehaviammudadosobretudoparaCuba.Outros,porém, transformaram-seemexportadoresdeazeitededendê,demarfim,degomas,denoz-de-cola,demadeirasedeoutrosprodutos.Odesmantelamentodaredecomercialbrasileiradeu-seaomesmotempoqueodasestruturasde

poder africano em toda aÁfricaAtlântica.Os chefes das cidades costeiras dobravam-se, um apósoutro,diantedasdemonstraçõesdeforçados ingleses,francesesealemães,eviamseusterritóriosserem transformados em colônias, como sucedeu em Lagos em 1861. No ano seguinte, osmercadores brasileiros, dantes tão numerosos naquela cidade, estavam reduzidos a cinco.106 EmAjudá,PortoNovo,Badagry,PortoSeguroeCotonu,asfirmasmercantisbrasileirasforamperdendoimportância.Deumaperspectivabrasileira,atomadadeLagospelosingleses,em1851,esuatransformaçãoem

colônia,dezanosdepois,marcamoiníciodacorridadesenfreadaentreasnaçõeseuropeiasparaocontrole efetivo da África. Na passagem do século XIX para o século XX, a ocupação estavaconsumada,emboraaresistênciaafricanaaindasetenhaprolongado,emcertasregiões,atéquaseofimdaPrimeiraGuerraMundial.Aoterminarograndeconflito,todaaÁfrica—comasexceçõesdaEtiópiaedaLibéria—estavadominada.Osposterioresmovimentosdeoposiçãoaomandoeuropeujápertencemaumaoutravertentedahistória,queconduzàsindependênciasnacionais,concentradas

Page 33: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

emtornode1960.

10Emconsequênciadiretadofatocolonial,aÁfricadesapareceporalgumtempodaspreocupações

do estado brasileiro, sobrevivendo, no povo, como uma espécie de Jerusalém distante dos cultosafricanos.Algunscentrosreligiososiorubanos,comooAxéOpôAfonjá,lograramoquasemilagre—tendoemvistaamuralhainvisívelqueospoderescoloniaisestabeleceramnomeiodoAtlântico—depreservarapurezadeseusritos,pormeiodecontatosintermitentescomogolfodaGuinéegraças à rigorosa ortodoxia de alguns zelosos descendentes de africanos, como d. Eugênia AnaSantos,aAninha107,eofamosoMartinianodoBonfim.108EsteestudouemLagos,foiprofessordeinglêsebabalaônaBahiaetornou-seumdosmaioresconhecedoresdoscultosafro-brasileiros.Para as gentes do Brasil, a África deixou, por várias décadas, de ser uma entidade geográfica

precisaeconverteu-senosímbolodeumadifusanostalgia.Ofolcloreassegurou-lheavagaeestáticasobrevivênciaquecostumadaràscoisasquepassaram,quedeixaramdeterrelevâncianavidadiária.Ébemverdadeque, comodizLuísdaCâmaraCascudo,109 “nenhumacidadedestemundoestá tãopresentenascantigasbrasileirascomoLuanda”,maspoucosdosqueasentoamseriamcapazes,atéhá alguns anos, de localizála com precisão, como também não o fariam com o Congo, Cabinda,Guiné,Moçambique eQueto— que continuaram a ser reinos poderosos, nas festas populares doBrasil.Noplanoespiritual,essesnomesdereinos,regiõesecidadesservirammuitasvezesdesinônimos

para uma África que continuou viva no Brasil. Mas dentro dele. Coisa sua, misteriosa e íntima.Imagemdeumparaísoperdidooudeumaterraprometida—conceitosquenãopassam,comoosdeevocaçãoeprofecia,deduasfacesdamesmalâmina.

1976.

Page 34: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

NOTAS

1Fluxetrefluxdela traitedesnègresentrelegolfedeBéninetBahiadeTodososSantosduXVIIeauXIXesiècle,Paris:Mouton,1968,p.276e277.

2TradeRelationsbetweentheBightofBeninandBahia,17th-19thCentury,Ibadan:IbadanUniversityPress,1976,p.241.3RevistaTrimestraldoInstitutoHistóricoeGeográficoBrasileiro,tomoLIV,parteII,RiodeJaneiro,1891,p.161e162.4Ajan (ouOsinlokun) era, no início do séculoXIX, rei da cidade deEko, também chamadaOnimouLagos, e vassalo do obá do

Benim.(Cf.Verger,ob.cit.,p.270-272;eRobertS.Smith,KingdomsoftheYoruba,Londres:Methuen,1969,p.89e90.)5Reinouentre1816e1847.(JacobEgharevba,AShortHistoryofBenin,Ibadan:IbadanUniversityPress,1960,p.44esegs.)6NomequeopadreFerreiraPiresdáaAgonglo,que reinouentre1789e1797. (Cf.RobertCornevin,HistoireduDahomey, Paris:

Berger-Levrault,1962,p.115-117.)7CladoRibeirodeLessa(org.),Crônicadeumaembaixadaluso-brasileiraàCostad’ÁfricaemfinsdoséculoXVIII,incluindootexto

deViagemdeÁfricaemoReinodeDahomé,escritapelopadreVicenteFerreiraPires,noanode1800,eatéopresenteinédita,SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional(Brasiliana),1957.

8JoséHonórioRodrigues,BrasileÁfrica:outrohorizonte,RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1961,p.129-132.9J.F.deAlmeidaPrado,“ABahiaeassuasrelaçõescomoDaomé”,emOBrasileocolonialismoeuropeu,SãoPaulo:Companhia

EditoraNacional(Brasiliana),1956,p.183.10CapitalismandSlavery,Londres:AndréDeutsch,1967,passim.11Cf., por exemplo,C.W.Newbury,TheWesternSlaveCoast and itsRulers,Oxford:ClarendonPress, 1961; J.C.Anene, Southern

Nigeria inTransition(1885-1906):TheoryandPractice inaColonialProtectorate,Cambridge:CambridgeUniversityPress,1966;JohnD.Hargreaves,PreludetothePartitionofWestAfrica,Londres:Macmillan,1963.

12ImpostocobradopeloschefesdacostadaNigériaaoscomercianteseuropeus,paraquepudessemalinegociar.13AnaisdoParlamentoBrasileiro:CâmaradosSenhoresDeputados,SegundoAnodaPrimeiraLegislatura.Sessãode1827,tomo3,p.

12.14Ver,porexemplo,C.W.Newbury,ob.cit;J.C.Anene,ob.cit.,JohnD.Hargreaves,ob.cit.;MichaelCrowder,TheStoryofNigeria,

Londres:FaberandFaber,1962;L.H.GannePeterDuignan(org.),ColonialisminAfrica,1870-1960,v.1,Cambridge:CambridgeUniversityPress,1969;AlanRider,BeninandtheEuropeans,1485-1897,Londres:Longmans,GreenandCo.Ltd.,1969.

15Hargreaves,ob.cit.,p.22.16Cornevin,HistoireduDahomey,p.126;Hargreaves,ob.cit.,p.17.17 Vincent Monteil, L’Islam noir, Paris: Editions du Seuil, 1964, p. 250; Elizabeth Colson, “African Society at the Time of the

Scramble”,emColonialisminAfrica,org.GanneDuignan,v.1,p.38.18HádessahistóriaumbomsumárioemJ.C.Anene,ob.cit.19ComoR.J.Hammond,PortugalandAfrica(1815-1910):aStudyonUneconomicImperialism,Stanford:StanfordUniversityPress,

1966,p.42.20R.A.Kea,“FirearmsandWarfareontheGoldandtheSlaveCoastsfromtheSixteenthtotheNineteenthCenturies”,TheJournalof

AfricanHistory,v.XII(1971),n°2,p.201.21GavinWhite,“FirearmsinAfrica:anIntroduction”,TheJournalofAfricanHistory,v.XII(1971),n°2,p.180.22GilbertoFreyre,Casa-grandeesenzala,sobretudoocapítuloIV.23FormaçãohistóricadoBrasil,RiodeJaneiro,1930.24OnegroeogarimpoemMinasGerais,RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1964.25Ver,porexemplo,ArthurRamos,Onegronacivilizaçãobrasileira,RiodeJaneiro:CasadoEstudantedoBrasil,1956.26Diziaotextodalei,aquesedeuonomedeÁurea:“Art.1°—ÉdeclaradaextintaaescravidãonoBrasil,desdeadatadestalei.Art.

2°—Revogam-seasdisposiçõesemcontrário.”27ÉdisonCarneiro,“AescravidãoeaMonarquia”,Antologiadonegrobrasileiro,RiodeJaneiro:EdiçõesdeOuro,1967,p.91.28ÉdisonCarneiro,Ladinosecrioulos,RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1964,p.95.29JoséHonórioRodrigues,ob.cit.,p.61e71.30DiscursonoSenado,em25deabrilde1843:“AÁfricacivilizaaAmérica.”31AnaisdoParlamentoBrasileiro:CâmaradosSenhoresDeputados,SegundoAnodaPrimeiraLegislatura.Sessãode1827,tomo3,p.

12.32Ver,arespeito,RelatóriosdaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,RiodeJaneiro,1840a1870;NinaRodrigues,Osafricanosno

Brasil,SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional(Brasiliana),1932;PierreVerger,“InfluenceduBrésilaugolfeduBénin”,LesAfro-Américains,Mémoires de l’Institut Français de l’AfriqueNoire, no 27, Dacar, 1953, p. 11-99; Bahia and theWest Coast Trade

Page 35: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

(1549-1851),Ibadan:TheInstituteofAfricanStudies/IbadanUniversityPress,1964;eFluxetrefluxdelatraitedesnègresentrelegolfedeBéninetBahiadeTodososSantos;AntonioOlinto,BrasileirosnaÁfrica,RiodeJaneiro:EdiçõesGRD,1964;ManueldosAnjosdaSilvaRebelo,RelaçõesentreAngolaeBrasil,Lisboa:AgênciaGeraldoUltramar,1970.

33LewisMumford,TheCityinHistory,Harmondsworth:PenguinBooks,1973,p.533-534.34HubertDeschamps,Histoiredelatraitedesnoirsdel’antiquitéànosjours,Paris:Fayard,1971,p.223.35GeorgeReaders,LeComteGobineauauBrésil,Paris,1934.ApudJoséHonórioRodrigues,ob.cit.,p.79-80.36ÉdisonCarneiro,Ladinosecrioulos,p.91-94.37RelatóriodaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,RiodeJaneiro,1852,p.XIII.38RelatóriodaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,RiodeJaneiro,1856,p.16-20.39Ibidem,p.21-22.40RelatóriodaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,RiodeJaneiro,1852.41HubertDeschamps, ob. cit., p. 220 e 222.EricWilliams (FromColumbus toCastro: theHistory of theCaribbean— 1492-1969,

Londres:AndréDeutsch, 1970, p. 311-313) assevera que aGrã-Bretanha perdeu a guerra contra o tráfico, e estima que, após aextinçãolegal,em1820,docomércionegreiroparaCuba,entraramaté1865,nailha,200.354escravos.

42DanielP.MannixeMalcolmCowley,Historiade la tratadenegros, trad. espanholadeBlackCargoes: aHistory of theAtlanticSlaveTrade,Madri:AlianzaEditorial,1970,p.65.

43MaurícioGoulart(AescravidãoafricanadoBrasil,3aed.,SãoPaulo:EditoraAlfa-Ômega,1975)calculaqueingressaramnoBrasil3.600.000negros escravos.Bem semelhantes são os números dePhilipD.Curtin (TheAtlanticSlaveTrade.ACensus,Madison:University ofWisconsinPress, 1969): 3.655.000. JáRenato deMendonça propôs a cifra de 4.830.000, queÉdisonCarneiro (“AescravidãoeaMonarquia”,Antologiadonegrobrasileiro,p.90)considerouinferioràrealidade.

44Cf., por exemplo,LeslieBethell,TheAbolitionof theBrazilianSlaveTrade.Britain,Brazil and theSlaveTradeQuestion, 1807-1869,Cambridge:CambridgeUniversityPress,1970;JoséHonórioRodrigues,ob.cit.;eosRelatóriosdaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,RiodeJaneiro,1834a1870.

45RelatóriosdaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,RiodeJaneiro,1833a1846.46Newbury,ob.cit.,p.44,56,61,78-79;Crowder,TheStoryofNigeria,p.124-127;J.F.A.Ajayi,ChristianMissionsinNigeria,1841-

1891:theMakingofaNewElite,Evanston:NorthwesternUniversityPress,1969.47Relatório apresentadoàAssembleiaGeralLegislativapeloministro e secretáriod’estadodosNegóciosEstrangeiros emaSessão

Ordináriade1833,RiodeJaneiro,1833,p.4e5.48RelatóriodaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,1834,p.4e5.49RelatóriodaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,1836,p.6.50RelatóriodaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,1835,p.7.51RelatóriodaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,1836,p.6.52RelatóriodaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,1834,p.8.53 Logan esteve à frente do vice-consulado até 1871. A partir dessa data, deixa o vice-consulado de aparecer nos Relatórios da

RepartiçãodosNegóciosEstrangeiros.54HermenegildoFredericoNiteroirespondeupelarepresentaçãobrasileiraemMonróviaaté1854,quandofoitransferidoparaLuanda,

postoquenãoassumiu.Cf.RelatóriosdaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,RiodeJaneiro,1852,1853e1856.55OconsuladonaCidadedoCaboaparecepelaprimeiraveznoRelatóriodaRepartiçãodosNegóciosEstrangeirosde1841, sendo

seutitularJoãoStein,cônsulsemvencimentos.56GeorgeMoss foidesignado, em1848,vice-cônsulhonorárioemSantaHelena.Em1880, fizeram-nocônsulhonorário.Serviuaté

l888,quandooconsuladofoi,aoqueparece,extinto.Cf.RelatóriosdaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,RiodeJaneiro,1850a1888.

57ManueldosAnjosdaSilvaRebelo,RelaçõesentreAngolaeBrasil,p.233-234.58Ibidem,p.300-301.59RelatóriodaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,RiodeJaneiro,1835,p.5.60RelatóriodaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,1850.61ManueldosAnjosdaSilvaRebelo,ob.cit.,cap.V.62Ibidem,p.230-233.63A.daSilvaRego,Relaçõesluso-brasileiras,1822-1953,Lisboa:EdiçõesPanorama,1956,p.16.64ManueldosAnjosdaSilvaRebelo,ob.cit.,especialmentep.179-207e262-291.65RelatóriodaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,RiodeJaneiro,1854,p.XXXVI-XXXVII.66RelatóriodaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,1855,p.X.67RelatóriodaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,1856,p.7.

Page 36: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

68RelatóriodaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,1859.69Sópermaneceunocargoduranteaqueleano.OconsuladodeixoudefigurarnosRelatóriosdaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros

em1913.70OseuprimeirotitularfoiPedroZeferinoBarbozaPaiva,queodirigiuaté1875(RelatóriosdaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros,

RiodeJaneiro,1868a1875).71O primeiro vice-cônsul foiDomingosLakeMarsius, que semanteve no cargo até 1879 (Relatórios daRepartição dosNegócios

Estrangeiros,RiodeJaneiro,1871a1880).72OsafricanosnoBrasil,SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional,1932,p.160-161.Cf.tambémPierreVerger,Fluxetreflux,p.626e

629.73NinaRodrigues,ob.cit.,p.161.74AntonioOlinto,BrasileirosnaÁfrica,p.168.75Verger,Fluxetreflux,p.620-626.76RogerBastide,“CartadeÁfrica”,Anhembi,SãoPaulo,outubrode1958,p.335-338.77Verger,Fluxetreflux,p.620-626.78 Joaquimd’AlmeidachegouàÁfrica,vindodoBrasil, em1835,emorreuemAguê,em1857,conforme linomonumentoemsua

memória.79GeorgeShepperson, “TheAfricanAbroador theAfricanDiaspora”, emT.O.Ranger (org.),EmergingThemes ofAfricanHistory,

Dar-es-Salaam:EastAfricanPublishingHouse,1968,p.165-166.80RobertCornevin,HistoireduTogo,Paris:Berger-Levrault,1962,p.66.81“Acontecequesãobaianos...”,emProblemasbrasileirosdeantropologia,3aed.,RiodeJaneiro:JoséOlympio,1962,p.263-313.82PierreVerger,“Nigeria,BrazilandCuba”,NigeriaMagazine,númeroespecialdedicadoàindependência,Lagos,outubrode1960,p.

113-123.83 A.B. Laotan, The Torch Bearers or Old Brazilian Colony in Lagos, Lagos: The Ife-Loju PrintingWorks, 1943; Gilberto Freyre,

“Acontecequesãobaianos...”.84 Freyre, “Acontece que são baianos...”;A.B.Laotan, “Brazilian Influence onLagos”,NigeriaMagazine, n° 69, Lagos, agosto de

1961,p.165;Verger,Fluxetreflux,fotografiasn°34e42.85AlémdosdoisúltimostrabalhoscitadosdePierreVergereLaotanedoestudodeGilbertoFreyre,cf.UlliBeier,ArtinNigeria—

1960,Cambridge:CambridgeUniversityPress,1960;JanheinzJahn,ThroughAfricanDoors,trad.deOliverCoburn,Londres:FaberandFaber,1962,p.23,81e183;AntonioOlinto,BrasileirosnaÁfrica.

86JanheinzJahn,ob.cit.,p.23.87Ob.cit.,p.11-13.88Monteil,L’Islamnoir,p.198.89Ibidem.90OsriscosdeambassãodaautoriadeJoãoBaptistadaCosta(Laotan,“BrazilianInfluenceonLagos”,p.159-161).91RaymundoSouzaDantas,Áfricadifícil,RiodeJaneiro:Leitura,1965,p.42-48.92Verger,Fluxetreflux,p.626.93MichaelJ.C.Echeruo,“ConcertandTheaterinLateNineteenthCenturyLagos”,NigeriaMagazine,n°74,Lagos,setembrode1962,

p.69.94Verger,ob.cit.,p.626-627.95PierreVerger,“InfluenceduBrésilaugolfeduBénin”,p.53-98.96Cornevin,HistoireduDahomey,p.113.97RobertCornevin,HistoireduTogo,ob.cit.,p.123.98Verger,em“InfluenceduBrésilaugolfeduBénin”,transcreveosprincipaistextossobreoChachá,escritosporviajantes,cônsules,

traficanteseeruditosdaépoca,taiscomoFrederickE.Forbes,TheodoreCanot,RobertBurton,opríncipedeJoinville,A.B.ElliseJohnDuncan.Cf.tambémNinaRodrigues,OsafricanosnoBrasil,p.46-49;PaulHazoumé,LePactedeSangauDahomey,Paris:Transactions et Mémoires de l’Institut d’Ethnologie, XXV, 1937; Norberto Francisco de Souza, Contribution à l’histoire de lafamilledeSouza, emÉtudesDahoméennes,XIII,PortoNovo,1955; J.F.deAlmeidaPrado, “ABahiae as suas relaçõescomoDaomé”,p.159-203;GilbertoFreyre,“Acontecequesãobaianos...”,p.303-308;RobertCornevin,HistoireduDahomey,p.119e268-272,eHistoireduTogo,p.122-123;PierreVerger,Fluxetreflux,p.460-467;ZoraSeljan,“XaxáIesuahistória”,CorreiodaManhã,RiodeJaneiro,29dejunhode1963;HubertDeschamps,ob.cit.,p.211e212;R.J.Hammond,ob.cit.,p.69e70;DanielP.MannixeMalcolmCowley,ob.cit.,p.225e226.

99Hargreaves,ob.cit.,p.60e110-112.100Ibidem,p.116.101Ibidem,p.118.

Page 37: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

102Newbury,ob.cit.,p.63.103DavidA.Ross,“TheCareerofDomingoMartinezintheBightofBenin,1833-64”,TheJournalofAfricanHistory,Londres,v.VI

(1965),n°1,p.80.104Cf.MichaelCrowder,TheStoryofNigeria,p.127,129,134,139,140e149;Newbury,ob.cit.,p.46-48e54;eJ.F.AdeAjayi,

“TheBritishOccupationofLagos,1851-1861”,NigeriaMagazine,n°69,Lagos,agosto1961.105Verger,Fluxetreflux,p.557e558.106K.OnwukoDike, “Trade and theOpeningupofNigeria”,NigeriaMagazine, número especial dedicado à independência, Lagos,

outubrode1960,p.51.107 “Aninha”, Estado daBahia, Salvador, 5 de janeiro de 1938.Apud ÉdisonCarneiro,Antologia do negro brasileiro, p. 434-436;

ÉdisonCarneiro,Ladinosecrioulos,p.207e208.108ÉdisonCarneiro,“MartinianodoBonfim”,Antologiadonegrobrasileiro,p.437;eCandomblésdaBahia,3a ed.,Rio de Janeiro:

Conquista,1961,glossário.109MadeinAfrica,RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1965,p.20-22.

Page 38: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

O

OBrasil,aÁfricaeoAtlânticonoséculoXIX

iníciodo séculoXIXcaracteriza-seporumaguçamentodosnacionalismos.NãosónaEuropa,mastambémnasduasmargens,maisaosul,doAtlântico.NasAméricas,ascolôniasespanholase

portuguesaindependentizam-se;naÁfrica,osgrandesagrupamentosétnicosseconsolidam.O Oitocentos é também o século em que o Reino Unido procura fazer do Atlântico um mar

britânico;oséculoemquesedestroiocomérciotriangularentreaEuropa,aAméricaeaÁfricaeemquesedesfazemasligaçõesbilateraisentreosdoisúltimoscontinentes;eoséculoemquecome-çama integrar-sena comunidademundial, aindaquedemodo imperfeito, asnações africanas, atéentãoforadasgrandesrotasdocaravaneiroedonavegador.Narealidade,aÁfricasóabriaumpoucodasuacasca.Eassimforadesdesempre.Oestrangeiro

paravanoSudd,aosuldaNúbia,emUalata,Gana,Gaô,TombuctuenoscaravançaraisdoSael,emQuíloa,Mombaça,Angoche,ZanzibareoutrasfeitoriasdoÍndicoe,desdeaaberturadoAtlântico,nosentrepostosefortesdeGoréa,Cacheu,Mina,Ajudá,Luanda,Benguelaetantosmais.Atémeadosdo séculoXIX, só em algumas poucas áreas o europeu avançava alguns passos para fora de seusmurosepaliçadase,namaiorpartedoscasos,comoconsentimentoeoapoiodosafricanos,ousobsuavigilância.Isso não impediu que se fossem estabelecendo, desde o séculoXVII,mas sobretudo a partir do

XVIII, fortes vínculos entre certos pontos do litoral africano e as costas atlânticas das Américas,comoconsequênciadotráficodeescravos.Ocomérciodebraçoshumanosnãoaproximouapenasaspraiasqueficavamfrenteafrente,masestendeusertãoadentrooseualinhavado,umavezquenãopoucos dos escravos trazidos para o Brasil e que foram trabalhar emMinas ouGoiás vieram deregiões do interior do continente africano, das bordas dos desertos e das savanas. Não eram,portanto, falsos, como pareceram a tantos leitores e críticos, os versos em que Castro Alves sereferia a escravos vindos de regiões áridas. O poeta sabia do que falava, quando, em “O navionegreiro”,descreveuoscativosadançaremnoconvéscomoosfilhosdodeserto

Page 39: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

ondeaterraesposaaluz,

Page 40: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

ondevoaemcampoaberto

Page 41: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

atribodoshomensnus...

Ouquando,em“Acançãodoafricano”,dissedaterradestequeosolfazlátudoemfogo,

Page 42: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

fazembrasatodaaareia.

Aindaqueoscontatosdiretos entre europeus, americanose africanosnãopassassem,naÁfrica,

muito além da linha em que findavam as praias, as notícias esgarçavam-se pelo interior e certasnovidades,esócertasnovidades,expandiam-serapidamente.Assim,aÁfricarecebeueafricanizouarede,amandiocaeomilho,enquantooBrasileCubafaziamseusodendê,amalaguetaeapanariadaCosta.As trocas deram-se nas duas direções, e a cada um dos lados do Atlântico não era de todo

desconhecidoeindiferenteoquesepassavanooutro.AIndependênciadoBrasil,porexemplo,nãoficoudespercebidanaÁfrica—eoprovaoteremsidodoisafricanososprimeirosreisareconhecê-la,oobáOsemwede,doBenim,eoologunAjan(ouobáOsinlokun),deEko,OnimouLagos.1EmAngola, os acontecimentos de 1822 tiveram enorme impacto, chegando a gerar uma correntefavorávelàseparaçãodePortugaleàuniãoaoBrasil.No território brasileiro, reis e nobres africanos, vendidos por seus desafetos como escravos,

buscaram,algumasvezes, reconstruiropoucoquepodiamdasestruturaspolíticase religiosasdasterrasdeondehaviampartido.Issoter-se-iaverificado—paracitarocasomaisdiscutido—comNãAgontimé (Na Agotime ou Naye Agontinme), viúva do rei Agonglo e mãe do rei Guezo, doDanxomé,Dangomé,Daomei ouDaomé.Passada àsmãos dos traficantes pelo reiAdandozan, elateria refeito os seus altares na Casa das Minas (ou Querebetam de Zomadonu), em São Luís doMaranhão.2Outros sonharam voltar àÁfrica e reaver as posições perdidas, não se excluindo quehajamconspiradopara isso.Nãofaltariaquemlhes levassemensagensaadeptosedescontentesnaterranatal,poisatripulaçãodosnaviosnegreiroseraemgrandeparteafricana.Umdessespríncipesquaselogroutornarrealosonho.Chamava-seFruku,noDanxomé,efoivendidoaoBrasilpeloreiTegbesu.ViveunaBahia24anosevoltouàCostadosEscravoscomonomeded.Jerônimo.Ecomod. Jerônimo, “o Brasileiro”, o príncipe Fruku disputou o trono do Danxomé, após a morte deKpengla,esóporpoucooperdeuparaAgonglo.3Repito:muitodoquesepassavanaÁfricaAtlânticarepercutianoBrasil,evice-versa.Oscontatos

atravésdooceanoeramconstantes:oscativosquechegavam traziamnotíciasde suasnações, eosmarinheiros,osex-escravosderetornoeosmercadoreslevavamasnovasdoBrasiledosafricanosqueaquiviviamparaumaÁfricaqueeraainda,noiníciodoséculoXIX,umcontinentesemsenhoresexternos.De colônias, havia somente oCabo daBoaEsperança e as possessões portuguesas.Não tinham

estas,porém,asdimensõesterritoriaiscomquefigurariamdepoisnosmapas.Cadaumaeraapenasumacoleçãodepequenas cidades, vilas, vilarejos, fazendas e entrepostos comerciais, com restritoacesso às terras que as circundavam e ainda menor controle efetivo sobre elas. Os numerososestabelecimentoseuropeusencravadosemoutrospontosdaCostaedaContracostapagavamaluguel,tributos ou taxas de comércio aos reis, régulos ou chefes locais. Feitoriasmercantis, quase todasdedicadas primordialmente ao tráfico negreiro, como Saint-Louis, Goréa, Cacheu, Mina e CapeCoast, suas populações continham alguns mulatos. Estes eram também visíveis nas comunidadesfundadasporex-escravosretornadosdoBrasiledeCuba,comoAtouetá,enosbairrosbrasileirosdeAcra,Anexô,Aguê,Ajudá,PortoNovo,BadagryeLagos.HaviaaindaocasoespecialdeFreetown,naSerraLeoa,ondeosbritânicoscolocaram,comocolonos,noreinotemnedeKoya,ex-escravosque combateram ao lado deles naGuerra da Independência dos EstadosUnidos.O exemplo seriaseguido, mais tarde, em Bathurst, Monróvia e Libreville. Esses refúgios para ex-escravostransformaram-seemembriõesdecolônias—adaSerraLeoajáem1808—edeumarepúblicanos

Page 43: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

moldesamericanos,aLibéria.

Page 44: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf
Page 45: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

ApresençapolíticaeuropeianaÁfricaera,portanto,muitolimitada.Discreta.Nãosecomparavaàdoislame,que,desdeoséculoIX,atravessaraodesertoeseforalentamentederramandopeloSaeleasavana.NoscomeçosdoséculoXI,osreisdeGaôedoTacrurjáerammuçulmanose,nasegundametadedoXIII,ummansaousoberanodoMalifaziaaperegrinaçãoaMeca.NoDuzentos,TombuctueJennétornaram-seimportantescentrosdesaberislâmico,seuspassossendoseguidos,maistarde,pelosburgosamuralhadosdoshauçás.NoiníciodoséculoXIX,dassavanasdoSenegalaoplanaltodoAdamaua,asinstituiçõespolíticasaspiravamaajustar-seaomodelomuçulmano,easelitesliamoárabeeestudavamoAlcorão,aindaquandoasmassascontinuassemfiéisàscrençastradicionais.Emmuitos lugares, muito antes do primeiro pregador muçulmano, chegavam do Egito, da Líbia, doMarrocosoudoSael islamizadooturbante,aselacomestribo,certosmodosdevidaeatémesmovolumesdoAlcorão,comoprestígiodeobjetomágico.TambémaaberturadoslitoraisatlânticosteriaefeitosmuitomaisprofundossobreaÁfricadoque

faria prever a diminuta presença de europeus nas franjas do continente. Pela difusão das plantasamericanas, principalmente da mandioca e do milho, que alteraram substancialmente a dieta denumerosas populações. Pela introdução das armas de fogo. Pelo surgimento de nova e crescentedemandadeescravos,maisdinâmicaevorazdoqueasdoMagrebe,doOrienteMédioedoÍndico.Epelaatlantizaçãodeboapartedocomércioàdistância,comperdasparaasrotascaravaneirasdoSaeledodesertoeparaasestruturaspolíticasquedelasdependiam.Osmercadostransatlânticosseforampaulatinamentetornandomaisimportantesdoqueosantigos

empórios transaarianos. A vinculação floresta-savana-Sael-deserto-Mediterrâneo foi parcialmentesubstituídapela ligação savana-floresta-praia, ou a ela, estendendo-a atéoMarOceano, se somou.Acentuaram-se,consequentemente,osliamesentreosváriospontosdolitoralatlântico,tornando-semaisintensasasatividadesaolongodacostaeasviagensdepraiaapraiaquefizeramfamosososremeiros krus da Libéria. Essas viagens deram renome não só a eles,mas também a outros, queremavamde praia empraia ou desciam até a foz dos rios, comoos ijós do delta doNíger, cujasalmadiasassimdescreveu,noEsmeraldodeSituOrbis4,malentradonoséculoXVI,DuartePachecoPereira:“Todasfeitasdeumpau(...),algumasdelashátamanhasquelevarãooitentahomens,eestasvêmdecimadesterio(oReal),decemléguasemais,etrazemmuitosinhames(...)emuitosescravosevacasecabrasecarneiros.”Qual sucedera, séculos antes, com a chegada do cavalo como animal de guerra às estepes

ressequidaseàs savanasdaÁfricaOcidental, asarmasde fogoalteraramas táticasdeguerraeasrelações de força interafricanas. Cresceu o poder centralizador dos reis, que procuravammonopolizar o comércio externo e, portanto, o acesso aosmosquetes e à pólvora.Novos estadossurgiram de chefias que controlavam os caminhos para o mar, e outros se consolidaram eexpandiram,muitasvezessobreabasedeumintensosentimentonacional.Na África, sempre houve nações, como definidas por Renan: povos unidos pelo sentimento de

origem,pelalíngua,pelahistória,pelascrenças,pelodesejodeviveremcomumeporigualvontadededestino.Esemprehouvenaçõesquesecristalizaramemestados.BastalembrarGana,construídapelos soninquês, e oMali, com seunúcleomandinga.Opreconceito teima, entretanto, emchamartribosàsnaçõesafricanas, sem teremcontaa realidadedequenãosão tribosgruposhumanosdemaisdesessentamilhõesdepessoas,comooshauçás,ousuperioresousemelhantesemnúmeroàspopulaçõesdaBélgica,doChileedaSuécia,quandonãodaArgentinaedaEspanha.Oconceitodenação podia ser, aliás, aindamais profundo, naÁfrica, do que o enunciado porRenan.Assim noDaomé.Maisqueumestado-nação,oDaoméeraumarealidadeespiritual:asomadosfonsmortosdesdeoiníciodomundocomosvivosecomosqueaindahaviamdenascer.Anaçãodesdobrava-seno tempo, sob disfarce de eternidade: dela e de sua representação como estado não se excluíam

Page 46: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

ancestraisevindouros.Osentimentonacionalistaexpande-seeseadensanaÁfricadoséculoXIX.Torna-semaisintenso

emestadosmuitoantigos,estadosquepodiamterváriosséculosdeexistência,comoIfé,Benim,Oió,Bornu,KanoeKatsina.Afirma-seemnovosreinos,quetomaramformaeforçasoboestímulodotráficodeescravos.ComooAxante,queseencorparacomaproduçãoeocomérciodoouroedanoz-de-cola,antesdeseassentarnavendadaescravaria.ComooDaomé,comerciantedeescravosquase desde o início. Como outros estados que, tendo ganhado vigor com o tráfico humano,continuaram,depois,acrescer,comomercadejodagoma,dacera,dacola,dodendê,domarfimedaborracha.Donacionalismosurgeumanova ideiadeestado.Opoderemexpansãonãobuscamaisapenas,

comonos impériosdeGana,Mali,BornueSongai, submeteroutrosagrupamentoshumanos,paraque lhe paguem tributos e lhe engrossem os exércitos, sem desrespeitar ou destruir as estruturassociaiseosmodosdevidadosvencidos.OmodelodoMali,noqualanaçãomandingaseimpunhasobre as demais, sem exigir dessas, contudo, que abandonassem língua, religião, costumes e osprópriosreis(quegeralmentecontinuavamnomando,aindaquevassalosdomansa),passaasofreracompetiçãodeumoutroemque,talcomosucederanaFrançaeviriaaacontecernaAlemanhaenaItália, se tentaria aglutinar os diversos grupos ao dominante, dissolvê-los e aculturá-los, parauniformizaroestado.Umestado,umanação—esteodesideratodoszulusedosangúnis.NãoeramuitodistintooobjetivodasguerrassantasislâmicasdeUsumandanFodio,SekuAhmadueElHajiOmar:erguerestruturasdepodernasquaissóteriaaplenitudedacidadaniaquemfossemuçulmano.Masnãoapenasnovosestados,comoosfundadosoureformadosporesseslíderesfulas,aspiravamàuniformidade.Reinosantigostambémambicionaramtornar-seteocracias.EdesejosemelhantedeumimpérioemquetodosrezassemprostradosnorumodeMecajamaisabandonouSamoriTouré.AsguerrassantasnaÁfricaderivaramdorenascimento,nasegundametadedoséculoXVIII,deum

islamefervorosoemilitante,dequedãoexemploosvaabitas,naArábia,eoreflorir,noEgitoenoMagrebe,dosufismoedaordemmísticaemilitardaCadirija.EstaúltimatinhapresençaeinfluêncianoSudãoOcidental,desdeofimdoQuatrocentos,quandoAl-MaghiliandaraapregarnoBornuenaHauçalândia,acenandocomavindadeummádiqueimporiaaoBiladal-Sudan,o“paísdosnegros”,overdadeiroislame,purificando-odetodosincretismoedestruindodevezasreligiõespagãsquecomeleconviviam,comoocultodosboris,entreoshauçás.O jihadmais famoso, e o quemais interessa aos brasileiros, foi o de Usuman dan Fodio, um

xeque,poeta,teólogoepensadorfula,sufistaecadirija.NascidonoreinodeGobir,nonortedaatualNigéria,criou-seelenumambiente intelectualmenterequintadoeplenodecontrovérsias,odaelitefula,minoriaétnicaembutidanamaioriahauçáeadever incômodaobediênciaaumsarqui ou reinominalmentemuçulmano,mas não estrito o bastante para ser considerado um verdadeiro crente.ParaUsumaneseusamigosfulas,eraescandalosoqueosfiéisfossemgovernadosporímpiosequese reduzissem islamitas à escravidão. Instou com o soberano deGobir para que nãomais fizesseconcessões ao sincretismo prevalecente na Hauçalândia, para que fizesse calar os tambores,transformando-os em manjedouras, e para que abandonasse os ritos de fertilidade da terra, queconflitavam com o islame .Diante da recusa do rei, que não podia furtar-se a práticas religiosastradicionaisemquesefundavaasualegitimidadeeoseupoder,UsumandanFodiocumpriuasuahégiraemGudu,ondesefezimamedeumpequenoestadoteocrático.Em1804,apósreceber,numavisão,a“espadadafé”doprópriofundadordaordemdeCadirija,

Abdal-Cadir,que tinhaa seu ladooprofetaMaomé,proclamouaguerra santacontrao sarqui deGobireosoutrosreishauçás.Seustextosdepregaçãoepropaganda,emárabe,hauçáefulfulde(oidiomadosfulas),ganharamrapidamenteascidadeseatraíramparaosseusexércitososletradosemercadoresurbanos,aosquais se somaramfulasquenãoeramsequermoslins,pastoresanimistas

Page 47: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

queviviamnos arredores das comunidades amuralhadas hauçás e colidiamcomestes pelo uso daterra.Acampanhatomou,assim,afeiçãodeumaguerraque,sendoreligiosa,sendomuçulmana,eratambémnacional,eratambémfula.Em1812, vitória após vitória,Usuman dan Fodio tornou-se califa de um grande império, o de

Socotô, controlado por uma aristocracia fula, que rapidamente se hauçaizou.Esse império viria acobrirnãoapenasamaiorpartedosterritórioshauçás,mastambémonortedoIorubo,submetendoaosfulasoque,comoIlorin,estiverasobasuseraniadeOió.Sóoscamposcobertos,oscerradoseasmatas,adversáriosnaturaisdacavalaria,pararamaarremetidamuçulmana.Poisosfulashaviammontadoacavalo,seguindooexemplodoshauçás,que,convertidosaozelodeseusnovossenhores,passaramaformarogrossodesuastropas.Efoiacavaloqueosmuçulmanosforamvencidosem1840, em Oshogbo, pelos exércitos de Ibadan. A revolução islâmica de Usuman dan Fodio iria,porém, iludir a floresta, passar por entre o Iorubo dos orixás e prolongar-se no Brasil, com aschamadasrevoltasdosmalês,naBahia.NinaRodrigues5percebeucomclarezaque,“paraapreenderaverdadeirasignificaçãohistórica”

dessas revoltas, era “mister remontar às transformações político-sociais que a esse tempo seoperavam no coração daÁfrica”.Vinculou-as ao jihad deUsuman dan Fodio— ameu ver, comrazão.6Ospoucosfulaseosmuitoshauçáseiorubás(estesúltimosrecém-convertidosaoislamismo)aprisionadosnasguerraseembarcadoscomoescravosparaoBrasilaquiprosseguiramacatequeseeosonhodocalifado.Aalgumasdas insurreiçõesdo iníciodoséculoXIX,naBahia,esobretudoàmaiordetodas,ade1835,emqueosiorubásounagôseramogrupomaisnumeroso,ecomoqueapenasacompanhadosporhauçás,nupes, jejes,bornusebaribas,opovobaianodeuonomejusto,porque percebeu o seu caráter político-religioso. Chamou-lhes guerras dos malês, isto é, dosislamitas,poisimalêquerdizermoslimemiorubano.As rezas, as transcrições de suras e os amuletos apreendidos pela polícia, em 1835, estavam

escritosemárabe.Namaioriadoscasos,emárabecorretoebem-ortografado,navariantedocursivomagrebinocorrenteentreosfulasdeUsumandanFodioederigoremtodooSudãoOcidental,7amesmagrafiadosnumerososgrigrisqueNinaRodriguespôdeaindarecolherentrenegrosislamitasbaianos, no fim do século.8 Um dos textos colecionados pelo autor de Os africanos no Brasil,embora em caracteres árabes, não pôde ser traduzido. Nina Rodrigues sugeriu que estivesse emidiomahauçá.9Nessecaso,estariaemajami,istoé,noalfabetoárabeaservirdeveículoaohauçáeaofulfulde.OamuletodequeNinaRodriguesnãologrouleituratalvezcontivesseumaprece.Mastalveznão transcrevesseumversículodoAlcorão,por ser issocontrárioao islamismoestritoquepregavaUsumandanFodio.Esteescreveuemhauçásermõesemverso.EhouveumcertomomentoemquecomeçouaverterparaaqueleidiomaoAlcorão.Nãodeu,porém,pros-seguimentoàtarefa,persuadidodequenão lhecabia traduziraspalavrasrecolhidas,emárabe,porMaomé,edequeolivrosantodeveriasermantidonalínguaemquesempreexistiu.Consta—istonosdizNinaRodrigues—queasordensparaarebeliãobaianade1835eramdadas

porumimame,umlimano(oulimanu),denomeMalaAbubacar,queteriasidoenviadodevoltaàÁfrica.10Dessarevoltateriamparticipadooutrosalufás,marabusoumallans,entreosquaisumtapaounupê,outrohauçáeumoutro,deenormeprestígio,nagô.Comooslibertosformavamboapartedos revoltosos (126 daqueles contra os quais se apresentou acusação eram negros emancipados e160,escravos11),algunsdelesdevemtervoluntariamenteregressadoaolitoralafricano,seguindoomesmo caminho daqueles que forambanidos para aCosta daÁfrica.Estaria entre eles, protegidopelo silêncio dos correligionários, o imame Mala Abubacar? Teria sido ele o primeiro chefereligiosodosmaometanosbrasileirosdeLagos?Osescravoselibertosquepromoveramaschamadasguerrasdosmalêsencontravam-se,naBahia,

namesma situação— intolerável para um islamita zeloso e pio— deUsuman dan Fodio e seus

Page 48: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

companheirosemGobir:sobojugodeinfiéis.OsqueeramlivrestinhamogovernodoImpériodoBrasilpor ilegítimo,umavezquenãose fundavanacrençaenodireito islâmicos;oscativosnãopodiamaceitardeformaalgumasuacondição,emtudocontráriaàleidivina,pois,paraoislame,sóoincréupodeserescravizado.12Antesda chegadados libertosbrasileiros edos sarôs (ex-escravos redimidos pelos britânicos e

postosnaSerraLeoa), jáhaviagruposde islamitasemLagos,Badagryeoutrospontosdo suldoIorubo.Seentreelessecontavamalgunsnagôs,amaioriaeraformadaporgenteestrangeira,porunspoucosmercadoresemuitosescravoshauçás,nupesebornus.Sobretudoapósarevolta,napassagemdoséculo,deIlorincontraOió,esuaincorporaçãoaoimpériodeSocotô,cujoderramarparaosulaterrorizavaos iorubás, essesmoslins viram-sediscriminados, expulsos ouperseguidos.Rezavamquasesempreemsegredoeeraquasesempreemsegredoquecumpriamsuasobrigaçõesreligiosas.AchegadademuçulmanosdaBahia,deFourahBayedeFoulahTownaumentou-lhesonúmero—eo número dos que eram, embora imigrantes, iorubás — e emprestou a um islame até entãomenosprezadoolustrodedoisgrupos,odosagudás(oubrasileiros)eodossarôs,querapidamentesefaziamprósperos,porquetinhamintimidadecomofíciosadquiridosnoBrasilounaSerraLeoaecadavezmaisnecessáriosnascidades litorâneas,ondea influênciaeuropeiase ia impondo.13 Elespraticavamabertamente a suacrençae construíramasmais antigasmesquitasdeLagos.AprópriaMesquitaCentral,atéhápoucodepé,foiiniciadaporummestredeobrasbrasileiro,JoãoBaptistadaCosta,econcluídaporseudiscípulosarôSanusiAka.SeoprimeiroimameemchefedeLagos,IdrisSaluGana,foiumhauçá,possivelmentevindodo

norte,eseosmuçulmanosafricanosviamcomcertadesconfiançaosquese tinhamconvertidodooutro lado do Atlântico,14 cedo os brasileiros passaram a figurar entre os principais dignitáriosislamitas.E continuam, até hoje, a contar entre eles. Em1983, quando deixeiLagos, o imame emchefedacidade,AlhajiLiadiIbrahim,eradescendente,pelalinhamaterna,debrasileiros,edissoseorgulhava.Os muçulmanos não predominaram, contudo, entre os brasileiros e os abrasileirados que se

estabeleceramnacostaatlânticadaÁfrica.Amaioriaeradecristãosoucristianizados,algunsdestesúltimos a praticarem a um só tempo, ou paralelamente, a religião dos orixás e aquela a que seconverteram na outra margem do oceano. Brancos e mulatos, uns poucos, e os demais, negrosnascidosnaÁfricaounoBrasil,nãofaltaramosquesetornaram,domesmomodoqueosimalês,traficantesdeescravos.Algunsdelesfizeram-sefamosos,comoFranciscoFélixdeSouza,ochachádeAjudá,ePedroCogio,eDomingosJoséMartins,otodo-poderosodeCotonu,eJoaquimManuelde Carvalho, que embarcava em Porto Novo. O comércio dividiu certas famílias: um irmão emLagoseoutroemSalvador,umprimoemAnexôeoutronoRecife,atrocaremescravos,azeitededendê,noz-de-cola,sabãoepanodacostaportabaco,cachaça,ouroetudooqueseusavanarua,nasala,noquartoenacozinha.Negociantesemgrandedegenteedecoisas, lojistasevendedoresdeesquina, plantadores de algodão, tabaco, cacau e café, mestres de obras e pedreiros, modistas ealfaiates,padeirosedoceiras,marceneiros,músicoseprofessoresfundaramcidadescomoAtouetáePortoSeguroe seestabeleceramembairrosprópriosemAcra,Lomé,Aguê,Anexô,Ajudá,PortoNovo, Badagry e Lagos, onde construíram, para si próprios ou para outros grupos, igrejas,mesquitas,palácios,edifícios,sobradosearruamentosdecasastérreasedeparedeemeia,comuma,duas,quatrooumaisjanelas.Tudonumestiloarquitetônicoderivadodasformasbarrocas,rococóseneoclássicas aprendidas noBrasil.Criaram, assim, em pequenino e por iniciativa própria, as suasSerrasLeoaseassuasLibérias.Esseéumenredo.Ooutroéodalutacontraotráficohumano,queserviuderoupagemlimpaà

política britânica de controle doAtlântico e das rotas para a Índia.A história tem suas ironias.Omovimentogenerosoehumanitárioparadestruiraignomíniadocomérciodenegrosconfundiu-se

Page 49: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

comoque iria transformar,numespaçocurtode tempo,quase todaaÁfricaemcolôniaeuropeia.Sobpretextodocombateaomercadejodeescravos,britânicosefrancesesocuparamcidadeseportosafricanos, humilharam e depuseram chefes, sobas e reis, depois de os debilitar, vedando-lhes acompra de armas e pólvora, impedindo-lhes a cobrança de taxas de passagem de mercadoresestrangeirospelasterrassobsuasoberaniaedestruindoomonopóliocomercialemquemuitosdelesfundavamopoder.A partida paraCuba, em 1865, do último barco de escravos não terminaria, no entanto, com o

tráficodebraçoshumanos.Este continuará, atédepoisdaPrimeiraGuerraMundial,numadireçãoque jápercorriamuitosséculosantesdodescobrimentodaAmérica:peloSaara,o ÍndicoeomarVermelho, para o mundo islâmico. Mais importante ainda: cresceram a escravaria na África e ocomércio inter-regional de cativos.A fimde atender à demanda europeia e por estímulo daquelasmesmas nações que haviam combatido o tráfico transoceânico de escravos, expandiu-se naÁfricaumaagriculturadeexportação—deóleodepalmaouazeitededendê,deamen-doim,decravo,depimenta,decafé,decacau,desisal—edesenvolveram-segrandesplantagensdotipoamericano,atéentão só conhecidas em algumas regiões, como a Hauçalândia e Bornu. Milhares de cativosiorubanos passaram a trabalhar nas plantações de dendê do Daomé. Para as de cravo, na ilha deZanzibar,preavam-seecompravam-seescravosnocontinente.Éescravoquempassaapercorrerapéimensasdistâncias,acarregaràcabeçaaspresasdeelefanteeosfardosdegoma,cera,borrachaeoutrosprodutosdesejadospeloseuropeusemquantidadescrescentes.Efaz-seguerraparavenderàdistância,dentrodocontinente,amãodeobraquepedemaslavouraseascaravanas.Nãosemudaapenasadireçãodotráficonegreiro.Asgrandesrotasmercantisafricanasdesviam-

sedasAméricas.Vãorareando,nofimdoséculoXIX,osbarcosque,vindosdaÁfrica,demandamHavana,Cartagenade Índias,Recife,Salvador,Riode Janeiro eBuenosAires, bemcomoosque,saindo de portos caraibanos e sul-americanos, viajam para Dacar, Porto Novo, Lagos,Malembo,Cabinda, Luanda ou Benguela. A Europa apossa-se praticamente das trocas com a África: os quehaviam,emnomeda liberdadedecomércio, combatidoomonopóliodos reis africanos fazem-se,vencidaaluta,monopolistas.Alteradoorumodocomércio,trocam-senaturalmenteosseusparceirosafricanosesemodificam

as relações de poder. Alguns estados regridem: o lunda e o loango, por exemplo. Outros setransformam: oDaomé passa a assentar-se sobre a exportação de dendê, e os ovimbundos deBiétrocamomarfimnegropelomarfimbrancoepelocobredoChaba.Háaquelesquesetornammaisfortes.Os quiocos, emmenos de cinquenta anos, convertemse num poder comercial emilitar emAngola:comcera,marfimeborrachaobtêmosrecursosparacomprararmasdefogoeasmulherescom que aumentarão os seus números. Outros, que opuseram maior resistência aos europeus,acabarãoporserdestruídosoupoliticamentecastrados.Há uma data que assinala, da perspectiva brasileira, o início da colonização da África pelas

grandespotênciaseuropeias:1851.Éoanoemqueosbritânicos,parapôrfimaocomércionegreiro,bloqueiamacidadedeLagos.Oprimeirotirodecanhãodadocontraelespartedeumgruposobachefia de um brasileiro, um certo Lima.15 Ele, como seus vizinhos daCampos Square e das ruasBamgbose,Kakawa,Tokumboh,MartinseIgbosere,compreenderamdesdelogoque,comachegadadosbritânicos, findavamas trocascomoBrasile,consequentemente,opredomíniocomercialquetinhamtidonacidade.A partir de 1851, vai acentuar-se o que a Grã-Bretanha pretendia ser um controle informal da

África.Londresdesejavaassumirumaposiçãodeprimaziamercantilnocontinente,semgastaremcombate vidas humanas, sem despender dinheiro além da linha das praias, sem assumirresponsabilidadescoloniais.Oseupodernavalgarantiriaporsisóapreponderânciaeconômicanoslitorais, nos rios e nos portos. Em breve, porém, a pressão ambiciosa dos interesses de seus

Page 50: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

comerciantes,ozelodeseuscônsules,osbriosdoscomandantesdesuamarinhaeacontestaçãoàsuapresença nas costas daÁfrica por outros países europeus, sobretudo a França, fariam com que ogovernobritânicoassumisseencargosquebuscarainutilmenteevitar.Em1870,eramimensososespaçosvaziosnoconhecimentoqueaEuropatinhadaÁfrica.Porsua

vez,amaiorpartedascomunidadesafrica-nasignoravaexistirohomembranco,aindaqueutilizasseprodutosporelemanufaturados.Apresençaeuropeianocontinente,atéavésperade1900,sósefaziasentiraumaescassaminoriae,mesmomaistarde,numerosíssimoseramosquejamaishaviamvistoumportuguês,uminglês,umfrancêsouumalemão,oufaziamideiadequesuasterrasestivessemsobabandeiradeumpovodealém-mar.Osbritânicos,comosquaiscompetiamoutroseuropeus,tinhamassumido,porém,erapidamente,

odomíniodoAtlântico.NeleocuparamSantaHelena,AnoBom,Malvinas e outras ilhas, entre asquaisanossadeTrindade,daqualseretiraramgraçasàarbitragemdaCoroaportuguesa.SenãoseapossaramdeCaboVerde,foiporqueseiludiamcomumprojetodefazerdePortugalumprepostodaGrã-BretanhanaÁfrica.Todo avanço em política acaba por adquirir dinâmica própria. Ao pretender controlar

informalmente a África, por meio da esquadra e de cônsules que protegeriam o comércio e aspessoas e os lucros dos negociantes britânicos, a Grã-Bretanha encaminhou-se, quase que sempossibilidade de recuo, para um império africano de início não desejado. E algo semelhantesucederiacomaFrança,que tinha, contudo,desdeo início, certoapetitepelocontroledeportosefeitorias.Porvoltade1870,sóestavamemmãoseuropeiasaspossessõesportuguesasnaGuiné,emAngola

e em Moçambique, a Argélia, Lagos e seus arredores, o Cabo da Boa Esperança, os territóriosbôeres na África do Sul e alguns fortes e entrepostos na Costa e na Contracosta. Muitos dessesestabelecimentoseramvistospelosafricanoscomopedaçosdeterraporelescedidosemaluguelouempréstimo,talcomohaviamfeitonopassadoaoutrasgentesqueentreelessehaviaminstaladocomfinscomerciais,comoosdiulasouuângaras,oshauçásouosaros.Oseuropeuspensavamdemododiferente:tinhamessasáreas,pormenoresquefossem,comoprotetoradosousobsuasoberania.Ochoqueentreasduasconcepçõeserainevitável.Precipitou-oo teremassumidoosbritânicos,eatrásdelesoutroseuropeus,oquesechamoude

“missãocivilizadora”e,maistarde,de“fardodohomembranco”,máscarasdeumdarwinismoquese traduzia, nas relações humanas, em racismo e arrogância cultural. Não havia a menorcompreensão pela diferença de modos de vida: tudo o que se afastava dos padrões europeus erademonstração de selvageria e barbárie. Os cônsules e administradores de enclaves europeus naÁfrica queriam que as estruturas políticas e os costumes sociais das comunidades que osconsideravam como hóspedes se transformassem, para se adaptar ao modelo europeu, que asdiferenças se reduzissema umauniformidade imposta de fora.O esforçopara reduzir diferenças,frequentementetraduzidoemaçõesarmadas,nãopodiadeixardedesembocarnoimpério.ApercepçãoeuropeiadaÁfricaera,vistoquequasenãotinhabran-cos,adeumcontinentevazio,a

pedir povoamento e inversões. E, na Europa, sobejavam gente e dinheiro. A África aparecia aoseuropeuscomoumEldorado,comoourodeBuré,deLobi,dopaísaxante,domonomotapaedoTransvaal,commanadasinfindáveisdeelefanteseumainfindávelproduçãodemarfim,comcobre,ferroeestanho,comalúmen,almíscar,cera,goma,borrachaeóleosvegetais,ecomextensasterraspor cultivar. O Reino Unido, onde tivera início uma nova revolução industrial, via multidões decompradoresnos africanos, ignorandoqueesses tinhamhábitosde consumode tododistintosdoseuropeus. A costurar essa visão prometedora, corria o sonho oitocentista do progresso ilimitado.Deleforamexemplosofamosoprojeto,atéhojenopapel,daferroviatransaarianaeoplano,detodomirabolante—abeirar as fantasiasdoProfessorKaximbown,criadoporYantoknaspáginasd’O

Page 51: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Tico-Tico—, do engenheiro francês Amédée Sébillot, de uma estrada de ferro, combinada comnavegaçãomarítima,queligaria,emapenasduassemanas,LondresaoRiodeJaneiro,porAgadés,Argel e Ajudá, e a capital inglesa a Bombaim, via Obock, e a Johanesburgo, após atravessar oChade.16Dodesejodecontrolemercantilàambiçãodocompletodomínioterritorial,apassagemfoirápida.

Em pouco tempo, oReinoUnido de talmodo se considerava omelhor pretendente àÁfrica, quechegouarecusarostítuloshistóricosdePortugalsobreváriosterritóriosqueestepunhacomoseusemseusmapas,masondemuitasvezesnãopossuíatropaspermanentesnemcolonos.Osbritânicosopuseram-se até mesmo à posse portuguesa das duas margens do estuário do Zaire, emboraestivessembemoumalocupadas,esóaaceitaramtardedemais,depoisqueosfranceses,em1882,sehaviam apoderado, com Brazza, do atual Congo-Brazzaville. Foi então a vez de a França e aAlemanhaimpugnaremosdireitosportugueses.AGrã-Bretanha perseguira, durante algum tempo, a quimera de controlar os territórios que se

estendemdaspraiasdeAngolaàsdeMoçambique,pormeiodeumPortugalquefosseoseusóciomenoroupreposto,comooEgitooeraemrelaçãoaoSudão.Em1877,oembaixadorbritânicoemLisboa, Sir Robert Morier, sugeriu formalmente que se acrescentasse Portugal aos dois estadosclientes doReinoUnidonaÁfrica: oEgito eZanzibar.17A proposta deve ter andado demesa emmesa e talvez tenha parecido supérflua a funcionários que mediam a desproporcionada diferençaentreopoderbritânicoeoenlanguescidoestadodapresençaportuguesanaÁfrica.Emsuaempáfia,elesviamoReinoUnidocomooherdeironaturaldeumimpérioempobrecido,queahistóriaporsisónãopodiamaisjustificar.Entretanto, renascera o interesse português pela África. E tanto Portugal quanto a França, a

AlemanhaeaItáliamultiplicavamasrespostasàspretensõesbritânicas.Osportugueses—edissodátestemunho a travessia do continente porCapelo, Ivens eSerpaPinto—procuraramconsolidar odomínio das terras que separavam Luanda de Lourenço Marques. Não contavam com a réplicaarrogante de seus aliados de tantos séculos, com o ultimatum de 1890, que obrigou Lisboa aabandonaraoReinoUnidoterrasqueintegrariammaistardeoMaláui,aZâmbiaeoZimbabué.Ahumilhaçãoportuguesafluiunaturalmentedainterpretaçãoemfavordolobodasresoluçõesdo

Congresso de Berlim, reunido entre novembro de 1884 e fevereiro do ano seguinte. Entre essasresoluções, ressaltava a de que o direito de um país europeu a terras africanas decorriaprimordialmentedaocupaçãoefetivaedostratadosassinadoscomosnativos.OCongressoresultaradadescontroladabuscade acordosdeprotetorados com reis, régulos e até chefetesde aldeia edaproliferaçãodeaçõesmilitaresparaimpô-los.A França, a partir da Argélia e do Senegal, procurava pelo interior, pelo Sael e pelas savanas

sudanesas—evitando,assim,terdeenfrentarasupremaciabritânicanacostaenooceano—,cercarosenclaveseaszonassobaesferadeinfluênciadoReinoUnido(afozdoGâmbia,aSerraLeoa,aCostadoOuro,acolôniadeLagoseoprotetoradodosRiosdosÓleos),bemcomoosterritóriosdosCamarõesedosudoesteafricano,sobreosquaispunhaasmãosaAlemanha.AEspanhaerasenhoradoRiodoOuro.EoreiLeopoldoIIdaBélgicatornar-se-iadonodaimensidãodoCongo,apósterdevaneadoapoderar-sedeMatoGrosso,noBrasil,paraalifundaroseuimpério.18Na penúltima década do século XIX, acelerou-se a corrida pela divisão da África. De fuzil

apontado ao peito, sobas africanos cediam o poder a comandantes de tropas europeias. Outrosassinavamtratadosdeproteção,naignorânciadequetransferiamaosestrangeirosasoberaniasobresuas terras e suas gentes. Julgavam estar arrendando ou cedendo para uso provisório um pedaçograndeoupequenodesolo,comodepraxequandoumestrangeiropediaoprivilégioeahonradeviverecomerciarentreeles.Enãoacabavamdeespantar-se,aoverdoisgruposdebrancosdelínguadiferentedisputarementresi,eàsvezescomviolência,essahonraeesseprivilégio,quandopodiam

Page 52: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

empazcompartilhá-los.Deváriosdosgrandesreisafricanos,asintençõeseuropeiasnãopassaram,porém,despercebidas.Em1885,Portugal,comaajudadoentãochachádeAjudá,JuliãodeSouza,logroufirmarcomo

reiGlelêdoDaoméotratadodeAguanzum,peloqualseestabeleciaoprotetoradoportuguêssobreacosta daomeana. Os franceses, que haviam renovado, com o mesmo rei, o acordo de cessão deCotonu,de1878, reagiramprontamente,obrigandoLisboaa renunciara suaspretensõesem1887.Para Glelê, porém, tanto o documento assinado com os franceses quanto o ajustado com osportugueses tinham apenas significado comercial e correspondiam a um aluguel de terras quecontinuavamsoboseugovernoesoberania.19Glelê,aointeirar-sedoquenarealidadesepassava,nãohesitou:mandouprendero chachá e lhedeu sumiço, acreditando-seque tenha sido executado.JuliãodeSouzaressuscitaraemparte,etalvezsemosaber,oprojetodoprimeirochachá,FranciscoFélixdeSouza, que, usandoonomedo reiGuezo, a quemajudara a pôr no trono, oferecera a d.PedroIdoBrasiloprotetoradosobreoDaomé20ou,quandomenos,osenhoriodofortedeSãoJoãoBatistadeAjudá.21Completou o Congresso de Berlim um outro encontro internacional, ainda mais sinistro e

ameaçador, do ponto de vista africano: o de Bruxelas, em 1890. Chamaram-lhe sintomaticamenteConferência Antiescravista, e o texto que nela se produziu é um violento programa colonizador.Tudodentrodamelhorlógicapolítica,poisafinalfoiemnomedalutacontraotráficonegreiroeaescravidãoque aEuropa começou a ocupar aÁfrica.Comoos europeus partiamdoprincípio, detodo equivocado, de que na África não havia governos, o artigo primeiro da Ata Geral daConferência recomendava a “organização progressiva dos serviços administrativos, judiciais,religiosos e militares nos territórios sob a soberania ou o protetorado de nações civilizadas”, ainstalaçãode fortes no interior do continente e nasmargens dos rios, a construçãode estradas deferroede rodagemeaproteçãoda livrenavegação fluvial, aindaqueemáreas sobreasquaisoseuropeusnão tinhamsequer arremedosde jurisdição.UmadasprincipaisdecisõesdaConferênciarestringiaacompradearmasdefogopelosafricanos,porsereminstrumentosdeescravização.Imposto o domínio colonial, a consciência europeia deixou de considerar urgente o fim da

escravatura.Estacontinuouaexistircomoativi-dadelegalaté1900nosuldaNigéria,até1910emAngolaenoCongo,até1922emTanganica,até1928naSerraLeoa;esubsistiudefatopormuitomais tempo. Novas formas de servidão foram criadas pelos administradores coloniais, como otrabalho compulsório, de que deu testemunho, entre tantos outros, o André Gide das páginasindignadasdeVoyageauCongoeLeRetourduTchad.Também a liberdade de comércio foi esquecida, tão pronto se tornou inútil como bandeira do

arremessoimperial.Fez-seapartilhademercados.Cadametrópolebuscouexcluiromaisquepôdeos demais países dos portos por ela controlados. Fecharam-se para o Brasil, por exemplo, osdesembarcadouros africanos, e oAtlânticodeixoude ser uma espécie de rio fácil de ser cruzado,apesardelarguíssimo,apartirdoRecife,deSalvadoroudoRiodeJaneiro.O cerco completo daÁfrica só se transformará, no entanto, em realidade, nos últimos dias do

séculoXIXounosprimeirosdoNovecentos.Edurarámuitopouco.Seabstrairmosasáreascosteirasdaspossessõesportuguesas,acolôniadoCaboeosterritóriosbôeres,afasecolonialdaÁfricaéamaiscurtadesualongahistória.Duroumeioséculo.Umpoucomais,emalgunscasos.Ouumpoucomenos,emoutros.Emalgumas regiões,porexemplo, foi somenteumaespéciede roupagemparainglêse francêsverem,pois tendo,porconveniênciapolítica,ametrópoleeuropeiaconservadoasestruturasdepoderafricanas,estasresolviamodiaadiadopovo,exerciamapolíciaejulgavamemprimeirainstância,segundoodireitocostumeiroouaxariáislâmica.Osimpérios,reinosecidades-estadodaÁfricaeramcomoentidadespolíticasinexistentesparaos

diplomatas europeus que participaram das Conferências de Berlim e de Bruxelas. Não as tinham

Page 53: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

comointerlocutoras.Mas,quandoseuspaísestiveramdeocuparosterrenosquedividiramnomapaeseus militares de tornar efetivos tratados de protetorado que, para os soberanos da África, eramcontratos de arrendamento ou empréstimo de terras, toparam a resistência de estados com firmesestruturasdegovernoepovoscomfortesentimentonacional.Venceram-nos, graças aos fuzis de cartucho e de fechadura a ferrolho, à metralhadora e aos

canhões sobre rodas, contraosquaisos africanosopunhama lança, a azagaia,o arcoe flecha, asespingardasdepederneiraedeagulhaecápsulafulminante,quesecarregavampelaboca,eosvelhoscanhões imobilizados no solo ou de difícil transporte. Venceram-nos porque souberam jogar ospovos vassalos contra os suseranos e os inimigos tradicionais uns contra os outros. Assim, osbritânicos usaram os ibadans contra Ijebu-Ode e os fantes contra os axantes. Assim, os francesesjuntaram às suas tropas as deQueto, para dar combate aoDaomé, e as dos bambaras, para fazerfrenteaos tucoloresdeAhmadu.Venceram-nos,masalgumasvezescomgrandedificuldadeeapósdemoradaluta.Emoitoguerrasenfrentaram-seaxantesebritânicos.Em1896,estesúltimosentraramfinalmente

emKumasi.Quatroanosmaistarde,osaxantesergueram-sedenovoemarmas,paraseremdenovoderrotados.Baixaramacabeçaaosbritânicosporapenaspoucomaisdemeioséculo,pois,em1954,aRepúblicadeGana,daqualopaísaxantefazparte,setornouindependente.Os franceses enfrentaramcomarmas e diplomacia, durantemais de35 anos,ElHajiUmar ben

SaidTall,queconstruíraumvasto império,Caarta,noAltoSenegalenoAltoNíger,eseufilhoesucessor, o sultão Ahmadu. A derrota desses tucolores só se deu, após numerosas campanhasmilitares,em1892.ODaomésófoiverdadeiramentedominado,comacapturadeBéhanzin,em1894.Epor16anos

osfranceses tiveramdecombaternaGuiné,naCostadoMarfim,nonortedeGanaenaLibéria,ograndeSamori,antesdeaprisioná-loem1898.O império fula-hauçádeSocotôsóse renderiaaosbritânicoscomamortedosultãoAtahiruAhmed,em1903.AimagemqueficadetudoissoéadeumaÁfrica,noséculoXIX,governadaporafricanos,ena

qual,namaiorpartedoscasos,oseuropeusnãosediferenciavamdosdiulas,doshauçás,dosárabes,dosfulasedeoutrosgruposqueseincrustavam,comomercadoresoupastores,emreinosecidadesaquepelosanguenãopertenciam.UmmapadaÁfricaem1889mostraqueaindaocupavamamaiorparte dos espaços geográficos estruturas políticas soberanas como Caarta, o império móvel deSamori, os reinos de Axante, Daomé e Benim, Oió e numerosas cidades-estado iorubanas, ossultanatosdeSocotô,BornueUadai,oreinodeBamum,ocalifadomadista,aEtiópiaeoreinodoGungunhana, para ficar em alguns exemplos, alémdemilhares de cidades e aldeias-estado, sob ocomandoderégulos,chefesdelinhagenseconselhosdenotáveis.Muitas dessas estruturas de poder persistirão, mais que vassalas, durante o período colonial,

naquelas regiões onde se adotou o governo indireto, tal como preconizado por lorde Lugard, ouondeosadministradoreseuropeusnãopuderamdispensaraintermediaçãodosrégulostradicionais,ouonde,ainda,tendosidosubstituídoporumpau-mandadooreiouchefelegítimo,estecontinuouareceber clandestinamente a obediência de seus súditos e a sacrificar aos seus deuses e ancestrais.Muitasvezes,paramelhorocultá-lo,valeram-seosafricanosdainstituiçãodo“chefedepalha”,dofalso chefe, que se fazia visível como se fora o verdadeiro chefe, que continuava a mandar emsegredo.Émuitopossívelquetenhahavido,noBrasil,chefesafricanosembuçadosemescravoselibertos

comuns.Eque tenhamtambémexistido“chefesdepalha”,para iludirossenhores.Atéhojenãoseestudaram, de uma perspectiva basicamente africana, os quilombos, os reisados, osmaracatus, asirmandadescatólicasnegraseospróprioscandomblés,comopersistênciaseadaptaçõesdeestruturaspolíticasdaÁfricanoBrasil.

