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VOLUME 2 - ANO 10 - 2012 www.cebri.org.br CENTRO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DOSSIÊ Edição Especial O Brasil e a Agenda Global Dossie.indd 1 18/09/2012 10:51:07

CENTRO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS … · 21 - Mudando o Mapa Mental: África, América do Sul e Atlântico 96 Roberto ... 23 - Novo Código Florestal: agenda para o Brasil

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VOLUME 2 - ANO 10 - 2012www.cebri.org.br

C E N T R O B R A S I L E I R O D E R E L A Ç Õ E S I N T E R N A C I O N A I S

D O S S I Ê

Edição Especial O Brasil e a Agenda Global

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Quem SomosO Centro Brasileiro de Relações Internacionais - CEBRI, sediado no Rio de Janeiro, é uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), independente, multidisciplinar e apartidária, formada com o objetivo de promover estudos e debates sobre temas prioritários da política externa brasileira e das relações internacionais em geral.

Criado em 1998 por um grupo de intelectuais, empresários, autoridades governamentais e acadêmicos, o CEBRI tornou-se rapidamente uma referência nacional na promoção de encontros de alto nível, conferências e seminários internacionais.

O Centro atua como um think tank de políticas públicas na área externa do País. Sua Missão é criar um espaço para estudos e debates, onde a sociedade brasileira possa discutir temas relativos às relações internacionais e à política externa, com consequente influência no processo decisório governamental e na atuação brasileira em negociações internacionais.

Em recente pesquisa, a Universidade da Pensilvânia apontou o CEBRI como o 3° mais importante think tank da América do Sul e Central. A pesquisa distingue a capacidade do Centro de reunir prestigiosos acadêmicos e analistas; e de produzir conhecimento por meio da reflexão, do debate e de publicações sobre temas de política externa.

O CEBRI produz igualmente informação e conhecimento específico na área externa e propostas para a elaboração de políticas públicas. Linhas de pesquisa resultam em estudos, boletins, relatórios, newsletters e outros produtos específicos para instituições e empresas patrocinadoras.

Conselho Curador Presidente de Honra Fernando Henrique Cardoso Presidente Luiz Augusto de Castro Neves Vice-Presidente Tomas Zinner Vice-Presidentes EméritosDaniel Miguel Klabin José Botafogo Gonçalves Luiz Felipe Lampreia Conselheiros Armando Mariante Armínio Fraga Carlos Mariani Bittencourt Célio Borja Celso Lafer Claudio Frischtak Gelson Fonseca Junior Georges Landau Henrique Rzezinski José Aldo Rebelo Figueiredo José Luiz Alquéres José Pio Borges de Castro Filho Marcelo de Paiva Abreu Marco Aurélio Garcia Marcos Castrioto de Azambuja Marcus Vinícius Pratini de Moraes Maria Regina Soares de Lima Pedro Malan Roberto Abdenur Roberto Teixeira da Costa Ronaldo Veirano Sebastião do Rego Barros Vitor Hallack Winston Fritsch Diretora Fatima Berardinelli

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Aluisio de Lima-Campos

Carlos Eduardo Freitas

Cláudio Oliveira Ribeiro

Damian Papoulo

Demétrio Magnoli

Denise Gregory

Eduarda Hamann

Equipe CEBRI

Fabio Feldmann

Georges Landau

Gustavo Piva Andrade

Henrique Rzezinski

José Botafogo Gonçalves

Ko Colijn

Luiz Augusto de Castro Neves

Marcelo de Paiva Abreu

Marcos Castrioto de Azambuja

Maria Fatima Berardinelli Arraes de Oliveira

Natalia N. Fingermann

Odilon Marcuzzo

Paul Isbell

Ricardo Sennes

Roberto Abdenur

Roberto Teixeira da Costa

Rodrigo C. A. Lima

Rodrigo Cintra

Sandra Rios

Seth Colby

Susan Kaufman Purcell

Thomas S. Knirsch

Tomas Tomislav Antonin Zinner

Edição Especial O Brasil e a Agenda Global

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Edição Especial O Brasil e a Agenda Global

ÍNDICE

Introdução 7 1 - Brazil and Predatory Currency Misalignments 8Aluisio de Lima-Campos

2 - O Brasil e a Crise Econômica Internacional 13Carlos Eduardo Freitas

3 - Da Crise do Euro à Crise da União Europeia 18Demétrio Magnoli

4 - A Importância do Uso Estratégico da Propriedade Intelectual 21Denise Gregory

5 - A “Responsabilidade de Proteger” e “ao Proteger”: breve histórico e alguns 25 esclarecimentos Eduarda Hamann

6 - Understanding Brazil as a Global Trading Partner 29Equipe CEBRI

7 - Avaliação da Participação Brasileira na Rio + 20 33Fabio Feldmann

8 - A Reforma das Instituições Multilaterais 37Georges Landau

9 - Propriedade Industrial e Importação Paralela no Ordenamento Jurídico Brasileiro 40Gustavo Piva Andrade

10 - Brazil and the New Geopolitics of Energy 45Henrique Rzezinski e Damian Popolo

11 - Os Próximos Desafios da Política Externa Brasileira 49José Botafogo Gonçalves

12 - Brazil and the Netherlands: common ground in the neo-geo world? 53Ko Colijn

13 - Afinal, o que o Brasil quer ser no Mundo? 58Luiz Augusto de Castro Neves

14 - O Brasil Deve Levar a OMC a Sério 61Marcelo de Paiva Abreu

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15 - O Brasil e a Ordem Internacional 65Marcos Castrioto de Azambuja

16 - Acordo Internacional para a Proteção de Investimentos Brasileiros no Exterior 69 Maria Fatima Berardinelli Arraes de Oliveira

17 - Brasil e África: uma parceria estratégica 73Natalia N. Fingermann e Claudio Oliveira Ribeiro

18 - Desmatamento, Desarmamento, Não Proliferação Nuclear e Compromissos 78 Internacionais Assumidos Odilon Marcuzzo

19 - The Continuity of Pragmatism: the key to a successful Brazilian energy future 83Paul Isbell

20 - Os BRICs e a Relativa “Desorganização” Internacional 90Ricardo Sennes

21 - Mudando o Mapa Mental: África, América do Sul e Atlântico 96Roberto Abdenur

22 - O Brasil e o Mundo em 2030 99Roberto Teixeira da Costa

23 - Novo Código Florestal: agenda para o Brasil sustentável 103 Rodrigo C. A. Lima

24 - Diplomacia Corporativa 107Rodrigo Cintra

25 - Transição para a Economia Verde: oportunidade na agenda econômica 111 externa brasileira Sandra Rios

26 - Follow the Brazilian Leader? assessing the exportability of the country s 114 development model Seth Colby

27 - Brazil and the Global Agenda 117Susan Kaufman Purcell

28 - A Glimpse at the Coming Energy Revolution 120Thomas S. Knirsch

29 - Brasil: reforma trabalhista e competitividade internacional 125 Tomas Tomislav Antonin Zinner

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Introdução

Em setembro de 2008, no bojo das comemorações dos 10 anos do CEBRI, foi lançada, pela primeira

vez, a edição especial do Dossiê CEBRI, que condensou a opinião de Conselheiros e Colaboradores do

CEBRI, sobre a temática “Prioridades da Política Externa Brasileira à luz do Interesse Nacional”.

A iniciativa foi mantida na comemoração do 12° aniversário desta Instituição, transformando-se

assim em tradição. Este ano, ao completar 14 anos de existência, estamos publicando nova edição especial,

com as visões de um grupo de especialistas sobre a instigante questão: “O Brasil e a agenda global”.

O motivo da escolha desta linha temática está claro. O Brasil, nos últimos anos, vem conquistando

posição de maior proeminência no cenário internacional, o que tem refletido na curiosidade e interesse de

interlocutores externos - think tanks, delegações diplomáticas, universidades e pesquisadores, centros de

relações internacionais e, até mesmo, a imprensa estrangeira - em conhecer mais sobre o País e sua atuação

internacional.

Também na sociedade brasileira, o estudo de questões afetas à agenda externa, ganha cada vez

mais adeptos. É visível o surgimento de novos cursos de Relações Internacionais e a grande participação de

estudantes e empresas, entre outros, nos eventos promovidos pelo CEBRI.

Sob tal inspiração, organizamos a presente publicação, buscando cobrir uma diversidade de aspectos

presentes na ordem do dia no cenário internacional, tendo como elemento de ligação a análise das posições

brasileiras nessas áreas.

As contribuições recebidas para essa edição especial vão de comentários à política externa brasileira

a pontos de vista sobre tópicos específicos como cambio, crise na zona do euro, investimentos das empresas

brasileiras no exterior, Organização Mundial do Comércio, energia nuclear, meio ambiente - Rio +20 e

Código Florestal - entre outros.

Com a valiosa ajuda e expertise dos Conselheiros e Colaboradores do CEBRI, esperamos ter

contribuído para a realização de nossa missão de promover o debate e difundir o conhecimento sobre

Relações Internacionais em alto nível.

Fatima Berardinelli Arraes de Oliveira

Diretora

Edição Especial O Brasil e a Agenda Global

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1 Chairman of the ABCI Institute and adjunct professor of the Washington College of Law, American University.

Brazil and Predatory

Currency Misalignments

Aluisio de Lima-Campos1

Currency misalignments (CMs), as expressed by the difference between an actual exchange rate

and its estimated equilibrium rate, are not the only problem affecting the competitiveness of Brazilian

exports. There is widespread recognition in Brazil that other factors, such as deficient infrastructure in

the transportation sector, high taxes and interest rates, among others, are also culprits and need to be

addressed. These are domestic factors and their solution is dependent solely on actions by Brazilians,

government and private sectors alike. On the other hand, misalignments of foreign currencies are beyond

Brazil’s control and not influenced by its national policies. Although Brazil can deal with the negative

impacts of CMs in the balance of trade through domestic policy interventions, it risks openly going

against the multilateral trade liberalization process by doing so. Thus, a solution to the misalignment

problem must be international or multilateral in nature.

As far as international trade is concerned, my argument is that the most predatory type of CM

is a significant undervaluation, kept in place for an extended period of time, beyond what would be

required to correct specific economic imbalances and unjustified by the undervaluing country’s economic

fundamentals. Under normal foreign exchange market conditions, such undervaluations can only be

explained by direct or indirect governmental currency manipulation. In other words, if all pertinent

Aluisio de Lima-Campos

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economic indicators are positive in a particular country, this country’s currency, under normal market

conditions, would most likely tend to appreciate overtime, not stay depreciated for a long period. In this

case, one could say that the aim of the government’s manipulation is to improve its balance of trade

(BOT) by both gaining unfair advantage for its exports, as if injecting steroids into an Olympic athlete

to help him/her win the race, and increasing barriers to its imports at the same time.

Some other definitions of what constitutes predatory undervaluation or misalignment are worth

mentioning. According to the International Monetary Fund (IMF), a currency is misaligned when a

persistent, sizeable and one-way intervention exists. This is too broad and does not differentiate between

predatory and other types of CMs. Section 3004 of the Omnibus Trade and Competitiveness Act of

1988 requires the U.S. Treasury to determine if any country with global current account and significant

bilateral trade surpluses with the U.S. is found to be manipulating the rate of exchange between their

currency and the dollar for the purposes of preventing effective balance of payments adjustments or

gaining unfair competitive advantage in international trade. If the U.S. Treasury concludes in the

affirmative, which it never does, expedited negotiations, through the IMF or bilaterally, are to be

initiated. J. Gagnon, from The Peterson Institute of International Economics (PIIE), defines extreme

manipulators as countries that have foreign exchange reserves that are greater than the value of six

months of goods and services imports; have an average current account balance (as a percent of GDP)

between 2001 and 2011 that is greater than zero and have increased their reserve stocks relative to their

GDP over the past 10 years. There are, of course, other definitions, but yet no multilateral consensus.

The negative effects of predatory CMs on trade have been demonstrated in at least two excellent

research studies. One is by the School of Economics of Fundação Getúlio Vargas (São Paulo - 2012),

which demonstrates that import tariff protection levels, duly negotiated at the World Trade Organization

(WTO), are eroded to the point of becoming negative in what I would call not-undervalued-currency

(NUC) countries. It also shows that import tariff protection levels are increased, even beyond the limits

of WTO bound rates, in undervalued-currency (UC) countries. Another paper by Mattoo, Mishra

Brazil and Predatory Currency Misalignments

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and Subramanian (PIIE, March 2012) looks into the “spillover effect”. It suggests that, on average, a

10 percent appreciation of China’s real exchange rate boosts a developing country’s exports of a typical

4-digit Harmonized System (HS) product category to third markets by about 1.5 to 2 percent.

Brazil is pushing for a multilateral solution at the World Trade Organization (WTO). As proposed

in September of 2011, the Brazilian initiative was comprised of three steps. The first was a review

of the literature available on the subject, which was done by the WTO secretariat on October 2011

(Staff Working Paper ERSD-2011-17). Second, a two-day seminar to discuss the subject of currency

misalignments and trade, which was held in Geneva in March 2012. The focus of the latter, however,

was more on “stock taking” rather than on “what can be done”, which given the political sensitivities was

not unexpected. It was supposed to be an open meeting, with broad participation, which unfortunately

was not, reportedly at the request of China and the U.S. Third, a discussion of proposals to tackle the

problem, which is still to take place. A paper with Brazilian suggestions for a solution is to be presented

in the next meeting of the WTO’s Working Group on Trade, Debt and Finance, sometime in the second

half of 2012. The idea is to keep the discussion going at the WTO until a solution is reached.

As demonstrated by the difficulties in the Doha Round of negotiations, any consensus on a

negotiated solution in the WTO for the CM problem is bound to be a long-term proposition, especially

if it involves a new agreement or changes in existing rules. If this is so, what are governments and affected

industries to do in the meantime? Right now, in the absence of a clear guideline from the WTO on how

to deal with this problem, NUC countries are getting creative with questionable unilateral trade barriers

and/or currency wars, both undesirable from an economic perspective. Under these circumstances, I

have been suggesting that a better alternative would be a complementary second track approach to take

care of short and medium term situations that, if well designed and implemented, can even aid in a

negotiated solution at the WTO. It calls for the use of trade remedies, specifically countervailing duties

(CVDs).

Aluisio de Lima-Campos

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The proposal is laid out in detail in the article “A Case for Currency Misalignments as

Countervailable Subsidies” (Journal of World Trade, 46:5, 2012). It advocates that predatory CMs (not

every CM) can be treated as prohibited subsidies under the Agreement of Subsidies and Countervailing

Measures and be subject of a petition to the Brazilian investigating authority (DECOM) at the Ministry

of Development Industry and Trade. Predatory CMs are prohibited subsidies because they are contingent

upon exports – the benefit only accrues to exporters if there is exportation. An injury test and a causal

relationship between the injury and the subsidized imports would be required to impose a CVD.

There has been resistance to this approach on what could be considered very shaky grounds. One

is that the trade remedies agreements (antidumping and countervailing duties) of the WTO make no

mention of currency misalignments or exchange rates, which implies that they cannot be used to deal

with CMs. Another is that if such a case ends up in a dispute settlement panel the judges will tend to

be very conservative, implying that a CVD based on CMs would not be acceptable by the panel. With

regard to both of these concerns, I would cite professor Luiz Olavo Baptista, former chairman of the

Appellate Body, who reminded everyone at a recent seminar in São Paulo, that there is very little or no

mention in the agreements of “health”, “environment”, “dolphins” or “turtles” either, but the dispute

settlement body was able to interpret the agreements and come up with a decision in these novel cases.

Novel cases are riskier by nature; they are more difficult to prove. The Brazilian case against

U.S. cotton subsidies is a good example. It was the first and only case to challenge the “peace clause”,

which granted developed countries “carte blanche” to subsidize their agricultural products as long as

they did not go over a predetermined value limit. At the time, this was viewed as an insurmountable

barrier for bringing the cotton case to fruition. Even when the numbers revealed that the United States

had subsidized beyond that limit there still was concern on the Brazilian side that a panel would decide

against Brazil. This case turned out to be a successful one because its inherent difficulties were not

allowed to become impediments at the end of the day.

Brazil and Predatory Currency Misalignments

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There are benefits in following a two-track approach: first, a well prepared CVD case can put

pressure on negotiators to expedite a consensus solution at the WTO; second, even the threat of a CVD

case may remove negotiating obstacles; third, a CVD case can aid in providing ideas for a negotiated

solution at the WTO; and fourth, if it is reviewed by a WTO panel, it narrows the focus of the analysis to

technical issues while reducing the opportunities for political influence. In addition, NUC governments

will have in a CVD investigation a ready legal instrument to compensate an injured domestic industry,

under due process, which is a better alternative than “ad hoc” unilateral trade barriers that could be

clearly challenged at the WTO.

Aluisio de Lima-Campos

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1 Consultor Independente de Assuntos Econômicos em Brasília e Conselheiro Efetivo do Conselho Regional de Econo-mia do Distrito Federal (CORECON/DF). Ex-Diretor do Banco Central na Área Externa e na Área de Liquidações e Desestatização. 2 Não necessariamente as Fases se sucedem cronologicamente. Há superposições da Fase I com a II e dos momentos mais avançados da Fase II com a Fase III.

O Brasil e a Crise Econômica Internacional

Carlos Eduardo Freitas1

A economia mundial é impulsionada por três turbinas. Com a recidiva da crise internacional, a

primeira e mais importante delas – a economia americana – está trabalhando a meio vapor. A turbina

número 2, a União Europeia, está praticamente parada. A turbina número 3 – a China – que não

enfrentou crise alguma, mas cuja potência depende das outras duas, dá sinais de perda de empuxo.

Usando o referencial da crise da dívida externa latino-americana de 1982, podem-se caracterizar

para efeitos didáticos, três etapas nas trajetórias de recuperação dessas turbulências econômicas, como

segue2:

a) Fase I, em que o objetivo é manter-se à tona no período agudo, isto é, não permitir que a

crise saia de controle e a economia degringole;

b) Fase II: depois que a crise se cristaliza, trata-se de reequilibrar a economia preparando-a

para novo ciclo de expansão;

c) Fase III: resolvida a crise, chega o momento de ganhar produtividade, voltando-se a

pensar no crescimento econômico.

As estatísticas mostram a economia americana recuperando-se gradualmente. A dívida do governo

cresceu muito para evitar a degringolada pós-erupção da gigantesca bolha imobiliária, e será necessário

O Brasil e a Crise Econômica Internacional

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mais tempo para sua redução. Os Estados Unidos se encontram no que seria a Fase II da trajetória de

saída da crise. A flexibilidade do sistema econômico americano, associada à vanguarda daquele país em

matéria de ciência e tecnologia, milita a favor de uma retomada mais rápida da prosperidade econômica

na Fase III.

A crise europeia é mais complicada. Ainda se encontra na Fase I, pois não conseguiu, até agora,

sair de um renitente período agudo. A zona do euro não é um estado propriamente dito, nem uma

confederação e muito menos uma federação, o que dificulta a implementação de medidas de sustentação

e de reequilíbrio.

O temor de que uma reestruturação formal da dívida dos países mais afetados possa desencadear

uma crise bancária em cadeia parece ser o fator que vem inibindo o encaminhamento de soluções do

tipo que foi usado na América Latina em 1982/1983. Lá, os países saíam temporariamente do mercado

financeiro e passavam a girar suas dívidas administrativamente, junto a comitês de credores, sob a

supervisão do FMI, com apoio do Federal Reserve e do Bank of England.

Essa estratégia evitava pagamento de juros exorbitantes e abria uma janela temporal para o

reequilíbrio das economias endividadas e para capitalização dos bancos.

No caso europeu, o reequilíbrio e a capitalização dos bancos têm de ser praticamente concomitantes

às medidas de socorro financeiro imediato, porque se pretende que os países continuem girando suas

dívidas em mercado. Esse giro não é feito sem dificuldades e demanda intervenções sistemáticas do

Banco Central Europeu (BCE). Daí a percepção permanente de iminência de desastre que é transmitida

pelo noticiário on line da mídia.

Reequilibrar uma economia em crise é exercício sempre doloroso, porque envolve reduções de

preços – salários e margens – que se elevaram excessivamente durante a euforia. A taxa de câmbio

real é o principal balizador desses preços. Ela precisa ser desvalorizada para trazer salários e margens

aos respectivos níveis de equilíbrio. A experiência mostra que fazer isso mediante flutuação da taxa de

câmbio nominal é mais simples de administrar do que conduzir uma política de redução nominal de

Carlos Eduardo Freitas

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O Brasil e a Crise Econômica Internacional

salários e preços, mantendo fixa a taxa de câmbio nominal. Mas, o problema é que os países do euro

não têm moeda própria para flutuar – tudo se passa como se operassem com uma moeda estrangeira e,

por conseguinte, só têm um caminho para desvalorizar sua “taxa de câmbio real”, que é gerenciar uma

política de redução nominal de salários e preços internamente.

Dolorosa que seja tal política, tudo indica ser essa a opção dos países endividados aliás, confirmada

nas eleições gerais da Grécia de 17 de junho último.

Em resumo, a Europa deve demorar a chegar à Fase III e voltar a a crescer. E isso, abandonando-

se a hipótese apocalíptica de ruptura desordenada da zona do euro.

A economia chinesa adotou o modelo de crescimento voltado para as exportações, que, combinado

à sua elevadíssima taxa de poupança interna, resultou em vultosa acumulação de investimentos no

exterior (reservas internacionais de US$ 3.240 bilhões em junho/20123).

Entretanto, a estratégia está sentindo o impacto da desaceleração americana e europeia. Porém,

a China tem espaço para substituir parte do investimento no exterior por absorção doméstica (consumo

mais investimento interno), sustentando o nível de sua demanda agregada. Ao mesmo tempo, essa

mudança de foco seria de todo positiva para alavancar a recuperação da economia mundial. O problema

é se o governo chinês desejará e conseguirá fazer um movimento nesse sentido, uma vez que parte

importante de seu parque produtivo está voltada para o mercado externo. De qualquer forma, essa

mudança eventualmente terá de ocorrer, até por razões sócio-políticas. Porém, isso pode demorar.

Em resumo, uma expectativa razoável seria de que a economia chinesa continuasse a ostentar

taxas de crescimento ainda elevadas, mas, possivelmente, em patamares mais baixos que os observados

no passado recente4.

3 WEB, Wikipedia, List of States by Foreign Exchange Reserves, “Bloomberg China Monthly Foreign Exchange Re-serves”, Bloomberg 2012-03-31 Retrieved 2012-07-05.4 O FMI está prognosticando 8% e 8,5% de crescimento do PIB chinês, respectivamente, em 2012 e 2013, contra 10,4% e 9,2%, observados em 2010 e 2011.

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Disso tudo decorre a perspectiva de meia década de expansão modesta da economia mundial,

com as turbinas 1 e 3 operando a meia força e a turbina nº 2 em baixa rotação. E este poderia ser visto,

inclusive, como cenário otimista.

O Brasil conduziu bem a Fase I na crise de 1982 e chegou a esboçar um processo de reequilíbrio

macroeconômico. Entretanto, a Fase II foi interrompida pela mudança do governo em 1985, e em seguida,

totalmente paralisada pela Constituição de 1988, que estruturou um sistema econômico socialmente

muito ambicioso, exigindo carga tributária elevada. A riqueza do país é insuficiente para conciliar os

mandamentos da Constituição com investimento elevado, e, por conseguinte, o potencial de expansão

do PIB diminuiu.

Afinal, em 1994, o Brasil assinou os acordos definitivos da dívida externa oriunda da crise de

1982, embora sem a benção do FMI, porque os fundamentos fiscais não seriam suficientemente fortes.

De fato, o processo de reequilíbrio macroeconômico só se completou em 2002, e assim mesmo alguns

passos ficaram faltando. Contudo, pouco pôde ser feito relativamente à Fase III, isto é, aos aumentos de

produtividade para recuperar o potencial de crescimento econômico.

Entretanto, embalado pelo vento de cauda da subida dos preços das commodities o PIB alcançou

taxa média de crescimento de 4,2%a.a. no período 2006/2011. Mas, a crise europeia recrudesceu e

registra-se, neste 1º semestre de 2012, uma desaceleração generalizada. Em consequência disso, o vento

de cauda dos ganhos nos termos do intercâmbio deverá ser substituído por certa calmaria, se não por

algum vento de proa.

Assumindo nosso cenário de meia década à frente de expansão modesta da economia mundial, o

ambiente econômico internacional deve se mostrar neutro do ponto de vista brasileiro. Pode-se esperar

que as relações de troca se mantenham mais ou menos estáveis aos níveis atuais, o que não seria de todo

mal, pois significaria um patamar 30% acima do que prevaleceu no período 1999/2005. Deverá haver

liquidez internacional suficiente, e eventualmente até mais do que suficiente, para irrigar a economia

brasileira com investimentos externos necessários à complementação da baixa poupança doméstica.

Carlos Eduardo Freitas

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Entretanto, o padrão de 4,2%a.a. de média de crescimento observado nos seis anos de 2006 a

2011 deverá reduzir-se para um potencial mais próximo de um comportamento histórico, como, por

exemplo, o refletido na média de crescimento observada nos vinte anos de 1993 a 2012, consideradas as

seguintes razões:

a) O período inicia-se quando ganham momentum as medidas de reequilíbrio

macroeconômico no Brasil;

b) Alterna períodos favoráveis com quadros desfavoráveis da conjuntura internacional,

embora ,no todo, a economia mundial tenha sido amigável à prosperidade brasileira;

c) Parece assim, uma fase da história brasileira apropriada para sugerir um potencial de

crescimento compatível com uma economia mundial que anda de lado, e com uma economia brasileira

que avançou bastante no processo do equilíbrio macroeconômico, mas falta um pedaço no que concerne

a reformas de ganhos de produtividade.

A taxa média de crescimento do PIB de 1993 a 20126 foi de 3,3%a.a. Parece, assim, razoável

se pensar em numa taxa potencial de crescimento da economia brasileira para os próximos cinco anos

entre 3,0% e 3,5%a.a.. O FMI é mais otimista e enxerga um potencial de 3,75% a 4,25% para o

crescimento anual do PIB. Segundo ele próprio, o Banco Central seria ainda mais otimista, colocando

uma expectativa de expansão potencial do PIB entre 4,5% e 5,5%7.

Evidentemente, mudanças de curso no cenário mundial em relação à hipótese aqui assumida,

como também da direção das políticas econômicas do governo brasileiro poderiam alterar a previsão.

5 Assumiu-se crescimento do PIB de 1,8% em 2012, conforme estimativa do IBRE/FGV.6 Valor, 24/7/2012, C14. Reportagem sobre o Relatório do FMI sobre a economia brasileira (art. IV do Convênio Constitutivo).

O Brasil e a Crise Econômica Internacional

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1 Demétrio Magnoli, sociólogo e doutor em Geografia Humana, é integrante do Grupo de Análises de Conjuntura Internacional da USP (GACINT-USP), colunista de O Estado de S. Paulo e O Globo e comentarista de política internacional do Jornal das Dez da Globo News.

Da Crise do Euro à Crise da União Europeia

Demétrio Magnoli1

A União Europeia é o fruto de dois intercâmbios entre França e Alemanha, separados por quatro

décadas. No primeiro, em 1951, a Alemanha cedeu a supremacia sobre a siderurgia – a fonte última do

poder militar – no altar de sua admissão ao concerto de uma Europa reinventada. No segundo, em 1991,

a Alemanha cedeu a soberania sobre a sua moeda, compartilhando-a com a França, em nome do direito à

reunificação. “Metade do marco para Miterrand; a Alemanha inteira para Kohl”, disseram os cínicos. O

euro almejava dissolver o espectro da “Europa alemã” na solução da “Alemanha europeia”. Ironicamente, a

crise do euro evidenciou a consolidação de uma “Alemanha europeia” – mas na moldura inesperada de uma

“Europa alemã”. O arranjo instável, desequilibrado, ameaça o edifício construído por Monnet, Schuman e

Adenauer no imediato pós-guerra.

