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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA COMARCA DE POMERODE O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por seu Promotor de Justiça ao final assinado, com fundamento nos arts. 127 e 129, III, da Constituição da República, bem como no art. 82, I, do Código de Defesa do Consumidor, no art. 5º da Lei nº 7.347/85 e no art. 3º e 14, §1º, da Lei nº 6.938/81, propõe AÇÃO CIVIL PÚBLICA, em defesa do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em face de: FRIGORÍFICO RAHN LTDA., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 80.693.112/0001-04, IE nº 251.569.411, domiciliada na rua Dr. Wunderwald, 2085, bairro Ribeirão Wunderwald, em Pomerode. 1

050.05 - Granja de suínos - Frigo Frios - borrachudo - ambiental

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA COMARCA DE POMERODE

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA

CATARINA, por seu Promotor de Justiça ao final assinado, com

fundamento nos arts. 127 e 129, III, da Constituição da República,

bem como no art. 82, I, do Código de Defesa do Consumidor, no art.

5º da Lei nº 7.347/85 e no art. 3º e 14, §1º, da Lei nº 6.938/81,

propõe AÇÃO CIVIL PÚBLICA, em defesa do direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, em face de:

FRIGORÍFICO RAHN LTDA., pessoa jurídica de direito

privado, inscrita no CNPJ sob o nº 80.693.112/0001-04, IE

nº 251.569.411, domiciliada na rua Dr. Wunderwald, 2085, bairro

Ribeirão Wunderwald, em Pomerode.

1. Objeto da ação

Esta ação civil pública tem por objetivo obter provimento

jurisdicional que determine à requerida a adoção de providências

para pôr fim à degradação ambiental que vem promovendo com a

operação de uma granja de suínos em área de preservação

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permanente, mais precisamente nas proximidades da nascente do

ribeirão Wunderwald, em Pomerode.

Tem por objetivo também obter provimento que

determine a adoção de medidas para o isolamento de um tanque de

decantação de dejetos suínos e bovinos na fábrica de frios, evitando

assim a contaminação do lençol freático e a proliferação de doenças

e de insetos.

Por fim, objetiva esta ação a recomposição da área lesada

e a indenização do dano ambiental até o momento causado,

mediante compensação financeira destinada ao Fundo de

Recuperação de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina.

2. Fatos

2.1. Curral de suínos – poluição no ribeirão Wunderwald

No dia 17 de novembro de 2005 compareceu à

Promotoria de Justiça da Comarca de Pomerode cidadão relatando

com indignação a ocorrência de agressão ambiental gerada pelo

funcionamento de um curral de porcos de propriedade do Frigorífico

Rahn Ltda., o que era demonstrado pelas fotografias que trouxe (fls.

5-10 do PAP).

Após constatar-se que o dano ambiental vinha sendo

causado por empresa cujos sócios já haviam se comprometido no

Juizado Especial Criminal da Comarca a adotar medidas para

adequação das instalações, e que, embora houvessem

transacionado, ainda não haviam adotado as providências

determinadas, decidiu-se por realizar vistoria no local.

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Assim, no dia seguinte, dia 18 de novembro de 2005, este

Promotor de Justiça requisitou o auxílio do Serviço Especial do Meio

Ambiente – SEMA – do Município de Pomerode para a realização de

vistoria conjunta, diligência que se efetivou durante a manhã.

Conforme demonstra o relatório elaborado pelo SEMA em

decorrência da vistoria (fls. 61-71 do PAP), o curral de suínos de

propriedade da requerida trata-se de “atividade de suinocultura de

ciclo completo”, ou seja, onde os porcos são criados desde seu

nascimento até o momento do abate, que é realizado em outro local.

Tal curral, ainda conforme o relatório, está situado no

“perímetro urbano do Município de Pomerode”, e no local “existe

uma lagoa, formada em função do represamento das águas de um

ribeirão, demonstrando que quase todo o empreendimento está

localizado em área de preservação permanente, ora por conta da

lagoa que circunda as construções, ora por conta do ribeirão, que

margeia a propriedade”.

A bem da verdade, como se pode observar pela planta do

local (fl. 95 do PAP), a requerida instalou o curral em cima do

ribeirão Wunderwald. Com a contenção das águas do ribeirão,

construiu uma lagoa, e às margens da lagoa, edificou as baias

(estábulos), onde ficam confinados os porcos. O ribeirão nasce pouco

acima do local e, depois de transitar pela lagoa, passa por um

sistema de tubulação, e segue normalmente seu rumo até encontrar

com o rio do Testo, o principal rio de Pomerode. As primeira

fotografia abaixo indica o local onde deságua a lagoa e a segunda o

sistema de tubulação (note-se a quantidade de fezes que se

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deposita no sistema).

Ainda conforme vistoria no local, as baias – todas

construídas às margens da lagoa – têm o piso rebaixado na parte

que mais se aproxima da lagoa, fazendo com que a água do ribeirão

Wunderwald entre livremente na parte mais baixa de cada uma

delas. As fotografias abaixo demonstram bem a situação.