Page 54: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Nasuaobrasobreasdançastradicionaisbrasileiras,MáriodeAndradecontacomoseprocessavaasaídadeummaracatunoRecife.22Descreveosrituaisemtornodacalungacarregadapeladamadopaço e, com grande intuição, afirma que a boneca tinha um sentido político. Tinha. Na África etambém,nopassado,noBrasil.CalungaéumsímbolodepoderemAngola.Talvezcontinuassecomotal noBrasil, nomaracatu, que reproduz um cortejo real africano.Não seria o própriomaracatu,originalmente, um modo de manter vivo, neste lado do oceano, um sistema de solidariedade eobediências,emtornodacalunga?Quemsabese,sobodisfarcedeblocofestivo,umreiocultonãosemostravaaos seus?Quemsabe senãoafirmavaa suapresençaatravésdeum“chefedepalha”,que,comoseestivessenaÁfrica,desfilava,entremarchaedança,sobosgrandesguarda-sois?O que seria de estranhar-se é que assim não fosse, tão intensas foram as trocas entre as duas

margensdoAtlântico.OBrasiléumpaísextraordinariamenteafricanizado.Esóaquemnãoconhecea África pode escapar o quanto há de africano nos gestos, nas maneiras de ser e de viver e nosentimentoestéticodobrasileiro.Por suavez,em todaaoutracostaatlântica sepodemfacilmentereconhecer os brasileirismos. Há comidas brasileiras na África, como há comidas africanas noBrasil.Danças, tradições, técnicasde trabalho, instrumentosdemúsica,palavrasecomportamentossociaisbrasileirosinsinuaram-senodiaadiaafricano.Écomumqueláseignorequecertopratooudeterminado costume veio do Brasil. Como, entre nós, esquecemos o quanto nossa vida estáimpregnadadeÁfrica.Nacasa.Narua.Napraça.Nacidade.Enocampo.Oescravoficoudentrodetodosnós,qualquerquesejaanossaorigem.Afinal,semaescravidão,oBrasilnãoexistiriacomohoje é e não teria sequer ocupado os imensos espaços que os portugueses e os mamelucos lhedesenharam.Comousemremorso,aescravidãofoioprocessomaisimportantedenossahistória.

1989.

Page 55: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

NOTAS

1 Conforme documento existente noArquivoNacional doRio de Janeiro e publicado naRevista Trimestral do Instituto Histórico eGeográficoBrasileiro,tomoLIV(1891),parteII,p.161-162.

2 PierreVerger, “LeCulte desVodound’Abomey aurait-il été apporté à Saint-Louis deMaranhonpar lamère du roiGhézo?”,LesAfro-Américains, Mémoires de l’Institut Français d’Afrique Noire, n° 27, Dacar, 1953, p. 157-167; Sérgio Figueiredo Ferretti,QuerebetamdeZomadonu:umestudodeantropologiadareligiãonaCasadasMinas,mimeografado,Natal,1983,p.43-44.

3ArchibaldDalzel,TheHistoryofDahomy,anInlandKingdomofAfrica,2aed.(a1aéde1793),Londres:FrankCass,1967,p.223;I.A.Akinjogbin,DahomeyanditsNeighbours,1708-1818,Cambridge:CambridgeUniversityPress,1967,p.116,171,178-179.

4Ed.aoscuidadosdeDamiãoPeres,Lisboa:AcademiaPortuguesadeHistória,1954,p.156.5OsafricanosnoBrasil,revisãoeprefáciodeHomeroPires,SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional,1932,p.61.6Paraumpontodevistaoposto, João JoséReis,Rebelião escravanoBrasil: ahistóriado levantedosmalês em1835,2a ed., São

Paulo:Brasiliense,1987.7RolfReichert,OsdocumentosárabesdoArquivoPúblicodoEstadodaBahia,Salvador:CentrodeEstudosAfro-Orientais,1970.8NinaRodrigues,ob.cit.,p.97-1029Ibidem,p.101-102.10Ibidem,p.95.11PierreVerger,FluxoerefluxodotráficodeescravosentreogolfodoBenineaBahiadeTodososSantos,dosséculosXVIIaXIX,

SãoPaulo:Corrupio,1987,p.343.12Sobreosquepodemserescravizados,segundoUsumandanFodio,JohnRalphWillis,“JihadandtheIdeologyofEnslavement”,em

Slaves&SlaveryinMuslimAfrica,Londres:FrankCass,1985,v.I,p.16-26.13Sobreainfluênciadosex-escravosbrasileiroseserra-leonesesnadifusãodoislamismonoIorubo,T.G.O.Gbadamosi,TheGrowthof

IslamamongtheYoruba,1841-1908,Londres:Longman,1978,p.26-32.14PierreVerger,ob.cit.,p.603.15Ibidem.16HenriBrunschwig,“FrenchExplorationandConquestinTropicalAfricafrom1865to1898”,emColonialisminAfrica,1870-1960,

org.porL.H.GannePeterDuignan,Cambridge:CambridgeUniversityPress,1969,v.1,p.137-138.17G.N.Sanderson,“TheEuropeanPartitionofAfrica:OriginsandDynamics”,emTheCambridgeHistoryofAfrica,org.porJ.D.Fagee

RolandOliver,v.6,org.porRolandOlivereG.N.Sanderson,Cambridge:CambridgeUniversityPress,1985,p.120.18ComunicaçãoverbaldeHilgardO’ReillySternberg,queteveacessoaosdocumentosbelgassobreapretendidaocupaçãodeMato

Grosso.19 A propósito do protetorado português sobre o Daomé, ver Augusto Sarmento, Portugal no Dahomé, Lisboa: Livraria Tavares

Cardoso&Irmão,1891.20J.F.deAlmeidaPrado,OBrasileocolonialismoeuropeu,SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional(Brasiliana),1956,p.183.21CarlosEugenioCorrêa daSilva.Umaviagem ao estabelecimento portuguez deS. JoãoBaptista deAjudá naCosta daMina, em

1865,Lisboa:ImprensaNacional,1866,p.59-60.22DançasdramáticasdoBrasil,ed.org.porOneydaAlvarenga,SãoPaulo:LivrariaMartinsEditora,1959,tomo2,p.140-149.

Page 56: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Q

OBrasileaÁfrica,nosséculosdotráficodeescravos

uando a frota holandesa saiu do Recife em 1641 para conquistar Luanda, levou entre seussoldadostrêscompanhiasdebrasilienses1—duzentosameríndios2eprovavelmenteumpequeno

número demamelucos ou caboclos. Nas três expedições que saíram doBrasil para a reconquistaportuguesadapartedeAngolaqueestavaemmãosflamengas,seguiramtambémtropasameríndias.Epelomenosnumadelas, soldadosnegrosdos regimentosdocabodeguerraHenriqueDias,3 osquaisseriampredominantementecrioulos.Seumdeles,osargento-morPauloPereira,deixounomenas lutascontraosholandesesemAngola,4poucoounadasabemossobreosdemais,aindaquesepossapensarquemuitosmorreram,algunsregressarameoutrosficaramparasemprenaÁfrica,omesmo se passando com os ameríndios, de cuja presença nos restam alguns elogios, como o dogovernadorportuguêsFranciscodeSoutomaior,quelheslouvouaprestezaeacompetênciacomqueergueramfortificações,construíramcavalariçase“ajudaramemtudomuitobemossoldados”e“agentedomar”.5AntesdessasexpediçõesjádeviahaveremLuandaenosestabelecimentosquedeladependiamum

pequenonúmerodemamelucosprovenientesdoBrasil,poissabemosque,pelomenosdesdeofimdo século XVI, eles se faziam notar no reino do Congo, onde somariam cerca de quinhentos.6TambémemcidadescomoSalvador,RecifeeRiodeJaneirohaviaumpequenonúmerodeafricanoslivres,negrosemulatos,que talvez já sedistinguissemdamassaescravapornãoandardescalços.Tanto era assimque, ao se organizaremas expediçõespara a reconquista deAngola, procurou-seincluirnastropasumcertonúmerodedignitáriosandongosqueosportugueseshaviamtransferido,porprecauçãopolítica,paraoBrasilouquehaviamsidoexpelidos,nacompanhiadosportuguesesde quem eram aliados, pelos flamengos. Desses aristocratas que os portugueses repetidamenteexilaramparaoBrasil,algunsforamescravizadosaodesembarcareconduzidosparaosengenhosqueosgovernadoresealtosfuncionáriosdeLuandapossuíamemsolobrasileiro—ou,pelomenos,repetem essa acusação os seus desafetos. Mas outros, como esses que a Coroa desejou fossemmandadosdevolta,dearmasnamão,aAngola,nãodeixaramjamaisdeserhomenslivres.Algunspodiamreceber,noBrasil,umtratode terraparasemanterem,7masamaioriaera,aoqueconsta,incorporadaàsforçasarmadas.DequealgunsvoltaramàÁfrica,temosnotíciasegura.Porexemplo,vários daqueles 26 chefes mandados para o Brasil em 1622, após a derrota do mani cassanze,retornaram aAngola antes de 1640, e um deles, com o título de panji a ndona, recriou, entre osbaixosriosDandeeBengo,oreinodoCassanze.8Muitos desses dignitários africanos, ao serem desterrados, viajavam em navios militares. Mas

outros, fossem embaixadores ou homens de negócios, faziam a travessia, do mesmo modo quefuncionáriosecomerciantesbrancoseseusprepostosmulatosenegros,embarcosaparelhadosparao tráfico de escravos.Na ida para aÁfrica, haveria poucos passageiros a bordo. Já no trajeto daÁfrica para o Brasil, tinham eles de confinar-se, de coração endurecido, num canto de um navioregidopelaviolênciaeabarrotadodegentecheiademedo,cansaço,sedeefome.Ao desembarcarem e serem vendidos no Brasil, este e aquele escravo podiam topar outros do

mesmo reino, da vizinhança de sua aldeia, do seu mesmo vilarejo e, alguma vez, de sua mesmalinhagem, e passavam-lhes as notícias do outro lado domar. Por sua vez, parte da tripulação dosnavios negreiros era formada por ex-escravos, que podiam levar notícias do Brasil; o barco

Page 57: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

funcionando, portanto, como jornal e correio. Só por acaso essas notícias seriam de um escravocomum,masimaginoquenãodeviamserinfrequentesrecadosdaquelesparaosquaisaescravizaçãoforaumaformadedesterropolíticoequeaindatinhamfamíliaepartidáriosnaÁfrica.Sóassimseexplicaria o caso do príncipe daomeano Fruku ou d. Jerônimo. Se Kpengla não soubesse, porinformaçõesquelhetraziamosnaviosnegreiros,ondeseencontravaaqueleamigodeinfância,nãoteriapodidolevá-lodevoltaaoDaomé.9

Page 58: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf
Page 59: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Temascomoessesaindanãoreceberamdahistoriografiabrasileiraotratamentoqueesperariaobomleitorqueeumegabodeser.Parecemmenoresdiantedosgrandestemasdotráficonegreiro—oudecomonós,brasileiros,compramosnaÁfricaosqueviriamasernossosantepassados—edaorganizaçãoescravistadenossasociedade—oudecomoaescravidãofoioprocessomaislongoeprofundodenossahistória.Parecemmenores,masdeitamluzsobreaintensidadeeacomplexidadedas relações entre as margens africana e brasileira do Atlântico. Sobre elas, ou, maisespecificamente,sobreasrelaçõesentreaBahiaeogolfodoBenim,há,claro,aobramonumentaldePierreVerger.10Eumbomnúmerode trabalhossobreosex-escravos retornadosdoBrasilparaaÁfricaOcidental,desdeoensaiopioneiro,de1949,sobreasrelaçõesentreoBrasileoDaomé,deJ.F.deAlmeidaPrado.11E textos instigantes, comoodeGilbertoFreyre sobreocampo-santodospernambucanos emMoçâmedes (atual Namibe) e os túmulos afro-cristãos, de possível influênciabrasileira,emcemitériodaquelamesmacidade.12OucomoosqueLuísdaCâmaraCascudoreuniuemMadeinAfrica.13Numoutroplanoenumaperspectivacronológicamaisampla,nãopodedeixardeserlembradoolivrodeJoséHonórioRodrigues,BrasileÁfrica:outrohorizonte.14Deummodogeral,porém,ohistoriadorbrasileiro—eomesmoocorrecomoantropólogosocialeosociólogo— tem estudado o escravo e o negro a partir de seu desembarque no Brasil, sem vincular a suacapturaeescravizaçãoaoquesepassavanaÁfrica,ecomoseesseescravonãotrouxesseconsigoasuahistória.AgrandeexceçãofoiNinaRodrigues,emOsafrica-nosnoBrasil,15 porémsua liçãonão teve, por muito tempo, continuidade entre os historiadores. Seguiu-a fielmente um de seusdiscípulos,ArthurRamos,nosnumerososestudosquededicouaonegrobrasileiro,ou,melhor,aobrasileiro negro— pois a palavra negro aparece em sua obramais como adjetivo do que comosubstantivo —, e sobretudo nos oito extensos capítulos que a ele dedicou nos dois grossos eimportantes volumes de sua Introdução à antropologia brasileira.16 Pela bibliografia dessa obra,atualizadíssimaemseutempo,podemosverqueArthurRamosseestavavoltandocomzeloparaoestudodaÁfricaedaÁfricanoBrasil—estudoque foicortadoporsuamorteprematura,aos46anos de idade.Embora não despido, por sua formação baiana, de iorubacentrismo,ArthurRamosprocurouidentificarasnaçõesdeorigemdosdescendentesdeescravosnoBrasil,narrarashistóriasdesses povos (como então eram conhecidas), descrever os ambientes em que viviam, os seuscostumeseassuasestruturaspolíticasesociais,ecatalogaroquedelessehaviaincorporadoàvidabrasileira.Quase um séculomais tarde, o caminhodeNinaRodrigues volta a ser trilhado.17 Começa-se a

corrigir, portanto, embora de forma ainda tímida, um defeito de perspectiva que marca a ricabibliografia brasileira sobre a escravidão, na qual o lado africano ficou esquecido, como se oescravotivessenascidononavionegreiro.Mesmocomrelaçãoaessenavio,nuncapusosolhosnumestudo sistemático a ele dedicado, no qual se recolhessem, analisassem e completassem asinformaçõesquetemosdispersassobreaevolução,aolongodemaisdetrezentosanos,dostiposetamanhos das embarcações empregadas no tráfico, seu fabrico, suas tripulações, sua logística e omanejodesuacarga,tantonosportosquantonocursodasviagens,eseurendimentoeconômico.Dealgunsdeseus roteiros—dosquevinculavam,porexemplo,Cacheu,SantiagodeCaboVerdeeaAltaGuinéaParnaíbaeaosportosdoMaranhão—poucosabemos.Comoaindanãoreunimosdeforma compreensiva as informações que existem sobre o tráfico negreiro do Brasil para BuenosAires, e entre os portos brasileiros, caraibanos e norte-americanos, com a direção e o fluxo sealterandoconformeasconveniênciaseconômicas.Como entender as associações para a autoalforria de escravos, tão ativas em certas partes do

Brasil, sem estudar-se o esusu dos iorubás? Como analisar e tentar compreender o pouco quesabemossobreoquilombodePalmares,semprocuraridentificarsuaspossíveismatrizesafricanas?

Page 60: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Ter-se-ánelerepetidoomodeloambundoouovimbundoouneleseterãocombinado,emtornodeumaelitecoesaambunda,outrasestruturasdepoder?Qualopapelqueneletiveramosameríndios?PorqueasescavaçõesfeitasemPalmaresnãorevelaramcerâmicadetipoafricano,mas,sim,entreoutras,adeestilotupinambá?18Seráqueissosedeveusomenteaumapresençamuitomaiordoqueatéaquipensávamosdeameríndios, e sobretudodemulheresameríndias,ou seexplicaria tambémpelaausênciadeoleirasafricanas,quenãoseriamvendidasaos traficantesnegreiros, fazendocomqueospalmarinosadotassem,na faltadeoutros,os estilos locais? Já se escreveu, ameuver comrazão,queomundodosPalmaresnãoserestringiaàserradaBarriga,“masabrangia”,acrer-senosachadosarqueológicos,“acosta,osertão,aEuropaeaÁfrica”.19Quecontatos,aindaqueindiretoseesporádicos, o estado que se autodenominava Angola Janga, a “Pequena Angola”, e conhecemoscomoPalmares,mantevecomouniversoambundoecomoreinodoangolaaquiluanje?Porque,comoindicouManuelQuerino,20osmandingasnãosesomaramàrevoluçãodosmalês,de1835,naBahia? Será que poderemos dar razão a Nina Rodrigues ou a João José Reis, nas interpretaçõesdistintasquedela fazem,antesdeumaampla investigaçãonosarquivosdo sultanatodeSocotô?Eseráquenessesarquivosexistealgumescritocomnotíciasdasrebeliõesbaianas?Poderia continuar por bastante tempo a fazer perguntas como essas, para relembrar o tão

esquecidoóbvio:quenãosepodeescreverahistóriadoBrasilduranteseusquasequatroséculosderegimeescravista, sem levar emcontaoque sepassavanooutro ladodoAtlântico, emcadaumadaquelasáreasdeondeopaísrecebiaamãodeobraforçadacomqueocupavaasuageografia.Oqueesperamos, nós, os leitores de livros de história, é que os seus autores nos digam de que áreasdaquele continente vieram, em cadamomento, os quemudaram o perfil humano de grande partedesteoutrocontinente,eporqueforamessesenãoaqueles.Nenhum de nós confunde um imigrante italiano com um alemão, nem os papéis distintos que

exerceramosquechegaramnametadedoséculoXIX,osquedesembarcaramnofimdaqueleséculoequeparacávieramnoprimeiroterçodoséculoXX,nemtampoucoadiferençademodosdevidaedeatuaçãosocialentreosqueseinstalaramemgrandescolôniascoesaseosquepassaramaresidirem áreas onde predominavam outros grupos emais rapidamente com eles semesclaram.Mesmonesseúltimocaso,nãotemos,contudo,dificuldadeemdistinguirentreasherançasalemãseitalianas.Omesmodeveríamossercapazesdefazeremrelaçãoaumcongo,aumteque,aumvili,aumgã,aumondoeaumijexá.Nãoignoramosquedeviamserdistintosomedo,ainsegurançaeapercepçãodedestinodaquele

que chegava ao Brasil no meio de estranhos, a falarem línguas para ele incompreensíveis, dosdaquelequevinhanonavioacompanhadodemuitosdosseusouque,numafazendaounavizinhançaurbana, encontrava o amparo de umgrupo de suamesma origem. Por isso, talvez não tenha sidomuitodifícilnemdemoradorecomporavida,apósresgatar-sedaescravidão,paraaquelepequenogrupode fonsque,aochegar,possivelmentenummesmonavio,aSãoLuísdoMaranhão,onde jáhavia tantos de seus conacionais, trouxe—se as tradições correspondemàverdade—os objetossagrados comque fundouaCasadasMinas.21 Já aquele pepel oubijagó, atraídopara o santuáriodaomeano pela simples razão de seu dono morar nas redondezas, passou por uma duplatransformação: não só teve de render-se, como os fons, à maneira exterior de viver que lheimpunhamossenhoresbrancos,mastambémseesvaziouparcialmentedesuaantigaverdadeíntimaeseenriqueceudeoutra,aoconverter-seàscrenças,aosvaloresespirituais,familiareseafetivoseaoscostumesdosfons—aotornar-se,portanto,culturalmente“mina”,nãoumminadacostadoTogo,masum“mina”doMaranhão.AhistóriadaCasadasMinasnãocomeça,porém,noBrasil:teminícionoantigoreinodoDaomé.

Do mesmo modo que é no outro lado do oceano que principiam outras histórias com as quaiscompomosahistóriadobrasileiro.NãonumaÁfricamítica,masemcadaumadasnaçõesque tão

Page 61: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

diversamentenelavivemepossuempassado.Sóconhecendocomoforam,aolongodosséculosemque tiveram parte de sua gente transplantada para as Américas, é que poderemos contarcoerentementeporqueecomonoBrasilassumiramnovas identidadeseacabaramporsemisturarentresi,demaneiraquaseimpossíveldedesenredar.

2000.

Page 62: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

NOTAS

1RalphDelgado,HistóriadeAngola,Lisboa:BancodeAngola,[s.d.],v.2,p.217.2A.daSilvaRego,AduplarestauraçãodeAngola,1641-1648,Lisboa:AgênciaGeraldasColônias,1948,p.31.3ArquivosdeAngola,2asérie,v.V(1948),n°19-20,p.19-23;notadeJoséMatiasDelgadoaAntóniodeOliveiradeCadornega,

Históriageraldasguerrasangolanas,ed.org.porJoséMatiasDelgado,Lisboa:AgênciaGeraldasColônias,1940,tomoI,p.324.4ArquivosdeAngola,2asérie,v.1(1943-1944),n°3-6,p.136-137e193-194.5CartadeSoutomaioraoreid.JoãoIV,cit.porDelgado,HistóriadeAngola,v.2,p.308.6ConformeorelatóriododesembargadorDomingosdeAbreueBrito,cit.porDelgado,HistóriadeAngola,v.1,p.358.7Como consta de texto dasRelações deManoel Severim de Faria, referentes ao período demarço de 1621 a fevereiro de 1622,

transcritoemnotaàpágina103dotomoIdaed.cit.daHistóriageraldasguerrasangolanasdeCadornega.8JosephC.Miller,“ANoteonCasanzeandthePortuguese”,CanadianJournalofAfricanStudies,v.VI(1972),n°1,p.53.9ArchibaldDalzel,TheHistoryofDahomy,anInlandKingdomofAfrica,2aed.,Londres:FrankCass,1967(a1aed.éde1793),p.

223;I.A.Akinjogbin,DahomeyanditsNeighbours,1784-1863,Cambridge:CambridgeUniversityPress,1967,p.116,171e178.10Fluxet refluxde la traitedesnègres entre legolfedeBéninetBahiadeTodososSantos,XVIIeauXIXe siècle, Paris:Mouton,

1968; trad. parao inglês de texto revisto e ampliado,TradeRelationsbetween theBight ofBenin andBahia, 17th-19thCentury,Ibadan:IbadanUniversityPress,1976;emportuguês,FluxoerefluxodotráficodeescravosentreogolfodoBenineaBahiadeTodososSantos,dosséculosXVIIaXIX,trad.deTassoGadzanis,SãoPaulo:Corrupio,1987.

11“ABahiaeassuasrelaçõescomoDaomé”,incluídoemOBrasileocolonialismoEuropeu,SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional(Brasiliana),1956.

12 Em torno de alguns túmulos afrocristãos de uma área africana contagiada pela cultura brasileira, Salvador: Universidade daBahia/LivrariaProgressoEditora,[1959].

13RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1965.14RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1961.15SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional(Brasiliana),1936(olivro,publicadopostumamente,foiconcluídoem1905).16RiodeJaneiro:CasadoEstudantedoBrasil,v.1,1943;v.2,1947.17 Cito, só para exemplificar, livros comoRebelião escrava noBrasil, de João JoséReis, São Paulo: Brasiliense, 1986 (em inglês,

SlaveRebellion in Brazil, trad. deArthur Brakel, Baltimore: The JohnsHopkinsUniversity Press, 1993); Em costas negras, deManoloFlorentino,RiodeJaneiro:ArquivoNacional,1995;AngolaeBrasilnasrotasdoAtlânticoSul,org.porSelmaPantojaeJoséFlávioSombraSaraiva,Riode Janeiro:BertranddoBrasil,1998;Nasenzala,umaflor, deRobertoSlenes,Rio de Janeiro:NovaFronteira,1999;Otratodosviventes,deLuizFelipedeAlencastro,SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2000;eoaindainéditoDossertõesaoAtlântico,deRoquinaldoFerreira.

18PedroPauloA.Funari,“ArchaeologyTheoryinBrazil:EthnicityandPoliticsatStake”,emHistoricalArchaeologyinLatinAmerica,Columbia:TheUniversityofSouthCarolina, n°12 (1996), p. 1-13; e “Novasperspectivas abertaspela arqueologiadaSerradaBarriga”,palestrarealizadaem25demaiode1996,emcursosobreculturaafro-brasileiracoordenadoporLiliaM.Schwarcz;“AarqueologiadePalmares:suacontribuiçãoparaoconhecimentodahistóriadaculturaafro-americana”,emJoãoJoséReis,Liberdadeporumfio,SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1996,p.34-45.

19PedroPauloA.Funari,“Novasperspectivas”,p.6.20CostumesafricanosnoBrasil,Recife:Massangana,1988,p.66e72-73.Ocapítulosobreosmandingasfoiescritoantesde1916.21NunesPereira,ACasadasMinas,Petrópolis:Vozes,1979(1a ed.,1947),p.24e38;SérgioFerretti,Querebetam de Zomadonu,

Natal,1983,p.43e171.

Page 63: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

S

Otratodosviventes

empremefascinaramosgrandesretábulos,nosquaisseprocuradarunidadeesentidoaosgestosdasfigurasqueseacumulam,contraditórias,entreoprimeiroplanoeohorizonte.Deumdestes

cuido:o livrodeLuizFelipedeAlencastro,O tratodosviventes: formaçãodoBrasilnoAtlânticoSul, séculos XVI e XVII (São Paulo, Companhia das Letras, 2000). Dirige as mãos queambiciosamenteofabricaramumconjuntodeideiasque,ouestãoapedirparaserreiteradas,ousãonovaseinstigamacontrovérsia.NuncaduvideidequeoBrasilseformounaescravidão,oprocessomaislongodenossahistória,edequenãonospodemoscompreendersemestudaraÁfrica,deondecompramos o grosso de nossos antepassados. Em Alencastro, vejo mais: que o tráfico negreiroconduziu nossa economia e que a formação brasileira se fez num sistema de exploração colonialunificado,quecompreendia,numladodooceano,enclavesdeproduçãofundadanotrabalhoescravoe,nooutro,áreasnasquaissereproduziaamãodeobraservil.Fecha-seolivroconvictodequenãosepodeentenderoquesepassavanoBrasilsemsesabercomoiaAngola,evice-versa,edequeashistóriasdosdoispaísescompõem,portrêsséculos,umasóhistória.OtemadolivroéajunçãoatlânticaentreAngolaeoqueAlencastrochama“miolonegreirodo

Brasil”, tendoporprincipaisportosLuandaeRiodeJaneiro.Houveevidenteintençãodefazerumretábulodeumsópainel.Algumleitorteriapedidoumpolípticoesealegrariaemveràtábuacentralacrescentarem-se abas— uma dedicada à Costa do Ouro, onde, ao findar o Seiscentos, os acãspassaramdecompradoresavendedoresdeescravos,emtrocadeourobrasileiro;outra,àCostaquejásechamavadosEscravoseondeotabacobaianosetornavamoeda;outra,aotráficomaisantigode todos, doSenegal edosRiosdaGuiné;outra, aoGabãoe aos reinosvilis, aonorteda fozdoZaire, com portos que competiam com Luanda—,mas não era isso o que o nosso autor queriaoferecer-nos.O que queriamostrar-nos é como oBrasil se formou fora doBrasil, noAtlântico,costuradoempontomiúdoaAngola.Não deixa ele de esboçar algumas das imagens que conteriam as abas do políptico. E sobre as

costasdasmeias-portas,que,fechadas,cobririamopainel,traçaograndearcolusitanoentreoJapãoeLisboa,comsuas trocasdemercadorias,gentesecostumes.ApesardasconvocaçõesdeGilbertoFreyre,aindaestáporfazer-seoestudodoinfluxodaÍndiasobreoBrasil,estudoquetalvezvenhaarevelar-nosque,seaságuasdoZaire,Cuanza,Níger,OguneGâmbiaentrampelosriosbrasileiros,oÍndicochegaàsnossaspraias.SeiqueMoçambiqueserviude traçodeuniãoentreGoaeoBrasil,mas tenho dificuldade em acompanhar Alencastro, quando escreve que os negreiros brasileirosoperaram,naprimeirametadedoséculoXIX,aatlantizaçãodeMoçambique.Nãoseriacom250milescravos,noperíododecinquentaanos,queofariam.Antesedepois,astrocasmercantiseculturaisdeMoçambiquedavam-sequasetodasnoÍndico,decujaspraiasfaziaparte.Emborainfiltradopeloseuropeus,aqueleoceano,comumaatividademercantilantiquíssima,rotasdenavegaçãoregularesecentroscomerciaisprósperos,servidosporeficientessistemasdecréditoeelevadíssimonúmerodenavios,aindaestava,nosséculosXVIeXVII,longederender-seeintegrar-senaeconomia-mundo.Tampouco a África capitulou com facilidade. Alencastro acentua as peculiaridades do reino de

Angola,comochamavamosportuguesesaosseusdomíniosnahinterlândiadacidadedeLuandaenosriosBengoeCuanza.Foradeles,eatédefronte,na ilhadeLuanda,mandavamosafricanos.Oreino deAngola era um dentre vários, ainda que omais poderoso.Mas de poder relativo, como

Page 64: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

mostraoterdemoradocinquentaanosparavenceromanicassanze,umréguloquecontrolavaaárealogo ao norte de Luanda. O enclave português expandia-se com dificuldade. Da maioria de suascampanhas militares não resultavam o controle de novos territórios ou vassalagens duradouras.Devemoslercomcautela,nosportugueses,asreferênciasareisvassalos:muitosdessesseviamasipróprioscomotendoLuandaporaliada.AssimsucediaprovavelmentecomaqueleAngolaAri, reido Dongo, a quem Luanda tinha por títere, mas que, na sua luta contra a rainha Jinga, usava osportuguesescomoestesousavam.OcenáriodeAlencastroéestaAngolanosentidoestrito.Aindaque,numdosseusapêndices,ele

escreva que utiliza a palavra na acepção extensa, a englobar toda a atualRepública deAngola, narealidadesóofazaoprocederàcontagemdosescravosembarcadosparaoBrasil.Eageassimcomrazão,poisoSeiscentossefindousemqueosportugueseslograssemsubmeterosreinosquiçamaselibolos, controlar o comércio de Soyo ou monopolizar as compras de cativos em Matamba eCaçanje, cujos soberanos entrariamno séculoXVII tão fortalecidosque aumentaramospreçosdaescravaria. Já os reinos de Loango, Cacongo e Angoio, ao norte da foz do Zaire, ainda quenegociassem com Luanda, pertenciam a uma outra zona comercial, controlada pelos vilis, quetraziamdointerioromarfim,ospanosderáfiaeosescravosqueofereciamemseusportos.Qualnoresto da África, onde os europeus não só tinham de valer-se das redes comerciais dos uângaras,acanes,hauçáseichis,mastambémdenegociarcomreisquemonopolizavamastransaçõesexternas.EmLuanda,comomostraAlencastro,apráticanegreiraeradiferente.Osquealiseinstalaram,a

sonharcomminasdeprata,nãosedeixaramficarnadependênciademercadoresafricanos.Saíramatrásdosescravos,dearmasnamão.Semdeixardeoscomprar,eatédemuitolonge,nospumbosdoMacoco e além-Cuango. Possivelmente aproveitaram e desenvolveram rotas e esquemas decomercializaçãoexistentesantesdachegadadosportugueses,masAlencastro,senosabreoapetitesobreospombeiros,nosdeixasemsaberse,desdeoinício,entreelesjápredominavamosmulatoseosnegros,ecomoatuavam,ecomoseesgalhavaoseusistemadeintermediaçãoecrédito,ecomoseorganizavamascaravanas.EmLuanda,osportuguesesurdiramummodoadicionaldeconseguirescravos,quasesemcustos,

ao inverter uma instituição ambunda. Entre os ambundos, costumava-se pôr o estrangeiro sob oscuidados de um dignitário, a quem os portugueses chamaram “amo”. Esse “amo” atuava comomediador entre a comunidade e o forasteiro, ajudando-o a adaptar-se ao novo ambiente. Emcontrapartida, o hóspede acatava o “amo” e lhe dava preferência no agenciamento das trocascomerciais.Porserdocostume,osportuguesesnãotiveramdificuldadeemaplicaressesistemaaoschefesafricanosqueaelessesubmetiamoualiavam.Esseschefesnãodemoraramaperceberqueo“amo”portuguêsnão lhesprestavaqualquerserviçoesecomportavacomosenhor,delesexigindotributoemtrabalho,bense,sobretudo,escravos,quetinhamdeconseguirporcompra,sequestroougázua.Pelaminhaleitura,osistematransformara-senumarelaçãodedependênciapessoalentreumchefe ambundo e um português, fosse este governador, soldado ou jesuíta. O primeiro não cedialugar ao segundono comandodos seus, e, só excepcionalmente e se africanizando, umportuguêscontrolaria umapóvoa africana.Não tinha o sistemade “amos” omesmomolde dos aldeamentosameríndios,eencontrodificuldadeemvisualizar,comAlencastro,jesuítas“aboletadosnachefiadesobados”.Esteouaquele terá convertidoum régulo eo influenciadono exercíciodomando,masconversão e tutela foram contadíssimas exceções. Creio, aliás, que a minha leitura reforça oargumento de Alencastro de que o falhanço da evangelização em Angola fundamentou, entre osjesuítas, a tese, justificadora do tráfico negreiro, de que só se retirando o africano daÁfrica erapossívelconvertê-lo.Comoquerquetenhasido,ainstituiçãoaportuguesadados“amos”nãoexistiuforadasbordasdoreinodeAngola.Tenhotambémpordistintodosaldeamentosedosistemade“amos”oprazodaZambézia.Estese

Page 65: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

originounosmoganos, ou doações de terras e seus habitantes feitas pelomonomotapa, o rei dosxonascarangas,aossúditosquelheprestavamserviçosrelevantes,tipoderecompensaqueestendeuaos portugueses que o acompanhavam em suas guerras. Na metade do Quinhentos, os europeusaquinhoadospelomonomotapapassaramarequererdaCoroalusitanaqueosconfirmassemnogozodasterras.Mascontinuaramapagartributoaoreixonaeadever-lheassistência.Algunsprocuraramfurtar-se à vassalagem, no que se comportavam como os aristocratas locais, sempre prontos arebelar-se.Mas só após 1632, quando recolocaramMazura no zimbaué real, foi que os prazeirospassaram a controlar o monomotapa. Por apenas três décadas, contudo, pois um novo rei,Mucombué,voltouaimpor-secomosuseranodemuitosdosprazeiros,chegandoarecuperarpartedas terras dantes cedidas aos portugueses. Nos séculos XVI e XVII, o prazo foi, portanto, umainstituiçãoaomesmo tempoafricanaeeuropeia.Paraosxonas,ummogano;paraosportugueses,umaforamento.Maisdeumavez,Alencastrolamentaqueosportugueses,aorelatarsuasvitórias,nãodestaquemo

papeldos aliados africanos.Sóo fazemnocasodos jagas—ou, comoprefiro, imbangalas, paraevitaraconfusãocomosjagasqueinvadiramoreinodoCongo,em1568,equenãoeram,crê-se,amesmagente.Apesardaqueixa,oafricano,querescravonaAmé-rica,querhomemlivrenaÁfrica,não aparece em O trato dos viventes como o coconstrutor, que foi, do mundo atlântico. Porqueinteressado sobretudo em demonstrar a unidade da empreitada colonial lusitana no Atlântico Sul,Alencastro só teve lugar, na frente do retábulo, para missionários, militares, mercadores efuncionários do rei de Portugal, para “os do Brasil”, os reinois e o colonato angolano. Por issotambém,napartedocenáriocorrespondenteàÁfrica,quasetudosepassaemLuandaeemsuaórbita,comoseLuandaatuassenumvaziodepoder,comosenãotivesseporvizinhosepróximosnãosóamonarquiaconguesaeumSoyoquedelaseseparava,mas tambémos reinosdeLibolo,Matamba,Caçanje eMacoco e os estados dembos, quiçamas, ovimbundos, lundas e cubas.No entanto, eramessesreinososprincipaisfornecedoreseclientesdosnaviosqueancoravamemLuanda.Alencastro ressalta, como já fizera Pierre Verger em relação ao golfo do Benim, que entre o

Brasil e Angola não prevaleceu o comércio triangular considerado característico do tráfico deescravos, mas, sim, o bilateral, entre Luanda e os portos brasileiros. Embora não tivessepredominado, essemodelo triangularnãodeixoude existir nosnegócios entreoBrasil eAngola,assimcomoasuapreponderâncianasCaraíbasnãoexcluiuasviagensdiretasentreHavana,Bostoneos portos da África. Antes que a cachaça, o tabaco, os búzios e o ouro brasileiros se tornassemindispensáveis nos conjuntos de mercadorias com que se adquiriam escravos, houve até umaestruturadecomércioque,nafaltademelhorpalavra,chamodepoligonal,pois,aindaqueafarinhade mandioca tivesse tido o papel para o qual nos chama a atenção inovadoramente Alencastro,pagavam-se as compras naÁfrica não apenas com produtos europeus e panaria deCaboVerde econtas de Ifé, mas também com algodões da Índia, sedas da China, cauris dasMaldivas e lãs doMagrebe,transbordadosounãoemLisboa,RiodeJaneiroeSalvador.O que não falta em O trato dos viventes é matéria de reflexão e debate. Termina-se a leitura

altamenteestimuladoerecompensado,masnãosemdesejarqueseuautorsetivesseestendidosobreváriasafirmaçõesqueficaramsemdiscussãoadequada—elesabe,porexemplo,queasituaçãodomulatonaÁfricanuncafoitãosimplescomonosconta—,oupormarginaisaoseuenredo,ouporserem,sobretudo,provocações.Elepoderia,porém,responder-nos,comCamões,quesuacançãojáialongaeque,pormaisquefizesse,nãocaberia“aáguadomaremtãopequenovaso”.

Page 66: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Namargemdelá

Page 67: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

V

UmavisitaaoMuseudeLagos

isito pela segunda vez oMuseu de Lagos. Revejo peças que nosso pre conceito chamaria declássicas,limitadasporregrastãoferozes,quelhesdãoagrandezadenãonasceremdoarbítrio

oudosonhodeumsóhomem.Nãosãoautobiografias.Nãoforamfeitasparaexprimirpassageirador.Fica omuseu ao fundo de um jardim tropical. É umprédio pequeno emoderno, semnada que

lembre a ondulação e a maciez características da arquitetura tradicional iorubana, tão rica eminvençãoeritmo.Rígidoefrio,étodoocontráriodospequenostemplosmuçulmanosdeIlorin,compare-desretalhadasporlevesformasgeométricas,dasquaisestão,contudo,ausentesaprecisãoearispidez.Nessas mesquitas, as venezianas abrem-se no próprio barro das pare-des. São triângulos,

retânguloselosangos,emqueaslinhasqueseriamretasevitamasetaeochuçoebuscamomacio.Pórticos dentados, pequenas ou largas aberturas, janelas cujo vazio é interrompido por rústicoscilindrose falsasesferasdeargila— todososângulospossuemavocaçãodisplicentedascurvas,para que nada lembre um fio de lâmina e tudo ondule entre dengo e serenidade. A precisão dageometriarende-seaoutroritmoeháumalevezaquaseluminosanasparedesdebarrorendilhado,quefazemoprédiorespirarelhedãosombraefrescura.A primeira vez em que entrei noMuseu de Lagos foi no dia seguinte ao da independência da

Nigéria,emoutubrode1960.Agora,algunsmesesdepois,esteesguiobronze,comoumafolhadebananeira, sonhado por Ben Ewonwu e que salta da fachada do edifício, parece-me uma tarderepetida.

Page 68: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf
Page 69: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Ver estas imagens, aqui, embora no desamparo de figuras demuseu, comove.É preciso chegardiantedelassempensaremDerain,VlaminckouPicasso.Semrecordaroquelhesdevemos,oquepusemos nelas. Sem incluir esses bronzes, terracotas e madeiras, pelo menos por enquanto, natradição,ourevolução,deoutraprovínciaculturaldomundo.Limpoosolhosdetodaumaideologiadacivilização,daqualparticipamigualmentesantoTomás,

Gibbon, Darwin, Tylor, Morgan, Marx, Engels, Burckhardt e Nietzsche, e que bem se traduz narecusaimpertinenteeobstinadadeHegeldecolocaraAméricanaHistória.EescrevocomremorsoessaHistóriacommaiúscula, invençãodeummétodoque,emnomedeumpassado,negououtrospassados.Essedramadeincompreensãoeorgulhofezsempre,aliás,afecundavitóriadosbárbaros.Não imaginaram eles, ao chegar à África, que sua descoberta do mundo e de um novo tipo deparasitismointernacionaleraocontinuardeumdestinodecriadoresdeIdadesMédias.Assimcomo,senhores dos destroços do Império Romano, não vaticinaram os renascimentos greco-latinos,julgam, agora, dos Urais ao “rosto português”, que o futuro se organiza pelo esquema de seussonhos.Noentanto,aÁfricanãoeraapenasgeografia,quandoviueuropeuspelaprimeiravez.Ahistória

africananãocomeçacomeles—mas, sim,a lendaquecriaram—nemsemovenecessariamentenumsentidoeuropeu.Aprendercomosinvasoresousodasmáquinas,ecomoerradicarafomeeasdoenças,ereduziro

calorouofrio,nãoimplicaaderir,semanáliseereinterpretação,aseusmodosdevidaerejeitarumpassado que, embora pelaEuropa, e no seu interesse, refutado, é diariamente redescoberto para amemóriacriadora.Ontem,ofilósofonegavaaqualidadedehistóricaàexperiênciaamericana,pelaincapacidadede

compreenderamaisoriginaldesuascriaçõespolíticas:ofederalismo.Otempoquedesdeentãoseescoounão impediuqueoeuropeucontinuasseaclassificarosoutroshomenseaesquematizarasdireçõesdahistóriapelasuaescaladedesejos.As aproximações que sou tentado a fazer entre as imagens de pedra românicas e estes gêmeos

ibejisiorubanos—deolhosfixosnomistérioetodoocorporetesadoemquasemóvelconcentração— não implicam, portanto, julgamento. (Escrevo este período para não ser cúmplice da mesmaperversatraiçãoquefazdapalavraeuropeunecessárioelogio.“Terníveleuropeu”éumafrase,paramim,quenãosignificanada.Anossaarquiavó,queerguiaabelezadobarromarajoara,estámaisdistantedadesarterealistaeuropeiadoquealebrelunar,quemataafomedoBuda,dalebrecomum.)Passoamãonestasportaslavradas:guerreiros,felinos,homensalcançandooaltodoscoqueiros,

mulherescompotesàcabeça.Auscultoesseslongostamborescravejadosdecavaleiroseinfantes,demãesamamentando,delagartos,tartarugasepalmeiras.Sintoaforçaenormedabelezaquenascedeumritualcoletivo,diantedessaspeçasque,emseusdias,adornarampaçossobaisevirampassarporelasreisdetrajescoloridos,comseuspassosdedeuses.Nãoencontroaquinenhumpilarexuberantementecobertoporplacasdemetalemrelevo,comoos

que existiamno antigopaláciodoobádeBenim.Masbastamestaspoucas imagens embronze—fique a palavra útil, embora sejam em sua quase totalidademoldadas numa liga de cobre, zinco echumbo—paranãosómeassombrar,mastambémdevolver-meavisãodopaláciodestruído.Apesar do impacto dos métodos de produção europeus, as confrarias de escultores continuam

vivasnoBenim.Asmudançasnaestruturasocialretiraramdascorporaçõesdeartistasafunçãodeprotetoresdaglóriados reis eomecenatodoobá—naturaisnumacivilizaçãoemquea arte erafator permanente de coesão social, e não objeto de horas de lazer. Presença na vida, em vez dedistraçãodavida.Hoje,essasconfrariasdedicam-seafundirobronzeparaatenderàdemandadosturistas.Muitosde

Page 70: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

seusmembrosdelasseafastamevãobuscarprofissõesafinsnas indústriasnascentes.Masas lojasaindafazembelasplacasdebronze.Conheço,porreproduçõesfotográficas,aencomendadapeloobáAzenkuaII,paracomemorarosacrifíciodeumelefante.Noutra,aindamaisrecente,vemosomesmorei,aoladodochefeAwolowo,asercumprimentadopelarainhaElizabethII.Volto-meparaalgunsexemplaresmaravilhososdeantigosrelevosdebronze.EisoobádoBenim,

de narinas afogueadas e olhar feroz, cercado de fâmulos.Ali, acrobatas exercitam-se em árvores.Aqui,soldadosportugueses,denarizescompridoseaempunhararcabuzes,mostramacotamalhada,aspistolasàcinta,oscapacetesalongados.Roupas,colares,armas,folhasetroncosdeárvores,pelesde bicho, chão, espaço e céu— tudo é transcrito num bronze extremamente trabalhado, como sepossuísseumsolinterior.Ometal acolheuadocilidadedobarro, eassimnasceramessesvasosde formasdeanimais,ou

recobertos por figuras ferozes: lagartos, felinos a devorar homens, abutres a bicar cabeçasdecepadas.Osgrandesmomentosdessaarterefinadaevivasão,alémdasplacascomemorativas,asestátuas

decavaleiros,osleopardosimóveis,ascabeçasdeobásederainhas-mães,estesgaloscujorealismodaspenasépartidoporumainvençãoprodigiosadetexturasecontrastes.NaartedoBenim,naqualobronzeparecetrabalhadoembilro,háaquelaassírialeonidade.Seus

guerreirossabemasangueeagrandeza.E,aoladodela,tornam-seaindamaisserenasasterracotasdeIféousuasimponentescabeçasdebronzeescarificadas.Asimulaçãodarealidade,queéoproblemaaqueprocuraresponderaesculturadeIfé,separa-a,

de certomodo,dasoutras criações africanas, embora sobrememseupossível herdeiro, oBenim,impiedadesdessenaturalismo.OquedesconcertaéencontrartantasemelhançaentreosachadosquecomeçamemFrobenius.O

estiloidênticodetodasessascabeçasrealistas—adeLajawa,oUsurpador,adeObalufonII,asdosaltosdignitáriosemoçassuaves,encontradasemWunmonijeeIwinrin—gerouvãsteoriassobreaorigemeocaminhodeumescultor,oudeumaescoladeescultores,einfindáveishipótesessobreoqueeraaverdadediáriaparaumcertogrupodehomensqueobedeciaàvontadedooni.Mas, se buscamos raízes, aqui estão as cerâmicas de Nok. Entre 500 a.C. e 200 d.C., foram

esculpidas essas cabeças de homens e mulheres de rostos triangulares, narinas muito abertas eexpressãoconcentrada.Passopormáscarasdosiboseibibios,queserviramdeveículoparavisitasdeantepassados,por

potescerimoniais,vasosecornucópiasdeIgbo-Ukwu.Éhumanooolhardestacabeçadecarneiro,arrancadadeumaltardocultodosancestrais,emOwo.Detenho-mediantedospostesesculpidosedasestátuasdemadeiraiorubanas.Raríssimasvezesa

arte aproximou-se tanto do espírito como nesta escultura religiosa densa e provocante. É a nocheoscura este cerrado esplendor das forças do mundo, comprimidas todas nestes homens decomplicadosornatos,montadosemsonhosdecavalos,nestasmãescomcriançaspendendodeseiosalongados,nestasmulherescompotesnasmãosefilhosàscostas,nestespovoadoresdosaltaresdeorixás.Háumafúriadevidanestasimagensdemóvelinércia,quesintetizamumaculturaemqueosagradoeoprofanonãosedistinguemenaqual todososminutose todososatospare-cem terocaráterdeprece.Nas imagens iorubanas existe permanente e intensa concentraçãomística. Nelas não se percebe

qualquer toquededoroudealegria.Estãoàesperadesergrávidasdeumdeus.Mueroporquenomuero.Ainda se fazem imagens como estas entre os iorubás. Esculpir, para eles, não é tentar vencer a

eternidade para umnome ou uma obra. Isso é um jogo inútil e pobre. Fazer imagens é superar afaláciadaeternidadeeconstruirumapartedavida,umserpresente.

Page 71: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Estáaquiaescultura,prontaparaserpintadanosdiasdefesta,parareceberumturbantedepanocoloridoecolaresdecontas.Nofestivaldasimagens,serácolocadanomeiodasoutras,eascriançasbrincarãoentreelas.Sãoesculturasúteis,amigasesagradas.Mas,seoscupinsasconsomemousealguémasparte,osnagôsas substituemporoutras, comnaturalidadee sem lástima.Foramfeitas,comooshomens,paramorrer.Nas estátuas iorubanas, o verdadeiro destino da arte se cumpriu. Libertaram-se inteiramente do

criador e são de todos. Por isso, ao ver os olhos ardentes desses paus humanizados, com que serespondeaomundodeformaativaeparticipante, recordoodiagnósticodeErichFromm,emTheSaneSociety,sobreoorgulhosomundoeuropeuesuasupersticiosaerudição.Dasconclusõesdesseensaio fazparteaafirmativadequeumaaldeiaondeaindaexistamfestasdeverdadeeexpressõesartísticasexercidasefruídasportodos,emcomum,ladoaladocomoanalfabetismoabsoluto,émaisavançada,culturalmente,doqueasnossascidadesdeleitoresdejornaleouvintesderádio.

1961.

Page 72: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Q

OssobradosbrasileirosdeLagos

uemvisitaacapitalnigerianaepassapelasruasTokumboh,BamgboseeIgbosereaindapodeverossobrados.Muitos,algunsdosmaisbelos,comoodeJoaquimBranco,sobrevivemapenasna

memóriadasfotografias,poisforamdemolidosecederamlugaraosaltosemodernosedifíciosdeLagos.Osquerestaram,porém,no“BrazilianQuarter”,são idênticosàschamadascasascoloniaisbrasileirasou,namaioriadoscasos,aosprédiosneoclássicosdoImpério.Esse tipo de arquitetura foi introduzido naNigéria pelos hauçás e iorubás que, tendovivido no

Brasil,comoescravosoulibertos,regressaramposteriormenteàÁfrica,sobretudoduranteoséculoXIX.Nosduzentosanosanteriores,jáalgunsdeleshaviamretornadoàcostaocidentalafricana,parasededicaremprincipalmenteaotráficonegreiro.Em Lagos, os primeiros grandes grupos chegaram após as revoluções muçulmanas da Bahia,

cujosparticipantesforam,alguns,deportadosdoBrasilparaaÁfrica.DurantetodooNovecentos,aelesseuniramnumerososex-escravos,queregressaramporvontadeprópria.Na Costa da África, a experiência brasileira os uniu. Formaram suas comunidades e se

conservaramfiéis,emgrandeparte,aosistemadevidaaprendidonoBrasil.Por isso,construíramsuas casas aomodo brasileiro. E ergueram suas igrejas emesquitas nomesmo estilo. Só o olharavisadodistinguiráafachadadaMesquitaCentraldeLagos,construídasegundoosplanosdomestredeobrasbrasileiroJoãoBaptistadaCosta,deumaigrejajesuítica.AsmaisantigasmesquitasdeLagosforamerguidaspormuçulmanosbrasileiros.Porgentequese

chamava Souza, Cardoso, Campos, Matos, Silva ou Barbosa. Numa delas — modesta, maisparecendoumalojacomumeantigadaruaMajorFacundo,emFortaleza,oudaruadasMarrecas,noRiodeJaneiro—estãoescritasemazulsobreomuroamareloestaspalavras:“BrazilianMosque.”Muitos dos ex-escravos já voltaram do Brasil com algum dinheiro. Outros enriqueceram na

Nigéria,comoprósperocomércioexistenteentreasduascostasdoAtlânticoeque foianiquiladopelovirtual isolamentoqueacolonizaçãoeuropeia impôsàÁfrica.Ehouvequemfizesse fortuna,graças às aptidões profissionais que havia adquirido no Brasil. Ou aos conhecimentos que deletrouxe,comoofamosoproprietárioda“WaterHouse”(a“CasadaÁgua”),queinstalouumabombamanualparatirarolíquidodeumpoçoe,assim,abastecer,medianteretribuição,avizinhança.Outrosex-escravosformaramabasedosetordeserviçosdeLagos,duranteadominaçãoinglesa.

Forampadeiros,alfaiates,mestresdeobras,carpinteiros,pequenosfuncionáriospúblicos,modistas,cozinheirasecriadas,aserviçodosbritânicos.Ricos,remediadosepobres,eramconhecidoscomo“brasileiros”, e “brasileiros” se chamam, até hoje, seus descendentes.Entre eles, só alguns velhosaindafalamportuguês.Nãoforampoucososex-escravoseseusfilhosquefizeramviagensentreaBahiaeaNigéria,por

motivos religiosos ou comerciais, ou, ainda, para rever parentes, amigos e a terra onde haviamnascido ou vivido. Nos primeiros dias do século XX, por exemplo, Nina Rodrigues fez traduzircantosdecandombléporLourençoA.Cardoso,naturaldeLagos,ondeeraprofessor,comercianteecomissionista. Lourenço Cardoso estava em Salvador “em comércio de produtos africanos” emoravaemLagos,naruaBamgbose.1EssasconstantesviagenscontribuíramparaavivarnaBahiaamarcantepresençanigerianae,naNigéria,ainfluênciabrasileira.Ofenômenonãofoiapenasnigeriano.TambémosbrasileirosdoTogoedoDaoméconstruíram

Page 73: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

sobrados neoclássicos, e até hoje comem cocadas, moquecas de peixe com pirão de farinha demandioca,cozido,feijão-de-leite,feitosàmaneiradoBrasil.EmPortoNovodança-seo“burrinhão”— a burrinha ou o bumba meu boi brasileiros — com versos em português, conservados pelatradiçãooral.EalisecelebraafestadoSenhordoBonfim,nomesmodiaqueemSalvador.

Page 74: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf
Page 75: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

UlliBeier2 consideraaesculturaemcimento,que floresceentreos iorubáseos ibibios, amaisimportantedasnovasformasdeartedaNigéria.Esalientaqueeladerivadasfigurasdegessoqueornamascasasemestilobrasileiro.Aarquiteturabrasileiracontinuouviva,naprimeirametadedoséculoXX,naNigéria.Aburguesia

emascensãoelegeuessemodelodecasacomosímboloderiquezaepoder.Sobradosemtijolo,ouadoberevestidocomcimento,espalham-seportodoosudoestedopaís.Ao

viajar-se,porexemplo,entreLagoseIbadan,veem-sedezenasdeles,comsacadasdeferroretorcido,venezianas,molduras das janelas salientes, portas de almofada. Faltam, nessas casas relativamentenovas,osazulejoseastelhas,comuns,peloquesabemos,nosprédiosantigosdeLagos.Nosvelhossobradosqueaindaestãodepé,reencontramosasfachadaslouçadas,osvasosdegessonasorlasdostelhados,assacadastorneadasdecimento,osflorõesbarrocos,todososelementosqueparticipamdosobrado português adaptado à vida brasileira. Atualmente, a cobertura das casas, mesmo a dossobradõesdeLagos,équasesempredefolhasdezinco.Oudeasbesto.Os prédios antigos de Lagos ostentavam jarras, pinhas, águias e leões de gesso ou louça

importados do Brasil, e que deviam constituir um dos itens do comércio entre aquela cidade e aBahia,duranteoséculoXIX.Numavisitaquefiz,naBamgboseStreet,aumavelhacasabrasileira,pudeobservaro forrodo teto eo assoalho— idênticos aosdos sobradosdoNordeste.Aprópriadisposiçãodoscômodosera-mefamiliar.Aescadademadeiratorneada,comsualevecurva,levandodo rés do chão ao primeiro pavimento, poderia ser a de uma casa antiga do Rio de Janeiro. Oassoalho,delongastábuas,estavaraspadoelavado,comosefaziaemFortaleza,naminhainfância.Oestilobrasileiromarcouprofundamenteaarquiteturanigeriana.Algumasmesquitas,enãosóa

dos “brasileiros”, mas também outras, como a de Oshogbo, foram construídas segundo as suasregras.Estaúltimaincorporareminiscênciasárabesedeigrejaseuropeiasaosobradobrasileiro.Notam-se,emalgunsprédiosnovos,reinterpretaçõesnigerianasdacasabrasileira.Anaturezados

materiaisquepassaramautilizartornoupesadoseirregularesosencaixesdasjanelas.Asfasquiasdemadeira das venezianas são mais grossas. No parapeito das sacadas empoleiram-se pequenasesculturasdecimento.Nasparedesdosprédiosmaisrefinados—comoospaláciosdeAkure,Ado-Ekiti e Ikerre— surgem incisões com desenhos abstratos tradicionais africanos e estilizações deanimais—decobras,sobretudo—,bemcomoimagensemrelevodesoldados,lagartos,macacos,cágados,palmeiras,riflesesabres.Écuriosonotar-se,emcasasquasesemprecobertasdezinco,apersistênciadascalhasparacolher

aáguadachuva.Tomam-setambémbanhosdebica...Nasconstruçõesnovas,veem-se,noaltodasfachadas,vigorosasesculturasdecimento:elefantes,

cavaleiros, ríspidosmacacos, dramáticos leõesde juba a se alongar atéomeiodo corpo edentespontiagudos.Eisadescendênciadasninfas,águiaseleões, tãocomunsnossobradosurbanosenascasas-grandesdoImpériobrasileiro.

1961.

Page 76: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf
Page 77: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf
Page 78: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

NOTAS

1NinaRodrigues,OsafricanosnoBrasil,revisãoeprefáciodeHomeroPires,SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional,1932,p.198.2ArtinNigeria—1960,Cambridge:CambridgeUniversityPress,1960,p.12-13.