A crise do euro não foi um raio no céu claro. Desde a introdução da moeda única, ao longo de

uma década, alargou-se o diferencial de produtividade entre a Alemanha e os países da periferia da Zona

do Euro. A democracia alemã, com sua notável capacidade para produzir consensos abrangentes, restaurou

a competitividade da “economia social de mercado”, por meio da articulação dos dois grandes partidos em

torno de um programa de flexibilização do mercado de trabalho e de participação dos sindicatos na gestão

das empresas. Em contraste, a França e, especialmente, os países do sul da Europa conservaram a rigidez de

seus mercados de trabalho. A conta chegou na hora da crise financeira global, evidenciando o esgotamento

de um modelo que ocultou as assimetrias reais sob as máscaras financeiras do crédito e da dívida.

Demétrio Magnoli

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A integração assimétrica, expressa nos enormes saldos positivos de conta-corrente do intercâmbio

da Alemanha com a Zona do Euro, serviu aos interesses de todos os participantes do sistema. Numa ponta,

a máquina exportadora da economia alemã, vergada sob o peso da incorporação da RDA na paridade

cambial artificial decidida por Kohl, retomou seu dinamismo graças aos mercados quase cativos da Europa.

Na outra, os níveis de renda e consumo nos países periféricos cresceram à custa da elevação acelerada do

endividamento público e privado.

Não há solução estrutural para o impasse sem a restauração prévia da verdade econômica. No quadro

restritivo da união monetária, só há dois caminhos para restaurá-la: uma deflação impiedosa nos países

endividados ou uma inflação de rendas e preços na Alemanha. A inflexível opção do governo de Merkel

pelo primeiro caminho reflete tanto as percepções impressionistas do eleitorado sobre o comportamento

dos países endividados quanto o trauma histórico da hiperinflação alemã da década de 1920. Contudo, o

resultado dessa opção é o esgarçamento do tecido político da própria União Europeia.

Sarkozy figura como vítima mais recente de um fenômeno que devasta os sistemas políticos nacionais

na União Europeia: por doze vezes consecutivas, os partidos no governo foram derrotados pelos partidos de

oposição. Na Itália, um governo não-eleito escancara a crise de legitimidade. Na França, a Frente Nacional

ameaça se converter no núcleo da oposição. Na Grécia, os dois partidos tradicionais experimentam um

cenário próximo ao do colapso eleitoral. A perspectiva de uma prolongada depressão econômica tensiona as

democracias, gerando forças centrífugas de extrema-esquerda e extrema-direita orientadas por plataformas

anti-europeias.

Se, no plano nacional, a receita alemã abala os equilíbrios políticos e sociais, num plano mais amplo

ela provoca a erosão do concerto supranacional da União Europeia. Na sua “etapa heroica”, o projeto

europeu nutriu-se do espectro do “expansionismo soviético”. A incorporação dos países do antigo bloco

soviético encerrou aquela etapa, o que implicou na mudança do foco da legitimidade para a promessa

de prosperidade e bem-estar social. A saída deflacionária formulada por Merkel desmancha esse alicerce

Da Crise do Euro à Crise da União Europeia

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político da Europa. O crescimento dos nacionalismos, nas suas versões de direita e de esquerda, é o sintoma

mais evidente da gangrena do concerto europeu.

O sentido voluntarista da política de Merkel foi expresso num diálogo travado entre a chanceler

alemã e o ex-premiê grego Papandreou, no momento da imposição à Grécia do plano de austeridade. Face

a um pedido de relaxamento dos termos do acordo, a chanceler retrucou que sua intenção era assegurar-se

de que nenhum outro governo europeu quereria receber um resgate financeiro. Não funcionou: Irlanda e

Portugal, mesmo a contragosto, provaram do mesmo copo envenenado, que provavelmente será servido à

Espanha.

O fracasso econômico da austeridade extremada já foi demonstrado na prática. Hoje, contudo,

assiste-se ao esgotamento político do “plano Merkel”. À frente do Banco Central Europeu, Mario Draghi

conduz um experimento de quantitative easing que ainda não envolve o resgate direto de dívidas públicas

nacionais. Na Espanha, Rajoy ameniza, unilateralmente, o aperto financeiro definido pelo pacto fiscal

europeu. Na França, crucialmente, Hollande exige a renegociação do pacto fiscal e um “reequilíbrio”

político na União Europeia – uma senha de contestação da liderança hegemônica de Merkel. No círculo

ampliado do G-8, Obama alinha-se com Hollande e proclama que as prioridades da Europa devem ser o

“crescimento” e o “emprego”. A mudança de rumo está em curso, mas resta saber se não é tarde demais.

Mesmo se a União Europeia conseguir evitar uma catástrofe econômica, a Europa ingressa em

profunda recessão, que acarretará anos de estagnação. O fenômeno encerra a “etapa chinesa” da globalização,

que se baseou no forte contraste entre o comportamento da conta-corrente da China e o do conjunto

Europa/Estados Unidos. Efetivamente, como já se verifica, reduzem-se os mercados para as exportações

chinesas, o que tende a produzir um recuo significativo nas taxas de crescimento da potência asiática e na

sua demanda de commodities.

A economia brasileira, como a de outros países emergentes, surfou durante quase uma década na

onda de investimentos gerada, direta ou indiretamente, pela expansão da China. Agora, todo o cenário

mudou – para pior.

Demétrio Magnoli

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1 Diretora de Cooperação para o Desenvolvimento do INPI

A Importância do Uso Estratégico

da Propriedade Intelectual

Denise Gregory1

Na era da informação, do conhecimento e do crescimento vertiginoso e sem precedentes das

trocas comerciais de bens e serviços, assume igual velocidade a demanda por direitos de Propriedade

Intelectual (PI). Os ativos em PI: patentes, marcas, desenhos industriais e software são bens intangíveis

que adquirem cada vez mais importância como indicadores do conhecimento e do desenvolvimento

tecnológico dos países.

Ao se acirrar a competição entre as empresas, possui mais vantagem quem está na vanguarda

tecnológica, quem protege seu conhecimento e quem reconhece que processos e produtos exclusivos

agregam valor e podem gerar riqueza. Inovação não existe sem proteção! Os Direitos de PI - a propriedade

industrial e o direito de autor- asseguram tanto posição jurídica, a titularidade, quanto posição econômica,

a exclusividade. A proteção permite ao titular privilégio para a utilização do seu invento no país onde ele

está protegido. Permite ao dono a exclusividade de processo industrial de produção, de comercialização de

seu bem ou serviço, de sua marca, de signo distintivo ou de sua obra literária. A patente ou o registro confere

ao titular, o direito de impedir que um terceiro use, produza, venda ou importe sem seu consentimento. O

dono pode explorar seus direitos ou transferi-los a terceiros, por meio de contratos de licença, o que permite

a construção de parcerias tecnológicas. Ativos de PI são fundamentais para a maior inserção internacional

do país, e para a conquista de espaço no mercado global pelas empresas brasileiras.

A Importância do Uso Estratégico da Propriedade Intelectual

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O Brasil figura entre os primeiros países do mundo a regular Direitos de PI. Data de 1809 o Alvará

de Dom João VI de concessão de exclusividade aos inventores de novas máquinas, como um beneficio a

industria e às artes. Somos signatários dos principais instrumentos jurídicos do Direito Internacional que

estabeleceram parâmetros contemporâneos de proteção e de respeito a esses direitos.

Cabe, igualmente, destacar o protagonismo histórico brasileiro no campo cientifico, com instituições

seculares, como os Institutos Butantã e Manguinhos, ainda hoje na elite da pesquisa. São esplêndidos e

conhecidos os resultados alcançados a partir das ações de estimulo à pesquisa, à produção cientifica, à

formação de mestres e doutores (com a Capes e o CnPQ), bem como ações de financiamento e fomento

(com as Fundações de Pesquisa e a FINEP). O Brasil ocupa a honrosa 13ª posição no mundo em número

de artigos publicados, o que corresponde a 3% do total mundial. O mesmo, no entanto, não se verifica no

campo patentário. O total de depósitos de patentes por residentes é muito baixo, não correspondendo ao

desenvolvimento científico, levando-nos a afirmar que se converte pouco conhecimento em inovação.

Em recente discurso, a Presidente Dilma Roussef destacou o número de depósitos de patentes como

o mais relevante indicador do impacto da evolução econômica de uma nação. Ela afirmou que temos de

medir nossa capacidade de formação e, sobretudo da nossa meritocracia, no que se refere ao processo de

inovação e tecnologia em patentes, e não em artigos científicos apenas. Continuou afirmando que o Brasil

tem de valorizar o cientista, o tecnólogo e o inovador, uma vez que temos de ter pessoas capazes de gerar

patentes no país, e assumiu o compromisso de modernizar o Instituto Nacional da Propriedade Industrial

– INPI. O Instituto é o responsável pela proteção, pela concessão dos direitos de PI e pela promoção e

fomento à geração da PI, e vem ampliando e aperfeiçoando seus quadros e sua estrutura, com a automação

dos seus servicos (e-marcas e e-patentes).

Por conta do importante acervo e acesso a bases patentárias, o INPI é, por vezes, referido como o

Banco Central do conhecimento. Estima-se que 75% do conhecimento tecnológico do mundo está contido

apenas nos bancos de patentes. As informações ali contidas permitem conhecer o estado da técnica, fazer

Denise Gregory

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A Importância do Uso Estratégico da Propriedade Intelectual

um mapeamento da rota tecnológica de determinado setor, verificar se a patente foi concedida no país e se

já caiu em domínio publico; o que, por sua vez, permite encontrar oportunidades para seu uso e exploração.

Um dos maiores desafios da Instituição é divulgar e disponibilizar essas informações à sociedade.

É bem recente a articulação no governo federal entre as políticas industrial, tecnológica e de

comercio exterior, tendo como eixo central o fomento à inovação. O recém lançado Plano Brasil Maior, a

nova política industrial, traz como sub-titulo “Inovar para competir. Competir para crescer”. Também cabe

ressaltar o nível de maturidade e compreensão, a respeito da importância do uso estratégico de PI, pelo setor

privado. A Propriedade Intelectual é o ponto número um da agenda empresarial da inovação, dentre dez

pontos prioritários para o Brasil inovar e competir. A agenda foi lançada em 2011 pelo movimento da CNI

conhecido como MEI (Mobilização Empresarial pela Inovação).

O crescimento do numero de pedidos de depósitos de patentes e de registros de marcas é exponencial

em todo o mundo, o que torna a demora no exame, o chamado backlog, um problema mundial. Os números

referentes a pedidos de patentes já ultrapassaram a casa de um milhão em 2011, nos EUA e na China.

No Brasil, o INPI recebeu cerca de 32 mil pedidos de patentes e 155 mil pedidos de marcas. O sistema

internacional de PI trilha um caminho de cooperação entre os escritórios nacionais responsáveis, na busca

de alternativas de solução para o backlog e aceleração do exame de pedidos.

Os cinco mais importantes Escritórios do mundo: EUA, Europa, China, Japão e Coréia do Sul, se

articulam no chamado IP 5, buscando entendimento de caráter operacional nos campos da classificação,

documentação, estatística e procedimentos comuns , bem como de caráter colaborativo. Também proliferam

arranjos regionais, a exemplo do ASEAN Group e do Vancouver Group. Mas é na América do Sul que

avança rapidamente o projeto de integração denominado PROSUL (PROSUR), que reúne Argentina,

Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Suriname e Uruguai. O objetivo é melhorar os serviços

prestados pelas oficinas de PI, por meio do desenvolvimento de uma plataforma comum de integração,

um Portal Sul-Americano de Serviços de PI e de Informação Tecnológica da instituição do Registro Sul-

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Americano de Marcas e de Indicações Geográficas, bem como do Exame Colaborativo de Patentes. Está

sendo criado um ambiente de confiança entre os examinadores de patente da região, onde o ganho é a

utilização do trabalho já feito pelo escritório parceiro.

Denise Gregory

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1 Eduarda Passarelli Hamann é advogada, tem mestrado e doutorado em Relações Internacionais e coordena o Programa de Cooperação Internacional do Instituto Igarapé (www.igarape.org.br).2 Para o Documento Final de 2005, ver A/RES/60/1 (24 out. 2005), disponível em: <www.un.org/Docs/asp/ws.asp?m=A/RES/60/1>. O conceito de “R2P” foi criado alguns anos antes, em dezembro de 2001, com o relatório da International Comission on Intervention and State Sovereignty, comissão externa à ONU, integrada por 12 especialistas de diferentes nacionalidades e financiada pelo Canadá (disponível em <responsibilitytoprotect.org/ICISS%20Report.pdf>). Na ONU, as discussões avançaram em dezembro de 2004 com o Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudanças, criado pelo então Secretário-Geral do organismo, Kofi Annan - ver A/59/565 (02 dez. 2004), disponível em: <www.un.org/secureworld/report.pdf>).

A “Responsabilidade de Proteger” e “ao Proteger”:

breve histórico e alguns esclarecimentos

Eduarda Passarelli Hamann 1

Breve histórico

A “responsabilidade de proteger” (R2P) foi oficialmente inserida no âmbito da Organização das

Nações Unidas (ONU) por meio do Documento Final da Cúpula Mundial de 2005 (“Documento

Final de 2005”), aprovado por consenso por chefes de Estado e de governo2. Uma de suas principais

contribuições é pôr fim a algumas discussões da década de 1990 acerca dos limites materiais da

intervenção militar por motivações humanitárias. Nele, afirma-se que a R2P se refere a apenas quatro

crimes: genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e limpeza étnica. Outra importante

contribuição diz respeito à prevenção, princípio que permeia todo o conceito – tanto a responsabilidade

que cada Estado tem de proteger populações, como a da comunidade internacional, ao apoiar os Estados

no exercício de sua responsabilidade.

A “Responsabilidade de Proteger” e “ao Proteger”:breve histórico e alguns esclarecimentos

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Coube ao Secretário-Geral da ONU (SGNU) refletir sobre a implementação da R2P em um

relatório de 20093 que, entre outras coisas, reorganiza a discussão em três pilares. Tal relatório, além de

detalhar o texto do Documento Final de 2005, foi relativamente bem recebido pelos Estados-membros4.

Segundo ele, o Primeiro Pilar reforça o entendimento de que cada Estado tem a responsabilidade

primária de proteger suas populações. O Segundo Pilar prevê que a comunidade internacional tem a

responsabilidade de recorrer a meios diplomáticos, humanitários e outros meios pacíficos que sejam

adequados para proteger populações em apoio aos Estados envolvidos. O Terceiro Pilar enfatiza que,

quando as autoridades nacionais realmente fracassarem, ou quando os meios pacíficos se mostrarem

inadequados, a comunidade internacional poderá recorrer à ação coletiva, de maneira decisiva e oportuna,

por meio do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), de acordo com a Carta da ONU,

analisando-se cada caso. Esses são os parâmetros previstos pelo Documento Final de 2005, reforçados

posteriormente pelo relatório do SGNU.

A complexidade do Terceiro Pilar

O Terceiro Pilar é o mais controverso e, de maneira incorreta, tem sido frequentemente equiparado,

em sua integridade, ao uso da força ou à intervenção militar unilateral5. Uma análise dos documentos que

fundamentam a R2P e da própria Carta da ONU demonstra que esse pilar é muito mais abrangente, por

pelo menos três razões.

Primeiro, a prevenção está presente no Terceiro Pilar com a mesma intensidade que nos outros

dois Pilares, o que abre um leque de possibilidades para ação coletiva não-coercitiva sob os Capítulos VI

(Art. 33) e VIII (Art. 52) da Carta da ONU. Como exemplos, há missões de investigação, mediação,

3 Ver A/63/677 (12 jan. 2009), disponível em: <www.un.org/Docs/journal/asp/ws.asp?m=a/63/677>. 4 Alguns países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, resistem ao uso da força sob o Terceiro Pilar e não ao Terceiro Pilar em sua integridade – por receio de agendas escusas.5 ICRtoP. “Clarifying the Third Pillar of the Responsibility to Protect: Timely and Decisive Response”. 20 set. 2011. Disponível em: <http://responsibilitytoprotect.org/Clarifying%20the%20Third%20Pillar%20of%20the%20Responsibility%20to%20Protect_Timely%20and%20Decisive%20Response(1).pdf>.

Eduarda Passarelli Hamann

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A “Responsabilidade de Proteger” e “ao Proteger”:breve histórico e alguns esclarecimentos

bons ofícios, meios judiciais, recurso a organismos regionais e outros arranjos pacíficos à escolha dos

envolvidos. A autoridade para fazê-lo não se restringe ao CSNU: outros órgãos do Sistema ONU,

organismos regionais (Cap. VIII) ou grupos de Estados podem fazê-lo. Essa abordagem mais abrangente

é bastante defendida pelo Brasil6.

Segundo, a adoção de medidas sob o Capítulo VII não equivale ao uso da força, tal Capítulo

também contém dispositivos como o Art. 41, que versa sobre ações coletivas “menos coercitivas”, a

serem aprovadas pelo CSNU. Entre elas, destacam-se a ruptura das relações diplomáticas, a imposição

de embargos econômicos e a aprovação de operações de manutenção da paz robustas. Além disso, o

emprego de militares tampouco equivale ao uso da força. Com frequência, militares são desdobrados

para missões de manutenção ou de consolidação da paz (Cap. VI ou VII) como assessores, analistas e

observadores – sempre desarmados. Ou seja, a adoção de medidas não coercitivas e menos coercitivas é

uma possibilidade real de operacionalização do Terceiro Pilar e tem sido bem aceita pelo Brasil7.

Por fim, há a referência, no Terceiro Pilar, ao uso da força em operações de R2P, ou seja, ao

emprego de tropas, em nome da comunidade internacional, para proteger populações dos quatro crimes

prescritos pela R2P. Essas, sim, são ações coletivas coercitivas e estão previstas nos Capítulos VII (Art.

42) e VIII (Art. 53) da Carta da ONU. Devem ser analisadas a cada caso e necessariamente aprovadas

pelo CSNU, ainda que sejam executadas por um organismo regional ou coalizão. Fica evidente que o

uso da força é apenas uma parte do Terceiro Pilar, a que se recorre somente depois de esgotadas todas

as outras possibilidades. O Terceiro Pilar, portanto, não pode ser reduzido ao uso da força, sob pena de

neutralizar politicamente a R2P e de dificultar o alcance do consenso em relação à sua implementação.

Sobre este aspecto, vale destacar que nem o Documento Final de 2005 nem o Relatório do SGNU de 6 Ver, p.ex., os seguintes discursos do Brasil, representados por Gelson Fonseca Jr. (10 jun. 1999), Henrique Valle (31 mar.2004) e Maria Luiza Viotti (23 jul. 2010 e 12 ago. 2010), disponíveis em <www.un.int/brazil/>.7 Ver, p.ex., os discursos de Maria Luiza Viotti em discussões sobre R2P de 23 jul. 2010, 12 ago. 2010 e 12 jul. 2011, disponíveis em <www.un.int/brazil/>. Ver também Gelson FONSECA JR. “Dever de proteger ou nova forma de intervencionismo?”. Segurança Internacional: perspectivas brasileiras. Nelson Jobim, Sergio Etchegoyen e João Paulo Alsina (orgs.). Rio de Janeiro: FGV, 2010.175-192 (pág. 191).

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2009 versam sobre princípios e critérios para orientar ou regular o uso da força em operações de R2P.

Coube ao Brasil, no final de 2011, dar o passo inicial nessa reflexão.

Operações de R2P sob a égide da “responsabilidade ao proteger”

A preocupação com a operacionalização do uso da força sob o Terceiro Pilar fez com que o Brasil

apresentasse uma nova expressão à ONU em 2011. A “responsabilidade ao proteger” (RwP), que tem

relação intrínseca com a tradição conservadora e com os valores legalistas e multilaterais da política

externa brasileira, resgata antigos princípios, parâmetros e critérios, sobretudo da teoria da guerra justa

e do Direito Internacional Humanitário, para orientar operações de R2P. Entre eles, destacam-se o

“uso da força somente como último recurso”, “proporcionalidade”, “não causar dano ou instabilidade”,

“autoridade” (CSNU) e “prestação de contas” (accountability)8. Se, por um lado, essa consideração retira

do Brasil parte do crédito pela inserção de um suposto “novo” conceito (que não seria tão novo assim),

por outro lado, a escolha de princípios e parâmetros já existentes facilita o consenso quanto à difícil

implementação do uso da força em operações de R2P.

A RwP, desde que lançada, suscitou várias discussões entre governos, organismos internacionais e

organizações da sociedade civil internacional e está em construção. No Brasil, pouco tem sido produzido

em termos analíticos, e o debate parece centralizado no Itamaraty, embora haja interesse por parte da

Presidência e do Ministério da Defesa, e da sociedade civil especializada, como institutos de pesquisa e

universidades. Independente do caminho que venha a trilhar, a reflexão sobre operações de R2P sob a

égide da RwP representa uma visão mais sistêmica do direito internacional, como almejado pelo Brasil,

e, com ela, o país contribui para a elaboração de novas normas que visam a regular, de maneira mais

coerente, ética e responsável, como se deve usar a força, em nome da comunidade internacional, para

proteger populações em pleno século XXI.

8 Ver A/66/551–S/2011/701 (11 nov. 2011), disponível em: <www.un.int/brazil/speech/Concept-Paper-%20RwP.pdf>.

Eduarda Passarelli Hamann

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1 The views expressed here are the authors’ alone and do not reflect their institution. 2 This article is a modified version. The original one can be found in BRICS: The 2012 New Delhi Summit, edited by the BRICS Research Group of the University of Toronto, and published by Newsdesk. 3 Director of Brazilian Center for International Relations4 Executive Coordinator of the Brazilian Center for International Relations.5 Study and Debate Coordinator of the Brazilian Center for International Relations.6 Project Coordinator of the Brazilian Center for International Relations.7 Assistant to Coordination of the Brazilian Center for International Relations.

Understanding Brazil as a Global Trading Partner

Understanding Brazil as a

Global Trading Partner1 2

Maria de Fatima Berardinelli Arraes de Oliveira3

Adriana de Queiroz4

Leonardo Paz Neves5

Renata Dalaqua6

Andressa Maxnuck7

After a few decades fighting against inflation, a combination of macroeconomic policies

implemented since the mid-nineties put Brazil in a different track. Benefiting from a scenario of high

international liquidity, the country succeeded well in its plans to redeem its external debt and to interrupt

the historical booms and busts behavior of its economic growth path. It was also during this period that

Brazil adopted measures to open its economy and liberalize trade. This new situation allowed the success

of a sequence of innovative public policies put into practice aiming to improve social and economic

indicators, from education to income distribution.

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In order to understand the rise of the country in economic terms, one should consider that Brazil

has experienced both internal and external favorable momentum8. On the domestic side, Brazil has

achieved outstanding numbers in social indicators, although it has presented worse results than other

emerging economies, such as the ones in BRICS, in terms of GDP growth9. The country has attained

amazing outcomes not only in social inclusion but also in social mobility – approximately 27 million

Brazilians were raised out of poverty and extreme poverty between 2004 and 200910 and 13 million

joined the middle class between September 2009 and May 201111 12. Beyond that, household income

evolution in Brazil surpasses other countries in BRICS. In result, Brazilian consumption market is

not seen anymore as a “potential” market. It has become a reality and foreign companies have already

realized that.

The soundness of Brazilian financial and banking systems couldn’t be let aside when talking

about Brazil’s economy. The several measures adopted by the government in the past years were put into

test when the international financial crisis arose in 2008. The number of bankruptcies observed all over

the world had little impact in the Brazilian financial system. In part due to the existence of an improved

regulatory system, the banking and financial sector proved its solidity and consistency enhancing the

perception of the country as a safe destiny for foreign investment.

On the external side, Brazil has been positioning itself not only as a relevant supplier of

commodities − mainly minerals, food and energy related products − but also of a wide range of industrial

goods, including even aircrafts. Its highly mechanized agribusiness and outstanding productivity give

the country an important role in world food security.

8 This article was written in the beginning of 2012. Thus, these statements refer only to indicators up to 2011.9 Since 1992, GDP growth indicators in China and India are far better than Brazil.10 IPEA (2011). “Mudanças Recentes na Pobreza Brasileira”. Brasilia: Comunicados do IPEA n.111: 15 de setembro11 Neri, M. (2010). “Os Emergentes dos Emergentes: reflexões globais e ações locais para a nova classe média brasileira”. Rio de Janeiro: FGV/CPS.12 According to OECD, Brazil was the only BRICS member that obtained income inequality reduction in the last 20 years - OECD (2011). “Divided We Stand: Why Inequality Keeps Rising”.

Equipe CEBRI

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Even though the significant increase in its exports and imports can be interpreted as a sign of

the Brazilian economic opening process and the diversification of its trading partners, Brazil’s trade still

represents less than 2% of world trade. Traditionally, the most important Brazilian partners have been in

the West: US, Europe and South America. However, in 2010, for the first time, China became Brazil’s

most important trading partner, outweighing the US situation that is valid until the present moment.

At the same time, a continued increase in Brazil’s trading flows with non-traditional partners has been

observed. Politically, one could say this would represent a greater independence from traditional powers

as well as be considered as a consolidation of new political alliances.

Although one may acknowledge that Brazil is very competitive in some sectors, such as agribusiness,

it should be said that the country still faces crucial limitations that hamper its competitiveness. Poor

infrastructure and its consequences over the logistics costs has been historically a top constraint.

Additionally, the complex fiscal structure and a substantial degree of uncertainty in the legal framework

increase time and cost of doing business in the country13.

Concerning the global rules governing international trade, the Brazilian government has a

strong perception that a refurbishment in the regulation of the World Trade Organization (WTO),

the appropriate forum for the discussion and support of the multilateral trade system, is necessary to

allow trade and development opportunities to be realized to their fullest, increasing trade flows. That

is a special concern not only of Brazil, but of Russia, India, China and South Africa, as expressed in the

Ministerial Declaration issued by the BRICS Trade Ministers last December: In this process of buttressing

the multilateral trade system, we underscore the pressing need to further develop its rules and structure to

address in particular the concerns and interests of developing countries 14.

Two practices, in particular, reinforce Brazil’s understanding: the concession of prohibited subsidies

and the misuse of exchange rates, both with protectionist purposes and resulting in trade distortion. The

13 As an example, the Brazilian government has been criticized for undertaking some protectionist measures in the recent months, as a post crisis defense mechanism.14 Ministerial Declaration of the BRICS Trade Ministers – Geneva, 14 December 2011.

Understanding Brazil as a Global Trading Partner

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Equipe CEBRI

first one, the concession of prohibited subsidies on export performance or upon the use of domestic over

imported goods – according to the WTO Agreement on Subsidies and Countervailing Measures – is a

known and discussed unfair trade practice. However, it is still largely exercised. Many times, it is granted

by developed economies, particularly in agriculture, to enhance competitive gains and represents one of

the most harmful forms of protectionism and trade distortion. The extinction of the “red box” subsidies

is a demand of the developing countries in general – as they may generate food insecurity and deny the

potential development or undermine the competitiveness of their agriculture sector.

The second is not expressly forbidden by the WTO, whose generic previsions concerning the

distortive effects of exchange rate measures to international trade give room for dubious interpretation

and loose action15. Brazil raised the discussion on “currency war” in the WTO during 2011, suggesting a

working program to debate the subject, being the first seminar scheduled for 201216. Under consideration

are not only the impacts of the artificial exchange rate misalignments on trade flows but also on WTO

rules effectiveness17.

In the last years, Brazilian trade policy has been very much focused on these two demands – that

is, a ban on the concession of subsidies and an end to the artificial exchange rate misalignments – and also

on seeking the conclusion of the Doha negotiations. These priorities have, to a certain extent, weakened

Brazil’s capacity to promote a positive bilateral or regional commercial agenda18. Symptomatically,

Brazil has done very little recently to expand its network of free-trade agreements. Conversely, other

countries, including its neighboring countries, have enlarged the number of trading partners and signed

new agreements. In this sense, a revamped commercial strategy would certainly make Brazil a more

significant trading partner as well as a more important global player.

15 Lima-Campos, A. and and Gaviria, J. (2012). “A Case for Currency Misalignments as Countervailable Subsidies”. Journal of World Trade, 46, Issue 5..16 WTO (2011). Documents WT/WGTDF/W/53 and WT/WGTDF/W/56.17 Thorstensen, V., Ramos, D., Muller, C. (2011). “The Most-Favored Nation Principle and Exchange Rate Misalignments”. Draft.18 An additional constraint is related to the fact that Brazil, as a member of the Southern Common Market (MERCOSUL), has to abide by its rules and negotiate trade agreements together with the other MERCOSUL member states.