Nesta parte rebaixada, os porcos se banham, lançam

suas fezes e urina, e dessa mesma água bebem, numa situação

nauseante se considerado que posteriormente estes mesmos

animais servirão como alimento humano.

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Os dejetos que não ficam na parte rebaixada são

posteriormente empurrados para ela pelo empregado que trabalha

no local, conforme suas declarações na Delegacia de Polícia no dia

da vistoria (fl. 22). Desse modo, todos os dejetos são lançados

diretamente na lagoa e posteriormente seguem ribeirão abaixo.

Com a grande quantidade de porcos (sessenta

aproximadamente), a lagoa formada pelo represamento do ribeirão

Wunderwald não tem vida alguma. As fezes dos porcos chegam a se

movimentar na própria lagoa, acumulando-se nas laterais e no ponto

em que a água do ribeirão tem vazão para seu leito normal. Na

vistoria percebeu-se – e as fotografias abaixo comprovam – que a

matéria orgânica lançada em desacordo com o razoável é tamanha

que o aspecto da água é completamente deteriorado: é de cor verde

escura, com inúmeros pedaços de fezes suínas em suspensão.

O dano ambiental decorrente da prática da empresa

requerida é assombroso. Em primeiro lugar há que se observar que a

construção desvia o leito natural de um ribeirão na cidade de

Pomerode. Como se não bastasse, a construção destruiu toda a área

de preservação permanente naquele ponto. O despejo de dejetos

suínos diretamente no curso d´água, como comprova o laudo

técnico do Samae de Pomerode, aumenta em dez vezes o número

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de coliformes fecais por amostra de 100 ml de água bruta, passando

de 3.000/ 100ml para 30.000/100ml. Essa quantidade de coliformes

fecais se mantém constante até o encontro do ribeirão Wunderwald

com o Rio do Testo, a alguns quilômetros dali, que permanece em

30.000/100ml.

2.2. Fábrica de frios – tanque de decantação de dejetos suínos e bovinos

Como a empresa requerida mantém afastada de sua

unidade fabril o curral de porcos – distam aproximadamente

quinhentos metros uma da outra – com o início das investigações

suspeitou-se que algum dano ambiental pudesse estar ocorrendo

também na fábrica, onde é feita a industrialização dos suínos e

bovinos.

Assim, determinou-se à Polícia Ambiental que realizasse

vistoria no local, conferindo minuciosamente o cumprimento das

condições impostas na Licença Ambiental concedida pela Fatma em

10 de dezembro de 2004.

Constatou-se que, embora tenha a empresa requerida

cumprido todas as exigências da Fatma, “as três lagoas de

decantação, que recebem o material poluente líquido, não estão

providas de nenhum tipo de isolamento, sendo que todo o efluente

fica em contato direto com o solo existindo uma grande

probabilidade de contaminação do solo e do lençol freático”,

conforme aponta o Policial Ambiental Ebas Jacinto (fl. 96).

E, do mesmo modo que em relação ao curral de porcos,

na fábrica constatou a Polícia Ambiental que, quando essas lagoas

de decantação excedem seus próprios limites físicos, o líquido

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composto por água, restos de animais, sangue e outros dejetos que

nelas é depositado é lançado “em um pequeno corpo hídrico, classe

‘um’, que acaba por desaguar no ribeirão Wunderwald” (fl. 103).

Assim, em síntese: a) a requerida destruiu área de

preservação permanente com a construção de curral de porcos; b) a

requerida despeja diretamente e sem nenhum tratamento no

ribeirão Wunderwald dejetos suínos provenientes de seu curral de

porcos; c) o lançamento da matéria no ribeirão decuplica o valor de

coliformes fecais em suas águas.

Diante desses fatos, entende o Ministério Público do

Estado de Santa Catarina fazer-se necessária a propositura da

presente ação civil pública para a consecução dos objetivos

descritos no início, notadamente a paralisação imediata da atividade

poluidora, a adequação do tanque de decantação de dejetos da

fábrica de frios, a indenização do dano causado ao meio ambiente e

a recomposição da área degradada.

3. Direito

A água, este bem escasso de que depende a

humanidade, vem sofrendo constantes degradações desde o

processo de industrialização por que passou o mundo nos últimos

séculos. Afora o desperdício e a contaminação por agrotóxicos,

apontam os estudos mais modernos a indústria como o principal

agressor ambiental em se tratando de recursos hídricos.

Por isso é que não param os filósofos e os demais

estudiosos do mundo de ressaltar a necessidade de premente

mudança de práticas e de hábitos humanos em relação ao seu

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próprio ambiente. Leonardo Boff, um dos expoentes do pensamento

filosófico brasileiro, cunhou o termo Dignitas Terrae para designar o

que entende seja o desafio do homem dos tempos globalizados:

alcançar a ética fundada na natureza, em que “o desenvolvimento

do ser humano não se faça contra a natureza, mas em sinergia com

ela; e que se mantenha de forma dinâmica e coesa a integridade

sagrada de todo o criado [de todo o universo]”1.