Page 79: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

U

OsbrasileirosdeLagos

sava uma túnica alva, ornada de bordados castanhos, e casquete de astracã. Era enorme,gordíssimo.Aoabraçar-me,perguntou:—Brazilian,whatarethemeaningsof“f.dap.”,“merda”and“suabesta”?Aretheybadwords?—São—respondi.E o repórter nigeriano, a rir espalhafatosamente, confessou-me que seu pai só o chamava por

nomesfeios.Guardarapoucaspalavrasdovelhobrasileiro:essaseoutrasmais,queesgotarianumminuto.Um dos jornalistas indagou, então, se no Brasil havia muitos muçulmanos. Disse-lhe que

pouquíssimos.Ficousurpreendido,poisnumerososbrasileirosdeLagoserammaometanos.TalvezconstituíssemmesmoumadasmaisantigasconfrariasislamitasdosuldaNigéria.Organizaram-seousefortaleceram,semdúvida,após1835,anoque lembra,naBahia, revoltae

desterro.VáriosdosiorubásehauçásimplicadosnaconjuramuçulmanaforamexpulsosdoBrasileamaioriadeles foi teraLagos.Diza tradição,eaconfirmariamalgunsescritoscoxos,quenessalistafigurouoimamedeSalvador.Usuman dan Fodio, ao lançar a guerra santa dos fulas contra os infiéis, jamais sonhou, nem

mesmonospoemasqueescreveu,queseusdiscípulosexiladosvoltariamaolitoralnigeriano,pararealizaremparteaconversãonão logradapelosexércitosdonorte,detidosàsportasdeOshogbopelasflorestasepelasarmasdeIbadan.Assistiaumacargadacavalariafula-hauçá,duranteasfestasdaindependênciadaNigéria.Soba

luzfortedosol,umgrupodecavalos,cobertosdejaezesemantascoloridas,entrounohipódromodeLagos,montadosporalbornozesverdesbordadosaouro,nasimulaçãoeinventodeumataque.ÉbemverdadequeogrossodastropasdeUsumandanFodioeradeinfantesequefoia infantariaavencedorana lutacontraoshauçás,cavaleirose infiéis.Mas,depois,o império fulaseexpandiuacavalo.Algunsmesesmais tarde, numpequenomuseunosCamarões, rompi a intimidadedogalopena

savana.Vi,reduzidosaexemplos,ostrajeseadornosdosguerreirosfulasedesuasmontarias.Aliestavam túnicas com desenhos complicados e ásperos; capacetes de metal, semelhantes aos dostártaros e aos dosmongois, emplumados de crinas de cavalo ou pelos de outros bichos; cotas demalha;arreioseselascobertosdedesenhosrituais;crinasfalsasdecontaseplacasmetálicas;lanças,espadas,sabres,cimitarrasemachados.Nasombra,umaeternapersonagem,queconstroiimpériossobocascodoscavalos.OsmercadoresbrasileirosdeLagosobtiveramoêxitonegadoaessescavaleirosmuçulmanos—

fulas,ehauçás,eiorubás—degrandesesporasnospésdescalços,equepisamoestribocomoumvaqueironordestino,agarrando-oentreosartelhos.Foidemesquitascomoesta,naVictoriaStreet,construídaporbrasileiroseacujaportavejoumvelhoadesatarasalpercatas,queoislamepenetrounosuldaNigéria.EradeLagosqueosmercadoresnagôslevavamdevoltaàssuascidades,comocharque,amandiocaeacachaçadoBrasil,notíciasdoislamismoedocatolicismo.Aochegaràquelacidade,emmeadosde1860,parafundarasprimeirasmissõesestáveisnosulda

Nigéria,osmissionárioscatólicosencontraramapoio,sacristãesecatequistasentreosmembrosdacolôniabrasileira.Omesmo sucedeucomseus colegas franceses, emPortoSeguro,Aguê,Ajudá,

Page 80: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

PortoNovo,PopôGrandeeAnexô.A história guarda o nome da mulata brasileira— ou, melhor, da “brasileira”, pois talvez não

tivesseumsódosavósprovenientedoBrasil—quesecasoucomocélebrereiGuezo,doDaomé:Francisca.Omatrimôniorealizou-senaigrejacatólicadofortedeSãoJoãoBatistadeAjudá,eChicamantevesempre,emAbomé,umacapeladedicadaaNossoSenhordoBonfim.OabadeLaffitte1contacomo,aochegaraAguê,foiprocuradopormestiçosenegrosbrasileiros,

que o conduziram a uma pequena capela, construída por um deles. Todos, para a indignação domissionário,praticavamumsincretismocatólico-africano,bemdoBrasiledaBahia.AcapelatalvezfosseadoSenhorBomJesusdaRedenção,queJoaquimd’Almeida,comerciante

nascidonoBrasil,construiuem1835.Nelaforambatizadasporpadresportuguesesefrancesesmaisdeoitocentaspessoas.OabadePierreBouche,2aquemdevemosessanotícia,escreveque,emAguê,houveummestre-escolabrasileiroqueensinavaportuguêseosfundamentosdadoutrinacristã.EmLagos,desdeodesembarquedosmaisantigos,porémsobretudonoséculoXIX,osbrasileiros

influíramnavida,naarquitetura,nosdestinos,nospomaresenosjardinsdacidade.Recordemosquedominaramocomércioexterno,nãosódeLagos,masdequasetodososestabelecimentosdogolfodoBenim.OsbrasileirosdeLagosexportavamparaoBrasilescravos,azeitededendê,noz-de-cola,panoe

sabão da costa, resinas e objetos religiosos, e importavam cachaça, farinha demandioca, tabaco,açúcar,charque,armasepólvora,alémdeváriosoutrosartigos:formicida,limas,sapatosdecouro,cigarros, penas de escrever, grades de ferro fundido, figuras de louça e gesso, azulejos, telhas,móveis,livrosejornais.Rica e poderosa era a colônia, e no bairro brasileiro (o “BrazilianQuarter”) decidia-semuitas

vezesalutapelotítulodeologun,oureideLagos,oqualestava,segundoapráticadetantasregiõesdaÁfrica,abertoàcompetiçãodentrodaslinhagensreais.Quando, em 1834, Adele, o sétimo ologun de Lagos, morreu, um de seus agnados, Kosoko,

reclamouo títuloeocargodechefesupremodacidadeecoletordo tributoporeladevido,comovassala,aoobádoBenim.ApretensãodeKosoko foi ignoradae,emseu lugar,elegeu-seumdosfilhosdeAdele.Kosokoexilou-seemAjudádurante seisanos, eali se fezamigodosmercadoresbrasileiros.Estespassaramaapoiá-lo.Seteanosmaistarde,falecidoooitavoologun,Kosokoapresentounovamentesuacandidaturaao

título. Foi preterido por um tio, Akitoye. Ajudado pelos brasileiros de Lagos e Ajudá, que lheforneceramarmaserecursos,KosokodestronouAkitoye,expulsouorepresentantedoobádoBenimeexpandiuconsideravelmenteocomérciodeescravosparaoBrasileCuba.Akitoyealiou-seaosingleses,que,aolutarcontraotráficonegreiro,ampliavamnacostaatlântica

daÁfrica o seu poder colonial.A 6 de dezembro de 1851, a esquadra de SuaMajestade britânicabloqueavaLagos,obrigandoKosokoeseusaliadosbrasileirosarenderem-se.No ano seguinte, Kosoko tentou, sem êxito, retomar o poder. E, em 1854, apesar de receber

subvenção inglesa para não se afastar de Epe, onde residia, reorganizava o tráfico clandestino deescravos comobrasileiro JoaquimManueldeCarvalho e seu aliadoe sócio, o reiSoji, dePortoNovo.AquedadeKosokomarcaofimdopredomíniodocomérciobrasileiroemLagos.Mas,em1862,

umanoapósofilhodeAkitoye,oologunDosumo,terassinadootratadoquecedeuLagosàGrã-Bretanha,aindahavianacidadecincoexportadoresbrasileirospara16britânicos,trêsalemães,doisitalianoseumfrancês.Naquelaocasião,acolôniabrasileiraeraformadapor130famílias.Dezanosmais tarde, os brasileiros de Lagos eram estimados em 1.237 pessoas. Esse número deve teraumentadosubstancialmentenapenúltimadécadadoséculoXIX.O comércio direto entre Brasil e Lagos declinou lentamente, até se extinguir com a Primeira

Page 81: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

GuerraMundial.Mesmoduranteodomínioinglês,foi,porém,bastanteparaenriqueceralgunsdosbrasileirosrecém-chegados.Outrosdedicaram-seaomercadointernoeaserintermediáriosentreosexportadoresbritânicoseosprodutoreslocaisdeazeitededendê.Tornaram-selavradoresdecacauealgodão, profissionais liberais, funcionários públicos. Foram famososmestres de obras, pintores,carpinteiros, ferreiros e alfaiates. Um deles, FranciscoNobre, construiu uma das torres da antigacatedraldeLagos.LázaroBorgeseJoãoBaptistadaCostaforamoutrosdoisrenomadosarquitetos,aosquaissedevemalgunsdosmaisbelossobradõesdacidade.Ex-escravos brasileiros chegaram aLagos até o início do séculoXX.Numdos últimos grupos

desembarcou,acompanhadopelamulherepelosfilhos,opaidedonaRomanadaConceição.Eestavelhinhapernambucana,residenteàruaBamgbose,n°196,pergunta-nos,arir,feliz,numportuguêsmuitodoce:—Comovãoosmeuspatrícios?EraaindacriançaquandochegouaLagos.Comospaisfalavaanossalíngua.Hámuitotempo,no

entanto,rarasvezespunhaosolhosnumapalavraportuguesaououviafalardoBrasil.TemsaudadesdePernambuco.Transmitiuessanostalgiaaumadesuasfilhas,Luísa,cujosonhoévisitaroRecife.Algumas horas mais tarde, naquele mesmo dia de maio de 1961, o acaso nos deu Alfredo de

Medeiros. É funcionário da Air Liban, togolês, neto de brasileiros. Seu pai ainda fala a línguaportuguesa.EnquantoconversavacomMedeiros,permanecifielaumasériede imagensquetraziadoTogo.

Vira o nome Souza, cuja pronúncia o convívio francês transformou em “Suzá”, escrito por todaparte, nas tabuletas das casas comerciais e nas placas de rua. Lera também Andradas, Freitas eAlmeidas,SilvaseBarbosas.Essesnomes tão íntimosaumentavamaindamaisa impressãodequepercorríamosaspraiasdoNordestedoBrasil.Ospalmeirais togoleseserammuitomaisextensos,porém o céu e omar tinham amesma cor brasileira, e as crianças, correndo nuas sobre a areia,pareciampersonagensdeumretornodejangadasemumageografiarepetida.Ocruzardooceano,na idaounavolta,devia serparaosolhosdosafricanosedosbrasileiros

comootranspordeumrio.AoregressaràÁfrica,osex-escravosjásedistinguiamem“Papai”e“Mamãe”e“Ioiô”e“Iaiá”.

Aqueles,informa-nosA.B.Laotan,3eramosque,nascidosnaÁfrica,tinhamsidoescravosnoBrasil.Estes, os crioulos brasileiros. Mais tarde, ao se estancar o movimento de retorno, o sentido daspalavrasmudou.“Papai”e“Mamãe”passaramaserosvelhosnascidosnoBrasil;“Ioiô”e“Iaiá”,os“brasileiros”queviramaluzemLagos.As tradições brasileiras estão desaparecendo da cidade. No passado, celebrava-se com maior

pompaafestadeNossoSenhordoBonfim,representava-secomfrequênciaobumbameuboi,eosbrasileiros e “brasileiros” reuniam-se periodicamente em piqueniques e festas dançantes. O maisfamosodospassistasdeLagosfoiPapaiManuelJoaquimdosReis,tambémconhecidocomoPapaiMudalugar. Era professor de português e de inglês, e um de seus filhos, Hipólito, voltou para oBrasil,tendomorridonaBahia,háquasetrintaanos.O meu amigo Lawrence A. Fabunmi descreve-me uma outra morte de brasileiro e suas

consequências.Ovelhovestiasempreàeuropeia.Àsvezes,usavacalça,coleteepaletódecasimiranegra.Andavadebengala.Erarico,edeixoudeváriasmulheresmuitosfilhos.Estes,nadisputapelaherança,praticamenteatransferiramparaasmãosdeadvogados.Asversõesdessalongademandacontribuíramdecertoparatransformaremlembrançamagnífica

o velho brasileiro. Vivia num famoso sobrado, com pinhas de gesso e sacadas de ferro batido.Passeava, pelas manhãs, num quintal igualzinho aos do outro lado do Atlântico. Morreu, apósnumerososdiasafricanos,mastalveztivessealgumsentimentodelegadasmemóriasdoBrasil.Seupai,semdúvida,pertenceuàúltimageraçãodebrasileirose“brasileiros”que,daÁfrica,mandavam,

Page 82: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

naBahiaounoRio,consertarrelógios,imprimircartõesdevisitaeaviarreceitasdeóculos.

Page 83: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

NOTAS1Aupaysdesnègres,Tours:AlfredMameetFils,1864.2SeptansenAfriqueoccidentale:LaCôtedesEsclavesetleDahomey,Paris,1885.3TheTorchBearersorOldBrazilianColonyinLagos,Lagos,1943.

Page 84: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

V

UmdomingonoreinodoDangomé

ivemos, ontem, 5 de novembro de 1972, todos os que acompanhamos oministro do ExteriorMario Gibson Barboza na sua visita aos países da África Atlântica, um domingo de intensa

emoção.Às8h30damanhã,partimosemduaslanchasparaacidadelacustredeGanvié,formada,nomeio

das águas, pelo povo assuvie, que ali buscou refúgio, durante as guerras que lhemoveu o rei deAbomé.Quandoaslanchasseencontravamameiocaminho,foramrecebidaspornumerosascanoaspintadasdecoresvivase impelidasporremosdepáredonda,àsemelhançadosdeMarajó.Nessesbarcos vinham, em trajes de cerimônia, os vários chefes da cidade, cobertos por guarda-soiscoloridos,símbolosdopoderreal,emúsicosedançarinos,queseequilibravam,abailar,sobreaslongaspirogas—tudoalegriaeritmo.EntramosemGanvié,saudadosdetodasascasas.Casassobrepalafitas,cobertasdesapé,algumas

portas emourões decorados com losangos negros, vermelhos e amarelos. Percorremos a cidade,semprecomosbarcosdoschefesaladearemalegrementeaslanchas.Ganvié fica aváriosquilômetrosda terra firme, e suapopulação,quevivedapesca, criouuma

culturaaquática.Asruassãodeágua.Osadultosaspercorrememcanoas.Ascriançaspassamanadodecasaemcasa.Desúbito,umanúnciodecerveja,decigarrofrancêsouderefrigerante.Àportadeumacabana,amáquinadecostura.Ouumhomemdepé,aouvirumtransistor.Durante cerca de uma hora, esteve a comitiva brasileira envolta pelo ritmo dos tambores, pelo

júbilo dos cantos e por indescritível entusiasmo. De volta à praia, seguimos de automóvel paraAbomé,capitaldoantigoreinodeDangomé,Danxomé,DahomeiouDaomé,quetantasligaçõestevecomahistóriadosafricanosnoBrasil.Pelaprimeiravez,desdeofimdoImpério,anossabandeiravoltouatremularnacapitaldoquefoi

umdosmaispoderososreinosmilitaresdaÁfrica.Nopassado,porém,costumavaela,nasgrandesfestas, figurar ao lado dos estandartes reais, juntamente com as do Reino Unido, da França, dePortugal,daHolandaedaDinamarca.Ali,Gibson,apósserrecebidopelasautoridades,foilevadoaopaláciodochefedagrandefamília

Béhanzin,onetodofamosomonarcadeAboméqueresistiuduramenteaosinvasoresfrancesesequecontou,emseuexército,comartilheirosbrasileiros.BéhanzinfoivencidonaúltimadécadadoséculoXIXemorreunoexílio,naMartinica.OchefeCamilleBéhanzinacolheu-nosnopátiointernodovelhopaláciodebarrosocado,comas

paredescheiasdebaixos-relevos,arelembraremfeitosdosantigosreisdaomeanos.Estavacercadopor suasmulheres e filhas.Epelosdignitáriosdacorte.Todos sentadosnochão, sobreesteiras, àafricana.Asprincesasmostraram-noscomodançavamasamazonas, a tropademulheresqueconstituía a

forçade elite e aguarda real dos antigos soberanos.Emseguida, o chefeBéhanzin, revestidodasroupas e insígnias dos reis deAbomé, anunciou aGibson que iria, em sua homenagem e à velhaamizadeentreseureinoeoBrasil,dançarcomele.Ergueu-se,enormeeimponente.Jogouparaatrásdosombrosomantoverdequeocobria.E,tão

logodesceuasescadasdavaranda,todasassuasmulheresefilhas,eosnobres,eosfuncionáriosdacorte, e os súditos presentes se ajoelharam e nãomais desprenderam o olhar do solo, aomesmo

Page 85: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

tempoquecantavamegritavamdealegria.Ochefefezalgumasevoluçõeslentas,comsolenidadeeunção.E,depois,convidouGibsonadançarcomele,gestoaindamaissignificativo.Seguiu-seavisitaaoMuseudeAbomé,nomaisantigodospalácios—umconjuntodecasarõese

pátiosdebarrobatido,cercadopormuroaltoeespesso.Logodeentrada,vê-seosobradodedoisandares—idênticoaumprédiocariocaoubaianodoiníciodoséculoXIX—queFranciscoFélixdeSouza,oChachá,mandouconstruirparaseugrandeamigo,oreiGuezo.Omuseu é impressionante.Ali estão as velhas lembranças doDangomé: um trono cujos pés se

assentam sobre quatro caveiras de inimigos deGuezo, por exemplo. E jarrões de faiança, usadospara marcar o ritmo, para produzir um som semelhante ao do contrabaixo, pois os daomeanosbatiam em suas bocas com leques de plumas ou ventarolas de palha. E grandes panos em que secosturavamfigurasrecortadas,asimular tapeçarias.Eespingardasantigas.Esabresrituais.E,numdospátios,umacasaquepareceenterradanochão,poistemotetoacercadeummetrodosolo.Nelaestãosepultadasasesposasdeumantigorei.“Opiso”,diz-nosoguia, tambémeledesanguereal,“era coberto pelos tecidosmais ricos.Asmulheres entravam com roupas finas e joias. Tomavamumabeberagem,queasfaziaadormecer.Malsedeitavam,fechava-seaaberturadotúmuloe,juntoaela,sesacrificavamnumerososescravos”.Ao sair do museu, num dos pátios, encontramo-nos com o príncipe Sagadin, irmão do rei

Béhanzin,quedeuguerraaosfranceses.Velhíssimo,sentadoemseualpendre,cercadopelafamíliaepelacorte.Oprefeitolocalofereceu-nosumgrandealmoço.Numcasarãoemtudosemelhanteaumavelha

sededefazendabrasileira.Comumaescadadepedraa levar-nosaoúnicoandar,porcimadealtoporão.Osoalhodelongastábuas.Opé-direitoelevado.Aslargasjanelas,comaluzafiltrar-sepelasvenezianascerradas.Eaamplamesa,detoalhabranca,sobreaqualseacumulavamascomidasqueforamlevadasdoBrasilparaoDaomé:ofeijão-de-leite(deleitedecoco),opeixecompirão,dito“piron”,omocotó,transformadoem“motocotó”,ocozidoeafeijoada,cujosnomesosdaomeanosconservam.HaviatambémospratostransplantadosdaÁfricaparaoBrasil,comooefó.Nessealmoço,estavam,alémdasautoridadesmunicipais,váriaspessoasdeascendênciabrasileira

—ocasalSilva,ocasalBarbosa,ocasalSoares—,quemantêmvivasas tradiçõesqueseusavós,antigosescravosoumercadoresdeescravos,trouxeramdoBrasil.Essenãofoi,porém,nossoprimeirocontatocomanumerosaeimportantecomunidadedeestirpe

brasileiraqueexistenaantigaCostadosEscravos. JánoaeroportodoCotonu, fôramos recebidospor um grupo de daomeanos cujos antepassados vieram ou voltaram de nosso país. Os ho-menstrajavamternosdelinhobrancoimpecavelmenteengomados,comosemprefoiderigornaBahiaenoNordeste.Àsaídadoaeroporto,umconjuntotocouumsamba—outalvezoqueseriaamemóriadeumsamba.Compandeiro,tamborime—pasmem!—onossopratoefaca.No fimda tarde,visitamosAjudá,ondeassistimosaum ritualdeXangô, ao redordaenormee

esgalhada árvore santa, e bem em frente ao antigo forte português de São João Batista, que foiqueimadopeloúltimodeseuscomandantes,em1961.Estárestauradoeneleseinstalouummuseudehistória,ondehátrêssalasdedicadasaoBrasil.Àentradadocasarão,quenadatemdefortaleza,mastudo de um solar rústico, de uma confortável morada de um senhor de terras, estão o escudoportuguêseváriasCruzesdeCristo.Dalisaindo,dirigimo-nosparaumdosbairrosbrasileirosdacidade,construídoaoredordacasa

deFranciscoFélixdeSouza,umdoshomensmaispoderososdaCosta,noseutempo.Gibsonfoialirecebido pelos descendentes diretos de Félix de Souza, e levado a visitar o túmulo do famosonegreiro,hojefiguraveneradaemAjudá.Francisco Félix de Souza está enterrado no seu antigo quarto. O túmulo de mármore, com

inscriçãoemportuguêseencimadoporumaimagemdeSãoFranciscodeAssis,encontra-seaolado

Page 86: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

dacamaemquedormia,umaltoeamploleitodejacarandádoBrasil.Numpátio,quesevêdajanela,estáocemitériodosbrasileiros.Enasaladacasa-grande,osretratosdoschachás.Quandopassamosparaum jardim interno, cercadodevarandas, fomosacolhidos comovações.

Era a comunidade brasileira, entre cujos membros estava o dr. Olympio deMedeiros, primo doprimeiropresidentedaRepúblicadoTogo.MédicoemLomé,vieraespecialmenteaAjudáparadarboas-vindasaospatrícios.Seguiu-se uma apresentação demúsica e dança.Não havia diferença entre o que tocavam e um

sambacarioca.Parecianão terexistidoa longaausênciadecontatosdiretosentreosdois ladosdoAtlântico. Representou-se o “burrinhão”, o mesmo bumba meu boi do Nordeste — as canções,idênticasàsqueeuentoei,menino.Osversoseramemportuguês,numportuguêsestropiado,masemportuguês.Começouumaespéciedecordãocarnavalesco.Algunsbailarinosusavammáscarassemelhantesàs

que se viam nas folias cariocas do início do século XX. Máscaras representando gente branca.Apareceuumpernadepau,comacabeçadeDeGaulle.Empoucotempo,estávamostodosdançando,osbrasileirosdacomitivadeGibsoneosdescendentesdebrasileirosdeAjudá.Comose,derepente,deixassemdeexistirageografiaeahistória,oespaçoeotempo.Eomarfossementira.Faziacaloreanoitecera.

1972.

Page 87: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

P

OsbrasileirosouagudáseaocupaçãocolonialdaÁfricaOcidental:cumplicidade,acomodaçãoeresistência

orvoltade1733,umlibertoafricanochamadoJoãodeOliveiravoltoudoBrasilàÁfrica,afimdededicar-se ao tráfico negreiro. Tamanho foi o seu êxito, que, anos mais tarde, ele abriu, com

recursosdeseubolso,doisnovosembarcadourosdeescravos:oprimeiro,antesde1758,noquesechamariaPortoNovo, e o segundo, antes de 1765, na ilha onde ficava a cidade-estado deEko ouOnim,afuturaLagos.1Comisso,iniciouoprocessodealteraçãodasrelaçõesdeforçanaquelapartedacosta,emfavordoreideArdraouAladáedoeleko,oloriogunouologundeEko,possivelmenteAkinsemoyin (c. 1760-c. 1777),2 que, enricando com o tráfico, consolidou o seu poder sobre osdemaischefes,sobretudoosidejos(ou“senhoresdaterra”).3Em1778,astropasdoreideAladá,quehaviamatacadoacidadedeEpe,sólograramretirar-seem

ordem,graçasaduascanoas,pertencentesaAntônioVazCoelho,cadaumadelasdispondodequatropequenoscanhõese24bacamartes.EsseAntônioVazCoelhoeraumnegrolivre,nascidonoBrasil.Tendoherdadoalgumdinheiro, fizeraváriasviagensàCostadosEscravos,até fixar-seemAladá,ondesecasounasmelhores famíliasdo reino.Deumaposiçãodeprestígio,começouaparticiparativamentedapolíticalocaleatédesuasguerras.Comseushomensarmadosdefuzilesuascanoasdotadasdecanhõesdeeixo—osprimeirosqueconheceuaCosta—,dominou,nasegundametadedoséculoXVIII,boapartedaslagunaspróximasaPortoNovo.4Onzeanosmaistarde,aoabrir-se,comamortedeKpengla(1774-1789),asucessãonoDaomé,um

dos candidatos ao poder foi o príncipe Fruku, mais conhecido por d. Jerônimo, “o Brasileiro”.Ganharaonomee a alcunhapor tervivido24anosnoBrasil, boaparte comoescravo,pois foravendidopeloreiTegbesu(1740-1774),juntamentecomoutrosmembrosdesualinhagem.Chamadodevolta àÁfricaporKpengla, seu amigode infância, exerceu, graças ao seuportuguês fluente, aimportante função de representante do soberano em seus tratos com os europeus deAjudá (Uidá,Ouidah ou Whydah). Na disputa pelo trono, d. Jerônimo foi vencido por Agonglo (1789-1797),apesar de sua popularidade e de ter contado com o apoio da comunidade brasileira no Daomé,formadaemsuamaioriaportraficantesdeescravos.5Em1818,umgolpedeEstadoou revoluçãopalaciana6 depôs o reiAdandozan (1797-1818) e o

substituiupelopríncipeGapê (GakpeouGankpé), comonomedeGuezo (GhèzoouGezo,1818-1858).Nocentrodatramaestavaumbaiano,FranciscoFélixdeSouza,quepassaraacuidardoforteportuguêsdeSãoJoãoBatistadeAjudá,abandonadoporLisboaeSalvador.7FoiFranciscoFélixdeSouzaquem,daliedoentrepostoquepossuíaemPopôPequeno,financiouaconspiraçãoearmouospartidáriosdopríncipeGapê,aquemestavaligadoporumpactodesangue.8ComGuezonopaláciodeAbomé,FélixdeSouzatornou-seumadasmaisinfluentesepoderosas

personalidadesdoreino—senãoamaisinfluenteepoderosa,depoisdomonarca.9Háatéquemdigaquedominouacostadaomeana,duranteaprimeirametadedoNovecentos.10Aexcepcionalidadedoseu caso não deve fazer sombra, porém, aos outros três exemplos— e poderiam ser alinhadosmuitosmais—decomobrasileiroseabrasileirados influíram,desdeo iníciodoséculoXVIII,navidapolíticadaCostadosEscravos.Aessesnegros,brancos,mulatos,caboclos,cafuzosoumestiçosindefinidos, quase todos vinculados ao tráfico, acrescentaram-se na África suas mulheres, filhos,agregados e escravos, todos tidos por “brasileiros”. Alguns deles representavam em Acra, Popô

Page 88: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Grande,PopôPequeno(Anexô,AnehoouAnécho),Ajudá,PortoNovo,BadagryouLagosgrandesimportadores de escravos de Salvador; outros trabalhavam por conta própria, com barcos de queeramdonosouabastecendodecativososnaviosqueancoravamaolargo,qualquerquefosseasuabandeira;outrosfaziamopequenonegóciocomirmãosecunhadosquehaviamficadonoBrasilequevelejavampeloAtlânticoempequenasescunas,paratrocartabacoemrolo,aguardenteebúziosporduasdúziasdeescravos.Cresceram esses brasileiros em número e importância após 1835, data da chamada revolta dos

malêsnaBahia.Muitosdosacusadosdenelateremparticipadoforam,então,deportadosparaacostadaÁfrica.Amaioriaviajoucontraavontade,deixandoatrásfamílias,amigoseumapaisagemsociala que se haviam acostumado.11 Outros os seguiram,mais tarde, de querer próprio, ou porque sesentissemperseguidos, ouporque,muçulmanos piedosos, nãomais aceitavam ser governados porinfiéis. Mais numerosos ainda foram os cristãos e os devotos dos orixás e dos vodus queregressaram aos litorais africanos. Alforriados, sentindo dúbia, incômoda, difícil e ingrata acondiçãodelibertos,vistacomdesconfiançaoususpeitaporumasocie-dadeescravocrata,naqualacordapeleeraamarcadoescravo,sentiamquenãohaviaparaelesespaçonoBrasilouesteeratãoapertado quanto os sapatos que a liberdade os obrigava a usar, a fim de se diferençarem dos quecontinuavamemcativeiro.Muitosforam-seemboraparaaÁfrica,àsvezesnosmesmosnaviosquede lá trariam novos escravos. E alguns, pouco depois ou vários anosmais tarde, regressaram aoBrasil.Ousonharamcomisso.Chegadosaooutroladodomar,muitossentiram-setraídos.NãoeraaquelaaÁfricaquetraziam

namemória.Nemmuitomenosaquelasobreaqualospaissetinhamdemoradoemreminiscênciasfelizes, nas conversas com os filhos nascidos no Brasil. Era, aliás, para estes últimos, quandoacompanhavamospaisnaviagemderetorno,quesereservavamasmaioressurpresaseasgrandesdecepções. Quanto aos africanos, estavam todos, ou quase todos, “abaianados”, “amaciados pelaBahia”, como escreveu, num ensaio pioneiro, Gilberto Freyre.12 Ou pernambucanizados. Ouacariocados.Viam-secomoestrangeirosnaÁfrica.EcomeçaramaconstruçãodasaudadedoBrasil.Uma saudade quase incompreensível, quando se tem em vista a violência da escravidão em terrasbrasileiras. (Abro parênteses para uma história que talvez nos ajude a entender essa saudade. Em1974, um jornalista entrevistou, no Rio de Janeiro, uma velhinha que fora escrava. Embora eladescrevesse as atrocidades do cativeiro e qualificasse o antigo dono de “descarado”, também sequeixoudafamília—12filhos,25netose24bisnetos—quenãomaisaguentavaassuashistóriaselhepedia que esquecesse aquelas “coisas tristes”.Edesabafou:—Não sei se são coisas tristes, sóporque eu era escrava. Sofremosmuito,mas foi o tempomais feliz daminha vida! Foi aminhamocidade!13)Odesejodecompartilharasaudadedesuasjuventudes,bemcomoosentimentodequesetinham

tornado diferentes são duas das razões pelas quais os retornados não se reintegraram em suascomunidadesdeorigemesejuntaramàsdosantigosmercadoresdeescravoseseusdependentes.Emalgum momento, passaram a ser conhecidos, do Togo à Nigéria, como “agudás” (palavra quetambémseaplicavaeaplica,naNigéria,aosportugueseseaosex-escravosretornadosdeCubaeaseus descendentes)14 , ou “amarôs”, ou ainda, emGana, os “tá-bom”15 .Mas não foram essas asúnicas razõese talvezsequerasmais importantes.Muitosdosquevoltaramaosseuspagosnãoosreconheceram, neles não encontraram a antiga família, a eles não se adaptaram ou por eles nãoforam aceitos. Namaioria dos casos, tanto na terra natal quanto nos portos da costa, sentiram-sediscriminadoscomoex-escravos.TambémnaÁfricaeraestreitooespaçoqueselhesoferecia.Nãomais pertenciam a uma linhagem. E haviam perdido a identidade original. Tiveram, por isso, deconstruirumaoutra,apartirdoidiomaqueosligava,oportuguês,edaigrejaedamesquitaquenãotardaramemerguer.Osseusbairrostornaram-sediferentesdosdemais,comsobradosidênticosaos

Page 89: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

daoutramargemdoAtlântico,esuasmoradasinteiras,emeias-moradas,eportaejanelas,ejardinscomcanteirosfloridos.Dalisaíamparaassuascomemoraçõescoletivaseseusfolguedos—afestadeNossoSenhordoBonfim,aburrinha,afeijoadadedomingo—,novamentedesapatosapertados.Os homens, de gravata e colarinho engomado, terno de casimira escura ou linho branco, chapéu-panamáebengaladecastão.Asmulheres,desombrinhas,chapéuseroupasrendadasàeuropeia,oucomturbantesàbaianaeopanodacostanumdosombros,comoseusavanoBrasil.16Nãoestavanosplanosdosretornadosconstituíremguetosdeexcluídos.Aspiravamadialogarcom

aaristocracia localea receberdela tratamento idênticoaoquese reservavaaoseuropeus.Ouquedeleseaproximasse.Eassimeramgeralmentetratados:comobrancos.Algunsolhavamparaosdaterra commais do que altanaria— até com sua ponta de desprezo.Mas amaioria vinculou-se àsestruturasdepoderlocaisemuitosserviramemsuastropaseemsuasburocracias,comointérpretes,agentes comerciais e secretários dos reis, artilheiros e instrutores no uso de armas de fogo,arquitetosemestresdeobras.Osqueenriqueceram,notráficonegreiroouforadele,nãoescaparamaoenvolvimentonapolíticaealgunstornaram-sehabilíssimosnosjogospalacianosdepoder.Oscapitãesdenaviosmercanteseosdelegadosdascompanhiaseuropeiascedocompreenderam

que podiam ter nesses imigrados do Brasil excelentes intermediários em suas relações com osafricanos.Fizeramdelesseusparceiros,comoantes,nosséculosXVIeXVII,se tinhamvalidodoslançados, na Senegâmbia e nas Guinés. Em alguns desses brasileiros encarnaram-se interessescomerciais britânicos, franceses, alemães, portugueses, norte-americanos e espanhois.Havia quemtrabalhasse,aomesmotempo,paraassociadosefinanciadoresbaianos,nova-iorquinosehavaneses.Mas outros agiam por conta própria, e os mais bem-sucedidos não só forneciam mercadorias acréditoparacomprasnointerior,maspossuíaminstalaçõesdecarregamentoeembarque,armazéns,barracõeseaténavios.Esseúltimogrupocomeçouacooptarosdemais,apartirdomomentoemqueaesquadrabritânica

intensificouoseucombateaotráficonegreiroeoseuropeus,aomenosdeformaostensiva,seforamafastandodocomérciodeescravos.GrandesmercadoresinstaladosnaÁfrica,comoFranciscoFélixde Souza, Domingos José Martins, Pedro Cogio ou Francisco Olympio da Silva, valeram-se, naconduçãodeseusnegócios,dasteiasdeparentescoexistentesentreosagudás,que,marcadosporumsentimentodediferença,secasavampreferentementeentresi,nãoimportandomuitosecristãocommuçulmanaoumuçulmanocomcristã.17O tráfico clandestino, que tinha tanto de jogo quanto de investimento, fez, de alguns poucos,

potentados.Nãosóhomensricos—edois,aomenos,poralgunsanos,riquíssimos—,masgrandeschefes,comdireitoausarpara-sois,aseracompanhadonasruaspormúsicosarufartamboreseamanter tropas pessoais. Tanto os bem-sucedidos quanto aqueles que tinham sonhos de fortunareconheciamnasaçõesbritânicasumapermanenteameaçaaseusinteresses.Enistocoincidiamcomosreisafricanos,queseviamimpedidospelosbritânicosdeobterasindispensáveisarmasdefogo.Algunsdessesreiseram,aliás,exportadoresdeescravosporcontaprópria(comooologunKosoko,de Lagos, proprietário de navio negreiro)18 ou sócios de traficantes (como o rei Soji, de PortoNovo,quetinhaporparceiroJoaquimManueldeCarvalho).Ocombatebritânicoaotráficonãoserestringiaaaçõesdamarinha.Alongava-seemterra,comos

cônsules eosmissionários,queprocuravamobterdospoderes locais aproibiçãoaocomérciodegente.Apoiadosnoscanhõesdaesquadra,osbritânicospassaramaajudaremsuasguerrasos reisquesediziamabolicionistaseaseimiscuirnapolíticainternadosváriosestadosafricanos.Se,numadisputa sucessória, os britânicos se posicionavam em favor de um candidato, era quase certo quebrasileiros e portugueses apoiassemo opositor.Nem sempre, no entanto, se verificava entre estescoin-cidência de posições. Muitas vezes os seus interesses conflitavam e, consequentemente, sedividiamemgruposadversos.Quasenunca,porém,umdelessepunhaa favordosbritânicos,nos

Page 90: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

quaistodosnãodeixaramdever,enquantodurouotráfico,oinimigo.Acompanhe-seoquesepassouemLagos.Acidadehaviaprosperado,graçasàsiniciativasdeJoão

deOliveiraedoirlandêsRichardBrew,quealiestabelecera,porvoltade1770,umentreposto,paraadquirirgenteetecidosdeIjebu,19etambémàsatividadesdeoutroscomerciantesbritânicos—umafeitoriadoReinoUnidosurgiraumpoucoantesoudepoisde178920—esobretudodeportuguesesdametrópolee,reinoisoumazombos,doBrasil.NoiníciodoséculoXIX,Lagostransformara-senoprincipalportodeescravosdaregião,exportandoentresetemiledezmilalmasanualmente.21Suaimportânciaaumentouaindamais,depoisqueosbritânicospassaramaperseguirotráfico,graçasaorefúgioquepropiciavasualagoa.Dizemas tradiçõesqueoologunAkinsemoyinnão só convidara os negreiros portugueses com

queprivara,duranteseuexílioemApaouBadagry,aseinstalarememseusdomínios,massempreosfavorecera,emdetrimentodosbritânicosedemaiseuropeus.22E jáseaventouahipótesedequeosegundoologunqueosucedeu,Adele(1811?-1821?)23,teriaabandonadoessapolíticaporoutra,decomércioaberto.24Aofazê-lo,criouinimigosentreosmoradoresde“PortugueseTown”(obairronoqualviviamosquefalavamportuguês, tambémconhecidocomoPopôAgudáouPopôMarô,oatual“BrazilianQuarter”).Estesteriamreforçadoashostesdeseuirmãoeadversário,EsilogunouOsinlokun,25queacabaramporderrocá-lo,obrigando-oarefugiar-seemBadagry.Delá,eleapelouparaosbritânicos,quechegaram,em1825,abombardearLagos,semquedissoresultassemudançadesituação.Esilogun morreria em 1829. Adele tentou recuperar o poder, mas suas tropas conheceram a

derrota. Seria um filho de Esilogun, Idewu Ojulari, quem ganharia o mando. Por pouco tempo,porém,umavezquefoiobrigadoasuicidar-seem1832(ou1834).Seuirmão,Kosoko,candidatou-se ao ologunato,mas os chefes preferiramAdele, quemandaram chamar emBadagry.Adele nãoduroumuito e, quando de seu falecimento, dois anosmais tarde,Kosoko novamente tentou ser oescolhidoenovamentefoidescartado.Dessafeita,pelofilhodeAdele,Oluwole.Opríncipepreteridoexilou-se emAjudá, onde fez amizade com os brasileiros e portugueses ali estabelecidos,muitosdelesligadosaosseuscompatriotasdeLagos,quetinhamaversãoaAdele.Alémdisso,osbrasileirosdeAjudásentiam-secadavezmaisreprimidospelosnaviosbritânicoseviramemKosokoopatronoempotencialdodeslocamentodelesparaarededelagoasmaisaleste.Em1841,umbarril depólvora explodiu acidentalmente,matandooologun.Kosoko retornou a

Eko para competir. Mas perdeu. O escolhido foi seu tio Akitoye. Este, no poder, teve um gestotemerário: convidou o sobrinho a regressar aLagos.Mal chegado,Kosoko começou a conspirar,amparado pelo dinheiro e pelas armas dos brasileiros.26 Em 1845, à frente de uma rebelião, eleexpulsouAkitoye e, após assumiropoder, cortouos laçosdevassalagemcomoobádoBenimeexpandiuocomérciodeescravos.EmBadagry,paraondefugira,Akitoyecomeçouimediatamenteaprepararadesforra.SeKosoko

havia contado com os brasileiros de Ajudá, ele apoiou-se, de início, num concorrente e patríciodeles, Domingos José Martins (o Domingo Martinez dos autores ingleses). Esse Domingos JoséMartinstinhaomesmonomedopai,fuziladopelosportuguesesporsuaparticipaçãonaRevoluçãoPernambucanade1817.OfilhodorevolucionáriochegaraàÁfricaem1833,comotripulantedeumnaviodeFranciscoFélixdeSouza,aquemseagregou,antesdetransferir-separaLagos.EmLagos,fez-sefuncionáriodeumtraficantechamadoDosAmigos,cujosnegócios,comamortedeste,passouadirigir.Empoucotempo, tornou-seumdosmercadoresdeescravosdemaiorêxito,cujafortunaeracalculada,em1839,entreumedoismilhõesdedólares.27Em1844,eleretornou,rico,àBahia.Mas não se deu bem. Talvez não tanto porque, sem a instrução e os bonsmodos requeridos pelasociedadebaiana, tenhasido tratadocomoumparvenu,28masprovavelmenteporqueseussócioseamigos—queostinha,epoderosos—sesentiramincomodadoscomapresençadequemerafilho

Page 91: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

de um insurreto republicano e, portanto, suspeito às autoridades do Império. Não é de afastar-setampoucoqueMartinstenhasidotomado,emSalvador,pelasaudadedaaventuraedasgrandezasemquevivianacostaafricana,ounãopudesselivrar-sedaquelaespéciedevíciodaÁfrica,tãocomumnosqueláalgumdiaviveram.Comoquerquetenhasido,MartinsatravessoudenovooAtlântico,em1846.Emvezdeinstalar-seemLagos,preferiuPortoNovo,apesardealinãoserbem-vistopelorei.ProntorestabeleceusuasrelaçõescomodadáoureidoDaoméecomoutrossoberanosdointerior.E, embora continuasse a ser sobretudo ummercador de escravos, passou a dedicar-se também àproduçãodeazeitededendê,dequesetornougrandeexportador.MortoFranciscoFélixdeSouzaem1848,Martinspassouaseroprincipalconselheirodoreido

Daomé,emsuasrelaçõescomoseuropeus.Guezo,queoascendeuacabeceiraouchefedaomeano,nadafaziasemouvi-lo.Atéporqueerapormeiodelequeconseguiacolocarnosmercadosexternosos seus escravos, uma vez que Martins sempre encontrava jeito de iludir o bloqueio naval. Umcapitãobritânicocalculavaque,apesardavigilânciadaesquadra,Martins,emapenastrêsmesesde1847,conseguiraembarcar,dediversospontosdacosta,45milescravos.29A despeito da relativa facilidade com que se movia em vários portos, Domingos JoséMartins

parecenãoterdeixadojamaisdeaspiraraocontrolemercantildeLagos.Resolveu,porisso,apostarem Akitoye e engajou-se inteiramente nos esforços deste para reaver pelas armas o ologunato.MartinsnãosótransformouembarcosdeguerratrêsnaviosquetrouxeradoBrasil,30mastambémsedispôsagastaratécincomildólarescomaexpediçãorestauradora,31cobrindoprovavelmenteboaparte dos gastos com o recrutamento de guerreiros em todas as cidades costeiras entre Ajudá eLagos.O ataque, por terra e por água— uma enorme flotilha de canoas de guerra avançou pelalagoa—,deu-seemmarçode1846.Efoiumcompletodesastre.Talvez por compreender que não tinha condições de derrotar Kosoko com as armas de que

dispunha,Akitoyeaproximou-sedosmissionáriosdeBadagryedeAbeokuta,queabraçaramasuacausa.Comotambémofizerammuitossarôsouakus,nomesquesedavamaoscativosresgatadosdos navios negreiros e transportados pelos britânicos para a Serra Leoa, onde adquiriam osrudimentosdaleitura,daescrita,doscálculosedafécristã.Anglicizados,essessarôsderramaram-sepelaCosta,mastiveramaentradaemLagosbarradaoudificultadaporKosoko.Daíaojerizaquelhetinham,aquesesomavaofatodeseremmuitosdelesegbasepartilharemainimizadedeAbeokutaao dadá doDaomé, aliado dos brasileiros. Os egbas deAbeokuta consideravamLagos como seuportonaturaleressentiamquedeleestivessemexcluídos.Nãohaviamsidoelesalheiosaotráficodeescravos, do mesmo modo que alguns poucos sarôs não se sentiam constrangidos em exercê-loclandestinamente.32Mas amaioria convertera-se à tese dos britânicos e punha suas esperanças emAkitoye.Este,apesardeseupassado,transformou-seemmodelodeantiescravista.Apesardisso,DomingosJoséMartinscontinuou,poralgumtempo,aapoiá-lo,talveznaesperança

dequeAkitoye,umaveznopoder,sedesvencilhassedos incômodosdaaliançacomosbritânicos.Acabou, porém,por criar laçosde interesses comKosoko, possivelmentegraças à intervençãodealgunsdeseussóciosnoBrasil,quetambémeramparceiroscomerciaisdoologun.EstetinhaagentesnaBahia,quenãosóvendiamosescravosquelhesmandava,mastambémcuidavamdosfilhos—detrêssabemos—quetinhaaestudaremSalvador.33Ocertoéque,entreacorrespondênciaapreendidapelos britânicos no Iga Idu Iganran, o palácio real, havia cinco cartas de negócios de Martins aKosoko.34O apoio deMartins a Akitoye destoava da posição adotada pelos brasileiros de Lagos, que se

ressentiam não apenas da repressão da esquadra inglesa, mas também da instalação no litoral deentrepostosdefirmaseuropeias,dacrescenteinfluênciadosmissionáriosedossarôsemAbeokutaedapresençadeumcônsulbritânico, JohnBeecroft, sediadoemFernandoPóepermanentementeavigiá-los. Talvez a alguns não escapasse que o Reino Unido estava a mudar de política e queria

Page 92: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

assentar-se em Lagos, com o objetivo de controlar o seu comércio, do qual tinha sido até entãopraticamente excluído, e de ter acesso, pelos rios e caminhos que levavam ao interior, às amplasáreasqueseestendiamatéoNígerealémdele.35Em meados de 1850 ou começo de 1851, os britânicos já tinham adotado Akitoye como seu

homem,eestehaviafirmadoocompromissode,nopoder,proibirecombaterotráficodeescravos.Beecroft levou-o, então, de Badagry para Fernando Pó, de onde não cessava de advogar aintervenção emLagos.Emnovembro de 1851, foi até a cidade, comquatro barcos, tentar obter aanuênciadeKosokoaumtratadoantitráfico,masoologunrecusou-seaassiná-lo.Comocastigo,osnavios britânicos abriram fogo, recebendo de terra uma resposta tão efetiva, que lhesmatou doisoficiaiseferiu16marinheiros.A audácia não podia ficar impune. Na véspera do Natal, barcos britânicos a arrastar batelões

entrarampelocanaldalaguna,enquantoumaflotilhadecanoasetropasdeAkitoyeseaproximavamdacidade.Foramrecebidosacanhonaços.A lutadurouquatrodias,esónãoseestendeupormaistempoporqueumprojétilcaiusobreodepósitodemuniçõesreal,queexplodiu.Semrecursosparacontinuaradefender-se,Lagosreconheceuaderrota,enquantoKosokosepunhaasalvo.Quando da sua primeira incursão a Lagos, em novembro, Beecroft tivera como primeiros

interlocutores dois brasileiros, os senhores Marcos e Nobre. Seria o primeiro, Marcos BorgesFerras, quem o conduziria ao rei.36 Malogradas as tentativas de convencimento do ologun e derendiçãoporbombardeiodacidade,seriacontraelesqueseexerceriaadesforrabritânica.Dedoisdosbarcosinvasoresdesceramhomensarmados,quepuseramfogonosbarracõesdearmazenagemdeescravosqueaquelesdoisbrasileirosemaisum,queaparececomoLemonnostextoseminglês,mantinhamnaentradadocanal.37TenhoparamimqueesseLemonéomesmoLimaquepossuíaumagrandecasa emLagos e era conselheirodeKosoko.38No comandode duzentos homens, fora elequemdera,navésperadeNatal,oprimeirotirodecanhãocontraosbritânicos.39Senhores de Lagos, os britânicos começaram a tornar a vida dos brasileiros e portugueses

insuportável.AlgunsdelesescaparamcomKosoko.Outrosforam-senosdiasseguintes,domesmomodo que uns poucos espanhois, franceses, cubanos, norte-americanos, italianos e até britânicosenvolvidos no tráfico negreiro. Entre aqueles que já se dedicavam lateralmente ao comércio dodendê,nãofaltouquempreferisseficaretentaradaptar-seànovarealidade.Ehouveaquelesagudásque não se sentiram obrigados a defenderKosoko e até o olhavam com desconfiança,mágoa ouressentimento.Refiro-me amuitos dos libertos que retornaramdoBrasil àÁfrica após 1841. Istoporqueoologunlhescriaradificuldades,quandodesceramemLagos,chegandoaconfiscarosbensdemuitosdeles.Oreinãodesejavaavoltadeex-escravos,comnovoscostumes,crençasreligiosaseideias.40Queerahostilaossarôsparececlaro.Quantoaosagudás,talveztenhaosciladodeparecer,pois uma tradição afirmaque enviouumde seus chefes,OshodiTapa, àBahia, a fimde aliciar oregressodeex-escravoslagosianos.41EntronizadoAkitoyeem1°dejaneirode1852,osbritânicospassaramaternovaspreocupaçõese

trabalhos.Não bastava ter devolvido aAkitoye o ologunato: era necessário conservá-lo no poder.Kosokoviviaperto,dooutroladodalagoa,entreosijebus,e,fechadoograndemercadobrasileiro,continuavaavenderescravosaCuba.EmLagos,queseiareerguendodadestruiçãodobombardeio,eragrandeodescontentamento,poisacessaçãodotráficodegenteadeixaraempobrecida.Ocônsuldesignado para a cidade não confiava emAkitoye, a quem tinha por um traficante de escravos àespera de retornar aos seus negócios. E ao ologun chegavam as vozes dos chefes tradicionais, areclamar da presença britânica, que lhes erodia o poder. O mando efetivo foi-se cada vez maistransferindoparaoconsulado,atéqueobombardeiodoNatalteve,dezanosmaistarde,oseuremate.Em agosto de 1861, os canhões obrigaram o filho e substituto deAkitoye,Dosumo (Docemo ouDosunmu),acederLagosàCoroabritânica.

Page 93: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Comoserepetiriamuitasvezesmais tarde,ocombateao tráficonegreiroconduziraàocupaçãocolonial. Ao impedir que os estados africanos mercadejassem com escravos, os europeus lhestiravamamoedaatéentãomaisdesejada,eatéexigidapelosbrancos,emtrocadasarmasdefogoedasmuniçõesquesetinhamtornadoindispensáveisàsobrevivênciapolítica.Omarfim,asceras,asgomas, o almíscar, os couros, os panos e os demais produtos não chegavam para pagá-las naquantidadenecessária.Asprópriasexportaçõesdeazeitededendê,emborapudessemrendermuito,nãoresolviamosproblemasdeumsoberano.Ogrossodosescravoseraproduzidopeloreiepelaaristocracia, que guardavam ciosamente o controle de seu comércio. No caso do óleo de palma,qualquerfamíliapodiacolheroscoquinhosdedendê,reduzi-losaazeiteetrazê-loàcabeçaparaoentrepostoeuropeu.Astaxasqueestelhepagasseficavammuitíssimoaquémdoqueoreicostumavaobter da venda de cativos. E, mesmo quando os grandes chefes decidiram ter suas plantações dedendezeiros, nas quais puseram a trabalhar os escravos para os quais não encontravammercadosexternos, os rendimentos sequer se comparavam aos que se tinham acostumado com o tráfico degente.Não só os reis africanos ficaram privados de recursos para comprar armas, como estas

encareceram enormente e caíram de qualidade, pois passaram a ter de ser obtidas de formaclandestina. Sob o pretexto de que os fuzis serviam à captura de gente, eram eles negados aosafricanosou só fornecidosnaquantidadequeconvinhaaumapotência europeia,paraganhar,porexemplo, um aliado. O desmanchar do tráfico foi, assim, o grande instrumento da derrubada dasestruturaspolíticasafricanasedesuasubstituiçãopelopodercolonialeuropeu.Não se deveria estranhar, por isso, que os principais opositores ao avanço imperial da Europa

sobreaÁfricaOcidentaltenhamsido,deMadameTinubuaSamori,irredutíveisemsuadeterminaçãodeproduzirevenderescravos.Mesmodepoisdecessadootráficotransatlântico,continuaramelesaternaescravizaçãoevendadoinimigoabaseeconômicadeseupodermilitar.42Dequasetodos,osesboçosderetrato,feitoscomolápisdehoje,revelampersonagensque,maisdoquecontraditórias,são amargas e trágicas. Tinham o dever da violência, se queriam sobreviver às pressões de uminimigomuitíssimomaisforteequenãodesprezaraaescravidão—eumaescravidãoferocíssima—,enquantoestalheconveio.Nãoserecusetampoucoquedahistóriadessaresistência,enãoapenasdomaisterrívelcapítuloda

históriauniversaldainfâmia,constemal-gunstraficantesbrasileiroseportugueses.Emsuaoposiçãoaosbritânicoseaoutroseuropeus,foram,semdúvida,movidospelosseusinteressespessoaisedocomércio ignóbilaquesevotavam.Mesmoemcelerados—eapalavradefineamaioriadeles—semprehavia,contudo,apossibilidadedequedevessem,quisessemesoubessemserfiéisaosreisechefesqueoshaviamacolhidoeaceitoporparentesousócios.Alealdadeseautoimpunhaaindamaisnaquelesqueendureciamaalmaparaospadecimentosehorroresqueeramopãoquotidianodeumofícioquejustificavam,porqueaceitopelassociedadesdeondeprovinhameemqueviviam.Eaindahaviaaquelesque,demercadoria,setornarammercadores,43aquelesque,havendoexperimentadoasagruras e humilhações da escravidão nasAméricas, regressaram àÁfrica para comprar e vendergente,ou,melhor,paracomprarevenderooutro,oinimigo,oquenãoeraigualaele,comoseestafosse a tarefa mais natural do mundo. Uns e outros, quer africanizados ou reafricanizados, quertivessemficadoàmargem,comoestrangeiros,dassociedadesqueosacolherameseconsiderassem,ainda que negros, mais europeus do que africanos, quer fossem, e este era o caso da maioria,verdadeiroscentaurosculturais—FranciscoFélixdeSouza,apesardeserumaltíssimodignitáriodaomeano e viver, ao que se diz, com 65 mulheres, morava numa casa mobiliada à europeia emandava educar emSalvador os seus filhos e filhas prediletos—, acabavam por se envolver nasdisputas domésticas do estado em que viviam, nas contendas entre eles e seus vizinhos, e narivalidadeentreosváriospaísesdaEuropapelocontrole,primeiro,docomércioafricanoe,depois,

Page 94: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

deseuterritório.JoaquimManueldeCarvalho,porexemplo,alinhou-seporalgumtempoaosfranceses.Sóciono

comércio negreiro e de óleo de palma do dê ou rei Soji (1848-1864), de Porto Novo, Carvalhoconvenceu-oaassinarcomaFrançaumtratadodeprotetorado,em1863.Elepróprioemaissetedosprincipais comerciantes brasileiros de Porto Novo figuraram entre os que solicitaram a proteçãofrancesa.Aofazê-lo, indispôs-secomDomingosJoséMartins,quevianasfirmasfrancesasqueseinstalavamnaregiãoumaameaçaaodomínioqueexerciasobreocomércioemCotonu,alémdeumestorvoadicionalaoseutrabalhoemfavordaspretensõespolíticasdodadádoDaomé,Glelê(1858-1889), sobreaquelapartedaCosta.Piorainda:desatoucontrasia fúriadeGlelê,cujoscabeceirasprocuravamtornar-lheavidaimpossívelelhesequestraramosbensemCotonu.Comoosfrancesesserecusassemaajudá-lo,Carvalhopassouahostilizá-losetrabalhouparacolocarnopoder,contraeles,odêMepon,queacompanharacomalarme,comotantosoutrosreisepríncipesdaregião,oquesepassaraemLagoseaquem,porissomesmo,nãoeradifícilconvencersobreosempredesastrosoresultado final de um acordo de protetorado com uma potência europeia. Embora Carvalho,obrigadopelosfrancesesasairdePortoNovo,setivessemudadoparaLagos,nãoadotouumalinhapró-britânica,atéporqueformaraumaaliançacomoexiladoKosokoeoajudaraaorganizarumanova redede tráficode escravos.DeLagos, ele continuou,porém, a terosolhos eosouvidosdeMepon.EàinsistênciacomquetrabalhouavontadedoreisedeveemgrandeparteohaveraFrançadesistidodeumtratadodeproteçãoqueseuParlamentoaindanãoratificara.44Nem todos os brasileiros de Porto Novo acompanharam Carvalho. Muitos tinham tido boas

experiênciascomosfrancesesepreferiamotratamentocondescendentedestesàimprevisibilidadeeaoarbítriodosprepostosdodêedodadádoDaomé.Outros ficaram indecisos entreumdomíniocujo rigor já conheciame outro de que apenas tinham tido anúncio.Oscilavamentre aÁfrica e aEuropa, o que não era de estranhar-se em pessoas brasileiramente europeizadas e brasileiramenteafricanizadas ou reafricanizadas, em fronteiriços culturais que eram, conforme as circunstâncias,aceitoserecusadospelosfrancesesepelosgunsoupelosfons,eusadosporambososladoscomointérpreteseintermediários,eporambososladosdescartados,quandonãomaisnecessários,etidosporcadaumdelescomorelesimitaçõesoucaricaturasdooutro.Atépoucomaisdametadedoséculo,asváriascomunidadesdeagudás,frequentementeindispostas

umas com as outras, uniam-se para defender-se dos que combatiamo tráfico de escravos.ComofechamentodoBrasilaosnaviosnegreirosem1850,asituaçãomodificou-se.Cadagrandefamíliapassouaterinteressesquepodiamdestoardosdeoutrosgrupos.Atémesmodentrodedeterminadaparentela,tornaram-semaisfrequentesasdivisões.Embora,poralgumtempo,aindaseembarcassemclandestinamenteescravosparaCuba,otráficodeixaradecondicionarosalinhamentospolíticosnaÁfrica Ocidental. Ao menos para os brasileiros, cuja participação no chamado comércio ilícitodecresciadeanoparaano,enquantoaumentavaadosnorte-americanoseadosportuguesesdeNovaYork. Em Lagos, Badagry, Porto Novo, Cotonu, Ajudá, Aguê, Popô Grande e outras cidades daCosta, os antigos traficantes brasileiros e seus descendentes convertiam-se ao chamado comérciolegítimo,procuravam,commaioroumenorêxito,competircomasgrandescasaseuropeiasporumafatiadomercadejodoóleodedendêeacabavamporsetransformaremseusagentesoufuncionários.Entre os agudás, os que carregavam um passado de mercadores de escravos se iam, aliás,

convertendoemminoria.Emalgunslugares,numapequenaminoria.DeLagos,porexemplo,muitostinhamfugidoousidoexpulsos.Tantoassimque,em1862,somavamapenascincooscomerciantesbrasileiroscomestabelecimentosnaquelacidade.45Emcompensação,aumentarasubstancialmenteacomunidade brasileira: em 1853, ela contava com cerca de 130 famílias46; trinta anosmais tarde,numa população total de 37.428 habitantes, 3.221 eram brasileiros, 1.533, serra-leoneses e 111,europeus.47DurantetodaasegundametadedoséculoXIX,barcosvindosdoBrasiltrouxeramnovas

Page 95: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

famíliasderetornados,cujonúmeronãodiminuiucomaAbolição.Erampessoasquepodiampagaraspassagensmarítimas,quetraziamconsigobens—constaquealgumas,bemescondidos,saquinhosde ouro48 — e, sobretudo, ofícios e aptidões de que careciam os funcionários e comerciantesbritânicosquetomavamosseuspostosnacolônia.Pelo simples fato de se aventurarema retornar àÁfrica, esses exescravos já revelavamos seus

grandes dotes. Eram, na maioria, indivíduos de qualidades excepcionais. As humilhações e asamargurasdaescravidãonãotinhamconseguidodobrá-los.Comtrabalhoeforçadevontade,haviamadquiridoaliberdadeeadosseus.DeviamserexcelentesartíficesnoBrasil,poisassimseexplicariao terem conseguido poupar para a viagem e para levar as mercadorias que lhes garantiram ainstalação no outro lado do oceano. Esses novos agudás não tinham compromissos nemcumplicidadescomotráfico,emborasesaibademuitosdelesque,jánaÁfrica,foramservidosporescravos.Algunsdedicaram-seaocomércioaretalhoouemgrosso,importandodoBrasilcachaçaetabacoemroloeparalámandandodendê,nozes-de-cola,panosesabãodacosta,masamaiorpartedosrecém-vindosganharianomecomomestresdeobras(pelomenostrêsdeles,LázaroBorgesdaSilva, Francisco Nobre e João Baptista da Costa, foram, na verdade, excelentes arquitetos49 ),pedreiros, carpinteiros, marceneiros (um dos quais, Baltazar dos Reis, ficou famoso em Lagos),pintores,ourives,estofadores,alfaiates,modistasedoceiras.Comerciantesouartífices,católicos,muçulmanosoudevotosdosorixásedosvodus,falandoentre

sioportuguês,elessedistinguiriamdeoutrosretornados,ossarôs,queseexpressavameminglês,eram anglicanos, metodistas ou de outras denominações protestantes, e se dirigiram ou foramdirigidospelosbritânicosparaopúlpito,oensino,aburocraciaeosempregosdeescritório.Deummodogeral,ossarôsviamcomhorrorasreligiõestradicionaisafricanase,excetuadososqueerammuçulmanos, procuravamafastar-se, comumcerto desdém,dosnativos, comcujos chefes tinhamdificuldade em lidar. De volta, recebiam, se não hostilidade, desconfiança e antipatia. Os agudás,emboratambémsesentissemsuperioresaosdaterra,praticavamumcristianismoouumislamismotolerante comas religiões tradicionais, quando não incorporavam, semdeixar de ser católicos oumoslins,muitasdesuascrençasàsuafépessoal,oufrequentavam,semseperturbaremeàsvezesnomesmodia,a igrejaeosantuáriodeumvoduoudeumorixá.Seriapredominantementedesarôs,prediletosdosbritânicos,porque falavam inglês,eramgeralmenteprotestanteseadotavamosseuscostumes(atémesmoochádascinco),quesecomporia,emLagos,aaltaclassemédia.Deagudás,assuas outras camadas, embora, na segunda e terceira gerações, vários ascendessem aomelhor daselites crioulas, porque os pais osmandaram estudar no estrangeiro. Em Londres, sobretudo,mastambém, de vez em quando, na Bahia. Refiro-me aos sarôs e agudás de melhor destino, porquemuitos não passaram do pequeno comércio a varejo, do tabuleiro de cocada ou de acarajé, doempregorelesnumafirmadecomérciooudacosturaparafora.Sarôseagudásviviamembairrosseparadosefrequentavam,quandocristãos, igrejasdiferentes.

Desde o início, porém, alguns poucos começaram a casar-se entre si.50 Moravam de maneirasemelhante,quandotinhamomesmonívelderenda.Vestiam-se,agudásesarôs,deigualmaneira,àeuropeia.Etinhamamesmaaspiraçãodeformarumaespéciedeburguesianegra,quefosseaceitacomoigualnopequenoefechadomundodosbrancos.51Nãoporacasoaliaram-se,unseoutros,aospoderescoloniais.Nosterritóriossobcontroleouproteçãobritânica,ossarôsseriamoscomparsasprivilegiados. Naqueles a que chegavam os franceses e alemães, os agudás se fizeram os seusmelhoresauxiliares.Tal foi o caso de IgnácioNounassu Sulé (ou Suleiman) Paraíso. Era filho de José Piquino (ou

Pequeno)Paraíso, nomeque tomounoBrasil quem talvez fosse umaristocrata iorubano, vendidocomo escravo por seus adversários políticos. Em Salvador, tornou-se barbeiro e converteu-se aoislamismo, acrescentando Abubacar ao nome (se é que, na África, já não era muçulmano). Por

Page 96: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

necessitar de um bom barbeiro, Domingos José Martins o adquiriu na Bahia e o fez de novoatravessaroAtlântico,em1849.QuandoMartinsfaleceu,emjaneirode1864,esuasplantaçõesdedendezeiropassaramparaodêdePortoNovo,José tornou-seoadministradordelase,depois,umlariouserviçaldeconfiançado reie seuprincipalconselheiroparaas relaçõescomoseuropeus,graçasaseudomíniodoportuguês,entãooidiomadocomércioealínguafrancanamaiorpartedaCosta.Posteriormente,odêentregouaofilhodeJoséospalmeirais,que,bemtrabalhados,deramaIgnácio uma renda suficiente para permitir que ele se tornasse o líder da comunidademuçulmanabrasileiraeumdosresponsáveispelaconstruçãodaGrandeMesquitadePortoNovo.UmdosmaiseficientesapoioscomquecontouaFrançanaregião,IgnácionãosófezpartedoConselhodeDefesaduranteaguerradePortoNovocontraBéhanzin,mastambémforneceuguiasetropasparaainvasãodo reino doDaomé.Como prêmio, foi o primeiro e, durantemuito tempo, o único representantenegronoConselhodeAdministraçãodaColônia.52Apesardeislamita,IgnácioParaísonãosesentiavinculadoaosseuscorreligionáriosque,vindos

do rio Níger, mascateavam ao longo dos caminhos até o litoral, adquirindo, em troco de armas,artigosdecobre,contaria,tecidosecauris,nãosónozes-de-cola,mastambémescravos,quetinhampordestinosoSaeleaÁfricadoNorte.Via-semaiscômodo,provavelmente,aoladodosfranceses.Jáentreoutros“brasileiros”, sobretudoosdeAjudá,eramvelhaseapertadasas ligaçõesemotivascom os portugueses. Muitas famílias tinham dupla origem e outras não distinguiam em seusantepassados,comoeranaturalentreoschegadosantesde1822,entreportuguesesebrasileiros.OpróprioChacháestavanestecaso.Sabe-se, aliás, que Francisco Félix de Souza hasteava a bandeira brasileira ou a portuguesa,

conformeaconveniênciademomento.53Eque,aindaquandodesocupado,o forteportuguês—narealidade, uma casagrande demuros altos e grossos, com bastiões nas esquinas, a conter capela,cemitério, horta e pomar, tendo a rodeá-la o sarame, ou conjunto de ruelas com as cubatas dosservidoresedosescravos—sempre fora,no reinodoDaomé,oprincipalpontode referênciadaidentidadeagudá.A tradiçãodeseucomandoeraumadasvaidadesdoChachá,que,semnegarserbrasileiroebaiano,nãosedesvinculoudePortugal.Atéporinteressedehabilíssimotraficante,pois,seosnaviosdesuapropriedade,aindaquesuspeitosdetráfico,estivessemcomopavilhãoportuguêsesemescravosabordo,nãopodiamser—oquevigorouaté1839—legalmenteapresadospelosbritânicos.54Francisco Félix de Souza deve ter-se decepcionado com a ausência de reação do imperador d.