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1 Ex-Secretário do Meio Ambiente de São Paulo, Ex-Deputado Federal e Consultor da FF Consultores.

Avaliação da Participação Brasileira na Rio + 20

Avaliação da Participação

Brasileira na Rio + 20

Fabio Feldmann1

“A crise ecológica planetária é muito séria para ser deixada na mão dos diplomatas”

Ainda que possam existir visões diferentes sobre a Rio + 20, é inegável que os seus resultados

foram muito aquém dos desejados. De fato, só o tempo irá fazer um balanço definitivo e, a exemplo do

que aconteceu com a Rio + 10 – Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em 2002

em Joanesburgo, a Rio + 20 deve entrar no rol daquelas que em pouco tempo são esquecidas.

Do ponto de vista de mobilização, a Conferência foi bem sucedida: 3.000 eventos paralelos fora

do Riocentro, 500 eventos paralelos no Rio Centro, muitos compromissos voluntários foram assumidos

por vários segmentos empresariais, a comunidade científica se reuniu em torno do “Earth Future –

research for global sustainability”, a sociedade civil e movimentos sociais na denominada Cúpula dos

Povos e as megacidades mundiais se reuniram em torno do C40 Cities – Climate Leadership Group,

reafirmando seus compromissos.

O documento “O Futuro que Queremos” não passa de uma compilação “com gosto de comida

requentada” de documentos anteriores, incluindo a Agenda 21 e o Plano de Implementação da

Rio + 10. Inacreditavelmente, apresenta lacunas significativas, a começar pela exclusão do tema ”ciência”,

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do capítulo VI – Means of implementation (Meios de implementação), havendo menção apenas à

“tecnologia”. Temas contemplados no documento tais como oceanos, novas métricas de desenvolvimento

e objetivos do desenvolvimento sustentável foram habilmente adiados sem qualquer certeza de que, de

fato, venham a ser implementados.

Também não trata da discussão recente do papel da Humanidade em relação ao planeta, valendo

lembrar que esse tema ganhou novos contornos com a divulgação do último relatório do IPCC – Painel

Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas em 2007 e, mais recentemente, com a discussão do

‘Antropoceno’. Esta expressão foi cunhada pelo geoquímico Paul Crutzen, que recebeu o Prêmio Nobel

de Química em 1995, e refere-se às mudanças no planeta ocasionadas pelo homem a partir da Revolução

Industrial. Seguindo essa linha, a Humanidade teria alcançado uma força geológica capaz de colocar o

planeta em uma nova era.

Nesse sentido, os cientistas indicam que as mudanças climáticas, a erosão dos solos, as ameaças

à biodiversidade, a acidificação dos oceanos, dentre outros, são reflexos da ação da Humanidade, o que

faz com que essa nova era esteja sendo moldada pelo ser humano. Este assunto foi capa da prestigiada

revista The Economist, em 2011 (28/05/2011 – 03/06/2011).

A pergunta de difícil resposta é “qual o legado da Rio + 20?”

É certo que o Brasil tem enorme responsabilidade pelo resultado da Conferência, não apenas pelo

protagonismo sempre reservado ao país anfitrião, mas pelo fato de que em todo o processo negociador

ficou claro o déficit de liderança, que na Rio 92 foi exercido, incontestavelmente, por Maurice Strong.

Este, que já havia organizado a Conferência de Estocolmo em 1972, não poupou esforços em seu papel

articulador com governos e chefes de Estado, bem como com a sociedade civil.

Acompanhei o esforço de Maurice Strong nos anos que precederam a Rio 92, buscando desanuviar

uma certa hostilidade que existia no Brasil, em decorrência de uma a suposta conspiração contra a

soberania brasileira na Amazônia.

Fabio Feldmann

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Cabe também assinalar o compromisso do ex-presidente Fernando Collor com o sucesso da Rio

92, emprestando-lhe todo apoio político e adotando iniciativas que claramente sinalizavam a sintonia do

país com a agenda da Conferência. Destacam-se, entre elas, a demarcação do território dos Yanomamis

e a colocação simbólica da pá de cal no programa nuclear bélico brasileiro.

Às vésperas da última Conferência, o país transmitiu sinais ambíguos: a discussão sobre as

mudanças do Código Florestal, evidenciando os riscos de retrocesso na legislação, com impactos diretos

na conservação dos biomas brasileiros. Por outro lado, a divulgação de dados confirmando a redução

do desmatamento na Amazônia, em uma demonstração do compromisso brasileiro de reduzir as suas

emissões de gases do efeito estufa.

Como reflexo de toda essa conjuntura, isto é, da falta de disposição da Presidência da República

em assumir uma postura mais agressiva, como aconteceu em 1992, a diplomacia brasileira apegou-se a

uma posição de extrema prudência. Assumiu que o melhor papel para o país anfitrião seria o de estar

longe de qualquer controvérsia. Com isso, alinhou-se às posições mais conservadoras do G-77 no que

tange ao reconhecimento da crise ambiental planetária. E, mesmo em relação à necessidade de mudanças

na arquitetura das Nações Unidas no que tange ao PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio

Ambiente, ou a algo que possa a vir sucedê-lo, o Itamaraty manteve-se excessivamente silencioso.

Esta posição de aversão total a riscos pode comprometer o capital que os negociadores brasileiros

adquiriram ao longo dos anos, desde a preparação da Rio 92, passando especialmente pelas negociações

no âmbito das COPs (Conferências das Partes) da Convenção do Clima e da Convenção da Diversidade

Biológica.

No caso da primeira, a liderança brasileira tem sido incontestável, gerando frutos muito positivos

como o Protocolo de Kyoto; a oferta de compromissos voluntários de redução de emissão em Copenhague

(COP 15) e a ideia de um novo tratado em Durban (COP 17). No que se refere à biodiversidade,

vale citar a atuação brasileira em Nagoya, resultando no Protocolo de Nagoya e na criação do IPBES

Avaliação da Participação Brasileira na Rio + 20

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Fabio Feldmann

– Intergovernmental Platform on Biodiversity and Ecosystem Services. Aliás, pela primeira vez, um

brasileiro, Bráulio Dias, assumiu a secretaria geral da Convenção da Diversidade Biológica.

É bom lembrar que o próprio Secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, retratou-se

por exigência do Brasil sobre suas críticas à pouca ambição consubstanciada no documento no início

da Conferência. E, em resposta às críticas da sociedade civil, da comunidade científica e da mídia, as

autoridades brasileiras responderam que a Rio + 20 não era uma Conferência de meio ambiente e sim de

desenvolvimento sustentável.

Com tais afirmações, paradoxalmente, esvaziaram a grande contribuição das conferências

anteriores, que consistiu em colocar na agenda global as temáticas ambientais.

De positivo, devem ser assinaladas algumas inovações importantes, introduzidas nessa

Conferência, especialmente a ideia de incorporar as vozes da sociedade civil e de personalidades no

evento oficial: os diálogos sustentáveis. Embora a iniciativa seja louvável, a falta de algum mecanismo

mais efetivo de incorporação dessas mensagens no documento final gerou o repúdio da sociedade civil,

tornando a iniciativa bem intencionada, mas ineficaz.

Concluindo, o Brasil perdeu a oportunidade de exercer uma liderança efetiva na Rio + 20,

assegurando que esta Conferência pudesse se tornar um ponto de inflexão incontestável na busca de

um novo paradigma da relação da Humanidade com o planeta. Para tanto, era necessário se avançar na

arquitetura atual das Nações Unidas, com o propósito de que esta possa exercer efetivamente um papel

formulador de novas políticas públicas no âmbito do Desenvolvimento Sustentável.

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1 Mestre em Economia Internacional e Direito Internacional pela Universidade de Harvard. É professor da FAAP e é Membro do Conselho Curador da FUNCEX e do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI).

A Reforma das Instituições Multilaterais

A Reforma das Instituições Multilaterais

Georges D. Landau1

É evidente que os organismos internacionais criados no imediato pós-guerra, ou pouco depois,

ou seja, há seis décadas, carecem de modernização para adequá-las às novas realidades da convivência

global. O caso emblemático é o do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), que reflete uma

estrutura de poder absolutamente ultrapassada, mas que se eterniza, mercê das tremendas dificuldades

geopolíticas para a reforma da Carta de São Francisco. Seria necessário adequar o Conselho às novas

realidades, incluindo a participação nele de potências intermédias, como o Brasil, a Turquia, a Indonésia

e a Nigéria. Para obviar as deficiências do CSNU, criaram-se novas instâncias multilaterais, como o

G-20, os BRICS e a IBSA, mas nenhuma delas tem o alcance do CSNU para a governança global. O

novo contexto, porém, é de escassez de recursos, e quaisquer novas iniciativas multilaterais devem ser

avaliadas à luz desses parâmetros essenciais.

Dão testemunho disso as dificuldades institucionais com que nos defrontamos, na Rio + 20,

para a criação de uma agência das Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável, ou sequer para a

consolidação de um programa já existente, o PNUMA.

Ainda no âmbito das Nações Unidas, houve intentos de modernização institucional. Deles emana

a criação do Conselho de Direitos Humanos, reflexo da importância crescente deles no relacionamento

multilateral. Já o ECOSOC parece excessivamente esclerosado para desincumbir-se das suas

responsabilidades quanto à promoção do desenvolvimento sustentável, através da rede de Organismos

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Especializados, cuja contribuição efetiva à causa do desenvolvimento é, em vários casos, pelo menos

questionável. Um dos pontos para os quais haveria de atentar, numa eventual reforma do ECOSOC,

seria o da função do Conselho de interagir com a sociedade civil, trazendo para o âmbito multilateral os

anseios desta.

No caso das instituições financeiras de Bretton Woods, vem-se verificando algum progresso, ainda

que tímido, no sentido de torná-las mais representativas das economias emergentes, o que beneficiará

inclusive o Brasil, que tem militado nests sentido. Entretanto, a proliferação de bancos sub-regionais

permite inferir que subsistem, nesse nível, necessidades não satisfeitas pelos grandes bancos multilaterais

de vocação universal.

A convergência entre instituições de vocação universal, como as Nações Unidas, e outras de

âmbito mais restrito ao perímetro regional ou sub-regional, merece análise mais detida. Busca-se obter

sinergia, evitando-se a duplicação de esforços e orçamentos. Um exemplo relativamente bem sucedido de

articulação entre um organismo mundial e outro de vocação regional é o da relação, na América Latina

e Caribe, entre a Organização Mundial da Saúde (WHO) e a Organização Pan-americana de Saúde

(PAHO). Talvez fosse possível institucionalizar esse modelo.

Por outro lado, com o avanço acelerado da globalização em que as principais questões que

preocupam os estadistas são hoje de âmbito universal, é lícito se questionar a validez, quando não a

necessidade, de instituições de âmbito regional. Pareceria, pois, haver uma tendência à progressiva

eliminação destas.

Seria possível inventariar outras instâncias de colaboração entre organismos de âmbito global e

outros com jurisdição regional. A grande dificuldade em harmonizar as suas atuações reside, porém, em

que os mesmos governos, que participam em umas e outras, se pronunciam de modo diferente, e não

raro antagônico, em foros distintos. Cada organismo multilateral conta com a sua própria constituency

nacional, e cada uma delas funciona como um grupo de pressão próprio, promovendo uma rede de

interesses criados, o que dificulta enormemente a busca pela sinergia. Se já é difícil, no seio de cada

Georges D. Landau

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governo, harmonizar as políticas, os programas e as prioridades de diferentes ministérios, imagine-se a

dificuldade de fazê-lo com uma plêiade de organismos internacionais formados por Estados soberanos,

rivalizando entre si por jurisdições abrangentes e orçamentos escassos. Pode-se cogitar de dois enfoques

convergentes: na coordenação de políticas, melhor que a existente, ao nível nacional, e uma atuação

proativa das Nações Unidas visando a harmonizar e coordenar os esforços dos organismos multilaterais.

Em que pese à existência de mecanismos formais de coordenação, entretanto, até agora esses esforços

revelaram-se basicamente infrutíferos.

Em resumo, a reforma das instituições multilaterais passa por uma manifestação dinâmica de

vontade política no seio de organismos de governança global, como o G-20. Até agora, ests foro se

absteve de enfocar o assunto, que constituiria um imenso desafio à sua capacidade. É de se esperar,

porém, que em breve surgirá uma constelação de oportunidades que engendrem o necessário consenso. A

humanidade progride graças às suas crises cósmicas, mas se poderá cogitar de um sistema com patamares

concêntricos, geográficos e funcionais, tendo o CSNU no topo da pirâmide.

A Reforma das Instituições Multilaterais

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1 Mestre em Direito da Propriedade Intelectual pelo Franklin Pierce Law Center e sócio do escritório Dannemann Siemsen.

Propriedade Industrial e Importação Paralela no

Ordenamento Jurídico Brasileiro

Gustavo Piva de Andrade1

No livro “O Mundo é Plano”, o escritor Thomas Friedman apresenta a interessante teoria de

que o planeta se achatou. Citando eventos como a queda do muro de Berlim e a criação da Internet,

ele argumenta que diversas forças contribuíram para o desaparecimento de barreiras entre os países e

geraram o desenvolvimento de uma verdadeira economia global. Isso possibilita, por exemplo, que um

computador fabricado na Ásia, com componentes advindos de diversos países, seja oferecido em um

estabelecimento da América do Norte apenas dois dias depois. Segundo Friedman, este é um dos muitos

exemplos que denotam o encolhimento e o achatamento do mundo, reforçando a sua tese de que tudo

está conectado.

Essa nova ordem cria enormes desafios para o comércio internacional. Nesse contexto, torna-se

fundamental examinar a questão da livre circulação de bens entre diferentes países, o que, no escopo

do presente artigo, será feito à luz dos direitos de propriedade industrial e da prática conhecida como

importação paralela.

A “importação paralela” se dá quando um produto que incorpora marcas, patentes ou desenho

industrial alheio é introduzido em determinado país, à margem do sistema de distribuição administrado

pelo titular do direito de propriedade industrial. Trata-se, pois, de produtos genuínos, mas que são

Gustavo Piva de Andrade

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incorporados ao mercado daquele território sem autorização do titular do direito exclusivo ou do seu

licenciado. A questão é se, baseado nas regras da legislação brasileira e dos tratados internacionais, o

titular do direito de propriedade industrial pode ou não coibir esse comércio paralelo.

Na seara da propriedade industrial, existe um importante princípio chamado “exaustão de

direitos”. Tal princípio consagra o entendimento de que a prerrogativa do titular de impedir a circulação

do produto que incorpora a sua marca ou patente esgota-se com a primeira venda. A partir daí, entende-

se que o titular já foi devidamente remunerado, não podendo proibir ou reivindicar participação em

vendas subsequentes daquele exemplar específico.

Como direitos de propriedade industrial são territoriais, sua exaustão pode se dar nos âmbitos

nacional ou internacional. Na exaustão nacional, o direito do titular da marca ou patente esgota-se

apenas no país em que o respectivo produto foi inserido no mercado interno pelo próprio titular ou com

o seu consentimento. Já na exaustão internacional, o direito exclusivo exaure-se a partir do momento em

que o titular ou seu licenciado coloca o produto no mercado, independentemente do país em que isso é

feito. Portanto, nos países que adotam o sistema da exaustão nacional, o titular do direito de propriedade

industrial pode coibir a importação paralela dos seus produtos, ao passo que nos países que adotam o

sistema da exaustão internacional, ele não pode.

Diante dos interesses divergentes de cada país, não surpreende que a questão da exaustão de

direitos de propriedade industrial sempre tenha gerado enormes controvérsias. Prova disso é que, durante

as negociações do TRIPS, principal tratado que regula a proteção e exercício de direitos de propriedade

industrial, assinado em 1994, os países-membros não foram capazes de chegar a um consenso para

estabelecer uma diretriz internacional sobre o tema. Assim, consignou-se no artigo 6 que “nada no

Acordo será utilizado para tratar da questão da exaustão direitos”, de onde decorre que cada país ficou

autorizado a adotar as suas próprias regras.

Foi exatamente nesse contexto que, dois anos depois, o Brasil promulgou a atual Lei de Propriedade

Industrial (Lei 9.279/96) e legislou sobre a matéria. Em relação às marcas, a lei brasileira garante ao titular

Propriedade Industrial e Importação Paralela no Ordenamento Jurídico Brasileiro

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do registro o direito de uso exclusivo em todo o território nacional (art. 129), bem como a prerrogativa

de zelar pela reputação e integridade material do signo (art. 130, inciso III). Ademais, determina, no seu

artigo 132, inciso III, que o titular da marca não poderá “ impedir a livre circulação de produto colocado

no mercado interno, por si ou por outrem com seu consentimento”.

Em relação às patentes, a lei estabelece, no seu artigo 42, que “a patente confere ao seu

titular o direito de impedir terceiro, sem seu consentimento, de importar produto objeto da patente”. Além

disso, destaca, no artigo 43, inciso IV, que tal prerrogativa não se aplica a “produto que tiver sido colocado

no mercado interno diretamente pelo titular da patente ou com seu consentimento”. Os desenhos industriais

seguem o mesmo regime das patentes, pois a lei deixa claro, no artigo 109, parágrafo único, que “aplicam-

se ao registro de desenho industrial, no que couber, as disposições do artigo 42 e do inciso IV do artigo 43”.

Da leitura desses dispostos, percebe-se que, tanto na seara das marcas, quanto das patentes e

desenhos industriais, o legislador brasileiro fez expressa referência ao mercado interno quando tratou

da exaustão de direitos. Como resultado, conclui-se que o direito exclusivo se exaure apenas quando

o produto é inserido, pelo titular ou por outrem com o seu consentimento, no mercado brasileiro.

Em termos práticos, isso significa que o titular e seu licenciado não podem impedir a livre circulação

do produto que eles introduziram no território nacional, mas podem combater a venda e revenda de

produtos introduzidos por terceiros sem sua autorização no mercado interno.

Essa parece ter sido a clara opção do legislador, especialmente porque o Projeto de Lei n° 824-B

de 1991, que resultou na Lei de Propriedade Industrial, preconizava regras substancialmente distintas.

De fato, em relação às marcas, a redação do referido Projeto de Lei estabelecia que “o titular da marca

não poderá impedir a livre circulação de produto colocado no mercado por ele mesmo ou por outrem com seu

consentimento”. Ou seja, a redação original não fazia qualquer referência à expressão “mercado interno”

que atualmente existe na lei. Já em relação às patentes, o Projeto de Lei determinava que o direito de

excluir do titular não podia ser exercido em relação a “produto que tiver sido colocado no mercado interno

ou externo diretamente pelo titular da patente ou com seu consentimento”.

Gustavo Piva de Andrade

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Como se vê, o Projeto de Lei postulava solução diversa do texto que foi aprovado, pois estabelecia

que a colocação do produto pelo titular em qualquer mercado (interno ou externo) gerava a exaustão

de direitos. Portanto, a referência somente ao “mercado interno” vista nos artigos 132, III, e 43, IV, da

lei não foi fruto do acaso, mas, sim, adveio de uma clara opção legislativa que parece absolutamente em

linha com a política de fortalecimento dos direitos de propriedade industrial vista no Brasil nos anos

pós-TRIPS.

Apesar disso, a jurisprudência brasileira ainda é vacilante quando o assunto é importação paralela.

Existem importantes decisões que reconhecem a ilicitude da prática, mas também existem julgados no

sentido contrário. Normalmente, os órgãos julgadores que se posicionam a favor do comércio paralelo

argumentam que ele é benéfico para o consumidor, já que possibilita uma maior redução de preços.

Também fazem alusão ao direito antitruste, ressaltando que o comércio paralelo está em consonância

com os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.

Entendemos que essa é uma forma simplista de examinar a questão, pois existem aspectos mais

amplos que precisam ser considerados. O mais importante deles talvez seja o fato de o legislador brasileiro,

como visto, ter adotado uma política que fortaleceu sobremaneira a posição dos titulares de direitos

de propriedade industrial. E se o legislador tomou esta decisão, certamente não o fez inocuamente,

mas, sim, por vislumbrar prerrogativas que servem para estimular a inovação e a criatividade no meio

empresarial. Logo, ainda que no curto prazo direitos exclusivos possam parecer prejudiciais, eles estão

intrinsecamente relacionados ao conceito de eficiência dinâmica e a todos os benefícios de longo prazo

dela decorrentes.

Também é importante lembrar que transmitir qualidade e reputação é uma das principais funções

das marcas. Muitas vezes, o comércio paralelo interfere nessa questão, pois não se pode garantir que

produtos importados paralelamente serão transportados e armazenados de forma adequada, nem que

respeitarão a legislação consumerista e diversas obrigações regulatórias impostas pelas autoridades locais.

Propriedade Industrial e Importação Paralela no Ordenamento Jurídico Brasileiro

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Em alguns segmentos – como, por exemplo, medicamentos, cosméticos, alimentos, bebidas e brinquedos

–, isso pode causar grandes prejuízos para a reputação da marca.

Sob a perspectiva antitruste, a importação paralela também não resiste a uma análise mais

minuciosa, uma vez que tal prática gera alocação ineficiente de recursos econômicos e possibilita o

chamado free riding. Afinal, o importador paralelo simplesmente “pega uma carona” na publicidade e

em toda a estrutura pré e pós venda montada e administrada, a altos custos, pelo titular do direito de

propriedade industrial. Como resultado, se o comércio paralelo for permitido, o titular e seu licenciado

tendem a investir cada vez menos nesse tipo de serviço, o que é altamente prejudicial. Por fim, vale destacar

que as regras do direito antitruste não foram concebidas para promover a concorrência intramarca, já

que, normalmente, existem diversos substitutos no mercado relevante em que o produto está inserido.

Por tudo isso, a menos que o Congresso resolva mudar de direção e promova uma mudança

legislativa, parece-nos inexorável a conclusão de que o regime vigente no Brasil é o da exaustão nacional,

de onde decorre que coibir a importação paralela é uma das prerrogativas que a lei brasileira confere aos

titulares de direitos de propriedade industrial.

Gustavo Piva de Andrade

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1 Vice Presidente da BG Brasil em Assuntos Corporativos e Relações Governamentais, Presidente da AMCHAM e Membro do Conselho Curador do CEBRI.2 Gerente-Sênior de Relações Governamentais da BG Brasil

Brazil and the New Geopolitics of Energy

Brazil and the New Geopolitics of Energy

Henrique Rzezinski1 e Damian Popolo2

The Context

Brazil is perhaps a unique case of an emerging power which is facing the prospect of growth

from a position of independence or near-independence in all the resources that underpin contemporary

and future geopolitical considerations: food, water, energy and mineral resources. Its energy matrix

is exceptionally green, and the country has the ability to substantially increase the output of biofuels

without expanding its physical agricultural frontier or without threatening food production. What is

more, Brazil has stabilized its demographic growth, has no territorial disputes and faces no credible

threat to its security. Even the rates of deforestation in the Amazon seem to be going in the right

direction. Brazil is now an established democracy with solid institutions which, through effective policy-

making and implementation, have successfully kept one of its traditional enemies – inflation – firmly

under control. As the global economy continues to suffer from apparent structural challenges in the

financial sector, Brazil can boast some of the world’s most solid banks.

Importantly, Brazil did not get to this position by geographical accident alone. Some of the most

salient features of this extremely comfortable situation are the result of long-term planning and of an

uncommon ability to learn from past developments. The ethanol revolution is the result of a conscious

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decision to achieve energy independence in the long term even if the economics in the short-term did

not make much sense. The solidity of its banks has a lot to do with lessons learned in the painful years

of financial crisis. In the new age of global diplomacy, such cultural features and global public opinion

(Joseph Nye’s famous “soft power”) are just as important as any other factor affecting international

relations. Here too Brazil has some advantages: unlike other BRICS has no “glorious past to rescue”, but

possesses distinctive culture with near-infinite possibilities in the creative industries, including fashion,

music, architecture and design.

In sum, this situation is so unprecedented that there is probably no established geopolitical theory

to address the “challenges” of Brazil. This unique situation calls for a major paradigm shift to analyze

the geopolitical opportunities that Brazil faces. As the world continues to think about energy and food

security, for example, Brazil has to think about how the security concerns of others can be translated

into benefits for Brazil. In other words, the geopolitics of Brazil are about making the most out of

opportunities, and not about achieving a difficult independence in key areas (food, energy). To illustrate

the point, agriculture is currently around 20% of Brazil’s GDP, and the Oil and Gas sector is projected

to be another 20% by 2020. This means that about half of the Brazilian economy will produce goods

that have a near automatic access to global markets with sustained patterns of consumption: people

around the world are always going to need food and energy, and this demand can only accelerate because

of demographics and because of the elevation of global standards of living.

In this context it is not an exaggeration to state that, if Brazil makes the most out of these

opportunities, we will be looking at the creation of a new model of economic development, based on

the rational, sustainable and efficient use of natural resources. In the old paradigm, commodities-driven

economies are bad for development and progress. In a new paradigm, the sustainable development of

these resources requires ever increasing levels of progress and of technological understanding: there

is no soya belt in the Cerrados without Embrapa technology, no protection of the Amazon without

sophisticated satellite-based monitoring systems and, of course, no pre-salt developments without world-

Henrique Rzezinski e Damian Popolo

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class expertise in Oil and Gas. This is a “knowledge and nature-based economy”. The geopolitical options

in this context are particularly evident in the Oil and Gas sector.

Brazil as a Global Energy Player in Oil and Gas: new realities, new opportunities

Energy independence means diplomatic flexibility. It is through this flexibility that Brazil can

secure the sustainable development of its Oil and Gas industry. By sustainable we mean the ability to

ensure that the economic and social benefits of oil and gas can be felt well after this finite resource

disappears. In this case, the best way to pursue this goal is through the development of a world-class

industry in Brazil that will be able to solve global industrial challenges after the key domestic challenges

(for example, pre-salt technology) are successfully met. Flexibility means that Brazil can pick and choose

how to use its resource from a foreign policy perspective based on a simple assumption: priority must be

given to whichever partner is able and ready to transfer the necessary technology needed to create such

a world-class industry in Brazil.

It is difficult to exaggerate the impact of technology in the sector: recent developments here

have, simply, revolutionized the entire global geopolitical scenario. Less than 2 years ago the standard

imagination of the pre-salt was based on an assumption that Brazil would diversify global oil supply

away from instable stakeholders in the middle-east, and that the “West” was the primary beneficiary of

this. Now, the United States are due to achieve their own energy independence by 2030. In the words

of Lord Browne, the former executive of BP, “the amount of shale gas in the US is effectively infinite”.

The most recent studies from Harvard (Leonardo Maugeri, June 2012) argue that the key hubs for the

expansion of global supply in the future will be the United States, Canada, Brazil, Venezuela and Iraq.

Out of these five developments, four are due primarily to recent technological progress: shale in the

United States, tar sands in Canada, ultra deep pre-salt in Brazil and extra-heavy oils in Venezuela.

Brazil and the New Geopolitics of Energy

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The future of the sector seems to be in the hands of the Western Hemisphere and this has

important geopolitical implications. Brazil can be a key player in the organization of global supply

through strategic partnerships within the Americas. In the same way that shale technology have projected

US “oil power” globally, Brazil must use its energy independence and technological development as a

means of projecting its own oil power in areas of its own expertise (ultra-deep offshore): the Equatorial

margins in Latin America and off the coast of Africa look like primary candidates.

More importantly, Brazil can use its energy independence to plan in the long term – something

it seems to be very good at – and to use a possible American continental alliance to make substantial

progress in technology beyond ultra-deep developments through the creation of a knowledge and nature-

based economy.

Of course there are challenges which need to be overcome in order for Brazil to successfully

capitalize on these opportunities. In order for the economy to grow at a rate which is compatible with

the successful delivery of Brazil’s energy agenda and sustainable development of its energy resources,

measures need to be taken to increase the level of savings and re-invest them in the necessary infrastructure

that will allow Brazil to grow at a sustainable rate of 5 to 6% per year for the next decade. Further, from

an institutional and regulatory perspective, Brazil needs to undertake root and branch social security

reform and fiscal reforms, as well as investing in basic education and innovation. Although beyond the

scope of this paper, these are topics which have been widely discussed elsewhere – they are salient and

current political issues. Brazil needs to move beyond discussion and build a coalition of support for such

measures, and have the resolve and determination to drive them through to completion. Only then will

everything be in place to ensure that the next energy revolution takes place in Brazil. Anything other

than that could only be considered a failure.