3.1. Código Florestal

Pautado por este princípio filosófico, nas últimas décadas

o direito brasileiro avançou na proteção ambiental. Em primeiro

lugar pode-se ressaltar a instituição do Código Florestal,

instituído pela Lei nº 4.771/65, que protege os recursos hídricos

de forma reflexa, ao proteger a vegetação situada ao longo de rios,

nascentes, lagos, lagoas e demais cursos d´água.

Para o Código Florestal, salvo em raras exceções, é

proibida a supressão de vegetação ao longo das margens dos

rios. No entanto, como constatado na instrução do Procedimento

Administrativo Preliminar nº 14/2005, instaurado na Promotoria de

Justiça de Pomerode, a empresa requerida, ao construir a granja de

suínos em cima do leito do ribeirão Wunderwald, desobedeceu à

proibição constante do Código Florestal, pois a construção

desrespeita o limite de trinta metros estipulado “para os cursos d

´água de menos de 10 (dez) metros de largura” (art. 2º, “a”, 1, da

Lei nº 4.771/65).

1 BOFF, Leonardo. Ethos Mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Rio de Janeiro : Sextante, 2003. p. 59.

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Além disso, nem sequer detinha a requerida autorização

para sua atividade, o que de todo modo seria incabível, pois, ainda

segundo o Código Florestal, “a supressão de vegetação em área de

preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de

utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados

e motivados em procedimento administrativo próprio, quando

inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento

proposto” (art. 4º da Lei nº 4.771/65).

Não há dúvidas, portanto, de que a requerida descumpriu

frontalmente o Código Florestal ao instalar no leito de um curso d

´água sua granja de suinocultura.

3.2. Código de Pesca

De igual modo, busca a proteção ambiental o Código de

Pesca (Decreto-Lei nº 221/67), que em seu art. 37 proíbe o

lançamento de efluentes de indústrias que tornarem poluídas as

águas.

Também aqui, em franca desobediência à proibição legal,

a empresa requerida lança diariamente no leito do ribeirão

Wunderwald fezes, urina e restos de ração de aproximadamente

sessenta porcos2, porque o curral onde estão alojados, como se viu,

está em permanente contato com a lagoa formada pelo

represamento das águas do corpo hídrico.

A criação de peixes nas proximidades do local, ao

contrário do que se poderia pensar, não é favorecida pelo

2 Segundo a Apremavi, um porco polui o equivalente a oito pessoas (fl. XXX), podendo-se concluir que a granja da empresa requerida apresenta potencial poluidor equivalente a 480 pessoas.

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lançamento dos dejetos; ao contrário, dada a imensa quantidade de

matéria orgânica, a proliferação de microorganismos que dela se

alimentam torna insuficiente o oxigênio disponível na água e leva à

mortandade de espécies menos resistentes, desequilibrando

totalmente o ecossistema.

Daí a incidência da proibição do art. 37 do Decreto-Lei nº

221/67: “Os efluentes das redes de esgotos e os resíduos líquidos ou

sólidos das indústrias somente poderão ser lançados às águas,

quando não as tornarem poluídas”. E, na conformidade com o §1º do

art. 37, “considera-se poluição qualquer alteração das

propriedades físicas, químicas ou biológicas das águas, que

possa constituir prejuízo, direta ou indiretamente, à fauna e

à flora aquática”.

De igual modo, portanto, conclui-se que a atividade da

requerida desafia a legalidade ao confrontar, não só com o Código

Florestal, como também com o Código de Pesca.

3.3. Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos

Mais recentemente, já sob a vigência da Constituição da

República de 1988, a Lei nº 9.433/97 instituiu a Política Nacional de

Recursos Hídricos. Para tanto, “baseia-se nos seguintes

fundamentos: I – a água é bem de domínio público; II – a água é um

recurso natural limitado, dotado de valor econômico; [...]” (art. 1º). E,

por outro lado, entre outros, tem a Lei nº 9.433/97 os seguintes

objetivos: “assegurar à atual e às futuras gerações a necessária

disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos

respectivos usos” (art. 2º).

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Uma das formas de alcançar os objetivos e pautar a

conduta da população por seus fundamentos, é a instituição do

regime de “outorga” do direito de uso de recursos hídricos, previsto

no art. 11 e seguintes da Lei nº 9.433/97.

Assim, “estão sujeitos a outorga pelo Poder Público os

direitos dos seguintes usos de recursos hídricos: I – derivação ou

captação de parcela da água existente em um corpo de água

para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo em

processo produtivo; [...] III – lançamento em corpo de água de

esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não,

com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final”.

Tal lei tipifica ainda infrações administrativas às normas

de utilização dos recursos hídricos e, em especial para o caso dos

autos, comina sanção à conduta de “utilizar recursos hídricos para

qualquer finalidade, sem a respectiva outorga do direito de uso”

(art. 49, I).

No caso dos autos, como já é evidente a essa altura da

argumentação, a requerida além de não dispor de licença ambiental

de operação, não dispõe de outorga do direito de exploração

do recurso hídrico em seu processo produtivo ou tampouco

para que lhe fosse facultado o lançamento de resíduos com o

fim de sua disposição final.