PedroIàsuapropostadeestabelecimentodeumprotetoradobrasileirosobreoDaomé.55Oseufilhoesucessor,Isidoro(1850-1858),esforçara-separaqueosportuguesesreocupassemafortalezadeS.João Batista e dela fora feito comandante, com as insígnias de tenente-coronel honorário doexército.56 O quarto chachá, Julião (1880-1887), também diretor do forte, com a mesma patentemilitar,nãosórepetiria,nadireçãodePortugal,ogestodeseuavô,masintermediaria,em1885,aconclusãodedoistratadosentreoreinodoDaoméeogovernoportuguês,segundooqualboapartedoterritóriodaqueleseriapostosobaproteçãodeste.Háquempenseque Juliãoprocurou commalícia enganar as duaspartes e sobretudoocultar de

Glelê o verdadeiro significado do que formalmente se ajustara.57 Não julgo, porém, que seja deafastar-sequetenhasidovítimadeumpecadocomumnosquetraduzemparaospoderosos:odaràspalavras o sentido que estes esperam.Não gozando damesma ascendência que seu avô tivera emrelação aGuezo, duvidoque Juliãoousassedizer aonegociador daomeano, o vidaho ou príncipeherdeiroKondo,que,pelospapéisacordados,seupai,Glelê,passariaaserumaespéciedevassalodosoberanoportuguês.Pormuitasdécadas,osreisdoDaoméhaviamlutadoparaselivrardasuseraniade Oió. Não iriam agora submeter-se a outra, e muito mais exigente, uma vez que os europeusinsistiam em agredir as crenças e instituições daomeanas, e até em propor abominações, como a

Page 97: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

renúnciaacuidardosantepassadoscomsacrifícioshumanos.AcrescequeapolíticadopaláciodeAboméeraademantersobconstantecontroleoreinodePortoNovo,queconsideravaseuvassalo,bem comoos outros pequenos estados daCosta, o que estava na lógica de umdadá para quem oDaoméeraomaisimportanteepoderosoEstadodomundo.58Nos textos de seus contemporâneos franceses, Julião aparece como farsante, dúplice, velhaco e

aproveitador.Procuradoporeles,paraquelhesservissedeadvogadojuntoaGlelêedesteobtivesseacessãoefetivadeCotonu,não lheperdoaramodescasocomqueos tratou.Emuitomenoso terobtidoparaosportuguesesoprotetoradosobreoDaomé.Aofazê-lo,Juliãopuseraemrisconãosóosoutrosestabelecimentosqueosfrancesesmantinhamnolitoraltidopordaomeano,massobretudoa própria posição que a França, ainda que de forma precária, ocupava em Cotonu. Nomeio dosrelatosfranceses,aparece,contudo,umaconversaqueochacháeseusirmãos,AntônioeLinoFélixde Souza, tiveram com o vice-governador do Senegal, Jean Bayol. Nela, insistiram em que nãotinham a intenção de alienar oDaomé aos portugueses,mas, sim, a de garantir a integridade e asoberania deste, por meio da aliança com uma nação europeia.59 Os portugueses seriam, assim,apenasprotetoresnominaiseimpediriamquecontraoDaomécrescessemaspretensõescoloniaisdefranceseseingleses.Issopercebeuprontamenteo encarregadoportuguêsde executar os tratados.AugustoSarmento,

queassumiraogovernodeSãoToméePríncipe,sentiu,malchegadoaAjudá,quetinhanasmãospapéisvazios.60Nem um só cabeceira lhe reconhecia amais ínfima autoridade. EGlelê o deixoucansar-se,àesperadeumaaudiênciaquenãohouve.Aosolhosdorei,Sarmentotalvezfosseapenasquemvieraacertarorecebimentoanualdepelomenoscemcativos,destinadosatrabalhosemSãoTomé.Paraosdaomeanos,umavendadeescravos;paraosportugueses,umcontratodemãodeobraaprazo,umavezqueosnegros,chegadosàilha,ficavamnominalmentelivres,aindaqueobrigadosacincoanosdelabuta.61É provável que Glelê, àquela altura, já tivesse os ouvidos abertos para os inimigos de Julião.

Como o yevogan, seu governador em Ajudá, e como alguns brasileiros, entre os quais CândidoRodrigues, insatisfeitos com os abusos que Julião passara a praticar, não só com base em suaautoridade legítima de chachá, mas também numa espúria, que lhe vinha de ter sido designadogovernador pelos portugueses.Ao que parece, Julião procurava usar a declaração de protetoradopara aumentar o seupoder pessoal, sobretudo junto aos europeus.Ele e amaioria dos brasileiroscomportavam-secomosefossemosdonosdaterra,destratandonãosóosfranceses,mastambémoyevoganeoutroscabeceiras.ComGlelêeKondo,osinimigosdochacháinsistiamemqueestehaviaenganado o rei e vendido o país aos estrangeiros. E o acusavam de apropriar-se dos dinheirosdevidospeloscativosmandadosparaSãoTomé.EssasacusaçõescomeçaramacasarcomasnotíciasdaempáfiadeJulião.Sentindo-sedesautorado,odadámandou-lhe,acorrer,ocastigo,pelabocadeumrecadeiro.JuliãofoichamadoaAbomé.Eali,oreiordenouqueoprendessemematassem,emsegredo,aoquepareceporenvenenamento.Assimterminou,numacondenaçãoàmortequasesussurrada,atentativadefazer-sedePortugalo

EstadoeuropeuprotetordoDaomé.Oprotetoradonãofoiefêmero,comosediz.Inexistiu,deumaperspectivadaomeana.NãopassoudoiçardabandeiraportuguesaemAjudá,Zomaí,Godomé,BocadoRio eCotonu.E do aumento da presença de navios defronte aAjudá, para recolher os cativosdestinadosaSãoTomé.O intento assustou, porém, os franceses, que reclamaram, por via diplomática, emLisboa. Eles

haviamconseguido,em1883,assinarumnovotratadodeproteçãocomodêTofa(1874-1908),dePortoNovo,queassimprocuravadesvincular-sedavassalagemaoDaomé,e,doisanosmaistarde,acordosemelhantecomoreiAtanlé,pelosquaissecolocaramsobaguardafrancesaAguêePopôGrande.(DodocumentofirmadocomTofa,constavamasassinaturasdetrêsmercadoresbrasileiros;

Page 98: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

edoisdosfilhosdochacháIsidoroserviramdeintérpretesnanegociaçãocomAtanlé.)Essesêxitos,porém,não tranquilizavamosfranceses.ApreocupaçãomaiordeleseracomCotonu,quesehaviatransformado no grande porto do óleo de palma e de amêndoas de dendê. A França estava aliestabelecida, havia algum tempo, e se considerava com plenos direitos sobre a cidade e seusarredores,quelheteriamsidocedidospeloreidoDaomé,emvirtudedostratadosde1868ede1878.Tambémnessecaso,aspartesentendiamdemododiversooacordado.Épossívelqueostradutores

nãotenhamjamaistransmitidoaodadáosignificadoexatodasdisposiçõespelasquaissetransferiaparaaFrançaoterritóriodeCotonu.62Equetenhamdadoênfaseaumaleituratorcidadaqueleartigodoacordode1868,noqualsedeclaravaqueasautoridadesdoDaomécontinuariamprovisoriamentea administrar o território de Cotonu e a cobrar os direitos de alfândega.63 Não é de afastar-setampouco que as cláusulas de transferência de soberania tenham sido forjadas pelos comerciantesfranceses64oumalexplicadasaosrepresentanteslocaisdaomeanos.Glelêprovavelmenteentendiaaconcessãocomomaisumadasquehabitualmentefaziaaestrangeirosquedesejavamestabelecer-senoreino:entregava-lhesumpedaçodeterra,afimdequealipudesseminstalar-secomosseus.Maseramhóspedes,eoquesepoderiachamardepropriedadedaterracontinuavacomosoberano.Poisnenhum pedaço do Daomé podia ser alienado, uma vez que o reino não pertencia ao dadá, queencarnavaanação,masatodoopovodaomeano,neleseincluindonãoapenasosvivos,mastambémosmortoseosqueaindaestavampornascer.ComoaFrançaconsideravaCotonusobsuasoberania,alicobravaimpostosaduaneiros.Ecomoo

rei doDaomé fazia omesmo, os comerciantes tinham de pagar a ambos. Para tornar aindamaisdelicadaa situação,osdaomeanoscontrolavamoscarregadoresebarqueirosque transportavamodendê para Cotonu, bem como as feiras da vizinhança, das quais os franceses dependiam paraabastecer-sedealimentos.65Oscomercianteseuropeussentiam-sesitiados.Ossoldadosdaomeanosestavam por toda parte. Até em Porto Novo, não passavam despercebidas ao residente francês asrepetidasraziasquetropasdoDaoméfaziamnosseuslindes,paracapturarescravoseparacastigarainsolênciadeTofa,queseatreveraamudardesuserano.Nesseambienteconflituoso,diaadiamaispesado,as famíliasdeagudássedividiam.EmPorto

Novo,muitosbrasileiros,acomeçarporIgnácioParaíso,favoreciamosfrancesesetrabalhavamporeles.EmAjudá,quasetodosapoiavamoreidoDaomé.EmCotonu,dividiam-seentrepartidáriosdodadá e dos europeus, havendo, no entanto, quem aspirasse a permanecer neutro, ou à FrançapreferisseaAlemanha, já instaladanoqueviriaaseroTogo,comoapoiodamaioriadosagudásqueláviviam.Destes,oquegozavademaiorprestígioeraOctavianoOlympio,umdosfundadoresdeLomé.Foi

elequemprimeiroacolheuosalemãese,emnomedeles,discutiucomoschefeslocaisascondiçõesdoprotetorado, tornando-se depois o principal interlocutor da administração colonial.Era o filhomaisvelhodeumcaboclocarioca,FranciscoOlympiodaSilva,quechegaraàÁfricaaos17anosdeidade,comotripulantedeumnavionegreiro.FranciscoOlympioviveuecomercioucomescravosemváriospontosdaCosta, antesde fixar-se,nametadedoséculoXIX,emAguê,ondeganhouasboas graças de uma “brasileira” que nunca tinha estado no Brasil. Chamava-se Yiá (ou mãe)FranciscaMondukpêPereiraSantoseeraviúvadoescravodeumbrasileiroqueresolveraretornaraoBrasil,deixandocomoantigoservidoraspropriedadeseonome.EssaYiáFrancisca,quehaviasidoescrava,nãoesqueceusuaantigacondição.Libertouanumerosaescravariaqueherdaraepassouaadquiriroutrosescravos,paraalforriá-los.Tornou-seassimchefedeumagrandecomunidadedeex-cativos. FranciscoOlympio casou-se com uma de suas filhas, a Iaiá Talabi Constância PereiraSantos.Edenegreirofez-seumdosmaioresplantadoresecomerciantesdedendêdaregião.66SeunetoSylvanusOlympioviriaaserolíderdalutapelaindependênciadoTogoeoseuprimeirochefedeEstado.

Page 99: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Octaviano Olympio realizara o ideal dos agudás: ter na sociedade dos brancos uma posiçãoespecial, distinta atémesmoda aristocracia da terra. Seprivavamcomanobrezanativa e a ela sealiavampelomatrimônio,osagudásqueriamsereeramdiferentesdosfons,dosguns,dosiorubásedosminas.Nasuaconversaçãocomoseuropeus,esperavamdestesumtratamentodiferenciado,quenemtodoslogravam.EmPortoNovo,dentreos200a250brasileirosqueláviviam,umpelomenosrecebeu dos franceses uma consideração semelhante à que se acostumara Octaviano Olympio:IgnácioParaíso.ComaascensãoaopoderdeBéhanzin,emdezembrode1889,aguerraentreoDaoméeaFrança

tornara-se inevitável.Béhanzineraonomede reidaquelepríncipeKondoque se indignaracomaduplicidade de Julião Félix de Souza e negara a validez dos tratados que cediam Cotonu aosfranceses. Sua aspiração política era a de purgar oDaomé de estrangeiros. E aconselhava que semantivessemsempresobsuspeitaosmulatoseatéosawoumènou,ouseja,osnegrosdescendentesdosregressadosdospaísesdosbrancos.67Emboraassimpensasseepregasse,oseupragmatismoolevouanãoafastar-sedetodososagudás.Compôsoseucírculoíntimocomváriosdeles,entreosquaisoportuguêsMáximodeCarvalho,aquemconsultavasobreasrelaçõescomosestrangeiros,AlexandredaSilva,quelheserviadeintérprete,FélixLino,quecuidavadeseusproblemasdesaúde,GeorgesFélixdeSouza,queerasobrinhodeJulião,eumprimodeste,CyrilleFélixdeSouza.68Omaisinfluentedelestodoseraumamigodeinfânciadorei,aquelemesmoCândidoRodriguesquedenunciaraaduplicidadedeJulião.Cândidofuncionavacomoumaespéciedesecretárioprivadodorei,eraseuprincipalconselheiro,controlavaasatividadesdeinteligênciaecontrainteligência,alémdecoordenarosentendimentoscomosvendedoresdearmasalemãesespalhadospelaCosta.69OhaverBéhanzinoptadopor trazerparaoseucampomuitosdosagudásmostrou-secrucialna

suaresistênciaaosfranceses.Anteseduranteashostilidades,foigraçasàaçãodealgunsdelesqueorei daomeano pôde aumentar em seus exércitos o número de armas de fogo. Os brasileiroscompravam-nassobretudodosalemãesdoTogoeconseguiamlevá-lasatéAbomé.Assimfez,pormais de uma ocasião, Júlio de Medeiros. Era ele filho de um traficante de escravos português,nascidonailhadaMadeira70ounosEstadosUnidos,71FranciscoJosédeMedeiros,queseinstalounaCostaporvoltade1850eteveentresuasmulheresafilhamaisnovadoprimeirochachá.Segundoosfranceses,JúlioconseguiudeumafeitaadquirirparaBéhanzinoitocentosriflesnovosdomodeloLinder emais de 15mil cartuchos; de outra, seiscentos rifles; e de uma outra,mais de cincomilrifles,acompanhadosdamuniçãocorrespondente,alémdedoiscanhões, transportadosdiretamentedeBerlimparaAbomé.72Entrejaneirode1891eagostode1892,sódosalemãesquecomerciavamem Ajudá, o Daomé recebeu 1.700 rifles de repetição, seis canhões, cinco metralhadoras equatrocentosmil cartuchos.73 Quanto a Cyrille Félix de Souza e Félix Lino, não só conseguiramarmasparaastropasdeBéhanzin;tambémprocuraramtreiná-las.Tendoaprendido,emAjudá,comdoisagentescomerciaisgermânicos,RichterErnstePeterBussa,amanejarcanhões,elesformaramosartilheirosdaomeanosesãotidos,nassagaslocais,comoosresponsáveisporalgunsdosrevesesqueteriasofridoocomandantefrancês,coronelDodds.74CyrilleeFélixnãoforamosúnicosbrasileirosnomeiodos8a12milhomensdosexércitosde

Béhanzin.Nemserestringiuapegaremarmasoauxílioqueosagudásprestaramaoreidaomeano.Montaram eles uma extensa e eficaz rede de espionagem, transmitindo de parente a parente e devilarejoavilarejo tudooqueconseguiamapurarsobreosmovimentosdosfranceses.Nãopoucosdessesdadosvinhamdeoutrosbrasileiros,queformavamaoladodoseuropeus.Eessesbrasileiros,por suavez,podiamobterdosqueestavamcomosdaomeanos informaçõesque interessavamaosfranceses.Nãosóporsolidariedadeagudá,mastambémporqueentreeles,apesardaguerra,nãoseinterrompiamoscontatoseasvisitas.Vencido,Béhanzinfoicapturadoemjaneirode1894eexiladonaMartinica.Acompanharam-no,

Page 100: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

forçadosoudevontadeprópria,algunsdosseusbrasileiros.OutrosforamdeportadosparaoGabão.Houve quem se refugiasse em Badagry, em Lagos ou entre os alemães do Togo. E quem serecolhesseaosilêncio.Nãofaltaramsequeralgumasmortesentreaarraia-miúda,enãosóentreosquelutaramaoladodosdaomeanos,mastambémnopartidofrancês.OsbrasileirosqueficaramcomaFrançatalvezsesentissempróximosaocoronel,promovidoa

generalnocorrerdacampanha,quecomandavaassuastropas:Doddseramulatocomomuitosdeles.Os modestos de recursos lhe serviram de guias, numa região que conheciam com o cuidado demascates, e como tais foram utilíssimos. Os mais importantes chegaram a fornecer-lhe tropas.IgnácioParaíso recrutouas suas entreos iorubás, sobretudoosmuçulmanos; e talvezanotíciadapresençadeiorubásnasforçasinvasorastenhacontribuídoparaasrevoltasdeescravosdessaetnianasplantaçõesdedendezeirosdoDaomé.Nointerior,nãofaltavam,aliás,agudásinsatisfeitoscomaconcorrência que lhes faziam as enormes plantações reais e com a crescente taxação sobre ocomérciodoóleoedaamêndoadepalma.Comavitóriafrancesa,osbrasileirosquehaviamapoiadoDoddsesperavamternonovoregime

um lugar certo e seguro, logo abaixo dos administradores emilitares que vinham daEuropa, atéporqueeramdospoucosnaterraquesabiamlereescrevereseexpressavamemportuguês,francêse, quase sempre, mais de uma língua africana. Paraíso tornou-se membro do Conselho deAdministraçãodaColônia;outrosreceberamfunçõeslocaisdeadministraçãoecomandodepolícia;estefoifeitosargentodastropascoloniais;aquele,amanuenseouprofessordeescolaelementar.NoDaoméfrancês,osagudásexerceriamopapelparaosquais,emLagoseoutrascidadesdoqueviriaaser aNigéria, os britânicos preferiamos sarôs.Ao contrário dos sarôs protestantes,muitos delesconvencidosdesuamissãodeeuropeizareregeneraraÁfrica,daqualdeviamextirparaadoraçãodos antigos deuses, a escravidão, os sacrifícios sangrentos, a poligamia e demais costumes“primitivos” e “selvagens”, os agudás católicos respeitavam os vodus e os orixás (e podiam atévenerá-los), tinham várias mulheres e se ajustavam às estruturas políticas africanas, que nãopretendiamfossemsubstituídasporoutrasdecorteeuropeu.Ossarôssequeriamingleses;osagudásse tinham por brasileiros, isto é, punham na mesa, com o mesmo à vontade, o efó, o acará, abouillabaisse,ocozido,acanja,obacalhau,asiscasdefígado,apamonha,afarinhademandioca,ofeijão-de-leite, o pé demoleque e a cocada, deitavam-se indiferentemente na rede, na cama ou naesteira,aspiravamaenriquecer,aomesmotempo,àeuropeia(comterras,numerárioebensmóveis)eàafricana(commulheres,dependenteseescravos),enãoviamcontradiçãoentreserfuncionáriodogovernocolonialedignitáriodacortedoreidaterra,dequemtambémsetinhamporsúditos.

Page 101: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf
Page 102: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Nãodeixavade ter razão,portanto,oadministradoreuropeu,aoolharcomdesconfiançaparaoagudá.Estenãoseencaixavainteiramentenoprojetocolonizador.Podiaatéservistoacompetircomele, ou a deformá-lo e refazê-lo, para ajustar-se a seus padrões. Na realidade, ainda que não osoubessem,os agudás formavamenclaves culturaispróprios, que eram,para acompanharEdnaG.Bay,75 colônias informais do Brasil. Não seria demais dizer-se que os agudás eraminvoluntariamenteexpansionistasculturais,namedidaemqueacabavamporimporpadrõesdegostoedecomportamentoquenãosetinhamcomopuramenteafricanosnemeuropeus.Tornaram-seelesospropagadores,naquelapartedaÁfrica,daculturaportuguesaamerindianizadaeafricanizadanoBrasil.Enãosóentreosafricanos,mastambémentreoseuropeus.Osbritânicos,porexemplo,nãotinham por que deixar de preferir às suas quentíssimas habitações pré-fabricadas de metal ossobrados e as casas de tijolo e adobe construídas por brasileiros, com suas varandas, sacadas ejanelascompersianas.Nemelesnemosfrancesesoualemãesanteporiamaindigênciadelinhasdassuas edificações coloniais, que mais pareciam armazéns ou barracões militares, à inventivaexuberante dos prédios abarrocados ou neoclássicos dos mestres de obras brasileiros. Tanto eraassim, que os britânicos os convocaram para, em Lagos, construir a residência oficial dogovernador. E para erguer os seus templos, do mesmo modo que os muçulmanos, queencomendaramaosagudásmesquitaseasreceberamcomodesenhoexteriordeigrejascatólicas.Aarquitetura portuguesa adaptada ao clima do Brasil tornar-se-ia também a predileta da burguesiaafricanaqueodomíniocolonialestavaacriarechegouatémesmoaseradotadaporreisechefestradicionais,comosepodevernospaláciosdeAdo-Ekiti,IkerreeAkure.76Oqueosbrasileirosnãoconseguiram, para a infelicidade da África Ocidental, foi impor a cobertura de telhas de barro.Apesardasváriastentativasquefizeramdeproduzirtelhas,emdiferentespontosdaCosta,foramemtodaapartederrotadospelosfabricanteseuropeusdefolhasdeflandresoudezincocorrugado.

Page 103: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf
Page 104: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Com a consolidação do domínio colonial, agudás e sarôs não tardaram em descobrir que seushorizontesestavamaestreitar-se.Meiadúziadelespodiaserconvidadapelogovernador,masparaoresto, e atémesmopara aquelespoucosque se tinhampor ricosouhaviamestudadoemLondres,ParisouBerlim,punham-selimitesàascensãosocial.Onúmerodefuncionários,decomerciantes,deguarda-livros e demilitares demenor patente chegados dasmetrópoles não cessava de aumentar.Vinhamelesagoracomsuasmulheresesuasfamíliaseformavamumasociedadeprópria,naqualsóalguns pouquíssimos negros e mulatos conseguiam ingressar. Até mesmo nas igrejas cristãs, ospadresepastoresnativos,quehaviamservidodepontadelançaàpenetraçãoimperial,foramsendorelegados a posições subalternas. Muitos agudás reaproximaram-se das estruturas de podertradicionais,coarctadasouhumilhadaspelocolonizador.OutrospassaramadelecobrarcoerênciaeaaplicaçãoàÁfricadosvaloresqueregiamavidapolíticaeuropeia,comênfasesobreovotoearepresentação.Masestaéoutrahistória:adosagudásqueforampioneirosemilitantesdalutapelaindependência africana. Como os que editaram em Porto Novo, entre 1920 e 1922, Le Guide duDahomey e, posteriormente, LaVoix duDahomey. Como o jornalista nigerianoMoses daRocha.ComoCasimird’Almeida.ELuísIgnácioPinto.ESylvanusOlympio.

1999.

Page 105: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

NOTAS

1PierreVerger,BahiaandtheWestCoastTrade(1549-1851),Ibadan:TheInstituteofAfricanStudies/IbadanUniversityPress,1964,p.24;PierreVerger,FluxoerefluxodotráficodeescravosentreogolfodoBenineaBahiadeTodososSantos,dosséculosXVIIaXIX, trad.deTassoGadzanis,SãoPaulo:Corrupio,1987,p.195,211e539 (aedição francesa,Fluxet refluxde la traitedesnègresentre legolfedeBéninetBahiadeTodososSantos,duXVIIeauXVIIIesiècle,Paris:Mouton,éde1968,eaem línguainglesa,TradeRelationsbetweentheBightofBeninandBahia,17th-19thCentury,Ibadan:IbadanUniversityPress,éde1976);eRobinLaw, “Trade and Politics behind the SlaveCoast: theLagoonTraffic and theRise of Lagos, 1500-1800”, The Journal ofAfricanHistory,Cambridge,v.24(1983),n°3,p.343.

2RobertS.Smith,TheLagosConsulate,1851-1861,Londres:TheMacmillanPress/TheUniversityofLagosPress,1978,p.9;RobinLaw,art.cit.,p.344.

3A.B.Aderibigbe,“EarlyHistoryofLagostoAbout1800”,emLagos:TheDevelopmentofanAfricanCity,org.porA.B.Aderibigbe,Londres: Longman Nigeria, 1975, p. 10-14; Patrick Cole, Modern and Traditional Elites in the Politics of Lagos, Cambridge:CambridgeUniversityPress,1975,p.15;RobertS.Smith,ob.cit.,p.5.

4ArchibaldDalzel,TheHistoryofDahomy,Londres:FrankCass,1967(fac-símileda1aed.,de1793),p.169.5ArchibaldDalzel, ob. cit., p.223;Melville J.Herskovits,Dahomey: anAncientWestAfricanKingdom,NovaYork: J.J.Augustin,

1938,v.II,p.104;I.A.Akinjogbin,DahomeyanditsNeighbours,1784-1863,Cambridge:CambridgeUniversityPress,1967,ob.cit.,p.116,171e178.

6VerMauriceAhanhanzoGlélé,LeDanxome,Paris:Nubia,1974,p.115-126.7CarlosEugênioCorrêadaSilva,UmaviagemaoestabelecimentoportuguezdeS.JoãoBaptistadeAjudánaCostadaMinaem1865,

Lisboa: ImprensaNacional, 1866, p. 78; eAugusto Sarmento, Portugal noDahomé, Lisboa: Livraria Tavares Cardoso& Irmão,1891,p.59.

8A.B.Ellis, “HistoryofDahomi”, emEwe-speakingPeoples,Londres, 1880, p. 307 e segs.;A.LeHerissé,L’AncienRoyaume duDahomey, Paris: Larose, 1911, p. 5 e segs.; PaulHazoumé, Le Pacte de sang auDahomey, Paris: Transactions etMémoires del’Institutd’Ethnologie,XXV,1937,p.27-32;EdouardDunglas,“LeChachaF.F.daSouza”,France-Dahomey,24-31(maio-junhode1949);NorbertoFranciscodeSouza,“Contributionàl’histoiredelafamilledeSouza”,emÉtudesDahoméennes,PortoNovo,13(1955),p.17-21.

9Assimo viamos europeus, conforme se pode verificar nos textos reunidos por PierreVerger em “Influence duBrésil au golfe duBénin”,emLesAfroAméricains,Mémoiresdel’InstitutFrançaisAfriqueNoire,n°27,Dacar,1953,p.27-40.

10RobertCornevin,HistoireduDahomey,Paris:Berger-Levrault,1962,p.268.11ComonosmostraJoãoJoséReis,RebeliãoescravanoBrasil:ahistóriadolevantedosmalês,2aed.,SãoPaulo:Brasiliense,1987,

p. 275; e com mais pormenores na edição norte-americana desse seu livro, Slave Rebellion in Brazil, trad. de Arthur Brakel,Baltimore:TheJohnsHopkinsUniversityPress,1993,p.220-223.

12“Acontecequesãobaianos...”,emProblemasbrasileirosdeantropologia,3aed.,RiodeJaneiro:JoséOlympio,1962,p.263-313.13JoséCastelo,“TeresaBenta:cansadadotempoecheiadesaudade”,DiáriodeNotícias,RiodeJaneiro,14demaiode1974,p.7.14Observaçãopessoal,confirmadaporPatrickD.Cole,“LagosSocietyintheNineteenthCentury”,emLagos:theDevelopmentofan

AfricanCity,org.porA.B.Aderibigbe,Londres:LongmanNigeria,1975,p.42;eModernandTraditionalElites in thePoliticsofLagos,p.45.Oprópriotermo“brasileiro”podeseraplicadoadescendentesdeex-escravosqueregressaramnãosódeCuba,mastambém de outros países de língua castelhana. Conheci dois senhores em Lagos, um deles membro da Brazilian DescendantsAssociation,quefaziamquestãodeesclarecerqueeram“brasileirosdeCuba”.SobreosretornadosdeCuba,verRodolfoSarracino,LosquevolvieronaAfrica,Havana:EditorialdeCienciasSociales,1988.

15Sobreos“tá-bom”,RaymundoSouzaDantas,Áfricadifícil,RiodeJaneiro:Leitura,1965,p.42-48.16 Sobre os brasileiros, agudás ou amarôs:A.B. Laotan, The TorchBearers, orOldBrazilianColony, Lagos: The Ife-Loju Printing

Works,1943;J.F.deAlmeidaPrado,“ABahiaeassuasrelaçõescomoDaomé”,emOBrasileocolonialismoEuropeu,SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional(Brasiliana),1956,p.115-226(trabalhoapresentadoem1949aoIVCongressodeHistóriaNacional);Gilberto Freyre, “Acontece que são baianos...”, em Problemas brasileiros de antropologia, p. 263-313 (reelaboração de váriosartigospublicados,em1951,porGilbertoFreyre,narevistaOCruzeiro,doRiodeJaneiro,comfotografiasdePierreVerger);PierreVerger,“InfluenceduBrésilaugolfeduBénin”,emLesAfro-Américains,Mémoriesdel’InstitutFrançaisdel’AfriqueNoire,n°27,Dacar, 1953, p. 11-102; Roger Bastide, “Carta de África”, Anhembi, São Paulo, outubro de 1958, p. 335-338; Pierre Verger,“Nigeria,Brazil andCuba”,NigeriaMagazine, número especial dedicado à independência, Lagos, outubro de 1960, p. 113-123;A.B. Laotan, “Brazilian Influence on Lagos”,NigeriaMagazine, n° 69, Lagos, agosto de 1961, p. 156-65;Alberto daCosta eSilva,“OssobradosbrasileirosdeLagos”e“OsbrasileirosdeLagos”,emOvíciodaÁfricaeoutrosvícios,Lisboa:EdiçõesJoãoSádaCosta,1989,p.13-22(artigospublicadosoriginalmenteem,respectivamente,JornaldeLetras,RiodeJaneiro,maiode1962,eCorreiodaManhã,RiodeJaneiro,24denovembrode1962e9defevereirode1963);AntonioOlinto,BrasileirosnaÁfrica,RiodeJaneiro:EdiçõesGRD,1964(váriosdeseuscapítulosforampublicadosem1963,emOGlobo,doRiodeJaneiro);PierreVerger,Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo doBenin e aBahia de Todos os Santos (a ed. francesa é de 1968); JúlioSantanaBraga,“Notassobreo‘QuartierBrésil’noDaomé”,Afro-Ásia,n°6-7,Salvador,1968,p.55-62;J.F.AdeAjayi,Christian

Page 106: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

MissionsinNigeria,1841-1891:theMakingofaNewElite,Evanston:NorthwesternUniversityPress,1969,p.49-52e155-157;AlbertodaCostaeSilva:“Umdomingono reinodeDangomé”,emOvíciodaÁfrica,p.19-23 (publicadooriginal-mente emOGlobo,RiodeJaneiro,em7denovembrode1972);RogerBastide,“O leãodoBrasilatravessaoAtlântico”,emEstudos afro-brasileiros,SãoPaulo:Perspectiva,1973(publicadooriginalmentenaRevistadeEtnografia,no31,Porto,1972);J.MichaelTurner,LesBrésiliens:theImpactofFormerBrazilianSlavesuponDahomey,tesededoutoradoapresentadaàUniversidadedeBostonem1975;DouhouCodjoDenis, “Influences brésiliennes àOuidah”,Afro-Ásia, n° 12, Salvador, 1976, p. 193-209;Zora Seljan,NoBrasilainda temgentedaminhacor?,Salvador:SecretariaMunicipaldeEducaçãoeCulturadeSalvador,1978;RobertS.Smith,TheLagosConsulate,p.39-40;T.G.O.Gbadamosi,TheGrowthofIslamamongtheYoruba,1841-1908,Londres:Longman,1978,p.28e30;AlbertodaCostaeSilva:“Brasileñosy‘Brasileños’enlaCostaOccidentaldeÁfrica”,RevistadeCulturaBrasileña,n°51,Madri, 1980, p. 5-22;MariannoCarneiro daCunha,Da senzala ao sobrado: arquitetura brasileira naNigéria e naRepúblicaPopular do Benim, São Paulo: Nobel / Editora da Universidade de São Paulo, 1985; Manuela Carneiro da Cunha, Negros,estrangeiros: os escravos libertos e suavolta àÁfrica, SãoPaulo:Brasiliense, 1985; Simone deSouza,LaFamilleDeSouza duBénin-Togo,Cotonou:LesEditionsduBénin,1992;J.MichaelTurner,“IdentidadeétnicanaÁfricaOcidental:ocasoespecialdosafro-brasileirosnoBenim,naNigéria,noTogoeemGananosséculosXIXeXX”,Estudosafro-asiáticos,n°28,Riode Janeiro,outubro de 1995, p. 85-99;Alberto daCosta e Silva,As relações entre o Brasil e a ÁfricaNegra, de 1822 à PrimeiraGuerraMundial,Luanda:MuseuNacionaldaEscravatura,1996(publicadoemOvíciodaÁfrica,p.25-65);RobinLawePaulLovejoy,“TheChangingDimensionsofAfricanHistory:Reappropriating theDiaspora”, trabalhoapresentadoàReuniãodoProjetoRotadoEscravodaUnesco,emCabinda,1996;KristinMann,“TheOriginsoftheDiasporabetweentheBightofBeninandBahiaduringtheEra of the Transatlantic Slave Trade”, apresentado à reunião anual da African Studies Association, São Francisco, novembro de1996;MiltonGuran,Agudás:os“brasileiros”doBenim,publicadoem2000(atesededoutoradoquedeuorigemaolivro,Agoudas— les “Brésiliens” du Bénin: Enquête anthropologique et photografique, foi apresentada à École des Hautes Études en SciencesSociales,Marselha,1996);BellarminC.Codo,“Les‘Brésiliens’enAfriquedel’Ouest,hieretaujourd’hui”, trabalhoapresentadonosimpósiodeverãoorganizadonaUniversidadedeYork,Toronto,emjulhode1997;RobinLaw,“TheEvolutionoftheBrazilianCommunityinOuidah”,apresentadonosimpósio“RethinkingtheAfricanDiaspora:theMakingofaBlackAtlanticWorldintheBightof Benin and Brazil”, Universidade de Emory, Atlanta, abril de 1998; Robin Law e KristinMann, “West Africa in the AtlanticCommunity:theCaseoftheSlaveCoast”,WilliamandMaryQuarterly,3asérie,v.LVI,n°2,abrilde1999,p.307-334.

17VincentMonteil,L’Islamnoir,Paris:EditionsduSeuil,1964,p.198.18Conformedocumentoscit.porPierreVerger,Fluxoerefluxo,p.437-438,453-454,458,573,574.19MargaretPriestley,WestAfricanTradeandCoastSociety:aFamilyStudy,Londres:OxfordUniversityPress,1969,p.72,77,79,

87,88e91;RobinLaw,art.cit.,p.343.20RobinLaw,art.cit.,p.347.21G.A.Robertson,NotesonAfrica,Londres,1819,p.290.22J.BuckleyWood,HistoricalNoticesofLagos,WestAfrica,Lagos,1878,p.22;J.B.O.Losi,TheHistoryofLagos,2aed.,Lagos,

1967(a1aed.éde1914),p.13.23Datas sugeridas porMichaelCrowder,TheStory ofNigeria, Londres: Faber and Faber, 1962, p. 139.RobinLaw (“TheDinastic

ChronologyofLagos”,cit.porRobertS.Smith,ob.cit.,p.14e15)põeaascensãodeAdeleentre1800e1805esuaquedaentre1820e1821.

24AteseédeJ.F.AdeAjayi,cit.porRobertS.Smith,ob.cit.,p.14.25ObaroIkime,TheFallofNigeria:theBritishConquest,Londres:Heinemann,1977,p.94.26C.W.Newbury,TheWesternSlaveCoastanditsRulers,Oxford:ClarendonPress,1961,p.47.27DavidA.Ross,“TheCareerofDomingoMartinezintheBightofBenin”,TheJournalofAfricanHistory,Londres,v.VI(1965),n°

1,p.79.28 Como sugere David A. Ross (art. cit., p. 80), com base numa carta, de 17 demarço de 1847, do comerciante Thomas Hutton,

estabelecidoemAjudá,aseutioW.B.Hutton,emLondres.29J.H.ThompsonaW.B.Hutton,em15dejunhode1647,cit.porDavidA.Ross,art.cit.,p.82,nota15.30Ibidem,p.80.31J.F.AdeAjayi,ChristianMissionsinNigeria,p.38,nota2.32PierreVerger,Fluxoerefluxo,p.564-565.33Ibidem,p.264-265,453-456.34Ibidem,p.469e573.35AssimpensavaJ.F.AdeAjayi,“TheBritishOccupationofLagos,1851-1861”,NigeriaMagazine,n°69,Lagos,agostode1961,p.

96-97.36P.A.Talbot,PeoplesoftheSouthernNigeria,Londres,1926,v.1,p.95;PierreVerger,ob.cit.,p.571.37PierreVerger,ob.cit.,p.572.38RobertS.Smith,TheLagosConsulate,p.38.39Conformeocomandantedeumdosnaviosbritânicos,ArthurP.Wilmot,cit.porPierreVerger,Fluxoerefluxo,p.574.

Page 107: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

40ObaroIkime,ob.cit.,p.93;veraacusaçãodocônsulbritânicoBenjaminCampbellemPierreVerger,ob.cit.,p.612.41RobertS.Smith,ob.cit.,p.39.42ComomostrammuitosdosestudoscoligidosporMichaelCrowderemWestAfricanResistance: theMilitaryResponse toColonial

Occupation,novaed.,Londres:Hutchinson,1978.43TomoafrasedePierreVerger,ob.cit.,p.605.44JohnD.Hargreaves,PreludetothePartitionofWestAfrica,Londres:Macmillan,1963,p.60,110-112,116e118;C.W.Newbury,

ob.cit.,p.63e68,nota4;J.MichaelTurner,LesBrésiliens,p.223-237.45 K.OnwukoDike, “Trade and theOpening up ofNigeria”,NigeriaMagazine, número especial dedicado à independência, Lagos,

outubrode1960,p.51.46SegundoocônsulBenjaminCampbell,cit.porPierreVerger,Fluxoerefluxo,p.612.Amesmacifrajáteriasidodada,umanoantes,

peloantecessordeCampbell,ovice-cônsulLouisFrazer,conformeJ.F.AdeAjayi,ChristianMissionsinNigeria,p.50.47PatrickCole,ModernandTraditionalElitesinthePoliticsofLagos,p.45;ManuelaCarneirodaCunha,ob.cit.,p.215.48Depoimentosdedescendentesdebrasileiros,colhidosemLagosentre1980e1982.49JackMurray,“OldLagos”e“OldHousesinLagos”,NigeriaMagazine,n°38e46,Lagos;DavidAradeon,“Architecture”,emThe

LivingCultureofNigeria,org.porS.O.Biobaku,Londres:ThomasNelson,1976,p.38-44;KunleAkinsemoyineAlanVaughan-Richards,BuildingLagos,2aed., Jersey:Pengrail,1977,p.16-22;MariannoCarneirodaCunha,Dasenzalaaosobrado,ob. cit.;MassimoMarafato,BrazilianHousesNigeriane,Lagos:IstitutoItalianodiCultura,1983;SusanB.Aradeon,“AHistoryofNigerianArchitecture:theLast100Years”,NigeriaMagazine,n°150,Lagos,1984,p.1-17;BarryHallen,“Afro-BrazilianMosquesinWestAfrica”,Mimar:ArchitectureinDevelopment,n°29,Singapura,setembrode1988,p.16-23.

50Sobreoassunto,KristinMann,MarryingWell:Marriage, Status andSocialChange among theEducatedElite inColonialLagos,Cambridge:CambridgeUniversityPress,1985.

51VerMichaelJ.C.Echeruo,VictorianLagos:AspectsofNineteenthCenturyLagosLife.Londres:Macmillan,1977.52 Paul Marty, Étude sur l’islam au Dahomey, Paris: Ernest Leroux, 1926; Mohamed Paraíso, em declarações a Pierre Verger,

“InfluenceduBrésilaugolfeduBénin”,p.20-21;J.MichaelTurner,ob.cit.,p.294;MiltonGuran,Agoudas—les“Brésiliens”duBénin,p.67.

53CarlosEugênioCorrêadaSilva,UmaviagemaoestabelecimentoportuguezdeS.JoãoBaptistadeAjudá,p.60.54R.J.Hammond,PortugalandAfrica,1815-1910:aStudyinUneconomicImperialism,Stanford:StanfordUniversityPress,1966,p.

69;RobinLaweKristinMann,“WestAfricaintheAtlanticCommunity”,p.328,nota56.55J.F.deAlmeidaPrado,“ABahiaeassuasrelaçõescomoDaomé”,p.183.56EdouardFoà,LeDahomey:histoire,géographie,moeurs,coutumes,commerce,industrie,expéditionsfrançaises(1891-1894),Paris:

Hennuier,1895,p.27.57A.LeHerissé,L’AncienRoyaumeduDahomey,Paris:Larose,1911,p.336.58Como tão bempercebeuA.D.Cortez da SilvaCurado,Dahomé: esboço geographico, historico, ethnographico e politico, Lisboa,

1888.59JeanBayol,cit.porMichaelJ.Turner,LesBrésiliens,p.254-255.60ComoseverificapelaleituradoseuPortugalnoDahomé,ed.cit.,sobretudop.3-11.61AugustoSarmento,ob.cit.,p.32,33e42.62ComoaventouÉdouardDunglas,“Contributionà l’histoireduMoyen-Dahomey(Royaumesd’Abomey,deKétouetdeOuidah)”,

ParteI,Étudesdahoméennes,XIX(1957),p.16.63TextoemRobertCornevin,HistoireduDahomey,p.290.64ComosugereDavidRoss,“Dahomey”,emMichaelCrowder(org.),WestAfricanResistance,p.147.65C.W.Newbury,TheWesternSlaveCoastanditsRulers,p.126.66MiltonGuran,Agouda,p.67-75.MichaelJ.Turner(ob.cit.,p.114-116)contaumahistóriadiferenteedáàprincipaldasmulheresde

FranciscoOlympioonomedeErminadosSantos.Seriaelaumaprincesaegba,denomeOmodukpe,queforavendidacomoescravaaoBrasil.

67PaulHazoumé,LePactedesangauDahomey,p.32-33.68MichaelJ.Turner,ob.cit.,p.316.69MichaelJ.Turner,ob.cit.,p.301,307e318.70Segundoatradiçãofamiliar,cf.MiltonGuran,ob.cit.,p.61-63.71 Conforme Richard Burton, A Mission to Gelele, King of Dahome, ed. com introdução e notas de C.W. Newbury, Londres:

Routledege&KeganPaul,1966(a1aed.éde1864),p.65,nota14;eJ.F.deAlmeidaPrado,ob.cit.,p.191.72MichaelJ.Turner,ob.cit.,p.304.73SegundoA.L.D’Albeca(LaFranceauDahomey,Paris,1895),cit.porDavidRoss,“Dahomey”,cit.,p.158e168,nota14.74LucGarcia,LeRoyaumeduDahomeyfaceàlapénétrationcoloniale(1875-1894),Paris:Karthala,1988,p.185e237.

Page 108: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

75WivesoftheLeopard:Gender,PoliticsandCultureintheKingdomofDahomey,Charlottesville:UniversityofVirginiaPress,1998,p.169.

76UlliBeier,ArtinNigeria—1960,Cambridge:CambridgeUniversityPress,1960,p.12eilustrações24,25e26.

Page 109: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Namargemdecá

Page 110: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Q

SerafricanonoBrasildosséculosXVIIIeXIX

AEduardoPortellauandoalguémmencionava,noBrasildosséculosXVIIIeXIX,umafricano,omaisprováveléque estivesse a falar de um escravo, pois nessa condição amargava a maioria dos homens e

mulheresque,vindosdaÁfrica,aquiviviam.Maspodiatambémreferir-seaumliberto,ouseja,aumex-escravo.Ou a um emancipado, isto é, um negro retirado de um navio surpreendido no tráficoclandestino.Ou,oqueeramais raro, aumhomem livreque jamais sofreraocativeiro.Escravos,libertos,emancipadosou livres,poucosestranhariamaspaisagensbrasileiras,porquemuitasvezessemelhantesàsquetinhamdeixadonaÁfricaequesehaviamtornadoaindamaisparecidas,graçasàcirculaçãoentreoÍndicoeoAtlânticodenumerosasespéciesvegetais,comoamandioca,omilho,oinhame,oquiabo,ococo,amanga,oananás,otamarindo,otabaco,amaconha,ocajueajaca.Porisso,virdaÁfricaparaoBrasileracomoatravessarumlargorio.Quemsesentiamaisdistantedaspraiasafricanaseranaturalmenteoescravo,privadodaliberdade

decruzarasgrandeságuas.Noentanto,duranteosanosdesobrevivênciaemcativeiro,aquelequefora forçado a atravessar oAtlântico jamais se desligava inteiramente da suaÁfrica pessoal e, setinhasorte,podia,algumaveznoexílio,ouvirnotíciasdasuaaldeianativaedasterrasquelheeramvizinhas.Comoacrescentedemandademãodeobraservilnãopodiasersatisfeitapelaviadanatalidade,o

Brasil necessitava da importação para renovar e ampliar a sua escravaria. Os escravos africanosassistiam, por isso, à repetida chegada de novas pessoas do outro lado domar e, de quando emquando,deáreapróximaàdesuaorigem,fosseeleandongo,congo,mahi,hauçá,ijexá,mandinga,ovimbundo ou queto. A importação continuada de escravos fazia com que a África reinjetassepermanentemente a sua gente e, com ela, os seus valores no Brasil. O processo de acomodaçãoculturaldoafricanoera,assim,continuamenteinterrompido.Emvezderender-sedetodoàmaneiradeviverdobranco,umijebuescravizadofortalecia-seemsuascrençaseemseuscostumesacadadesembarque de um navio vindo de Lagos, e enriquecia-se ao contato com africanos de outrasorigens.Isso, que se notava commaior evidência no Brasil urbano, não deixava de passar-se no Brasil

rural. Era comum nas cidades maiores, como Salvador, Rio de Janeiro, Recife e São Luís, aexistênciadoschamadoscantosde trabalho,ondeosescravosdeganho ficavamàesperadequemcontratasse os seus serviços. Em cada uma dessas esquinas, reuniam-se os que se tinham por damesma nação, ou falavam a mesma língua, ou eram, na África, vizinhos ou culturalmenteaparentados,ouerammalungos,ouseja,tinhamchegadoaoBrasilnomesmonavio.Aqui,ficavamos nagôs; ali, os jejes; lá, os cabindas; acolá, os angolas; mais adiante, os moçambiques —identidadesqueosafricanoscriaramnoBrasil.EentreosseusaparentadosesemelhantesajustavamfidelidadeserenovavamoscontatoscomaÁfricadecadaum.Nesses pontos de encontro, e nos pátios que prolongavam as cozinhas, e nas senzalas, e nos

esconderijosdasmatas,osescravostentavamrefazercomopodiamosliamessociaisviolentamentepartidos.Emcadaumdesses lugares,nãoseriararoqueaalgunschegassem,passadasdebocaemboca,notíciasdeseuspagos.Enãoseriainimaginávelqueumououtroaristocratafeitoescravopor

Page 111: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

motivos políticos pudesse enviar mensagens para a terra de onde fora desterrado. O ir e vir denotíciasedeboatoserapossívelporqueosnaviosnegreirosarmadosparaotráficoemSalvador,noRiodeJaneiroounoRecifeequesaíamdessesportosdiretamenteparaaÁfricatinhamamaioriadesuas tripulações formada por marinheiros negros, muitos deles africanos de nascimento. Essesbarcospodiamservir,portanto,aindaqueinvoluntariamente,decorreioe,algumavez,deembaixada.Nemfaltariam,a trazerea levarnotíciasquepodiam tomara formade recados semdestinatáriosprecisos,unspoucosescravosqueacompanhavamos seusamosemviagensàÁfricaealgunsex-escravos que os ex-donos, agora patrões ou até mesmo sócios, mandavam regularmente à costaafricana,paraaliadquirircativos.Explica-seassimporquemuitodoquesepassavanaÁfricarepercutianoBrasil.Distosabiaou

teveopressentimentoaquelegovernadordoRiodeJaneiro,que,escrevendoaoreidePortugal,noprimeiro terço do século XVIII, sobre levantes de escravos, afirmava que essas sublevações sedeviam“àfrequênciadosnaviosquechegavamdaCostadaMina”.PoisosnaviosdaCostadaMina,juntamentecomnovosescravos,traziamnotíciasdasguerrasquesetravavamnaÁfricaesementesde revoltas. Por isso, Nina Rodrigues sustentava que a guerra santa de Usuman dan Fodio tinhaatravessadoas florestasdo Iorubo,cruzadoooceanoe ressoadonaBahia,onde teria inspiradoaschamadasrevoltasdosmalês.Muitosdosenvolvidosnessasrebeliõestinhamdeixadodeserescravos.Eramlibertos.Eestes,os

libertos,contavam-seemgrandenúmero,desdeoséculoXVII,umavezqueàmanumissãonuncaseapresentaramnoBrasil, ao contráriodoque sucedeunaAmérica inglesa,maiores entraves legais.Poressemotivo, emboraoescravonão se reproduzissecomoescravoemnúmero suficienteparaalimentar ademanda—durante três séculos, opaís recebeuentre três e cincomilhõesde cativos,mas,em1850,a suapopulaçãoservil eradeapenascercadeummilhão—,nãocessou jamaisdecrescer, noBrasil, a população de origem africana.No recenseamento de 1872, contavam-se doismilhõesdenegrosequatromilhõesdemulatos,numtotaldedezmilhõesdehabitantes,afazerprovadequeonegro,africanooucrioulo,se reproduziacomopessoa,sobretudocomolibertoou livre.Dezoitoanosmaistarde,jáapóso13deMaio,numapopulaçãode14milhões,haviaseismilhõesdebrancos(dosquaisummilhão,pelomenos,seriadeimigrantesrecentes),doismilhõesdenegroseseismilhõesdemulatos.Mas,dessesbrancosdosrecenseamentosedasestatísticas,quantosseriamrealmente bran-cos? Quantos não seriam mulatos-claros, tidos socialmente por brancos? Narealidade, o uso e o abuso sexual da mulher escrava geraram no Brasil um enorme volume demestiços,amaioriadapopulaçãodopaísnoséculoXIX.Não era incomum que um escravo comprasse sua liberdade com dinheiro reunido em lenta e

sofridapoupança,oupormeiodeprocedimentoscooperativostipicamenteafricanosequetiveramamplavigêncianoBrasil, comooesusu iorubano.Semanalmente ouumavez pormês, umgruporecolhiade cadaumdos seusmembrosumapequeninaquantiadedinheiro e, quandoessaquantiaatingiaomontantenecessário,entregava-aaumdeles,escolhidoporsorteio,paraqueadquirissealiberdade.Osescravosdeummesmocantodetrabalho,deumamesmaetniaoudamesmafazendapodiamcontribuirregularmenteparaessaespéciedecaixadepoupança,queosiaremindoumaum.Alémdisso,umsenhorpodiaalforriarumaescravaporqueesta lhederaumfilho.Ou libertarumescravoporqueeste lhe salvaraavida.Ouporgratidãoaumgestoexcepcional.Ouporqueo iriasubstituir, ou a um filho seu, como soldado, conforme se deu, em grande número, naGuerra doParaguai.Comoquerquetivesserecuperadoaliberdade,oafricanotinhadiantedesiumaescolha,quepodia

serumdilema:ficarnoBrasil,ondenãoadquiriacoma liberdadeacondiçãodecidadão—sóosnegrosnascidos livresnopaísoeram—ouvoltarparaaÁfrica.Muitos regressaramàÁfrica.EalgunsdividiramsuasvidasentreoBrasileaÁfrica.Foramcomerciantesdeartigosafricanosno

Page 112: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

BrasiledeartigosbrasileirosnaÁfrica.Eforamtambémcomerciantesdeescravos,comoJoãodeOliveira. Este iorubá, liberto, voltou para o golfo doBenim, onde abriu PortoNovo e Lagos aotráfico negreiro baiano, construindo às suas próprias custas as instalações para o embarque decativos.1 Sirva como outro exemplo Joaquim d’Almeida, que viajou várias vezes à África, amercadejarparaoseuex-senhor,edepoisseestabeleceunaCosta,emAguê,ondeenriqueceucomonegreiroefundouacidadedeAtouetá.2EcitoaindaJoséFranciscodosSantos,maisconhecidopelocognomede“Alfaiate”ecujascartascomerciais,emnúmerode112,foramencontradasporPierreVergeremAjudá.3EssacorrespondênciamostracomoseligavamasduaspraiasdoAtlântico,entreasquaisasfamíliascostumavamdividir-se,paramelhormercadejar:umirmãovoltavaparaaÁfricaeooutroficavanoBrasil.E quem eram os africanos que jamais tinham sido escravos e viviam noBrasil? Eram poucos.

EramaquelescomerciantesafricanosquechegavamdaÁfricacomtecidosdoIjebu,doBenimedeCaboVerde,nozes-de-cola,sabãodacosta,azeitededendê,certasespéciesdepimentaetodotipodemercadorias que encontravam mercado fácil na enorme comunidade africa-na e na ainda maiorcomunidadedenegrosemulatosnascidosnoBrasil,masquesemantinhamfiéisàÁfrica,afetiva,religiosaeculturalmente.EramtambémascriançaseadolescentesqueospaismandavamestudarnoBrasil.Nãofoi raro,

entre Gana e os Camarões, que reis, chefes e comerciantes africanos enviassem seus filhos afrequentar escolas naBahia, como fez com três deles, nametade do séculoXIX, o obá deLagos,Kosoko.4 Mocinhas e rapazolas eram entregues, em Salvador, aos cuidados de comer-ciantesbrasileirosquetinhamnegóciosnaÁfrica.UmadasqueestudaramemSalvadorfoiafilhadochefeComalangã, Jijibu, que se casou com Francisco Félix de Souza, o famoso chachá deAjudá.5 Umoutro,umpríncipeque, tendoestudadonacapitalbaiana,se tornou,depois,o jengenoucabeçadobairro Awhanjigo e o principal chefe de Badagry. Ele aparece nos textos como Guinguém ouGangan,oquenãoeracertamenteoseunome,mas,sim,umacorrupteladeseutítulo,jengen.6EsseGuinguémoujengenmorouporduasvezesnoBrasil:naprimeira,comoaluno;nasegunda,apartirde1782,comoexiladopolítico,pois,depostoemBadagry,foideportadoparaSalvador.7Osexiladospolíticostantopodiamserlivresquantoescravos,etemosexemplosdosdois.Embora

quase todos tenham passado, entre nós, despercebidos, os escravos deviam ser mais numerosos,porque a escravidão foi tambémuma formade castigopolítico.Háumcaso famoso, contadoporArchibaldDalzelnoseulivrosobreoantigoDaomé:odopríncipeFruku,vendidoaoBrasilpeloseudesafeto,oreiTegbesu.8NoBrasil,éprovávelqueosescravoselibertosfonslhetenhamcompradoa liberdade.Ofatoéqueelepassou24anosnaBahia,semperdercontatocomoDaomée—nãoafastemosahipótese—aanimarosseuspartidárioscomaesperançaderegresso.Aosubiraopoderumnovorei,Kpengla,este,queeraseuamigodeinfância,mandoubuscá-lonoBrasil.Comamaiorfacilidade,oquemostraquesesabiaondeeleestava.Quemprovavelmentenãotinhaamenorideiadequeentreosseusescravoshaviaumimportantepríncipedaomeanoeraoseusenhorbrasileiro;e,sesoube,dissonãoficouregistro.ApósamortedeKpengla,em1789,Fruku,queadotaraumnovonome,umnomebrasileiro,d.Jerônimo,concorreuaotrono,masoperdeuparaAgonglo.Umoutro caso igualmente famoso é deNãAgontimé, amãe deGuezo, vendida como escrava,

com toda a sua corte, pelo reiAdandozan.QuandoGuezo ascendeu ao trono doDaomé,mandouváriasembaixadasaoBrasileàsCaraíbasembuscadamãeenuncaaencontrou.SónoséculoXXéqueela seria localizadaporPierreVerger, seéqueNãAgontimé foi, comoaventouVergerenãodescartaSérgioFerretti,afundadoradoQuerebetamdeZomadonu,aCasadasMinasdeSãoLuísdoMaranhão.9NoRioGrandedoSulencontroumbomexemplo,aindaquetardio,parasomaraodojengende

Badagry.TambémnãoveiodesamparadoderecursosparaoseuexíliopolíticonoBrasil,mascomo

Page 113: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

pensionistadogovernobritânico,aqueleJoséCustódioJoaquimdeAlmeida,maisconhecidocomo“opríncipedeAjudá”,famosopelalarguezacomqueviviaemPortoAlegre.10Nãofoiapenasnosquilombos,portanto,quehouvereisechefesafrica-nos.Emmuitaspartes,no

seio da escravaria, reis e grandes chefes viveram e sofreram em segredo. Embora escravos, elescontinuarammuitasvezesareceberorespeitoeashomenagensdeseussúditostambémnocativeiro.ComoaqueleMacambirado romanceReinegro, deCoelhoNeto.E comoalgunsque fingiam sersoberanosdefantasia,emdeterminadasmanifestaçõesqueatualmentesãofolclóricas,masquetalvezfossemalgomaisdoquefolguedosnopassado.Refiro-me,porexemplo,aosmaracatus.Osmaracatussãodesfilesdenaturezareal,queserepetem

noNordestedoBrasil.Aoritmodostambores,marchamoreiearainhasobenormesguarda-sois,comonaÁfrica,nomeiodeseussúditos.Àfrentedossoberanos,dançaumajovemquetraznamãoumaboneca.Estabonecachama-seCalunga—eéumsímbolodepoder,olungaoucalunga,entreospendeseoutrospovosdeAngola.Atérecentemente—ignoroseistocontinuaadar-se—,antesdasaídadomaracatu,cadafiguranteiaatéaboneca,tocava-aefaziaumgestodeveneração.11Estáaíosinaldequeodesfile,sobdisfarcedefesta,deviaencobrirantigamenteumaoutrarealidade,nãosóreligiosa,mastambémpolítica,oquenosfazsuspeitardequeoreidomaracatu,nopassado,eraumrei africano, a mostrar-se aos seus súditos no exílio e a chefiar, sem que os senhores dissosuspeitassem, uma rede de ajuda mútua, uma comunidade que podia estar dispersa entre váriaspropriedadesruraiseváriosbairrosurbanos,masprocurava,aseumodoecomolheerapermitido,preservarecontinuaraÁfricanoBrasil.Os candomblés, os tambores, os xangôs e os terreiros de umbanda, além de serem lugares de

encontrodohomemcomotranscendente,foramredutosderesistênciadoescravoàdesumanização,de preservação de seus valores e de proteção coletiva. Não bastaram, porém, aos escravos e ex-escravos,queseapropriaramtambém,noBrasildosséculosXVIIIeXIX,deorganizaçõesdeorigemeuropeia e as puseram a trabalhar em favor deles. Lembro especialmente as confrarias católicas,algumasdasquais,emigrejasdedicadasasantosnegros,comosãoBeneditoesantaEfigênia,ouapadroeiros dos escravos, como Nossa Senhora do Rosário, eram integradas exclusivamente porafricanoseseusdescendentese,nãoraro,deumasónação.Sãonumerosos,sobretudoemMinasGerais,ostetosdeigrejaspintadosporafricanosoufilhose

netosdeafricanos,comanjosnegros,anjosmulatosesantosamulatados.Nemfaltanasesculturas—e lembro a Via Sacra do Aleijadinho, em Congonhas do Campo — o branco de nariz longo epontudo(omesmonarizcomqueosportuguesesfrequentamosbronzesdoBenim),arepresentaromartirizador,otorturador,oinimigo.OafricanojustapôsousuperpôsassuasformasculturaisàsqueprovinhamdaEuropa.Namúsica,

nasdanças,naculinária,nacasaenoarruadodosbairrospopulares.Mastambémseapropriou,semem quase nada modificá-las, de algumas dessas formas europeias. Dou o exemplo das anti-gasorquestras de escravos, libertos e seus descendentes que tocavam, no interior do Brasil, obras deHaydn,daEscoladeMannheimedeMozart,ecompunhamcomoseestivessemnaAlemanhaounaÁustria.Comofez,entretantosoutros,JoséJoaquimEméricoLobodeMesquita.Omaiscomum,porém,foiamescladosvaloresafricanoscomoseuropeuseosameríndios,na

reorganizaçãoda vida familiar, no compadrio e até na roupa.Vejam-se os casos do turbante e dopanodacostadasbaianas.OturbanteparecequeandouviajandodaÁfricaparaasAméricasedasAméricasparaaÁfrica.Oseuusopelasmulherestalveztenhacomeçadocomasluso-africanasdaSenegâmbia e das Guinés ou com as crioulas do Brasil e das Caraíbas. No resto da África, sólentamente,enãoemtodaaparte,oturbantefemininodisputariacomoscabelostrançados.Quantoaopanodacosta,nãoparecehaverdúvidadequefoiabrasileiraquemocomeçouausarcomoxaleousobreumdosombros.DevoltaàÁfrica,elepassouacaracterizaravestimentadasagudás,das

Page 114: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

amarôs, das brasileiras, das descendentes dos ex-escravos que retornaram do Brasil. O traje dabaiana, do qual o panoda costa é parte essencial, não estaria, porém, completo sem três herançasportuguesas:asaiarodada,ablusaderendaseostamanquinhos.Dessas justaposições, recriações, somas e misturas, há evidências por todo lado. Nas urbes

brasileiras, a cidade africana se incrusta na europeia. Na música popular, embaralham-seinstrumentosafricanoseeuropeus.AlguémlembrariaigualmenteaconfluênciaderitosreligiososdocandomblécomosdaIgrejaCatólica—porexemplo,nafestadoSenhordoBonfim,alavagemdaigreja,naqualserepeteumacerimônia,commulheresalevaràcabeçajarrasdeáguascomflores,paraapurificaçãodeumsítioritual,queseprocessanosuldaRepúblicadoBenim.O africano no Brasil, o livre, o liberto, mas sobretudo o escravo, foi um elemento altamente

civilizador,comojápensavaumdosgrandespolíticosbrasileirosdoséculoXIX,BernardoPereiradeVasconcelos.BernardoPereiradeVasconcelosdissealtonoSenado,em1843,estafraseemtudoverdadeira: “AÁfrica civiliza a América.” Eu a tenho namemória, ao voltar-me para o africanoescravizadoqueviviaemterrasbrasileirasnosséculosXVIIIouXIXeaoperguntar-lhecomoéquegostariadeserlembradopornós,brasileirosdehoje.Creioquegostariaquedelenãoesquecêssemosoexílio forçado,ahumilhaçãoeosofrimento,masque tambémlembrássemosacriatividadecomquesedeuaumaterraquelogofezsua,ocupoucomseutrabalhoeencharcoudebeleza.Seríamosnãosóinjustoseingratos,mastambémnãomerecedoresdeseuexílio,desuahumilhaçãoedeseusofrimento, se olvidássemos o papel enorme e decisivo do escravo na construção do Brasil. Sealguémmereceseroheroinacionaldestepaís,estealguéméele.

1996.

Page 115: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

NOTAS

1PierreVerger,FluxoerefluxodotráficodeescravosentreogolfodoBenineaBahiadeTodososSantos,dosséculosXVIIaXIX,trad.deTassoGadzanis,SãoPaulo:Corrupio,1987,p.211,528,539.

