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Teatro

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  • Limite. ISSN: 1888-4067 n 8, 2014, pp. 93-126

    O caso do teatro inexistente, ou do teatro como imagem de ns

    Jos Alberto Ferreira Universidade de vora

    [email protected] Data de receo do artigo: 25-05-2014

    Data de aceitao do artigo: 15-06-2014

    Resumo Quando analisamos o significativo conjunto de textos que sobre o teatro portugus se escreveram, entre o sculo xix e xx, de Almeida Garrett a Ea de Queiroz e Ramalho Ortigo, Fialho de Almeida ou Ral Brando, por exemplo, deparamos com uma situao paradoxal. Por um lado, como se sabe, o sculo xix o sculo da afirmao do teatro enquanto veculo identitrio privilegiado das naes, na esteira das teorias estticas de Schiller, largamente difundida no contexto doutrinrio do romantismo. Ao mesmo tempo que verificamos a estabilizao da vida teatral e o aumento tendencial das casas de espectculos em Lisboa e por todo o pas, assitimos formao de um imagema em torno do qual se cristalizam ideias sobre a histria e os protagonistas do nosso teatro. Com este ensaio, procuro reunir dados para (re)pensar o problema.

    Palavras-chave: histria do teatro portugus, imagema, Garrett, teatro nacional

    Abstract When we analyse the important body of work of texts written on Portuguese theatre of the 19th and 20th centuries, from Almeida Garrett to Ea de Queirs and Ramalho Ortigo, Fialho de Almeida or Ral Brando among others, we find ourselves in a paradoxical situation. On one hand, as is well known, the 19th century witnessed the affirmation of theatre as the privileged vehicule of national identity, in line with Schillers aesthetic theories, which were widely promoted in the context of romantic doctrine. At the same time as we observe the continued establishment of theatre life and the increase in the number of venues in Lisbon and throughout the country, we witness the formation of an imageme around which ideas on the history and

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    the protagonists of our theatre cristalize. In this essay, we will gather facts to (re)think this problem.

    Keywords: history of Portuguese theatre imagem Garrett national theatre.

    O Portugus no gosta de ver sofrer e desagradam-lhe os fins demasiado trgicos. Da talvez a pobreza do gnero dramtica da nossa literatura e as solues felizes que Gil Vicente soube dar a casos de traio conjugal, que em Lope de Vega ou Caldern acabam em vingana sangrenta. Jorge Dias, Os elementos fundamentais da cultura portuguesa Assim se foi desenhando o perfil do estranho teatro de segunda mo, sempre em atraso de uma pea, que foi o da nossa sociedade romntica [] Eduardo Loureno, O labirinto da saudade

    A imagem mobile

    Emergindo do campo dos estudos comparatistas, a imagologia afirma-se como um campo dos estudos literrios e culturais com o objectivo de analisar as imagens identitrias das naes ou de grupos tnicos, imagens cuja manifestao se verifica sob a forma de esteretipos, clichs, ou mitos, configurando imagotipos ou formaes de imagens tendentes a uma imagologia. nesse sentido que encontramos em Eduardo Loureno, logo em 1978, seminalmente lanadas as bases de uma imagologia portuguesa com O labirinto da saudade (1978: 12).

    A metodologia desenvolvida em anos recentes (cf. Beller & Leerssen (eds.), 2007; Simes, 2011, para uma sntese), assim como as propostas terminolgicas elaboradas nesse contexto constituem-se num quadro de referncia estruturante da abordagem imagolgica, especializando conceitos e metodologias. J. Leerssen define neste contexto disciplinar imagem como The mental or discursive representation or reputation of a person, group, ethnicity or nation (Leerssen, 2007: 342). Formadas dentro ou fora das comunidades que

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    representam, distinguem-se auto-imagens e hetero-imagens1, muitas vezes formadas com funes negociais na interaco com o outro. Formadas, pois, em processos dinmicos, as imagens (que se no confundem com qualquer forma de realidade visual) convivem frequentemente com contra-imagens, convocando sentidos contraditrios, contrastes e variaes que o tempo se vai encarregando de esquecer, matizar ou valorizar. Procurando dar conta dessa dinmica complexidade, a imagologia formulou o conceito de imagema to describe an image in all its implicit, compounded polarities (2007: 343).