Henrique Rzezinski e Damian Popolo

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1 Diplomata, ex-Ministro da Indústria e Comércio, ex-Embaixador Extraordinário para Assuntos do Mercosul e Vice-Presidente Emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais.

Os Próximos Desafios da Política Externa Brasileira

Os Próximos Desafios da

Política Externa Brasileira

José Botafogo Gonçalves1

A Política Externa de um país se faz ou pelas armas ou pela diplomacia ou por uma combinação de

ambas. A história do Brasil independente e, sob muitos aspectos, a história do Brasil colonial se fez mais sob

a égide da diplomacia do que sob a força das armas. A construção da nacionalidade e da unidade territorial

brasileira está pontilhada de conflitos armados internos ao longo do 1º e do 2º Império. Exceção foi a Guerra

do Paraguai, que foi quase o único conflito externo em que as armas precederam a diplomacia na solução

do conflito. Desde a independência até meados do século XV, a política externa foi definida e executada

pelo Executivo através do Itamaraty, que o fez de maneira quase que absolutamente monopolista. Com a

industrialização brasileira, a partir dos anos 50, a diplomacia incorporou entre seus objetivos prioritários

a administração da política comercial brasileira, com o objetivo de legitimar os aspectos protecionistas do

modelo de substituição de importações.

Essa fase culmina, no início do século XXI, com o Itamaraty envolvido nos desafios dos acordos de

livre-comércio, tanto regionais como multilaterais. No campo não econômico, a diplomacia brasileira, livre

de conflitos fronteiriços com seus vizinhos sul-americanos, pode se dar ao luxo de praticar uma política

externa universalista, indo além do contexto hemisférico e buscando um papel relevante seja, no passado,

na Liga das Nações, seja hoje, na Organização das Nações Unidas.

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O modelo econômico brasileiro, fechado e autárquico, que perdurou até o fim dos anos 80 teve

como corolário a adoção de princípios defensivos de política externa, incorporados na legislação brasileira,

mesmo a nível constitucional, como a não intervenção em assuntos interiores, a prevalência dos foros

jurídicos nacionais sobre os internacionais, a rejeição da arbitragem como solução legítima de conflitos

econômicos e políticos (abandonando a bem sucedida experiência do Barão do Rio Branco), a rejeição ao

conceito de supranacionalidade nos esquemas de integração regional, a diferença entre empresas nacionais

e estrangeiras, as quais, de uma certa forma, ainda prevaleceram nas nossas relações com países, empresas

ou organizações estrangeiras, mesmo as multilaterais.

A partir do fim dos anos 80, o Brasil mudou muito. A deplace financeira levou o Brasil a 20 anos

de ajustes. A vitória sobre a hiperinflação e a prosperidade mundial levaram o Brasil de devedor a credor

e a sexta economia mundial. O combate à pobreza reduziu a desigualdade econômica e reforçou o papel

do mercado interno no crescimento da economia. A exportação de “commodities”, agrícolas e minerais,

multiplicou por quatro os valores do comércio exterior. A comunidade internacional olha o Brasil hoje

como uma potência emergente, com vocação para líder regional e protagonista importante nos processos

de governança global.

Curiosamente, o Brasil e os brasileiros parecem ter dificuldades em definir sua própria missão

no mundo de hoje. Nos governos Sarney, Collor, Itamar e FHC, a diplomacia se projetou no hemisfério

ocidental, através do Mercosul e da ALCA, e no mundo, através da OMC e de outras agências das

Nações Unidas, embora no plano interno a economia tenha sofrido reveses decorrentes de sucessivas

crises financeiras internacionais.

No Governo Lula, a situação econômica se reverteu. O Brasil consolidou a macroeconomia e

expandiu suas relações econômicas e políticas com os países vizinhos. Iniciava-se o espetacular processo

de internacionalização das empresas brasileiras. Paradoxalmente, as iniciativas da diplomacia brasileira

no plano da governança global foram, em alguns casos, desastrosas ou, no mínimo, controversas. No

José Botafogo Gonçalves

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plano regional o Mercosul perdeu dinamismo e prestígio, a despeito da pletora de iniciativas de integração

latino-americana.

Algumas lições devem ser tiradas desse descompasso entre a realidade internacional, velozmente

dinâmica, e a ação diplomática brasileira, lenta e desritmada. A primeira delas é a de não explicar os

processos ou frustrações só em função de erros pessoais dos agentes diplomáticos, mesmo porque no Governo

Lula o Itamaraty perdeu o monopólio da execução da política externa. Quando há muitos executores, a

identificação de responsabilidades é quase impossível. A segunda lição é a de reconhecer que os paradigmas

que norteiam com sucesso a política externa brasileira já não são suficientes ou inequívocos para continuar

a pautar a ação diplomática. Os temas transversais como meio ambiente, sustentabilidade, mudanças

climáticas, políticas de baixo carbono, conservação de energias, matrizes limpas, uso racional de recursos

naturais trans-fronteiriços, drogas e crime organizado, lavagem de dinheiro, pirataria intelectual, cidadania

e segurança urbana, segurança alimentar e combate a fome, etc., parecem cada vez mais incompatíveis com

os princípios tradicionais de soberania fronteiriça e jurídica, de não intervenção em assuntos internos de

outros países, e de rejeição a qualquer instrumento de supranacionalidade, particularmente no campo da

solução de controvérsias.

A terceira e última lição a se frisar é a de que o tratamento que a política externa dará a esses temas

transversais dificilmente se dará através de consensos. A globalização e a complexidade dos interesses em

jogo, muitas das vezes contraditórias, entre agentes governamentais ou não, nacionais ou estrangeiros, faz

com que seja necessário adotar critérios de governabilidade baseados no princípio da prevalência da opinião

da maioria, mas algumas limitações em proteção a opiniões minoritárias, a fim de se evitar a ditadura da

maioria a que se referia Tocqueville.

É nesse momento que os partidos políticos podem e devem desempenhar um papel de grande

relevância institucional. Cabem a eles resgatar os valores mais nobres da democracia representativa, hoje

ameaçada pela baixa qualidade da ação parlamentar e pela reduzida independência frente ao autoritarismo

do Executivo e a lentidão do Judiciário.

Os Próximos Desafios da Política Externa Brasileira

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José Botafogo Gonçalves

A presunção de que consensos serão difíceis em política externa não implica o abandono do debate.

Pelo contrário, só um profundo conhecimento de um tema em estudo é que vai permitir que se construa

uma ação de política externa que seja o reflexo do melhor acordo possível de maioria, garantindo assim a

governabilidade e a eficácia da ação programada.

Qual o papel que um partido de centro tem nesse campo?

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1 General Director of Clingendael Institute.

Brazil and the Netherlands: common ground in the neo-geo world?

Brazil and the Netherlands:

common ground in the neo-geo world?

Ko Colijn1

The world becoming multipolar, it is tempting to follow the emergent positioning of nations in the

neo-geopolitical landscape and explore their potential for cooperation. In the context of the joint CEBRI-

Clingendael conference on ‘New Threats, New Actors and New Mechanisms, Dealing with de 21st

Century International Security Agenda’, the positions of Brazil and the Netherlands have been explored.

Starting from quite different political environments, both countries enter the new era as self-proclaimed

‘middle powers’. For Brazil, if that is correct, it is certainly a very big middle one, a middle power on the

rise. The Netherlands are a small middle power, a well-organized and rich member of the EU-27, a triple

A country of the now fragile but still going Eurozone, and its future role in the multipolar world is highly

dependent on the capacity of the European Union to get its act together and play a single role or single

partner role in the multipolar system to come.

Whereas Brazil can claim the status of a giant middle power, the Netherlands are only a pocket-

sized middle power, as the saying goes in Holland.

The Netherlands are a tiny stretch of land, owing its geographical and strategic relevance to its

position in the North West delta of some aortic European rivers rather than to its vastness in square

kilometers. Logically, the Dutch depend on trade and logistics, on free trade and smooth connections.

Dutch policies breathe a deep interest in level playing fields economically and legally and in a manifest

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drive for promoting global order and global justice. One step further is its constitutional provision that

the Dutch do not only defend the national territory but will be fit and ready to defend the international

legal order as well with their armed forces. Implicit is the Dutch wariness of any turbulence a new

multipolar may bring and its interest in looking for like-minded partners.

Thus, Dutch global interests are not in power competition, but in global justice and helping to

eliminate other’s conflicts.

Brazil may be such a partner.

Far different in size, geography and history, both countries seem no natural allies at first sight,

but they share enough ‘atypicalness’ in their own categories as to complement and meet together. As Peter

Hakim rightly observes, Brazil is atypical in that it is a large and powerful actor, (but) facing no serious

hostilities from any other side. It has no enemies, is located far away from any of the world’s major armed

conflicts, and is not involved in any of them. Brazil’s army is a small, defensive force, but its military is

definitely apt for UN peacekeeping and for occasionally neutralizing urban gang unrest. In offering a rare

combination of power and ‘distance’, Brazil is a country that can permit shaping its international priorities

and policies relatively independently of external forces. Brazil, it is said, is characterized by its consistent

non-interventionist posture. It is even sometimes heard that Brazil is too much on the sidelines, given

its potential to influence events. Its doctrine of sovereignty and non-interference is upheld consistently.

By and large, outside perception converges to Brazil as slightly transforming to a friendly giant,

accordingly claiming greater influence within global governance institutions, but at the same time

embracing a sort of activist human security approach and cautiously pushing for a greater role in resolving

issues of geopolitical importance (e.g. Iran). These are all principles that connect extremely well to Dutch

foreign policy, albeit sometimes on a different level, in different areas of the world, maybe even for different

reasons but definitely with similar ambitions and subscribing to the elevated goals of multilateralism,

peace building, global justice and the broad agenda of human security.

Ko Colijn

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I recall the very recent appreciation of the Lula agenda in awarding the Four Freedoms (Roosevelt)

Award to former president Lula da Silva in the Netherlands. The jury report especially honored Brazil’s

“commitment to social and economic justice, coupled with its resolve to help foster a climate of peace and

reconciliation among all nations” under his rule, now an anchored policy of Brazil, and very, very similar

to basic Dutch foreign policy motives.

No contentious issues then? Sure, no pair of countries in the world share completely similar

interests and preferences, and therefore positions. But that is not necessarily an irritant nor obstacle. On

the contrary, the role of the relative dissident, or bystander, can be a very productive one in that he might

well be the useful mediator, or bridgebuilder between two opponents. The distance of Brazil, and the

Netherlands on their part, may well serve global interests in their own right.

Do the Dutch have a similar ‘distance’ role, which afford them international ‘mediation value’?

The Netherlands, despite its limited capacity, can maximize its diplomatic reach on a selective

basis by contributing to peace operations, nowadays mainly (if not exclusively) in UN-mandated

ones, and in seeking to ‘syntegrate’ its foreign development assistance and crisis intervention efforts.

This combines well with the more pragmatic ratio of promoting Dutch outreach for national economic

reasons. It also resounds academic debate on the issue whether Brazil’s recent more active engaging

in foreign peacekeeping operations should be seen as a form of realist instrumentalism rather than

idealism. If Brazil claims great power status, the reasoning goes, and wants to shore up its claim for a

permanent seat at the Security Council, it will have to show up in UN operations like the one in Haiti.

Whatever the motives are, in my opinion the Dutch and Brazilians in the real world are not far

apart. Whatever their respective interpretations of ‘sovereignty’ may be, both the Netherlands and Brazil

have moved into a constructive dialogue on responsibility while protecting - the group of nations that

believe in internationally protecting foreign populations where those populations lack the protection

they are nationally are entitled to. We could explore areas of opportunity anyway. Why not cooperate in

western Africa, for instance, and both profit from helping to stabilize fragile states over there, paralyzing

Brazil and the Netherlands: common ground in the neo-geo world?

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Ko Colijn

drugs trade corridors running from Latin America to Europe, or have joint maritime patrol operations in

the resource-rich waters or in anti-piracy missions?

Coming from the world of think tanks, I’d propose studying jointly the cases of Libya and Syria.

For Brazil, it is said that, the UN resolution 1973 on Libya was a political trauma. Some go even

as far as to compare it to the war in Iraq, which actually led to the constitution of the BRICS as a political

coalition. In the case of Libya, the Dutch did not actively participate in air operations beyond the level

of surveillance ops, and in the case of Syria, they are not in favor of a military intervention against the

Assad regime.

One might reach at the conclusion that these are instructive cases as to the limits of R2P-

interventions, certainly so with respect to the means which are used (military, which weapons, against

whom?), the relative outcomes (is the population better off with or without intervention?), and with respect

to the ‘geomoral’ dilemma whether the R2P sometimes be, for strategic convenience, a Responsibility

to Select? My conclusion is that there is certainly common ground here for our two nations: Brazil, a

great power maybe too reluctant to be great, and the Netherlands, a small power maybe too great to be

reluctant.

There is certainly a failing from the part of the US to pay attention to Brazil. As Brazil was busy

booming its way up to overtake the UK as the world 6th economic power, the US was busy fighting its

wars in Iraq and Afghanistan, focusing on China, and neglecting the southern continent. But, as the US

was reactive and mostly centered on emergencies, drugs and failed states as sources of terrorism, Brazil

was not an easy partner too in their eyes.

US official calls Brazil ‘the France of Latin America: its obstructionism in global talks is often

driven by their need to assert their newfound power’.

A case in point has of course been the 2010 Iran affair, when Brazil joined Turkey in voting

against sanctions at the UN after an attempt to undercut an IAEA- and western backed deal on stopping

temporarily indigenous Iranian uranium enrichment.

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This probably stands in the way of Obama doing what he did with India one and a half year ago:

embrace Brazil s aspirations to become a permanent member of the UN SC.

What didn’t help much in improving the chances of Brazil of getting sympathy and support

for its reputational status, at least in the eyes of the US, was its cultivation of warm ties with Iran, and

its absence in the global condemnation of Syria’s Assad and the killings of civilians in his population

centers. These policies are not quite well understood, to be honest. Neither is the US refusal, to be sure,

to declassify cachaça, your sugar cane spirit, as Caribbean rum, which subjects it to higher import tariffs

and apparently a protectionist drive in order to positively discriminate American rum producers in the

Virgin Islands and Puerto Rico.

Brazil and the Netherlands: common ground in the neo-geo world?

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1 Diplomata, Presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e ex-embaixador do Brasil na China, no Japão e no Paraguai.

Afinal, o que o Brasil quer

ser no Mundo?

Luiz Augusto de Castro Neves1

Em termos de substância, a política externa brasileira pouco tem variado ao longo das últimas

duas décadas. Certamente ficou mais complexa e diversificada, reflexo sobretudo da importância

econômica crescente do país, que é hoje a sexta economia do mundo, embora continue a ser um país em

desenvolvimento, com indicadores socioeconômicos que ainda deixam muito a desejar. Pode-se dizer, a

propósito, que a ascensão internacional do país é um subproduto de seu bom desempenho socioeconômico.

De qualquer modo, o crescimento da economia brasileira tem levado a transformações mais

profundas na inserção internacional do Brasil. De fato, a estabilidade macroeconômica alcançada em

1994 permitiu a combinação, rara em nossa história econômica, de crescimento sem inflação e com

políticas sociais inclusivas. Esse fenômeno contribuiu para viabilizar a internacionalização de numerosas

empresas brasileiras, que passaram a ser, de fato, empresas multinacionais. O processo, ainda incipiente,

de uma maior inserção internacional do Brasil foi decisivo para alargar os horizontes da atuação do país.

A nova visibilidade internacional tem levado a uma manifestação mais explícita do desejo de

exercer papéis cada vez mais importantes, de ter novas responsabilidades, compatíveis com a importância

política e econômica do país tal como ela é percebida pelas nossas lideranças. A expressão desse desejo

ganhou particular relevo durante o governo Lula, quando a política externa brasileira foi marcada por um

Luiz Augusto de Castro Neves

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grande ativismo, sobretudo no plano da retórica. Nesses anos, a prioridade número um da política externa

era obter um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Boa parte de nossa atuação internacional era de certa forma vinculada ao objetivo de conseguir

mais apoios entre os países-membros da Organização das Nações Unidas para um eventual projeto de

resolução que promovesse a expansão do número de membros permanentes daquele conselho. Essa foi

uma das razões, por exemplo, que levou à abertura de várias embaixadas em países remotos e de escassa

relevância para a política externa brasileira.

No atual governo, a aspiração brasileira permanece, embora sem o ativismo retórico do governo

anterior. Aliás, a aspiração brasileira já era presente nos tempos da Liga das Nações, quando o Brasil

tentou, sem êxito, virar membro permanente de seu Comitê Executivo. Quando da criação da ONU, na

década de 40, Getúlio Vargas enviou um telegrama ao chanceler Pedro Leão Veloso, que se encontrava em

São Francisco chefiando a delegação do Brasil à primeira conferência da ONU, reiterando nossa aspiração

no sentido do “reconhecimento nessa Conferência do valor de nossa colaboração e sacrifício, assegurando-

nos um lugar permanente no Conselho”. Esse propósito nunca desapareceu de todo do discurso brasileiro

desde então; apenas a ênfase e a sua prioridade em relação a outros temas é que variava.

Atualmente, ainda não há uma percepção mais específica sobre os rumos da política externa

brasileira. A retórica, como já mencionado, efetivamente mudou, tornou-se mais moderada e equilibrada.

Quanto à substância, os objetivos enunciados ainda são genéricos e alguns deles são lugares comuns em

discursos em matéria de política externa.

A crise econômica internacional e as políticas anticíclicas adotadas por vários países importantes

têm sido objeto de queixas de nossas autoridades (caso do “tsunami monetário” e da “guerra cambial”),

mas não se percebe uma atuação mais propositiva na política externa brasileira.

Além disso, há também certo viés ideológico que ainda permeia o discurso brasileiro em alguns

foros internacionais. Recentemente condenamos as violações de direitos humanos na base americana de

Guantánamo, mas nem uma palavra foi dita em relação a abusos semelhantes que ocorrem no restante

Afinal, o que o Brasil quer ser no Mundo?

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da ilha de Cuba (para não mencionar a reticência que caracteriza a nossa posição em relação aos eventos

na Síria).

Mas é fora de dúvida que o Brasil, mercê de seu bom desempenho econômico e social dos últimos

anos, adquiriu uma nova presença internacional, que não ocorreu apenas no plano retórico. Nossa agenda

internacional envolve hoje, além das relações bilaterais com um número maior de países, temas globais,

como o comércio, uma nova arquitetura para o sistema financeiro internacional, a questão do meio

ambiente, os direitos humanos e os riscos da proliferação de armas nucleares.

O mundo mudou muito, sobretudo após o fim da Guerra Fria, no início da década de 90, e o

fim da unipolaridade inconteste dos EUA, a partir dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.

Novos e importantes atores, como a China, passaram a ser presença obrigatória nos foros decisórios

mundiais. O Brasil também mudou, embora o seu até agora bem-sucedido processo de modernização

esteja longe de uma conclusão. Essas mudanças indicam que estamos necessariamente no limiar de uma

nova fase de nossas relações internacionais, com novas oportunidades e desafios, a exigir definições e

menos improvisações, enfim, mais planejamento estratégico e menos retórica com pouca aderência à

realidade.

As relações internacionais constituem um tema cada vez mais visível nas prioridades da sociedade

brasileira, que passa a ser um ator com centralidade crescente nas definições necessárias. A nova dimensão

internacional do país está a requerer sinais mais precisos sobre o papel que o Brasil quer ter no mundo

do século XXI, além do insistente (e justificado) clamor por mais voz nas questões internacionais. O

nosso desafio é saber dizer com clareza o que queremos e o que estamos concretamente dispostos a fazer

a respeito.

Luiz Augusto de Castro Neves

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1 Marcelo de Paiva Abreu, doutor em economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no Departamento de Economia da PUC-Rio. Membro do Conselho Curador do CEBRI.

O Brasil Deve Levar a OMC a Sério

O Brasil Deve Levar a OMC a Sério

Marcelo de Paiva Abreu1

Na esteira da crise econômica mundial, o governo brasileiro vem adotando medidas com o

objetivo explícito de conter o impacto sobre o câmbio das políticas adotadas pelos grandes protagonistas,

China, EUA e, em menor medida, União Europeia. As medidas relacionadas à política comercial são

particularmente objetáveis. Abandonando qualquer esforço consistente de melhoria da competitividade

brasileira através da redução do Custo Brasil, o governo adotou o protecionismo como linha de defesa

principal.

O Brasil hoje ocupa posição destacada entre os defensores do protecionismo em bases mundiais,

a despeito do sangue-frio da Presidente ao negar tal fato em viagem recente aos EUA. Não há dúvida

que diversas das medidas protecionistas adotadas recentemente fazem pouco sentido do ponto de vista

econômico e conflitam com compromissos firmados na OMC. Isto fica claro na análise da imposição de

alíquotas discriminatórias de IPI sobre veículos que não atendam critérios de conteúdo nacional mínimo,

bem como da cobrança planejada, também discriminatória, de PIS/COFINS sobre importações para

compensar a desoneração de contribuição previdenciária patronal e, também, da exclusão das exportações

da base de incidência da nova alíquota sobre faturamento.

A garantia de “tratamento nacional” de importações é um dos pilares da OMC. O velho acordo

do GATT prescreve (Parte II, artigo III, Tratamento nacional no tocante à tributação e regulamentação

internas): “As Partes Contratantes reconhecem que os impostos e outros tributos internos... não devem

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ser aplicados a produtos importados ou nacionais, de modo a proteger a produção nacional” (ver site

do Ministério da Fazenda). As negociações tarifárias multilaterais são conduzidas com base na troca de

reduções consolidadas, isto é, de limites tarifários máximos. Se houver violação do “tratamento nacional”,

como ocorre com a imposição de alíquotas discriminatórias de IPI sobre veículos que não atendam critérios

de conteúdo nacional mínimo, e com o tratamento discriminatório das importações na imposição do PIS/

COFINS, o objetivo dessas negociações perde o sentido.

A exclusão das exportações da base de incidência da nova alíquota sobre faturamento, por seu lado,

conflita com o Acordo sobre subsídios e medidas compensatórias da OMC: “serão proibidos os... subsídios

vinculados, de fato ou de direito ao desempenho exportador... inclusive aqueles indicados a título de

exemplo no anexo I”. O Anexo I menciona explicitamente a “isenção, remissão ou diferimento, total ou

parcial, concedido especificamente em função de exportações, de impostos diretos ou impostos sociais

pagos ou pagáveis por empresas industriais e ou comerciais” (ver site do Itamaraty).

Não se deve ensinar Padre Nosso a vigários. Certamente tais ilegalidades e incoerências não terão

escapado aos nossos talentosos e calejados diplomatas. É bem provável que essas iniciativas desastradas

tenham tido origem no voluntarismo frenético que vem caracterizando a política econômica conduzida

pelo eixo Fazenda-Planalto.

Segundo os contumazes defensores do protecionismo e da política econômica baseada na criação

de dificuldades, seguida de distribuição de facilidades, os argumentos de que as medidas protecionistas

são ilegais frente às regras da OMC, padecem do defeito, pasmem, de “levar a OMC a sério”.

Na verdade, são inúmeras as razões para levá-la a sério. Algumas são de natureza jurídica: as regras

da OMC são objeto de ratificação por parte do Congresso Nacional, sendo assim integradas à legislação

brasileira. Levar a sério a OMC é levar a sério as leis brasileiras. A propensão a levar a sério limitações

jurídicas ou estatutárias sempre variará consideravelmente de acordo com o ponto de vista do indivíduo,

ou do país. Mas, se um indivíduo, ou governo, escolhe não levar a lei a sério, isto nada diz sobre a lei e

bastante sobre o indivíduo, ou o governo.

Marcelo de Paiva Abreu

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No passado, muitos chegaram a justificar a violação da legalidade constitucional com base em

argumentos de necessidade política. Na área econômica, há registro de interferência política na geração de

informações econômicas que desagradavam o governo do dia. Será antiquada a ideia de que Constituição,

metodologias do IBGE e compromissos com instituições multilaterais devam ser levadas a sério? Talvez

não seja excesso de otimismo julgar que o Brasil aprendeu nas últimas décadas que as “flexibilidades”

do passado, além de censuráveis, acabaram sendo extremamente onerosas. E é preciso não esquecer que

decisões empresariais foram tomadas com base na crença de que o marco jurídico estaria claramente

definido e de que mudanças de regras têm efeitos assimétricos sobre distintos agentes econômicos.

Mesmo os adeptos mais fervorosos da Realpolitik em versão tropical à la Macunaíma, o herói sem

nenhum caráter de Mário de Andrade, deveriam levar em conta argumentos que vão além da maximização

de benefícios no curto prazo. E chegar à conclusão de que, apesar das tentações, vale a pena levar a OMC

a sério.

Até recentemente, o Brasil vinha acumulando excelente reputação na Organização Mundial

de Comércio. Parte do prestígio remonta aos tempos do GATT, com destaque para a resistência ao

unilateralismo dos EUA e as negociações da Rodada Uruguai, após turbulento período de resistência

à liberalização na década de 1980. A partir do final da década de 1990, o Brasil tornou-se protagonista

importante em diversos episódios relacionados à solução de controvérsias. Inicialmente o tema dominante

foi à disputa entre a Embraer e a Bombardier. Ainda mais significativas foram as decisões, favoráveis ao

Brasil, quanto aos subsídios do governo dos EUA aos seus produtores de algodão e da União Europeia

às suas exportações de açúcar. As decisões estabeleceram, apesar das dificuldades de implementação,

marcos importantes no processo de enquadramento dos grandes protagonistas comerciais às disciplinas

estabelecidas na Rodada Uruguai.

Nas negociações da Rodada Doha, o Brasil jogou papel crucial a partir da Reunião de Cancun,

em 2003, quando foi neutralizada a tentativa de EUA e União Europeia de bloquear a liberalização

agrícola multilateral e viabilizada a criação do G-20 da OMC que -- a despeito de discordâncias entre

O Brasil Deve Levar a OMC a Sério

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seus principais integrantes, Brasil, China, Índia – contribuiu de forma significativa para o avanço das

negociações até o impasse em meados de 2008. O Brasil consolidou a sua posição como interlocutor

privilegiado, ao compor, juntamente com EUA, União Europeia, China e Índia, o grupo de países que

concentrou as negociações decisivas. Embora haja fracassado o acordo, ficou clara a postura construtiva

do Brasil...

Essa posição foi alcançada a despeito da baixa participação brasileira no comércio mundial –

rondando 1,5%. É – ou era – o único foro internacional em que a diplomacia brasileira havia conquistado

posição tão destacada. Nos últimos meses, entretanto, este cabedal tem sido erodido pela adoção de

medidas protecionistas que violam escancaradamente as regras multilaterais e por tentativas de ampliação

da agenda da OMC para incluir desalinhamentos cambiais, iniciativa que tem probabilidade baixíssima

de prosperar em Genebra. O desgaste culminou com a recente proposta brasileira no G-20 quanto ao

lançamento de uma nova rodada de negociações na OMC a partir de 2014. Não é surpreendente que tanto

as iniciativas de incluir desalinhamentos cambiais na agenda da OMC quanto a proposta de nova rodada

tenham sido mal recebidas.

É irônico que o Brasil, que pretende ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU,

seja o mesmo que queima o seu filme em Genebra. E nunca é demais lembrar que disciplinas comerciais

multilaterais críveis são de especial interesse das economias de menor porte, como a brasileira, em oposição

aos grandes protagonistas. Regras e polícia decentes interessam mais aos pequenos do que aos grandes.

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Versão revista de artigos publicados no jornal O Estado de São Paulo.

Marcelo de Paiva Abreu

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1 Diplomata, ex-Embaixador do Brasil na França, Argentina e foi Secretário Geral das Relações Exteriores. Membro do Conselho Curador do CEBRI.

O Brasil e a Ordem Internacional

O Brasil e a Ordem Internacional

Marcos Castrioto de Azambuja1

Não seria exagero dizer que vivemos em um momento em que não só é difícil identificar o desenho

de uma ordem internacional estável e amplamente aceita como também, vale acrescentar, que não se

observam sequer sinais de que uma tal ordem esteja em processo efetivo de construção.