2Ibidem,p.473,537-539.3 Ibidem, p. 473-474; ver também Pierre Verger, “Influence du Brésil au golfe du Bénin”, em LesAfro-Américains, Mémoires de

l’InstitutFrançaisdel’AfriqueNoire,n°27,Dacar,1953,p.53-100.4PierreVerger,FluxoerefluxodotráficodeescravosentreogolfodoBenineaBahiadeTodososSantos,ob.cit.,p.264.5PaulMarty,Étudesurl’islamauDahomey,Paris:ErnestLeroux,1926,p.18;J.F.deAlmeidaPrado:“ABahiaesuasrelaçõescomo

Daomé”,emOBrasileocolonialismoeuropeu,SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional(Brasiliana),1956,p.205-206.6RobinLaw,“ALagoonsidePortontheEighteenth-CenturySlaveCoast:theEarlyHistoryofBadagry”,CanadianJournalofAfrican

Studies,v.28(1994),n°1,p.40e42.7ArchibaldDalzel,TheHistoryofDahomy,anInlandKingdomofAfrica,Londres:FrankCassa,1967(a1aed.éde1793),p.181;

I.A.Akinjogbin,DahomeyanditsNeighbours,1708-1818,Cambridge:CambridgeUniversityPress,1967,p.165.8Ed.cit.,p.222-223;I.A.Akinjogbin,ob.cit.,p.116,171,178-179.9PierreVerger,:“LeCultedesVodound’Abomeyaurait-ilétéapportéàSaint-LouisdeMaranhonparlamèreduroiGhézo?”,emLes

Afro-Américains,Dacar:Mémoires de l’Institut Français de l’AfriqueNoire, n° 27,Dacar, 1953, p. 157-167; Sérgio FigueiredoFerretti,QuerebetamdeZomadonu:umestudodeantropologiadareligiãonaCasadasMinas,mimeografado,Natal,1983,p.43-44.

10 Amaro Júnior, “Um príncipe africanomorou na LopoGonçalves”, artigo em duas partes publicado em jornal não identificado dePortoAlegre.

11VerMáriodeAndrade,DançasdramáticasdoBrasil, ed.organizadaporOneydaAlvarenga,SãoPaulo:LivrariaMartinsEditora,1959,2°tomo,p.147-148.

Page 116: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

N

UmchefeafricanoemPortoAlegre

ãoerasempreamarradosnofundodosporõesqueafricanosatravessavamoAtlântico,duranteaépocadaescravatura.Foramvárias,porexemplo,asmissõesdiplomáticasenviadasaoBrasilpor

reis do golfo do Benim, conforme registraram J.F. de Almeida Prado1 e Pierre Verger2 . EmSalvadordesembarcaramembaixadoresdoDaoméem1750,1795,1805e1811;oreidePortoNovomandouos seusem1810;eoologundeOnimouLagos, em1770, 1807 e 1823, sendoquenestaúltimadataoenviadotraziamensagensdereconhecimentodaIndependênciadoBrasilnãosódoreideLagos,mastambémdeseususerano,oobádoBenim.NãoerararoquereisenobresafricanosconfiassemàBahiaaeducaçãodosseusfilhos.EeramfrequentesastrocasdecorreioeasviagensdenegóciosentreachamadaCostadosEscravoseoBrasil.Olequedehistóriasquecomeçouaabrir-seédeumariquezaatéhápouco insuspeitada.Bastarecordar,poragora,asatividadescomerciaisdePierreTamata,omeninoescravohauçá,educadonaFrança,mastidoporbrasileiro,queveioasersecretáriodoreidePortoNovoe,maistarde,quandooalafimdeOiódecidiufazerdaquelacidadeoseucaisdeembarquedeescravos,emdetrimentodeAjudá,oseumaisimportantemercador.3Havia também africanos que as perseguições políticas empurravam para a Bahia. Entre esses

exilados, incluíam-se membros de famílias reais, e a maioria chegava escravizada. A fim deprotegerem-se, mantiveram quase sempre suas identidades em segredo. Somente alguns de seuspróprios conterrâneos sabiam que um camarada de cativeiro era de estirpe real. E, se se sentiamcompelidosadesdobrar-separalhecompraraliberdade,maisobrigadosaindaseviamemmanteremsigiloquemrealmenteeleera.Mashaviapríncipes—eissoerararo—quenãotomavamtaisprecauçõesenãohesitavamemrevelar,etalvezatémesmoparasenhoresironicamenteincrédulos,assuasverdadeirasidentidadeseasaltasposiçõeshierárquicasqueocupavamnaÁfrica.No fim do século XVIII, o famigerado traficante de escravos Archibald Dalzel contou-nos em

poucaslinhasahistóriadequemfora,atéhaviapouco,ojengenouchefedobairroAwhanjigoe,poralgumtempo,omaispoderosodignitárioemBadagry.4Chamou-lheGuinguém,tomandopornomepessoal o que era um título,5 e grafando a palavra como a ouvia. Esse Guinguém ou jengenexperimentou na Bahia dois tipos de vida diferentes. Primeiro, como estudante, quando jovem,provavelmenteduranteogovernodeseupai,quetiveraomesmotítulo.Comamortedeste,disputoua primazia emBadagry com um outro chefe, Sessou, saindo vitorioso do embate, em 1776.Mas,poucosanosdepois,oakran,chefedobairrodeIjegba,tornou-seaforçadominante.Eojengenfoi,em1782,depostoeexiladoparaoBrasil.6Vinteescravosforamembarcadosnomesmonavioparagarantirasuasubsistência,7oqueconfirmariaasuacondiçãodedeportadopolítico.AfricanoslivresquevinhamparaoBrasilfrequentementetraziamconsigoumcertonúmerodeescravosemvezdedinheiro.Osescravospodiamservendidosumaum,deacordocomasnecessidadesdeseusdonos,comosefossemtraveller ’schecksouletrasdecâmbio.TambémconhecidaéahistóriadeFruku,umfilhoounetodoreiAgaja(c.1716-1740)doDaomé,

quefoivendidocomoescravopeloreiTegbesu(1740-1774),juntamentecomváriasoutraspessoasdasualinhagem.FrukumorounoBrasildurante24anos,atéserchamadodevoltaàÁfricaporseuamigodeinfânciaesucessordeTegbesu,oreiKpengla(1774-1789).Nogovernodesteexerceupelomenosumafunçãopúblicaimportante:comoerafluenteemportuguês,teveaseucargoocomérciocom os estrangeiros no porto deAjudá.Quando damorte deKpengla, em 1789, Fruku, já agora

Page 117: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

usandoonomeadquiridonoBrasil,d.Jerônimo,concorreuaotrono,contando,aoqueconsta,comamplo apoio popular, mas foi derrotado por Agonglo, que reinou até 1797. Após a escolha deAgonglo,Frukudesaparecedosregistros.8OreiAdandozan(1797-1818)tambémusouaescravaturanasAméricascomoummeiodebanir

seus inimigos políticos. Ele vendeu Nã Agontimé, a mãe do futuro rei Guezo (1818-1858),juntamentecommuitasdesuasacompanhantes,aostraficantesnegreiros.PropôsPierreVergerqueNã Agontimé tivesse criado o Querebetam de Zonadonu, ou Casa das Minas, em São Luís doMaranhão,ondesãoveneradostodososvodusdosreisdeAbomé,desdeoprimeiroatéAgonglo.9SeahipótesedeVergerforcorreta,NãAgontiméteveonomemudadoparaMariaJesuína,poisatradição oral diz que assim se chamava a fundadora da Casa das Minas. O antropólogo SérgioFerretti,quehámuitosanosestudaoQuerebetamdeZonadonu,afirmaqueasvelhasvodunsisjamaismencionamonomeafricanodafundadora,econsideraestecomosendoumdossegredosdacasa.Elasnãodeixamderessaltar,porém,queasquecriaramosantuárioeramtodasafricanasechegaramaoMaranhãonomesmonavio.Ferrettisugereque,nocasodeMãe(ouNochê)MariaJesuínaeNãAgontimé não terem sido amesma pessoa, a rainha poderia ter sido quem iniciou a primeira nosacerdócio.10 É também possível que Mãe Jesuína fosse uma das parentas ou acompanhantes darainha daomeana e tivesse sido colocada como chefe da Casa dasMinas, a fim de permitir a NãAgontimémanterincógnitaasuaidentidade.O reiGuezo teria também vendido gente do palácio àBahia. ComoMino, uma das esposas de

Adandozan.EmSalvador,elacasou-secomJoaquimd’Almeida,umescravoque,depoisdeliberto,regressouàÁfricaesetornouumgrandetraficante.TeriasidoporissoqueJoaquimd’Almeida,o“Joqui”,seinstalouemAguêemvezdeAjudá,ondesuamulherestariaaoalcancedeGuezo.11Umseu colegade cativeiro,AntônioAlmeida, também retornou à costa africana, para comerciar comescravos.DenomeverdadeiroOlufadé,eleera,aoqueconsta,filhodeOlukokum,reideIseyin.12Dois autoproclamados príncipes, que alardeavam o que eram ou queriam ser, chamaram-se

BenvindoeCândidodaFonsecaGalvão,osegundo,filhodoprimeiro,tambémconhecidocomoObáIIdaÁfrica.BenvindoeraonomebrasileirodeumpretensofilhoounetodoalafimAbiodun(1774-1789), de Oió. Vendido como escravo ao Brasil, no início do século XIX, Benvindo, após seralforriado pelo seu dono, tentou fortuna nos campos de diamante da Bahia, ondeCândido veio anascer.Nolivroquededicouaesteúltimo,EduardoSilva13descreveoseupersonagemcomoumhomem

inteligenteeforadocomum.Altoeforte,Cândidodistinguiu-secomosoldadoduranteaGuerradoParaguai e voltou alferes dos campos de batalha. Estabeleceu-se no Rio de Janeiro e se tornouconhecido comoumpríncipe—umpríncipe no exílio—não apenas dos iorubás (sobretudodosque, vindos daBahia, se congregaram num bairro que tomou o nome de “PequenaÁfrica”),mastambémdosdemaisafricanoseseusdescendentes,fossemescravos, libertosouhomenslivres.Emumdosartigosquecostumavaescreverparadiferentesjornaissobreosproblemasdopaís,dacidadeedascamadaspopulares,eledeixouclaroconsiderar-se“detentordodireitodivino,porherançade(seu)avôAbiodun”,acrescentando:“omo-obaamejeoba,oquesignifica:ofilhodeumreiérei.”14Dopontodevistadealgunsdeseuscontemporâneos,Cândidoeraumbeberrãomegalomaníaco,

mas o imperador d. Pedro II não hesitava em recebê-lo no Palácio de São Cristóvão. Todos ossábados,opríncipeObáII—seupai,Benvindo,foraObáI—,comseugrossobigode,cavanhaquepontiagudoepincenêacavaladononariz,comparecia,deuniformemilitarecomascondecoraçõesaquetinhadireito,àcerimôniadobeija-mão.Duranteorestodasemana,usavacartola,fraquepretoeluvasbrancas.Levava,aomesmotempo,umabengalaeumguarda-chuva—abengala,umamarcade distinção social das elites brasileiras, e o guarda-chuva, uma prerrogativa do alafim. MelloMoraesFilho,queoconheceupessoalmente,conta-nosquemuitosnegrosajoelhavam-sena rua,à

Page 118: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

suapassagem,equeeleerasustentadoporum tributopagoporaquelesqueseconsideravamseussúditos.15AquedaeoexíliodoimperadorbrasileirorepresentaramumgrandegolpeparaopríncipeObáII.

Com a Proclamação da República, ele sofreu não apenas desgosto, mas também humilhações, e,menos de oito meses depois, morreu no desamparo e na indigência. Escreve Eduardo Silva:“Surpreendentemente,suamorteocupouasprimeiraspáginasdosjornaisdoRio,equase todososartigos sobre ele enfatizavam ‘a enorme tribo de seguidores’ e ‘a imensa popularidade’ dopríncipe.”16Inteiramentediferentesforamavidaeamortedeumoutropríncipe,queadotouonomebrasileiro

deJoséCustódioJoaquimdeAlmeida.17ElechegouaoBrasilporvoltade1864,nãocomoescravo,mascomoumhomemlivredesterradodapátria. Ignoram-seasrazõesporqueveioparaoBrasil.Teria sido expulso por algum conflito político? Seria um fugitivo? Ou teria sido exilado pelosbritânicos?CustódioJoaquimafirmavarepetidamentequerecebiadocônsulbritânicoumestipêndiomensalemlibrasesterlinas,paraqueficasselongedaÁfrica.Deondeseriaele?SeuscontemporâneosgaúchosestavamconvencidosdequeprovinhadaCosta

daMina,oquenãoexplicagrandecoisa,porquanto“CostadaMina”,noBrasildosséculosXVIIIeXIX,incluíaaCostadoOuroeogolfodoBenim.UmnegrodaMinapodiaserumfante,gã,axante,gum, fom, evé, mahi, hauçá ou iorubá. Em alguns lugares, como no Rio de Janeiro, qualquerafricano que não fosse deAngola, dosCongos, doGabão ou deMoçambique podia ser chamadomina.Tudo o que sabemos sobreCustódio Joaquim provém do que foi impresso nos jornais doRio

GrandedoSul,duranteasprimeirasdécadasdoséculoXX.Deacordocomessasnotícias,eledeixoua terra natal em1862, quando tinha 31 anos de idade.Conhecido pelos africanos dePortoAlegrecomooPríncipedeAjudá, talveznão tivessecomessacidademaiorouqualquer ligação.O títulopode ter-lhe sido dado porque lá embarcou. Mas talvez fosse o líder de uma comunidade deimigrantes de Ajudá numa terra próxima, como as que existiam, semi-independentes, em quatrobairros de Badagry, uma delas comandada pelo jengen. Não resisto em imaginar que CustódioJoaquim se contasse entre os chefes envolvidos na disputa entre o Reino Unido e a França pelocontrole do golfo doBenim.Não seria assim coincidência ter ele partido daÁfrica algunsmesesdepoisdaanexaçãobritânicadeLagos.EváriosantesdadeBadagry.Custódio Joaquim só chegou ao porto de Rio Grande dois anos após haver saído da África

Ocidental, o que significa não ter ele viajado diretamente para o Brasil. Pode ser que tenha idoprimeiroàGrã-BretanhaoutalvezaMontevidéuouBuenosAires,poisambasascidadespossuíamfortesvínculoscomosbritânicos.Seassimtiversido,éfácilexplicarporqueescolheu,noBrasil,morarnoRioGrandedoSul:bastava-lhecruzarafronteira.CustódioJoaquimviveunacidadedoRioGrandeduranteváriosanos.Mudou-sedepoisparaBagé.

Nelas,fundoucentrosparaapráticadareligiãoafricana,poiseraumdevotodovoduGum(oudoorixáOgum).Tornou-setambémfamosocomoespecialistanousodeervasmedicinais.Em 1901, Custódio Joaquim instalou-se em Porto Alegre. Adquiriu uma casa na rua Lopo

Gonçalves,n°496.Nessamansão,moroucomsuascincofilhasetrêsfilhos—nãoseencontrandona imprensada época referência algumaà suamulherouàs suasmulheres.Obairro erahabitadoprincipalmenteporimigrantesitalianoseseusdescendentes.Poucoapouco,porém,velhosafricanosenegrosbrasileiros começarama estabelecer-se emvoltada casadopríncipe, provavelmentepordesejaremficarpertodohomemqueconsideravamseulíder.Comopassardosanos,onúmerodepessoasquemoravamnacasaaumentoupara25(semincluirosempregados),formandoumaespéciedepequenacorte.Atrás da casa, Custódio Joaquim mantinha uma coudelaria para cavalos de corrida. Ele se

Page 119: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

consideravaumgrande especialista emcavalos e cuidavapessoalmente de seus animais.Todososdomingos,umoumaisdeseusequinostomavampartenascorridasoficiaisdoJóqueiClubedePortoAlegre.Seuconhecimentodecavalostalvezsejaumaindicaçãodequeelenãoeranativodolitoralafricano,ondeoscavaloseramvirtualmente inexistentes,porcausadamosca tsé-tsé,mas, sim,dasavana.Éprecisolembrar,contudo,que,antesdechegaraPortoAlegre,CustódioJoaquimvivera37anosnumaregiãofamosaporseuamoraoscavalosepelacriaçãodeequinos,eépossívelquetenhaadquiridoosgostosehabilidadesdeumgaúchojánoBrasil.CustódioJoaquimtinhatambémumlandôguardadonumgalpão,numgalpãoque,maistarde,foi

usado como garagem para o seu Chevrolet. Nessa época, não se viammais do que uma ou duasdúzias de automóveis circulando pelas ruas de Porto Alegre, porque só as pessoas ricas tinhamrecursos para comprá-los. Custódio Joaquim, sem dúvida alguma, pertencia a esse grupo. Eraproprietário de uma segunda casa, na praia da Cidreira, e nela costumava passar parte do verão,semprerodeadoporumaenormequantidadedeconvidados.EmsuacasadePortoAlegre,elenãoapenasrecebiamuitoshóspedesevisitantes,comotambém

abrigavapessoascomproblemasfinanceirosoudesaúde.Continuavaatratarosdoentescomervas,apoiando-senamedici-natradicionalafricana.Nessaprática,teve,durantemuitotempo,aassistênciadofilhodeumimigrantealemão.Orapazveiobater-lheàportacomoindigente,apedir-lheauxílio,eacabouporpermanecernacasa,comoumaespéciedeagregado.Todososanos,porocasiãodeseuaniversário,oPríncipedeAjudádavaumafestaqueduravatrês

dias. Uma festa à africana. O governador do estado, Borges deMedeiros, comparecia sempre àscomemorações. Após a Abolição da escravatura e da Proclamação da República, homens comoCustódioJoaquimpassaramaterimportânciaeleitoral.EBorgesdeMedeirosnãoignoravaqueumapalavrafavoráveldoPríncipedeAjudádepodiarender-lheumbomnúmerodevotosdebrasileirosdeascendênciaafricana.Commaisde1,83mdealtura,forte,extrovertidoecheiodeenergia,CustódioJoaquimerafluente

em inglês e em francês,mas, curiosamente, nunca chegou a falar umportuguês perfeito.Amaiorpartedo tempovestia-sedepreto,deacordocomamodaeuropeia;porém,emocasiõesespeciais,usava trajes africanos ou uma mistura de roupas africanas e europeias do século XVIII, jamaisomitindosuacondecoraçãobritânica.Frequentemente,cobriaacabeçacomumfezvermelhoouumgorrobranco,comabaslateraisquelhecobriamasorelhas,semelhanteaumgorroacãdecouro;e,namaioriadasfotografias,aparecefumandoumgrandecharutoeusandoumrelógiodebolso,comumapesadacorrentedeouro.OPríncipedeAjudámorreunodia28demaiode1935,supostamentecommaisdecemanosde

idade. Sentia orgulho de sua idade avançada, que gostava de alardear.Comemorou seu centenáriocom uma festa que foi considerada por um dos jornais da cidade como a mais fantástica jamaishavida em Porto Alegre.18 Nesse dia, montou um de seus cavalos sem qualquer ajuda, parademonstrarqueaindaeraumhomemforte.TeveumfuneraldeacordocomastradiçõesdaÁfricaOcidental:paraestupefaçãodeseusamigoscatólicosebrancos,afestadoenterrodurouváriosdias,commúsica,dançaebanquetes.CustódioJoaquimaplicouseuprestígioeriquezaparamelhorarascondiçõesdosafricanosede

sua comunidade, num estado onde existia forte discriminação contra os negros. Graças à suapersonalidade exuberante e carismática, e talvez, também, pelo fato de que se apresentava comomembro da aristocracia, não foi simplesmente aceito,mas, sim, apreciado e atémesmo admiradopelasociedadedosbrancos.Ninguémsabiaaorigemdasuariqueza,poisnãopossuíanenhumaoutraocupaçãovisível,anãoserademedicarcomervaseadeexercerumaliderançainquestionávelnasua comunidade. É possível que recebesse, como alegava, um substancial estipêndio do governobritânico,masnãosabemosporqueessaquantialheeradevida,nemdequeformalheerapaga.Até

Page 120: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

hoje, não encontrei prova de que o cônsul britânico em Porto Alegre ou as legações de SuaMajestade em Montevidéu, Buenos Aires ou Rio de Janeiro o sustentassem. E nos arquivos doForeignOffice,emLondres,nãovimençãoaJoséCustódioJoaquimdeAlmeidaouapagamentosfeitosaumapersonalidadeafricanaemPortoAlegre.Éumapenaque,duranteos71anosvividosporCustódioJoaquimnoBrasil,ninguémpareçater

tidoacuriosidadedepedir-lhequenarrassea suavidae se interessasseemescrevê-la.Nãohouvesequer um jornalista que lhe perguntasse o seu nome africano. EmboraNinaRodrigues eManuelQuerino, na Bahia, e Sílvio Romero, no Rio de Janeiro, fossem exceções, a maioria doscontemporâneos do Príncipe de Ajudá acreditava que os negros não tinham história. Para SílvioRomero,eraumavergonhaqueosbrasileirosnãoestudassemosafricanosquetinhamaviveraseuladoeatrabalharemsuascasas.19Comosededicavaarecolhercançõesehistóriaspopulares,muitasdelas de origem africana, ele sabia o valor do que se estava a perder. Instou, por isso, com osestudiososdeidiomaseoutrosespecialistasparaqueaprendessemdosex-escravos,antesqueessesmorressem, tudo o que sabiam de suas línguas, de seus povos, de seus costumes e de suas terras.Infelizmenteparanós,oseuconselhonãofoiseguido.

1997.

Page 121: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

NOTAS

1 “A Bahia e as suas relações com o Daomé”, em O Brasil e o colonialismo europeu, São Paulo: Companhia Editora Nacional(Brasiliana),1956.

2FluxoerefluxodotráficodeescravosentreogolfodoBenineaBahiadeTodososSantos,dosséculosXVIIaXIX(trad.deTassoGadzanisdeFluxetrefluxdelatraitedesnègresentrelegolfedeBéninetBahiadeTodososSantos,Paris:Mouton&Co.,1968),SãoPaulo:Corrupio,1987,p.234-241e257-284.

3Aoqueparece,JohnAdamsconheceuPierreTamatanaúltimadécadadoséculoXVIII;verRemarksontheCountryExtendingfromCape Palmas to the River Congo, Londres, 1823, p. 82-87. Ver também Pierre Verger, ob. cit., p. 186-188; A. Akindele e C.Aguessy,Contributional’étudedel’histoiredel’ancienroyaumedePortoNovo,Dacar:Mémoiresdel’InstitutFrançaisd’AfriqueNoire,1953,p.73e137;eAlainSinoueBachirOloude,PortoNovo,Villed’Afriquenoire,Marseille,1988,p.73.

4TheHistoryofDahomy,anInlandKingdomofAfrica,Londres:FrankCass,1967(a1aed.éde1793),p.181.5RobinLaw,“ALagoonsidePortontheEighteenth-CenturySlaveCoast:theEarlyHistoryofBadagry”,CanadianJournalofAfrican

Studies,v.28(1994),n°1,p.42.6RobinLaw,ibidem;I.A.Akinjogbin:DahomeyanditsNeighbours,1784-1863,Cambridge:CambridgeUniversityPress,1967,p.165;

CarolineSorensen,Badagry1784-1863: thePoliticalandCommercialHistoryofaPre-ColonialLagoonsideCommunity inSouthWestNigeria,tesededoutorado,UniversidadedeStirling,1995.

7ArchibaldDalzel,loc.cit.8ArchibaldDalzel,ob.cit.,p.223;I.A.Akinjogbin,ob.cit.,p.116,171e178.9“LeCultedesVodound’Abomeyaurait-ilétéapportéàSaint-LouisdeMaranhonparlamèreduroiGhézo?”LesAfro-américains,

Dacar:Mémoiresdel’InstitutFrançaisd’AfriqueNoire,n°27,Dacar,1953,p.157-160.10 Sérgio Ferretti, Querebetam de Zonadonu: um estudo de antropologia da religião da Casa das Minas, dissertação de mestrado

apresentadaàUniversidadeFederaldoRioGrandedoNorte,Natal,1983,p.44.11FioAgbanonII,HistoiredePetit-PopoetduRoyaumeGuin,Paris/Lomé:Dathala/Haho,1934,p.84.12ConformeMiltonGuran,Agudás,os“brasileiros”doBenim,porpublicar (foi editadonoRiode Janeiro,pelaNovaFronteira, em

2000);areferênciaaparecenap.87.13PrinceofthePeople:theLifeandTimesofaBrazilianFreeManofColour,trad.deMoyraAshford,Londres:Verso,1993;edição

brasileira:DomObáIId’África,opríncipedopovo,SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1998.14OCarbonário,12dejunhode1886,cit.porEduardoSilva,ob.cit.,p.110.15FestasetradiçõespopularesdoBrasil,RiodeJaneiro:H.Garnier,1901,p.536.16Ob.cit.,p.2.17DevomeuinteresseporJoséCustódioJoaquimdeAlmeidaeasinformaçõesbásicassobresuavidaaumexcelenteartigoemduas

partesdaautoriadeAmaroJúnior,“UmpríncipeafricanomorounaLopoGonçalves...”,publicadoporumjornaldePortoAlegre.Osrecortescomoartigo,semindicaçãodoperiódicoesemdata,foram-meenviadosporÁlvarodaCostaFranco.

18AFederação,PortoAlegre,30março1935,cit.porAmaroJúnior:“UmpríncipeafricanomorounaLopoGonçalves.”19SílvioRomero,EstudossobreapoesiapopulardoBrasil,RiodeJaneiro,1888,p.10-11.

Page 122: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

N

ComprandoevendendoAlcorõesnoRiodeJaneirodoséculoXIX

o dia 22 de setembro de 1869, o conde deGobineau, na épocaminis-tro da França noBrasil,escreveu num relatório político para o Quai d’Orsay1 que os livreiros franceses Fauchon e

Dupontcostumavamvendertodososanos,emsualojanoRiodeJaneiro,quasecemexemplaresdoAlcorão. Embora muito caro (entre 36 e 50 francos franceses), o livro era comprado quase queexclusivamenteporescravoseex-escravos,quetinhamdefazergrandessacrifíciosparaadquiri-lo.Algunsdeles compravamo livroàprestação, e levavamumanoparapagá-lo.ComoosAlcorõeseramescritosemárabe—eàmão,pois,naquelaépoca,nãoeramaindaimpressos(eparaestefatome chamou a atenção John O. Hunwick) —, Fauchon e Dupont importavam também gramáticasdaqueleidioma,comexplicaçõesemfran-cês,poisosescravoseex-escravosdesejavamaprenderoárabe,afimdelerecompreenderolivrosagradonooriginal.Quase certamente, a livraria tinha Gobineau como um bom freguês. E um freguês especial.

Representante diplomático da França, era tambémum ficcionistamuito conhecido e autor de umaobrapolêmica,ofamosoEssaisurl’inegalitédesraceshumaines.NalojadeFauchoneDupont,eleprovavelmente obtinha amaioria dos últimos lançamentos franceses.Devia passar por lá todas assemanas, demodo que os dois livreiros pronto perderam o receio de falar-lhe sobre a venda delivros(emespecialdelivrosproibidos)aosescravos.Gobineaurecebeuainformaçãodamelhordasfontes, portanto, e não tinha motivo para inflar o número de exemplares do Alcorão que eramvendidos no Rio de Janeiro: cem cópias e todas elas em árabe. Ainda que, para não sair de seushábitos,Gobineauexagerasse,eFauchoneDupontnãovendessemmaisdoqueametade,cinquentaAlcorões já era uma boa quantidade, a indicar, primeiro, que o número de islamitas africanos oudescendentesdeafricanosnacapitaldoImpérioera,naquelaépoca,muitomaiordoqueasaparênciaspoderiam sugerir e, segundo, que eram islamitas estritos, pois não aceitavam o livro sagrado emnenhumaoutralínguaexcetoaquelaemqueorecebeuMaomé.TalvezmuitosdoscompradoresdoAlcorãonãofossemcapazesdeoler,masqueriampossuí-lo

como o repositório da palavra deDeus, como um objeto de prestígio, como uma fonte de podersobrenaturaloucomoumsímbolomaterialdafé.Deacordocomdoisagudosobservadores—NinaRodrigues,nofinaldoséculoXIX,emSalvador,eJoãodoRio,nosprimeirosanosdoséculoXX,noRiodeJaneiro—,aprimeiracoisaquechamavaaatençãodequemvisitassearesidênciadeumislamitaeramoslivrosreligiososdispostossobreamesa.2Amaioriadosmuçulmis,muxuruminsoumalês (como os negros muçulmanos eram conhecidos pelo povo dos orixás, pelos adeptos daumbanda e pelos católicos) podia ler o Alcorão ou desejava ser capaz de o ler. Os livros degramáticaimportadosporFauchoneDupontdeviamterporprincipaiscompradoresagentejovemqueseestavaeducandonasdoutrinasenosritosdafé.JoãodoRioeraumexcelenterepórter,masnãotinhaomenorrespeitoouapreçopelaspráticas

religiosas dos africanos e de seus descendentes, nem por qualquer outra religião; era irônico ecríticoemrelaçãoatodaselas.EssacircunstânciadáaoqueescreveusobreoislamismonoRiodeJaneiroumtoqueespecialdeautenticidade.Nãoduvido,porisso,desuaspalavras,quandonoscontaque os rapazolas tinhamde estudar com afinco, se queriam tornar-se clérigos ou alufás, e que nacidade havia pessoas capazes de ensinar-lhes o Alcorão e de examiná-los sobre o que tinhamaprendido.Umdeseusinformantesafirmara-lhequeocandidatoaprovadoeraconduzidoemtriunfo,

Page 123: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

acavalo,pelasruasdeumsubúrbiodistante,acompanhadopelosfiéis.JoãodoRioconfirma,arespeitodosmaometanosnoRio,oqueNinaRodriguesescreverasobre

os maometanos na Bahia: que formavam uma comunidade quase fechada. Nina Rodrigues errou,porém,aoreagircomincredulidadeaoqueoimamedeSalvadoreváriosoutrosmoslinslhehaviamdito: que, no Rio, os muçulmis estavam igualmente bem-organizados, possuíam uma mesquita erealizavampublicamente,semdisfarce,algumasfestividadesecerimônias.Mais tarde,eleobteveainformação suplementar de que a mesquita à qual os negros tinham acesso era mantida pelacomunidadeárabe.Estaúltimainformação,sobreseramesquitapúblicamantidapelosárabes,équeestavaequivocada.AtéofinaldoséculoXIX,onúmerodeimigrantesdoImpérioOtomanorecebidopelo Brasil foi insignificante: somente 3.023, de 1846 a 1889,3 e quase todos cristãos sírios elibanesesquefugiamdasperseguiçõesturcas.RogerBastidetambémsemostrouincréduloemrelaçãoàexistênciadeumamesquitanoRiode

Janeiro e de uma outra em São Paulo.4 Com certeza não havia um edifício público dedicado aoislame .Osmachacalis (dapalavrahauçámasallachi?) ficavamprovavelmente nas residências dosimamesoudealgunsalufás.NoRiodoiníciodoséculoXX,oprincipalmachacalisituava-senaruaBarão de São Félix, na casa do imame. Nem poderia ser de outro modo na segunda metade doOitocentos,poisas leisdoImpériodoBrasil(especialmenteoCódigoPenalde1830)proibiamosritosdetodasasreligiões,excetoacatólica,emqualquer“edifícioquetivessealgumaformaexteriorde templo”. Foi só em 1870, para atender ao pedido dos imigrantes alemães, que os cultosprotestantes foram aceitos como legais pelo Estado. Até essa data, não havia templos públicosprotestantesnoBrasil,nemumasósinagogaquesemostrassecomotal,emboraseuscultosfossemtolerados,semprequedeportasfechadas.Portanto,aquiloaqueosinformantesdeNinaRodriguesestavamaludindocomosendoumamesquitaera,provavelmente,amoradadoimame,ondeosfiéissereuniamàssextas-feiras,paraorarjuntos.Masera,semdúvidaalguma,umamesquita,umacasade oração, um espaço dedicado ao fervor religioso, similar a ummachacali da Salvador deNinaRodrigues:acasadolemanoLuís,non°3daruaAlegria.5Gobineauéclaro:comonãoseaceitava,noImpériodoBrasil,apráticadoislamismo,osmoslins

tentavam ocultar sua fé verdadeira e simulavam ser cristãos. Quando se perguntava por seuscorreligionários a quem se sabia ser muçulmano, a resposta era, quase sempre, a de que nãopassavamdeunspoucos,deumaminoria insignificante, equesecontavampelosdedosdasmãos.MesmodepoisdaAboliçãoedaProclamaçãodaRepública,continuaramosmaometanosa insistirem que não possuíam expressão numérica importante, bem como emmanter discrição sobre suacrença.Etinhamumpassadoderazõesparaisso.Uma pesquisa nos arquivos da polícia do Rio de Janeiro, São Luís, Recife, Salvador e outras

cidadesbrasileirastraráàluzdadosimportantessobreotipodeperseguiçõesquesofreram,duranteoImpério,aspessoassuspeitasdeislamismo.Apesquisatambémrevelaráacompletaignorânciadosfuncionários policiais sobre o islame . Na opinião deles, os moslins, além de serem difíceis eirritantesde lidar, formavamumafacção insubmissaeperigosa,semprepropensaaantagonizarasautoridadesearebelar-se.Algumas das ações repressivas contra os muçulmanos repercutiam na imprensa, embora

raramente,porqueosvexamescontraescravosouex-escravoserammatériaderotina.Nos jornaisdoséculoXIX,podemosencontrar,porém,aquieali,bonsexemplosdas suspeitaseperseguiçõesque recaíam sobreos islamitas.Assimna ediçãode21de setembrode1853dodiário fluminenseCorreioMercantil,naqualsepublicouumartigodaautoriadeumcorrespondenteemPernambuco,6comaseguintehistória.Nocomeçodomês,apolíciadoRecifeprenderaumgrupodeafricanosque,sob a liderança de um alufá nagô, um certoRufino, chamadoAbuncare em sua terra natal, estavaformando“umanovaseitareligiosa”.ComAbuncarefoiencontrado“umlivro,queeledeclarou”—

Page 124: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

escreveincredulamenteojornalista—ser“oAlcorão”,bemcomo“muitasfolhasdepapelescritasem hebraico” (sic). A polícia contou-lhe que Abuncare, um liberto, era muçulmano dos maisfanáticos,edeumatalmaneira,que,quandoalguémcontestavasuascrenças,reagiacomviolência.OcorrespondenteacrescentavaqueAbuncaremereciaaprisão,porqueeraumvadioe“explorava”seuscorreligionários,“obrigados”aarcarcomsuamanutenção.Eassimconcluía:porcausadesseadeptodeMaomé, Recife passou vários dias em estado de alarme, pois muita gente acreditava que umarebeliãodeescravosestavasendopreparadapelosmuçulmanos.Na correspondência da semana seguinte, o mesmo jornalista nos informa de que Abuncare

recuperara a liberdade, uma vez que as autoridades judiciárias nada haviam encontrado nas suasatividades religiosas que pudesse significar perigo para a ordempública.O jornalista reagiu comindignação, sugerindo que Abuncare fosse imediatamente mandado de volta à África, a fim deimpedir-se que continuasse a contaminar outros escravos e libertos com suas nocivas ideiasreligiosas.7Roger Bastide, assim como, antes dele, Arthur Ramos,8 tinha dúvidas sobre o islamismo dos

chamadosmuçulmis.Ambosopinavamnãoseremessesnegrosverdadeirosmuçulmanos,porémtãosomente adeptos de uma espécie de sincretismo do islame com crenças e práticas pagãs, umsincretismoquetinhamtrazidoconsigodaÁfrica.Écuriosoobservarcomoessesdoisautores,quesempreolharamcombenevolênciaparaocatolicismopopular, semostramseverosno julgamentosobre o que deveria ser um verdadeiro muçulmano. E é mais interessante ainda verificar queapresentamcomoprovasdesincretismopráticasreguladasouaceitasporramosdoislame,comoafeituradegrigris,aspequeninasbolsasdecourocontendoversículosdoAlcorão,asalatal-istisqa’ouoraçãopelachuva,acrençanosjinnseastabuinhasdeescreverouatôs(deallo,emhauçá?),comversículosdoAlcorãoqueselavavam,sendoaágua,emseguida,bebidapelosfiéis.João do Rio não era antropólogo nem sociólogo. Tampouco estava obcecado, como tantos

eruditos, no Brasil e em Cuba, com os problemas da aculturação, da contra-aculturação e dosincretismo.Escreveusobreoqueviueoquelhecontaram.Seusmoslins,assimcomoosdeManuelQuerino e Nina Rodrigues, tentavam, num ambiente hostil, cumprir seus deveres religiosos comdevoçãoerigor.Éverdadeque,depoisdaAboliçãoedaRepública,cessou,pelomenosnoRiodeJaneiro,aperseguiçãoaosmuçulmanos.ApolíciadoRiotratava-oscommaisconsideraçãodoqueaosdevotosdaumbandaedocandomblé,9cujoruidosotoquedetamboresprovocavamuitasvezesreaçõesnegativaseprotestosdosvizinhos.NacapitaldaRepública,deacordocomJoãodoRio,osmoslinsafricanospossuíamumimameou

lemano(quemoravanaruaBarãodeSãoFélix),cádisoualikalis(outrapalavrahauçá,alkali),juízessubstitutos e oficiantes que dirigiam as preces coletivas e cerimônias. Praticavam a circuncisão(kola), jejuavamnoRamadã emantinhammais de uma esposa. Eram estritos no rezar as oraçõesdiárias(kissium)enocumprirasabluçõesrituais,algumasvezesvestidosdeabadá,atúnicabranca,comumgorrovermelho,ofilá,nacabeça.Ànoite,nãolargavamorosário(tessubá)dasmãos.JoãodoRionãomencionaquematassemcarneirosno Idal-Adhaeno Idal-Fitr,mas provavelmente ofaziam,comoaparecemregistrosemNinaRodrigues10eManuelQuerino11 ,naBahia.Realizavamtambém, ainda que discretamente, alguma catequese, pois, como nos informaNinaRodrigues,12 amulherdo lemanodeSalvadornasceranoBrasileconvertera-seao islamismonoRiodeJaneiro,ondemoraradurantealgumtempo.Emseurelatório,Gobineauescrevequetodososafricanosmoslinseramminas,denominaçãoque

noRiodeJaneiroeoutrasregiõesdoSuldoBrasilsignificavaqualquerafricanoquenãofossebantoou qualquer um que tivesse embarcado entre a costa do Senegal e os Camarões. Ele tambémmenciona que um bom número dos africanos muçulmanos de Salvador, ao se tornarem livres,regressavamàAfrica,masqueoutrospreferiamemigrarparaoRiodeJaneiro.Quarentaanosmais

Page 125: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

tarde, JoãodoRio confirmaria a informaçãodeGobineau:muitosdosmoslinsdoRiode JaneiroprovinhamdaBahia.Épossívelquequisessemnãoapenas ficar longede seus antigosdonos,mastambémescapardeconstrangimentospessoais,dadesconfiançaedasperseguiçõesqueseseguiramàsrevoltasdasprimeirasquatrodécadasdoséculoXIX.Ao chegar ao Rio, esses baianos já encontraram muitos minas, desembarcados pelos navios

negreirosdiretamentedacostaafricana.Eoutros,trazidosdoNordeste,paraseremvendidosnoRiodeJaneiroeemSãoPaulo,duranteoaugedocafé.Essecomérciointer-regionalcomeçouporvoltade 1830, aumentou depois de 1850 e atingiu suas cifras mais elevadas nos anos 1870.13 Emconsequênciadessamigraçãoforçada,umaáreadepredomíniobantocomoaprovínciadoRiodeJaneiro presenciou, durante cinco décadas, o crescimento numérico dos chamados minas: nãosomenteiorubás,mastambémfons,hauçás,gãs,guns,evés,baribas,fantes,bornus,nupes,grunces,mahisemandingas.Algunsdeleserammuçulmanos.Antes mesmo da Abolição, os cativos e libertos que chegavam do norte ao Rio de Janeiro

começaramaformarcomunidadesconformeaterradeorigem,nãonaÁfrica,masnoBrasil.OsdaBahia,sobretudoos iorubásounagôs,mas tambémosoutros,procuravaminstalar-senummesmobairro,emvoltaoupertodacasadeumhomemoudeumamulherdeprestígio—deumaialorixá,deumbabalorixáoudealguémquetivessechegadoantesefosseconsideradocomobem-sucedido,social ou economicamente.Na virada para o séculoXX, umgrande número de famílias daBahiamoravanumpedaçodoRiodeJaneiro, juntoàPraça11,chamadoPequenaÁfrica.NessaPequenaÁfrica, osmoslins concentraram-se em algumas poucas ruas: SãoDiogo,Barão de São Félix, doHospício,doNúncioedaAmérica.14Buscavam osmuçulmanos viver reunidos nosmesmos logradouros.Mas o que decidia o local

ondesefixavaumafamílianãoerasercrentenosorixás,nemmuçulmano,católico,iorubá,jejeouhauçá,porém, sim, tervindodeSalvador, fazerpartedaquiloquepodemosdefinir comodiásporabaiana. Foi a partir dessa nova identidade que novas teias de solidariedade se teceram. Era porintermédio deSalvador que se importavamdeLagos ou deAjudá nozes-de-cola, cauris, azeite dedendê, sabão e pano da costa. Passou-se, assim, noRio de Janeiro, algomuito semelhante ao queaconteceracomosafricanosqueretornaramdoBrasilàÁfrica,eformaramemAcra,Anexô,Ajudá,Badagry, Porto Novo e Lagos os seus bairros próprios, e desenvolveram uma nova identidadegrupal,ade“brasileiros”.OsnegrosislamitasnuncaforamtãonumerososnoRioquantoemSalvador,onde,deacordocom

Nina Rodrigues, um em cada três dos velhos africanos, antes da insurreição de 1835, eramaometano.15 Na época de Gobineau, o islame contava, porém, com um volume de adeptossuficienteparaadquiriralgumasdezenasdeexemplaresdoAlcorãoporanoetornarolivrosagradoobest-sellerdalivrariadeFauchoneDupont.Trêsdécadasemeiamaistarde,jánãohaviamercadoparanovosAlcorõesnoRiodeJaneiro.QuandoJoãodoRioescreveuseusartigosdejornalsobreasreligiõesdacapitaldaRepública,onúmerodemoslinshaviadiminuídoconsideravelmente.Talvezpartedainformaçãoquecompiloujápertencesseaopassado.Aumpassadorecente,maspassado.FoielecontemporâneodealgunsmoslinsquesetornaramfiguraslendáriasnahistóriadoRiodeJaneiro—entreosquaisomoradordeumprédiodedoisandares,o191,naPraça11,AssumanoMinadoBrasil, famosonão só comoalufá,mas tambémpor ser umhomembelíssimo—,poréma antigacomunidademuçulmanajácomeçavaadesaparecer.Muitos de seus membros foram mandados de volta para a Costa africana pelas autoridades

brasileiras,outrosretornaramàÁfricaporvontadeeiniciativapróprias,pornãoaceitaremcontinuarasergovernadosporinfiéis,oudescontentescomasrestriçõesqueseuscultossofriamnoBrasil,ouinsatisfeitos com a desconfiança, misturada a uma espécie de medo e respeito, que os muçulmisinspiravam aos outros negros. A maioria morreu. Alguns deles, já na velhice, experimentaram a

Page 126: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

desilusão de ver filhos e netos abandonarem, pouco a pouco, o islamismo e se juntarem a outrosgrupos religiosos. Tal como aconteceu em Salvador, onde alguns velhosmoslins se queixaram aNinaRodriguesdequeseusdescendentesestavamtrocandooislamepeloscultosdosorixásepelocatolicismo.16Comotérmino,noiníciodoséculoXX,dasconexõesmarítimasdiretasentreSalvadoreLagos,

os islamitas que viviam no Brasil perderam inteiramente o contato com seus correligionários naÁfrica. Tornaram-se cada vez mais isolados e herméticos, a ressentir-se da rejeição dos demaisnegros e obrigados, para serem aceitos, a fingir o que não eram e a adotar alguns doscomportamentosdosinfiéis.No Rio, como na Bahia e noutros lugares do Brasil, osmuçulmis desprezavam a religião dos

orixás e seus seguidores, e os adeptos dos orixás zombavam das práticas religiosas dosmoslins.Emboraosislamitasfossemgeralmenterespeitadoscomopessoassériasevirtuosas,eramtambémtemidospelosegredoqueoscercava.Nãoobstante,faziamparte,noRio,damesmadiáspora,viviamentreosbaianosdeoutrasdenominaçõesreligiosaseeranomeiodelesqueescolhiammulheresemaridos.Quasedesdeoprincípio,osmoslinsmenosestritossemisturaramefraternizaramcomosbaianos de outras religiões: iam às suas festas, inclusive aos bailes e às rodas de samba, emboranunca tomassembebidasalcoólicasnemcomessemfeijoada,porquecontinhacarnedeporco.Seusfilhosefilhasviam-se,entretanto,obrigadosaescolherentreserpartedeumaminoriasobsuspeitaouaderiraosvalorescomunsdogrupodentrodoqualviviam.Porisso,algunsdosquetinhamsidocriadoscomomoslinsacabaramporconverter-seàreligiãodosorixás,àumbanda,aocatolicismo,aoevangelismoouaoespiritismo.AsenhoraCarmenTeixeiradaConceiçãoservedeexemplo.Nascidaem1877,elafoiparaoRio

de Janeiro em 1893, onde continuou a praticar a religião muçulmana. Já adulta, tornou-se cristã.Talvezsetenhasentidosemforçasparaseguiroislameemsolidãoesegredo.Talveznecessitassedecompanhiana fé.Monoteísta, juntou-seaosqueeramcomoela, aindaque lessemumoutroLivro.Morreucomocatólicadevota,edasmaisdevotas,poiseramembrodecincoconfrariasreligiosase,pormaisdecinquentaanos,assistiu,todososdomingos,aduasmissas.Apesardisso,numaconversadefimdevida,osseusolhosmarejaram-sedelágrimas,aorecordarasuacrençademeninaemoçaeosvelhosmuçulmanosdoRiodeJaneiro.17

1998.

Page 127: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

NOTAS

1 Arthur de Gobineau et le Brésil: correspondance diplomatique duMinistre de France à Rio de Janeiro, ed. por Jean-François deRaymond,Grenoble:PressesUniversitairesdeGrenoble,1990,p.143-148.

2 Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil, ed. revista e prefaciada por Homero Pires, São Paulo: Companhia Editora Nacional(Brasiliana),1932,p.96;JoãodoRio,AsreligiõesnoRio,RiodeJaneiro:NovaAguilar,1976(a1aed.éde1902),p.23.

3J.FernandoCarneiro,ImigraçãoecolonizaçãonoBrasil,RiodeJaneiro:FaculdadeNacionaldeFilosofiadaUniversidadedoBrasil,1950,mapadefronteàp.60.

4AsreligiõesafricanasnoBrasil(traduçãodeLesReligionsafricainesauBrésilporMariaEloisaCapellatoeOlíviaKrähenbuhl),SãoPaulo:LivrariaPioneiraEditora/EditoradaUniversidadedeSãoPaulo,1971,v.1,p.205.

5OsafricanosnoBrasil,p.95.6ManoloFlorentinochamou-meaatençãosobreestamatériapublicadapeloCorreioMercantil.7CorreioMercantil,RiodeJaneiro,28deoutubrode1853.8Onegrobrasileiro,Recife:FundaçãoJoaquimNabuco /EditoraMassangana,1988(a1a ediçãoéde1934),p.66-72;As culturas

negras do novo mundo, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1946 (1a ed., 1936), p. 314-329; Introdução à antropologiabrasileira,RiodeJaneiro:CasadoEstudantedoBrasil,1943,v.I,p.410-432.

9Conformedissed.CarmenTeixeiradaConceição,que tinha105anosde idadequando faloucomJoãoBaptistaM.VargenseNeiLopes,Islamismoenegritude,RiodeJaneiro:SetordeEstudosÁrabesdaFaculdadedeLetrasdaUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,1982,p.76.

10Ob.cit.,p.92.11CostumesafricanosnoBrasil,2aed.,Recife:FundaçãoJoaquimNabuco/EditoraMassangana,1988,p.71(estetextofoipublicado

pelaprimeiravezem1916).12Ob.cit.,p.95.13EvaldoCabraldeMello,OnorteagrárioeoImpério,RiodeJaneiro:NovaFronteira,1984,p.28e39.14RobertoMoura,TiaCiata e aPequenaÁfricanoRiode Janeiro,2a ed.,Rio de Janeiro: Prefeitura daCidade doRio de Janeiro /

DepartamentoGeraldeDocumentaçãoeInformaçãoCultural,1955,p.133.15OsafricanosnoBrasil,p.94.16Ibidem,p.96.17JoãoBaptistaM.VargenseNeiLopes,ob.cit.,p.75-76.

Page 128: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

T

Apropósitodofrevo

endoporepígrafeumafrase tiradadoEsmeraldodeSituOrbis,deDuartePachecoPereira (“Aexperiênciaéamadredascoisas,eporelasoubemosradicalmenteaverdade.”),escrevi,hámais

de 15 anos, uma breve nota sobre a origem do frevo. Nelamanifestava aminha discordância dePereiradaCostaeValdemardeOliveiraquantoaserofrevoumainvençãopernambucana.Omeuargumentoeraumsó,emuitosimples:euouvitocarevidançarofrevo,emoutubrode1972,emYamoussoukro,naCostadoMarfim.Etambémaliodancei.FoinumafestaemhomenagemaopresidenteHouphouët-Boigny.Umpequenogrupodemúsicos,

comsansas, tamboresepífaros,ederapazesvestidosdepanteraou leopardocomeçoua tocareabailar oque era indubitavelmenteum frevo emedisseram serumadançademáscaras senufo.Osbrasileiros presentes não escondemos o nosso entusiasmo. Este foi tão evidente, que Houphouët-Boigny ordenou a uma banda militar que executasse de novo a música. Com tarois, metais emadeiras,ofrevomarfinianoficouigualaorecifense.Ecaímosnopasso.Nãoforampoucososmeusamigospernambucanos—acomeçarporJoãoCabraldeMeloNeto

—quememanifestaramo seudesacordo.O frevo surgiranoRecife,napassagemdo séculoXIXparaoséculoXX,esuahistóriaerabemconhecida.Eutinhaouvidoevistomal.Ouforatraídopelamaniadeandaratrásderaízesafricanas.Hápouco,porém,respireialiviadoesentianecessidadedevoltaraoassunto.DasuauniversidadenaGrã-Bretanha,ondehámaisdetrintaanoslecionahistóriadaÁfrica,escreveu-me,em28dejaneiro,PauloFernandodeMoraesFarias,ograndeafricanólogobrasileiro,respeitadointernacionalmente,paracontar-mequetambémele,porvoltade1966,assistiu,emAbidjã,naCostadoMarfim,duranteuma festadecasamentodemalineses,aumadançaqueodeixou“convencidodequeofrevoveiodaÁfricaOcidental”. Infelizmente,estavasemgravadorenãopôdefixaramúsica.Há sempre ahipótesedeque aquiloquenospareceu, aPauloFernandodeMoraesFarias e aos

brasileirosqueestavamcomigonaquelamanhãemYamoussoukro,serumfrevo,tenhaidodoBrasilparaaÁfricacomosex-escravosretornados,domesmomodoqueaburrinhaouobumbameuboi,osamba,oviolão,opandeiroeopratoefaca.Nãoconheço,porém,exemplodenovidadebrasileiraquese tenha incorporadoaouniversodasmáscarasafricanas.Ninguémconfundeo“boi”dançadoemLagos,naNigéria,comumatradiçãoiorubana;todossabemqueéumafestadosagudás,amarôsoudescendentesdebrasileiros.Poroutrolado,nãoignoramosteremsidopoucososescravostrazidosparaoBrasildiretamente

daCosta doMarfim.Mas sabemos tambémnão ser infrequente que num só barco viesse todoumgrupodamesmaorigemedeumaenormedistânciadoportodeembarque.CativosdonortedaCostadoMarfimoudosudoestedoMalicertamenteforamembarcadosemPortoGalinhas,Acra,AnexôeCacheu.Umpunhadodeescravosquetrouxesseconsigoumamúsicaeumadançacomavibraçãodaquemedisseramsersenufonãoteriadificuldadeemcomelacontagiarosdemais.Sejacomofor,éurgentequeummusicólogobrasileirováàCostadoMarfimeaoMali,embusca

do frevo ou do que pode ser o começo do frevo. Que vá depressa! O quanto antes. Enquanto hágruposvestidosdeleopardoeatocarsansasepífaros.PoistambémnaÁfricaaguitarraelétricaeamúsicacomercialjáfazemosseusestragoseexpulsamatradiçãoparaofundodossertões.

Page 129: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

1999.

Page 130: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

D

Sobrearebeliãode1835,naBahia

esde a publicação do belo livro de João José Reis, Rebelião escrava no Brasil: a história dolevantedosmalêsem1835,1edesuatraduçãoeminglês,comotextobastanteampliado,Slave

RebellioninBrazil:theMuslimUprisingof1835inBahia,2tornaram-sepoucososquecontinuamaacreditarqueochamadolevantedosmalês,em1835,foi,comosededuziudeNinaRodrigues,umjihadislâmico.EusouumdessespoucosquenãofoivencidopelosargumentosdeJoãoJoséReiseaquidigoporquê.Paracontarahistóriadaquelarebelião—oquefezdemodoconvincenteeapaixonante—,Reis

revirou não só os documentos a que já tinham tido acesso os que antes dele trataram do assunto,como Nina Rodrigues,3 Etienne Ignace Brazil4 e Pierre Verger5 , mas muitos papéis mais, e ossopesou demoradamente, e os leu e releu com olhos habituados à Bahia do século XIX, e lhesinterpretou as vozes e as intenções com a excepcional inteligência que tem da escravidão, doescravismobrasileiroedonegrobaiano.Aspersonagensdeseurelatotransitampelaspáginasdeseulivrocomtamanhanaturalidade,quenãoestranharíamosse,aumlevantardepálpebras,asvíssemosnumaruadeSalvador.Ouse,aoespiarporumafrestadeportaoudejanela,topássemosumpunhadodehomensdescalçosprosternadosnadire-çãodeMeca.Nãome rendi à tese deReis, porque tudo em seu livrome endereça à guerra santa.Procuraos

possíveis ideólogos,articuladoresechefesdo levante,eencontramuçulmanos.Vaiverosmortos,feridosepresos,edácomislamitas,vestidosdeislamitas.Noscorposeguardadosdosrevoltosos,osrosáriossãomoslins,eosamuletos,oslivroseosdemaisescritosestãoemárabe.OpróprioReisme dirige os passos. Ele escreve: na conspiração de 1807 e nas rebeliões anteriores (as de 1809,1814,1826,1827e1828),“especialmenteastidascomohauçás”,“nãoháprovasdequetenhamsido”os islamitas os seus “autores exclusivos ou sequer” a sua “vanguarda privilegiada”. Para rematar:“Em1835 foi diferente.”6 E explica: “Se quisermos definir resumidamente omovimento de 1835,podemosdizerqueaconspiraçãofoimalêeolevantefoiafricano”(osgrifossãodeReis).7Ele é claro: não nega a hegemonia dos muçulmis no grupo rebelde; nega — fico com suas

palavras — a sua solidão, a sua exclusividade. Uma vanguarda muçulmana, responsável pelaidealização e o início da revolta, mobilizaria amigos e simpatizantes, algumas horas prévias àeclosãodomovimentoounocalordapróprialuta;outrosafricanos,quenadatinhamcomMaomé,cafrescultuadoresdeorixás,nelaselançariampormotopróprio.8Emboraonúcleodainsurreiçãofosse malê, os nagôs formavam o grosso dos revoltosos.9 A solidariedade étnica, bem como acondição de africano e de escravo, teriam sido determinantes na mobilização dos que saíramarmados às ruas. “A rebelião”, restituo a palavra a Reis, “baseava-se no princípio de que todoafricanorepresentavaumaliadopotencial”,uma“interpretação”que“sechocafrontalmentecomaopiniãodequemviu(evê)nelanadamaisqueumjihad,aclássicaguerrasantamuçulmanacontrainfiéis de todas as cores e origens” e de quem “atribuiu aos rebeldes o plano de ‘massacrar... osafricanosfetichistas’juntocomosbrancosecrioulos”.10Sucede que o jihad, que os juristas muçulmanos, a partir de certas passagens do Alcorão,11

apresentam como dever do crente, toma feitios distintos conforme o lugar, a época e ascircunstânciaspolíticas,sóvezporoutraseencaixandonomodeloidealporelesfigurado.NocasodaguerrasantaqueoShehu (ouXeque)UsumandanFodio (OsmãdenFodio,UthmandanFodio,

Page 131: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Uthman dan Fodiye, Usman ibn Fudi, Ousmane dan Fodio) desatou, no início do século XIX, naHauçalândia, e à qualNinaRodrigues vinculou as insurreiçõesmalês naBahia, ela não excluiu aadesãodeincréus,poisfoiaomesmotempo,paramuitosquedelaparticiparam,umarevoluçãodosfulas,fulanis,pulosoupeulscontraodomíniohauçá—ecomoummovimentoexpansionistafulaniaviramemBornu.12Foiumarevoluçãolideradaporfulas islamitaszelososcontraosreishauçás,cujo islamismo aqueles tinham por falso, mas a ela se agregaram os fulanis que não erammuçulmanos. Se os fulas urbanizados eram quase todos islamitas, e em suamaioriamuçulmanosdevotos, grande parte dos fulas nômades, mais numerosos, continuava a praticar sua religiãotradicional.Eram,portanto,cafres,masnemporissooShehu,aolançar-seàlutacontraossarquishauçás,oshostilizou,combateuoumassacrou,antesosaceitoucomoaliados,seéquenãoprocurouatraí-losparaosseusexércitos.Suastropas,portanto,contaramdesdeoiníciocomparticipaçãonãomuçulmana,e—devolvoapalavraaJoãoJoséReis,poisoqueeleescrevesobreolevantebaianode1835seaplicariaaojihaddeUsumandanFodio—,seneleoislamefoialinguagemeaideologiapredominantes, outros elementos também contribuíram para a mobilização de gente, entre eles asolidariedade étnica.13 Na Hauçalândia, a fula ou fulani. Na Bahia, a nagô ou iorubá. E não sepensariaemnegaraomovimentodoShehuacondiçãodeguerrasantapelofatodenelese incluirgentedeforadacomunidademoslim.UsumandanFodiocombateuospagãos,osidólatras,osincréus.Suaprincipalpreocupação—e

disto dá testemunho o seu grande tratado Ihya alsunna wa-ikhmad al-bid’a (Revivescência daortodoxia e extinção da inovação)— era, contudo, regenerar o islame , purgá-lo das práticas esuperstiçõesqueaelesehaviamcoladonoBiladal-Sudan,despi-lodamisturacomopoliteísmo14eseguiràriscaaSuna,o“caminho”ou“usançadoProfeta”.Nãodescuravadoproselitismoentreosque desconheciam a verdade do islame ,mas se tinha como omujaddid, o restaurador da fé queaparecedeséculoemséculo,aprepararavindadoMádiecomelaofimdotempo.OShehueseusseguidoresacreditavamqueeleseriaoúltimomujaddid,odécimoprimeirocalifa,e,durantealgumtempo,consideraramiminenteoadventodoMádi.15Porquetinhacomoprimeiroobjetivoregeneraro islame , Usuman dan Fodio, desde antes de sua hégira em Gudu, identificara nos sarquis e naaristocraciahauçáosprincipaisinimigosdafé,umavezquesediziammoslins,masnãoaplicavamemseusdomíniosaxariá,permitiambatuquesedanças,nãovelavamasmulheres,fechavamosolhosaopoliteísmoeaoscostumespagãosquetinhamàsuaroda,eatéemseuspalácios,eescravizavammuçulmanos.Ospastoresnômadesfulas,queemgrandepartenãoeramislamitasmasmantinhamestreitoslaços

com os letrados urbanos, vinham também acumulando queixas e ressentimentos em relação aossenhoreshauçás.Oseumododeganharavidaestavaasofrercrescentesconstrangimentos:aonorte,osseusrebanhosesbarravamnosdostuaregues;aoeste,noscultivosdeBornuenapastoríciadosárabes shuwas; ao sul, nas plantações e nas roças dos hauçás e, logo abaixo nomapa, na tsé-tsé.Obrigados, na transumância anual, a trazer seus rebanhos para pastar e comer o restolho dascolheitasnas terrasdoshauçás, a quemchamavamdepreciativamentehabes, viam-seos fulas cadavezmaisoprimidosporobrigações,sujeitosavexameseoneradosportributos,entreosquaisaquelecontraoqualmaisreagiam,ojangali,ouimpostosobreogado.Repetiam-seentreospastoresfulaseos agricultores hauçás os conflitos pelo uso da terra, estes a reclamarem daqueles porque osrebanhoslhespisoteavamasroçasesujavamosregatos,eaquelesaseressentiremdascercascomasquaisessesprocuravamprotegerosseuscultivos,assuasgandaye,fossempequenas,trabalhadaspelafamíliaedoisoutrêsescravos,ougrandes,propriedadesdanobrezaedemercadoresricos,muitosdelesabsenteístas,equeerammantidaspornumerosaescravaria.QuandoogrupodeletradosefulasurbanosdeUsumandanFodiolevantou-seemjihadal-sayf(oujihaddaespada)contraosarquideGobir,osnômades—comexceções,écerto—aelesejuntaram,nãosóporqueosviamcomoparte