    Um pas de poetas, sem cabea para o drama

    Afirmar que Portugal um pas de poetas , talvez, o mais recorrente esteretipo em circulao sobre o carcter colectivo desta nao de oito sculos. Encontramo-lo presente em discursos quotidianos, expressando um razovel sentido comum do lirismo luso, no ensasmo literrio e cultural, quer no plano nacional quer internacional, configurando uma base ampla e razoavelmente consensual sobre este trao da identidade dos portugueses. Em bom rigor, esta quer uma auto-imagem, quer uma hetero-imagem, no sentido em que a imagologia define estes conceitos, j que se difunde como imagem que de ns (portugueses) temos, e nos devolvida como imagem que outros tm de ns.

    Esta imagem do pas de poetas, que a longa tradio lrica confirm(ari)a com a copiosa produo lrica realizando o ethos nacional, expressa, porm, o que poderamos tomar como uma reconhecvel poltica de gneros de matriz distributiva. Efectivamente, a caracterizao persistente de Portugal como pas de poetas contrasta com a igualmente persistente afirmao da inexistncia de qualidades para a criao dramtica e, em consequncia, a afirmao da inexistncia de um teatro portugus, salvaguardando a excepo exemplar daqueles que so frequentemente apontados como os seus nomes maiores: Gil Vicente, Antnio Jos da Silva, Almeida Garrett!

    Neste breve ensaio, procuro analisar, sub specie imagolgica, os termos desta polaridade. Ela surge, na sua ambivalncia, numa circunstncia histrica precisa: a que se produz na transio do Antigo

    1 Segundo Leerssen, [] the [first] referring to a characteriological reputation current within and shared by a group, the latter to the opinion that others have about a groups purported character (2007: 342-343). Cf. ainda Simes, 2011: 37s.

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    Regime para a cultura burguesa, com o autor de Um auto de Gil Vicente a operar carismaticamente a renovao do teatro portugus, esboando materiais para uma sua histria, escrevendo dramas e teorizando o teatro, instituindo o Conservatrio, a censura e a legislao que, conjuntamente, deveriam fazer renascer o teatro nacional. Emanando de Garrett, o imagema da debilidade dramtica dos autores portugueses torna-se rapidamente um trao identitrio do ethos nacional, depois retomado em mltiplos escritos sobre identidade e cultura (e. g. A. J. Saraiva, Crabe Rocha, Jorge Dias, Vtor Santos). As histrias do teatro portugus no fizeram, desde Garrett, seno repeti-lo e s comeam expressamente a question-lo quando a renovao da historiografia teatral convoca novos paradigmas e evidencia as polaridades metodolgicas e ideolgicas dessas formaes discursivas. Se o projecto de Garrett, como disse Eduardo Loureno, visava fundamentalmente a teatralizao de Portugal como povo que s j tem ser imaginrio (1978: 83), nisso que ser um sculo sem ptria (entre as invases, as revolues e o ultimatum), o discurso do autor do Frei Lus de Sousa sobre Gil Vicente, primeiro corrigindo (no Parnaso, na juvenil Histria filosfica do teatro portugus, nO toucador) e depois celebrando a sua herana (como em Um auto de Gil Vicente) lana ao mesmo tempo os fundamentos de um projecto nacional de teatro e o seu imagema mais dramtico.

    Portugus de lei

    Partindo das teses de Habermas, John Guillory e Erich Auerbach (entre outros) sobre a transio do Ancien Rgime para a modernidade burguesa, a afirmao de um novo capital cultural e a consequente formao do cnone literrio moderno, Lindeza Diogo e Osvaldo Silvestre, em Rumo ao portugus legtimo (1996), evidenciam o papel central de Almeida Garrett nesse processo histrico de amplas consequncias, apontando os modos de inscrio da obra garrettiana no processo (e projecto) de aburguesamento vinculado emergncia de uma lngua de feio verncula afeitada pelos novos modelos de uso, sensibilidade e estilo burgus, uma convivialidade liberta da etiqueta do salo aristocrtico, onde a msica e o teatro se destacam, e uma literatura que se afirma como manifestao pblica da intimidade (sintetiso a traos largos do estudo citado). Os autores vem em Garrett

    o esforo literrio mais consequente de renovao relativamente apressada daquela classe dos sales rumo a um mais geral pblico

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    burgus. Nessa perspectiva evolutiva, obra e biografia [garrettianas] so um continuum histrico como entre ns nenhum outro (1996: 89).