Novamente aqui, portanto, desafia a ordem jurídica,

causando severo dano ambiental em sua conduta antijurídica. No

plano federal, a título de exemplificação, estaria sujeita a multas que

variam de R$ 1.000,00 a R$ 50.000.000,00 pela causação de

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“poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou

possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem

mortandade de animais ou a destruição significativa da flora” (art.

41 do Decreto Federal nº 3.179/99).

3.4. Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – Lei nº 6.938/81

Logo se vê, portanto, que a legislação ambiental

brasileira, com vigor, coíbe a ocorrência de danos aos recursos

hídricos sob vários aspectos, como forma de atender àquela diretriz

mundial de proteção ao meio ambiente.

No caso dos autos, despontam agressões à natureza de

altíssima gravidade, em que a atividade da empresa requerida

diretamente prejudica a saúde e o bem-estar da população, por criar

condições adversas às atividades sociais e afetar desfavoravelmente

a biota. Além disso, a poluição hídrica comprovada nos autos afeta

as condições sanitárias do meio ambiente e lança matéria em

desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

Há, portanto, poluição, pois o fato descrito se amolda

perfeitamente ao conceito do art. 3º, III, da Lei nº 6.938/91: “Para os

fins previstos nesta Lei, considera-se poluição a “degradação da

qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou

indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar

da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e

econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as

condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem

matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais

estabelecidos” (art. 9º, III).

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Todos esses efeitos nocivos da atividade da requerida

foram comprovados no Procedimento Administrativo Preliminar nº

14/2005, notadamente pela análise da água realizada pelo Serviço

Autônomo Municipal de Águas e Esgotos – Samae.

Mediante requisição do Ministério Público, o técnico em

saneamento Gilf Stortz coletou três amostras de água do ribeirão

Wunderwald. A primeira delas foi colhida aproximadamente 200m a

montante do curral de porcos. A segunda foi coletada

aproximadamente 300m a jusante do curral. A última das amostras

é do local em que o ribeirão Wunderwald se encontra com o Rio do

Testo, já a grande distância a jusante do estabelecimento da

requerida.

Na primeira amostra índices como a turbidez, cor e

quantidade de coliformes fecais estão dentro dos padrões

encontrados no município. A cor encontra-se em 15 PtCO, a turbidez

em 6,57 NTU e coliformes fecais em 3.000 NMP/100ml.

Na segunda amostra, no entanto, após ultrapassarem as

águas o sistema de criação de porcos da requerida, a cor passa de

15 PtCO para 55 PtCO, diminuindo para 45 PtCO somente no

encontro com o Rio do Testo. Há um aumento de três vezes na

coloração da água.

A turbidez, por outro lado, passa de 6,57 NTU na

primeira amostra para 13,9 NTU na segunda amostra, voltando,

por força de um sistema natural de areação ao longo do ribeirão,

para 9,21 NTU no encontro com as águas do Rio do Testo. A turbidez

é duplicada ao passarem as águas pelo sistema da requerida.

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Por último, o dado mais preocupante. O nível de

coliformes fecais antes do curral de porcos está em 3.000

NMP/100ml. Logo em seguida, trezentos metros a jusante, passa

para 30.000 NMP/100ml e assim permanece em 30.000

NMP/100ml até encontrar o principal rio de Pomerode, mesmo

passando por sistema natural de areação, formado por pedras e

pequenas cachoeiras.

Dito de outro modo: a atividade da requerida

decuplica a incidência de coliformes de origem fecal nas

águas do ribeirão Wunderwald.

Vale notar que a Apremavi – Associação de Preservação

do Meio Ambiente do Alto Vale do Itajaí –, entidade reconhecida

nacionalmente na proteção ambiental3, considera “alta” a

contaminação por coliformes fecais até o limite de 2.600/100ml,

como demonstra seu texto colhido da internet que faz parte do PAP.

E, por sua vez, a Resolução nº 274/2000, do Conselho Nacional do

Meio Ambiente, considera impróprias até mesmo para

balneabilidade (contato primário) águas com índice de coliformes

fecais superior a 2.500/100ml4.

Em outras palavras, a contaminação gerada pela

requerida é doze vezes o valor que o Conama considera

impróprio para balneabilidade.

3 Página da Apremavi na Internet: www.apremavi.org.br4 Art. 2º, §4º, da Resolução 274/2000 do Conama: “As águas serão consideradas impróprias quando no trecho avaliado, for verificada uma das seguintes ocorrências: a) não atendimento aos critérios estabelecidos para as águas próprias; b) valor obtido na última amostragem for superior a 2500 coliformes fecais (termotolerantes) ou 2000 Escherichia coli ou 400 enterococos por 100 mililitros ” (fl. 146 do PAP).

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Esse dado, além da preocupante poluição que por si só já

demonstra, explica a absurda incidência de mosquitos na região de

Pomerode e, por força da proliferação de danos ambientais como o

dos autos, em todo o Vale do Itajaí.

É que o alto nível de coliformes fecais na água doce, além

de potencializar a ocorrência de doenças intestinais, causa a

proliferação dos mosquitos borrachudo5, e do maruim ou mosquito-

pólvora6, conforme relata o texto do Projeto de Recuperação,

Conservação e Manejo dos Recursos Naturais em Microbacias

Hidrográficas, em anexo.