Desde o fim da Guerra Fria, marcado pela queda do muro de Berlim e pela desconstrução da

União Soviética e passado o breve período em que os Estados Unidos tentaram se afirmar como a única

superpotência e construir um modelo fundado sobre o unilateralismo de suas políticas e prioridades,

vivemos um período em que não é possível identificar as tendências e os rumos ao longo dos quais o futuro

deverá se organizar.

Fala-se hoje de um mundo multipolar ou mesmo de um mundo em ultima análise simplesmente

não polar em que os interesses e as alianças se farão e desfarão ao sabor de circunstâncias cambiantes e

insuscetíveis, portanto, de servirem de parâmetros para a criação de esquemas estáveis e duradouros.

Os ciclos observados nos tempos modernos durante os quais uma ordem internacional foi definida

e teve condições de perdurar não foram muitos ou especialmente longos. Com o distanciamento que a

história permite é possível ver como, apenas para citar os períodos mais ilustrativos em que se observou

uma organização internacional apoiada essencialmente no poder da potência então hegemônica, esses

períodos foram menos estáveis do que se supõe e representaram uma tentativa de ordenamento assentada

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sobre um equilíbrio precário de forças sempre desafiado por atores insatisfeitos com o mapa da repartição

do poder de seu tempo.

Depois da Revolução Industrial, dois grandes ciclos hegemônicos podem ser identificados: o

britânico, que se estende de Waterloo até a Primeira Grande Guerra, e o norte-americano que, a rigor,

define o século XX e que, de forma fragmentada, perdura até hoje.

A Pax Britannica nunca foi a expressão do poder “incontrastado” do Reino Unido, mas era o

resultado da busca consistente de um “balance of power” entre os principais atores, jogo no qual a Grã-

Bretanha exercia o papel determinante de árbitro.

A Pax Americana foi a expressão do poder crescente dos Estados Unidos que, a partir de 1914-

1918, se faz cada vez mais presente e que com as vitórias sobre o Japão e a Alemanha na II Guerra Mundial

e sobre a União Soviética ao terminar a Guerra Fria deixou Washington sem adversários de grande peso

no curto e no médio prazos vendo-se apenas a China emergir na linha do horizonte como um futuro

possível rival.

Mesmo a emergência da China não se dá, até agora, sob a forma de um desafio claro ao poder dos

Estados Unidos, mas como uma forma curiosa de simbiose entre as duas grandes potências, jogo em que

a rivalidade, em sua expressão claramente militar, tem desempenhado, até agora, um papel meramente

acessório.

Depois de décadas de Guerra Fria em que os quadrantes norte-sul e Leste-Oeste definiam as

posições fundamentais de capitalistas e comunistas e entre industrializados e subdesenvolvidos é agora

muito mais difícil identificar uma geometria que tenha os elementos de previsibilidade e estabilidade que

marcavam as correlações de forças no período histórico imediatamente anterior ao de hoje.

Não procuro levar longe demais essas observações. As grandes divisões entre países e grupos

de países ainda persistem, mas o que busco indicar é que a vida internacional não é mais regida pela

disciplina que antes definia as alianças militares e os agrupamentos ideológicos. Há, em outras palavras,

Marcos Castrioto de Azambuja

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maior espaço para que os atores nacionais encontrem uma área de atuação mais flexível em que possam

operar sem os constrangimentos que as antigas filiações militares e ideológicas antes impunham.

Para os grandes emergentes – entre os quais está o Brasil – essa ausência de uma ordem internacional

rígida determinada pelos interesses da potência hegemônica do momento e a consequente liberdade que

se cria para usar as oportunidades que uma geometria variável da vida internacional propicia é certamente

vantajosa e oferece a possibilidade para que um novo tipo de não alinhamento (muito diferente daquele que

se criou como uma via alternativa, mais retórica do que real, durante a Guerra Fria) seja um instrumento

de que um país possa se valer sem nenhum automatismo nem uma visão ideológica a priori.

Coexistem hoje grupos que derivam claramente da II Guerra Mundial e de suja extensão ao longo

das décadas de Guerra Fria: penso nos membros permanentes do Conselho de Segurança, na NATO ,

no G 8 e mesmo na estrutura atual da OCDE. Contudo o G-20, os BRICS e outras associações mais

ou menos informais já são criações do novo momento que vivemos e não correspondem a nenhum dos

automatismos que marcaram a segunda metade do Século XX.

Existe assim hoje, acredito, uma dualidade de associações a agrupamentos alguns dos quais

encontram inspiração e explicação no passado de outros que correspondem, com maior ou menor

legitimidade, aos novos tempos. Penso, ainda, que pouco a pouco a nova arquitetura da organização

internacional se irá impondo por ser o retrato da realidade do momento e não, essencialmente, uma

herança de ciclos históricos já esgotados.

Ao Brasil se oferece – e mesmo se impõe – uma navegação cautelosa e que saiba aproveitar as

oportunidades que oferecem as novas circunstâncias da vida internacional sem que fiquemos presos a

configurações ultrapassadas.

No desenho da ordem internacional que prevaleceu desde a II Guerra Mundial até a queda do

muro de Berlim, nossa capacidade de influenciar o desenho essencial e de aproveitar as oportunidades

que se ofereciam era limitada pelo nosso estágio de desenvolvimento e porque não havíamos ainda

arrumado a casa precondição para nos qualificar a ter uma presença e uma ação mais importantes.

O Brasil e a Ordem Internacional

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Agora, enfim, as condições estão dadas para que tenhamos mais influência no desenho do projeto

da futura organização internacional e para que o espaço que nela nos caiba seja mais importante e influente

do que aquele que ocupamos no passado.

Acredito, assim, que ao Brasil convenha que se estenda por algum tempo o atual período de

relativa indefinição dos parâmetros da ordem internacional porque é provável que esse prazo reforce os

nossos títulos para obter uma inserção mais influente e prestigiosa na ordem que, mais cedo ou mais tarde,

será proposta e geralmente aceita pela comunidade internacional.

O que cabe evitar, contudo, é que continuemos marginais na nova e eventual configuração do poder

mundial e que, como aconteceu na Conferência de Versailles e na Conferência de São Francisco fiquemos

próximos de sermos aceitos no círculo mais íntimo do poder mundial, mas dele sejamos, finalmente,

excluídos.

Se essa avaliação é correta cabe ao Brasil seguir uma linha de delicada navegação em que nem

possamos aparecer como excessivamente ativistas ao apoiar ou propor iniciativas para o redesenho da vida

internacional nem estar ausentes das negociações, formais ou informais, que possam levar a ela.

O que em 1919 e mesmo em 1946 poderia parecer uma ambição excessiva do Brasil de se ver

incluído no diretório do poder mundial é hoje, em 2012, uma expectativa realista e que já parece mesmo

tardia como reconhecimento do nosso papel e o nosso peso.

Marcos Castrioto de Azambuja

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1 Diretora do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), doutoranda em Direito Internacional pela Universidade Gama Filho - linha de pesquisa: Internacionalização e Regulação.

Acordo Internacional para a Proteção de Investimentos Brasileiros no Exterior

Acordo Internacional para a Proteção de

Investimentos Brasileiros no Exterior

Maria Fatima Berardinelli Arraes de Oliveira1

Os acordos bilaterais de investimento começaram a ser negociados a partir dos anos 60. Até

então, se considerava que o investimento estrangeiro direto era matéria preferencialmente regulada por

leis e regulamentos nacionais. A regulamentação internacional somente era aceita em casos excepcionais,

ou quando ações dos governos hospedeiros causavam algum dano aos investimentos em operação.

No início, o principal foco dos acordos bilaterais de investimento foi a proteção de tais atividades

contra nacionalizações ou expropriações e contra proibições de livre remessa de fundos ao exterior. A

nacionalização de empresas americanas, em Cuba e no Chile, sem pagamento de indenização, além de

eventos ocorridos na Líbia, fortaleceram a ideia de que as expropriações somente poderiam ser realizadas

com base em critérios de utilidade pública e com justa indenização, em conformidade com as regras

vigentes na legislação nacional e no direito internacional. O empenho na proteção aos investimentos em

grande parte decorreu de tais experiências de nacionalização

Nos dias correntes, o papel das normas internacionais é amplamente aceito na regulamentação

de investimentos estrangeiros. Uma extensa rede de acordos bilaterais, regionais e multilaterais visando

à promoção e proteção aos investimentos vem sendo construída. Esse arcabouço jurídico internacional

para a regulação do investimento estrangeiro direto já existe, consistindo em vários tipos de regras

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nacionais e internacionais, assim como princípios, que se diferenciam no grau de especificidade e de

coerção. Em termos de conteúdo, as cláusulas dos acordos de proteção a investimentos dizem respeito à

redução ou eliminação de restrições ao ingresso de empresas estrangeiras no país de destino, à eliminação

de tratamento diferenciado em relação às empresas nacionais e ao livre funcionamento do mercado

doméstico. Esses dispositivos costumam cobrir também a proteção dos investimentos já realizados contra

medidas prejudiciais implementadas pelos governos dos países receptores, a garantia de pagamento de

indenização, em caso de expropriação, o tratamento não discriminatório em relação a outros mercados e

o acesso a um mecanismo de solução de controvérsias fora dos quadros jurídicos nacionais.

A tendência atual nessa matéria tem sido o crescimento do número de acordos de proteção ao

investimento entre países em desenvolvimento, os chamados acordos Sul-Sul, já que muitos passaram da

condição de exclusivamente importadores para exportadores de capital, inclusive o Brasil. Nesse aspecto,

o País destoa dos demais Membros do MERCOSUL e vizinhos da América do Sul, que têm acordos da

espécie firmados com diversos países, inclusive com a China, embora o processo de internacionalização

das empresas brasileiras seja cada vez mais consistente e bem mais visível que o das empresas de tais

países.

Como se sabe, há empresas brasileiras de todos os portes atuando no exterior, incluindo públicas

e privadas. A América do Sul tem sido destino cada vez mais atraente, em razão de diversos fatores, que

vão desde a busca de recursos naturais – a região é rica nos mais diversos tipos de minerais, em especial,

os energéticos - à diversificação de riscos contra instabilidades macroeconômicas. Embora os Estados

Unidos ainda sejam importante destino dos investimentos brasileiros no exterior, dentre as 20 principais

empresas brasileiras investidoras, 10 tiveram como foco a América Latina.

No entanto, um fator que ainda dificulta a expansão mais vigorosa dos negócios das empresas

brasileiras no exterior e, principalmente, nesse mercado é a ausência de acordos de proteção aos

investimentos brasileiros, firmados com países alvo de tais iniciativas de internacionalização.

Maria Fatima Berardinelli Arraes de Oliveira

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Entre 1994 e 1999, 14 acordos de proteção e promoção a investimentos estrangeiros foram firmados

pelo País. Seis desses acordos foram encaminhados ao Congresso Nacional, mas não chegaram a ser

ratificados, tendo em vista as resistências enfrentadas quanto a cláusulas centrais que, segundo a opinião

do Legislativo, feriam a soberania nacional. As cláusulas que dificultaram tal aprovação continham

dispositivos sobre os seguintes pontos: definição de investimento estrangeiro (muito abrangente),

tratamento de nação mais favorecida, indenização por desapropriação, garantia de livre transferência de

recursos, limitação da capacidade regulatória do Estado e mecanismo de solução de controvérsias entre

investidor e Estado em corte internacional.

Com tal oposição, os acordos acabaram sendo retirados do Congresso pela Presidência da República.

Não foram renegociados e nem retornaram aquela Casa para aprovação. Não chegaram a entrar em

vigência. O Governo brasileiro, desde então, assumiu posicionamento contrário à negociação de novos

acordos de promoção e proteção ao investimento, com base na argumentação de que estes instrumentos

limitam o espaço de adoção de políticas públicas e geram compromissos restritivos à implementação de

medidas para o desenvolvimento industrial, além de serem ineficientes para determinar a realização de

investimentos em um país.

Até há pouco tempo atrás, essa posição poderia ser explicada pelo reduzido número de empresas

brasileiras multinacionais e pela ausência de investimentos brasileiros significativos no exterior. Por outro

lado, o fluxo regular e crescente de investimento externo direto ingressado, no País, mesmo sem os

acordos de proteção, também contribuiu para diminuir a urgência em renegociá-los. Some-se a isso,

a obtenção pelo País do “grau de investimento” conferido pela agência de risco Standar & Poor’s, em

2008, já indicando que o Brasil constitui opção segura para investimento, com baixa probabilidade de

inadimplência. Ainda, o Brasil não possui histórico de políticas nacionalizantes ou expropriantes de

ativos de investidores estrangeiros.

A crescente presença de brasileiros em outros mercados altera esse quadro, gerando a demanda de

receberem do Governo apoio jurídico para evitar os riscos de possíveis prejuízos decorrentes de fatores

Acordo Internacional para a Proteção de Investimentos Brasileiros no Exterior

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políticos, como a intervenção do poder público local, de ameaças a seus ativos e quebras de contrato

praticadas em razão de mudança nos posicionamentos dos governos, o que vêm ocorrendo, principalmente,

na América do Sul. Acontecimentos, não muito distantes no tempo, envolvendo empresas brasileiras,

mostraram que a ausência de tratados visando à proteção de investimentos pode representar potencial

obstáculo à expansão das empresas brasileiras no exterior ou à segurança de suas iniciativas.

Embora os estudos sobre o tema não apontem a existência de evidência empírica de que os Acordos

de Proteção aos Investimentos possam realmente influenciar os fluxos de ingresso de investimentos num

determinado país, acordos internacionais dessa natureza propiciam a segurança jurídica necessária à

criação de um ambiente favorável a tais iniciativas.

Assim, face ao novo contexto em que o Brasil passou de país essencialmente hospedeiro para

país interessado em proteger os investimentos das empresas nacionais que iniciam seu processo de

internacionalização, as cláusulas contestadas mereceriam nova análise, buscando-se cobertura para a

atuação externa das empresas brasileiras.

A relativização do conceito de soberania nacional trazida pela globalização, o fato de que até

mesmo a China - país de regime com forte intervenção estatal - já firmou um grande número de Acordos

de Proteção a Investimentos, inclusive, com quase todos os países da América do Sul, e os novos padrões

de dispositivos que integram uma nova geração de acordos de tal natureza, sugerem que, já passados

quase 20 anos da assinatura desse tipo de tratados pelo País, a posição brasileira poderia ser revisitada,

de forma a suprir a lacuna existente, tendo como foco, prioritariamente, a proteção dos investimentos

brasileiros no exterior.

Maria Fatima Berardinelli Arraes de Oliveira

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1 Natalia N. Fingermann é doutoranda em Administração Pública e Governo na FGV-SP, Mestre em Social Development pela University of Sussex e Bacharel em Relações Internacionais pela PUC-SP. Atualmente, é professora e coordenadora do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário SENAC. 2 Claudio Oliveira Ribeiro é Doutor e Mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e Bacharel em Ciências Sociais pela PUC-SP. Atualmente, é professor e pesquisador no curso de Relações Internacionais da PUC-SP e do Centro Universitário SENAC, além de analista sócio-econômico do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Brasil.

Brasil e África: uma parceria estratégica

Brasil e África: uma parceria estratégica

Natalia N. Fingermann1 e Claudio Oliveira Ribeiro2

A política externa brasileira é marcada por descontinuidades em relação ao continente africano

tanto no período militar como após a democratização do país. Enquanto os governos de Collor e

Fernando Henrique viam as relações com os países africanos como improdutivas ao crescimento do

comércio nacional, o que levou até ao fechamento de postos diplomáticos na região. Os governos de Lula

e Dilma fortaleceram as relações com a abertura de doze embaixadas e dois consulados gerais, além da

ampliação de temas na agenda internacional, que deixou de se pautar pela busca de uma aproximação

meramente “cultural” para incluir temáticas de cooperação técnica e até segurança internacional.

Para entender as motivações por trás do redescobrimento do continente africano pela diplomacia

brasileira é necessário realizar uma análise que considere o ambiente doméstico e externo. No ambiente

doméstico, destacam-se alguns fatores: (i) a mudança no quadro de formuladores e executores da política

externa com a nomeação dos embaixadores Celso Amorim ao Ministério das Relações Exteriores e

Samuel Pinheiro Guimarães a Secretário-Geral; (ii) a capacidade de incluir uma agenda que refletisse

as posições tradicionais do Partido dos Trabalhadores com a participação ativa do professor Marco

Aurélio Garcia como assessor especial para assuntos internacionais da presidência; (iii) a autopercepção

de suas capacidades materiais e conhecimentos técnicos frente aos demais países subdesenvolvidos e

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vontade de colaborar com o desenvolvimento; e (iv) a percepção do seu reconhecimento como potência

média no sistema global.

Já no ambiente externo, percebe-se que houve alterações no sistema internacional que podem ter

influenciado a diplomacia brasileira, dentre eles enfatizam-se: (i) a corrida por minérios e petróleo na

região da África por países emergentes, em especial, a China; (ii) diminuição na intensidade de conflitos

internos e estabelecimento de um processo de democratização em muitos países do continente africano;

(iii) estabilidade e crescimento econômico da região; e (iv) redescobrimento da África pelo Ocidente,

com o enfraquecimento do discurso pessimista3.

A aproximação com a África, impulsionada no governo Lula e aparentemente mantida pela

presidenta Dilma, resultou em bons frutos políticos e econômicos para ambas as regiões ao “[...]

transformar os laços de amizade que nos unem aos povos da África em progresso econômico e social, em

benefício mútuo”.

No que concerne ao progresso econômico vale analisar o avanço das relações comerciais do

Brasil com o continente africano, cuja corrente de comércio aumentou 234% no período de 2003 a

2010. Somente as exportações brasileiras para a África aumentaram pouco mais de 588% entre os anos

de 2000 e 2010. Anualmente, o aumento mais expressivo foi de 48% entre 2000 e 2001, participação

repetida entre 2003 e 2004, bastante superior às décadas anteriores. O saldo comercial brasileiro com

o continente africano destaca o papel crescente e positivo de países como Egito, África do Sul, Angola

entre outros a partir do ano 2001. Argélia e Nigéria apresentam comportamento atípico, justamente

por se tratar de importações de petróleo, commodity estratégia no mercado internacional, e produtos

vinculados à petroquímica.

Além disso, cabe destacar a significativa participação do setor empresarial brasileiro no continente

africano. Exemplo disso pode ser constatado pelo crescente número de empresas brasileiras, sobretudo

3 As décadas de 80 e 90 são marcadas pela falta de interesse pelo estudo da África subsaariana, concebida como uma região imersa em conflitos irresolutos, sem saída e sem solução. Em linha com os argumentos mais reiterados, essa região poderia ser excluída do tempo mundial e seria irrelevante nas análises do sistema mundial do século XXI (LAÏDI, 1990).

Natalia N. Fingermann e Claudio Oliveira Ribeiro

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as exportadoras de serviços, que têm se dirigido para a consecução de projetos no continente africano.

Também merece destaque o aumento no número de empresas brasileiras a operar no continente africano

entre 2002 e 2007. Somente em Angola, o crescimento foi de 70%. Entre as maiores estavam o Grupo

Queiroz Galvão, responsável por obras de infraestrutura em cinco províncias (ênfase na construção

de centenas de quilômetros de estradas) e a Odebrecht, com mais de 40 obras de grande porte, como

estradas, saneamento básico e infraestrutura.

Os investimentos foram intensos, de tal forma que a Vale, com aporte de cerca de R$ 1,2 bilhão,

conseguiu completar 75% das obras necessárias para produzir carvão mineral na mina de Moatize no

ano de 2010, na província de Tete, em Moçambique. Com investimentos que devem chegar a R$ 2,3

bilhões, a empresa ainda segue com projetos na Zâmbia, Congo, Angola, Guiné, África do Sul e Gabão.

Os investimentos crescentes da Petrobras na África são outro exemplo da consolidação da

presença brasileira no continente, registrando-se a ampliação de suas operações na Tanzânia. Em 2004,

a Petrobras iniciou a exploração como operadora de águas profundas na Costa Oeste da África. Em

2005, começou sua atividade na Líbia. No ano seguinte, divulgou aumentos substanciais nas operações

em Angola. Seguiu com novos investimentos e cresceu nas explorações na Nigéria nos anos vindouros,

até que em 2010 iniciou tentativas de acordo para prospecção de petróleo em Cabo Verde.

Esse crescimento na relação comercial e nos investimentos está aliado a uma articulação do

governo brasileiro, em plano doméstico nacional, de desenhar estratégias e projetos capazes de contribuir

para a dinamização e potencialização das relações entre o Brasil e a África. Exemplos dessa nova

estratégia são desde o número de viagens presidenciais4 e abertura de postos diplomáticos, como citado

anteriormente, até a reestruturação administrativa do MRE com o desmembramento do Departamento

da África e do Oriente Médio do Ministério das Relações Exteriores, que veio dar lugar à reativação de

4 O presidente Lula dedicou 470 dias (16%) de seu mandato em deslocamento, sendo 54 dias ao continente africano, 150 a América do Sul e 137 a Europa. Dando seqüência à agenda do governo Lula, em 2011 a presidente Dilma Rousseff realizou viagem oficial ao continente africano, visitando África do Sul, Moçambique e Angola, países tidos como estratégicos para o governo brasileiro na região. (Saraiva 2012)

Brasil e África: uma parceria estratégica

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um Departamento voltado exclusivamente para o continente africano. Também, vale ressaltar o perdão

da dívida pública de Moçambique, Nigéria e Cabo Verde e o fechamento de acordos bilaterais com

muitas nações africanas e organismos regionais (como a União Africana, NEPAD, CEDEAO, SACU e

SADC) de forma a otimizar as possibilidades políticas e econômicas no âmbito da cooperação Sul-Sul.

Relacionado às intenções políticas do Brasil de ampliar a cooperação Sul-Sul e estabelecer

um ambiente internacional menos desigual localiza-se a aliança estabelecida com a África do Sul,

potência regional, e a Índia por meio da criação da pareceria IBAS (India-Brazil-South Africa Dialogue

Forum) em 2003. Conforme Doelling afirma, o IBAS representa a promoção de valores e interesses

comuns entre esses países e seus esforços em alcançar desenvolvimento econômico e social por meio de

suas capacidades de atuar nos mecanismos multilaterais internacionais. Outra atuação que se destaca

nesse mesmo sentido é o crescimento no número de projetos de cooperação técnica liderados pela

Agência Brasileira de Cooperação (ABC) nos países africanos, em especial, da região Subsaariana,

em parceria com empresas brasileiras: Embrapa, Fiocruz, SENAI, entre outras. O orçamento da ABC

passou de R$4,5 milhões em 2003 para R$52,6 milhões em 2011, sendo que Moçambique representa

cerca de 15% do total investido. Por último, nota-se a tentativa da diplomacia nacional em retomar as

negociações sobre um acordo de segurança e defesa do Atlântico Sul, devido a valorização do Oceano

com a descoberta do pré-sal.

Conclusão

Como visto, as relações Brasil-África tem registrado um movimento de intensidade variável ao

longo das últimas décadas. Se no governo Lula o continente africano recebeu investimentos e atenção

diplomática diferenciada, o mesmo não se pode dizer dos governos predecessores, quando se percebe

a nítida concentração de esforços para o estabelecimento de vínculos mais estreitos e sólidos com os

EUA, com o bloco Europeu e com países da América do Sul. Fato que acabou por fragilizar a política

africana do Brasil e, consequentemente, restringir a presença nacional no continente africano.

Natalia N. Fingermann e Claudio Oliveira Ribeiro

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No quadro da política externa brasileira, entre as décadas de 1980-90, o continente africano

passou a ser considerado como uma dimensão economicamente deficitária e politicamente pouco

relevante para o governo brasileiro. Consequentemente, o fechamento de postos e embaixadas na África

veio sinalizar mais claramente as opções e prioridades diplomáticas do país: a consolidação do Mercosul

e maior aproximação com as economias avançadas. As relações Brasil-África pautaram-se por uma

política de concentração e seletividade. À exceção das relações mantidas com a África do Sul e Nigéria,

a dinâmica Brasil-África foi pautada pela afinidade cultural (linguística) e, consequentemente, pela

priorização das relações com os PALOP.

A política externa a partir de 2002 muda esse cenário, e o discurso e a prática diplomática

buscam construir alianças preferenciais com parceiros no âmbito das relações Sul-Sul. Sinal disso é

que o continente africano passou ser encarado como uma das áreas de maior investimento em termos

diplomáticos do governo, onde o Presidente e o Ministro das Relações Exteriores realizaram um roteiro

de visitas e acordos sem precedentes. A agenda externa do governo e, em particular, a política em

direção à África, passou a ser alvo de atenção e acompanhamento constante de representantes do setor

privado (interessado em iniciar ou expandir suas atividades no continente africano) e de um número

crescente de outros atores sociais.

Brasil e África: uma parceria estratégica

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1 Doutor em Engenharia Nuclear pela Universidade da Califórnia, Berkeley e Secretário da Agencia Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares-ABACC.

Desmatamento, Desarmamento,

Não Proliferação Nuclear e Compromissos

Internacionais Assumidos

Odilon Marcuzzo1

Um dos assuntos recorrentes nos últimos anos na mídia internacional tem sido a necessidade

de preservação da Floresta Amazônica, considerada “o pulmão do mundo”. A Floresta Amazônica

se estende por quase 8 milhões de quilômetros quadrados, abrangendo territórios de nove países.

Consideremos, por hipótese, que esses nove países tenham assinado um acordo de preservação da

Floresta Amazônica, tendo como meta o ‘desmatamento zero’. Também por hipótese, consideremos

que os dois países com a maior área desta floresta, Brasil com 60% e Peru com 13%, assinassem

um acordo bilateral, decidindo reduzir em 30% o desmatamento, num prazo de, suponhamos, sete

anos. A assinatura deste Acordo seria uma demonstração cabal das boas intenções dos dois países e a

comunidade internacional certamente perceberia tal ação como um avanço preservacionista.

Ainda por hipótese, pelo mesmo acordo bilateral seria permitido também o desenvolvimento

de novas técnicas de desmatamento, a possibilidade de derrubada de novas essências florestais em áreas

ainda inexploradas e a abertura de novas frentes de desmatamento. Na semana seguinte, o Ministro do

Desenvolvimento do Brasil, anunciaria um novo plano de desenvolvimento para a Região Amazônica em

Odilon Marcuzzo

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que afirmaria: “Na próxima década, o Brasil investirá mais de R$ 100 bilhões na implantação de novas

serrarias e incentivos a inovações tecnológicas para o desenvolvimento de motosserras de última geração”.

Qual seria, neste cenário, a percepção da comunidade internacional? Seria possível entender

este acordo como uma ação direcionada a ‘uma floresta amazônica livre de desmatamento’? Ou seria

entendido como uma quebra do compromisso assumido pelos Estados-parte de ‘buscar, em boa fé,

negociações de medidas relacionadas à preservação da Floresta Amazônica para atingir o mais cedo

possível a meta do desmatamento zero’? A premissa de redução de 30% no desmatamento não estaria

de fato ocultando a real intenção dos dois países de perpetuar as ações de destruição da floresta?

Passemos agora da área de preservação florestal e desmatamento para a área do desarmamento e

não proliferação de armas nucleares.

A percepção das oportunidades e dos riscos inerentes ao conhecimento e a capacidade de

manipulação da energia nuclear ficou muito clara desde cedo, refletindo-se rapidamente no balanço

de poder entre as nações. A percepção do risco ficou ainda mais ressaltada pela primeira utilização do

potencial da nova fonte energética. Hiroshima e Nagasaki marcaram de forma indelével o imaginário

popular sobre a energia nuclear.

Muito embora o sucesso do Projeto Manhattan tenha disparado uma corrida das nações em

busca da apropriação da capacidade de construção de artefatos nucleares, não demorou muito para que o

entendimento do enorme poder destrutivo associado à essa nova tecnologia, despertasse na comunidade

internacional a consciência e a preocupação de que sua utilização poderia por em risco a própria

civilização. Este entendimento foi responsável pela construção de um consenso sobre a necessidade

de acordos internacionais banindo, ou pelo menos disciplinando e limitando, o desenvolvimento e a

utilização de tais artefatos.

As nações que na ocasião – meados da década de 1960 – já eram detentoras da tecnologia

de construção de artefatos nucleares, nações nuclearmente armadas (NNA), conscientes do poder

associado à posse dessas tecnologias, direcionaram os debates na intenção da preservação do status quo

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e na construção de arranjos legais, garantidores da apropriação, com exclusividade, das mesmas. O

acordo internacional que emergiu dessas negociações reflete, portanto, a matriz de poder existente no

cenário internacional naquela ocasião.