    Nesse quadro, a poltica de lngua que conduz Garrett rumo ao portugus legtimo, isto , ao reproduzir, no corpo da lngua, [d]o consenso lingustico (e logo poltico e cultural) burgus (1996: 100), verte-se na escrita sem propriamente cuidar de distines genolgicas ou de registro. Situa-nos, por assim dizer, entre a conversao galante dO toucador e as digresses pela esfera pblica das Viagens, inscrevendo no acto mesmo da escrita a sua doutrina e nela forjando a sua legibilidade, isto , a sua tradio2.

    Mas no apenas. Com efeito, a lngua literria tambm, assinala Lindeza Diogo (1999: 83-85), a da histria literria, materializada em bosquejos, selectas, histrias propriamente ditas (propriamente filosficas, em bom rigor), ou at intervenes na imprensa (de que a conversada escrita galante dO toucador um exemplo). Ora, neste quadro que Garrett desenvolve como entelquia a histria literria, nela valorizando a lngua cultivada e a geral compostura genolgica vertida em sociolecto, em lngua nacional, o que permitir quer definir a nao como uma lngua de Cames quer, de forma programtica, inscrever nela (e por ela) o prestgio da Origem que d substrato arqueolgico ao espao pblico que emerge das Letras e se torna propriamente literrio (e as Viagens to exemplarmente exploram) (Diogo, 1999: 84-90). Dito de outro modo: dotada de lngua literria comum e legtima, a nao burguesa encontra na literatura e na sua histria a evidncia da nacionalidade. Assim, por exemplo no Parnaso portugus (de 1826), Garrett faz a histria da literatura portuguesa partindo dos trovadores, ponto de origem da lngua ptria. Tomando como exemplar o reinado de D. Manuel, vai Garrett corrigindo sem hesitar (Lindeza Diogo diz aportuguesando) a expresso de Gil Vicente (cuja soltura de frase e falta de gosto condena) (1999: 85). que a lngua, que se quer nacional e expresso do espao pblico burgus, encontra nos clssicos da selecta que o Parnaso uma formulao da literatura nacional como histria da literatura e esta como demonstrao da existncia de uma nacionalidade homognea (Diogo, 1999: 86-87).

    2 Diogo & Silvestre apontam que as Viagens pressupem uma tradio literria inexistente, cuja ausncia se re-inventa no prprio romance, no passado que no teve (1996: 120).

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    A cena imagolgica, ou da histria do teatro como imagema

    No se tome este longo excurso em torno de Garrett como uma demonstrao deslocada daquelas largas divagaes a que o autor das Viagens deu factura exemplar. Ele afigura-se-me necessrio aqui por trs ordens de razes. Desde logo, porque posiciona Garrett no contexto das grandes transformaes polticas e sociais de que protagonista privilegiado. Depois, porque evidencia o papel que a lngua e a literatura tm na formulao do projecto burgus da nova ordem poltica, inventando-lhe modelos e genealogias. Alm disto, porque integra bosquejos, selectas e histrias num quadro programtico (uma teleologia) servido pelo primado da arqueologia e descrio da origem, pela poltica da lngua e pela correco dos modelos. a partir destes elementos que procuro equacionar as relaes entre as modalidades da histria em Garrett e a particular configurao imagolgica que d histria do teatro.