Em síntese, para os estudiosos do tema, “além de

provocar várias doenças intestinais na população rural e

aumentar os custos do tratamento da água para consumo humano,

a poluição gerou mais um grave desequilíbrio ambiental e um sério

problema de saúde pública: a proliferação do mosquito

conhecido como ‘borrachudo’. Os restos de sangue e dejetos de

suínos lançados diretamente nos córregos não só serviam de

alimento às larvas do inseto, como também diminuíam a presença

do oxigênio na água e causavam a morte dos peixes, que

originalmente se alimentavam dessas larvas. O incômodo das

5 Assim define o mosquito borrachudo o dicionário Aurélio: “Designação comum aos insetos dípteros da família dos simulídeos. Nematóceros, de pequeno porte (até 6 mm de comprimento); os olhos são contíguos no macho, sem ocelos; a nervura costal ou costa não contorna a asa; o primeiro artículo tarsal é mais longo que os seguintes; as larvas e pupas são aquáticas, preferindo cachoeiras e corredeiras. Só as fêmeas são hematófagas e diurnas. Transmitem a oncocercose ao homem”. 6 O maruim é assim definido pelo Aurélio: “Designação vulgar dos insetos dípteros da família dos ceratopogonídeos. São nematóceros, de pequeno porte, com 1 a 2 mm de comprimento, antenas com 14 artículos nos dois sexos. As larvas e ninfas vivem na água doce ou salgada; só as fêmeas são hematófagas. Transmitem a filariose ao homem e aos animais domésticos por meio de picadas dolorosas. [Var.: meruí, meruim, maringuim, marigüi, miruim, muruim; sin.: mosquito-do-mangue, mosquito-palha, mosquito-pólvora, catuqui ou catuquim, bembé.]”

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picadas dos insetos diminuía o ritmo de trabalho dos

agricultores, a qualidade do ensino nas escolas rurais e até a

produtividade dos animais”7.

Além da inconveniente picada, cujo incômodo perdura por

dias, os mosquitos são vetores de dois tipos de vermes, o

Onchocerca volvulus e o Mansonella ozzardi. O primeiro deles pode

provocar a oncocercose, doença causada pela presença de grandes

tumores subcutâneos e que, em determinadas circunstâncias, pode

causar a cegueira, sendo por este motivo conhecida como “cegueira

dos rios”.

O dano ambiental é tamanho que, dependendo da

estação do ano e de outros fatores climáticos, ocorre em Pomerode

verdadeira infestação de mosquitos, o que vem realmente

deteriorando a qualidade de vida na cidade.

Prova disso é a notícia veiculada no Jornal de Pomerode

de 19 de maio de 2005: “A grande infestação de maruins está

atingindo o município de forma geral. As crianças nas escolas sofrem

com as picadas que após intensa coceira se transformam em feridas

doloridas. As empresas também estão reclamando, pois os

funcionários precisam constantemente parar a função para se

proteger” (fl. 133 do PAP).

Não bastassem essas duas decorrências, o dano

ambiental gerado por práticas como a da empresa requerida

também causa, segundo registros da Embrapa e da Apremavi,

7 COSTA, Antônio José Faria da. Projeto de Recuperação, Conservação e Manejo dos Recursos Naturais em Microbacias Hidrográficas. In Novas experiências de gestão pública e cidadania. Rio de Janeiro : Editora FGV, 2000, p. 6-7, grifou-se.

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danos ao turismo da região, que acaba se afastando com a alta

incidência dos mosquitos. Demonstram esse fato os documentos de

fls. 124 e 128.

Evidentemente, o grave dano ambiental causado pela

contaminação do ribeirão Wunderwald, em Pomerode, não é a única

causa de todos os efeitos narrados até agora. O que se pretende

demonstrar é que a prática da empresa requerida é uma das

importantes causas do grave dano ambiental, porque: a) altera de

forma adversa as características do meio ambiente; b) prejudica a

saúde e o bem estar da população; c) cria condições adversas às

atividades sociais e econômicas; d) afeta desfavoravelmente a biota;

e) lança matéria no meio ambiente em desacordo com os padrões

ambientais estabelecidos.

E, como se verá adiante, o “poluidor é obrigado,

independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar

os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua

atividade”.

3.5. Código de Posturas de Pomerode – Lei Complementar nº 31/96

Não bastasse toda a agressão à legislação ambiental

federal, a conduta da requerida infringe o Código de Posturas de

Pomerode, a Lei Complementar nº 31/96.

É que, como se observa no relatório do Serviço Especial

de Meio Ambiente de Pomerode, o curral de porcos da requerida

encontra-se no perímetro urbano, mais precisamente na rua

Alberto Rahn, no bairro Wunderwald.

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No entanto, conforme estipula o art. 46 da LC 31/96, “não

será permitida, na área urbana, a criação de animais que por sua

espécie ou quantidade possam ser causa de insalubridade ou de

interferência à vizinhança”.

E, por outro lado, a Lei Complementar nº 28/96 classifica

a rua Alberto Rahn, onde está localizado o curral de porcos, como

Zona Residencial 1 e Zona Residencial 2, zonas em que a Lei

considera inadequadas indústrias que tenham qualquer interferência

ambiental (fl. 142).