Page 132: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

deseupovo,mastambémporquetinhamomesmoinimigo:aaristocraciahauçá.16Não só de gentios fulas se engrossaram os exércitos deUsuman dan Fodio. Somados, os fulas

eramumaminoriaemrelaçãoaoshauçás,eforamestesúltimososquecompuseramamaiorpartedosmujahidun,ou“jihadistas”.ParaastropasdoShehuacudiram,conquistadosporsuaeloquência,seusargumentoseseuexemplo,nãoapenastuareguesehauçásqueerammuçulmanoszelososepios,mas tambémnumerosíssimos outros hauçás, sobretudo camponeses, compoucomais do que umatinturadeislamismoouatémesmopagãos,cansadosdasexaçõesedaprepotênciadanobreza.DequeassimfoideutestemunhooprópriofilhoesucessordeUsumandanFodio,MuhammadBello.ParaMuhammad Bello, não se devia procurar ajuda militar entre os politeístas, mas, se estes seprontificavamajuntar-seaoscrentes,eralícitoaceitaroauxíliodeleselutarladoaladocomquemtinha o mesmo adversário. Após essa justificativa, o filho do Shehu recordou que os incréus deZamfarahaviamajudadoosmujahiduncontraGobireosdeBauchitinhamtambémtomadopartenojihad.17AcorreramigualmenteparaosexércitosdosquelevavamabandeiradoShehuescravosdasmais

distintasorigens,quefugiamdosbirnisedasplan-taçõeshauçásdeGobir,ZamfaraeKebbi,eque,aosesomaremaosmujahidun,passavamaserhomens livres,pois,seconvertidosao islame ,nãopodiamserpropriedadedeinfiéis—ecomoinfiéiseramvistososhauçásquenãoaderiamaojihad.Entre esses escravos, que formaram boa parte das tropas no início da guerra santa,18 tinham-semuitos por ilegais, porque, ao serem capturados, eram muçulmanos livres, e a xariá proíbe aescravizaçãodeislamitasquenãosejamfilhosdeescravos.NãoqueosseguidoresdeUsumandanFodioseabstivessemdeprearcativos.Aocontrário.Masprocuravamserestritosemnãoescravizarmoslins.19Umexemplo:apósderrotaras tropasdeAbdal-Salam,ummalamouulemáhauçáque,tendosidodosprimeirosseguidoresdeUsumandanFodio,serebelaraposteriormentecontraoseusucessor, este,Muhammad Bello, só fez cativos os soldados que não sabiam de cor a Fatiha (ouprimeirasuraouexórdiodoAlcorão)eosrituaisdasabluções.20UmadasbandeirasdoShehufoi,aliás, a do combate à redução ilegal ao cativeiro de islamitas, praticado pelos sarquis hauçás.21 Eseriaa reaçãocontraacapturaevendadeseuspartidáriosporsoldadosdeGobiroqueabririaashostilidadesdaguerrasanta.22Assimcomoarebeliãode1835—evoltoaotextodeJoãoJoséReis23—baseava-senoprincípio

dequetodoafricano,independentementedesuareligião,representavaumaliadopotencial,osfulasurbanos de Usuman dan Fodio reconheciam nos diferentes adversários dos dirigentes hauçáspossíveis sequazes.Como osmalês de Salvador— e de novo recorro às palavras deReis—, osletradoseseusdiscípulosqueacompanharamoShehunasuahégirasabiamquerepresentavamumaminoria—umaminoriaentreosfulas,eumaminoriaaindamaisnítidanoconjuntodoshabitantesdaHauçalândia.Ébemverdadeque, jáem1788ou1789,oShehucontavacommilulemásaoseulado.24Eraumagrande jama’a, ou comunidadede seguidores,masnãodavapara, sozinha, tomaruma vila murada, quanto mais todo o Gobir. Os seus adeptos se fariam, porém, incontáveis, selograssemconvencerdajustezadalutaarmadaosdemaismuçulmanos, independentedeidiomaounação, e não só os muçulmanos pios, mas também aqueles que consideravam necessitados deemenda,edespertarofervornaquelaspessoasapenastocadaspeloislame,esomaràssuashostesosquenãopertenciamàumma,oucomunidadedosfiéis,porémeramadversáriosdosseusadversáriosemaistardepoderiamseralcançadospelafé.Vitoriosos, os partidários de Usuman dan Fodio esforçaram-se por limpar de práticas pagãs o

islamismo dos hauçás. Mas, em seus emirados, não forçaram os súditos hauçás que não erammuçulmanos, os maguzawa, a se converterem. Permitiram que ficassem com suas crençastradicionais, a cultivar os seus campos, desde que pagassem um tributo especial, a jizya, comofaziam,emoutrasterrasislâmicas,osjudeus,oscristãoseoszoroastrianos,umavezqueosjuristas

Page 133: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

fulas encontraram argumentos para os incluir entre os povos protegidos, ou dhimmi.25 Nãodeixaram,contudo,defazeraguerracontraosoutrospagãosquelheseramlimítrofes,paraampliarosterritóriosregidospelaxariáe,aomesmotempo,produziroscativossobreosquaisseassentavaaeconomia.26

Page 134: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf
Page 135: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

IntolerávelparaUsumandanFodioeraqueímpios—ecomotaistinhaossarquis,aindaqueestesseafirmassemmuçulmanos—governassemoscrentes.Oobjetivodesuaguerrasantaeracolocarascoisas nos seus lugares próprios, conforme a Suna, expandir o governo deDeus e os territóriossobreosquaisseaplicavaaleidivinaealcançaraunificaçãodacomunidadedoscrentesnoBiladal-Sudan,sobumsócalifa.Talveztenhasidoesseúltimodesideratooqueolevouaaceitaraextensãodeseujihadaumpaís

islamita comoBornu.Omaisprovável, contudo, équeele tenha sidoarrastadopela solidariedadeétnica,quandoosclãsfulasselevantaramemHadejiaeemGujbacontraomaí,oureideBornu.Estenão só era muçulmano com antepassados muçulmanos, mas também usava o título de emir al-muminin,oucomandantedosfiéis,e,aindaquedemodoimperfeitoaosolhosdeUsumandanFodio,aplicavaaxariáemseusdomínios.Nãosónãosejustificavaquecontraelesefizesseumjihad,comoera vedado a um islamita erguer-se em armas contra um outro. Quando, animados pelos êxitosmilitaresdeUsumandanFodionaHauçalândia,osardos (ou líderesdeclãs fulas)queviviamemterrasbornusserebelaramcontraomaí,oShehureconheceu-oscomoportadoresdesuabandeira,emboraissolhecustasse,easeuirmão,AbdullahidanFodio(ouAbdallahibneMuhammad),easeufilho,MuhammadBello, constrangimentos e— por que não dizê-lo?— um disfarçado remorso,nascidodainsegurançasobrealegitimidadedaguerra.Olíderreligiosoqueconduziuaresistênciabornu, o xequeMuhammad ibne Amin ibneMuhammad al-Kanemi, não cessou, em suas cartas aUsumandanFodio,deincrepá-loporapoiaragressorescontraumestadoeumsoberanoislamitas,etanto o Shehu quanto Bello se viram obrigados a lances de trapézio argumentativo para tentarjustificar-seenãodeixaradescobertoqueojihadnãosedestinava,nocaso,aampliarasfronteirasdodaral-Islam,mas,sim,amascararuma tentativade tomadadopoderemBornupelos fulas,oumelhor,a justificaroexpansionismodoque iria transformar-senumimpériocomandadoporumaaristocraciafulani,ocalifadodeSocotô.27NonortedoIorubo,oprocessofoidistinto—eojihadquealise travou, também.Jánoséculo

XVII,senãoantes,existiamislamitasnochamadoimpériodeOió.28Nãosómuitosescravosealgunshomenslivreshauçás,bornus,baribasenupes,mastambémumaminoria,olhadacomdesconfiançapelosdemais,deoiósedeoutrasgentesque falavamoquedepois seriadenominadode iorubano.Essascomunidadeseramservidasporulemásitinerantes,famosospelosgrigrisquefaziam.Eaelastambémchegavamcomfrequênciamercadoresmuçulmanos.Muitosdosquedelaspartiamtambémoeram, como indicaria o fato de o parakoyi, ou chefe da corporação local dos comerciantes àdistância, quase sempre liderar a comunidade islamita e comandar os contingentes moslins queintegravam os exércitos do alafim ou rei de Oió.29 Mercadores muçulmanos que atuavam comocatequistasnãodeixaram,aliás,dedesceromapaechegaratéolitoral.Tantoassimque,antesdofimdoséculoXVIII,osmoslins jáformavamumcontingente importantedoexércitodeQueto30e,emOnim ouLagos, havia islamitas na corte do ologun, durante o primeiro reinado deAdele (1775-1780).31DesdeaúltimadécadadoséculoXVIII,obale,ouchefedeIlorin,Afonja,queeraaomesmotempo

oareonakakanfo,ougeneralíssimodosexércitosprovinciaisdeOió,mantinha-seemdesobediênciaarmadacontrasucessivosalafins,cujalegitimidadenãoreconhecia.Em1817,ele,emboranãofosseislamita,buscouaaliançadosmuçulmanos.Primeiro,declaroulivresosescravosqueafluíssemparaas suas tropas.De toda a vizinhança acorreram cativos, que em suamaioria eramhauçás.Depois,logrouobteroapoiodeuminfluentepregadoritinerantefulaAl-Salih,maisconhecidocomoAlami,ouseja,“oSábio”.Esseulemánãosólhetrouxeoapoiodesuajama’aedospastoresfulanis,mastambémdeclarouojihadcontraOió.Alémdosfulasurbanizadosepastores,umgrandenúmerodemuçulmanosdegruposaquechamaríamosiorubásacorreuaIlorin.Aomenosnoinício,portanto,

Page 136: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

osmujahidun apoiaram as pretensões de um incréu e engrossaram os seus exércitos. Não tardoumuito,porém,paraqueessacontradiçãoseresolvessecomoconflitoentreAfonjaeAlami,doqualresultariaamortedaquele,eemseguidaainstalaçãodeumgovernofulaeislâmicoemIlorin,queacabaria por se incorporar, comoumnovo emirado, ao califado deSocotô e se transformaria napontaavançadadojihadnoIorubo.32OssucessosdeIlorinforam,portanto,aomesmotempo,ummovimentodesecessão,umgrande

levantedeescravoseumaguerrareligiosa.33Masdelesnãoestiveramausentesconotaçõesétnicas.AsublevaçãodeAfonjacontraOiódava-senumquadroiorubano.Ogrossodaescravariaqueaelesejuntou em busca da liberdade era hauçá— e como uma insurreição de escravos hauçás o alafimdescreveu, em 1826, os acontecimentos a Hugh Clapperton:34 as cidades que este havia visto emruínaspelocaminho“haviamsidodestruídasequeimadasporseusescravosrebeldeshauçáseseusamigosfulas”.Parteconsideráveldessesescravoshauçásdizia-semuçulmanaecorreuparaajama’adeAlami,controladapelosfulas.Emboraigualmenteempolgadospelaguerrasanta,amaioriadosislamitas iorubanoscongregou-seemtornodeumoutroulemá,o tambémnagôSolagberu.Malseacertaramascontascomosinfiéis,eosdoisgruposentraramemconflitoarmado,deleresultandoamortedeSolagberuea imposiçãodos fulas, comoaristocraciamandante, sobreagentede Ilorin.Nãoobstante, issonãodiminuiuo fervor religiosodosmoslins iorubanosnemoentusiasmocomquecontinuaramamilitarnaguerrasanta.Maisdoqueinquietaramascidades-estadoiorubanasoquesepassaraemIlorineocombateque

os mujahidun continuaram a dar a Oió. Encheram-nas de medo. Em muitas delas, desataram-seperseguições aos muçulmanos, fossem homens livres ou escravos, por suspeitos de colaboraremsecretamente com os islamitas. E muitos muçulmanos, inclusive iorubás, para escapar aosconstrangimentosouparaincorporar-seaojihad,tomaramocaminhodeIlorin.35Durante todo o período da guerra contra o alafim, das perseguições que dela decorreram e da

consolidação e expansão do califado de Socotô, foram capturados e vendidos como escravos àsAméricasnãoapenasmuçulmanosdonortedo Iorubo—oiós,equitis, iagbas,abinuseoutros—,mas também,possivelmente,algunspoucosmoslins ijebus, ijexás,egbas,ondos,egbadosequetos,quesecontariamcomoexceçõesnomeiodosqueprofessavamareligiãodosorixás.Antesde1817,no entanto, os “jihadistas” escravizados por seus adversários seriam sobretudo, num primeiromomento,fulasehauçáse,posteriormente,gurmas,canúris,canembusetapas,quandoaguerrasantaseestendeuaoGurma,aBornueaopaísnupe.Se,comoaventouNinaRodrigues,osmovimentosinsurrecionaisdeescravosdoiníciodoséculoXIXnaBahiaforamreflexosdoquesepassavanossertões profundos do golfo do Benim, faz todo o sentido que a presença predominante naconspiraçãode1807enasrebeliõesde1809,1814e1816tenhasidoahauçá.O próprio Nina Rodrigues queixou-se, contudo, de que sobre essas primeiras revoltas as

informaçõesdequedispunhaerammaisdoqueinsuficientes.36Cercadeoitentaanosmais tarde,odesvelodeJoãoJoséReisnãoencontroumatérianovaqueajudasseaesclarecê-las.Aidentificaçãode um chefe rebelde de 1814 como um possível malam— omalomi João37 — não chega paracaracterizarcomoislamitaaquelelevante,aindaquesepossasugerirahipótesedequeoquilombode onde mandava ordens seria o lugar de sua hégira. Nada há tampouco que nos leve, porém, adescartarahipótesedequealgumadaquelassublevaçõestenhatidoliderançamoslim,umavezquequasetodososhauçásquechegaramaoBrasillogoapós1804foramaprisionadosduranteaguerrasantaeque,entreosprimeirosadescernaBahia,talvezpredominassem,tendo-seemvistaosrevesesiniciais dosmujahidun, os que se haviam juntado aUsuman dan Fodio, neles se contando algunsulemás. Veja-se esta pequena amostra, apenas como vinheta: dos oito escravos do Sudão Centralentrevistados por José Bonifácio em 1819,38 seis dos sete hauçás e o nupe disseram ter sidoaprisionadosduranteojihad,aexceçãodeclarando-semalamouulemá.39

Page 137: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Apartir de 1817, entre os prisioneiros da guerra santa passariam a contar-se cada vezmais oschamadosnagôs,quermuçulmanos,querpagãos.DepoisqueojihadseestendeuaoIorubo,seriameles,enãomaisoshauçás,queiriamdarforçaaosmovimentossediciososdenegrosde1826,1828e1830,naBahia.Quandomenos,osquenegamquealgumdesseslevantestenhasidoacontinuaçãoouo reflexo, no outro lado do oceano, da guerra santa desatada pela palavra deUsuman dan Fodioconcordarãoemqueestainfluenciavaacomposiçãodaescravariabaiana,umavezqueeranojihadque se produzia boa parte dos cativos que foram levados doSudãoCentral e do norte do Iorubo,muitasvezes amudardedonoao longodopercurso, atéos caravançaraisdoSael eosportosdoAtlântico. Entre eles, contavam-se tanto os que tinham sido feitos prisioneiros pelos mujahidun,quantomujahiduncapturadosporseusadversários.UnseoutrosatravessaramemferrosoAtlânticoeseviramnummundodiferente,masondeosque

seguiam as lições e os exemplos de Usuman dan Fodio encontraram, agravadas, as mesmasiniquidadescontraasquaishaviamguerreado:axariánãodirigiaasaçõeshumanas,umavezqueogovernoestavanasmãosde infiéis,oqueerade todoinaceitávele inconcebível;e tantoeraassimqueeles,muçulmanos,seachavamescravosdeincréus,emcativeiroilegítimoou,quandolibertos,submetidosaoutrasleisquenãoadeDeus.Aambiçãodedesentortaromundoedeampliarodaral-Islam não deve ter abandonado muitos deles — aqueles que não tiveram outras razões paraacompanharasbandeirasdoShehuquenãoasreclamadaspelafé.Teólogo,jurista,poetaemístico,asobrasdeUsumandanFodioemárabe,fulfulde(oidiomados

fulas)ehauçá—econtam-semaisdecem—mostram,deumlado,umargumentadornotável,quedominava os grandes textos do pensamento islâmico, e, de outro, um grande pregador capaz deconvencer,comoverelevantarpequenasegrandesaudiências.Comfrasescomoestas,desuaWirdouLitania,comasquaisdescreveusuasprimeirasexperiênciasmísticas:40

Quandoeucompletei36anosdeidade,Deusremoveuovéudemeusolhos,eoembotamentodemeusouvidosedemeuolfato,eainsensibilidadedemeupaladar,eacãibrademinhasduasmãos,ealentidãodemeusdoispés,eopesodemeucorpo.Eeufuicapazdeveroqueestavapróximocomooqueestavalonge,edeouvirosomdistantecomoosomdeperto,edesentiroperfumedaquelequeadorouaDeus,maisdocedoqueomaisdoce;eomaucheirodopecador,maisfétidodoquequalqueroutro.Epudereconheceroqueeralícitocomerpelogosto,antesdeoengolir;bemcomooquenãoépermitidocomer.Epudeapanharcomasminhasduasmãos,semsairdolugar,oqueestavadistante;epudevencercommeusdoispésdistânciasqueumcavaloveloznãopoderiacobrirnoprazodeanos.EstaéumamercêqueDeusdáaquemElequer.Econheciomeucorpo inteiro, membro por membro, osso por osso, nervo por nervo, músculo por músculo,cabeloporcabelo,eolugardecadaparte,assimcomoafunçãoquetinha.EntãoeuviescritopelaPenadoPoder,naminhaquintacosteladoladodireito:“LouvadosejaDeus,oSenhordosMundosCriados”,dezvezes;e“ÓDeus,abençoanossoSenhorMaoméeafamíliadeMaomé,econceda-lhespaz”,dezvezes;e“PeçoperdãoaDeusGlorioso”,dezvezes;eeufiqueimaravilhadocomisso.Os que o conheceram e lhe escreveram o elogio afirmam que quem o ouvia dificilmente se

olvidavadesuaspalavras.Nãoseriadeestranhar-se,portanto,quedelasnãoseesquecessemalgunsdos que lutaram a seu lado ou as ouviram daqueles que lhe sucederam no apostolado e que,prisioneirosdeguerradeseusadversários,foramtrazidoscomoescravosparaoBrasil.ApregaçãodeUsumandanFodioeraaltamentesubversiva.Aspiravaeleacriarumasociedadeideal,umestadoemquesecorrigissemasinjustiçaseseimpusesseaxariá,aleideDeus.Oseumovimento,seerareligioso,eratambémpolítico,inevitavelmentepolítico,aliás,porqueoislameéumatotalidade—éuma religião, uma ideologia política, um sistema jurídico, um código de comportamento — e

Page 138: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

englobatodososaspectosdavidadaquelesqueformamacomunidadeuniversaldoscrentes.É difícil conceber-se que a maioria dos que tinham combatido no jihad deixasse, ainda que

escravosnaBahia,decontinuarater-secomopartedaumma.Ohaversidoreduzidoaocativeiroera,para osmais pios, uma provação com um sentido só conhecido porDeus.O navio negreiro nãoapagavanelesafé,comaforçadesuacerteza,nemamemóriadoentusiasmodaslutasdequetinhamparticipadoparaexpandirodaral-Islam.Épossíveleatéprovávelquenomesmoporãoemqueumdeleshaviatranspostoooceanoviessemalgunscompanheirosdecombate,enãoseriadeespantar-sequeum,doisoumaiscamaradasdomesmocontingente.Aindanonavioou jáem terra,ele talveztenhaprocuradoconverterummalungosemqualquercontatoanteriorcomo islamismoouquesemostrara hostil ou indiferente à pregação deUsuman dan Fodio. Se não o fez, não deixará,maistarde, de exercer o proselitismo, embora talvez discreto ou às escondidas, entre os seuscompanheiros de servidão.E é de imaginar-se que boa parte desse esforço de conversão se tenhadirigido aos que deles tinham sido adversários naÁfrica, durante o jihad. Alguns destes últimos,quemsabeseparasacudirdavidaahumilhação,voltaram-senoBrasilparaoislamemilitante.41Etalvez de seus números tenham saído alguns dos mais devotos e intransigentes muçulmanos deSalvador.ConvertidosnaBahiadeviamserváriosdosrevoltososde1835.42Às escâncaras e de maneira enérgica devia exercer a catequese aquele velho ulemá fula,

MohammadAbdullah,que tentouconverterao islamismoFrancisdeCastelnau,umpoucoantesde1850.EmsuaconversacomCastelnau,Mohammadinsistiuemqueaféislâmicaeraaúnicacoisadomundoquedeviamerecerocuidadodoshomens.OsseustrintaanosdeescravidãonoBrasilnãolheacalmaram o fervor religioso e via-se cercado pela veneração de muitos hauçás,43 por causa daintensidadedesuaféedeseuconhecimentodoAlcorão.Éprovávelquefossecapaz,comosucediacomtantosoutrosmuçulmanosnasAméricas,derecitá-lointeirodecoredepassá-lodecorparaopapel.De um outro ulemá ou alufá, o liberto iorubá Abuncare, sabemos, por notícias de jornal da

época,44 que possuía um exemplar do Alcorão e era um pregador eloquente, que reagia comviolência quando alguém contestava as suas crenças. Foi preso no Recife, com um grupo deafricanos, que, segundo a polícia, estariam formando “umanova seita religiosa”.Talvez seja umaousadia imaginar que eles integrassem uma pequena loja de uma tariqa ou confraria sufista— aQuadirija,aquepertenciaUsumandanFodio,porexemplo—,mascertamentejácompunhamumadiminutajama’a.TeriaaQuadirijaatravessadooAtlântico,comosmujahidunescravizados?Osqueinterrogaram

os rebeldes naBahia sequer tinham ideia de que existissemo sufismo e irmandades islamitas.Noentanto, há indícios da presença sufista nos amuletos confiscados pela polícia.Numdeles,VincentMonteil45identificouumversodeumfamosopoemadeAl-Busiri,“Burda”(donomedomantodoProfeta),escritonofinaldoséculoXIIIerecitadofrequentementenoscírculossufistas,quetambémousavamnosgrigris.Doquepodemosestarseguros—eJoãoJoséReisnosmostramagistralmentecomoo islamismoe a suapregação se expandiramnoRecôncavo—édequehavia proselitismomoslim e até o ensino da leitura e da escrita em árabe entre os negros baianos, naquele início deséculo,quandoosnaviosnegreirostraziamperiodicamentedeLagos,BadagryePortoNovolevasfrescasdeescravosproduzidospelojihad,pelosconflitosdeledecorrentesepelaschamadasguerrascivisiorubanas.ComosdesembarcadoschegavamtambémnotíciassobreodesenrolardaslutasnaHauçalândia,noBornu,noBorgu,nopaísnupeenonortedoIorubo,eessasnovasdosavançosdaguerrasantadeviamcorrer rápidoporSalvador,de ruaemrua,decantoemcantode trabalho,decasa em casa onde houvesse muçulmanos, e enchê-los de júbilo e de esperanças. Os devotos decoraçãoexaltadonãoolvidavamqueojihadéumaobrigaçãodocrente,umaobrigaçãomaisdeumavezreafirmadaporUsumandanFodio.46Seriahumilhá-losaindamaisdoqueforamhumilhadosem

Page 139: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

vidanão imaginarque sonhassememcontinuar,neste ladodoAtlântico, a lutaqueparaeles tinhasidointerrompidacomaderrotaeacaptura.MasnemtodososislamitasqueviviamemSalvadorseenvolveramnarebelião.Em1916,Manuel

Querino,emAraçaafricanaeseuscostumesnaBahia,47aodarotestemunhodamaneiradeviveredosritosdosmalês,chegouanegarqueosmalês tivessemparticipadodarevoltade1835,porquenão encontrou na lista dos processados um único mandê, malinquê ou mandinga— e, para ele,malinquêerasinônimodemalê.Asrazõespelasquaisosmandingas,quedeviamserumapequenaminoriaentreosmoslinsdeSalvador,nãosejuntaramaosinsurretospodemtalvez—pensoeu—ser encontradasdooutro ladodoAtlântico.Enquanto, naÁfrica, prevalecia, entre osmuçulmanosfulas, hauçás, bornus, nupes e iorubás, um islamismomilitante, enraizado na pregação do ulemámagrebinoMuhammad ibne Abd alKarim al-Maghili e reforçada pelo xeque tuaregue Jibril ibneUmarepelopróprioUsumandanFodio,entreossoninquêsemandingasgozavadeenormeprestígioumatradiçãoditaquietista,quetinhaorigemnopensamentodoegípcioJalalal-Dinal-Suyuti,paraquemeramaismeritóriomanterapazdoquefazeraguerra,edoal-hajjSalimSuwari,deDia,emMacina, segundo o qual o islamita que vivia entre infiéis tinha de ser o mais estrito possível nocumprimentodesuasobrigaçõesreligiosas,masdeviaafastar-sedapolíticaedosconflitosarmados.Nãolhecabia,ademais,empenhar-seemproselitismo,excetopeloexemplo,umavezque todososhomens acabariam inevitavelmente por converter-se, cada qual na época em que Deus assimdeterminasse. O al-hajj Suwari recomendava a coexistência com os infiéis e, consequentemente,rejeitavaojihad.48ComojáacentuouPaulE.Lovejoy,tantoosdefensoresdaguerrasantaquantoosdacoexistência

estavam presentes em vários pontos das Américas, e o predomínio de um grupo ou de outroexplicariaoscomportamentosdistintosque tiveramosmuçulmanosdaBahia,majoritariamentedoIoruboedoSudãoCentral,eosdosuldosEstadosUnidos,vindossobretudodaSenegâmbiaedointerior da Costa do Ouro.49 No caso de Salvador, os mandingas ter-se-iam mantido fora dasrebeliõespelosmesmosmotivosqueos fizeramafastar-sedos jihadsnaÁfrica.Deviamvê-las,naBahia,comolevantesdehauçáseiorubás,quepoucoounadatinhamcomeles.Asdistinçõesétnicasajustar-se-iam, no caso, a diferenças de doutrinas interpretativas sobre os deveres dos crentes queviviamnodaral-harb,outerradosinfiéis.Noque era, paraosmoslins, a terrados infiéis e, para todosos africanos, a terradosbrancos,

gestaram-senovas identidades: angolas, jejes, nagôs,por exemplo.Nocasodosnagôs,que sóumpoucomaistardecomeçariamasereconhecernocontinenteafricanosobonomecomumdeiorubás,o compartir, apesar das diferenças dialetais, de ummesmo idioma e demodos de viver e valoresmaisdoquesemelhantes,aproximou,noexílioforçado,oiós,egbas,equitis,ijexás,ondoseoutrosgruposqueestavamnaÁfrica,muitosdeles,naquelemomento,aguerrearentresi.Formou-seumasolidariedadenagô.Poroutro lado, comomostracomacuidade João JoséReis, alémdaoposiçãoentre brancos, mulatos e negros, o escravismo baiano abriu fossos não só entre negros livres,libertos e escravos, mas também entre os escravos africanos e os crioulos, ou seja, entre osescravizadoseosquehaviamnascidonocativeiro.Entreaqueles,nãofaltavamosquetinhamsidoreduzidosàservidãodemodoilegal,porqueeram

muçulmanos.Umescravonãopodiaserumulemá,50masumulemápodiatornar-seumescravo,seaprisionadoporumímpio.Escravizado,nãodeixavadeserumulemá.Nessecasoestavamosmalanscujos retratos nos deixou com pincel fino João José Reis. Reis os mostra como articuladores elíderes da revolta, como os atores centrais da insurreição. E sai à procura, para identificá-lo, doimame ou lemano que talvez fosse o líder do levante. E aponta, como motivos imediatos dadeflagração do movimento armado, a prisão de um deles e a demolição da casinhota onde sereuniam,paraasprecesdasexta-feira,napropriedadedeuminglês.Essacasinhotaera,semdúvida,

Page 140: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

umamachacali,umamesquita,poisumacasadeoraçãopodeserumsimplespedaçode terraparaissodelimitadoporalgumasestacas.Seráportersidoeladestruídaqueelescelebrarãonumcômodode aluguel o Lailat al-Qadr, a “Noite da Glória”, a “Noite do Poder”, a “Noite do Destino”, nosderradeirosdiasdaqueleRamadãde1835.Eserianessequartoque,segurosdequeDeusestavacomeles,aguardariamaaurora,parasairàrua,vestidosdetúnicasbrancasedefilánacabeça,comosgrigrisalhesprotegeremocorpoeaalma,afimdeendireitaromundo.E aí eu esperava que João José Reis chegasse à conclusão para a qual nos vinha endereçando:

aquelaforaumarevoltamuçulmana,umaguerrajustaislâmica,umaguerrasantamoslim,umjihad.Naediçãobrasileiradeseulivro,eleconcede:“arebeliãocertamenteteveumadimensãoreligiosa,eparamuitosfoiatéumaguerrasanta,masdenaturezadiversadoclássico jihad.”51Numinstiganteensaiopublicado,poucodepois,eleinsisteemquenãotemdúvida“dequeareligiãoestruturouedeusentidoaoprotestosocialdosmalês”.52Numoutro,reconhecequeoislamefoi,narebeliãode1835,“umapoderosaforçaideológicaeorganizacional,earticuloupoliticamenteairaelibertosafricanoscontraosbeneficiáriosdaexploraçãoedaopressãoétnica”.53Eaindanoutro,emparceriacomPauloFernandodeMoraesFarias,54elechegaaescrever:“nãoéinteiramenteimpossívelqueomovimentofosseumjihadparaospoucosmuçulmanosinstruídosdavelhaguarda,masmesmonessecasoumjihadquetinhaporobjetivosuperarasituaçãodeexploraçãoeopressãosobaqualeleseamaioriadeseusseguidoresviviamnaBahia”—oqueseriaexatamentearazãodeserdemuitosdosjihads,acomeçarpelodeflagradonaHauçalândiaporUsumandanFodio.Naediçãonorte-americanadeseulivrosobrearebeliãode1835,noentanto,Reis,antesdeprivilegiarofatorétnico,aaliançaentreosnagôs,afasta-sedaguerrasanta,aodizer-nos:“apesardopapelcentraldo islameno levantemalê,nãohárazãoparapresumir-sequeomovimentofoi tidocomumjihadpeloscombatentescomunsnemafirmadocomotalporseuslíderes”.Earremata:“apresençaemesmoopredomíniodeideias,ritosesímbolosislâmicosnãoébastanteparafazerdeleumjihad.”55Não conhecemos, é bem verdade, a declaração escrita da guerra santa. Como escreve Reis, “a

leituradosautosrevelaqueacomunicaçãooralfoioprincipalmeiodemobilizaçãodainsurreição”,até talvez,comoaduz,paraprotegê-la.56Omanifestodo jihadpode ter corridodasbocasparaosouvidosenestes ter ficado, semqueumasópalavradelepassasseaosque investigaramo levante,pois, como também nos diz João José Reis, “os poucos que falaram não faziam parte do núcleocentraldaconspiraçãoe,portanto,nãosabiamdesuahistóriacompleta”.57 Penso, ao contrário deReis,masarrimadonoque,comtantavida,nosconta,queopredomíniodeideias,ritosesímbolosislâmicos,nummovimentoarmadocujoslídereseramulemásequeaspiravaatomaraterra,istoé,aconquistaropoder,temtudodeumaguerrasanta.Nãoquerocomissodizerquearebeliãode1835nãotenhasidoumarebeliãodeescravoseex-

escravos.Éóbvio—apalavraédeJoãoJoséReis58—queofoi,edasmaisimportantesdenossahistória. Foi também um levante de africanos, e dosmaiores que conhecemos. E uma insurreiçãonagô.Porémfoigestadapelosquea lideraramcomoumaguerrasanta.Umaguerrasantaquenãotomouumcariz,naarregimentaçãodecombatentes,muitodistintodaqueocorreranaHauçalândiaeemIlorin.Umaguerrasantanaqualnãosepodedestrinçar,porserislâmica,areligiãodapolítica.TenhodificuldadeemconceberqueclérigosmoslinsquetraziamdaÁfricaaexperiênciadojihad

seengajassemnumarevoltaqueJoãoJoséReisabrediantedenóscomocuidadosamenteplanejadaou,pelomenos,imaginada,semquenelaprevalecesse,comoopróprioReisnosindica,aideiadeseestabelecerummundomelhor59—ummundomelhorquesópodiaser,paramuçulmanosdevotos,aqueleemqueoestadoestivessesobocontroledoislame.Paraalcançarisso,numasociedadeímpiae injusta,sóhaviaos recursosouàhégira—oafastamentofísicodessasociedade—ouàguerrasanta.AumaguerrasantasemelhanteàquelaemquehaviamlutadonooutroladodooceanoeaquetalvezsonhassemdarprosseguimentonaBahia.

Page 141: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Paramim,omovimentode1835naBahia temtudodeumaguerrasanta, repito.Deumaguerrasantaquenãodeixadeserumaguerrasantapelofatodeaelase teremsomado,porsolidariedadeétnica,nagôsquenãoerammuçulmanose,pordesejodeliberdadeededesforracontraosbrancos,negrosdeoutrasnações,quesaíramàsruascomeles.OquenãoencontreinorelatodeReisforamnão islamitas com papel de relevo no preparo, no deflagrar e na condução do levante. Asolidariedade nagô pode ter engrossado os grupos de revoltosos e ser uma explicação para opredomíniodosiorubásentreosparticipantesdarevolta.Masforçaénãoesquecerque,haviaquaseduas décadas, o jihad na África e a expansão do califado de Socotô se davam no Iorubo, commujahiduniorubás,eque,emconsequência,ogrossodosmalêsnaBahiaeracompostopornagôs.Não só os iorubás haviam conhecido o jihad naÁfrica,60 como lá,muitos deles, embora fossemorgulhosos,tinhamacabadoporsubordinar,comofizeraamaioriadostambémorgulhososhauçás,suaslealdadesétnicasaosinteressesdeumaidentidademaisampla,ademuçulmanos,ademembrosdaumma,eaceitoaliderançafula.OpróprioReisnosdizqueosmalêssereconheciamentresi,naBahia, pelo uso nos dedos damão esquerda de dois anéis de prata ou ferro, e que esses anéis oukendé identificavamnaÁfrica osmuçulmanos aliados deAfonja.61O reverendoSamuel Johnson,por ele citado, foi mais explícito: o kendé era o que distinguia os que participavam do jihad noIorubo.62Recusa-se João JoséReis a ver nos rebeldesmalês “ferozes separatistas”, inimigos dos demais

africanos,quetinhampor idólatras.Nãosabemosdosplanosdosrebeladose,portanto,senelesseincluía, como afirmou Nina Rodrigues, o de “massacrar os africanos fetichistas”, junto com osbrancosecrioulos.63Oquetemossãoalgumasdeclarações,copiadaspelasautoridades,segundoasquais os rebeldes pretendiam eliminar “todos os brancos, pardos e crioulos”.64 Detenho-me naspalavras da liberta nagôGuilhermina: os conspiradores tinhampor objetivo tomar conta da terra,“matandoosbrancos,cabrasenegroscrioulos,bemcomoosnegrosafricanosqueserecusassemaaderir aomovimento”.65 Tomar conta da terra, isto é, transformar o dar al-harb onde viviam empartedodaral-Islam,edeleeliminarosopressoreseosseusaliados,entreosquaisseincluiriamosafricanosque“serecusassemaaderiraomovimento”.Dizendodeoutraforma,osafricanosquesejuntassemàrebeliãoseriamdeixadosemsossego.Tampoucoseriamincomodadososquecontraelanãoformassemousimplesmenteaaceitassem,conformeprescreveamelhordoutrinaislamita.Estaconsideravapontoforadediscussãoserilegalparaummuçulmanofazeraguerracontraumpagãoaquemseconcedesseapazouquesepusessesobo resguardodo islame .66NemoutracoisadizoAlcorão.Noverso4daSuraIX,afirma-sequeocastigoaosidólatrasnãoseaplicaàquelescomosquais os crentes tenham feito uma aliança e que não a violarem, ordenando que esta aliança sejarespeitada, enquanto puder durar. Rompida pelosmalês a dominação branca, isto é, substituído ogovernodos ímpiosporumestado islâmicoe castigadosos seus cúmplicesmulatos e crioulos, omaisprovável—comosugereJoãoJoséReis67—équeseestabelecesseapazcomosnãobrancos.Isso não significa que os adeptos das religiões tradicionais africanas viriam, caso vencesse o

movimento,aterumasituaçãodeigualdadenanovaordemsocial.Sóateriamseseconvertessemaoislamismo. Mesmo numa Salvador regida por cristãos, vejo nos depoimentos recolhidos pelasautoridadessinaisclarosdequeosmalêsolhavamcomreservaeatéumapontadedesdémtantoosnegroscatólicosquantoosqueconsideravamidólatras,aosquaisnãohesitavamemchamarcafres.Essa reserva e esse desdém só aumentariam, caso o movimento tivesse sido vitorioso. Numasociedadeorganizadasegundoaleidivina,impõe-se—eassimpensavaUsumandanFodio—umaclaraseparaçãoentrefiéiseinfiéis.Estesúltimosdelanãofazemreal-menteparte;aelaseagregam,ou como escravos, ou como protegidos, que pagam pela proteção tributos especiais. Nenhummuçulmanopio,quesoubessedecoroAlcorãoouolessesemprequelhopermitissem,pensariadeforma distinta, por mais que, “além da comunhão religiosa”, “outros elementos de integração e

Page 142: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

solidariedadesociais”lhestecessemavida.68Reistemrazão:“nãotemosprovasdequeomonopólioreligioso”fosseoprincipalobjetivodos

malês“em1835ouqualqueroutromomento”.69Nemtampoucodequenãofosse.Creio,noentanto,que não precisamos delas. Na história da expansão militar do islame há muitos episódios deimposiçãodaexclusividadedafépelaespada,masessesepisódios,apesardenumerosos,nãosãoaregra.Aregrafoiqueseinstalasseumgovernoemmãosmuçulmanasequeseaplicasseaxariánosterritóriosconquistados,semexigirdosqueoshabitavamqueabandonassemassuascrenças,desdequeseconformassemcomaposiçãodesubalternidadeeprocedessemaopagamentodos impostosrequeridos.Deu-seassimdesdeoiníciodairradiaçãoimperialdoislame,poisumdosprincípiosdosegundocalifa,Omar,eraodequeaspopulaçõesqueaelesesubmetiamdeviamserincomodadasomínimopossívelemseusmodosdevida.70Ojihadbaianonãosefezcontraossantuáriosreligiososdenagôs,jejeseangolas;fez-secontrao

Império do Brasil, o governo da Bahia, os senhores de escravos, os brancos e seus aliados ecúmplices.Contraodomíniodos incréus,dosquenãoprofessavamo islame ,nãoaplicavama leidivina,escravizavamosmuçulmanoseosoprimiam.Épossívelque,numsegundomomento,elaseestendessecontraosidólatras,masfoiconcebidaparacorrigirumasituaçãopolíticainaceitávelparaumverdadeirocrente.PiordoqueadaHauçalândia,quandoaaçoitou,paralibertá-ladaopressãoedaimpiedade,UsumandanFodio.Olevantede1835foi—disseramosmalêsbaianos, trintaanosdepois,aoimameturcoAbdal-

Rahman ibneAbadallah al-Baghadadi al-Dimashqi— uma guerra deles contra os cristãos, isto é,contra os brancos, na qual “os negros tinham intenção de controlar as terras”. Abd al-Rahmancomentaque“araizdesselevanteestavaemumacomunidademuçulmanaquehaviaentreosgrupos[religiosos]denegros”.Eapósafirmarqueforamosdessascomunidades“quedecidiramessacoisaentresi”,acrescentaque,emconsequênciadaguerra,osmuçulmanosdaBahia“negam[declarar]suareligiãoatéhoje,portemordoperigodequeoscristãos,senotaremquealguémsegueoislã,talvezomatem,odeportemouo encarceremparao restodavida”.71Quemdivulgou essedocumento72ressalta,paranegarque tenhahavidoem1835umaguerrasanta,queo imame turconãose referejamais ao levante dos malês como jihad, mas, sim, como harb, ou simplesmente guerra,acrescentandoqueAbdal-Rahman“presumivelmente(...)nãoimaginariaqueumpequenogrupodemuçulmanosemminorianodaral-harbquisesselevaracaboumjihad”.73ÉpossívelqueoclérigodeIstambul tivesseessadificuldade,sobretudodepoisdeter tidotanto trabalhopara,durantequasedoisanos, tentar corrigirocomportamento,paraele frouxoe imperfeito,dos islamitasdoRiodeJaneiro,que,por exemplo,nãoobrigavamsuasmulheres aousodovéuenãocumpriam todas asnormasdojejumnoRamadã.SuareaçãoaoislamequeencontrounoRionãoseriadistintadaqueteriaumpadredoutoremteologiaporCoimbra,aoterdehaver-se,numaparóquiabrasileira,comcertos aspectos do catolicismo popular. Embora Abd al-Rahman não aplique a palavra jihad aolevantede1835,eleotemcomourdidopormuçulmanos,comoobjetivodetomaraterra—como,portanto,leioeu,umaguerrasanta,naqual,insisto,oreligiosoeopolíticosetorcemnumsófio.Ignorose,pelasrotasdotráfico,ocalifaMuhammadBelloeosletradosdeSocotô,aosquaisnão

faltava a consciência de que pertenciam a uma das fronteiras domundomuçulmano, tinham umanoçãoclaradeque,paraalémdela,nooutroladodooceano,havia,noRecôncavoBaiano,umailhade islame , sob o domínio de infiéis, e se, sabedores disso, tiveram conhecimento da rebelião de1835,dessarebeliãoqueJoãoJoséReis,nasduasversõesdeseuexcelentelivro,descrevecomoumverdadeirojihad,emboraserecuseadarestenomeaoquedescreve.Jáem1812,Bellocondenava,emseutratadoInfaqal-maisur,avendadeescravosaoscristãoseindignava-secomOió,porqueestereinomandavaseusprisioneirosmuçulmanosparaosmercadosdacosta.74Nãoseriadeespantarquenão perdesse o interesse pelo destino deles no outro lado do mar. E, assim como não passou

Page 143: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

despercebido ao califa o retorno doBrasil de ex-escravosmoslins, responsáveis em grande partepelapropagaçãodoislamismonascidadesquepontuamoslitoraisdogolfodoBenimeporalgumasdesuasprimeirasmesquitas,épossívelquetenhatambémtidoconhecimentodossucessosde1835.OsclérigosdeSocotôedosemiradosdeledependenteshaviamherdadodoShehuedeAbdullahidanFodioogostoeodeverdaescritaeoscompartilhavamcomocalifa,asuairmãAsma,oseuirmãoIsa dan Shehu e o seu cunhado e vizirGidado danLaima, que, somados, produziram centenas deobraspoéticas, teológicas, jurídicasehistóricas.Setiveramnotíciadainsurreiçãomalê,podemterdeixadonosarquivosdeSocotôoregistrodoquesouberam,esperançosos,cépticosoudesalentados.Etalveznessesarquivos,quandoseabriremaospesquisadores,seencontrealgumindícioouecodavinculaçãodolevantebaianoàspalavraseàsaçõesdeUsumandanFodioeseusdiscípulos.Talvez.

2001.

Page 144: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

NOTAS

1SãoPaulo,Brasiliense,1986.Asminhasreferênciassãoà2aedição,de1987.2Trad.deArthurBrakel,Baltimore:TheJohnsHopkinsUniversityPress,1993.3OsafricanosnoBrasil,revisãoeprefáciodeHomeroPires,SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional(Brasiliana),1932.4“Osmalês”,RevistadoInstitutoHistóricoeGeográficoBrasileiro,LXXII(1909),p.69-126.5Fluxetrefluxdela traitedesnègresentrelegolfedeBéninetBahiadeTodososSantosduXVIIeauXIXesiècle,Paris:Mouton,

1968;TradeRelationsbetweentheBightofBeninandBahia,17th-19thCentury,Ibadan:IbadanUniversityPress,1976;Fluxo erefluxodotráficodeescravosentreogolfodoBenineaBahiadeTodososSantos,dosséculosXVIIaXIX,SãoPaulo:Corrupio,1987.

6Rebeliãoescrava,p.136.7Ibidem,p.151.8Ibidem.9Ibidem,p.169-196.10Ibidem,p.150.11Sobretudooversículo29daSuraIX.NatraduçãodeJoséPedroMachado(Alcorão,Lisboa:JuntadeInvestigaçõesCientíficasdo

Ultramar, 1980): “Matai os que não creem emDeus, nem noDia derradeiro, que não consideram proibido o queDeus e o SeuprofetaproibirameaquelesdeentreoshomensdoLivroquenãoprofessamacrençadaverdade,atéquepaguemotributo,todossem excepção, e fiquem humilhados.” Ou, naminha tradução da tradução francesa constante do verbete “jihad” do Dictionnairehistoriquedel’islam,deDominiqueeJanineSourdel(Paris:PressesUniversitairesdeFrance,1996):“CombateiosquenãocreememDeusnemnoÚltimoDia, osquenãodeclaram ilícitooqueDeus eoSeu enviadodeclararam ilícito, osquenãopraticamareligiãodaverdade,entreosdetentoresdaEscritura,atéquepaguemajizya,outributo,emcompensaçãoporesseprivilégioeporcausadesuainferioridade.”

12M(urray).Last,“TheSokotoCaliphateandBorno”,emUnesco(org.),GeneralHistoryofAfrica,v.VI,org.J.F.AdeAjayi(Londres:Heinemann/UniversityofCaliforniaPress/Unesco,1989),p.558.

13Reis,Rebeliãoescrava,p.150.14Sobrealgumasdessaspráticas,R.A.Adeleye,“HausalandandBorno”,emJ.F.AdeAjayieMichaelCrowder(org.),HistoryofWest

Africa,v.1,3aed.(Londres:Longman,1985),p.620-621.Asrazõesexpressasdaguerrasanta,nomanifestodeUsumandanFodio,emA.D.H.Bivar,“TheWathiqatahlal-Sudan:aManifestooftheFulaniJihad”,TheJournalofAfricanHistory,v.II(1967),n°2;eThomasHodgkin,NigerianPerspectives:anHistoricalAnthology,2aed.,Londres:OxfordUniversityPress,1975,p.247-249.

15MervynHiskett,TheSword ofTruth: theLife andTimes of the ShehuUsuman danFodio,NovaYork:OxfordUniversity Press,1973,p.42,121-125;PeterB.Clarke,WestAfricaandIslam,Londres:EdwardArnold,1982,p.120e121;MervynHiskett,TheDevelopmentof Islam inWestAfrica,Londres:Longman, 1984, p. 160-161;MervynHiskett, “TheNineteenth-Century Jihads inWestAfrica”,emJ.D.FageeRolandOliver(org.),TheCambridgeHistoryofAfrica,v.5,org.JohnE.Flint(Cambridge:CambridgeUniversity Press, 1976), p. 133-134;A.Batran, “TheNineteenth-Century IslamicRevolutions inWestAfrica”, inUnesco (org.),GeneralHistoryofAfrica,v.VI,cit.,p.539.

16R.A.Adeleye,PowerandDiplomacyinNorthernNigeria,1804-1906,Londres:Longman,1977(1aed.,1971),p.19-21;Hiskett,TheSwordofTruth,p.79-80;J.SpencerTrimingham,AHistoryofIslaminWestAfrica,Londres:OxfordUniversityPress,1975(1aed., 1962), p. 200; Hiskett, “The Nineteenth-Century Jihads”, p. 132 e 138; Elizabeth Isichei, A History of Nigeria, Londres:Longman, 1983, p. 205; Hiskett, The Development of Islam, p. 104-105; Murray Last, “Reform in West Africa: the JihadMovementsintheNineteenth-Century”,emJ.F.AdeAjayieMichaelCrowder(org.),HistoryofWestAfrica,v.2,2aed.(Londres:Longman, 1987), p. 7-8, 20-21;R.A.Adeleye eC.C.Stewart, “TheSokotoCaliphate in theNineteenth-Century”, emHistory ofWestAfrica,v.eed.cit.,p.96e97;Batran,“TheNineteenth-CenturyIslamicRevolutions”,p.547-548.

17OmarBello,“ThePoliticalThoughtofMuhammadBello(1781-1837)asRevealedinhisArabicWritings,moreSpeciallyAl-ghaytAl-wabifiSiratAl-imanal-‘adl”,tesededoutorado,SOAS(UniversidadedeLondres),1983,p.184,cit.porJoséCairus,“Jihad,Captivity and Redemption: Slavery and Resistance in the Path of Allah, Central Sudan and Bahia”, apresentado no seminário“SlaveryandReligionintheModernWorld”,Essaouira(Marrocos),junhode2001.

18PaulE.Lovejoy,“ProblemsofSlaveControlintheSokotoCaliphate”,emPaulE.Lovejoy(org.),AfricansinBondage:StudiesinSlaveryandtheSlaveTrade(Madison:AfricanStudiesProgram,UniversityofWisconsin,1986),p.236.

19Hiskett,“TheNineteenth-CenturyJihad”,p.138.20AlhajjSaid,cit.porTrimingham,IslaminWestAfrica,p.47-48;eporAllanG.B.FishereHumphreyJ.Fisher,SlaveryandMuslim

SocietyinAfrica:theInstitutioninSaharanandSudanicAfricaandtheTrans-SaharanTrade,Londres:C.Hurst&Co.,1970,p.24.21 Hiskett, The Sword of Truth, p. 79-80;M.A.Al-Hajj, “TheMeaning of the Sokoto Jihad”, emY.B.Usman (org.), Studies in the

Historyof theSokotoCaliphate (NovaYork:Third Press International, 1979), p. 3-19; PaulE. Lovejoy, “Slavery in the SokotoCaliphate”,emPaulE.Lovejoy(org.),TheIdeologyofSlaveryinAfrica(BeverlyHills:SagePublications,1981),p.210-214;e“The Muslim Factor in the Trans-Atlantic Slave Trade”, comunicação apresentada à Conferência sobre a África Ocidental e as

Page 145: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Américas: repercussões do tráfico de escravos, University of West Indies, Mona, Jamaica, 20-23 de fevereiro de 1997, p. 11;BeverlyB.Mack, “WomenandSlavery inNineteenth-CenturyHausaland”, emElizabethSavage (org.),TheHumanCommodity:PerspectivesontheTrans-SaharanSlaveTrade(Londres:FrankCass,1992),p.89-90.Sobreosquepodemeosquenãopodemserescravizados, segundo Usuman dan Fodio, John RalphWillis, “Jihad and the Ideology of Enslavement”, em John RalphWillis(org.),Slaves&SlaveryinMuslimAfrica(Londres:FrankCass,1985,I),p.16-26.

22Ver relatodo irmãodeUsumandanFodio,Abdullahi,conformeconstado livrodoShehu,Tanbihal-ikhwan, e é reproduzido emAlahjiShehuShagarieJeanBoyd,UthmandanFodio:theTheoryandPracticeofhisLeadership,Lagos:IslamicPublicationsBureau,1978,p.8e9;eparcialmenteemTrimingham,AHistoryofIslam,p.198;Hiskett,TheSwordofTruth,p.71-72;Isichei,AHistoryofNigeria,p.204.

23Rebeliãoescrava,p.150-151.24D.M(urray).Last,TheSokotoCaliphate,Londres:Longman,1967,p.7.25J.SpencerTrimingham,IslaminWestAfrica,Oxford:ClarendonPress,1959,p.39e147;Hiskett,TheSwordofTruth,p.143.26Hiskett,TheSwordofTruth,p.141.27Hiskett,TheSwordofTruth,p.109-110;Hiskett,“TheNineteenth-CenturyJihads”,p.142-143;Clarke,WestAfricaandIslam, p.

116-117; Hiskett, The Development of Islam in West Africa, p. 194-197. Excertos das cartas trocadas em Thomas Hodgkin,NigerianPerspectives,p.261-267.

28RobertS.Smith,Kingdomsof theYoruba,Londres:Methuen,1969,p.138;RobinLaw,TheOyoEmpire c. 1600-c.1836: aWestAfricanImperialismintheEraoftheAtlanticSlaveTrade,Oxford:ClarendonPress,1977,p.75-76;T.G.O.Gbadamosi,TheGrowthofIslamamongtheYoruba,1841-1908,Londres:Longman,1978,p.4-7;J.F.AdeAjayi,“TheAftermathoftheFallofOldOyo”,inJ.AdeAjayieMichaelCrowder(org.),HistoryofWestAfrica,v.2,2aed.,p.188-189;Clarke,WestAfricaandIslam,p.106.

29Law,TheOyoEmpire,p.75.30E.G.Parrinder,TheStoryofKetu,anAncientYorubaKingdom,Ibadan,1956,p.33-34e52-53.31J.B.O.Losi,TheHistoryofLagos,Lagos,1914,p.21-23.32SamuelJohnson,TheHistoryof theYorubas,Lagos:C.S.S.Bookshops,1976 (a1a ed. é de 1921,mas o livro foi concluído em

1897), p. 193-194, 197-200 e 202-205; Smith, Kingdoms of the Yoruba, p. 140-143; Law, The Oyo Empire, p. 248-260;Gbadamosi,TheGrowthofIslam,p.8-11;Ajayi,“TheAftermathoftheFallofOldOyo”,p.186-190;Hiskett,TheDevelopmentofIslam,p.186.

33ComojáressaltouIsichei,AHistoryofNigeria,p.215.34Journal of aSecondExpedition into the Interior ofAfrica, from theBight ofBenin toSoccatoo,Londres: FrankCass, 1966 (fac-

símileda1aed.,de1829),p.39.35Law,TheOyoEmpire,p.258;Gbadamosi,TheGrowthofIslam,p.11-12.36OsafricanosnoBrasil,p.67.37 João JoséReis eP.F. deMoraesFarias, “IslamandSlaveResistance inBahia,Brazil”, em Islamet sociétés au sudduSahara, 3

(1989),p.45-46;eReis,SlaveRebellion,p.47.38MenezesdeDrummond,“Lettressurl’Afriqueancienneetmoderne”,JournaldesVoyages,32(1826),p.205-216.39Ver, a respeito, PaulE.Lovejoy, “Background toRebellion: theOrigins ofMuslimSlaves inBahia”, Slavery&Abolition, 15, 2

(1994),p.164-167e176-180.40TraduzodaversãoinglesadeMervynHiskett,TheSwordofTruth,p.64-65.41ComosugerePaulE.Lovejoy,“Jihadeescravidão:asorigensdosescravosmuçulmanosnaBahia”,Topoi,1(2000),p.12.42ReiseFarias,“IslamandSlaveResistance”,p.53.43 Renseignements sur l’Afrique centrale et sur une nation d’hommes à queue qui s’y trouverait, d’après le rapport des nègres du

Soudan,esclavesàBahia,Paris:P.Bertrand,1851,p.46-48.44CorreioMercantil,RiodeJaneiro,21e28deoutubrode1853.45 “Analyse de25documents arabes desMalés deBahia (1835)”,Bulletinde l’InstitutFondamentaled’AfriqueNoire, B, 29, 1-2

(1967),p.90-91.46Ver,porexemplo,asinstruçõesdoShehuaonovoemirdeBauchi,emLast,“ReforminWestAfrica”,p.35.47EmCostumesafricanosnoBrasil,2aed.,prefácio,notaseorganizaçãodeRaúlLody,Recife:EditoraMassangana,1988,p.66a73.48LaminSanneh,“TheOriginsofClericalisminWestAfricanIslam”,TheJournalofAfricanHistory,XVII,1(1976),p.57e63;Ivor

Wilks,“ConsulDupuisandWangara:aWindowonIslaminEarly-Nineteenth-CenturyAsante”,SudanicAfrica,6(1995),p.61.49“CernerlesidentitésauseindelaDiasporaafricaine:l’islametl’esclavageauxAmériques”, trad.deRaphaëlleMasseaut,Cahiers

desAnneauxdelaMémoire,1(1999),p.272-274.50ComoobservaReis,Rebeliãoescrava,p.164-165.51Rebeliãoescrava,p.155.52 “Um balanço dos estudos sobre as revoltas escravas naBahia”, em João JoséReis (org.), Escravidão e invenção da liberdade:

Page 146: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

estudossobreonegronoBrasil(SãoPaulo:Brasiliense,1988),p.114.53“Olevantedosmalês:umainterpretaçãopolítica”,capítuloescritoparaolivrodeleedeEduardoSilva,Negociaçãoeconflito:a

resistêncianegranoBrasilescravista,SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1989,p.112.54“IslamandSlaveResistance”,p.58-59.55SlaveRebellion,p.127-128.56“Umbalançodosestudos”,p.131.57Rebeliãoescrava,p.136.58Em“Olevantedosmalês”,p.100.59Rebeliãoescrava,p.136-137.60AocontráriodoqueafirmaReis,SlaveRebellion,p.127.61ComoregistrouReis,SlaveRebellion,p.104.62TheHistoryoftheYorubas,p.194.63OsafricanosnoBrasil,p.67.64Reis,Rebeliãoescrava,p.147-148.65NinaRodrigues,ob.cit.,p.79.66VeromanifestodojihaddeUsumandanFodio,emHodgkin,NigerianPerspectives,p.248.67AdaptoaomeupensamentooqueescreveuReisnap.149deRebeliãoescravanoBrasil.68UsoaspalavrasdeReis,Rebeliãoafricana,p.135.69Ibidem.70UmaboademonstraçãodissoemIraM.Lapidus,AHistoryofIslamicSocieties,Cambridge:CambridgeUniversityPress,1988,p.

37-53.71RosemarieQuiring-Zoche,“Lutareligiosaoulutapolítica?OlevantedosmalêsdaBahiasegundoumafonteislâmica”,Afro-Ásia,

19-20(1997),p.234.72PrimeironarevistaSudanicAfrica,6(1995),p.115-124,sobotítulo“GlaubenskampftoderMachtkampf?DerAufstandderMalé

vonBahianacheinerIslamischenQuelle”.73“Lutareligiosaoulutapolítica?”,p.236-237.74Lovejoy,“SlaveryintheSokotoCaliphate”,p.213-214;“TheMuslimFactorTrade”,p.6;e“Cernerlesidentités”,p.265.

Page 147: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

D

Acasadoescravoedoex-escravo

aminhaprimeiraviagemdeautomóvelentreAcraeLagos,em1961,guardo,entremuitasoutras,duas imagens: a de umamulher encurvada, a varrer o pátio de sua casa comumavassoura de

cabocurto,feitadegravetos,eadeumrapazola,comaplantadopé-direitonafaceinteriordacoxaesquerda,encostadoàaberturadaportadeumacabanacomparedesdesopapoecoberturadepalma,envolvida, juntamente com várias outras, por uma cerca de esteiras. A vassoura de gravetos, omeninotenachamadaposiçãodosocóeacercadeesteiraeramfamiliaresàmemóriademeusolhos.Sóqueasesteiras,nosmocambosdosareaisdeminhainfânciaemFortaleza,nãosedispunhamaoredordeumgrupodecasinholas,masdelimitavamemcadaumadelasoquesetinhaporumpequenoquintal.Omocambonordestinoerguia-secomparedesdepauapiqueoudepalha,demodo idênticoàs

aldeiasque fui então encontrando, durante as váriasviagensque fiz pelo interior daquelaparte daÁfricaAtlântica.Apresentava,porém,na fachadada frente,umaouduas janelas, epossuía,muitasvezes,nosfundos,umasegundaporta,podendo,emalgunspoucoscasos,tertambémumavaranda.Adiferençaquesaltavaàvista,numapaisagememqueatéavegetaçãocircundanteaproximavadaquedeixaranooutroladodooceano,eraacobertura:noladobrasileiro,quasesempreemduaságuas.Jánamargem africana, os tetos eram, aqui, também de duas águas, porém, acolá, se dispunham emcone,emcalotaoumeiaesfera,empirâmideouemquatroáguas.OqueoolharmediziaeraqueaparededesopapoforalevadapelonegroparaoBrasil,ondeessa

técnica,acasar-secomobarreadosemelhantequesetransplantaradePortugal,eadeslocarataipadepilão,deusoemváriaspartesdoterritórioportuguês,sobretudonaEstremadura,noAlentejoenoAlgarve,sedifundiraepredominaranasconstruçõesdoescravo,doliberto,doingênuo,domestiço,dobrancopobreeatédoameríndioemcontatocomesses.Entretodasasformasdehabitaçãoqueseconheciam nas regiões de onde foram arrancados cativos que vieram ter ao Brasil, a de basequadrada e teto em duas águas se somou e combinou aomais simples dos desenhos da habitaçãorústicaportuguesaeseimpôssobretodasasdemais.Essacasadesopapooubofetão—achamada“casadecaboclo”,deminhameninice—,deplantaretangular,comumúnicoaposentooudivididaem dois ou três pequenos cômodos, tornou-se a morada do trabalhador rural, do agregado, dopequeno agricultor, na maior parte do território brasileiro, e se encontra até mesmo naquelesquilombosqueficaramescondidosdorestodopaísatéhápoucasdécadas.Comotempo,outrasviagens(algumasdelasnãosópelointeriordeGana,doTogo,daRepública

doBenimedaNigéria,mastambémdosCamarões,doCongoouZaireedeAngola)eoconvíviocom livrosescritosentreos séculosXVIeXIX,nosquaisnão faltamdescriçõesnemgravurasdecasasdepovosafricanosquevieramteraoBrasil,foi-seacentuandoemmimaestranhezapornãoencontrarnosdepoimentosdopassado,porexemplo,quese tenhareproduzidonaBahiadoséculoXIXaelaboradaarquitetura iorubana,que,comsuaausênciadeângulos, suasparedesgrossasquenãohesitameminclinar-seeseuspátiosinternosalpendrados,tambémjásefezraranaNigéria.Osiorubásmarcaram em tudo a vida baiana,mas, se algum dia construíram de acordo com os seuscânones—esuponhoqueofizeram—,dessasedificaçõesnãorestaramregistrosnemdescendência,a não ser, talvez, nas senzalas compridas, com uma só varanda a sombrear as várias portas quefechamcubículossemjanelas.TampoucovinoBrasilcasasdebasecircular,nem,oqueécomumem

Page 148: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

tantos pontos daÁfrica, os rebocos amassados comazeite de dendê,manteiga de carité ou outrosóleosealisadosaoextremo,comosetrabalhadospormãodeceramista,paraformar,tantonoladoexternoquantonointernodasparedes,umasuperfíciedura,impermeável,quasepolidaedegranderesistênciaàaçãodosol,dachuvaedotempo.Uma técnica como essa, por sua utilidade, não seria provavelmente esquecida, se tivesse sido

aplicada com uma certa frequência no passado. O mesmo não se diria das colunas esculpidas asustentaremostetosdasvarandasdosagboilê,ou“rebanhosdecasas”1iorubanos,dosarabescosemrelevo das fachadas dasmoradias hauçás, nem,muitomenos, das abóbadas que se veem em suasmesquitas e seus palácios. Como eram requintes dos aristocratas e dos ricos, não teriam por queserem adotados pela escravaria. Acresce que tanto as colunas esculpidas dos nagôs quanto asabóbadas e as fachadas profusamente decoradas dos hauçás seriam então, como hoje, obras deespecialistas,eestesdeviamsertãoprezados,que,cativos,nãosevendiamparaforadacomunidadequeoscapturara.Aosportosdotráficoatlânticosóexcepcionalmentechegariamartistaseartesãosdealtaqualidade.