    Como em outra ocasio procurei mostrar (Ferreira, 2013: 19s), a historiografia do teatro portugus anterior a Garrett, entre os sculos XVI e XVIII, colocava numa clara base consensual autores como Gil Vicente, Antnio Ribeiro Chiado, Sebastio Pires, Antnio Prestes, Simo Machado, Jorge Ferreira de Vasconcelos, S de Miranda, Cames. Todos os autores (estes e outros) eram tomados como conjuntamente representativos do teatro portugus com que, em verso ou em prosa, dignificavam as letras portuguesas. A memria do sistema literrio encontra-se assim expressa, por exemplo, no Hospital das letras, de Francisco Manuel de Melo. Nesse lugar de memria das Letras, autores formigueyros, como lhes chamou Prestes, andam a par com Gil Vicente, autores de influncia clssica como Miranda ombreiam com o nomeadssimo Chiado ou com Prestes, separados pela morfologia das obras, mas integrados todos no hospital para cura[] de ignorantes (Melo, 1657: 42). Mesmo quando as prticas editorias no confirmavam o modelo, por ausentes; mesmo quando essa ausncia de edies fazia esquecer autores ou perder textos, a recorrncia dos seus termos confirma a sua vigncia ao longo dos sculos XVI, XVII e XVIII. Quando Francisco Lus Ameno, na Advertncia do Colector do Teatro cmico portugus, acolhe a lgica hospitalar, no para contestar o corpus teatral nacional, mas para lhe acrescentar a excelncia das comdias em prosa de Antnio

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    Jos da Silva3. At esse momento, no h efectiva oposio entre Vicente e os autores formigueyros que passaram a ser designados, posteriormente, como autores da escola vicentina. E dizer isto tambm dizer que este era um modelo em que o teatro portugus existia (talvez possa dizer-se, at, para cura de ignorantes).

    Para encher o vazio

    Retomemos Garrett e as virtualidads emancipatrias, isto , burguesas, da histria da literatura. Uma histria que se queria exemplar na lngua, sociolectal na representatividade distributiva dos gneros literrios, e exemplarmente colectiva. Assim a encontramos em textos como o Bosquejo da histria da poesia e lngua portuguesa, a Histria filosfica do teatro portugus ou nas pginas dO toucador. Mas tambm em prlogos e anteparas, prefcios e memrias, como o Prefcio da primeira edio do Cato, onde o jovem autor, reconhecendo as dificuldades de uma composio dramtica (1822a: 1609), sintetisa a histria da literatura dramtica ocidental passando em revista gregos e romanos, modernos e romnticos. De passagem, coloca lado a lado a Sofonisba de Trissino e a Castro de Ferreira na tragdia, Joo de la Encina, Gil Vicente, Prestes e Ariosto na comdia (1822a: 1610). Apesar deste soberbo panorama das primcias da moderna cena, logo depois traa uma inquieta leitura do teatro portugus seu contemporneo:

    Em Portugal, se passarmos os antigos [isto , ao menos, Ferreira, Prestes e Gil Vicente], no sei contar seno J. B. Gomes4; pois dos outros todos creio que afoitamente se poder dizer que no valem o trabalho de cont-los. Ser isto defeito e falha nossa? No teremos ns la tte dramatique, como os franceses lpique? No sei responder, mas nem por isso deixo, ou deixei desde que me entendo, de forcejar por encher, quanto em mim fosse, o vazio do nosso teatro (p. 1611).

    3 As referncias da Advertncia encontram-se a pp. 9-10 do vol. I das Obras Completas de Antnio Jos da Silva. Lisboa, S da Costa, 195758. Prefcio e notas de J. Pereira Tavares. de sublinhar a sintonia de critrios e de escolhas paradimticas entre o autor do Fidalgo Aprendiz e o Colector do teatro d O Judeu. Sobre F. L. Ameno como autor da Advertncia, e do seu significado, cf. Barata, 1985: 199202. 4 Joo Baptista Gomes Jnior, autor da Nova Castro, que Garrett elogia amplamente no Bosquejo, chamando-lhe o nosso melhor trgico, de quem esperava reforma e abastana [] o teatro portugus (509).