Assim, não há dúvidas também de que a atividade da

empresa requerida, além de agredir o Código Florestal, o

Código de Pesca, a Lei de Recursos Hídricos e a Lei da

Política Nacional de Meio Ambiente, atenta também contra a

legislação municipal: pratica suinocultura em área urbana

que não admite indústrias causadoras de qualquer

interferência ambiental.

4. Cessação dos danos presentes e impedimento dos futuros

4.1. Paralisação liminar das atividades de suinocultura

Constatada a ocorrência de infração à legislação federal e

municipal, bem como do dano ambiental daí decorrente, além do

nexo de causalidade entre a conduta da empresa e o dano, cumpre

ao Ministério Público requerer provimento jurisdicional que

determine de imediato a paralisação das atividades nocivas ao meio

ambiente, ou seja, obrigação de não fazer, como forma de acautelar

o meio ambiente das conseqüências da poluição causada.

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Nessa situação, incide o art. 461 do Código de Processo

Civil, que determina que “na ação que tenha por objeto o

cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a

tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido,

determinará providências que assegurem o resultado prático

equivalente ao do adimplemento”.

E, segundo o §3º do art. 461, “sendo relevante o

fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia

do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente

ou mediante justificação prévia, citado o réu”. Complementa a regra

o §4º, autorizando o juiz a “impor multa diária ao réu,

independentemente de pedido do autor, se for suficiente e

compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para

cumprimento do preceito”.

Por fim, autoriza o §5º: “Para efetivação da tutela

específica ou a obtenção de resultado prático equivalente, poderá o

juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas

necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso,

busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de

obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com

requisição de força policial”.

O fundamento da demanda, como se vê, é relevante,

porque pautado pela infringência em uma série de dispositivos

legais em vigor. Não bastasse isso, o dano ambiental está

cabalmente comprovado documentalmente nos autos, como se

ressaltou no arrazoado até o momento.

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E, acaso não antecipadas medidas para evitar a

continuação das atividades, fatalmente o provimento final será

ineficaz, pois já se terá consumado ao longo dos anos o dano

ambiental e, como ele, a total impunidade da empresa. Vale notar

que a cada dia que passa o dano ocorre novamente, sendo

imposição dos princípios de direito ambiental (princípio da

precaução) a imediata adoção de providências que impeçam a

continuidade.

De fato, o cuidado recomenda que atividade de tamanho

potencial poluidor cesse imediatamente, sob pena de eventual

acumulação de toxinas nas águas do ribeirão Wunderwald causar

dano ecológico de maior monta, em face da delicadeza do sistema

biológico municipal. Vale lembrar que, em se tratando de meio

ambiente, não há como prever todas as conseqüências de ato

poluente continuado.

Para tanto, entende o Ministério Público do Estado de

Santa Catarina suficiente, por ora, a determinação de retirada de

todos os animais do curral de porcos da rua Alberto Rahn e a

interdição do local, com a cominação de multa diária para

caso de descumprimento no valor de R$ 500,00.

4.2. Tanque de decantação da fábrica - isolamento

Como se relatou no início, a requerida mantém na rua

Alberto Rahn um curral de porcos que são posteriormente mortos e

industrializados na fábrica situada na rua Dr. Wunderwald, 2085, em

Pomerode.

20

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Nesta fábrica, constatou a Polícia Ambiental haver três

tanques de decantação de dejetos suínos e bovinos sem qualquer

sistema de proteção contra contaminação do lençol freático, o que

pode causar a proliferação de doenças e de insetos.

É também medida necessária, portanto, a realização por

parte da requerida de estudo técnico completo e execução de

projeto de isolamento dos tanques, como forma de proteção do meio

ambiente, sob pena de multa diária.

Reconheça-se aqui que embora o relatório da Polícia

Ambiental aponte a poluição apenas como provável, uma vez que

não realizou testes laboratoriais para detecção da contaminação do

lençol freático e do córrego pela fábrica, há que incidir no caso dos

autos o princípio da prevenção, determinando a adoção de medidas

antes da ocorrência de dano ambiental.

É que, como ensina Édis Milaré, a partir dos estudos de

Ramón Martin Mateo, o direito ambiental tem sua atenção “voltada

para o momento anterior ao da consumação do dano – o do mero

risco. Ou seja, diante da pouca valia da simples reparação, sempre

incerta e, quando possível, excessivamente onerosa, a prevenção é

a melhor, quando não a única, solução. De fato, ‘não podem a

humanidade e o próprio Direito contentar-se em reparar e reprimir o

dano ambiental. A degradação ambiental, como regra, é irreparável.

Como reparar o desaparecimento de uma espécie? Como trazer de

volta uma floresta de séculos que sucumbiu sob a violência de corte

21

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raso? Como purificar um lençol freático contaminado por

agrotóxicos?’”8.

Aqui, como se vê pela aplicação do princípio da

prevenção, também o fundamento é relevante e, pelos mesmos

motivos, há justificado receio de ineficácia do provimento final (art.