O Tratado de Desarmamento, Não Proliferação e Usos Pacíficos da Energia Nuclear foi

assinado em 1º de janeiro de 1968, entrando em vigor a partir do dia 5 de março de 1970. Não

por coincidência o Tratado, desde o início, ficou conhecido pelo acrônimo TNP, com a omissão das

letras D de ‘desarmamento’ e UP de ‘usos pacíficos’. O posicionamento e as ações desenvolvidas

principalmente pelas NNA ao longo dos 42 anos de vigência do Tratado vêm demonstrando que as

metas de DESARMAMENTO e USOS PACÍFICOS têm sido relegadas não só no acrônimo escolhido.

Não proliferação, desarmamento e usos pacíficos da energia nuclear são os três pilares do TNP,

hoje ratificado pela quase unanimidade das nações (189 nações-membro), e cuja conferência de revisão

está prevista para maio de 2015. Evidentemente, esses três pilares estão intimamente relacionados e

precisam e devem progredir juntos. Pelo Tratado, ao mesmo tempo em que as nações não nuclearmente

armadas se comprometem a não proliferar, as NNA se comprometem a ‘... buscar, em boa fé, negociações

de medidas relacionadas à eliminação dos arsenais nucleares para atingir, o mais rápido possível, a meta

do desarmamento total’.

Muito embora sua implementação tenha sido equivocada e distorcida, o TNP continua sendo

o único instrumento internacional que abriga o compromisso de não proliferação, amarrado ao

compartilhamento do conhecimento para usos pacíficos da energia nuclear e à obrigatoriedade do

desarmamento nuclear. O êxito do TNP será proporcional ao esforço e comprometimento das nações

signatárias com todos os objetivos do Tratado.

Um olhar atento à participação do Brasil nos diferentes foros internacionais relacionados ao

desarmamento e à não proliferação de armas de destruição em massa, revela um país com participação

tradicionalmente ativa e com posições absolutamente firmes na direção da proscrição completa de tais

arsenais e com mecanismos multilaterais de verificação. Assim foi na Convenção para a Proibição de

Odilon Marcuzzo

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Armas Químicas (CPAQ) em 1993 e assim tem sido de forma recorrente nas reuniões de revisão do

TNP. A defesa intransigente da adoção imediata de medidas concretas pelas NNAs, que resultem no

avanço verificável do desmantelamento dos seus arsenais nucleares até sua completa eliminação, de

acordo com o compromisso que essas nações assumiram ao se tornarem signatárias do Tratado, tem

sido uma constante no posicionamento do Brasil.

Os Estados Unidos e a Rússia detêm mais de 90% do arsenal nuclear do planeta. Os dois países

assinaram um novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (START) que entrou em vigor no dia

5 de fevereiro de 2011. Na ocasião, os secretários de estado das duas nações formalizaram os Termos

do Instrumento de Ratificação do START. O Parágrafo I deste Tratado obriga os signatários a uma

redução de aproximadamente 30% de seus arsenais nucleares num prazo de sete anos.

A assinatura do Novo START foi saudada pela comunidade internacional como um importante

passo das duas potências na direção do desarmamento nuclear. Ainda no mesmo mês de fevereiro, o

Vice-ministro da Defesa, Vladimir Popovkin, declarou aos jornalistas que a Rússia deverá investir ao

redor de 70 bilhões de dólares americanos na modernização de suas defesas nucleares de ar, mar e terra.

Por sua vez, o secretário de defesa americano, já em 2010, numa audiência no Congresso Americano,

havia declarado que ‘... na próxima década, os Estados Unidos investirá mais de 100 bilhões de dólares

em sistemas vetores nucleares para manter a capacidade atual e modernizar os sistemas estratégicos’. De

acordo com a edição de maio/junho de 2010 do Bulletin of the Atomic Scientist, a Administração de

Segurança Nuclear Americana (NNSA) deverá despender, na próxima década, mais de 92 bilhões de

dólares na manutenção e modernização das ogivas nucleares e das instalações de fabricação das mesmas.

Dentro desse cenário, como deve ser interpretada a assinatura do Novo START?

Infelizmente o esforço das nações nuclearmente armadas na direção de ações concretas que

visem à diminuição e finalmente à eliminação completa de seus enormes arsenais, não tem nem de

perto acompanhado o empenho que as mesmas têm demonstrado nas tentativas de convencer os estados

não nuclearmente armados dos perigos da proliferação. Tal atitude passa a ser vista mais como uma

Desmatamento, Desarmamento, Não Proliferação Nuclear e Compromissos Internacionais Assumidos

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postura de restrição ao acesso às tecnologias nucleares, criando uma reserva de mercado, do que uma

real intenção de cumprimento ao disposto no Tratado de Não Proliferação Nuclear.

O estágio civilizatório atingido pela humanidade neste início de terceiro milênio exige que as leis

e as instituições internacionais sejam tratadas como bens públicos globais e sua preservação e o respeito

aos tratados e acordos delas decorrentes, devem ser entendidos como instrumentos fundamentais para

a segurança global.

Odilon Marcuzzo

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1 Visiting Senior Fellow, Inter-American Dialogue

The Continuity of Pragmatism: the key to a successful Brazilian energy future

The Continuity of Pragmatism: the key to

a successful Brazilian energy future

Paul Isbell1

Brazil’s energy policy success

For over thirty years now, Brazil has pursued a remarkably coherent and forward-looking energy

policy. This is not something that can be said of most countries. Indeed, Brazil responded to the energy

shocks of the 1970s more clearly, energetically and effectively that most other nations and certainly

more so than any other large developing country.

Prior to the ten-fold increase in world oil prices during the 1970s – and the attendant international

macroeconomic instability of that decade – Brazil’s newly industrializing economy experienced

significant sustained economic growth, with growth rates in the high single digits, rivaling those of

the emerging markets today. Perhaps it would be stretching the argument to claim that Brazil’s debt

crisis of the 1980s – along with the periodic bouts of hyperinflation that its economy suffered during

that ‘lost decade’ -- was caused solely by the energy crisis of the previous decade. However, it is clear

that the oil price shocks did much to blow Brazil off its earlier economic trajectory, given its very high

dependence at the time on imported oil.

With hindsight, Brazil’s policy to introduce sugar-cane based ethanol, beginning in the 1970s,

as a strategy to reduce such external dependence, now appears prescient. Brazil’s early biofuels strategy

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can certainly be understood today, in light of the heightening instability that this external dependence

came to inject into the Brazilian economy – and many others -- over the years. Much of the difficulty

that Brazilian policy makers experienced in the 1980s in maintaining stable prices and securing

consistent and sustainable growth stemmed from the volatility of global oil prices and the distortions

they introduced to the domestic economy via the wide channel of high import dependence. That Brazil

was finally able to tame inflation only during the 1990s, a period of relatively low and stable oil prices,

should come as no surprise.

Before Brazil began its strategic investment in ethanol, the country’s total external energy

dependence ratio was over 35% (meaning that of all energy consumed in Brazil, 35% had to be

imported). This dependency had fallen to 25% by 1990, as ethanol began to replace petroleum

products for transportation fuel, and as domestic oil production began to rise sharply in the 1980s,

nearly quadrupling in just over 10 years (from 172,000bd in 1979 to 650,000 in 1990). Once the

hyper-inflation unleashed by the “lost decade” had been tamed by the Real Plan and the first years

of the Cardoso administration, the country went even further by beginning to open up and liberalize

the hydrocarbons sector in 1997, a move that stimulated exploration and production, and eventually

led, just over ten years later, to the pre-salt boom. During this partial liberalization of the Brazilian

petroleum sector, oil production rose so dramatically (to well over 2mbd) that by 2009 the country was

self-sufficient in oil, leading to a small net export surplus during the last few years.

These two major developments in the transportation liquids sector (increased ethanol and domestic

oil production) have dramatically reduced Brazil’s external energy dependence level to less than 5% today.

Few countries -- if any among industrialized and industrializing -- have reduced their external energy

dependence as dramatically as has Brazil since the time of the first oil price shock nearly 40 years ago.

Brazil’s focus on a long-term strategic energy vision, and its evolving policy pragmatism in pursuing that

vision, have been the key factors behind its success in reducing dependence on imported energy.

Paul Isbell

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The Continuity of Pragmatism: the key to a successful Brazilian energy future

The pragmatic blending of orthodoxy and heterodoxy

Interestingly enough, Brazil relied on both state intervention and privatization and liberalization

to achieve this. The state was the prime mover behind the ethanol strategy, harnessing the private

sector to boost production through financial incentives and mandates; but it was the Brazilian state’s

relinquishing of its monopoly over oil (along with the other liberalization and regulatory reforms

included in the Petroleum Investment Law of 1997) which unleashed Petrobras onto the frontier of

deep offshore oil, both at home and abroad.

Brazil’s capacity over the long run to strategically mix state intervention with economic

liberalization in an appropriate and successful fashion has been crucial to the country’s push to

reduce foreign energy dependence, just as the country’s pragmatic approach to macroeconomic policy

management over the last 20 years has been the key to this emerging market’s economic stability and

growth. This combination of energy and macroeconomic pragmatism has been a central catalyst to

Brazil’s incipient emergence as a geopolitical power.

The consolidation of a pragmatic policy tradition in Brazil bodes well for the country as it now

faces an energy horizon that promises to be as volatile and unpredictable as in the past. A number of

energy challenges have emerged over the last decades – particularly the constraints imposed by fossil-

fuel induced climate change – that continue to require the close attention of the country’s strategic

thinkers and policy makers. Paradoxically, such challenges now threaten the other relative success of

Brazil’s energy policy over the years: the country’s relatively “renewable” or “low carbon” energy mix.

Brazil’s low-carbon energy mix

Brazil’s primary energy mix is made up of more renewable energy than any other large economy.

Of the more than 11 quadrillion BTUs of energy consumed in Brazil annually, approximately 40%

originates from petroleum crude and other related liquids (natural gas liquids and condensate, for

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example), 18% from sugar cane products (ethanol and bagasse), 15% from hydropower, 10% from

traditional biomass (firewood), 8% from natural gas, 5% from coal, 2.5% from other renewable energies

(wind, solar), and 1.5% from nuclear power.

Over 45% of Brazil’s mix comes from renewable sources (sugarcane products, hydropower,

firewood and other renewables) compared to only 7% in the OECD on average (where firewood use

is negligible, hydropower is far less dominant, and nuclear power is much more prominent). However,

this “renewable” criterion is deceptive, as it includes traditional biomass which, while being renewable,

also releases greenhouse gases like carbon dioxide and methane. Expressed with a different criterion,

the share of “low carbon” energy sources (including sugarcane products, hydropower and modern

renewables, but excluding firewood and adding nuclear) comes to only 37% of the primary mix.

On the other hand, an adjusted “lower-carbon” mix for Brazil (adding natural gas into the low

carbon energy category) returns to this rate to 45%. But a relative comparison with the developed

countries, based on this “lower carbon” criterion, does not look nearly so impressive for Brazil as did the

“renewables” comparison, given that these countries consume far more nuclear power and natural gas

than does Brazil, bringing their “lower carbon” levels to upwards of 40% of their primary energy mixes.

Still, Brazil’s decades-long policy emphasis on renewable energies has been impressive and

relatively unique by any measure. Not only has Brazil managed to increase the output of domestic

energy (both renewable and non-renewable), reducing external dependence to the margin, but it has also

significantly increased its low-carbon energy output on both sides of the principal energy infrastructure

divide: in electricity generation (with hydropower and budding bagasse and wind sectors) and in

transportation fuels (with sugar cane ethanol).

No other country has yet achieved this; even in Europe, where renewable energy penetration

has risen rapidly in recent years, the share of biofuels in the transportation fuel mix is still far below

Paul Isbell

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the target of 10%, compared with over 25% in Brazil.2 As a result, the energy sector in Brazil currently

emits far less CO2 than the energy sectors of most other countries. Furthermore, only one-fifth of

Brazil’s total greenhouse gas emissions (most of which are released as a result of land-use practices, like

agriculture and deforestation) come from the energy sector. Per capita energy emissions are particularly

low: only 1.9 tons of CO2 per capita, less than one-fifth of the OECD average and less than half the

global average. Without Brazil’s forty-year investment in renewable energy, the primary energy mix

would be far more carbon intensive. Indeed, energy sector emissions would be double their current

levels and total national emissions would be 17% higher.3

Threats to past achievements

But Brazil’s “low-carbon” energy mix is not yet fully consolidated, and a number of recent

developments threaten past gains -- unless a consistent policy focus remains targeted on channeling

sufficient investment into an optimum mix of low carbon energy sources and infrastructures. The first

group of threats concerns hydropower. There is growing public opposition (both local and environmental)

to the construction of large hydroelectric dams in Brazil. The large public demonstrations against the

construction of the mammoth Monte Belo dam and hydroelectric plant (recently approved by the

government) casts at least some doubt over the future role of large scale hydropower in Brazil.

The future of hydropower is put into question even further by the projected effects of climate

change on hydraulic patterns which could significantly reduce Brazil’s future hydroelectric output and

ultimate potential.4 Nevertheless, Brazil could still compensate for the potential future limits on the

2 Installed hydroelectric capacity in Brazil comes to more than 75% of the country’s total installed capacity, while ethanol supplies 40% of gasoline demand.3 See Christophe de Gouvello, et al, Brazil Low-carbon: A Country Case Study, World Bank, 2010.4 A phenomenon known as ‘Amazon dieback’, together with the shorter-term effects of deforestation by fires, could reduce rainfall in the Central-West and Northeast regions, resulting in smaller crop yields and less available water for hydropower-based electricity. Some advanced models suggest that much of the eastern part of the Brazilian Amazon region could be converted into a savannah-like ecosystem before the end of this century.

The Continuity of Pragmatism: the key to a successful Brazilian energy future

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expansion of so-called “large” hydro, but replacing it progressively, not with coal or even necessarily

gas, but rather with small-scale hydroelectric plants, particularly in the central and southern regions.

The second threat is that Brazil will experience an upward creep in fossil-fuel use as a proportion

of the energy mix, along with a corresponding rise in energy-induced emissions. Already, in recent years,

increased diesel demand (not yet completely replaced by Brazil’s incipient biodiesel production) has

pointed in this direction. Unless growth in the demand for electricity can be moderated, or until other

low-carbon electricity generation fills what could be a growing supply-demand gap left by a maturing

and constricted hydropower sector in the future, the temptation for Brazil could be to increasingly rely

on cheap thermal plants fired by either coal or heavier petroleum products, at least in the short run.

Even the continued growth of 3% a year in hydroelectric capacity expansion that the government

projects for the coming decade – assuming that public opposition and the early effects of climate

change do not constrain this growth rate even further – will be insufficient to keep pace with Brazil’s

electricity demand growth, expected to rise by 5% a year on average to 2020. Given that hydropower

accounts for anywhere between 65% and 80% of the country’s electricity production, such growing

potential supply--demand gap represents a serious challenge for the future.

Furthermore, in the wake of the nuclear disaster in Japan, growing opposition to nuclear power

– one of the obvious low-carbon candidates to replace hydro in the future – has questioned the wisdom

of the government’s nuclear expansion plans. While the Brazilian government has recently reaffirmed

its previous decision to build several new nuclear power plants, this might not be enough to head off

further inclusion of coal and oil into the generation mix.5

Whether or not Brazil is able to confront such challenges successfully will likely depend on the

continuity of the country’s historic strategic policy pragmatism. Brazil has exhibited realism in its energy

4 Natural gas, however, could offer a convenient, “lower carbon” option in the short and middle-runs. Both reserves and production of gas have increased significantly in recent years, and enough potential is projected into the future for gas to be considered as a potential “lower carbon” energy source for a bridge to a low-carbon future (and not just on the generation side, but in transportation as well).There is much potential for Brazil to develop shale gas, or to import it – or even GTL synfuels -- from Argentina.

Paul Isbell

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policy in general, pursuing both non-carbon sources as well as domestic fossil fuels. However, in order to

develop the great promise of the subsalt offshore oil resources – and the potential to harness oil revenues

to eliminate poverty, underwrite the needed expansion in low-carbon energy and finance viable local

forestry economies to halt net deforestation – Brazil may be forced to engage in further pragmatism.

Maintaining the continuity of pragmatism

The recent petroleum legislation, for example, has met with the skepticism of the international

oil industry because its restrictions upon foreign capital may be too stringent to generate the large

amount finance and offshore technology that Brazil may need to import from the rest of the world.

The legislation’s demanding domestic content requirements may also be too high for domestic industry

to handle, at least for some time, generating potential bottlenecks that could undermine the viability

of the subsalt dream. While the global industry may be exaggerating the ultimate impact of the

recent petroleum legislation, they are reasonable concerns. Brazilians have answered such skepticism

by referring to Brazil’s historic pragmatism as the remedy to any regulatory “overshoot”. Brazil has

changed direction in the past when the facts forced it too: future experience with legislation affecting

the evolution of the Brazilian deep offshore will be no different, they claim.

This is true. However, pragmatism will need to remain the defining feature of Brazil’s public

policy record if the country is to fully develop the potential of its subsalt oil, successfully meet the

challenge climate change and renewable energy challenges of the future, and consolidates Brazil’s new

status as an emerging geopolitical presence on the global stage.

The Continuity of Pragmatism: the key to a successful Brazilian energy future

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1 Diretor da Prospectiva Consultoria em Negócios Internacionais e Políticas Públicas e Coordenador Geral do Gacint-USP.

Os BRICs e a Relativa

“Desorganização” Internacional

Ricardo Sennes1

A mudança acelerada das últimas duas décadas da dinâmica econômica, em favor de alguns

países em desenvolvimento de médio e grande porte, está tendo reflexos significativas na participação

relativa desses países nos fluxos de comércio e investimentos internacionais. Os mais conhecidos se

referem ao deslocamento relativo do dinamismo econômico em favor dos países em desenvolvimento,

em particular de alguns países de grande porte, tais como Brasil, Índia, China e Rússia. As projeções

sugerem que ,até 2050, essas quatro economias estarão entre as 6 maiores do mundo embora, em

termos de renda per capta, apenas a Rússia deverá se aproximar da média dos países desenvolvidos

atuais, enquanto os demais devem seguir em patamares bastante baixos.

Essas tendências se tornam ainda mais acentuadas após a crise financeira iniciada em 2008, cujo

impacto negativo tem sido bastante concentrada nos países desenvolvidos.

Esse fenômeno estava até pouco tempo concentrado nos fluxos de comércio e de crescimento do

PIB dos países em desenvolvimento. Contudo, nos últimos anos ,ele passou também a impactar os fluxos

de investimentos. Em um primeiro momento, reforçando uma tendência de atração de investimento

direto externo. De uma média de participação na atração de investimentos diretos de cerca de 28%

entre 1995-2005, os países em desenvolvimento passaram a atrair quase a metade dos investimentos

Ricardo Sennes

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internacionais nos anos mais recentes, chegando em 2009 a uma participação de 43% do total, ou US$

478 bilhões.

Porém, o fato com possíveis consequências políticas mais relevantes se refere ao crescimento da

participação dos países em desenvolvimento na originação de fluxos de investimento externo direito.

Ou seja, esses países passaram a internacionalizar suas economias de maneira ativa e sustentável. Os

investimentos externos desses países passaram de uma média de US$ 79 bilhões ao ano, para US$ 229

bilhões ao ano em 2009, representando cerca de 20% do total mundial, dobrando sua participação

relativa em apenas cinco anos.

Esse processo já tem sido bastante anunciado e comentado. Contudo, dois aspectos merecem

ser destacados. O primeiro deles, se refere ao fato de que o incremento na renda e na participação

econômica dos países em desenvolvimento, com destaque para os países emergentes, não constituir

ainda, uma reversão da ordem internacional, seja ela no sentido norte-sul, seja ela no sentido ocidente-

oriente. O segundo, se refere ao baixo nível de interesse sistêmico das potências emergentes, que se

reflete em uma agenda internacional predominantemente minimalista e, em vários casos, conservadora.

A emergência de novos atores internacionais não tradicionais poderia estar associada a um

processo de fortalecimento da agenda dos países em desenvolvimento em torno de propostas como a

“Nova Ordem Econômica Internacional”, ou ainda a demandas contundentes de reforma da governança

internacional, nos moldes do que ocorreu com o movimento dos Não Alinhados ou com o G77 nos

anos 70 e 80. Mas isso não esta ocorrendo, e essa é uma das marcas principais do período internacional

atual: a emergência de novos atores internacionais com agendas internacionais minimalistas.

Embora pareça claro que nenhum dos BRICS deva vir a fazer parte dos agrupamentos dos países

desenvolvidos – diferente do caso de países em desenvolvimento menores como México e Coréia do Sul

que já o fazem -, também parece claro que nenhum arranjo semelhante à OTAN ou à OCDE esteja

sendo cogitado pelos novos países emergentes.

Os BRICs e a Relativa “Desorganização” Internacional

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Enxergar e projetar a ordem internacional como dicotômica implica em tomar por unidades

grupos de países muitíssimo heterogêneos entre si. Enquanto os países desenvolvidos mostram-se

razoavelmente articulados em alianças e agrupamentos que visam dar coerência política e construir

agendas comuns entre eles, como no caso da OTAN e da OCDE em campos como a segurança

internacional e os temas econômicos, os países em desenvolvimento e, dentre eles os BRICS, não

dispõem de tal coerência política nem de agendas comuns.

Diante desse processo, as potências emergentes – principalmente a China - têm tido um

comportamento político muito particular: se, de um lado, esses países não têm buscado revolucionar

a ordem política internacional, de outro, não tem aumentado seu apoio e engajamento no reforço da

ordem e das instituições internacionais. Parece, até o momento, que interessa a esses países o status quo,

com pequenos ajustes em relação à governança de temas selecionados.

Pelo menos até o momento, a reacomodação dos países emergentes tem gerado tensões no

sistema, mas ela não tem sido acompanhada por estratégias de confronto ou proposições de uma ordem

econômica e políticas alternativas, nem por rupturas em termos de comportamento competitivo dos

novos atores relevantes. Ou seja, as mudanças relativas de peso e participação nos fluxos econômicos

internacionais estão sendo processadas, majoritariamente, dentro dos principais regimes internacionais,

como a recém adesão da Rússia à OMC indica (a China já aderiu a OMC anos atrás, e o Brasil e a

Índia são membros já tradicionais dessa organização). O mesmo tem ocorrido em relação à participação

desses países no FMI e na ONU.

Mas ,se de um lado essas novas potências evitam o isolamento internacional e mesmo o confronto

direto e, para tanto, estão aderindo aos regimes básicos existentes, por outro elas indicam claramente

baixo interesse em adensar esses regimes ou torná-los mais efetivos e estruturados. A agenda internacional

minimalista implica em apoiar os princípios gerais do direito internacional, utilizando-os para reduzir

os custos políticos de um enfrentamento com potências tradicionais ou mesmo com terceiros países,

Ricardo Sennes

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mas, ao mesmo tempo, não torna esses países interessados em investir recursos materiais e políticos para

torná-los mais robustos e efetivos.

Dessa forma, seria uma leitura precipitada – e excessivamente simplificada - supor que estejamos

vivendo uma transição da ordem internacional pós II Guerra Mundial, capitaneadas pelos EUA e

pelas potências ocidentais, para uma nova ordem internacional capitaneada pelos BRICS ou pelos

novos países emergentes. O período atual se caracteriza mais pelo desmonte gradual do ordenamento

internacional vigente, no qual os regimes e instituições internacionais existentes perdem crescentemente

sua relevância e sua capacidade de gerar regras de convivência - inclusive pela redução do apoio das

potências que antes as sustentavam -, do que a um período onde a ordem vigente é substituída por outra

emergente.

Dessa forma, a ascensão das novas potências no começo do século XXI tem tido perfil bastante

distinto daquele predominante no final do século XIX, no qual as potências em ascensão - Alemanha,

Japão e Itália - passaram a disputar espaços internacionais até então ocupados pelas potências tradicionais,

disputando mercados, colônias e esferas de influências de forma ostensiva, patrocinando a formação

de espaços políticos e econômicos próprios para concorrer com os regimes e redes de relacionamentos

vinculados às potências tradicionais.

Em poucas palavras, predominam as tendências de enfraquecimento dos padrões de convivência

internacional dos últimos 50 anos, e não as de substituição deles por novos. As dinâmicas de

enfraquecimento dos principais regimes internacionais são claramente dominantes em relação às

dinâmicas de criação de novos ou mesmo de reformas dos antigos regimes.

Mecanismos ad hoc de consulta e coordenação – como é o caso do G20 financeiro – estão sendo

muito mais utilizados como fóruns políticos do que as instituições multilaterais como FMI ou BIS. No

campo comercial, a paralisia da Rodada Doha da OMC é também um forte indicativo desse processo.

Nesse caso, não apenas parece impossível avançar na agenda tradicional de comércio como também em

relação aos novos temas sensíveis colocados na mesa pela ascensão econômica da China e de seu modelo

Os BRICs e a Relativa “Desorganização” Internacional

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de internacionalização, tais como o câmbio depreciado (o chamado dumping cambial), a forte presença

de estatais em vários setores, a utilização estratégica dos recursos de fundos soberanos, dentre outras

formas de tencionar o padrão de competição internacional.

Movimento semelhante tem ocorrido no campo ambiental, onde encontros de cúpula tentam

gerar parâmetros para a ação coordenada dos países, sem grande sucesso, e que não tem logrado avançar

no sentido da criação de regimes e instituições internacionais. Nesse caso, a multiplicação de cúpulas

é claramente um sinal da fragilidade da capacidade de coordenação e convergência política dos países,

não o contrário.

Dessa forma, a emergência internacional de novos atores econômicos com crescente capacidade

de tencionar, influenciar e vetar os debates políticos internacionais, mas sem uma agenda política clara,

deve aprofundar a tendência de enfraquecimento dos regimes e instituições internacionais construídos

nos últimos 50 anos pelas potências ocidentais. Esse movimento deve favorecer o estabelecimento de

uma multiplicidade de arranjos, bastante diferentes entre si, que irão buscar gerar espaços mínimos

de coordenação entre os países em temas que se mostrarem críticos. Deverão conviver de forma ainda

mais fragmentada arranjos minilaterais (como é o G20 e a OCDE), com arranjos regionais (como a

Zona do Euro, a coordenação e cooperação financeira na Asean ou o conselho de defesa da Unasul),

com alguns arranjos multilaterais para atuação em casos específicos (a UIT, a OMC ou a própria

ONU). Enfraquecendo as instâncias internacionais multilaterais, abrir-se-á mais espaço para soluções

de caráter unilateral por parte dos atores que tiverem capacidade para tanto, com destaque para os

EUA, a China e a Rússia.

Tal contexto não se caracteriza por uma multipolaridade consolidada, mas sim a um ambiente

internacional assimétrico e multifacetado, com espaços de coordenação e enfrentamento bastante

diferenciados entre si.

É bastante emblemático desse processo o que vem ocorrendo no campo monetário. O declínio

do uso do dólar como reserva internacional (que já representou 85% do total das reservas mundiais e

Ricardo Sennes

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hoje representa menos de 60%), não foi substituído por outro arranjo de caráter multilateral e sistêmico.

Ao contrário, vem perdendo espaço para uma moeda regional – o Euro – e outra nacional – o Yuan.

Parece que o novo mundo monetário será bem mais fragmentado e menos coordenado do que o atual, e

tende a ser composto por várias instituições regionais distintas (como já ocorre na Europa com o Banco

Central Europeu e o European Financial Stability Facility - EFSF, e na Ásia do Leste com mecanismos

e instâncias com esse mesmo fim).

Esse padrão de enfraquecimento dos arranjos multilaterais existentes, sem serem substituídos por

outro arranjo de mesma natureza, convivendo com arranjos regionais e unilaterais, não necessariamente

coordenados entre si, parece ser a tendência dominante atual.

Os BRICs e a Relativa “Desorganização” Internacional

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1 Diplomata, ex-Secretário-Geral das Relações Exteriores, ex-Embaixador do Brasil no Equador, na China, na Alemanha, na Áustria e nos EUA e Membro do Conselho Curador do CEBRI.