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    este vazio do nosso teatro que h-de fazer correr tinta, desde logo a tinta do forcejar garrettiano, cuja produo dramtica se constituir numa das referncias fundacionais do teatro nacional. Porm, no traado desse brao da histria literria que a histria do teatro aqui era, destaca-se a aproximao ao teatro vicentino, feita em termos que configuram uma aprendizagem da exemplaridade que em textos mais tardios (como a introduo a Um auto de Gil Vicente) para ele reclama, se a no constri com a ideia mesma de teatro nacional.

    o que pode ver-se na Histria filosfica do teatro portugus, texto cujas caractersticas externas e internas ainda no foram totalmente esclarecidas, existe no esplio de Garrett em duas verses manuscritas, de extenso diversa mas claramente dependentes entre si (cfr. Barata (ed.), 1997). Pea maior daquele intento de histria literria que se assinalou acima, a Histria filosfica do teatro portugus ostenta semelhanas de famlia com o Ensaio sobre a histria da pintura (de 1818-21) ou com o Bosquejo da histria da poesia e lngua portuguesa (cuja redaco o autor situa em 1816), com os quais partilha quer instrumentos analticos (como o conceito de poca como estruturante do discurso histrico), quer os intentos que prefcios e advertncias incipitais para si reclamam. Se no Bosquejo se procura, atravs da historicizao, prestar servio literatura nacional (p. 483), o intento do autor na Histria filosfica do teatro portugus o de

    distinguir o mais possvel as diferentes pocas do nosso Teatro, e apresentar assim, como em sinopse, a histria Dramtica Portuguesa, alumiando, quanto em mim for, com o foco da sisuda crtica este ramo da nossa literria histria, que desventurosamente se acha, bem como os outros, mergulhado nas trevas. Oxal que os meus apoucados trabalhos despertem os estudiosos nimos da minha Nao, a quem consagro todas as minhas viglias! Oxal que o desejo de emendar os meus erros faa em mais abalizados espritos nascer a vontade de lhes substituir mais dignos esmeros! Eu me darei sempre por bem pago [] (p. 113a).

    Pelas fundas linhas deste programa perpassam as ideias vindas da Europa iluminista, com ecos claros do Schiller de O teatro considerado como uma instituio moral (cf. Barata (ed.), 1980: 93s). Sero elas a determinar em boa parte o projecto de fundao de um teatro nacional, travejado nuclearmente nas virtudes ticas e sociais do teatro face ao tecido humano da nao, em sintonia com as gerais regras da convivialidade burguesa. Ressuscitar o teatro de uma nao

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    pressupe, primordialmente, a bondade da instituio teatral, o que implica fortemente uma dimenso poltica neste projecto. Mesmo quando mostra, muito em contraste, o prolongamento e a perturbao a que se sujeita o seu iderio neoclssico, como assinalou j Oflia P. Monteiro (1971, I: 309, cfr. todo o cap. V). Bafejada pelo aburguesamento das luzes com que procura despertar a Nao, a ideia de teatro apresentada pauta-se pelos ensinamentos constantemente aflorados de Aristteles, Boileau, Horcio a potica ocidental, em suma: possa por eles a Nao ser alumiada, que o distinguir e apresentar em sinopse da histria dramtica portuguesa far tambm a sua parte.

    Como se ver, as variaes de valor com que Garrett aborda o lugar fundador de Gil Vicente no teatro portugus entre a monstruosidade dos textos juvenis e a exaltao do gnio no Auto de Gil Vicente resultam menos de uma perspectiva evolutiva (Garrett em vrios prefcios e notas editoriais sinaliza a juventude com que foram escritos) do que na evidncia da constncia arqueolgica, da narrativa de origem: o teatro portugus tem um passado e encontra nele uma sua condio de existncia presente. essa condio histrica, ou melhor, historiogrfica, que permite a sua condio nacional. Se h um vazio, ele pode e sobretudo deve ser preenchido. essa a funo da historiografia, essa a misso do teatro no seio da convivialidade burguesa. Ser essa a misso assumida por Garrett.

    Entre auto e comdia, a vida toda dum homem

    Trata-se, de qualquer modo, do fazer da histria sub specie exemplar. assim que a poca primeira (p. 114), de D. Joo II a D. Manuel, se apresenta como a infncia das letras portuguesas, tempos amaldioados pelo bom gosto onde no cabem as Dramticas composies: quem se abalanaria a elas (p. 114)? O momento muito sensivelmente o de uma infncia desprevenida das letras portuguesas, voltada para o culto, ainda que mal, e a medo (p. 114), da trova em oposio ao drama. E mais afirma:

    Fama porm que nestas pocas aparecem j uns vislumbres teatrais, que apesar de monstruosos, eram o melhor do tempo. // Chamavam-lhes Autos. [] As aces destes abortos Teatrais eram quasi sempre sagradas (p. 114b).