461, §3º), sendo imprescindível a imposição de multa diária ao réu

(art. 461, §4º), fixando-lhe o prazo de três meses para início das

obras.

Em caso de descumprimento, verifica-se desde já a

possibilidade de “impedimento da atividade nociva”, na

conformidade com o §5º do art. 461 do Código de Processo.

5. Reparação do dano ambiental e indenização dos danos até o momento

causados

5.1. Plano de recuperação da área degradada - PRAD

Evidentemente, a simples paralisação das atividades

equivalerá apenas ao início da reparação do dano causado à área de

preservação permanente. Para que o meio ambiente volte a sua

natural conformação, isto é para que volte à sua integridade, é

necessário também que se determine o desfazimento da

obra (demolição) e a completa execução de PRAD – plano de

recuperação da área degradada.

A reparação encontra abrigo no disposto no §3º do art.

225 da Constituição da República e no §1º do art. 14 da Lei nº

6.938/81. A primeira norma determina que “as condutas e atividades

8 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 4ª ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2005. p. 166.

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consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,

pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,

independentemente da obrigação de reparar os danos

causados”. A segunda norma é ainda mais explícita: “Sem obstar a

aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor

obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar

ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros

afetados por sua atividade”.

Para Édis Milaré, de fato a recuperação natural do

ambiente degradado é a modalidade mais adequada de reparação

do dano, “e a primeira que deve ser tentada, mesmo que mais

onerosa”. E justifica sua posição afirmando, com Paulo Affonso Leme

Machado, que “não basta indenizar, mas fazer cessar a causa do

mal, pois um carrinho de dinheiro não substitui o sono recuperador,

a saúde dos brônquios ou a boa formação do feto”9.

Para tanto, requer desde já o Ministério Público do Estado

de Santa Catarina que se determine à requerida que contrate

técnico ambiental para elaborar PRAD contendo gradual

retorno do ribeirão Wunderwald a seu curso normal,

revitalização da mata ciliar na área degradada e extinção da

lagoa artificial construída, cominando multa para o caso de

não executar o PRAD no prazo máximo de um ano.

5.2. Indenização pelos danos extrapatrimoniais

Como é óbvio, os danos passados, causados por tantos

anos de poluição de um dos principais cursos d´água de Pomerode,

9 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 4ª ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2005. p. 741.

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não pode ser reparado diretamente. É preciso, pois, indenização em

dinheiro, decorrência natural da adoção pelo direito brasileiro do

princípio poluidor-pagador.

Na precisa explicação de Cristiane Derani, “durante o

processo produtivo, além do produto a ser comercializado, são

produzidas ‘externalidades negativas’. São chamadas externalidade

porque, embora resultantes da produção, são recebidas pela

coletividade, ao contrário do lucro, que é percebido pelo produtor

privado. Daí a expressão ‘privatização de lucros e socialização de

perdas’, quando identificadas as externalidades negativas. Com a

aplicação do princípio do poluidor-pagador, procura-se

corrigir este custo adicionado à sociedade, impondo-se sua

internalização. Por isto, este princípio é também conhecido

como o princípio da responsabilidade”10.

Em outras palavras, o poluidor é responsável pela

indenização do custo social de sua atividade poluente, devendo por

ela ser responsabilizado.

Bem por isso – vale lembrar novamente – o §1º do art. 14

da Lei nº 6.938/81 determina que “é o poluidor obrigado,

independentemente da existência de culpa, a indenizar ou

reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros

afetados por sua atividade”.

É necessária, assim, a imposição de condenação por

danos extrapatrimoniais, porque, embora não seja perceptível lesão

patrimonial aos habitantes de Pomerode, a lesão extrapatrimonial é

10 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 4ª ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2005. p. 164.

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evidente. Além da indignação causada pela ocorrência de dano

ambiental escancarado por anos a fio, agravada pela sensação de

impunidade decorrente do fato de ser o proprietário da empresa

vereador em Pomerode, está provado que a degradação ambiental

causada afetou inúmeras pessoas de forma difusa.

Quanto à reparação do dano extrapatrimonial, em sede

constitucional se colhe ser “assegurado o direito de resposta,

proporcional ao agravo, além da indenização por dano material,

moral ou à imagem”, texto que a doutrina ensina não se resumir às

condutas lesivas à honra (calúnia, injúria ou difamação), mas que se

estende a toda sorte de ilegalidades.

Limongi França, por exemplo, ensina que o dano moral é

“aquele que, direta ou indiretamente, a pessoa física ou jurídica,

bem assim a coletividade, sofre no aspecto não econômico de seus

bens jurídicos”11.

Convém lembrar, por outro lado, que nada há no

ordenamento jurídico que vede a concessão de indenização por

danos extrapatrimoniais difusos, porque é intuitivo que se várias

pessoas são individualmente lesadas em pequenas parcelas o

conjunto de lesões é mais grave que a mera soma delas.