Mudando o Mapa Mental: África,

América do Sul e Atlântico

Roberto Abdenur1

Esse o título de seminário de que recentemente participei. Resultado de um novo olhar por parte

de alguns “think tanks” europeus e norte-americanos, que agora percebem a validade – e necessidade –

de não ficarem adstritos à noção de Atlântico Norte, passando a contemplar novas realidades na parte

Sul do continente. Observei, na ocasião, que não só o conceito geopolítico precisa ser revisto. Também

a ideia de Ocidente precisa ser estendida à parte ocidental do Hemisfério Sul. A América do Sul precisa

ser reconhecida como parte do Ocidente, conceito em geral indevidamente circunscrito ao eixo EUA-

Europa. O continente é intrinsecamente ocidental por força de toda uma série de fatores, históricos

e culturais. E a, por assim dizer, valorização da região que hoje ocorre tem boas razões de ser: a

ausência de conflitos, a inédita estabilidade econômica, o vigor das forças produtivas, a disponibilidade

de recursos, o apego – relativo, embora, em alguns países – à democracia, aos direitos humanos e à

economia de mercado (ponhamos Cuba num nicho à parte, pois é culturalmente ocidental, embora por

enquanto não democrática).

Fato marcante é a nova densidade da região. Não só por força de múltiplas iniciativas de

concertação e integração, mas também graças a novos fluxos de comércio e investimentos entre os

países que a integram. A América do Sul, embora economicamente menos integrada de facto do que a

Ásia – onde a interligação entre cadeias produtivas precede movimentos integracionistas formais -, é

Roberto Abdenur

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politicamente mais homogênea, unida e coordenada. Institucionalmente mais forte. E, em consequência,

melhor estruturada para fazer-se ouvir no concerto internacional.

Por outro lado, é conveniente que os países sul-americanos, de sua parte, passem a ver-se como

parte efetiva do Ocidente. Assim como a Europa e os EUA nutrem concepção estreita do Ocidente – fato

em considerável medida explicável pela confrontação Leste-Oeste durante a Guerra Fria -, a América

do Sul se afigura às vezes ainda demasiado apegada à ideia de uma continuada clivagem Norte-Sul. E

demasiado apegada a uma rejeição do “Ocidente“ como fonte de posturas colonialistas e imperialistas.

Instituições como a OTAN e a OCDE – esta contando já com países como o México e a Coréia do

Sul – são vistas como expressões de atitudes expansionistas e mesmo ameaçadoras.

Ambas as posturas – a do circuito Europa-EUA e a da América do Sul – precisam ser revistas, à

luz de novas realidades nos cenários políticos e econômicos internacionais. O fator economia sobressai,

pois é aqui que se processam mudanças importantes. Curiosamente, o próprio debilitamento da Europa

e dos EUA induz a maior aproximação com a América do Sul, como mercado e campo para investimentos

com maior retorno. No sentido inverso, interessa aos países da região – e ao Brasil como nação mais

industrializada em particular - diversificar geográfica e qualitativamente seus mercados, diminuindo a

hoje elevada dependência do fornecimento de commodities à China e à Ásia em geral. Mas, cabe insistir,

a atual prevalência de motivações econômicas não deve ser pretexto para que se olvide a necessidade de

ampliação, por ambas as partes, do conceito político de Ocidente.

Quanto ao Brasil, devido a sua centralidade e capacidade de lançar iniciativas agregadoras,

desempenha o país papel importante no fortalecimento da coesão regional em sua vizinhança. Mas

também na busca de conexões com outras áreas, como África Subsaárica, o Magreb, o Oriente Médio, a

Ásia. Disso são provas as reuniões inter-regionais com a África e o mundo árabe; o IBAS; a congregação

dos BRICS; a busca de negociações extra-regionais para o Mercosul, inclusive com a União Europeia.

O papel conciliador em instâncias decisivas, como o G-20, a rodada Doha, as conferências sobre

meio ambiente e desenvolvimento sustentável. É o Brasil, portanto, interlocutor indispensável para a

Mudando o Mapa Mental: África, América do Sul e Atlântico

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ampliação dos conceitos de Atlântico e Ocidente – conceitos que em boa medida vão juntos. Se não no

caso da África, certamente no que se refere à América do Sul.

Para melhor desempenhar seu papel, contudo, necessita o Brasil reavaliar e reconfigurar aspectos

de sua persona no plano internacional. Reconhecer que somos “Sul”, mas que isso não mais implica

concepção adversária em relação a um “Norte” que não faz sentido para nação agora emergente. Não

cabe esquecer o sentido verdadeiramente estratégico para nossos interesses políticos e econômicos

do relacionamento de todos os tipos com Europa e EUA. Somos parte do G-20, das organizações

financeiras, da OMC e, mais do que emergentes na economia, somos potência com interesses e alcance

globais, dada nossa relevância para temas como comércio, finanças, crescimento econômico, recursos

naturais, alimentos, meio ambiente e clima, paz e segurança, reforma da ONU.

Cumpre assinalar, em outro plano, que não se trata – nem para o Brasil e sua região, nem para

os países do Ocidente Setentrional, de buscas no Atlântico como alternativa à crescente importância do

Pacífico e da Ásia Oriental. Não se trata de esforço de competição ou compensação em face da ascensão

da Ásia – até porque, embora não situado no Pacífico, é o Brasil o principal parceiro das potências

asiáticas na região.

Em política externa a adesão a certos conceitos – e valores – não é atitude oca, vazia de conteúdo

e sentido prático. Semelhantes movimentos têm o efeito de valorizar, por assim dizer enobrecer um país,

reforçando-lhe a voz e a influência no plano internacional. Deve o Brasil, naturalmente, por todas as

razões seguir intensificando o relacionamento com outras partes do mundo. Não haverá prejuízo para

esses relacionamentos, nem para nossos interesses em foros multilaterais, em nos afirmarmos também

como país ocidental.

Roberto Abdenur

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1 Economista, Empresário e Membro do Grupo de Análises e Conjuntura Internacional – GACINT, ex-Presidente e um dos fundadores do Conselho de Empresários da América Latina- CEAL e Fundador e Membro do Conselho Curador do CEBRI.

O Brasil e o Mundo em 2030

O Brasil e o Mundo em 2030

Roberto Teixeira da Costa1

Analisando a situação do Brasil, quer internamente ou por aqueles que no exterior nos

acompanham, existe uma visão crítica por faltar-nos uma estratégia de longo prazo. Países como a

China e outros países asiáticos são citados como operando com tal perspectiva.

Somos vistos por alguns como um país que reage às circunstâncias do momento e não atuamos

preventivamente. Sabemos o que não queremos, mas não identificamos com clareza e onde queremos

chegar.

Com esse propósito, participei recentemente de um provocativo debate propiciado pelo Instituto

Fernando Henrique Cardoso com um grupo de think tanks preocupados em identificar quais as grandes

tendências globais até 2030 e ver como nos situamos nesse contexto.

Vamos nos concentrar em três pontos centrais que constituíram o cerne das pesquisas apresentadas

e detalhadas no livro: “Citizens in an Interconnected and Polycentric World Global Trends – 2030”.

1. O fortalecimento, ou apoderamento dos indivíduos, contribuirá para que adquiram o

crescente sentimento de pertencer a uma única comunidade humana/

2. Maior “stress” no desenvolvimento sustentável, tendo como pano de fundo, maior

escassez de recursos e uma persistente pobreza, potencializada pelas mudanças climáticas.

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3. A emergência de um mundo policêntrico caracterizado pela mudança de poder dos

Estados, e crescentes deficiências dos governos, devido às falhas nos mecanismos das relações entre

Estados, sem que possam responder de maneira adequada às demandas públicas globais.

Para melhor avaliar os méritos dessas três tendências globais, destacamos algumas das

considerações apresentadas.

De acordo com as Nações Unidas, em 2030 a população mundial atingirá 8,3 bilhões de

pessoas. Grande parte desses indivíduos ganhará maior poder pelos progressos sociais e tecnológicos.

Nas últimas décadas o grande motor desse apoderamento foi a emergência de uma classe média,

particularmente na Ásia, com acesso à educação aproximando-se de padrões mundiais pelos efeitos da

informação e da comunicação tecnológica (TI)

Em 1990, cerca de 73% da população mundial sabia ler e escrever. Estima-se que em 2030

chegue a 90%! A classe média aumentará sua influência, passando de 3,2 bilhões em 2020 para 4,9

bilhões em 2030. Os cidadãos dessa classe certamente serão mais influentes que seus antecessores das

gerações passadas.

O aumento da classe média, contudo, não resolverá uma persistente pobreza e desigualdade.

Uma classe média burguesa emergirá na América Latina e Ásia mas poderá ter seu “trend” global

afetado pelos desdobramentos da atual crise financeira mundial. Os pesquisadores mostram certo

ceticismo quanto a esse aspecto prevendo alguns muitos anos para a reversão desse cenário de crise.

Por outro lado, políticas extremistas, e xenofobias, continuarão deixando sua marca em

importantes partes do mundo. Dessa forma, a negação ao direito de acesso à cultura e à religião, poderá

promover reinvindicações e o aumento do nacionalismo em algumas áreas do globo.

A convergência de preocupações e a crescente vocalização de demandas serão enorme fator

de contrastes com a incapacidade dos governos em atendê-las, particularmente aquelas referentes à

melhoria da qualidade da vida. Esse “gap” será uma fonte permanente de tensão e conflitos sociais,

podendo ser agravado pela ineficácia dos governantes.

Roberto Teixeira da Costa

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O Brasil e o Mundo em 2030

Agravamento do nacionalismo provocando desafios à democracia, podendo causar fragmentação

social e nacionalismo. Extremistas não desaparecerão, provocando desafios para os direitos básicos e a

liberdade individual.

O fortalecimento dos indivíduos também terá consequência, particularmente na sociedade civil,

tendo grande impacto em como as políticas públicas serão conduzidas. Usuários da internet poderão

ser motivados a um maior engajamento em assuntos de natureza política. O temor é que todas essas

demandas sociais, justas ou não, farão enorme pressão sobre as instituições e partidos democráticos,

podendo abrir espaço para um populismo radical, cuja saída poderá caminhar para a tentação do

autoritarismo.

O policentrismo será acompanhado por um maior poder conferido à Ásia, onde metade da

população mundial estará concentrada em 2030. Então, projeta-se que a China terá 19% de participação

do PNB mundial e será a maior potência mundial. A Índia continuará crescendo e poderá tornar-se

um exemplo bem sucedido de crescimento sustentável nas próximas duas décadas. Portanto, haverá

uma mudança do atual poder mundial dos USA, Europa e Japão, dependendo da duração da atual

crise mundial e do seu impacto nestas economias. Estima-se que a Ásia em 2030 estará a caminho de

retornar a ser a potência mundial que era antes de 1500.

No entanto, os Estados Unidos continuarão sendo a maior potência militar mundial, mas

estima-se que a capacitação da China nessa área irá ampliar-se.

E o Brasil? Temos certamente muitos aspectos positivos a registrar como reconhecidamente

nossa riqueza em recursos naturais no campo energético, água em abundância, terras férteis e ainda

agriculturáveis, sem falar na ausência de divisões religiosas, sociais e separatistas. Vale alertar que os

progressos na inclusão social foram relevantes, diminuindo as diferenças sociais Não identificamos

posições extremistas e problemas de segurança (que não são poucos) estão nas grandes metrópoles.

No que toca a um mundo policêntrico, havendo uma pluralidade de atores nenhum

país terá um poder hegemônico. Portanto, abre-se espaço para atuação de novos atores internacionais,

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e conferindo aos países de poder intermediário um papel mais relevante no painel mundial, como é o

caso do Brasil.

Sem dúvida, nos últimos 16 anos, podemos constatar um espaço maior conquistado no cenário

internacional com as presidências de Fernando Henrique Cardoso e Lula, e agora com a Presidente

Dilma, não só pelos nossos méritos e realizações, abrindo novo espaço nos foros mundiais e marcando

nossa posição Foi ajudado por um cenário internacional mais favorável aos países em desenvolvimento

e que provocou substanciais afluxos de capitais. Esse maior protagonismo não tem se transformado

em resultados práticos que estivessem em linha com a projeção que conseguida. Nesse período, não

assinamos nenhum acordo comercial de relevância como alguns países da nossa região o fizeram, e nem

ganhamos importante representação nas agências internacionais.

No contexto da crise mundial alinho como feito positivo a sensível redução na taxa de juros no

Brasil. A nova administração do BACEN vem reduzindo a taxa SELIC, abandonando a casa dos dois

dígitos. O cenário externo foi o gatilho que precisávamos para gradualmente aproximar a taxa de juros

do Brasil de padrões internacionais. Apesar de alguns vaticínios negativos, creio que essa mudança

cultural no mercado financeiro terá os mesmos efeitos benéficos que tiveram com o Plano Real.

Certamente com taxas de juros civilizadas teremos, nos próximos cinco anos, um cenário

completamente diferente no mercado financeiro e de capitais, e de como a poupança será alocada.

A crise econômico-financeira mundial continuará nos afetando, mas certamente por muitas razões,

algumas delas explicitadas nesse texto, creio que sofreremos menos que as grandes potências mundiais.

A exceção será a China! Ela também irá sofrer, porém com menor intensidade.

Roberto Teixeira da Costa

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1 Advogado, Mestre em Direito Internacional pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Gerente Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).

Novo Código Florestal: agenda para o Brasil sustentável

Novo Código Florestal:

agenda para o Brasil sustentável

Rodrigo C A Lima1

A aprovação do novo Código Florestal pela Câmara no início de maio de 2012, a promulgação

da Lei 12.651/2012 e da Medida Provisória 571/2012, que trouxe mudanças ligadas aos 12 vetos feitos

pela presidente Dilma, significaram mais um passo na reforma do Código Florestal de 1965.

Novas mudanças serão debatidas na Câmara e no Senado, e espera-se que seja possível acabar

o ano com uma nova lei. Há mais de uma década o país busca reformular o Código, que se mostra

desconectado da realidade do uso da terra, carrega vícios jurídicos e cria um cenário de insegurança que

prejudica a produção e a conservação de vegetação nativa.

As críticas de grande parte da mídia e da sociedade, de entidades científicas, órgãos do governo e,

principalmente, ONGs que criaram um movimento que defende o veto total ao projeto aprovado já no

Senado, sustentam que as mudanças no Código Florestal significam um retrocesso ambiental enorme,

que abrirá espaço para uma escalada do desmatamento e promoverá a anistia a crimes ambientais.

Para os produtores agrícolas alterar o Código é a única forma de permitir a regularização

ambiental das propriedades sem a necessidade de recompor ao menos 100 milhões de hectares, entre

áreas de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente – APPs. Além disso, a lei atual não separa

quem desmatou de acordo com a lei da época, e exige obrigações sem reconhecer a lei no tempo, o que

é uma questão jurídica complexa.

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Reformular o Código Florestal significa anistia? Prejudicará o cumprimento das metas de

redução de emissões de gases do efeito estufa do Brasil? O governo conseguirá implementar o Cadastro

Ambiental Rural? Os produtores terão que recuperar APPs? O que significa a compensação das áreas

de Reserva Legal?

Essas perguntas mostram o quanto essa agenda se relaciona com o desenvolvimento sustentável

do Brasil. Afinal, o controle do desmatamento ilegal e das autorizações para conversão legal, o

monitoramento da regularização ambiental das propriedades ao longo do tempo, que deverá levar

à recuperação de APPs com benefícios concretos para a biodiversidade e a formação de estoques de

carbono são temas intimamente ligados à agenda que virá após a aprovação final do novo Código

Florestal.

A ideia de anistia precisa ser analisada sob o enfoque de todas as mudanças que o Código sofreu

desde a lei de 1934. O reconhecimento da ocupação de certas APPs se faz necessário na medida em

que é impossível promover a recuperação integral de todas as APPs diante das regras vigentes (Medida

Provisória 2.166-67 de 2001).

De um lado, a recuperação integral criaria choques com a lei no tempo, pois seria necessário

separar todos os desmatamentos que aconteceram até a promulgação da Lei 7.511 de 1986, que aumentou

os parâmetros mínimos para as APPs em cursos d’água. Além disso, a recuperação total prejudicaria

culturas como café, uva, maçã, pecuária leiteira e arroz, estabelecidas há décadas em muitas regiões,

inclusive com incentivos governamentais.

A solução encontrada é exigir uma recuperação mínima das áreas de APPs desmatadas até julho

de 2008, o que significa de um lado a consolidação de áreas que deveriam ser APPs pela lei atual e, de

outro, a recomposição de parte dessas áreas.

Considerando que a área de vegetação nativa brasileira é de 554 milhões de hectares (65%

do país) e que existem 274 milhões de hectares de vegetação nativa em propriedades privadas (APPs

Rodrigo C A Lima

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Novo Código Florestal: agenda para o Brasil sustentável

hídricas e de topo de morro + Reserva Legal) é fundamental criar mecanismos que visem conservar

essas áreas.

As discussões sobre a criação de um Programa de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação

do Meio Ambiente, da lei de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD plus)

e de uma lei de pagamento por serviços ambientais estão relacionadas à agenda pós-Código, e são

fundamentais para fomentar a conservação de vegetação nativa, a recuperação de áreas, a proteção da

biodiversidade, a manutenção de estoques de carbono e a proteção da água.

É importante salientar que as regras para APPs e áreas de Reserva Legal permanecem as mesmas

da lei atual. As diferenças trazidas pelo novo Código se dão no tocante às áreas convertidas até julho de

2008, que terão flexibilidades para cumprir as regras. A possibilidade de compensar a Reserva Legal em

outras áreas dentro do mesmo bioma, priorizando áreas relevantes para a biodiversidade é a principal

modificação em relação a Reserva Legal.

O Código atual obriga a recomposição dessas áreas na propriedade, o que significaria perder

áreas de alta produtividade e investimentos vultosos para replantar essas áreas. Ao invés de obrigar

essa recomposição, a nova lei abre espaço para a compensação em outras áreas, não limitada à área da

microbacia, o que permitirá conservar áreas de vegetação nativa que poderiam ser legalmente desmatadas

(somente áreas além das APPs e das Reservas Legais poderão ser elegíveis para compensação).

É importante destacar que quase 90% das 5.4 milhões de propriedades rurais estão irregulares, e

a possibilidade de regularização impõe a proibição de converter novas áreas. Isso significa que somente

áreas que já cumprem a lei e que possuem áreas adicionais poderão desmatar legalmente, desde que

inseridas no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

A criação do CAR pelo Ministério do Meio Ambiente reflete um desafio enorme. Cadastrar

todas as propriedades agrícolas do país, monitorar sua regularização perante a nova lei, autorizar

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desmatamento legal e coibir o ilegal, além de resolver problemas fundiários são alguns dos benefícios

que o cadastro poderá trazer.

A aprovação dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) pela União e Estados será

outro passo relevante para permitir a regularização. É com base no CAR, nos PRAs e nos Termos de

Compromisso que a regularização será monitorada. Quem não cumprir as novas regras continuará ilegal.

A agenda que se abre após a aprovação final do Código Florestal é desafiadora. A possibilidade de

promover a regularização ambiental, com ganhos concretos em termos de APPs recuperadas, cadastrar

todas as propriedades agrícolas, acabar com a insegurança jurídica e equilibrar produção e conservação

ambiental é notadamente um desafio do tamanho do Brasil.

Cabe a cada ator fazer sua parte para que seja possível virar esta página e entrar a fundo na

agenda de incentivos para a conservação da natureza. É isso que se espera do Brasil, potência agrícola

e ambiental.

Rodrigo C A Lima

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Diplomacia Corporativa

1 Doutor em Relações Internacionais pela UnB e pós-Doutor em Indústrias Criativas e Competitividade Territorial pelo ISCTE (Lisboa). Coordenador do curso de Relações Internacionais da ESPM/SP. Sócio da BR Target – Consultoria em Relações Internacionais.

Diplomacia Corporativa

Rodrigo Cintra1

As relações internacionais foram, por muito tempo, um espaço de atuação quase que

exclusivamente estatal, afetando diretamente a governos e apenas indiretamente ao grande público.

No entanto, o mundo no qual vivemos fez com que as questões internacionais passassem a ser algo que

impacta diretamente o cotidiano das pessoas, forçando o rompimento da quase exclusividade estatal na

condução das questões internacionais.

Diariamente somos expostos a decisões que impactam o mundo, mesmo sem saber que isto está

acontecendo. Cada vez que compramos um produto importado, estamos promovendo o aprofundamento

da dinâmica econômica internacional interdependente. Mesmo que o produto seja nacional, muito

provavelmente ele só exista na medida em que faz parte de cadeias produtivas globais.

Ao recuarmos na história será possível encontrar empresas ou atuações de atores não-estatais na

arena internacional. No entanto, atualmente vivenciamos de forma nunca antes vista a emergência de

novos e poderosos atores nas relações internacionais. Não se trata apenas de Empresas Transnacionais

(ETNs), mas também de complexos sistemas financeiros e comerciais que estão por trás do atual padrão

mundial de produção e circulação de bens.

Ao se ter em mente tanto (1) o potencial influenciador direto e indireto que as pessoas têm

sobre as dinâmicas internacionais quanto (2) o circuito mundial de produção, surge a necessidade

de gerenciar parte das dinâmicas internacionais a partir de novas lógicas de atuação. Não se trata de

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substituir o nível estatal e seu instrumento de atuação – a diplomacia –, mas de ir além, fortalecendo

a atuação internacional de diversos outros atores. No que se refere às ETNs, o instrumento de atuação

que usam é atualmente conhecido por diplomacia corporativa.

Na medida em que as ETNs e seus processos produtivos estão ligados a determinadas dinâmicas

geográficas, e, portanto, também a dinâmicas políticas e econômicas, cumpre à diplomacia corporativa

tratar da credibilidade de uma empresa transnacional em termos de como produz e o que entrega. Aqui

a referência é diretamente ligada a valores e princípios norteadores, e não apenas ao produto como

tradicionalmente concebido em termos econômico-produtivos.

A relevância deste tema tem aumentado conforme se densifica o processo de globalização, aqui

entendido como a transnacionalização dos processos produtivos e de consumo. Cada vez mais, fica

patente a necessidade de as empresas criarem mecanismos de influência sobre governos e mercados

consumidores. Não se trata, porém, de resumir governos e mercados a meros instrumentos das

empresas para aumento de lucros. Ao contrário, trata-se do reconhecimento da necessidade de um

relacionamento de via dupla. Ao mesmo tempo em que governos, ou mesmo a sociedade, buscam

moldar o comportamento corporativo, cabe às ETNs também promoverem valores e boas práticas junto

a governos e sociedade.

Um claro exemplo de uma atuação positiva da diplomacia corporativa é a criação, ainda em

1999, do Award for Corporate Excellence, promovido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos.

A ideia do prêmio é reconhecer publicamente boas práticas de responsabilidade social que empresas

norte-americanas promovam fora dos Estados Unidos.

Desta forma, fica patente a importância de novos atores, neste caso especialmente das ETNs,

e de uma atuação internacional mais clara e orgânica destas no âmbito internacional. Isto nos leva à

necessidade de discussão de quais são as principais dimensões a serem consideradas.

Em termos históricos, as ETNs buscam racionalizar o retorno de seus investimentos de uma

forma duradoura e o mais rápido possível. A partir deste perfil comportamental surgem duas grandes

Rodrigo Cintra

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tendências: (1) as empresas acabam por criar ações inovadoras buscando tal resultado e (2) a sociedade,

como resposta a esta primeira tendência, acaba por compreender as ações por parte das empresas de

uma forma negativa, o que gera a percepção de uma oposição sociedade-empresa.

Desta forma, o que se nota é que o mundo corporativo ultrapassa a questão econômica,

rapidamente também afetando e sendo afetado pelas questões de ordem política e social. Em outras

palavras, ao não ser possível separar o mundo corporativo da sociedade, torna-se fundamental a gestão

das formas de relacionamento entre as corporações e a sociedade. Ainda que isso pareça algo óbvio

e natural no caso de empresas atuantes em seus mercados de origem, não é possível dizer o mesmo

quando se trata de empresas que operam em mercados estrangeiros. Nestes casos, diferenças de cultura

institucionais e organizacionais podem gerar desgastes bastante impactantes.

Desde o final da II Guerra Mundial e o advento da ordem liberal mundial, o sistema de Bretton

Woods tem regulamentado as relações econômicas mundiais, porém pouco foi feito no sentido de

regular as ações “privadas” da economia, ou seja, aquelas que estão diretamente relacionadas com as

corporações e suas respectivas relações políticas e sociais.

Em grande medida, o que se viu foi uma relação muito íntima entre os interesses corporativos e

os ditos interesses nacionais. Não por menos as corporações usaram (e, em alguma medida, continuam

a usar) as agências governamentais para projetar seus interesses em mercados externos, concentrando,

assim, a maior parte de seus recursos gerenciais no país de origem.

Já a partir da década de 1980, mas, sobretudo a partir da década de 1990, o que se percebe

nos países mais desenvolvidos é o descolamento entre as ações corporativas internacionais e o Estado.

Enquanto nos países menos desenvolvidos ou com poucas corporações transnacionais – como é o caso

do Brasil – o Estado continua a desempenhar um papel fundamental na promoção internacional de

suas empresas, países com corporações mais fortes – especialmente Estados Unidos e parte da Europa –

o que se vê é que as corporações passaram a agir de forma mais autônoma, se transformando, por vezes,

em fontes de tensão ou mesmo pressão sobre Estados mais fracos.

Diplomacia Corporativa

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Neste sentido, o que se percebe é que existem diferentes níveis de desenvolvimento dos Estados

e de suas respectivas atuações internacionais e que isso impacta potencialidades de parceria entre os

Estados e as corporações. Às corporações fica a tarefa de, uma vez compreendido o potencial de parceria

com o Estado, conseguir compreender seus próprios caminhos de atuação internacional, buscando gerir

seus interesses institucionais e as peculiaridades de cada território receptor.

Rodrigo Cintra

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1 Diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (CINDES).

Transição para a Economia Verde:

oportunidade na agenda econômica

externa brasileira

Sandra Polónia Rios1

Ainda que haja evidentes dificuldades para se obter progressos efetivos nos foros multilaterais de

negociações econômicas, parece haver crescente consenso em torno da constatação de que os padrões

atuais de produção e consumo estão desafiando os limites do planeta. Os resultados da Conferência

Rio+20 foram certamente decepcionantes se medidos pelos compromissos de cooperação internacional

plasmados no documento final. Por outro lado, a mobilização de governos subnacionais, de empresas e

organizações empresariais, da academia e de organizações da sociedade civil antes e durante indica que

soou o sinal de alerta e que este tema está e ficará no centro das atenções internacionais nos próximos anos.

Essa evolução deveria ser tratada como uma grande oportunidade para o Brasil. Os ativos

brasileiros em termos de dotações de recursos naturais – capacidade de produção de alimentos,

disponibilidade de recursos hídricos, matriz energética limpa, biodiversidade e vasta cobertura florestal

– fazem do país um ator essencial em qualquer foro de negociação internacional em que estejam presentes

os temas ambientais. Essa agenda é portadora não apenas de oportunidades de participação nas esferas

relevantes da governança global, mas traz também inúmeras possibilidades de aproveitamento das

vantagens comparativas naturais do país e de adoção de novos padrões de desenvolvimento industrial.

Transição para a Economia Verde: oportunidade na agenda econômica externa brasileira

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Países como Coreia do Sul e China identificaram as oportunidades e incluíram em seus programas

de resposta à crise econômica internacional diversos instrumentos de estímulo ao desenvolvimento de

tecnologias limpas e de reconversão industrial.

Não resta dúvida de que o contexto global é hoje pouco propício a iniciativas de cooperação

internacional que impliquem em compromissos que limitam a capacidade dos países de adotar

políticas econômicas e industriais autônomas. Nas negociações climáticas, por exemplo, o receio dos

impactos sobre a competitividade dos custos associados à necessária mudança de padrões produtivos e

tecnológicos, combinados aos efeitos da manutenção do conceito, estabelecido na Convenção do Clima,

de “reponsabilidades comuns, mas diferenciadas” entre países desenvolvidos e em desenvolvimento,

está no centro dos impasses que têm impedido qualquer avanço relevante. Essa parece ser a principal

trava para o progresso dos entendimentos entre os principais atores globais, tanto nas negociações de

mudanças climáticas, quanto na agenda mais abrangente da Rio+20.