Nas regiões onde eles compunham castas, não se escravizavam os ferreiros, os escultores, ostecelões,osceramistas,nemosbardosougriots.E,ondenãoeramcastados,pensoquedificilmenteum rei ou chefe se disporia a vender um bom escultor ou uma poteira de qualidade que tivessecapturadoemguerraourazia.Guardava-osparaoseuserviço.Ou,seobrigadoavendê-los,poreleoupor ela procuravaobter umpreçomuitomais altodoquepagaria ummercador a serviçodoseuropeus,quegeralmentevianocativoumbraçoparaotrabalhoepoucointeressedemonstravaporsuasaptidões,anãoser,parece-meclaro,quefosseumferreiro.Jáumacomunidadevizinha,capazde avaliar as qualidades do entalhador ou da oleira, poderia, apesar do preço alto, considerar aaquisiçãoumbomnegócio.Opequenonúmerodemestresdeseusofíciosnosnaviosnegreirospoderia serumadas razões

pelasquaisasescavações feitasemPalmaresnão revelaramcerâmica, senãoexcepcionalmente,detipoafricano,mas, sim,entreoutras, adeestilo tupinambá.2Épossívelque isso se tenhadevidoaumapresençadeameríndiosnoquilombomuitomaiordoquepensávamos,esobretudodemulheresameríndias, mas pode também justificar-se pela pequena presença ou mesmo ausência, durante oprimeiro século do tráfico, de oleiras africanas, o que fez com que os palmarinos adotassem osestiloslocais.Muitoemborasejampatentesasinfluênciasdediferentespovosafrica-nosnacerâmicapopular de várias regiões brasileiras, não sei noBrasil dos enormes potes celeiros e sinto que seempobreceudeformasaartedobarroafricana,aoatravessaroAtlântico.O não terem desembarcado escravos que fossem bons artistas nos portos brasileiros explicaria

igualmenteaescassezdeesculturafeitaporafricanosparaosseuscultosnoBrasileporque,quandocomparadaàquesecriavaesecrianooutroladodoAtlântico,lhefaltaqualidade,forçaerequintede acabamento. Com essa relativa pobreza contrastam também as excelentes imagens de santoscatólicos e as talhas de altares de igrejas devidas, nos séculos XVIII e XIX, a escultores negros,muitosdeles escravosouex-escravos.Eramestes, contudo,quase sempre crioulos e treinadosnastécnicaseuropeias,porcujospadrõesestéticosseregiam,aindaqueemseussantoseanjospossamencontrar-sefeiçõesnegrasoumulataseemsuasobras,reminiscênciasafricanas.Ainda que um bom escultor fosse vendido ao Brasil, quem o comprava sequer tomava

conhecimentodequeeraumartista—nãosetinham,aliás,porobradearteaquelesmanipançosquesefaziamnaÁfrica—eoendereçavaaostrabalhosnoengenhodecanaounafazendadecafé.Sefossepostocomoescravodeganho,cedoeleprópriodescobririaqueeramaisbemremuneradonaestivaenocarregodeliteirasdoqueaesculpirimagensparaasquais,emborahouvesseprocura,apagaerapouca.Comotinhaporclientelacomunidadesdecrentespobresesantuáriosmalvistospelasautoridades,nãohaviaquemsustentasseoseuofícioelhepagassebem,comonaÁfrica.3

Page 149: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Aexceção,entreosartistas,parecetersidooourives.Assimcomoosnegreiros,desdeosúltimosanosdoséculoXVII,comasdescobertasdoouronoBrasil,passarama ter tamanho interesseporcativosquesoubessemminerá-lo,queospagavamaosacãscomometalamarelo,épossívelquenãopassassedespercebidoaocompradorbrasileirooescravoquesabia trabalharoouroe fazer joias.Esse ourives não atenderia apenas à demanda branca. Uma boa parcela de seu mercado seriacomposta por escravas e ex-escravas, que tinham nas joias uma forma relativamente segura depecúlio,oqueexplicariaainfluênciaiorubananaourivesariabaiana,tãoevidentenaspulseirasemcopo,nosbalangandãsenaspencasdeprata.Um escravo africano, ainda que adolescente, teria, quando livre, em sua aldeia, participado da

construçãodemaisdeumacasa,doreparoperiódicodesuasparedesedorenovodesuacobertura.Teria aprendido pela prática a trançar as palmas, a sobrepor as camadas de capim nos tetos, aentrecruzarasripasouascanasparaformarogradeadodasparedes,antesdeenchê-locombarro.4Tudoissoeleconseguiriafazernumafazendabrasileira,juntoaoutroscompanheirosdeservidão,aseguiromodeloimpostopelosenhor,ouumoutrodeexecuçãomaisrápidaoumaissimples,ouoque ali já encontrara, introduzido pelos que tinham chegado antes dele, vindos provavelmente deregiõescomoaschamadasCostadosEscravoseCostadeAngola,estaaestender-sedosuldoGabãoaBenguela,áreasondepredominavamascasascomtetoemduaságuas.Oqueeleeseuscamaradasnão lograriam, a não ser que contassem com um mestre do ofício, seria erguer casas maiselaboradas,comoasdaselitesedos, iorubanas,hauçásou fulas.Nemos seus senhores tinhamusoparaelas.Nãoeramincomunssenzalascompostasporváriascabanasdeplantaquadradaouretangular,com

paredesdetábuas,deadobeoudetijolos,àeuropeia,oudesopapooupalha,pisodeterrabatidaecomuma só porta e sem janelas, à africana.Muitas eramdiminutas: não tinham—assimnos dizLouisVauthier5—maisde trêsmetrosemeiode lado.Épossívelqueemalgunspoucoscasosseerguesseemcilindroocorpodacasinhola,mas,setalsedeu,omodelonãosemultiplicou.Quandode parede de palha, as técnicas e as formas de construção tanto podiam ser portuguesas, quantoameríndiasouafricanas.Osrelatosoitocentistas,quenãosealongamsobreasmoradasdosescravos,sãoavarosempormenoressobreasparedeseacoberturadascubatas—e,noentanto,sabemosquesedispõem,fixameentrançamdemaneiradistintaasfolhasdocoqueiro,aspalmasdodendezeiro,dapindoba,dainajá,dabarrigudaoudoburiti,oslequesdecarnaúbaeaspalhasdosapéedocapim-açu.Nos estabelecimentos com numerosa escravaria, muitos senhores adotaram como norma, em

matériadesenzala,aconstrução retangular,de frente larga,comousemalpendre,adividir-seemvárioscubículosestreitos,cadaqualcomsuaporta,comfortefechadura,comosefossemcelasdeprisão. Noutros, havia grandes dormitórios coletivos, verdadeiros depósitos de escravos, de pé-direitoalto,cobertosdetelha,semjanelasecomumaúnicaporta.Numdeles,dospouquíssimosqueotempo,odesleixoeoremorsonãodestruíram,veem-se,antesdajunçãodopisodetábuacorridaàsparedesdemadeira,umasmuretastambémdemadeira,que,comoindicamosolhais,eramtroncoscoletivosparaoaprisionamentodemãosepésdeescravos.Aportadesseergástulo,demadeiradurareforçada por barras metálicas, possuía um sistema de três fechaduras superpostas.6 Em muitoscasos,numasóusinaoufazenda,combinavam-sediferentestiposdesenzala:osescravossolteiros,divididos por sexo, ficavam nos dormitórios coletivos; os casados e com família, em cabanas ouquartosseparados.Emalgumaspropriedadesrurais,sobretudonaprósperazonacafeeiraoitocentista,haviasenzalas

cuja fachada era acompanhada por uma longa varanda e que se dividiam em compartimentosrelativamenteamplosedotadosdejanelas.Eram,porém,desecontarempelosdedosessassenzalasamplasearejadas,nasquaissetraduziaozelodograndeproprietárioruralpeloseuinvestimentoem

Page 150: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

mão de obra forçada. Numa dessas fazendas de café, em Paraíba do Sul, o conde de Castelnauencontrou,em1843,atémesmoumpequenohospitalparaoatendimentodosescravosdoentes.7Eumpoucomais tarde, findas as importaçõesde africanos, passoua servantajoso, nos cafezaisdeSãoCarlos,naprovínciadeSãoPaulo,contratarmédicosparaatender,demodosistemático,àsaúdedosescravos.8Essescuidadoscoma saúde, aalimentaçãoeamoradiadosescravos,nummomentoeemduas

áreas emqueo café dava enormes lucros e eramuito cara a escravaria, não se tinhampor regra.Muito pelo contrário. Se, em certas casas-grandes dos barões cafeeiros, alguns dos escravos eescravasqueprestavam serviçosdomésticos tinhamcômodospróprios, nos fundosdoprédio, naságuas-furtadas ou noporão, ou passavama noite, quando amas de crianças pequenas, nos quartosdestas,namaioriadoscasoselesdormiamondeencontrassemlugar,nacozinha,noscorredores,novãodasescadas,naestrebaria,nacocheira,nosdepósitosou,quandodetodaaconfiança,aopédacama do senhor ou da sinhazinha. Aqui, armava a rede ameríndia, a que pronto se habituou; ali,estendiaocorponoassoalho,natijoleiraounochãodeterra;acolá,desenrolavanopisoaesteira,àafricana;e,quandotinhaquartopróprio,podiatambémdeitar-sesobreumaenxergadecourooudevaras.Nascidades,donorteaosuldopaís,enasquintasdeseusarredoresnãoeradiferente.9Emgeral,o

escravo doméstico não ocupava um espaço, pormenor que fosse, que tivesse por seu.Mas haviaexceções,comoaquelaregistradanumdesenhodeRugendas:10noquintaldeumsobrado,emfrenteauma cabana que podia estar no Popô Pequeno ou emLoango—uma cabana retangular de pau apique,cobertadepalmas,comumaúnicaportaesemjanela,ladeadadebananeirasedeumcanteirodeananases—,váriosescravosdescansam,enquantoumdelesentreteceumaesteira.Maisfelizes,sobesseaspecto,seriamosescravosdeganho.Muitosdelessequerdormiamnacasa

doamo:sóiamvê-loparaentregar-lheapartedeleãodafériadodiaoudasemana.Alugavamumacasinhola, um quartinho ou uma vaga num porão, quando não erguiam uma cubata num terrenobaldio.Emsuasacomodações,orecheioeraquasenenhum.Noscasebres,podiahaverumatrempeouum

pequenofogãodebarro,alémdoquesevianoscubículosdosporões:raramente,umaarcae,quasesempre,algunscestoseesteiras,umpoted’águacomsuacuia,umaououtracabaça.OporangueirovieradaÁfrica,mas,aindaquandodecoradas,ascabaçasnãoapresentavamariqueza,aprecisãoeafinuradeentalhedasqueseviameaindaseveemnocontinenteafricano.Nãoeramaisbem-apetrechadaacasinholadoliberto,amenosquetivessetidoêxitoemseuofício

— ou sorte. Mesmo entre aquela escassa minoria que fazia testamento e deixava algum imóvel,predominavamascasasdepalha,debofetãoedeadobe,emboranãofaltassemasdepedra,tijoloecal,quasesempretérreasedeportaejanela.11Comumajanelaaomenoseumasegundaportanosfundos. Esta janela e esta porta dos fundos eram a negação da senzala,12 onde, em geral, cadacubículosótinhaumaporta,porquefuncionavacomocárcere.Numahabitaçãocomumasóentradaesaída,estava-sepermanentementevigiado,porissoasegundaporta,natraseiradacasa,simbolizavaparaolibertoaindependência.Libertos,ingênuoseescravosdeganhoconstruíamfrequentementeseuscasebresnosbaldiosdos

arrabaldes,oua se encostaremaosmurosdasquintas edospalacetes,ouaindaosarrumavamemvielas estreitas e sinuosas, nos alagadiços, nos areais enas encostasmaisdifíceisdosmorros.Alipodia-seocuparoespaçocomonaÁfricaesóraramentenãoseconstruíaàafricana.Digomelhor:ali ocupava-se o espaço e se edificava ao jeito africano modificado no Brasil: ao jeito afro-brasileiro.Infelizmente,ostestemunhosdoséculoXIX,tãopormenorizadossobreoutrosaspectosdavida,poucodescrevemdashabitaçõesdosescravosedosnegrospobres.Ficamnasgeneralidades:poucomaisnosdizemalémdequeeramgrandesoupequenas,feitasdesopapo,madeiraoupalha.E

Page 151: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

nãoéoutrootartamudeioemrelaçãoàscasasdosquilombolas.Naquelespoucosou,melhor,pouquíssimoscasosemqueumlibertologravaacumularrecursos,

ele imitava a residência do ex-senhor: ameia-morada, amorada inteira ou, remate dos sonhos, osobrado—osobradoqueseinsinuaaténosmocambos,quandoestessobemadoisandares.Nãoseestranharia que algum desses libertos soubesse desenhar a fachada, a planta e os alçados dessesprédiosàeuropeia,aindaqueadaptadosaostrópicose,portanto,abrasileirados,oulhesorientarasobras.Afinal,eramosescravosqueconstruíamascasasdossenhorese,paraisso,lhesensinaramacortar as pedras para os alicerces e as molduras das portas e das janelas, a levantar paredes e arebocá-las,apintá-lasouazulejá-las,aaplainarmadeiraparacomporospisosdetábuascorridas,afazerpersianas,afabricartijolosetelhaseamontarasestruturassobreasquaisestasseassentavam,aerguerescadascomcorrimãoeaabrirbalcõescomgradisdeferronasfachadas.Moradainteiraousobrado, o liberto saído da pobreza queria a sua casa com florões de estuque, frisos, cornijas emísulas, e sonhava com colunas com capitéis floridos, com jarras ou figuras de louça no alto dafrontariaoucomleõesheráldicosaladearemoportão.Essesonhotornar-se-iarealidadeparaalgunsdosqueforamobrigadosaretornaràÁfricaoupara

lá regressaram por vontade própria. Entre estes últimos sobravam mulheres e homensempreendedores—adecisãoderegresso,ditada,namaioriadoscasos,pelosentimentodequenãotinhamespaço,comoex-escravosnegros,paradesenvolverassuasvidasnoBrasil,jáindicavaumavontade forte —, e, entre esses, não faltavam pedreiros, marceneiros, estucadores, pintores nemmestresdeobras.Dequeassimfoifazemprovaosprédiosqueconstruíram,nosdoisúltimosterçosdoséculoXIXenasprimeirasdécadasdoNovecentos,ao longodacostadaÁfricaOcidental.Emseus bairros, os retornados doBrasil—os agudás ou amarôs—ergueram sobrados, residênciastérreas,igrejasemesquitasarepetirosdesenhos,asformas,osvolumeseosornatosaprendidosnoBrasil,13ecomtamanhoêxito,queesseestiloarquitetônico,conhecidonaÁfricacomobrasileiro,setornoupormuitotempoopreferidodaburguesiaurbanaqueapresençaeuropeiaestavaacriar,eatémesmoatuousobreogostodaschefiastradicionais,comomostramasinfluênciasdaarquiteturaditabrasileira nos palácios dos obás de Akure, Ado-Ekiti e Ikerre. Dentro dos muros do palácio deAbomei,vê-seumsobradoquepoderiaestarnumavelhapraçadoRiodeJaneiro.Se, percorrendo-se uma das ruas do “Brazilian Quarter”, em Lagos, na Nigéria, as fachadas

parecem trazidas diretamente doBrasil, não é distinto, nasmais antigas, o desenho das plantas, adisposiçãodoscômodos.14ComonoBrasil, salasequartosabrem-separaumcorredorcentralouparaumcorredorlateral.Comocorrerdotempoeacrescenteincorporaçãodosagudásaosmodosde vida das populações a que se juntaram, esses prédios foram sofrendo alterações internas, paramelhor cumprir suas funções. Emmuitas construções mais recentes, os corredores, áreas de usocomum, ampliaram-se e surgiram pátios internos, como da tradição iorubana. As fachadas nãodeixaram tampouco de adquirir uma dicção local, enquanto se faziam ainda mais barrocas, comsacadasrendadasdecimentocadavezmaisamplas,ecolunasatarracadas,combasesaimitarjarrosecapitéisqueseriamdóricos,senãofossemmuitomaisprofusosdeformasvegetais,eáguas-furtadasem telhados de quatro inclinações, e grandes áreas de venezianas e muxarabis, e elaboradasescadariasexternas,eportaisencimadosporleõeseelefantesdecimento.Nasmoradasmaissimples,é tãocomumver-se,emgeralnoaltodasportase janelas,umaflordequatropétalas, ladeadaporduasoumaisfolhas,queoenfeitemaispareceaassinaturacoletivadosmestresdeobrasagudás.

Page 152: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf
Page 153: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Grandesoupequenas,térreasoudedoisoumaisandares,ascasasporelesconstruídaspodiamserusadas à africana ou à brasileira. Era de hábito, porém, que fossem recheadas com poltronas,aparadores,roupeiros,mesasecadeiras,pois,comoprovamosmóveisdeexcelentefaturaquedelesrestam,nãofaltavamentreosretornadosexímiosmarceneiros.Omaiscomumseria,provavelmente,quenessasmoradassevivesseaojeitodasduasculturasqueseacotovelavameuniam.Osex-escravosbrasileirosqueretornaramàcostaocidentaldaÁfricaeseusdescendentes,como

de resto os ex-escravos norte-americanos que se estabeleceram na Libéria e seus descendentes,adotaramcomo suas não só as formas e técnicas arquitetônicas de seus senhores,mas tambémosmodosqueestestinhamdeocuparassuascasas.Embora,numenoutrocaso,osmodelosestivessemnooutroladodoMarOceano,pertenciamahorizontesdiferentes.Tantoassimque,enquantooagudáconstruíaemsopapoouemtijolo,oliberianolevantavasuasmoradasquasesemprecomtábuasdemadeira, como se fazia nos Estados Unidos.15 E não apenas nisso eram elas diferentes: emArthington,naLibéria,odesenhodascasasremete-nosàCarolinadoSul;emLagos,àBahia.

2001.

Page 154: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

NOTAS

1ConformeatraduçãodeSamuelJohnson,TheHistoryoftheYorubas,Lagos:C.S.S.Bookshops,1976[1aed.1921],p.98.2 Pedro Paulo A. Funari, “Archaeology Theory in Brazil: Ethnicity and Politics at Stake, Historical Archaeology in Latin America,

Columbia:TheUniversityofSouthCarolina, n°12 (1996), p. 1-13; e “Novasperspectivas abertaspela arqueologiadaSerradaBarriga”,palestrarealizadaem25demaiode1996,emcursosobreculturaafro-brasileiracoordenadoporLiliaM.Schwarcz;“AarqueologiadePalmares:suacontribuiçãoparaoconhecimentodahistóriadaculturaafro-americana”,emJoãoJoséReiseFláviodosSantosGomes(org.),Liberdadeporumfio,SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1996,p.34-45.

3Essaseriaaprincipalrazãodararidadedeesculturastridimensionaisnoscentrosreligiososafro-brasileirosparaMariannoCarneirodaCunha, “Arte afrobrasileira”, emHistória geral da arte noBrasil, SãoPaulo: InstitutoWaltherMoreiraSalles / FundaçãoDjalmaGuimarães,1983,v.2,p.997.

4RecordoqueMelville J.Herskovitsescreveunapágina30dov.1deDahomey,andAncientWestAfricanKingdom (NovaYork:Augustin,1938)que,entreastrêscoisasquetodohomemdaomeanodeviasaberfazer,figuravamerguerumaparedeecobriracasacomumteto.

5Cit.porGilbertoFreyre,Ohdecasa,RiodeJaneiro/Recife:ArteNova/InstitutoJoaquimNabucodePesquisasSociais,1979,p.107.6Ver as fotos dePedroOswaldoCruz emFazendas: solares da região cafeeira doBrasil Imperial, roteiro e legendas de Fernando

TassoFragosoPiresetextosdePauloMercadante,AlcidesdaRochaMirandaeJorgeCzajkowski,RiodeJaneiro:NovaFronteira,1986,p.52-53.

7FernandoTassoFragosoPires,Antigasfazendasdecafédaprovínciafluminense,RiodeJaneiro:NovaFronteira,1980,p.26.8 Conforme numerosos recibos de atendimento periódico de escravos, encontrados em arquivos de fazendas de café por Casimiro

Paschoal da Silva, do núcleo de SãoCarlos daUniversidade de São Paulo, e seus companheiros de pesquisa, cujo trabalho derecolhadedocumentos,deexcepcionalvalorparaacompreensãodoescravismopaulista,continuainédito.

9 Só para conferir,MariaGraham, Journal of aVoyage toBrazil andResidence there, during Part of theYears 1821, 1822, 1823,Londres,1824,p.162;GilbertoFreyre,Sobradosemucambos,6aed.,RiodeJaneiro:JoséOlympio,1981,v.1,p.179-180e233,v.2,p.422,nota69;MaryC.Karasch,SlaveLifeinRiodeJaneiro,1808-1850,Princeton:PrincetonUniversityPress,1987,p.59-60e126-130;MárioMaestri,Osobradoeocativo:aarquiteturaurbanaeruditanoBrasilescravista.Ocasogaúcho.PassoFundo:UniversidadedePassoFundo,2001,p.154.

10JohannMoritzRugendas,ViagempitorescaatravésdoBrasil,BeloHorizonte/SãoPaulo:EditoraItatiaia/EditoradaUniversidadedeSãoPaulo,1989,4adiv.prancha5.

11AssimemSalvador,conformeMariaInêsCôrtesdeOliveira,Oliberto:oseumundoeosoutros—Salvador,1790/1890,Salvador:Corrupio,1988,p.36-37.

12ComoacentuouGilbertoFreyre,Sobradosemucambos,p.294.13PierreVergerdocumentoufotograficamenteessaarquitetura,nametadedoséculoXX,registrandoalgunsbelossobradosquejánão

maisexistemeforamsubstituídosporedifíciosinsossos.VermuitasdelasemMariannoCarneirodaCunha,Dasenzalaaosobrado:arquiteturabrasileiranaNigériaenaRepúblicaPopulardoBenim,introduçãodeManuelaCarneirodaCunha,SãoPaulo:Nobel /EditoradaUniversidadedeSãoPaulo,1985.

14ConformesepodeobservaremMassimoMarafato,BrazilianHousesNigeriane,Lagos:IstitutoItalianodiCultura,1983.15VerasfotografiasdeMaxBelcheremALandandLifeRemembered:Americo-LiberianFolkArchitecture,comtextodeSvendE.

HolsoeeBernardL.HemaneintroduçãodeRodgerP.Kingston,Athens:UniversityofGeorgiaPress,1988.

Page 155: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Deidaevolta

Page 156: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

H

AhistóriadaÁfricaesuaimportânciaparaoBrasil

áalgunsanos,causariasurpresaumauditóriorepletodeinteressadosnahistóriadaÁfrica.E,háalguns anos, seriam poucos os que não teriam pejo em repetir Sir Hugh Trevor-Hoper, que

afirmou, em 1963, não haver uma história daÁfrica Subsaariana,mas tão-somente a história doseuropeusnocontinente,porqueorestoeraescuridão,eaescuridãonãoématériadahistória.Nãoestava o famoso professor deOxford a negar que cada povo africano tivesse um passado.O quepressupunhaéquenãosepodiadesenrolá-locomoenredo.Istonãodisse,mascertamenteduvidavadequeesseenredopudesseseapartardomitoetomaraformacomque,desdeHeródoto,seescreveelêhistória.No entanto, era isso o que se fazia, e de algum tempo.Três anos antes da infeliz afirmação de

Trevor-Hoper,aeditoradaUniversidadedeCambridgecomeçaraapublicar,sobadireçãodeRolandOliver e J.D. Fage, The Journal of African History, uma revista que, distintamente de outrasdedicadasàÁfrica,comooBulletindel’InstitutFrançaisdel’AfriqueNoire,deDacar,ouaAfrica,doInternationalAfricanInstitute,deLondres,tratavasódehistória.OsimplespassardeolhospelosíndicesdosprimeirosnúmerosdeTheJournalofAfricanHistorye,maisainda,aleituradosartigosque neles se continham revelavam que as antigas nações africanas, tão diferentes entre si naorganização política e nosmodos de vida, podiam ter suas histórias investigadas e contadas comtécnicas e procedimentos semelhantes aos aplicados aos povos daAntiguidademediterrânica e daIdadeMédiaeuropeia.Quando Trevor-Hoper ditou sua sentença— uma sentença semelhante à pronunciada, 109 anos

antes, por Hegel na sua Filosofia da história— os mesmos diretores de The Journal of AfricanHistoryjáhaviamlançado,numacoleçãopopular,aPenguin,umlivrinho,AShortHistoryofAfrica.Essa pequena obra teria sucessivas reimpressões e reedições e, juntamente com Old AfricaRediscovered,de1959,deBasilDavidson, influenciariaapercepçãoqueoleitorcomumdelínguainglesapassariaaterdeumcontinentequeestavasaindododomíniocolonial:àÁfrica,desdemuitoantes da chegada dos europeus, não haviam faltado nem evolução nem mudanças sociais, neminvençõesnemmovimento.Entreosleitoresdelínguafrancesa,jácirculavamassínteseshistóricasdaÁfricaescritasparaograndepúblicoporRobertCornevineporeleesuamulher,Marianne(aprimeiraversãodaHistoiredel’Afriquedesoriginesànosjourséde1956,eaHistoiredespeuplesdel’AfriqueNoireéde1960).Não se pense, porém, que a redescoberta de que a África Subsaariana tinha história, após um

séculoXIXquequasenegaraaonegroacondiçãohumana,seriafeitasódefora,peloseuropeus,domesmomodoque,ao lhedesenharosmapas,eles lhehaviamcriadoumanovageografiapolítica.Datade1954,paraficarnumsóexemplo,apublicaçãoemLondresdolivroAfricanGlory:theStoryofVanishedNegroCivilizations,deJ.C.deGraft-Johnson.NãoporacasoeraeleumintelectualdaCostadoOuro,opaísqueprimeirorecuperouaindependênciaesedeuasipróprioumnovonome,Gana,deintensaressonânciahistórica.Omelhorconhecimentodopassadotornara-seindispensávelàunidade,àsegurançaeàautoestimadosnovosestadosquetinham,comasexceçõesdaEtiópia,deRuanda e deBurundi, sido desenhados por circunstâncias do colonialismo e eram acoimados porissodeartificiais,comosenãotivessemtambémsurgidodavolubilidadedapolítica,dasvicissitudesdosmatrimôniosedasaliançasoudaimposiçãopelaforça,paísescomoaFrança,oReinoUnido,a

Page 157: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

EspanhaeaItália.Narealidade,ahistóriadospovosdaÁfricaSubsaarianaestavasendoescrita,pedaçoapedaçoe

poucoapouco,haviamuito.DesdeoséculoIX,encontramosanotaçõessobreopassadoeopresentede alguns de seus povos em obras de viajantes e eruditos árabes comoAl-Yakube, Al-Bakri, Al-Masudi, Al-Umari, Ibne Batuta, Ibne Khaldun e Leão Africano, bem como, a partir do fim doQuatrocentos, nos textos de navegadores e cronistas europeus como Cadamosto, Duarte PachecoPereira,JoãodeBarros,Pigafetta,DiogoGomesouAndréÁlvaresd’Almada.OpróprioCamões,n’Os lusíadas,ajuda-nos,emuito,aentenderoquesepassava,nosúltimosanosdoséculoXV,nacostaafricanadoÍndico.DoQuinhentosaoNovecentos,marinheiros, comerciantes, aventureiros,missionários,militares,

enviados diplomáticos, exploradores e homens de ciência registraram em diários, descrições deviagem, memórias, relatórios e ensaios as informações que recolhiam das crônicas de corte,naqueles poucos lugares que conheciam a escrita, como a Etiópia ou os litorais suaílis daÁfricaÍndica,edoqueouviamdosbardos,dosgriots,dos línguas,dosvelhos,dosguiasedosserviçais.Eram esses europeus quase todos arrogantes e chegavam à África entranhados de preconceitosnegativos. Aqui, mostravam-se excessivamente crédulos. Ali, cépticos demais. E por toda parte,cobertosdemávontade.Oquenãolhesfaltavaeramexcelentesolhoseexcelentesouvidos.Sabiamver. Sabiam escutar.Anotavam tudo com diligência e rigor. E, se não dispunham nomomento depapelelápis,raramentelhesfalhavaamemóriaexercitada.Amaiorialogravaatémesmodesenharcomprecisão,graçaelimpeza.Parece-nos,hoje, incrívelqueopadreFranciscoÁlvaresnosensinetantosobreaEtiópiadoseu

tempo — e do que já era passado, no seu tempo. Publicada pela primeira vez em 1540, a suaVerdadeira informaçãodas terrasdoPreste Joãodas Índias não sónosmostra caminhos, cidades,igrejas eobeliscos,mas tambémcomoeramaspessoas comque eleprivou, e como sevestiameatuavam.Conta-nosmais:oqueessesetíopeslhedisseramsobreseusancestraisesuahistória.Omesmo interesse e omesmo gosto pelas grandes paisagens e pelos pormenores, pelo que é

importante, parecendo banal, e pelo teatro do poder, e pelo jogo do comércio, e pelo dia a diafamiliar, e pelos costumes, e pelas cozinhas, e pelos altares, e por tudo o que dizia respeito aohomemeàsuatrajetória,desdeomaisantigoquepudessemalcançarasgenealogiaseastradições,encontram-se tanto nos escritos seiscentistas de um jesuíta culto como o padre Jerônimo Lobo,quantonosrelatosdeumtraficantedeescravosdapassagemdoséculoXVIIparaoXVIIIcomoJeanBarbot.EnãofaltamnaobradeumaristocratasetecentistacomoJamesBruce,ounadeumgrandepoliglotaeagentepolíticocomoRichardBurton,noséculoXIX.Oracismoagressivodesteúltimonãodesmancha,aliás,nemdesmereceoqueregistrounoDaomé,poronde,décadasantes,andaram,em missão diplomática do rei de Portugal, dois sacerdotes, um dos quais, o brasileiro VicenteFerreiraPires,nosdeixouumacrônicadeviagemcujaleituraéindispensávelaquemquiserescreverahistóriadaquelereino.Dessependorpeladescriçãodarealidadeparticiparamtambémafricanos,que,aonarrarsuasvidas

eexperiênciasnaÁfrica,nocativeiroamericanoounaEuropa,deixaramanotaçõespreciosassobreasregiõesdeondeprovinhameporondepassaramesobreospovosdequefaziamparte.Nessecasoestá,porexemplo,TheInterestingNarrativeoftheLifeofOlaudahEquiano,orGustavusVassa,theAfrican,datadade1789,valiosíssimaparaoestudodosibosdosudestedaNigéria.Houve,alémdisso,desdeoprincípio,intentosdeliberadosdeescreverahistóriadealgunspovos,

tendo por base a tradição oral ou crônicas redigidas localmente. É do início do século XVII aHistóriadaEtiópia,dopadrePeroPais,umaamplaeextraordináriatapeçariasobreamultissecularaventura dos abexins. Da segunda metade do Seiscentos data A New History of Ethiopia, de JobLudolphus.Edecemanosmaistarde,TheHistoryofDahomy,escritaporumtraficantedeescravos,

Page 158: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

ArchibaldDalzel,queviveumuitotemponaÁfricaerecolheuemAjudáoquenarranolivro.MasessaseoutrasobrasapenasanunciavamoquenostrariaofimdoséculoXIXeo iníciodo

séculoXX.Comaimposiçãocolonialeuropeia—eéprecisonãoesquecerqueodomínioeuropeuna África foi, excetuado o português, de curta, curtíssima, duração— torna-se mais frequente apresença de uma antiga personagem, o explorador (agora a serviço de seu estado e das igrejascristãs,emborapossatambémcontinuaradependerdesociedadescientíficaseuropeias),eentraemcenaumnovofigurante:oadministrador.Do que viram e anotaram os exploradores surgiu toda uma importantíssima biblioteca sobre a

África.Bastacitaralgunspoucosnomes:odobrasileiroLacerdaeAlmeida,aindanofimdoséculoXVIII,eosdeRenéCaillié,MungoPark,HughClapperton,GustavNachtigal,HenryBarth,RichardBurton, JohnSpeke,HenryStanley,HermenegildoCapello,Roberto Ivens,SerpaPintoeHenriqueAugustoDiasdeCarvalho.Quanto ao administrador colonial, tinha ele entre suas tarefas a de produzir relatórios sobre as

gentesdequemcobravaimpostos.Muitosdessesfuncionáriosimperiaisderam-seàtarefacomzelo;ealguns,com,maisquezelo,paixão.Aeles,eaosmissionários,médicos,engenheiros,professoresprimáriosoudeliceu,escrituráriosemilitaresqueosacompanharam,devemosqueseregistrassemasgenealogiaseahistóriaoraldevários reinosequesaíssemdapenumbraalgumasdascrônicastradicionaisdepovosquedesdemuitosabiamoqueeraaescrita.ComoadeQuíloa,àqualJoãodeBarrosjátiveraacesso,poisaelasereferenocapítuloVIdoVIIILivrodaPrimeiraDécadadaÁsia.Ou como a Crônica de Kano e os vários outros manuscritos que H.R. Palmer, um ex-residentebritâniconaprovínciadeBornu,traduziuepublicou,em1928,emSudaneseMemoirs.Poisalgumagenteafricanajáestava,haviamuito,aescreveraprópriahistória,comoatestam,alémdasjácitadas,duasobrasdoséculoXVIIsobreasavanasudanesa,oTarikhal-Fattash,deMahamudKatieIbneal-Maktar, e o Tarikh al-Sudan, de Al-Sadi, e as numerosas biografias de reis, abades e santosabissínios.Dessaliteraturahistóricaemgueze,citodoisexemplosdequehátraduçãoportuguesa:aVidadoAbbaDaniel,doMosteirodeSceté,dofimdoséculoXIVouprincípiodoXV,eaHistóriadeMinás(AdemásSagad),reidaEtiópia,quedatadasúltimasdécadasdoQuinhentos.Alguns desses funcionários e militares europeus já chegaram à África com os micróbios da

curiosidadeedaerudição;outrososadquiriramnoterreno.Paraexercercomeficiênciaoofíciodeagentepolítico, tinhamdeaprenderos idiomasda terra,deconhecerascrenças,defamiliarizar-secom as estruturas sociais e os costumes dos povos que administravam. O que lhes era exigidotransformou-se em desafios da inteligência e da vontade e acabou por fazer de alguns poucos osantropólogos, linguistas, geógrafos e histori-adores cujas obras não cessamos de admirar.Africanólogos notáveis como Amaury Talbot, Hubert Deschamps, Antônio Carreira ou AvelinoTeixeiradaMotativeram,nocomeçodesuascarreiras,responsabilidadesnaadministraçãocolonial.Teixeira da Mota era oficial de Marinha, e Esteves Pereira, o grande conhecedor e tradutor dascrônicashistóricasdaEtiópia,oficialdeEngenhariadoExércitoportuguês.O impacto da presença europeia, a pregação missionária e a inevitável resistência à intrusão

colonialfizeramrepontarnagentedaterraointeressepeloprópriopassado.Ganhouvogaahistóriasemescritae,comoeraimperativoqueelanãoseperdesse,fixaram-nasistematicamentenoalfabetorecebido do estrangeiro. A grandiosa e paradigmática History of the Yorubas, composta por umpastorprotestante iorubano,oreverendoSamuelJohnson,em1897,massóeditadaem1921,seriapartedeumamplomovimentoderecuperaçãodastradiçõesdospaláciosedamemóriacoletivadospovosdaÁfricaOcidental.Multiplicaram-seashistórias locais, tantono idiomavernáculodecadapovo, quantona línguado colonizador.Edentrodeumoutro complexo cultural, o islâmico, e naescritaárabe, tampoucodeixaramdesurgirobrasdoportedeInfaqal-maisurdocalifadeSocotô,MuhammadBello.

Page 159: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

SendoantigaeamplaabibliografiahistóricasobreaÁfrica,ahistóriadaÁfricaé,contudo,umadisciplinanova.Nova,porquesóháalgumasdécadasseincorporouaocurrículodasuniversidades.Enova,peloshorizontesquenelaseabriram,comaudácia, imaginaçãoepersistência,desdeoiníciodoséculoXX,massobretudoapartirdaSegundaGuerraMundial.LembroquedatamdeantesdograndeconflitoosestudosdeY.UrvoysobreoSudãoCentral,deCharlesMonteilsobreoMali,deMauriceDelafossesobreoAltoSenegaleoAltoNíger,edeCarloConti-Rossini sobreaEtiópia.Muito desse trabalho precursor foi impulsionado pelas sociedades europeias de geografia e porentidadescomooInstitutFrançaisdel’AfriqueNoire,emDacar,oInternationalAfricanInstitute,deLondres, e a Agência Geral do Ultramar e a Junta de Investigações Científicas do Ultramar, deLisboa.EranovaeantigaahistóriadaÁfrica,porquecheiadedescobertaseredescobertas.QuandoAdam

Renders e CarlMauch chegaram, no último terço do século XIX, ao Grande Zimbabué, foi paraencontrarosamuralhadosdescritosporJoãodeBarrosnocapítulo inicialdoX livrodaPrimeiraDécada,econhecidos,portanto,aomenosdabocaparaosouvidos,dosportuguesesdoQuinhentos.JásesabiadosbronzesdoBenimdesdeoséculoXVI.Masfoicomsurpresa,dúvidas,interrogaçõese pasmo que se teve notícia do descobrimento, em 1910, por Leo Frobenius, das extraordináriasesculturasdeIfé.Apistalhehaviasidodada,noportodeHamburgo,porummarinheiroiorubano,quelhecontousernaturaldaquelacidade-estadodaNigéria,oumbigodomundoeolugarondepelaprimeiravezsurgiraohomem.DeFrobenius,disseLéopoldSédarSenghorqueiluminoutodaapré-históriaeahistóriadaÁfrica.

Foiosábioalemãoquemtrouxe,apaixonadamente,imaginaçãoesonhoaostrabalhosarqueológicos,àrecolhadelendasetradições,àanálisedaarteeàsinvestigaçõessobreasculturasafricanas.Comoseissonãobastasse,comeleecom,entreoutras,asobrasdonorte-americanoMelvilleHerskovitssobreoDaomé,donigerianoJacobEgarevbasobreoreinodoBenim,dodaomeanoPaulHazoumésobre o pacto de sangue no antigo Abomé, a história da África começou a ser desentranhada daantropologiacultural,dasociologiaedageografiahumana.Foi, contudo, durante e após a Segunda Guerra Mundial que teve início o período áureo da

historiografia africana. Hesito, mas não tenho como deixar de cometer a injustiça de mencionaralgunsnomes,algunslivrosealgunsfeitos—apenasalgunspoucosnomes,algunspoucoslivrosealgunspoucos feitos—quepertencemàs últimas cincodécadasdo séculoXX,durante as quais ahistóriadaÁfrica se impôs comodisciplina rica, incitante epromissora: oGeschichteAfrikas, deDietrichWestermann,apregaçãodeS.Biobaku,oatéhojeindispensávelTableauGéographiquedel’OuestafricainauMoyenAged’aprèslessourcesécrites,latraditionetl’archéologie,deRaymondMauny,asobrasdeJ.SpencerTriminghamsobreoislamismonaÁfrica,asdeJeanRouchsobreossongais e as de Jan Vansina sobre a tradição oral e os reinos da savana ao sul do rio Zaire, oKingdoms of the Yoruba, de Robert S. Smith, o deslumbrante Ife in the History ofWest AfricanSculpture,deFrankWillet,asescavaçõesarqueológicasdeA.J.ArkellnoSudão,deBernardFaggemNok,deNevilleChittickemQuíloaeoutros sítiosdacosta suaíli,deThurstanShawemIgbo-Ukwu, de Graham Connah ao sul do lago Chade e de Stuart Munro-Hay em Axum, o instigantevoluminhodeJackGoodysobreTechnology,Tradition,andStateinAfrica,oGreatZimbabwe,dePeterS.Garlake,osdoistomosdaHistoryofWestAfrica,organizadaporJ.F.AdeAjayieMichaelCrowder, o Axum, de Yuri Kobishchanov, o Meroe, de P.L. Shinnie, o Economic Chance inPrecolonialAfrica,dePhilipD.Curtin,o esmagador livrodeWilliamY.Adams sobre aNúbia, oAncient Ghana and Mali, de Nehemia Levtzion, An Economic History of West Africa, de A.G.Hopkins,oKingsandKinsmen,deJosephC.Miller,ostrabalhosdeRobinLawsobreosiorubáseosfons, e os de Claude Meillassoux e Paul Lovejoy sobre a escravidão na África, a provocadoraheterodoxia deWalterRodney, oTheKingdomofKongo, deAnneHilton, o livro deD.T.Niane

Page 160: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

sobre o Sundiata, os numerosos volumes e textos de I.A.Akinjogbin, E.J. Alagoa, R.E. Bradbury,DavidBirmingham,AduBoahen,EnricoCerulli,DesmondClark,BrianFagan,HumphreyJ.Fisher,IvanHbek, JohnO.Hunwick, Elizabeth Isichei, Dierk Lange, T. Lewicki,AdeObayeme, BethwellOgot,YvesPerson,DavidW.Phillipson,MerrickPosnansky,W.G.L.Randles,AlanRyder,AbdullahiSmith, J.E.G. Sutton, Taddesse Tamrat, B.G. Trigger, Edward Ullendorff, Ivor Wilks e MonicaWilson, tudoculminandocomaHistóriageraldaÁfrica,emoitogrossosvolumes,publicadapelaUnesco, e os igualmente compactos oito tomos de The Cambridge History of Africa, sob asupervisãodosinfatigáveisRolandOlivereJ.D.Fage.A história da África alcançara a maioridade nos meios intelectuais e universitários africanos,

europeus e norte-americanos. E no Brasil? No Brasil, onde tanto avançaram os estudos sobre aescravidãoesobreosdescendentesdeafricanoseseupapelnafecundaçãodonossoterritórioenainvençãodenossagente,nãohouveaté agoraomesmoentusiasmo,nemsemostraram resultadossemelhantes.Eisto,apesardaliçãodeNinaRodriguesemOsafricanosnoBrasil.Emmuitaspartesdesselivroseminal,massobretudoaovincularasrebeliõesdosmalêsàguerrasantafuladeUsumandanFodioeaodescreverasviagensdeidaevoltadelibertosenegroslivresentreaBahiaeaCostad’África,NinaRodrigues comoque aconselhava que se conhecesse bem aÁfrica para entender oBrasil. Deixou-se ficar esquecido o seu exemplo. Da mesma forma que a advertência de SílvioRomero,nosEstudossobreapoesiapopulardoBrasil,dequecumpriaestudaraÁfricaquetínhamosem nossas cozinhas, antes que amorte apagasse as tradições que os velhos africa-nos traziam namemória.Preocupados com nós próprios, com o que fomos e somos, deixamos de confrontar o que

tínhamosporherançadaÁfricacomaÁfricaqueficaranooutroladodooceano,tãodiversificadanageografiaenotempo.Noentanto,ahistóriadaÁfrica—ou,melhor,dasváriasÁfricas—,antesedurante o período do tráfico negreiro, faz parte da história doBrasil.Quando esta começa?ComCabral?Creioquecomasmigraçõesameríndias,comosportuguesesapartirdeAfonsoHenriques,ecomosafricanos,desdequandotrabalhavamoferroeobarroemNokedisseminavamcontinenteaforaosidiomasaquechamamosbantos.Se,após1500,nãosepodeestudaraevoluçãodoBrasilsemconsiderarasmudançasnapolíticaportuguesaeoquesepassavanumimpériodequefazíamosparte e que se alongava de Macau a Lisboa, os quatro séculos de comércio de escravos ligamindissoluvelmenteosacontecimentosafricanos,sobretudoosdaÁfricaAtlântica,àvidabrasileira.Há toda uma história do Atlântico. Uma história de disputas comer-ciais e políticas, de

desenvolvimentodanavegaçãoedemigraçõesconsentidaseforçadas.Mashátambémumalongaeimportantehistóriaquesevaitornando,aospoucos,menosdiscreta.Adosafricanoslibertoseseusfilhos,adosmulatos,cafuzos,caboclosebrancosqueforamteraocontinenteafricano,retornaramaoBrasil,voltaramàÁfricaousegastaramaflutuarentreasduaspraias.Adosnaviosnegreirosquefuncionavam também como correio e embaixada. Que talvez trouxessem notícias e recados desultões, emires, reis e potentados africanos a seus súditos no cativeiro. Que talvez levassemmensagens de rainhas-mães e príncipes exilados — pois a escravidão funcionou também comodesterropolítico—aseuspartidários,quecontinuavamaconspirarnaÁfrica.Oquelásepassavatalvezchegasseatéassenzalas,aoscantosdetrabalhoeaosquilombos,epodiaapressaralforriaseregressos.ComosedeunocasodopríncipedaomeanoFrukuoud.Jerônimo,nasegundametadedoséculoXVIII.A história dos ex-escravos que regressaram do Brasil à África e, lá, em Gana, no Togo, na

RepúblicadoBenimenaNigéria,formaramimportantescomunidadesde“brasileiros”e,dealgummodo,abrasileiraramcertascidadesdaCostacomoLagos,PortoNovo,AguêeAnexô,foicontadaempormenorecommaestria,dopontoondeadeixaraNinaRodrigues,porPierreVerger,sobretudoem seumonumental Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo doBenim e aBahia de

Page 161: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Todos os Santos, dos séculos XVII a XIX. Sobre o mesmo tema trabalharam, com excelentesresultados, Antonio Olinto, Zora Seljan, Júlio Santana Braga, Manuela e Marianno Carneiro daCunha.Masnãodevonemquero afastar-medo tópico sem relembrarum textopioneiro: o ensaio“Acontecequesãobaianos...”,dograndehistoriadordasmentalidadesedavidaprivada (antesqueentrassememvogaahistóriadasmentalidadeseahistóriadavidaprivada)quefoiGilbertoFreyre.Esseensaio,incluídoemProblemasbrasileirosdeantropologia,tevesuaprimeiraversãoemtextospublicados pela revista O Cruzeiro, para acompanhar as fotografias de Pierre Verger sobre osdescendentesdeex-escravosbrasileirosretornadosaoslitoraisafricanos.Assim como os ex-escravos retornados do Brasil fundaram na costa africana cidades com as

feiçõesdasbrasileiras,comoPortoSeguro,ealiabriramportosaosnaviosnegreiros,comoosdeLagos e Porto Novo, e ergueram arruados de sobrados e casas térreas com o mesmo risco, asmesmasjanelascompersianas,asmesmasfrontariaseasmesmasgradesdeferrofundidoqueasdeSalvador,doRecifeoudoRiodeJaneiro,nãoédeafastar-se—aocontrário,édecrer-se—queosafricanos,alémdereproduziremnoBrasilassuastécnicastradicionaisdeconstrução—eacasadopobre, ao longo do litoral brasileiro, é feita em grande parte à maneira africana —, para cátrouxeramtambémsuasestruturasfamiliaresedepodereaquiasrepetiram,semprequepuderam.Se,naJamaica,algumascomunidadesdecimarronescopiaramasestruturaspolíticasaxantes,ese,

naHispaniola,houveumpalenque,ouredutodeescravosfugidos,comandadoporumaaristocraciadecavaleirosjalofos,eseomodeloserepetiu,comfonseacãs,naGuianaenoSuriname,porquenão perseguir a ideia de que também no Brasil vários quilombos, mais do que agrupamentos denegros fugidos, procuravam refazer, numa paisagem para muitos deles semelhante à deixada naÁfrica,osestadosacujasclassesdirigentestinhampertencido.Enãoeradeex-soldadosboapartedaescravaria?Enãohaveriaentreeleschefesmilitares,capturadosnasguerrasouvendidosaocaírememdesgraça?QueestadoambundocontinuouPalmaresnoBrasil?Oufoiumaestruturaaquicriada,nova e brasileira?Ou foi umnovo reino, surgido, como tantos outros reinos que conhecemos naÁfrica,daaglutinaçãodegentedamaisvariadaorigememtornodeumpequenogrupodeguerreirosaristocratas?OestudodahistóriadaÁfrica,deumaperspectivabrasileira,nosajudaráaresponderaessasea

muitas outras perguntas. Talvez tenhamos atémesmomelhores condições de entendimento afetivoparacontar,explicando,comosecrioulizaramasduasmargensdoAtlântico,comoseestabeleceramcertospadrõesculturaiscomunsnascidadesevilarejoscosteirosligadospelotráfico.Nahabitação.Nacozinha.Nasvestimentas.Nasfestas.Emquasetodososmodosdevida.Nocapítulodascomidas,o rastreamento dos caminhos seguidos pelos vegetais nativos das Américas transplantados para aÁfrica poderá trazer grandes surpresas. Da mandioca, do milho e do amendoim, sabemos quevoltaramafricanizados—emcozinhadosepreparosqueosameríndiosdesconheciameatémesmocomnomesmudados.É necessário e urgente que se estude, noBrasil, aÁfrica— pregava, incansável, nametade do

séculoXX,mestreAgostinhodaSilva.FoisobseuacicatequesecriouoCentrodeEstudosAfro-OrientaisdaUniversidadedaBahia,acujasombrasemoveuumageraçãodeinteressadosnaÁfricaeem sua história, alguns dos quais atravessaram o oceano e foram estudar e lecionar em Dacar,Ibadan,Ifé,Kinshasa.Citoalgunsnomes:YedaPessoadeCastro,JúlioSantanaBraga,PedroMoacyrMaia,GuilhermeCastro,VivaldoCostaLimaePauloFernandodeMoraesFarias.Oúltimo,háunstrintaanosforadoBrasil,abrigadonaUniversidadedeBirminghameescrevendoquasesempreeminglês,tornou-seumdosmaisconceituadosespecialistasnahistóriadoSaaraedasavanasudanesa.AoCentrobaianoseguiram-seoCentrodeEstudosAfricanosdaUniversidadedeSãoPauloeo

Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universi-dade Cândido Mendes. Nas revistas dessas trêsinstituições,Afro-Ásia,ÁfricaeEstudosAfro-Asiáticos,predominam,contudo,sobreosestudosde

Page 162: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

história africana, os trabalhos sobre as influências africanas no Brasil, sobre as relações entre onossopaíseaÁfricaousobreproblemasdepolíticacontemporânea.Esseesforçopor repensarodiálogobrasileirocomocontinenteafrica-no (e sobretudoanossa

ação político-diplomática) data, aliás, da véspera das independências. Para elemuito contribuíramtrêslivrosprogramáticos:OBrasileomundoásio-africano,deAdolfoJustoBezerradeMenezes,queéde1956,África:colonosecúmplices,deEduardoPortella,eBrasileÁfrica:outrohorizonte,deJoséHonórioRodrigues,osdoisúltimosde1961.OvolumedeJoséHonórioRodriguescontinuaaseromelhortrabalhosobreasrelaçõesentreo

Brasileocontinenteafricano,vistasdaperspectivabrasileira.Oquelhefalta—comoàsobrassobreaescravidãonoBrasil—éosabercomoooutrolado,aÁfrica,condicionavaouinfluenciavaessasrelações.Aprópriahistóriadotráficosórecentemente,comlivroscomooadmirávelWayofDeath,de Joseph C. Miller, e o excelente Em costas negras, de Manolo Florentino, começou a serinvestigada nas duasmargens.E, no entanto, não escapa a ninguémque os conflitos entre estadosafricanos, as vicissitudes de suas políticas internas e as necessidades de armar e fortalecer osexércitosdeterminaramaproveniênciadosescravosexportadosparaoBrasil,oseunúmero,oseuperfiletárioeosestamentosegrupossociaisaquepertenciam.Ahistóriadoescravonãocomeçacomoembarquenonavionegreiro.Estãoporestudar-seasrepercussõesnoBrasildoavançodocolonialismoeuropeusobreaÁfrica,

noséculoXIX.Oqueteriaocorrido,sed.PedroIeoreidoDaométivessemaceitadooprotetoradobrasileiropropos-topelochacháFranciscoFélixdeSouza?Qualteriasidoodestinodaplane-jada,por volta de 1830, Libéria brasileira?Apenas suspeitamos a importância das ilhas deCaboVerdecomo ponto de apoio das ligações entre o Brasil e a Europa. E ainda não temos claro qual overdadeiropapeldesempenhado,duranteaSegundaGuerraMundial,pelasbasesdeNatal,RecifeeFortaleza, na política aliada em relação a Dacar e à África francesa, à invasão doMarrocos e àcampanhadaÁfricadoNorte.A história da África é importante para nós, brasileiros, porque ajuda a explicar-nos. Mas é

importantetambémporseuvalorpróprioeporquenosfazmelhorcompreenderograndecontinentequeficaemnossafronteiralesteedeondeproveioquaseametadedenossosantepassados.Nãopodecontinuaroseuestudoafastadodenossoscurrículos,comosefossematériaexótica.Aindaquedistonãotenhamosconsciência,oobádoBenimouoangolaaquiluanjeestãomaispróximosdenósdoqueosantigosreisdaFrança.

1996.

Page 163: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Bibliografia

ADAMS,John.RemarksontheCountryExtendingfromCapePalmastotheRiverCongo.Londres,1823.ADELEYE,R.A.“HausalandandBorno,1600-1800”.In:AJAYI,J.F.Ade;CROWDER,Michael(org.),HistoryofWestAfrica,v.1,3aed.Londres:Longman,1985._______.PowerandDiplomacyinNorthernNigeria,1804-1906,2aed.Londres:Longman,1977.A1aediçãoéde1971.ADELEYE,R.A.;STEWART,C.C.“TheSokotoCaliphateintheNineteenth-Century”.In:AJAYI,J.F.Ade;CROWDER,Michael(org.),

HistoryofWestAfrica,v.2,2aed.Londres:Longman,1987.ADERIBIGBE,A.B.“EarlyHistoryofLagos toAbout1800”.In:ADERIBIGBE,A.B.(org.),Lagos: theDevelopmentofanAfrican

City.Londres:LongmanNigeria,1975.AFEDERAÇÃO.PortoAlegre,30março1935.AGBANONII,Fio.HistoiredePetit-PopoetduRoyaunmeGuin.Paris/Lomé:Dathala/Haho,1934.AJAYI,J.F.Ade.ChristianMissionsinNigeria,1841-1891:theMakingofaNewElite.Evanston:NorthwesternUniversityPress,1969._______.“TheAftermathoftheFallofOldOyo”.In:AJAYI,J.F.Ade;CROWDER,Michael(org.),HistoryofWestAfrica,v.2,2a

ed.Londres:Longman,1987._______.“TheBritishOccupationofLagos,1851-1861”,NigeriaMagazine,n°69,Lagos,1961.AKINDELE,A.;AGUESSY,C.Contributionàl’étudedel’histoiredel’ancienroyaumedePortoNovo.Dacar:Mémoiresdel’Institut

Françaisd’AfriqueNoire,1953.AKINJOGBIN,I.A.DahomeyanditsNeighbours,1708-1818.Cambridge:CambridgeUniversityPress,1967.AKINSEMOYIN,Kunle;VAUGHAN-RICHARDS,Alan.BuildingLagos.2aed.Jersey:Pengrail,1977.ALCORÃO.Trad.deJoséPedroMachado.Lisboa:JuntadeInvestigaçõesCientíficasdoUltramar,1980.ALENCASTRO,LuizFelipede.Otratodosviventes:formaçãodoBrasilnoAtlânticoSul,séculosXVIeXVII.SãoPaulo:Companhia

dasLetras,2000.AL-HAJJ,A.“TheMeaningoftheSokotoJihad”.In:USMAN,Y.B.(org.),StudiesintheHistoryoftheSokotoCaliphate.NovaYork:

ThirdPressInternational,1979.AMAROJÚNIOR. “Umpríncipe africanomorounaLopoGonçalves”, artigoemduaspartes, jornalnão identificado,PortoAlegre,

[s.d.].ANAISdoParlamentoBrasileiro:CâmaradosSenhoresDeputados,SegundoAnodaPrimeiraLegislatura.Sessãode1827,tomo3.ANDRADE,Máriode.DançasdramáticasdoBrasil,ed.organizadaporOneydaAlvarenga.SãoPaulo:LivrariaMartinsEditora,1959.ANENE, J.C. Southern Nigeria in Transition (1885-1906): Theory and Practice in a Colonial Protectorate. Cambridge: Cambridge

UniversityPress,1966.ARADEON,David.“Architecture”.In:BIOBAKU,S.O.(org.),TheLivingCultureofNigeria.Londres:ThomasNelson,1976.ARADEON,SusanB.“AHistoryofNigerianArchicteture:theLast100Years”.NigeriaMagazine,n°150,1984.ARQUIVOSdeAngola,2asérie,v.V(1948),n°19-20.BARROS,Joãode.Ásia:primeiradécada.Org.AntónioBaião.Coimbra:ImprensadaUniversidade,1932.BASTIDE,Roger.AsreligiõesafricanasnoBrasil.Trad.deMariaEloisaCapellatoeOlíviaKrähenbuhldeLesReligionsafricainesau

Brésil.SãoPaulo:LivrariaPioneiraEditora/EditoradaUniversidadedeSãoPaulo,1971._______.“CartadeÁfrica”,Anhembi.SãoPaulo,outubrode1958._______.Estudosafro-brasileiros.SãoPaulo:Perspectiva,1973.BATRAN,A. “TheNineteenth-Century IslamicRevolutions inWestAfrica”. In:Unesco (org.), GeneralHistory ofAfrica, Londres:

Heinemann/UniversityofCaliforniaPress/Unesco,1989.V.VIorg.porJ.F.AdeAjayi.BAY,EdnaG.Wivesof theLeopard:Gender,PoliticsandCulture in theKingdomofDahomey.Charlottesville:UniversityofVirginia

Press,1998.BEIER,Ulli.ArtinNigeria—1960.Cambrigde:CambridgeUniversityPress,1960.BELCHER,Max.A Land and Life Remembered:Americo-Liberian FolkArchitecture, com texto de Svend E.Holsoe e Bernard L.

Hemaneintrod.deRodgerP.Kingston.Athens:UniversityofGeorgiaPress,1988.BELLO,Omar.“ThePoliticalThoughtofMuhammadBello(1781-1837)asRevealedinhisArabicWritings,moreSpeciallyAl-ghayt

Page 164: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Al-wabifiSiratAl-imanal-‘adl”,tesededoutorado.SOAS(UniversidadedeLondres),1983.BETHELL,Leslie.TheAbolitionof theBrazilianSlaveTrade.Britain,Brazil and theSlaveTradeQuestion,1807-1869. Cambridge:

CambridgeUniversityPress,1970.BIVAR,A.D.H.“TheWathiqatahlal-Sudan:aManifestooftheFulanijihad”,TheJournalofAfricanHistory,v.II(1967),n°2.BOUCHE,AbadePierre.SeptansenAfriqueoccidentale:laCôtedesEsclavesetleDahomey.Paris,1885.BRAGA,JúlioSantana.“Notassobreo‘QuartierBrésil’noDaomé”,Afro-Ásia,no6-7,Salvador,1968.BRAZIL,EtienneIgnace.“Osmalês”,RevistadoInstitutoHistóricoeGeográficoBrasileiro,LXXII(1909).BRUNSCHWIG,Henri.“FrenchExplorationandConquestinTropicalAfricafrom1865to1898”.In:GANN,L.H.;DUIGNAN,Peter

(org.),ColonialisminAfrica,1870-1960.Cambridge:CambridgeUniversityPress,1969.BURTON,Richard.AMissiontoGelele,KingofDahome.Introd.enotasdeC.W.Newbury.Londres:Routledge&KeganPaul,1966.

A1aed.éde1864.CADORNEGA,AntóniodeOliveirade.Históriageraldasguerrasangolanas,ed.org.porJoséMatiasDelgado.Lisboa:AgênciaGeral

dasColônias,1940-1942.CAIRUS, José. “Jihad, Captivity andRedemption: Slavery andResistance in the Path ofAllah, Central Sudan andBahia”, trabalho

apresentadonoseminário“SlaveryandReligionintheModernWorld”.Essaouira(Marrocos),junho2001.CALÓGERAS,Pandiá.FormaçãohistóricadoBrasil.RiodeJaneiro:CompanhiaEditoraNacional,1930.CARNEIRO,Édison.Antologiadonegrobrasileiro.RiodeJaneiro:EdiçõesdeOuro,1967._______.CandomblésdaBahia,3aed.RiodeJaneiro:Conquista,1961._______.Ladinosecrioulos.RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1964.CARNEIRO,J.Fernando. Imigraçãoe colonizaçãonoBrasil.Rio de Janeiro: Facul-dadeNacional de Filosofia daUniversidade do

Brasil,1950.CASCUDO,LuísdaCâmara.MadeinÁfrica.RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1965.CASTELNAU,Francis de.Renseignements sur l’Afrique centrale et sur une nation d’hommes à queue qui s’y trouverait, d’après le

rapportdesnègresduSoudan,esclavesàBahia.Paris:P.Bertrand,1851.CASTELO,José.“TeresaBenta:cansadadotempoecheiadesaudade”,DiáriodeNotícias,RiodeJaneiro,14maio1974.CLAPPERTON,Hugh.JournalofaSecondExpeditionintotheInteriorofAfrica,fromtheBightofBenintoSoccatoo.Londres:Frank

Cass,1966(fac-símileda1aed.,de1829).CLARKE,PeterB.WestAfricaandIslam.Londres:EdwardArnold,1982.CODO, Bellarmin C. “Les ‘Brésiliens’ en Afrique de l’Ouest, hier et aujourd’hui”, trabalho apresentado no simpósio de verão

“IdentifyingEnslavedAfricans:the‘Nigerian’HinterlandandtheAfricanDiaspora”,organizadonaUniversidadedeYork,Toronto,1997.

COLE,PatrickD. “LagosSociety in theNineteenthCentury”. In:ADERIBIGBE,A.B. (org.),Lagos: theDevelopment of anAfricanCity.Londres:LongmanNigeria,1975.

_______.ModernandTraditionalElitesinthePoliticsofLagos.Cambridge:CambridgeUniversityPress,1975.COLSON,Elizabeth.“AfricanSocietyattheTimeoftheScramble”.In:GANN,I.H.;DUIGNAN,Peter(org.),ColonialisminAfrica,

1870-1960,v.I.Cambridge:CambridgeUniversityPress,1969.CORNEVIN,Robert.HistoireduDahomey.Paris:Berger-Levrault,1962._______.HistoireduTogo.Paris:Berger-Levrault,1962.CORREIOMercantil.RiodeJaneiro,21e28deoutubrode1853.CROWDER,Michael.TheStoryofNigeria.Londres:FaberandFaber,1962._______. “West African Resistance”. In: CROWDER, Michael (org.), West African Resistance: the Military Response to Colonial

Occupation,novaed.Londres:Hutchinson,1978.CUNHA,ManuelaCarneiroda.Negros,estrangeiros:osescravoslibertosesuavoltaàÁfrica.SãoPaulo:Brasiliense,1985.CUNHA,MariannoCarneiroda.“Arteafro-brasileira”.In:HistóriageraldaartenoBrasil,v.II.SãoPaulo:InstitutoWaltherMoreira

Salles/FundaçãoDjalmaGuimarães,1983._______.Dasenzalaaosobrado:arquiteturabrasileiranaNigériaenaRepúblicaPopulardoBenim, introd.deManuelaCarneiroda

Cunha.SãoPaulo:Nobel/Edusp,1985.CURADO,A.D.CortezdaSilva.Dahomé:esboçogeographico,historico,ethnographicoepolitico.Lisboa,1888.CURTIN,PhilipD.TheAtlanticSlaveTrade.ACensus.Madison:UniversityofWisconsinPress,1969.DALZEL,Archibald.TheHistoryofDahomy,anInlandKingdomofAfrica,2aed.Londres:FrankCass,1967.A1aediçãoéde1793.DANTAS,RaymundoSouza.Áfricadifícil.RiodeJaneiro:Leitura,1965.DELGADO,Ralph.HistóriadeAngola.Lisboa:BancodeAngola,[1955].DENIS,DouhouCodjo.“InfluencesbrésiliennesàOuidah”,Afro-Ásia,n°12,Salvador,1976.

Page 165: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

DESCHAMPS,Hubert.Histoiredelatraitedesnoirsdel’antiquitéànosjours.Paris:Fayard,1971.DIKE,K.Onwuko.“TradeandtheOpeningupofNigeria”,NigeriaMagazine,númeroespecialdedicadoàindependência.Lagos,1960.DRUMMOND,Menezesde.“Lettressurl’Afriqueancienneetmoderne”,JournaldesVoyages,32(1826).DUNGLAS, Edouard. “Contribution à l’histoire du Moyen-Dahomey (Royaumes d’Abomey, de Kétou et de Ouidah)”, Études

dahoméennes,XIX(1957),XX(1957)eXXI(1958)._______.“LeChachaF.F.daSouza”,France-Dahomey,24-31(1949).ECHERUO,MichaelJ.C.“ConcertandTheaterinLateNineteenthCenturyLagos”,NigeriaMagazine,n°74,Lagos,1962._______.VictorianLagos:AspectsofNineteenthCenturyLagosLife.Londres:Macmillan,1977.EGHAREVBA,Jacob.AShortHistoryofBenin.Ibadan:IbadanUniversityPress,1960.ELLIS,A.B.Ewe-speakingPeoples.Londres,1880.FERREIRA,Roquinaldo.DossertõesaoAtlântico:tráficoilegaldeescravosecomérciolícitoemAngola,1830-1860,dissertaçãode

mestradoapresentadaàUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,[s.d.].FERRETTI,SérgioFigueiredo.QuerebetamdeZomadonu:umestudodeantropologiadareligiãonaCasadasMinas,tesedemestrado

apresentadaàUniversidadeFederaldoRioGrandedoNorte.Natal,1983.FISHER,AllanG.B.;FISHER,HumphreyJ.SlaveryandMuslimSocietyinAfrica:theInstitutioninSaharanandSudanicAfricaandthe

Trans-SaharanTrade.Londres:C.Hurst&Co.,1970.FLORENTINO,Manolo.Emcostasnegras.RiodeJaneiro:ArquivoNacional,1995.FOÀ,Edouard.LeDahomey,histoire,géographie,moeurs, coutumes, commerce, industrie, expéditions françaises (1891-1894). Paris:

Hennuier,1895.FREYRE,Gilberto.Problemasbrasileirosdeantropologia,3aed.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1962.A1aediçãoéde1943._______.Casa-grandeesenzala,8aed.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1954.A1aediçãoéde1933._______.Emtornodealgunstúmulosafrocristãosdeumaáreaafricanacontagiadapelaculturabrasileira.Salvador:Universidadeda

Bahia/LivrariaProgressoEditora,[1959]._______.Ohdecasa.RiodeJaneiro/Recife:ArteNova/InstitutoJoaquimNabucodePesquisasSociais,1979._______.Sobradosemucambos,6aed.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1981.A1aediçãoéde1936.FUNARI,PedroPauloA.“AarqueologiadePalmares:suacontribuiçãoparaoconhecimentodahistóriadaculturaafro-americana”.In:

REIS,JoãoJoséeGOMES,FláviodosSantos(org.),Liberdadeporumfio,SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1996._______.“ArchaeologyTheoryinBrazil:EthnicityandPoliticsatStake”.In:HistoricalArchaeologyinLatinAmerica.Columbia:The

UniversityofSouthCarolina,n°12(1996)._______. “Novasperspectivas abertaspela arqueologiadaSerradaBarriga”,pales-tra realizadaemSãoPaulo, em25demaiode

1996,emcursosobreculturaafro-brasileiracoordenadoporLiliaM.Schwarcz.GANN,L.H.;DUIGNAN,Peter(org.).ColonialisminAfrica,1870-1960.Cambridge:CambridgeUniversityPress,1969.GARCIA,Luc.LeRoyaumeduDahomeyfaceàlapénétrationcoloniale(1875-1894).Paris:Karthala,1988.GBADAMOSI,T.G.O.TheGrowthofIslamamongtheYoruba,1841-1908.Londres:Longman,1978.GLÉLÉ,MauriceAhanhanzo.LeDanxome.Paris:Nubia,1974.GOULART,Maurício.AescravidãoafricanadoBrasil,3aed.SãoPaulo:Alfa-Ômega,1975.GRAHAM,Maria.JournalofaVoyagetoBrazilandResidencethere,duringPartoftheYears1821,1822,1823.Londres,1824.GURAN,Milton.Agoudas— les “Brésiliens”duBénin: enquête anthropologique et photografique, tesededoutorado apresentada à

ÉcoledesHautesÉtudesenSciencesSociales.Marselha,1996._______.Agudás,os“brasileiros”doBenim.RiodeJaneiro:NovaFronteira,2000.HALLEN,Barry.“Afro-BrazilianMosquesinWestAfrica”,Mimar:ArchitectureinDevelopment,n°29,Singapura,1988.HAMMOND,R.J.PortugalandAfrica,1815-1910:aStudyinUneconomicImperialism.Stanford:StanfordUniversityPress,1966,p.