Exemplo clássico disso é o dado em sede de direito

coletivo de consumo: a diminuição de um grama em cada saco de

arroz não gera grande lesão ao consumidor, mas causa dano

coletivo de grande monta, passível inclusive de prisão, por

11 MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada. 5ª. ed. São Paulo : Atlas, 2005. p. 209.

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configurar crime contra as relações de consumo (art. 7º, II, da Lei nº

8.137/90).

Cabe bem aqui a transcrição da conhecida lição do

professor André de Carvalho Ramos sobre o dano extrapatrimonial:

“Devemos considerar que tratamento aos chamados interesses

difusos e coletivos origina-se justamente da importância destes

interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal

importância somente reforça a necessidade de aceitação do dano

moral coletivo, já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano

moral individual acaba cedendo lugar, no caso de dano moral

coletivo, a um sentimento de desapreço e de perda de valores

essenciais que afetam negativamente toda uma coletividade.

Imagine-se o dano moral gerado pela propaganda enganosa ou

abusiva. O consumidor potencial sente-se lesionado e vê aumentar

seu sentimento de desconfiança na proteção legal do consumidor,

bem como seu sentimento de cidadania”12.

O valor da indenização a ser pleiteada, também por esses

motivos, deve levar em conta o desvalor da conduta, a extensão do

dano e o poder aquisitivo da requerida, e não somente o dano difuso

ocorrido.

Não se pode conceber que numa sociedade democrática,

onde se espera e se luta pelo aperfeiçoamento dos mecanismos que

venham garantir o pleno exercício dos atributos da cidadania,

inclusive com a efetiva implementação da legislação ambiental,

onde estão esculpidas garantias básicas como o respeito à vida, ao

12 Revista de Direito do Consumidor nº 25. Editora Revista dos Tribunais, p. 82.

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bem-estar e à dignidade, tenham lugar condutas como a da

requerida.

Por isso a jurisprudência tem reconhecido a possibilidade

de condenação do responsável por danos extrapatrimoniais

coletivos:

DANO MORAL COLETIVO - POSSIBILIDADE - Uma vez

configurado que a ré violou direito transindividual de ordem

coletiva, infringindo normas de ordem pública que regem a

saúde, segurança, higiene e meio ambiente do trabalho e do

trabalhador, é devida a indenização por dano moral coletivo,

pois tal atitude da ré abala o sentimento de dignidade, falta de

apreço e consideração, tendo reflexos na coletividade e

causando grandes prejuízos à sociedade13.

Assim, presente o dano extrapatrimonial, consistente no

incômodo, na perturbação do bem estar, na descrença nas

autoridades, e presente o nexo de causalidade entre o dano e a

conduta da requerida, nasce o dever de repará-lo, cabendo

indenização pelos danos causados, motivo pelo qual entende-se ser

devida indenização.

Tal indenização, como é natural em sede de direitos

difusos, deverá reverter ao fundo de reconstituição de bens lesados

(art. 13 da Lei nº 7.347/85). Em Santa Catarina, o Fundo para

Reconstituição dos Bens Lesados foi criado pelo Decreto nº 1.047, de

10 de dezembro de 1987.

6. Pedidos

Ante o exposto, requer o Ministério Público:

13 TRT 8ª R. - RO 5309/2002 - 1ª T. - Rel. Juiz Luis José de Jesus Ribeiro - j. 17.12.2002.

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a) o recebimento e processamento da presente ação civil

pública;

b) a concessão de liminar, inaudita altera pars, para

determinar que requerida, sob pena de multa diária de R$ 500,00:

b1) cesse em dez dias as atividades da granja situada na rua Alberto

Rahn, retirando no mesmo prazo todos os animais do local; b2)

apresente em juízo no prazo de três meses projeto de isolamento

dos tanques de decantação da fábrica situada na rua Dr.

Wunderwald, 2085; b3) em trinta dias apresente em juízo e à Fatma

Projeto de Recuperação das Áreas Degradadas – PRAD, subscrito por

profissional habilitado e contendo cronograma de execução das

obras;

c) a citação da requerida para, querendo, apresentar a

defesa que entender pertinente;

d) a produção de todos os meios de prova admitidos,

notadamente a prova pericial, documental e testemunhal, se for

necessário;

e) a condenação da requerida a cessar definitivamente as

atividades de suinocultura na granja de suínos situada na rua Alberto

Rahn, em Pomerode;

f) a condenação da requerida a isolar os tanques de

decantação da fábrica situada na rua Dr. Wunderwald, 2085, em

Pomerode;

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

g) a condenação da requerida a recuperar a área

degradada, conforme projeto aprovado pela Fatma, no prazo

estipulado no projeto;

h) a condenação da requerida ao pagamento de

indenização por danos extrapatrimoniais decorrentes de sua

atividade poluidora, em valor a ser arbitrado na sentença, não

inferior a R$ 20.000,00, em favor do Fundo de Recuperação de Bens

Lesados do Estado de Santa Catarina;

i) a condenação da requerida em custas, despesas

processuais e honorários advocatícios (estes conforme art. 4º do

Decreto Estadual nº 2.666/04, em favor do Fundo de Recuperação

de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina).

Dá-se à causa o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil

reais).

Pomerode, 14 de dezembro de 2005

Eduardo Sens dos SantosPromotor de Justiça Substituto

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