Como se sabe, o Brasil apresentou compromisso voluntário de mitigação das emissões de

gases de efeito estufa (GEE), na COP-15, em Copenhague (dezembro de 2009) e vem empreendendo

esforços para avançar no cumprimento desta meta, através princi¬palmente de ações para minimizar os

desmatamentos na Amazônia.

Entre 2005 e 2009, observou-se um singular processo de contração de emissões no Brasil,

derivado de uma drástica queda do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. O ápice do processo de

redução de emissões foi o ano de 2009, quando o controle do desmatamento convergiu com os efeitos

da crise financeira internacional sobre a economia brasileira. Mas, em 2010, as emissões de GEEs do

país voltaram a crescer, estimuladas desta vez, não pelo desmatamento, mas pela forte expansão dos

outros setores econômicos. Neste ano, o PIB cresceu 7% e aumentou significativamente o consumo de

gasolina.

Como resultado, o perfil brasileiro de emissões – em termos de sua composição setorial – vem

se tornando mais próximo daquele de outros países de renda média, com o aumento da participação

Sandra Polónia Rios

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Transição para a Economia Verde: oportunidade na agenda econômica externa brasileira

relativa dos setores modernos da economia – energia, indústria, agropecuária e resíduos – na pauta de

produção de GEEs vis a vis do chamado “setor LULUF” (Land use, land use change and forestry).

O novo desafio de política na área climática é a definição de estratégias capazes de, mais além

dos esforços de mitigação associados ao controle do desmatamento, levar os diferentes setores a integrar

às suas estratégias o objetivo de reduzir emissões e aproveitar as oportunidades econômicas associadas

a este processo.

Neste sentido, no futuro, eventuais reduções de emissões exigirão não apenas mais recursos,

mas também maior capacidade em todos os níveis de governo para desenhar e implementar políticas

públicas e regulações climáticas voltadas para os diferentes setores da economia, configurando um

quadro regulatório favorável à adoção de tecnologias de baixo carbono.

A política industrial climática no Brasil não deveria, neste cenário, se limitar a objetivos de

mitigação - que, em termos agregados (da economia como um todo), somente são relevantes para o setor

de energia - mas deve ser pautada, como ocorre em outros países, por considerações de competitividade.

Na agenda externa, é fundamental que o Brasil paute sua atuação pelo propósito de tornar-se um

protagonista internacional preocupado com os interesses globais – os chamados “global commons” –, que

podem perfeitamente convergir com os interesses nacionais. A experiência recente do país no combate

ao desmatamento mostra que quando mobilizados os instrumentos adequados de políticas públicas, a

resposta é positiva. A construção de um ambiente regulatório e econômico propício à transição para a

economia verde, combinada a uma estratégia internacional mais assertiva, permitirá ao país aproveitar

amplamente as oportunidades trazidas por essa agenda.

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1 Pesquisador visitante no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI).

Follow the Brazilian Leader?

assessing the exportability of the country’s

development model

Seth Colby1

Is there a Brazilian development model? If so, do other nations perceive this model as something

that could be successfully replicated in the local context?

Governments wishing to improve the welfare of its citizens naturally look abroad for guidance on

what policies to adopt. They study the experience of a given a country and identify a set of characteristics

associated with the country’s development model, assessing its outcomes and its transferability.

Most of the world’s global powers are associated with a given development model. For example,

the United States (US) employs the Anglo-Saxon model of capitalism that stresses low levels of

government ownership, flexible labor markets, limited regulation, and a minimal social safety net. The

Global Financial Crisis of 2008 and the subdued levels of US growth that followed have damaged the

legitimacy of this model. By contrast, the rapid economic growth of China has brought attention to

what some have called “Beijing Consensus,” which stresses authoritarian government, high levels of state

ownership, a competent and activist state bureaucracy, and export-led growth. The transferability of the

China model is limited however as few countries possess the competent bureaucracy and the strong state

required for such a strategy.

Seth Colby

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As Brazil’s economic and political prestige in the world grows, other nations will be tempted to

emulate the Brazilian development model. It is thus important to ask, what are the central characteristics

of this model? Are the results desirable? And can the model be effectively exported?

The country has logged impressive gains over the past decade. Inequality has decreased and

continues to move in the desired direction. The Gini coefficient, a measure of inequality, has decreased

from .595 in 1997 to .545 in 2011. The country has a rapidly growing middle class, fueling a consumption

boom and supporting economic growth. As of 2009, 61% of all households are considered middle or

upper class, up from 45% in 2002. The country’s growth trajectory has until recently proved remarkably

resilient. It was one of the major economies least affected by the Global Financial Crisis. The country

has grown at a respectable but not incredible rate, averaging 4.4% real GDP growth between 2004 and

2012. A development model that produces this type of performance is attractive, particular to other

Latin American countries facing similar challenges.

To achieve these results, the government has promoted policies that emphasize macroeconomic

stability, social welfare, domestic consumption, and credit expansion. The Cardoso administration

brought inflation under control and restored economic stability. The Lula administration judiciously

maintained this approach, and addressed another chronic problem in Brazil—inequality. As the world’s

largest conditional cash transfer program, Bolsa Familia provided financial support to poor families

while incentivizing them to send their children to school. The program has proved to be a cost-effective

way of addressing inequality, costing only .5% of the country’s GDP. The country has boosted credit

availability, which in turn boosted domestic consumption. Finally, the country’s development bank

(BNDES) has proven to be an effective policy tool in the wake of the 2008 global down turn. Through

BNDES, the government was able to channel credit to the country’s productive sector, blunting the

contractionary forces of the crisis.

Is the Brazilian model exportable? The short answer is probably not. Success of the model depends

on a large domestic market, which few other countries enjoy. Credit expansion and cash transfers

Follow the Brazilian Leader? assessing the exportability of the country’s development model.

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stimulate domestic demand; while other policies give preference to locally made goods. Other countries

have expressed interest in establishing development banks that are as efficient and capable as BNDES,

but that is easier said than done. The level of expertise and capacity that exists within the bank is very

difficult to replicate. Moreover, the history of development banks suggests that they are prone to political

capture—an issue that a mature institution like the BNDES still struggles with.

The most exportable aspect of the Brazilian model has to do with the social welfare component.

Bolsa Família has proved to be extremely successful, and this has not gone unnoticed. Many other

countries, particularly highly unequal ones, have developed their own conditional cash transfer schemes.

Even so, disappointing growth in 2011 (2.7%) and the first quarter of 2012 (.2%) suggests that

the Brazilian model maybe reaching its limits even for Brazil. Credit growth and domestic consumption

can boost growth in the short to medium term, but productivity is what matters in the long run. Until

the country finds a sustainable way to increase its economic competitiveness, the attractiveness of the

country’s model will be limited.

Seth Colby

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1 Director Center for Hemispheric Policy of Miami University.

Brazil and the Global Agenda

Brazil and the Global Agenda

Susan Kaufman Purcell1

During the presidency of Luiz Inacio “Lula” da Silva, Brazil began to play a leadership role

in driving a global agenda whose hallmark concept was the redistribution of economic and political

leadership toward the emerging market or developing countries and away from the industrialized

countries. Despite its large geographical land mass, Brazil had never tried to be a global leader. The

coming together of several important factors over the past two decades, however, help explain Brazil’s

decision to play a more active role in setting a new global agenda.

Brazil’s successful transition from a military to a democratic political system increased the country’s

global appeal and legitimacy. The market-based economic reforms implemented by Fernando Henrique

Cardoso, first as Brazil’s finance minister and subsequently, as Brazil’s president, stabilized Brazil’s

economy, ended out-of-control inflation and made Brazil much more attractive to foreign investors.

Perhaps most important, however, were two other factors. The first was the explosion of economic

growth in China, which produced a voracious demand for commodities that China itself lacked. Brazil,

rich in commodities, combined with a highly-efficient and productive private agricultural sector, was

able to take advantage of the Chinese-generated commodities boom. As a result, the Brazilian economy

grew at record rates, reaching a peak of 7.5% in 2010.

The second factor was the discovery of oil located 4.5 miles below the ocean, off Brazil’s coast.

The discovery greatly increased Brazil’s global leadership potential, since even large countries cannot

hope to play a significant global leadership role in the absence of the resources to sustain such a role.

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President Lula’s presidency benefitted from, and was shaped by, the commodities boom and the

discovery of vast oil reserves. But it also was favored, at least initially, by the onset of the Great Recession

in the United States, and its negative economic impact on the European Union. These developments

created the impression that the industrialized world was in permanent decline and that the future

belonged to the developing world, which had “delinked” from the developed world and therefore, would

not be negatively affected by the economic downturn in Europe and the United States.

Lula quickly took advantage of Brazil’s new riches and the industrialized countries’ decline to

increase his own, and Brazil’s, leadership of the developing world to implement a global agenda that would

create a more ‘equitable’ distribution of global political and economic power. He pushed for a permanent

seat on the UN Security Council for Brazil and for a reduction of the industrialized countries’ veto

power. He worked for a new climate change agreement that would require the industrialized countries

to reduce their carbon footprint and exempt the BRIC countries and their poorer brethren from having

to reduce and pay for the reduction of their own use of carbon-based energy. He emphasized south-south

trade over north-south trade, even when Brazil’s economic interests would be negatively affected. He

advocated non-intervention in the affairs of other countries, even when such a policy favored authoritarian

regimes at the expense of pro-democratic forces in such countries. And he supported Iran’s right, as well

as that of other dictatorships, to build or obtain nuclear weapons.

President Lula finished his two-term presidency with extraordinarily high approval ratings. They

reflected the great popularity of both his domestic policies, which had helped reduce poverty, as well as

support for his foreign policies, which had elevated Brazil’s global leadership role.

Unfortunately for President Dilma Rousseff, Lula’s successor, she probably will not be able to

match Lula’s popularity. This is not necessarily the result of her less charismatic personality, but rather,

because of the end of the commodities boom and the general deterioration of global economic conditions,

from which Brazil discovered it had not become delinked.

Susan Kaufman Purcell

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Brazil and the Global Agenda

The development that has most affected Brazil under Rousseff is China’s slowing economic

growth, which reduced its demand for commodities from Brazil and other developing countries. The

impact on Brazil can be seen by comparing Brazil’s growth rate of 7.5% in 2010, with its 2.7% growth in

2011. The outlook for 2012 is expected to be similar to that of 2011. The deepening crisis in the Europe

and continued anemic growth in the United States have exacerbated the global economic downturn and

the collapse of commodity prices. Oil prices continue to fall, and new technologies, which have allowed

the efficient exploitation of shale oil and gas deposits, threatening to keep oil and gas prices low. In fact,

the United States is expected to become energy independent within the next 7-10 years as a result of

shale oil and gas. Furthermore, if oil prices fall below the price needed for Brazil to make a profit from

producing its “pré-sal” oil, Brazil’s potential oil wealth may not materialize in the foreseeable future.

In the absence of being able to generate wealth from a commodities boom and the exploitation

of its oil reserves, Brazil may find it difficult to maintain its global leadership role. Furthermore, given

Brazil’s and the world’s economic difficulties, Brazil, like the rest of the world, will have to focus primarily

on finding ways to make its economy more efficient and productive. This means the country will have

to make some politically-difficult economic reforms that could lead to increased political polarization

in Brazil. This is because it is always easier to govern when an economy is growing and there is enough

wealth to distribute among all, than when an economy is shrinking and distribution becomes a zero-sum

game, in which one group’s win is seen as another groups loss.

It has therefore fallen to President Rousseff to govern during times that are much less favorable,

and much more challenging, than those that characterized Lula’s presidency. Unlike Lula, who was able

to pursue an ambitious global policy agenda without sacrificing his domestic priorities, circumstances

not under Rousseff’s control will probably force her to pursue a less active and redistributionist global

agenda and to focus instead on reviving Brazil’s economy in the absence of a commodities boom and

high oil prices.

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1 Representative of Konrad Adenauer Foundation in Brazil (2011-2012).

A Glimpse at the Coming Energy Revolution

Thomas Knirsch1

A basic interpretation of “sustainability” suggests that future generations should be able to

reproduce the same material living standards as our own enjoys (and presumably improve them). For all

the history of humanity this interpretation held true. But the accelerated use of limited available resources

and the pollution of the environment that comes with it place such a perspective in peril.

For the last decades the environmental challenges faced by mankind have grown in number

and complexity. Some challenges may have a natural cause, but many are manmade, the by-products of

modern civilization. Some threaten humanity on a local level, others are regional, and again others are

global. For instance, toxic waste and fumes emitted by unclean production methods can degrade the

quality of life on a local level; imagine a city in the vicinity of heavy industry. These same pollutants

may find their ways into integrated ecosystems and in turn threaten whole regions; think of rivers such

as the Amazon, the Nile or the Danube, each of them flowing through a multiplicity of countries, all

depending on the same waters. On a global level, the release of massive, never before seen quantities

of greenhouse gases into the atmosphere poses risks of unknown dimensions to all of mankind. In a

nutshell: These gases trap radiation that enters our Earth in the form of sunlight. The sunlight would

otherwise be deflected in parts back into space. This process is known as the greenhouse effect and leads

to the warming of earth, resulting in modified, hitherto unknown climate patterns.

Thomas Knirsch

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Although the agents of environmental degradation are numerous, many are spawned by the

way we produce energy. Generated in power plants and combustion engines, this energy provides the

lifeblood of human civilization. Without it nothing that we see in our daily lives would exist; no cars

or trains, no industries, no electricity; nothing but muscle power and total dependence on the will of

nature.

In most other countries around the world, the lion share of energy is still generated by the

burning of fossil fuels; i.e. coal, petroleum based extracts, etc. The burning of these fuels results in the

release of pollutants and greenhouse gases, affecting the environment on all levels, local, regional and

global. Until recently, there were few alternatives to fossil fuels. From the Industrial Revolution until

the fall of the Iron Curtain, human industrial activities were overwhelmingly powered by the burning

of fossil fuels. It made sense; hydrocarbons were cheap and available in large quantities. A change in

attitude came with the nascent environmentalist movement in the late 60s. The twin oil shocks in the

70s reinforced the desire to be able to draw on alternatives. The last years and decades have finally borne

the fruits of this long struggle. New technologies have found their ways to the market and are already

used all over the world, though in small numbers so far. How to employ these new technologies in a large

scale is the quest that stands now before us.

In Brazil, political and academic circles have taken up the challenge with confidence, and not

without reason. Blessed by nature, the country seems well placed in the race for the top. Already today,

most electric energy is produced from renewable sources, millions of its motor vehicles are powered by

bio fuels, and seeming unlimited quantities of sunlight and winds over its vast territory promise an even

brighter future. But to prevail, the country must move to the next level, invest in new technologies,

increase efficiency and rethink some of the already employed approaches.

It might be worth looking to Germany. In Germany, successive governments have made it one

of their top priorities to study and apply these new technologies, in order to move gradually away from

traditional means of energy generation. Under the stewardship of the present government of Angela

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Merkel, an ambitious plan has been laid out which sees at its end a complete revolution in the way energy

is generated and used. Generally known as the “Energiewende”, the plan foresees the switch away from

fossil and nuclear fuels, towards the use of wind-, water-, solar-, geothermal- and other renewable energy

sources, as well as a more efficient and intelligent use of the traditional energy sources.

The plan is multidimensional and entails a radical overhaul of the existing infrastructure, posing

the country at the forefront of many great economical and technological challenges. Centrepiece of the

plan is the decentralization of energy production, away from the traditional top down generation methods

that came with big centralized power plants to more of a peer to peer approach, where communities and

even individuals have an active role, transforming them from mere consumers into stakeholders.

On the side of energy consumption, modern construction techniques and sophisticated isolation

materials guarantee less energy losses through temperature-diffusion, reducing the constant need for

heating and cooling of apartments and houses. Intelligent electricity meters, set to be built into every

single home, register at all times the available electricity levels in a given area. In times of relative

scarcity, for instance when the sky is covered with clouds and the winds are still, the system will turn

off washing machines and other machines that are independent of daily work flows. Then, when there is

again plenty of electricity available, or when electricity is in little demand elsewhere, the same machines

are turned back on.

On the topic of energy production, households are increasingly becoming producers themselves.

Government sponsored incentives and price guarantees have helped to sharply increase the number of

solar panels on rooftops all over Germany. Other initiatives have drawn on the same programs to invest

in wind based energy production, mini geothermic power plants or biomass based energy generation.

There are now buildings and whole communities that generate more energy than they consume

themselves. This surplus energy is fed into the regional and national grids, where the operators pay the

small scale suppliers a fixed price and in turn resell the same energy to others who are in need of energy. A

whole new market comes into existence, where everyone is supplier and consumer at the same time. This

Thomas Knirsch

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sets a powerful incentive for owners of large swaths of lands. Already, many farmers are complementing

their traditional trade with energy production, dotting their lands with wind turbines and the roofs of

their numerous buildings with photovoltaic cells.

But there are of course still many regions which consume much more energy than they can

produce; think of communities that are home to ship yards, steel mills or any other heavy industry. To

guarantee that demand throughout the country is always met, large scale energy generation plants remain

imperative, though unlike in the past they also are based on sustainable sources. Some geographical areas

serve better than others for this task. For example, strong winds in the North- and Baltic Sea- provide

ideal conditions for massive offshore wind parks. In other cases geography plays a lesser role, such as with

biomass based energy generation.

One challenge remains: There are times in which the forces of nature reign all powerful, when

the winds howl and the sun burns with all her force. And then there are other times in which the exact

opposite is true, when clouds cover the face of the earth and the winds lay low. However, human activities

don’t correspond with these patterns of nature, but rather function according to a fixed timetable, work

in the day, rest in the night. That means that sometimes a lot of electricity is being produced when there

is no need for it, and in other cases there is a lot of demand but not much energy available. The solution

to this challenge lies in the possibility to store surplus electricity, and to make it available when it is

needed.

Some solutions are already available. For instance, in times of surplus electricity production,

water can be pumped into reservoirs on which a given hydropower plant draws. When demand recoils,

the sluices open and the stored energy is turned back into electricity. For Brazil in particular this method

holds a very promising prospect. However, few other countries possess such massive water potential, and

are thus forced to look for alternatives.

A promising approach set to be implemented in Germany is the transformation of electricity into

hydrogen or methane. With this method, every time there is overproduction of electricity, it can easily

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be converted into one of the gases and stored until demand comes back. In line with the overall approach

of the concept, every household will be able to convert energy back and forth itself.

While this energy revolution may have been invented in government office buildings and

universities, for the vision to turn into reality, public support and active participation is imperative. And

indeed, Germany’s pending energy revolution is a large scale public-private partnership project, involving

many economic national champions, the civil society and political actors, from Berlin to every small

village on German soil. Many hurdles still have to be overcome, and not everything moves as smoothly as

the visionaries hope. For one, the Upper House of Germany are dominated by the opposition, compelling

Ms Merkel’s government into long rounds of political horse-trading. Further, the Chancellor was recently

forced to summon many of the involved utilities- and engineering companies, to tackle the problem of

insufficient coordination between them. Then, there are the local communities. Many of them complain

that their demands were not considered/incorporated in the process. Some communities blocked power

line constructions projects on their lands, in turn making whole routs impossible. Pointing out these

challenges, some doubt that this great experiment will ever succeed. Even many supporters admit that

there is a real risk involved in the whole undertaking. The world is watching Germany.

Thomas Knirsch

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1 Economista, Ex-Presidente do Unibanco e Vice-Presidente do Conselho Curador do CEBRI.

Brasil:

reforma trabalhista e competitividade internacional

Tomas Tomislav Antonin Zinner1

O Brasil tem apresentado na última década resultados expressivos, tanto na frente econômica

como na social. Esses bons resultados têm sido reconhecidos internamente, como pode ser verificado pela

popularidade dos últimos presidentes; como internacionalmente, comprovado pelo expressivo fluxo de

investimentos externos e pela presença destacada nos principais foros internacionais de decisão.

Aplausos recorrentes têm sido obtidos pela maneira responsável do manejo macroeconômico, pelo

esforço distributivo, pelo eficiente e moderno agronegócio, pela boa gestão da crise entre 2008 e 2011 e pelo

crescimento do PIB. Mais recentemente, essa percepção começa a mudar, na medida em que o modelo de

crescimento, voltado para o incentivo ao consumo doméstico, começa a perder dinamismo em 2011, e tudo

indica que essa tendência continuará em 2012.

Nesse novo cenário, após o exuberante crescimento de 2010, ficam mais transparentes os conhecidos

problemas, como a baixa taxa de investimento interno, a dependência crescente do investimento externo, a

estagnação da participação brasileira no comércio internacional e a dificuldade de expandir a participação

brasileira no PIB global, que continua em 2,9%, tal como em 2002.

Brasil:reforma trabalhista e competitividade internacional

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Como causa, fica cada vez mais evidente o efeito da baixa produtividade dos fatores de produção,

o baixo nível de inovação e a insuficiente qualificação da força de trabalho na capacidade brasileira de

competir.

São vários os fatores que impactam essa realidade, sendo os mais discutidos a carga tributária

(36% / PIB), a infraestrutura inadequada, a burocracia desestimulante, a educação precária e, talvez o fator

mais visível e presente em todos os setores da economia, as paternalistas leis trabalhistas que encarecem o

custo da mão de obra sem necessariamente beneficiar os assalariados.

O governo brasileiro tem demonstrado preocupação com o baixo crescimento pós-2010 e com a

perda de competitividade, principalmente da indústria de transformação. Providências e planos frontais

se têm sucedido, principalmente através de estímulos fiscais temporários, buscando alavancar o consumo,

com aumento de crédito bancário e afrouxamento da política monetária. O efeito foi o grande crescimento

do PIB em 2010, muito conveniente para um ano eleitoral. Inevitavelmente, essa expansão teve reflexos

na mudança no patamar da inflação e na valorização do real. O novo governo de Dilma Rousseff teve de

enfrentar o problema inflacionário gerado com um conjunto de medidas monetárias e fiscais que não só

permitiu controlar a inflação, como reduziu gradualmente os juros. O efeito colateral foi um crescimento do

PIB de 2,7% em 2011 e uma perspectiva para 2012 também baixa, o que levou o governo a estruturar um

pacote de estímulos nas áreas da folha de pagamentos das empresas, redução de IPI e novas e importantes

injeções de recursos no BNDES. Enfim, novo conjunto de medidas pontuais que está longe de resolver os

problemas estruturais da baixa competitividade brasileira.

Cada vez mais fica evidente que esses problemas terão de ser enfrentados por uma ampla reforma

trabalhista e tributária.

Como as reformas estruturais vêm sendo adiadas há muitos anos, à medida que inevitavelmente

ferem interesses econômicos, políticos e sociais, o governo atual terá de demonstrar uma vontade política

forte para aprová-las. Esse governo, que surpreendeu com medidas de contenção, com a determinação da

busca da redução de juros e com forte preocupação com a sobrevalorização cambial, deveria aproveitar

Tomas Tomislav Antonin Zinner

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esse momento de grande popularidade para apresentar seus projetos e aprová-los no Congresso, onde tem

ampla maioria.

Como seria impensável tratar de todas as reformas estruturais de uma única vez, talvez fosse

preferível escolher uma única e concentrar esforços na escolhida, aproveitando para discutir e aprovar no

Congresso, no período entre as próximas eleições municipais e presidenciais. A reforma trabalhista parece

ser a que tem maior probabilidade de ser aprovada nesse período, além de ter impacto muito rápido na

competitividade internacional, já que, por exemplo, o alívio dos encargos sobre a folha, que variam de setor

a setor e podem chegar a 100%, pode ter um efeito quase imediato sobre o custo das empresas, com efeitos

positivos sobre a competitividade de toda a economia.

O momento de reforma trabalhista é muito apropriado, porque os salários passaram por um período

de ganhos reais consideráveis, seja na forma do ajuste do salário mínimo, seja nas negociações salariais que

concederam aumentos generosos aos empregados em um cenário de baixo desemprego. Surpreendentemente,

em 2011, apesar de a produção ter estagnado, as empresas protegeram sua mão de obra com aumentos reais

de 3%, apesar de não terem tido qualquer aumento na produtividade. Esse movimento defensivo não

poderá continuar, na medida em que o PIB permanecer com as baixas taxas atuais de crescimento.

A oportunidade também parece propícia, visto que importantes economias no mundo passam por

ajustes nas suas relações trabalhistas.

A China, maior potência industrial, que atualmente representa cerca de 20% da produção industrial

do mundo, conseguiu essa posição de liderança baseada, em grande medida, em sua mão de obra abundante

e barata. Porém, essa era de custo baixo de mão de obra está chegando ao fim. Os salários na China

aumentaram cerca de 20% nos últimos quatro anos e já aumentaram 10% em 2012. Outros países com mão

de obra barata, como Vietnam, ou os que fizeram os ajustes necessários para se tornarem mais competitivos,

como o México, estão tentando capitalizar esse novo cenário a seu favor. Seria, portanto, um bom momento

para o Brasil efetuar sua reforma trabalhista, alavancando-se nesse novo quadro competitivo.

Brasil:reforma trabalhista e competitividade internacional

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O México, por sua vez, após uma década de baixo crescimento, passou pela pior recessão entre os

países da América Latina, com seu PIB encolhendo 6,9% em 2009, consequência, principalmente, da forte

ligação comercial com os Estados Unidos, fortemente impactados pela crise. Atualmente em recuperação,

aproveitando-se de seus acordos comerciais bilaterais e regionais, tem um volume de comércio maior do

que o do Brasil e da Argentina juntos. Além disso, o México é considerado o 35º país mais amigável para

negócios. Registra uma empresa em nove dias e as horas trabalhadas estão entre as maiores da América

Latina. As exportações mexicanas representam hoje 1/3 do PIB, graças a essas vantagens competitivas as

que tornam o México um ator importante, como pode ser verificado pelo crescimento do saldo comercial

com o Brasil e pela nossa forte reação, de limitar a importação brasileira de automóveis. A própria China,

que atraiu as maquiladoras estabelecidas no México, beneficiando-se de seus baixos salários, está perdendo

essa vantagem competitiva, na medida em que os custos de mão de obra aumentam continuamente,

enquanto os salários no México que eram três vezes maiores que os da China no início da década de 2000,

são atualmente, apenas 20% maiores. Os efeitos cambiais, seja da valorização do Yuan e da desvalorização

do peso, são parte dessas diferenças, mas o sucesso econômico atual do México se deve, em grande parte,

às vantagens comparativas geradas pela sua mão de obra relativamente barata.

Esses dois exemplos de evolução dos salários e os efeitos sobre a competitividade dos dois países nos

ensinam a considerar que uma reforma trabalhista no Brasil terá também um efeito extraordinário sobre a

competitividade de todos os setores que se relacionam com o exterior e suas respectivas cadeias produtivas.

Além disso, na medida em que os encargos da mão de obra possam diminuir, há razões para se crer em um

substancial aumento da geração de empregos formais, com impactos positivos na tão falada inclusão social.

Finalmente, essa reforma, se bem conduzida, ajudaria a prescindir das tentações protecionistas,

populistas e patrimonialistas que historicamente se verificam nos países da região quando entram em

dificuldades.

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Publicações CEBRI

O CEBRI Artigos é uma publicação trimestral para a discussão de temas da conjuntura internacional. Cada volume é elaborado por um especialista no tema abordado.O CEBRI Dossiê é uma publicação semestral para a reflexão de temas relevantes das relações internacionais como um todo e, em particular, da política externa brasileira. Cada volume é elaborado por um especialista a convite do CEBRI.O CEBRI Tese é uma publicação semestral, cujo objetivo é dar maior visibilidade às teses de doutorado que abordam assuntos internacionais sob novas perspectivas. Cada volume traz uma introdução, a transição da apresentação da tese e do debate subseqüente.

Instruções aos autores

Para ser submetido, o artigo deve conter de 15 a 30 páginas e ser redigido em fonte Times New Roman, tamanho 12, espaçamento 1,5, bem como dispor de resumo/abstract, introdução, conclusão e referências bibliográficas.Os colaboradores devem encaminhar seu trabalho para a sede do CEBRI, localizada à Rua da Candelária, nº 9, Grupo 201, CEP 20091-020, Centro, Rio de Janeiro e pelo e-mail: [email protected] Equipe CEBRI é responsável por selecionar as colaborações a serem publicadas. O conteúdo dos artigos reflete exclusivamente a opinião dos autores. O uso desse material para fins didáticos é permitido desde que citada a fonte.

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