69.HARGREAVES,JohnD.PreludetothePartitionofWestAfrica.Londres:Macmillan,1963.HAZOUMÉ,Paul.LePactedesangauDahomey.Paris:TransactionsetMémoiresdel’Institutd’Ethnologie,XXV,1937.HERISSÉ,A.Le.L’AncienRoyaumeduDahomey.Paris:Larose,1911.HERSKOVITS,MelvilleJ.Dahomey:anancientWestAfricanKingdom.NovaYork:J.J.Augustin,1938.HISKETT,Mervyn.TheDevelopmentofIslaminWestAfrica.Londres:Longman,1984._______.“TheNineteenth-CenturyJihadsinWestAfrica”.In:FAGE,J.D.;OLIVER,Roland(org.),TheCambridgeHistoryofAfrica,v.

5,org.JohnE.Flint.Cambridge:CambridgeUniversityPress,1976._______.TheSwordofTruth:theLifeandTimesoftheShehuUsumandanFodio.NovaYork:OxfordUniversityPress,1973.HODGKIN,Thomas.NigerianPerspectives:anHistoricalAnthology,2aed.Londres:OxfordUniversityPress,1975.

Page 166: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

IKIME,Obaro.TheFallofNigeria:theBritishConquest.Londres:Heinemann,1977.ISICHEI,Elizabeth.AHistoryofNigeria.Londres:Longman,1983.JAHN,Janheinz.ThroughAfricanDoors.Trad.deOliverCoburn.Londres:FaberandFaber,1962.JOHNSON,Samuel.TheHistoryoftheYorubas.Lagos:C.S.S.Bookshops,1976.A1aediçãoéde1921.KARASCH,MaryC.SlaveLifeinRiodeJaneiro,1808-1850.Princeton:PrincetonUniversityPress,1987.KEA,R.A.“FirearmsandWarfareon theGoldand theSlaveCoasts from theSixteenth to theNineteenthCenturies”,The Journalof

AfricanHistory,v.XII(1971),n°2.LAFFITTE,Abade.Aupaysdesnègres.Tours:AlfredMameetFils,1864.LAOTAN,A.B.“BrazilianInfluenceonLagos”.NigeriaMagazine,n°69,Lagos:1961._______.TheTorchBearersorOldBrazilianColonyinLagos.Lagos:TheIfe-LojuPrintingWorks,1943.LAPIDUS,IraM.AHistoryofIslamicSocieties.Cambridge:CambridgeUniversityPress,1988.LAST,D.M(urray).“ReforminWestAfrica:theJihadMovementsintheNineteenth-Century”.In:AJAY,J.F.Ade;CROWDER,Michael

(org.),HistoryofWestAfrica,v.2,2aed.Londres:Longman,1987._______.TheSokotoCaliphate.Londres:Longman,1967._______. “The Sokoto Caliphate and Borno”. In: Unesco (org.), General History of Africa, v. VI, org. J.F. Ade Ajayi. Londres:

Heinemann/UniversityofCaliforniaPress/Unesco,1989.LAW,Robin.“ALagoonsidePortontheEighteenth-CenturySlaveCoast:theEarlyHistoryofBadagry”,CanadianJournalofAfrican

Studies,v.28(1994),n°1._______.“TheEvolutionoftheBrazilianCommunityinOuidah”,apresentadonosimpósio“RethinkingtheAfricanDiaspora:theMaking

ofaBlackAtlanticWorldintheBightofBeninandBrazil”,UniversidadedeEmory,Atlanta,1998._______.TheOyoEmpirec.1600-c.1836:aWestAfricanImperialismintheEraoftheAtlanticSlaveTrade.Oxford:ClarendonPress,

1977._______.“TradeandPoliticsbehindtheSlaveCoast:theLagoonTrafficandtheRiseofLagos,1500-1800”,TheJournalofAfrican

History,Cambridge,v.24(1983),no3.LAW,Robin;LOVEJOY,Paul. “TheChangingDimensionsofAfricanHistory:Reappropriating theDiaspora”, trabalhoapresentadoà

ReuniãodoProjetoRotadoEscravodaUnesco,Cabinda,1996.LAW,Robin;MANN,Kristin.“WestAfricaintheAtlanticCommunity:theCaseoftheSlaveCoast”,WilliamandMaryQuarterly,3a

série,v.LVI(1999),n°2.LESSA,CladoRibeirode(org.).Crônicadeumaembaixadaluso-brasileiraàCostad’ÁfricaemfinsdoséculoXVIII,incluindootexto

daViagemdeÁfricaemoReinodeDahomé,escritapeloPadreVicenteFerreiraPires,noanode1800,eatéopresenteinédita.SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional(Brasiliana),1957.

LOSI,J.B.O.TheHistoryofLagos,2aed.Lagos:1967.A1aediçãoéde1914.LOVEJOY,PaulE.“BackgroundtoRebellion:theOriginsofMuslimSlavesinBahia”,Slavery&Abolition,v.15(1994),n°2._______.“CernerlesidentitésauseindelaDiasporaafricaine: l’islametl’esclavageauxAmériques”.Trad.deRaphaëlleMasseaut,

CahiersdesAnneauxdelaMémoire,n°1,1999._______.“Jihadeescravidão:asorigensdosescravosmuçulmanosnaBahia”,Topoi,n°1,RiodeJaneiro,2000._______.“ProblemsofSlaveControlintheSokotoCaliphate”.In:LOVEJOY,PaulE.(org.),AfricansinBondage:StudiesinSlavery

andtheSlaveTrade.Madison:AfricanStudiesProgram,UniversityofWisconsin,1986._______. “Slavery in theSokotoCaliphate”. In:LOVEJOY,PaulE. (org.),The Ideology of Slavery inAfrica. BeverlyHills: Sage

Publications,1981._______.“TheMuslimFactorintheTrans-AtlanticSlaveTrade”,comunicaçãoapresentadaàConferênciasobreaÁfricaOcidentaleas

Américas:Repercussõesdotráficodeescravos,UniversityofWestIndies,Mona,Jamaica,20-23defevereirode1997.MACHADOFILHO,AiresdaMata.OnegroeogarimpoemMinasGerais.RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1964.MACK,BeverlyB.“WomenandSlavery inNineteenth-CenturyHausaland”. In:SAVAGE,Elizabeth (org.),TheHumanCommodity:

PerspectivesontheTrans-SaharanSlaveTrade.Londres:FrankCass,1992.MAESTRI,Mário.Osobradoeocativo:aarquiteturaurbanaeruditanoBrasilescravista.Ocasogaúcho.PassoFundo:Universidade

dePassoFundo,2001.MANN, Kristin. Marrying Well: Marriage, Status and Social Change among the Educated Elite in Colonial Lagos. Cambridge:

CambridgeUniversityPress,1985._______. “The Origins of the Diaspora between the Bight of Benin and Bahia during the Era of the Transatlantic Slave Trade”,

apresentadoàreuniãoanualdaAfricanStudiesAssociation.SãoFrancisco,1996.MANNIX,DanielP.;COWLEY,Malcolm.HistoriadelaTratadeNegros,trad.espanholadeBlackCargoes:aHistoryoftheAtlantic

SlaveTrade.Madrid:AlianzaEditorial,1970.MARAFATO,Massimo.BrazilianHousesNigeriane.Lagos:IstitutoItalianodiCultura,1983.

Page 167: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

MARTY,Paul.Étudesurl’islamauDahomey.Paris:ErnestLeroux,1926.MELLO,EvaldoCabralde.OnorteagrárioeoImpério.RiodeJaneiro:NovaFronteira,1984.MILLER,JosephC.“ANoteonCasanzeandthePortuguese”.CanadianJournalofAfricanStudies,v.VI(1972).MONTEIL,Vincent. “Analyse de 25 documents arabes desMalês deBahia (1835)”. Bulletin de l’Institut Fondamentale d’Afrique

Noire,B,29(1967),n°1-2._______.L’Islamnoir.Paris:EditionsduSeuil,1964.MORAESFILHO,Mello.FestasetradiçõespopularesdoBrasil.RiodeJaneiro:H.Garnier,1901.MOURA,Roberto.TiaCiata e aPequenaÁfrica noRio de Janeiro,2a ed.Rio de Janeiro: Prefeitura daCidade doRio de Janeiro /

DepartamentoGeraldeDocumentaçãoeInformaçãoCultural,1955.MUMFORD,Lewis.TheCityinHistory.Harmondsworth:PenguinBooks,1973.MURRAY,Jack.“OldLagos”e“OldHousesinLagos”,NigeriaMagazine,n°38e46,Lagos.NEWBURY,C.W.TheWesternSlaveCoastanditsRulers.Oxford:ClarendonPress,1961.OCARBONÁRIO,12junho1886.OLINTO,Antonio.BrasileirosnaÁfrica.RiodeJaneiro:EdiçõesGRD,1964.OLIVEIRA,MariaInêsCôrtesde.Oliberto:oseumundoeosoutros—Salvador,1790/1890.Salvador:Corrupio,1988.PANTOJA, Selma; SARAIVA, José Flávio Sombra (org.).Angola e Brasil nas rotas doAtlântico Sul. Rio de Janeiro: Bertrand do

Brasil,1998.PARRINDER,E.G.TheStoryofKetu,anAncientYorubaKingdom.Ibadan,1956.PEREIRA,DuartePacheco.EsmeraldodeSituOrbis.Introd.eanotaçõesdeDamiãoPeres.Lisboa:AcademiaPortuguesadeHistória,

1954.PEREIRA,Nunes.ACasadasMinas.Petrópolis:Vozes,1979.A1aediçãoéde1947.PIRES,FernandoTasso.Antigasfazendasdecafédaprovínciafluminense.RiodeJaneiro:NovaFronteira,1980._______.Fazendas:solaresdaregiãocafeeiradoBrasilImperial.FotografiasdePedroOswaldoCruz.RiodeJaneiro:NovaFronteira,

1986.PRADO,J.F.deAlmeida.OBrasileocolonialismoeuropeu.SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional(Brasiliana),1956.PRIESTLEY,Margaret.WestAfricanTradeandCoastSociety:aFamilyStudy.Londres:OxfordUniversityPress,1969.QUERINO,Manuel.CostumesafricanosnoBrasil,2a ed., prefácio, notas eorg.deRaúlLody.Recife:Fundação JoaquimNabuco /

Massangana,1988.QUIRING-ZOCHE,Rosemarie. “Luta religiosa ou luta política?O levante dosmalês daBahia segundouma fonte islâmica”,Afro-

Ásia,n°19-20,Salvador,1997.RAMOS,Arthur.Asculturasnegrasdonovomundo.SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional,1946.A1aediçãoéde1936._______.Introduçãoàantropologiabrasileira.RiodeJaneiro:CasadoEstudantedoBrasil,1943._______.Onegrobrasileiro.Recife:FundaçãoJoaquimNabuco:Massangana,1988.A1aediçãoéde1934._______.Onegronacivilizaçãobrasileira.RiodeJaneiro:CasadoEstudantedoBrasil,1956.RAYMOND,Jean-Françoisde.ArthurdeGobineauetleBrésil:correspondancediplomatiqueduMinistredeFranceàRiodeJaneiro.

Grenoble:PressesUniversitairesdeGrenoble,1990.READERS,George.LeComteGobineauauBrésil.Paris:1934.REBELO,ManueldosAnjosdaSilva.RelaçõesentreAngolaeBrasil.Lisboa:AgênciaGeraldoUltramar,1970.“RECONHECIMENTO da Independência do Império do Brasil pelos reis d’África”, Revista Trimestral do Instituto Histórico e

GeográficoBrasileiro,tomoLIV(1891),parteII.REGO,A.daSilva.AduplarestauraçãodeAngola,1641-1648.Lisboa:AgênciaGeraldasColônias,1948._______.Relaçõesluso-brasileiras,1822-1953.Lisboa:EdiçõesPanorama,1956.REICHERT,Rolf.OsdocumentosárabesdoArquivoPúblicodoEstadodaBahia.Salvador:CentrodeEstudosAfro-Orientais,1970.REIS,JoãoJosé.“Olevantedosmalês:umainterpretaçãopolítica”.In:REIS,JoãoJosé;SILVA,Eduardo(org.),Negociaçãoeconflito:

aresistêncianegranoBrasilescravista.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1989._______.RebeliãoescravanoBrasil:ahistóriadolevantedosmalêsem1835.SãoPaulo:Brasiliense,1986.A2aediçãoéde1987._______. Slave Rebellion in Brazil: theMuslim Uprising of 1835 in Bahia. Trad. de Arthur Brakel. Baltimore: The Johns Hopkins

UniversityPress,1993._______. “Um balanço dos estudos sobre as revoltas escravas na Bahia”. In: REIS, João José (org.). Escravidão e invenção da

liberdade:estudossobreonegronoBrasil.SãoPaulo:Brasiliense,1988.REIS,JoãoJosé;FARIAS,P.F.deMoraes.“IslamandSlaveResistanceinBahia,Brazil”,IslametsociétésausudduSahara,3,1989.RELATÓRIOapresentadoàAssembleiaGeralLegislativapeloministroesecretáriod’EstadodosNegóciosEstrangeirosemaSessão

Page 168: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Ordináriade1833.RiodeJaneiro,1833.RELATÓRIOSdaRepartiçãodosNegóciosEstrangeiros.RiodeJaneiro,1833a1888.RIDER,Alan.BeninandtheEuropeans,1485-1897.Londres:Longman’s,GreenandCo.Ltd.,1969.RIO,Joãodo.AsreligiõesnoRio.RiodeJaneiro:NovaAguilar,1976.A1aediçãoéde1902.ROBERTSON,G.A.NotesonAfrica.Londres:Tip.Laemmert,1819.RODRIGUES,JoséHonório.BrasileÁfrica:outrohorizonte.RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1961.RODRIGUES,Nina.OsafricanosnoBrasil,revisãoeprefáciodeHomeroPires.SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional(Brasiliana),

1932.ROMERO,Sílvio.EstudossobreapoesiapopulardoBrasil.RiodeJaneiro:Laemmert,1888.ROSS,DavidA.“Dahomey”.In:CROWDER,Michael(org.),WestAfricanResistance,novaed.Londres:Hutchinson,1978._______.“TheCareerofDomingoMartinezintheBightofBenin,1833-64”,TheJournalofAfricanHistory,Londres,v.VI(1965),n°

1.RUGENDAS,JohannMoritz.ViagempitorescaatravésdoBrasil.BeloHorizonte/SãoPaulo:Itatiaia/EditoradaUniversidadedeSão

Paulo,1989.SANDERSON, G.N. “The European Partition of Africa: Origins and Dynamics”. In: FAGE, J.D.; OLIVER, Roland (org.), The

CambridgeHistoryofAfrica,v.6,org.porRolandOlivereG.N.Sanderson.Cambridge:CambridgeUniversityPress,1985.SANNEH,Lamin.“TheOriginsofClericalisminWestAfricanIslam”,TheJournalofAfricanHistory,XVII(1976),n°1.SARMENTO,Augusto.PortugalnoDahomé.Lisboa:LivrariaTavaresCardoso&Irmão,1891.SARRACINO,Rodolfo.LosquevolvieronaAfrica.Havana:EditorialdeCienciasSociales,1988.SELJAN,Zora.NoBrasilaindatemgentedaminhacor?Salvador:SecretariaMunicipaldeEducaçãoeCulturadeSalvador,1978._______.“XaxáIesuahistória”,CorreiodaManhã,RiodeJaneiro,29jun.1963.SHAGARI, Alhaji Shehu; BOYD, Jean. Uthman dan Fodio: the Theory and Practice of his Leadership. Lagos: Islamic Publications

Bureau,1978.SHEPPERSON, George. “The African Abroad or the African Diaspora”. In: RANGER, T.O. (org.), Emerging Themes of African

History.Dar-es-Salaam:EastAfricanPublishingHouse,1968.SILVA,AlbertodaCostae.As relaçõesentreoBrasileaÁfricaNegra,de1822àPrimeiraGuerraMundial.Luanda:Ministério da

Cultura/MuseuNacionaldaEscravatura,1996._______.“Brasileñosy‘Brasileños’enlaCostaOccidentaldeAfrica”,RevistadeCulturaBrasileña,n°51,Madri,1980._______.OvíciodaÁfricaeoutrosvícios.Lisboa:EdiçõesJoãoSádaCosta,1989.SILVA,CarlosEugenioCorrêa da.Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. JoãoBaptista deAjudá naCosta daMina, em

1865.Lisboa:ImprensaNacional,1866.SILVA,Eduardo.PrinceofthePeople:theLifeandTimesofaBrazilianFreeManofColour.Trad.deMoyraAshford.Londres:Verso,

1993.Ed.brasileira:DomObáIId’África,opríncipedopovo.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1998.SINOU,Alain;OLOUDE,Bachir.PortoNovo,Villed’Afriquenoire.Marseille,1988.SLENES,Roberto.Nasenzala,umaflor.RiodeJaneiro:NovaFronteira,1999.SMITH,RobertS.KingdomsoftheYoruba.Londres:Methuen,1969._______.TheLagosConsulate,1851-1861.Londres:TheMacmillanPress/TheUniversityofLagosPress,1978.SORENSEN,Caroline.Badagry1784-1863:thePoliticalandCommercialHistoryofaPre-ColonialLagoonsideCommunityinSouth

WestNigeria,tesededoutorado,UniversidadedeStirling,1995.SOURDEL,DominiqueeJanine.Dictionnairehistoriquedel’islam.Paris:PressesUniversitairesdeFrance,1996.SOUZA,NorbertoFranciscode.“Contributionàl’histoiredelafamilledeSouza”,Étudesdahoméennes,13.PortoNovo,1955.SOUZA,Simonede.LaFamilleDeSouzaduBénin-Togo.Cotonou:LesEditionsduBénin,1992.TALBOT,P.A.PeoplesoftheSouthernNigeria.Londres,1926.TRIMINGHAM,J.Spencer.AHistoryofIslaminWestAfrica.Londres:OxfordUniversityPress,1975.A1aediçãoéde1962._______.IslaminWestAfrica.Oxford:ClarendonPress,1959.TURNER,J.Michael.“IdentidadeétnicanaÁfricaOcidental:ocasoespecialdosafro-brasileirosnoBenim,naNigéria,noTogoeem

GananosséculosXIXeXX”,Estudosafro-asiáticos,n°28,RiodeJaneiro,1995._______. Les Bresiliens: the Impact of Former Brazilian Slaves upon Dahomey, tese de doutorado apresentada à Universidade de

Bostonem1975.VARGENS,JoãoBaptistaM.;LOPES,Nei.Islamismoenegritude.RiodeJaneiro:SetordeEstudosÁrabesdaFaculdadedeLetrasda

UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,1982.VERGER, Pierre. Bahia and theWest Coast Trade (1549-1851). Ibadan: The Institute of African Studies / Ibadan University Press,

Page 169: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

1964._______.Fluxet refluxde la traitedesnègresentre legolfedeBéninetBahiadeTodososSantosduXVIIeauXIXe siècle. Paris:

Mouton,1968._______.FluxoerefluxodotráficodeescravosentreogolfodoBenineaBahiadeTodososSantos,dosséculosXVIIaXIX.Trad.

deTassoGadzanis.SãoPaulo:Corrupio,1987._______.“InfluenceduBrésilaugolfeduBénin”.In:LesAfro-Américains,Mémoiresdel’InstitutFrançaisdel’AfriqueNoire,n°27,

Dacar,1953._______.“LeCultedesVodound’Abomeyaurait-ilétéapportéàSaint-LouisdeMaranhonparlamèreduroiGhézo?”In:LesAfro-

Américains,Mémoiresdel’InstitutFrançaisd’AfriqueNoire,n°27,Dacar,1953._______.“Nigeria,BrazilandCuba”,NigeriaMagazine,númeroespecialdedicadoàindependência.Lagos:1960._______.TradeRelationsbetweentheBightofBeninandBahia,17th-19thCentury.Ibadan:IbadanUniversityPress,1976.WHITE,Gavin.“FirearmsinAfrica:anIntroduction”,TheJournalofAfricanHistory,v.XII(1971),n°2.WILKS,Ivor.“ConsulDupuisandWangara:aWindowonIslaminEarly-Nineteenth-CenturyAsante”,SudanicAfrica,6(1995).WILLIAMS,Eric.CapitalismandSlavery.Londres:AndréDeutsch,1967._______.FromColumbustoCastro:theHistoryoftheCaribbean—1492-1969.Londres:AndréDeutsch,1970.WILLIS,JohnRalph.“Jihadand the IdeologyofEnslavement”. In:WILLIS, JohnRalph (org.),Slaves&Slavery inMuslimAfrica.

Londres:FrankCass,1985.WOOD,J.Buckley.HistoricalNoticesofLagos,WestAfrica.Lagos,1878.

Page 170: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Referênciasdostextos

“AsrelaçõesentreoBrasileaÁfricaNegra,de1822àPrimeiraGuerraMundial”foipublicado,emespanhol,non°51daRevistadeCulturaBrasileña(Madri,outubrode1980),incluídonomeulivroO vício da África e outros vícios (Lisboa: João Sá da Costa, 1989) e reeditado em plaquete, AsrelaçõesentreoBrasileaÁfricaNegra,de1822à1aGuerraMundial(Luanda:MuseuNacionaldaEscravatura,1996).

“OBrasil,aÁfricaeoAtlânticonoséculoXIX”foipublicadonon°52darevistaStudia (Lisboa,1994),republicadonon°21darevistaEstudosAvançados(SãoPaulo,maio-agostode1994)e,emespanhol, no n° 9 da revista AmericaNegra (Bogotá, 1995); reproduzido no catálogo Negro decorpoealma,daexposiçãocomomesmotítulo,dentrodaMostradoRedescobrimento(SãoPaulo:AssociaçãoBrasil500AnosArtesVisuais,2000),enocatálogodaexposiçãoParanuncaesquecer:negrasmemórias/memóriasdenegros(RiodeJaneiro:MinistériodaCultura,2001).

“OBrasileaÁfrica,nosséculosdotráficodeescravos”foilido,nooriginaleminglês,naaberturado colóquio “Enslaving Connections: Changing Cultures of Africa and Brazil during the Era ofSlavery”,realizadonaUniversidadedeYork,emToronto,emsetembrode2000.Publicado,comotítulo“Africa-Brazil-AfricaduringtheEraoftheSlaveTrade”,emEnslavingConnections:ChangingCultures of Africa and Brazil during the Era of Slavery, organizado por José C. Curto e Paul E.Lovejoy(Amherst,NovaYork:Prometheus/HumanityBooks,2003).

“Otratodosviventes”foipublicado,comotítulo“OmiolonegreirodoBrasil”,nosuplementon°66doJornaldeResenhasdaFolhadeS.Paulo,em9desetembrode2000.

“UmavisitaaoMuseudeLagos”e“OssobradosbrasileirosdeLagos”forampublicadossobotítulo“Nigéria: um pouco doBrasil naÁfrica”, no Jornal de Letras (Rio de Janeiro, maio de 1962), eincluídosemOvíciodaÁfricaeoutrosvícios.

“OsbrasileirosdeLagos” foipublicadonon°57doJornaldeLetraseArtes (Lisboa, outubro de1962)e,divididoemduaspartes,nosuplementoliteráriodoCorreiodaManhã(RiodeJaneiro,em24denovembrode1962e9defevereirode1963)eincluídoemOvíciodaÁfricaeoutrosvícios.

“UmdomingonoreinodoDangomé”foipublicadoemOGlobo(RiodeJaneiro,em7denovembrode1972)eincluídoemOvíciodaÁfricaeoutrosvícios.

“OsbrasileirosouagudáseaocupaçãocolonialdaÁfricaOcidental:cumplicidade,acomodaçãoeresistência”foiapresentadonaIIIReuniãoInternacionaldeHistóriadaÁfrica,realizadaemLisboa,de20a24desetembrode1999,efiguranovolumedesuasatas,AÁfricaeainstalaçãodosistemacolonial(c.1885-c.1930),organizadoporMariaEmíliaMadeiraSantos(Lisboa:CentrodeEstudosdeHistóriaeCartografiaAntigadoInstitutodeInvestigaçãoCientíficaTropical,2000).

“SerafricanonoBrasildosséculosXVIIIeXIX”foilidonocolóquio“Serafricano”,realizadoemLuanda, em julho de 1996. Publicado no n° 151 da revista Tempo Brasileiro (Rio de Janeiro,outubro-dezembrode2002).

“Um chefe africano em Porto Alegre” foi apresentado, em inglês, no seminário “IdentifyingEnslaved Africans: the ‘Nigerian’ Hinterland and the African Diaspora”, realizado na York

Page 171: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

University,emToronto,emjulhoeagostode1997,epublicado,comotítulo“PortraitsofAfricanRoyaltyinBrazil”,emIdentityintheShadowofSlavery,organizadoporPaulE.Lovejoy(Londres/NovaYork:Continuum,2000).

“ComprandoevendendoAlcorõesnoRiodeJaneirodoséculoXIX”foiapresentado,eminglês,nocolóquio “Rethinking the Africa Diaspora: theMaking of a Black AtlanticWorld in the Bight ofBeninandBrazil”,realizadonaprimaverade1998naEmoryUniversity,emAtlanta,epublicadonon°22da revistaSlavery&Abolition (Londres, abril de 2001) e no volumeRethinking theAfricaDiaspora: theMakingof aBlackAtlanticWorld in theBight ofBenin andBrazil, organizadoporKristinManneEdnaG.Bay(Londres:FrankCass,2001).

“Apropósitodofrevo”foipublicadonoJornaldeLetras(RiodeJaneiro,fevereirode2000).

“Sobre a rebeliãode1835, naBahia” apareceunon°31da faseVII daRevistaBrasileira (Rio deJaneiro,abril-maio-junhode2002).

“A casa do escravo e do ex-escravo” foi lido no “Colóquio Internacional sobre Escravatura eTransformaçõesCulturais”,realizadonaUniversidadedeÉvora,de28a30denovembrode2001,efigura no volume de suas atas, Escravatura e transformações culturais, África-Brasil-Caraíbas,organizadoporIsabelCastroHenriques(Lisboa:Vulgata,2002).

“A história daÁfrica e a sua importância para o Brasil” foi a palestra de abertura da II ReuniãoInternacionaldeHistóriadaÁfrica,realizadanoRiodeJaneiro,de30deoutubroa1denovembrode 1996, e figura no volume de suas atas, A dimensão atlântica da África (São Paulo: Centro deEstudosAfricanosdaUSP/ServiçodeDocumentaçãodaCapes,1997).

Page 172: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Índiceremissivo

.

AabadáAbdal-Rahman(imameturco).VerAl-Dimashqi,Abdal-RahmanibneAbadallahal-BaghadadiAbdal-Salam(ulemáhauçá)Abdullah,Mohammad(ulemáfula),Abeokutaabexins.VeretíopesAbidjãabinusAbiodun(alafimdeOió)abolicionismo

BrasilAbomé

museupalácioreal

Abubacar,Mala(imame)Abuncare(alufánagô)acanesacãsachanti.VerAxanteAcpenuAcraAcuamu

armasdefogoaçúcar

AntilhasBrasilCaraíbascomérciodoÍndia

Adamaua,planaltodoAdams,WilliamY.Adandozan(reidoDaomé)AdarunzáVIII.VerAgongloAdele(obádeLagos)administradorcolonial

comoetnólogoehistoriador

Page 173: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Ado-Ekitipalácio

Afonja(baledeIlorin)África

estados-naçõeshistórialigaçõesmarítimascomoBrasilpresençaoficialdoBrasilrepercussãodosacontecimentosnoBrasilvistapeloseuropeus

África,revista(Edimburgo)África,revista(SãoPaulo)africanos

comerciantesnoBrasildeportadospolíticosnoBrasilestudantesnoBrasilnaformaçãodaculturabrasileiranaformaçãodapopulaçãobrasileiranametalurgianoBrasilnamineraçãodediamantenoBrasilnamúsicabrasileiranapecuárianoBrasilnovasidentidadesnoBrasil

Afro-Ásia,revista,AgadésAgaja(reidoDaomé)agboilêAgênciaGeraldoUltramarAgonglo(reidoDaomé)AgontiméAgontinme,Naye.VerAgontimé,NãAguanzum,tratadodeagudásVertambémbrasileirosnaÁfrica

trajesfemininosAguêAhmadu(sultãotucolor)Ahmed,Atahiru(sultãodeSocotô)AjamiAjayi,J.F.AdeAjudáAjudá,Príncipede.VerAlmeida,JoséCustódioJoaquimdeAka,Sanusi(arquiteto)Akinjogbin,I.A.Akinsemoyin(obádeLagos)Akitoye(obádeLagos)AkranAkure,paláciode

Page 174: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

akus.VersarôsAladáAlafimAlagoa,E.J.Alami(ulemáfula)Al-Bakri(escritorárabe)Al-Busiri(poetasufista)Al-Cadir,AbdAlcorão

naBahianacasadosmuçulmanos

noRiodeJaneironacasadosmuçulmanos

vendidonoRiodeJaneiroAl-Dimashqi,Abdal-RahmanibneAbadallahal-BaghadadiAleijadinhoAlemanha

colonialismonaÁfricaAlencastro,LuizFelipedeAlentejo“Alfaiate”.VerSantos,JoséFranciscodosalforriadeescravosAlgarveAl-Kanemi,MuhammadibneAminibneMuhammadAlmada,AndréÁlvaresd’Al-Maghili,MuhammadibneAbdalKarimAl-Masudi(historiadorárabe)Almeida,AntônioAlmeida,Casimird’Almeida,FranciscoJosédeLacerdaeAlmeida,Joaquimd’Almeida,JoséCustódioJoaquimdeAl-SadiAl-Salih.VerAlamiAl-Suyuti,Jalalal-Din(ulemáegípcio)AltaGuinéalufá.VerulemáAl-UmariÁlvares,Francisco(padre)Alves,CastroAlves,RodriguesAl-Yakube(escritorárabe)Amaral,JoaquimTomásdo.VerCaboFrio,viscondedeamarôsambundos

instituiçãodoamoamendoim

Page 175: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Amigos,Dos(traficantenegreiro)andongosAndrade,MáriodeAnécho.VerAnexôAneho.VerAnexôAnexô.VertambémPopôPequenoAngocheAngoioAngola

conquistaholandesaconsuladobrasileiroescravidão.VerescravidãojesuítasreaçõesàIndependênciadoBrasilreconquistaportuguesarelaçõescomoBrasil.VerBrasiltráficodeescravos.Vertráficodeescravos

AngolaaquiluanjeAngolaJanga.VerPalmares,quilombodeangolasangúnisAninha(mãe-de-santo).VerSantos,EugêniaAnaAnoBom,ilhadeAntilhas.VertambémCaraíbas

açúcar.VeraçúcarApaárabes

emigraçãoparaoBrasilnaÁfrica

ArábiaardosArdra.VerAladáAreonakakanfoArgelArgéliaAri,Angola(reiandongo)Arkell,A.J.armasdefogo

ÁfricaDaoméporescravos

arosarquitetura

africananoBrasil

brasileiranaÁfrica

Page 176: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

naNigériapopular

iorubananorte-americana

naÁfricaAsante.VerAxanteAsmaassuvieAtanlé,reiAtlântico,oceano

naformaçãodoBrasilAtôAtouetáauçá.VerhauçáAwhanjigo(bairrodeBadagry)Awolowo,ObafemiAwoumènouAxante

armasdefogoguerrascontraosbritânicos

AxéOpôAfonjáAxumazeite-de-dendêAzenkuaII(obádoBenim)

BbabalorixáBadagry

muçulmanosBagéBahia

catequeseislamitaestudantesafricanosmuçulmanosrevoltasmuçulmanas

baiana,trajedabalagandãsbambarasBamgbose,rua(Lagos)BamumbantosBarãodeSãoFélix,rua(RiodeJaneiro)

mesquitamuçulmanos

Barbosa,Rui

Page 177: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Barbot,JeanBarboza,MarioGibsonbaribasBarros,JoãodeBarth,HenryBastide,RogerBathurstBauchiBay,EdnaG.Bayol,JeanBeecroft,JohnBéhanzin(reidoDaomé)Béhanzin,CamilleBeier,UlliBélgica

colonialismonaÁfricaBello,Muhammad(sultãodeSocotô)Benedito,sãoBengo,rioBenguela

reaçõesàIndependênciadoBrasilBenim,golfodoBenim,reinodo

bronzesesculturareconhecimentodaIndependênciadoBrasil

Benim,RepúblicadoBerlimBiébijagósBiladal-SudanBillAberdeenBiobaku,S.Birmingham

armasdefogoBirmingham,Davidbirnibissagós.VerbijagósBoahen,AduBocadoRioboersBoi,festado.Vertambémbumba-meu-boiBolíviaBombaimBonfim,MartinianodoBonifácio,José.VerSilva,JoséBonifáciodeAndradaeBorges,Lázaro

Page 178: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

BorguBoris(cultodos)Bornu

guerrasantacontraUsumandanFodioplantações.Verplantações

bornusBostonBouche,Pierre(abade)Bradbury,R.E.Braga,JúlioSantanaBranco,JoaquimBrasil

aboliçãodaescravaturaaboliçãodotráficonegreiroabolicionismoacordossobreotráficonegreirocomérciocomaÁfricaconsuladoemLuandaconsuladosnaÁfricadiscórdiacomaGrã-BretanhapelotráficonegreiroescravidãoexíliopolíticodeafricanosimigraçãoárabeimigraçãoeuropéiaindependêncialigaçõesmarítimascomaÁfrica.VertambémÁfrica,ligaçõesmarítimascomoBrasilmiscigenaçãoracialpolíticaexternapresençaoficialnaÁfricareconhecimentodaindependência

obádeLagosobádoBenim

relaçõescomAngolarelaçõescomGoarepercussãodosacontecimentosnaÁfricarestriçõesreligiosasduranteoImpériotráficonegreiro

Brasil,AssumanoMinadobrasileiros

auxiliaresdeBéhanzinemAboméemAcra.Ver“tá-bom”,povoemAjudáemAngola(soldados)emLagos

arquiteturacomerciantes

Page 179: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

muçulmanosemPortoNovonaÁfrica.Vertambémagudás;exescravosretornadosparaaÁfrica

arquitetura.Vertambémarquitetura,brasileira,naÁfricaartesãoscatólicoscomerciantescontrastecomsarôsdançadiantedocolonialismoeuropeuenvolvimentonapolíticalocalmuçulmanosmúsicateatrotraficantesdeescravostrajesfemininosveneradoresdeorixás

naNigériaarquitetura

naRepúblicadoBenimnoDaomé

nosexércitosdeBéhanzinnoGabãonoTogo

Brazil,EtienneIgnace“BrazilianQuarter”(Lagos)Brazza,PierreSavorgnandeBrew,RichardBruce,JamesBuenosAires

tráficonegreiroBulletindel’InstitutFrançaisdel’AfriqueNoirebumba-meu-boi.VertambémburrinhaBurckhardt,Jacob“Burda”(poemadeAl-Busiri)Buréburrinhaburrinhão.VerburrinhaBurton,RichardBurundiBussa,Peterbúzios

CCaarta

Page 180: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

cabaçadecoradaCabindacabindasCabodaBoaEsperançaCaboFrio,viscondedeCaboVerde,ilhasde

tecidosCabral,PedroÁlvaresCaçanjecachaçaCacheuCacongoCadamosto,LuísdeCadirija(ordem)café(plantaçõesde)cafresCaillié,RenéCalógeras,Pandiácalunga

bonecadomaracatusímbolodepodernaÁfrica

Câmara,EusébiodeQueirósCoutinhoMatosoCamarõesCamões,LuísVazdeCamposSquare,rua(Lagos)candomblé.Vertambémorixás,religiãodoscanembuscantosoupontosdetrabalhocanúrisCapelo,HermenegildoCaraíbas.VertambémAntilhas

açúcar.VeraçúcarCardoso,LourençoA.caritécarne-secaCarolinadoSulCarreira,AntônioCartagenadeÍndiasCarvalho,HenriqueAugustoDiasdeCarvalho,JoaquimManueldeCarvalho,MáximodeCasadaÁgua(Lagos).Ver“WaterHouse”(Lagos)CasadasMinas(SãoLuísdoMaranhão)Cascudo,LuísdaCâmaraCassanzecastas

naÁfrica

Page 181: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Castelnau,FrancisdeCasteloBranco,NicolaudeAbreuCastro,GuilhermeCastro,YedaPessoadecatolicismo

dosbrasileirosnaÁfricacavalaria

naÁfricaCentrodeEstudosAfricanosdaUniversi-dadedeSãoPauloCentrodeEstudosAfro-AsiáticosdaUniversidadeCândidoMendesCentrodeEstudosAfro-OrientaisdaUniversidadedaBahiacerâmica

africanaCerulli,EnricoChabaChachá.VertambémSouza,FranciscoFélixdechachásChade,lagocharquechefedepalha

naÁfricanoBrasil

ChiquitosChittick,NevilleChokwe.VerQuiocoscimarronesClapperton,HughClark,DesmondClarkson,ThomascocadaCochrane,LordCoelho,AntônioVazCoelhoNetoCogio,PedroColômbiacolonialismoeuropeu

ÁfricacompetiçãoentreFrançaeAlemanha

Comalagãcomércio

BrasilcomaÁfricacomaÁfrica

competiçãoentreeuropeuscontrolepeloseuropeus

competiçãoentrebrasileiroseeuropeuscompetiçãoentrebrasileiroseportuguesescompetiçãoentreeuropeuseafricanos

Page 182: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

triangularcomeyComissãoMistaBritânico-Brasileira

RiodeJaneiroSerraLeoa

CompanhiaDramáticaBrasileira(Lagos)Conceição,CarmenTeixeiradaConceição,RomanadaConferênciaAnti-EscravistadeBruxelas(1890)Congo,atualRepúblicaDemocráticadoCongo,colôniabelga

escravidãoCongo,reinodo

mamelucosbrasileirosCongo,rio.VerZaire,rioCongonhasdoCampocongosCongressodeBerlim(1884-1885)Connah,Grahamcontas(Ifé)Conti-Rossini,CarloConvençãode23deNovembrode1826,entreoBrasileGrã-BretanhaCornevin,MarianneCornevin,RobertCosta,HipólitoJosédaCosta,JoãoBaptistadaCosta,MacieldaCosta,PereiradaCostadaMinaCostadoMarfimCostadoOuroCostadosEscravosCosmeeDamião,são

naÁfricaCotegipe,barãodeCotonu

sobcontrolefrancêscravoCrônicadeKanoCrônicadeQuíloaCrowder,MichaelCuango,rioCuanza,rioCuba

tráficonegreirocubasCunha,ManuelaCarneiroda

Page 183: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Cunha,MarianoCarneirodaCurtin,PhilipD.

DDacardadáDahomei.VerDaoméDalzel,ArchibaldDangomé.VerDaoméDanxomé.VerDaoméDaomé

armasdefogodisputacomaFrançaporCotonudisputaentrePortugaleFrançaescravidão.VerescravidãoguerracontraaFrançaplantações.VerplantaçõesprotetoradobrasileiroprotetoradoportuguêstráficodeescravosvassalodeOió

Daomé,reido.Verdadá.Daomé,Repúblicado.VerBenim,Repúblicadodaral-harbdaral-IslamDarwin,CharlesDavidson,BasilDelafosse,MauricedembosDemerara,colôniadeDenquira

armasdefogoDerain,AndréDeschamps,HubertdhimmiDiadiamantes(Brasil)Dias,HenriquediulasDocemo.VerDosumo(obádeLagos)Dodds,Alfred-AmédéeDongo,reido.VertambémAri,AngolaDosumo(obádeLagos)Dosunmu.VerDosumo(obádeLagos)Dupont(livreiro)

Page 184: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

EedosEfigênia,santaefóEgarevba,JacobegbadosegbasEgitoEko.VertambémLagoseleko.VerologunEsilogun.VertambémOsinlokunElizabethII,doReinoUnidoElmina.VerMinaemancipadoembaixadas

africanasaoBrasilafricanasàsCaraíbasdoBrasilparaaÁfrica

emigraçãoeuropéia

emiral-mumininEngels,FriedrichEpeEquiano,OlaudahEquitisErnst,Richterescravidão

ÁfricaAngolaBrasilCongoDaoméfulasHauçalândiaÍndiaIoruboislameMagrebeNigériaoceanoÍndicoOrienteMédioTanganicaZanzibar

escravosalforria

Page 185: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

artistaseartesãoscomomoedadeganhodesterradospolíticosmuçulmanosnaGuerradoParaguainoBrasil

ingressomoradiamuçulmanosnovasidentidadesétnicaspopulaçãooposiçãoentreafricanosecrioulosorigem

noRiodeJaneiroorigem

nosEstadosUnidosorigem

porarmasdefogoreisearistocratasafricanosretiradosdenaviosnegreiros

reenvioparaaÁfricatráfico

Daoméimportânciaparaestadosafricanosinterafricanopodereriquezadosreisafricanos

esculturaafricana

noBrasilBenimemcimentoibibioiboIféiorubananoBrasil

deartistasnegrosNok

EsmeraldodeSituOrbisEspanha

colonialismonaÁfricaEstadosUnidosestradadeferro

Londres-RiodeJaneiroEstremaduraEstudosAfro-Asiáticos,revista

Page 186: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

esusuetíopesEtiópiaEuropa

controledocomérciocomaÁfricaemigraçãoparaoBrasilindustrializaçãonaÁfrica,entreocomércioeacolonização

europeusnaÁfrica

evésEwonwu,Ben(escultornigeriano)ex-escravos

deCubadepoimentosmuçulmanosnoBrasilnocomérciodeescravosretornadosparaaÁfrica.VertambémbrasileirosnaÁfrica

FFabunmi,LawrenceA.Fagan,BrianFage,J.D.Fagg,BernardfantesFarias,PauloFernandodeMoraesFatihaFauchon(livreiro)Fazenda,JoséVieirafeijão-de-leitefeijoadaFernandoPóFerras,MarcosBorgesFerretti,Sérgioferro(Brasil)filáFisher,HumphreyJ.Florentino,ManoloFodio,AbdullahidanFodio,Usumandan

naÁfricafonsFortalezaFoulahTown

Page 187: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

FourahBayFrança

colonialismonaÁfricacontrolesobreCotonudisputacomPortugalpeloDaoméguerracontraoDaomé

Francisca(mulherdeGuezo)FreetownfrevoFreyre,GilbertoFrobenius,LeoFromm,ErichFruku(príncipedaomeano)Fulani.Verfulasfulas

escravidãoFulbe.Verfulasfulfulde(idioma)

GGabãoGalvão,BenvindodaFonsecaGalvão,CândidodaFonsecaGama,InácioJoséNogueiradaGama,LuísGâmbia,rioGanaGana,IdrisSalu(imame)Gana,RepúblicadegandayeGangan.VerGuinguémGankpé,príncipe.VerGuezo(reidoDaomé)GanviéGaôGarlake,PeterS.gãsGelelê.VerGlelêGezo.VerGuezo(reidoDaomé)Ghèzo.VerGuezo(reidoDaomé)Gibbon,EdwardGide,AndréGlelê(reidoDaomé)Goa.VerBrasil,relaçõescomGoaGobineau,condedeGobir

Page 188: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

GodoméGoiásGomes,DiogoGomes,JoaquimFelicianoGoody,JackGoréaGrã-Bretanha

acordossobreotráficonegreirocolonialismonaÁfrica.VertambémcolonialismoeuropeucombateaotráficonegreirocombateaotráficonegreiroeimperialismocontroledeLagoscontroledoAtlânticodiscórdiacomoBrasilpelotráficonegreirodiscórdiacomPortugalporterritóriosafricanosguerracontraAxanteintervençãomilitaremLagosnaÁfrica,entreocomércioeacolonizaçãoprojetoparaPortugalnaÁfricatráficonegreiro.Vertambémtráficonegreiro

Graft-Johnson,J.C.deGrandeZimbabuéGrigrisgriotsgruncesGuduGuerradoParaguaiguerrasantaislâmica

naÁfricaUsumandanFodio

naBahia.Vertambémmalês,rebeliõesnaBahiaGuezo(reidoDaomé)

tronoemAboméGuianaGuilhermina(libertanagô)GuinéGuiné,golfodaGuinguém.VerJengenGujbaGungunhana(reivátua)gunsGurmagurmas

H

Page 189: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Habe.VerhauçásHadejiahauçá(idioma)Hauçalândia

escravidãoplantações

hauçásarquiteturaplantações

Hausa.VerhauçásHaussá.VerhauçásHavanaHaydn,JosefHazoumé,PaulHbek,IvanHegel,FriederichhégiraHenriques,Afonso(reidePortugal)HeródotoHerskovits,MelvilleHilton,AnneHispaniolaHolanda

conquistadeAngolaHook,JohnLoganHopkins,A.G.Houphouët-Boigny,FélixHunwick,JohnO.

IiagbasialorixáIbadanibadansibejisibibios

esculturaemcimento.Veresculturasesculturas.Verescultura

IbneAl-Maktar(historiadorárabe)IbneBatutaIbneKhaldunIbneMuhammad,Abadallah.VerFodio,AbdullahidanIbneUmar,Jibril(xeque)ibos

esculturas.Verescultura

Page 190: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Ibrahim,LiadiAlhaji(imame)ichisIdal-AdhaIdal-FitrIdejoIfé

bronzescontasescultura.Verescultura

IgaIduIganranIgbo.VeribosIgbosere,rua(Lagos)Igbo-Ukwuijaw.VerijósIjebu-Odeijebus

tecidos.VertecidosIjegba(bairrodeBadagry)ijexásijósIkerre

palácioIlorin

mesquitasimalês.Vertambémmalêsimame

deSalvadordoRiodeJaneiro

imbangalasImpérioOtomano

emigraçãoparaoBrasilindenturedservantsÍndia

escravidãoÍndico,oceanoíndiosbrasileiros

soldadosemAngolaInhomirim,viscondedeInquices,religiãodosInstitutFrançaisdel’AfriqueNoireInternationalAfricanInstituteiorubás

arquitetura.VerarquiteturaemSalvadorescultura.VeresculturaislamitasnaBahia

Page 191: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

repatriados.VerbrasileirosnaÁfrica,agudáseamarôsIorubo

guerrasantamuçulmanos

irmandadecatólicaIseyinIsichei,Elizabethislamismo

catequesenaBahiadosbrasileirosnaÁfricaeescravidãoemPernambuconaÁfricanaBahianoBrasilnoIorubonoRiodeJaneiro

ItáliacolonialismonaÁfrica

Ivens,RobertoIwinrin

JjagasJajádeOpobojalofosjama’aJamaicajangalijejes

naBahiarepatriados

Jengen(chefedeBadagry)JennéJequitinhonha,viscondedeJerônimo,“oBrasileiro”,D.VerFrukuJesuína,Maria,nochêjesuítas

emAngolajihad.Verguerrasantaislâmicajihadal-sayfjihadistas.VermujahidunJijibu(mulherdeFranciscoFélixdeSouza)Jinga,rainhadeMatambajinns

Page 192: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

jizyaJoãoVI,d.,(dePortugal)JohanesburgoJohnson,SamuelJuntadeInvestigaçõesCientíficasdoUltramar

KKakawa,rua(Lagos)KanoKati,MahamudKatsinaKaximbown,professor(personagemdehistóriaemquadrinhos)Kebbikendé(anel)KissiumKobishchanov,YuriKondo,príncipe.VerBéhanzinKongo.VerCongosKosoko(obádeLagos)Koya(reinode)Kpengla(reidoDaomé)KrusKumasi

LLaffitte,AbadeLagos

arquiteturabrasileirabombardeiobritânico(1825)brasileiros.VerBrasileiros,emLagoscomerciantesbrasileiroscontrolepelaGrã-BretanhaintervençãomilitardaGrã-BretanhamuçulmanosMuseunotíciadaabolição

Lailatal-QadrLaima,Gidadodan(vizirdeSocotô)Lajawa,ousurpador(obádoBenim)lançadosLange,DierkLaotan,A.B.lariLasPalmas

Page 193: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

LaVoixduDahomeyLaw,RobinLeão,oAfricanoLeGuideduDahomeyLeiÁurea

repercussãonaÁfricaleide4desetembrode1850leide7denovembrodel831Lemon(traficantebrasileirodeescravosemLagos)LeopoldoII(reidaBélgica)Levtzion,NehemiaLewicki,T.Libéria

arquiteturanorte-americanarepresentaçãodiplomáticabrasileiratentativabrasileiradecriação

libertosnoBrasil

moradiaLíbiaLibolo,reinodolibolosLibrevilleLima(artilheiroemLagos)Lima,ManoelAlvesdeLima,VivaldoCostalimano(oulimanu).VerimameLino,FélixLisboaLisboa,AntônioFrancisco.VerAleijadinhoLiverpoolLoangoLobiLobo,Jerônimo(padre)LoméLondresLovejoy,PaulE.Luanda

brasileirosemcidademíticanoBrasilconsuladobrasileiro.VerAngola,consuladobrasileiro

Luanda,ilhadeLudolphus,JobLugard,LordLuís(imamedeSalvador)Luís,WashingtonLunda

Page 194: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

lundasluso-africanos

MMacambira(personagemdeCoelhoNeto)machacaliMachadoFilho,AiresdaMataMacinaMacocoMadeira,ilhadaMádimadistasdoSudãoMagrebeMaguzawa(pagãoshauçás)Mahdi.VerMádimahisMaí(oureideBornu)Maia,PedroMoacyrmalaguetaMalam.VertambémUlemáMalembomalês.Vertambémimalês

rebeliõesnaBahiaMalimalinke.Vermandingasmalinquês.Vermandingasmalomi(ouulemá)malungoMalvinas,ilhasmamelucosbrasileiros

emLuandanoreinodoCongo

mandês.Vermandingasmandingasmandiocamanicassanze(ourégulodeCassanze)Mannheim,Escolademansa(ourei)doMalimarabumaracatuMaranhãoMarcos(traficantebrasileirodeescravosemLagos).VerFerras,MarcosBorgesMarrocosMartinez,Domingo.VerMartins,DomingosJoséMartinica

Page 195: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Martins,DomingosJoséMartins,rua(Lagos)Marx,KarlMaryE.Smith(escuna)Matamba,reinodeMatoGrossoMatos,OrlandoMagnodeMeloMatos,RaimundoJosédaCunhaMauch,CarlMauny,RaymondMaurícias,ilhas

consuladobrasileiroMazura(monomotapa)Meca

peregrinaçãodeafricanosMedeiros,AlfredodeMedeiros,BorgesdeMedeiros,FranciscoJosédeMedeiros,JúliodeMedeiros,OlympiodeMeillassoux,ClaudeMeloNeto,JoãoCabraldeMenezes,AdolfoJustoBezerradeMepon(reidePortoNovo)Méroemesquita

central(Lagos)emPortoNovoemSalvadoremSãoPaulonoRiodeJaneiroShitta(Lagos)

Mesquita,JoséJoaquimEméricoLobodemilhoMiller,JosephC.Mina(cidade)Minás(negus)minas(povo)MinasGerais

africanosnametalurgiadoferromúsicaporafricanoseseusdescendentespresençaafricananasigrejas

Mino(esposadeAdandozan)MoçambiquemoçambiquesmocamboMoçâmedesmocotó

Page 196: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

moganoMombaçamonomotapaMonróviaMonteil,CharlesMonteil,VincentMontevidéuMoraesFilho,MelloMorgan,LewisHenryMorier,RobertMota,AvelinoTeixeiradaMozart,WolfgangAmadeusMucombué(monomotapa)muçulmisMudalugar,Papai.VerReis,ManuelJoaquimdos,Papaimujaddidourestauradordafémujahidunmulatos

naÁfricaMunro-Hay,StuartMuseudeAboméMuseudeLagosmuxurumins

NNabuco,JoaquimNachtigal,Gustavnagôs.VertambémiorubásNamibe.VerMoçâmedesNatalnavegação

costeiranaÁfricanavionegreiro

africanoscomotripulantescomocorreio

Nguni.VerangúnisNiane,D.T.Nietzsche,FriedrichNíger,rioNigéria

escravidão.Verescravidãoindependência

Niterói,HermenegildoFredericoNobre,FranciscoNobre,traficantebrasileirodeescravosemLagos

Page 197: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Nokescultura

NossaSenhoradoRosárionoz-de-colaNúbiaNupenupes

OobádeLagos.VerologunobádoBenim

reconhecimentodaindependênciadoBrasilsuseranodeLagos

ObalufonII(onioureideIfé)ObáIIdaÁfrica.VerGalvão,CândidodaFonsecaObayeme,AdeObockOgot,BethwellOgum(orixá)Ogun,rioOió

suseraniasobreoDaoméoiósOjulari,Idewu(obádeLagos)óleodepalma.Verazeite-de-dendêOlinto,AntonioOliveira,JoãodeOliveira,ValdemardeOliver,Rolandologun

reconhecimentodaIndependênciadoBrasiloloriogun.VerologunOlufadé.VerAlmeida,AntônioOlukokumOluwole(obádeLagos)Olympio,Francisco.VerSilva,FranciscoOlympiodaOlympio,OctavianoOlympio,SylvanusOmar(califa)Omar,ElHaji(lídertucolor)ondosOnideIféOnim.VertambémLagosOrienteMédioorixás,religiãodos.Vertambémcandomblé

Page 198: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Osemwede(obádeLagosdoBenim)Oshogbo

mesquitaOsinlokun(obádeLagos)Ouidah.VerAjudáourivesaria

africananoBrasilouroovimbundosOwoOyo.VerOió

PPais,Pero(padre)Paiva,JosédepalenquePalmares,quilombode

cerâmicaameríndiapresençaameríndia

Palmer,H.R.Palmerston,Lordpanaria.Vertecidospanjiandonapano-da-costa.VertambémtecidosParaíbadoSul

fazendasdecaféParaíso,IgnácioNounassuSulé(ouSuleiman)Paraíso,JoséPiquino(ouPequeno)ParakoyiParisPark,MungoParnaíbaPatrocínio,JosédoPeçanha,NiloPedroI,d.(doBrasil)PedroII,d.(doBrasil)Peixoto,FlorianopencasdepratapendespepéisPequenaÁfrica(RiodeJaneiro)PequenaAngola.VerPalmares,quilombodePereira,DuartePachecoPereira,EstevesPereira,PauloPernambuco

Page 199: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

islamitasPerson,YvesPeul.VerfulasPhillipson,DavidW.Picasso,PabloPigafetta,FilippoPinto,LuísIgnácioPinto,SerpapirãoPires,VicenteFerreira(padre)plantações

ÁfricaBornuDaomé

pombeirosPopóAgudá.Ver“BrazilianQuarter”(Lagos)PopôGrandePopôMarô.Ver“BrazilianQuarter”(Lagos)PopôPequenoPortella,EduardoPortoAlegrePortoGalinhasPortoNovo

mesquitaPortoSeguro(Togo)Portugal

acordossobreotráficonegreirocolonialismonaÁfricadiscórdiacomaGrã-BretanhaporterritóriosafricanosdisputacomaFrançapeloDaoméprotetoradosobreoDaomé

portuguesesemAngolanaesculturadoBenimnoMonomotapa

“PortugueseTown”(Lagos)Posnansky,MerrickPossolo,RuiGermakPraça11(RiodeJaneiro)Prado,J.F.deAlmeidaprazos

daZambéziaPríncipedeAjudá.VerAlmeida,JoséCustódioJoaquimdePríncipe,ilhado

consuladobrasileiroProvínciaCisplatinapulos.Verfulas

Page 200: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

pumbos

QQuadirija(confraria)“QuartierBrésil”(Ajudá)“QuartierMarô”(Ajudá)Queirós,Eusébiode.VerCâmara,EusébiodeQueirósMatosoQuerebetamdeZomadonu.VerCasadasMinasQuerino,ManuelQuetoquetosquiçamasQuíloaquilomboquiocos

RRabahouRabeh(chefemilitar)racismoRamadãRamos,ArthurRandles,W.G.L.Real,rioRebouças,AndréRecifeRégis,LouisRégis,MaisonRégis,VictorReinoUnido

colonialismonaÁfricaReisadoReis,BaltazardosReis,HipólitodosReis,JoãoJoséReis,ManuelJoaquimdos,Papai.VertambémMudalugar,PapaiRelatóriosdaRepartiçãodosNegóciosEstrangeirosdoBrasilRenanRenders,AdamrevoltasmuçulmanasnaBahiaRiodeJaneiro

catequeseislamitacomunidadesbaianasex-escravosvindosdaBahia

Page 201: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

islamitasmesquita

RiodoOuroRioGrandedoSulRioGrande,portoRio,JoãodoRiosdaGuinéRiosdosÓleos,protetoradodosRocha,MosesdaRodney,WalterRodrigues,CândidoRodrigues,JoséHonórioRodrigues,NinaRomero,SílvioRouch,JeanRuandaRufino(ulemá).VerAbuncareRugendas,JohannMoritzRyder,Alan

SSaarasabão-da-costasabãodebanhoSaelSagadin(príncipedaomeano)Saint-Louissalatal-istisqaSales,CamposSalvador

imamemesquita

sambaSamori.VerTouré,SamoriSantaHelena,ilhadeSantiagodeCaboVerdeSantos,EugêniaAnaSantos,FranciscaMondukpêPereiraSantos,JoséFranciscodosSantos,ManoeldeOliveiraSantos,TalabiConstânciaPereiraSãoCarlos

fazendasdecaféSãoJoãoBatistadeAjudá,fortedeSãoLuísdoMaranhão

Page 202: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

SãoMateus,barradeSãoPaulo

mesquitaSãoToméePríncipeSãoTomé,ilhade

consuladobrasileirotrabalhadoresforçados

sarameSardinha,CiprianoPires,padreSarmento,Augustosarôs

notráficodeescravosSarqui(oureihauçá)Sébillot,AmédéeSegundaGuerraMundialSeljan,ZoraSenegalSenegal,rioSenegâmbiaSenghor,LéopoldSédarSenhordoBonfim

capelaemAboméfestado

lavagemdaigrejanaÁfrica

senufossenzalaSerendat,EduardoSerinhaémSerradaBarrigaSerraLeoa

escravidãoSessou(chefedeBadagry)Sharp,GranvilleShaw,ThurstanShehu,Isadan(dignitáriofula)Shinnie,P.L.Shuwas(árabes)Silva,AgostinhodaSilva,AlexandredaSilva,EduardoSilva,FernandoMartinsdoAmaralGurgelSilva,FranciscoOlympiodaSilva,JoséBonifáciodeAndradaeSilva,JoséElóiPessoadaSilva,LázaroBorgesdaSilveira,MateusEgídioda

Page 203: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Smith,AbdullahiSmith,RobertS.SocotôSoji(reidePortoNovo)Sokoto.VerSocotôSolagberu(ulemá)SongaisongaisSonghay.VerSongaiSoninke.Versoninquêssoninquêssopapo,construçãoemSousa,PaulinoJoséSoaresdeSoutomaior,FranciscodeSouza,AntônioFélixdeSouza,CyrilleFélixdeSouza,FranciscoFélixde,ChacháSouza,GeorgesFélixdeSouza,IsidoroFélixdeSouza,JuliãoFélixdeSouza,LinoFélixdeSoyoSpeke,JohnStanley,HenrysuaílisSudãoSudãoCentralSudãoOcidentalSuddSudoesteAfricanosufismo

naÁfricaSunaSundiata(heróimandinga)SurinameSutton,J.E.G.Suwari,Salim

Ttabaco“tá-bom”(povo)TacrurtaipadepilãoTalbot,AmauryTamata,Pierre

Page 204: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Tamrat,TaddesseTanganica

escravidãotapas.VernupesTarikh-alFattashTarikhal-SudantariqaTchokwe.Verquiocosteatro

porbrasileirosnaÁfricatecidos

daCostadeCaboVerdedeIjebudoBenim

Tegbesu,reiTeke.Vertequesteminéstemnes.VerteminéstequesTheJournalofAfricanHistoryTinubu,Madame(líderantibritânica)Tofa(reidePortoNovo)Togo

sobcontrolealemãoTokumboh,rua(Lagos)Tomás,SantoTombuctuTouré,Samori(lídermandinga)tráfegomarítimo

entreasAméricaseÁfricaentreBrasileÁfrica

tráficodeescravosaboliçãonoBrasilacordosentreBrasileGrã-BretanhaacordosentrePortugaleGrã-BretanhaAngolaBuenosAirescampanhapelaaboliçãoclandestino

paraCubaportuguesesdeNovaYork

competiçãoentreoAtlânticoeoSaaradiscórdiaentreoBrasileaGrãBretanhaex-escravoscomoagentesinter-regionalnoBrasilmarVermelho

Page 205: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

MoçambiqueoceanoÍndicotransaariano

TransvaalTratadodeAguanzumTratadodeReconhecimentodaIndependênciadoBrasilTrevor-Hoper,HughTrigger,B.G.Trimingham,J.SpencerTrindade,ilhade

invasãobritânicaTrinidad,ilhadetsetsétucoloresturbanteTylor,EdwardBurnett

UUadaiUalatauângaras.Vertambémdiulasuçá.VerhauçásUidá.VerAjudáulemáUllendorff,EdwardUltimatumde1890UmarbenSaidTall,ElHajiumbandaummaUnescoUrvoy,Y.

VvaabitasVansina,JanVasconcelos,BernardoPereiradeVauthier,LouisVenezuelaVerger,PierreVermelho,marviajantes,literaturadosVidadoAbbaDaniel,doMosteirodeScetévilis

Page 206: 03.[Um Rio Chamado Atlântico][A África no Brasil e o Brasil na África].pdf

Vlaminck,Mauricedevodunsivodus,religiãodos

WWashington“WaterHouse”(Lagos)Westermann,DietrichWhydah.VerAjudáWilberforce,WilliamWilks,IvorWillet,FrankWilliams,EricWilson,MonicaWunmonije

XXangô(rito)xariáxonascarangas

YYamoussoukroYantok,MaxCesarinoyevoganYoruba.Veriorubás

ZZaire.VerCongoZaire,Repúblicado.VerCongo,RepúblicaDemocráticadoZaire,rioZambézia

prazosZamfaraZanzibar

escravidãoplantações

Zomaízulus