    Sublinhem-se os termos em que Garrett ope a Fama histria, modalizando pela dvida algum tanto a lio da tradio que encontra

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    nos autos vislumbres teatrais originrios. Estes so, na pena do jovem ensasta, apenas abortos de incipiente monstruosidade, defeito originrio que o leva a dizer que alguns desses autos, de temtica religiosa e hagiogrfica, enxovalham as nossas cenas (p. 114), exemplares de uma insulsa devoo que em teatro se torna abuso ridculo e insuportvel (p. 116). Armado das poticas e da educao neo-clssica, o historiador desvaloriza assim qualquer filo nacional.

    Ao longo da Histria filosfica do teatro portugus, a Castro, de Antnio Ferreira, que melhor celebra as virtudes do teatro e do trgico como expresso da nao. Garrett coloca a tragdia de Ferreira em lugar de inequvoca centralidade no sistema esttico que a Histria filosfica do teatro portugus desenha, e que de resto se prolonga no Bosquejo (1820: 492). O culto da comdia i. , o seu valor aparece, assim, em contraste com a nobreza e seriedade do coturno, contraste que depois sustenta o discurso crtico do jovem Garrett. Com efeito, ele sintetiza nos seguintes termos o teatro portugus feito de autos e comdias:

    Destes autos, e Comdias, podemos dar uma ideia geral. Que eram uma aco, as mais das vezes monstruosa, j em versos dos que os nossos antigos chamam de redondilha menor, j em prosa; e o que mais admira que num tempo, em que tudo era herico, tudo faanhas, cavalerias andantes, castelos sitiados, jornadas militares Terra Santa, gigantes vencidos, e prostrados, s as composies dramticas no participassem deste esprito, e mania geral, e fossem simples, e insulsamente cmicas. O auto era muitas vezes a vida toda dum homem; numa hora, ou duas se passavam anos, e se executavam infinidade de aces, ou feitos, como a palavra Auto (acta) o mostra (pp. 116-117a).

    O claro recorte da ideia geral bem pode ler-se como estratgica negociao do quadro esttico em que se inscreve o drama nacional. Prosa e verso no so j elementos distintivos, como em Francisco Manuel de Melo e Ameno se encontrava. Pelo contrrio, edifica-se o cnone policiando os gneros. de resto sintomtica e paradoxal esta reductio vida toda dum homem do auto, gnero cuja excelncia ter honras de destaque identitrio na obra garrettiana. Mais do que evidenciar o esgotamento do modelo que ope a prosa ao verso, a recuperao do valor histrico e esttico, nas suas virtualidades representativas do ser nacional que importa aqui reter, pois dela resultam consequncias fundas.

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    Veja-se como, neste contexto, so incautas as referncias a Gil Vicente (e a seu pai?), evidncia do estado da questo no quadro dos saberes deste incio do sculo XIX (e lembro a importncia que ter a edio de Hamburgo de 1834) e, mais importante, do lugar que Gil Vicente ocupa no sistema da histria da literatura dramtica. O passo estabelece primazias nestes moldes:

    Pelos fins porm deste Sculo [XV] j em Portugal aparecem as Comdias de Gil Vicente e as de seu Pai [?], onde comea a descobrir-se a aurora da boa Comdia. Muito gabam as teatrais composies do filho, que infelizmente por sua raridade nunca pude ver, mas fiado na autoridade de judiciosos fillogos creio que so mui boas em relao ao seu tempo, e que Ferreira, Cames, e S Miranda [sic], no foram portanto os que primeiros [sic] correram o pano s melhoradas Cenas Portuguesas (p. 116b).

    Gil Vicente aqui desconhecido autor de comdias, mas aurora da boa [comdia], gabado mesmo quando em regime rigorosa e duplamente diferido. Primeiro por mo de judiciosa filologia; depois por reduo e normalizao genolgica, que o que ser autor de (boas) comdias garante: a qualidade diferida do gnero, fundamental quando antes se assinalara a fraqueza (tcnica, formal, esttica) do auto. A promessa de analisar o Auto del-rei Seleuco, de Cames (p. 117), infelizmente no concretizada, faria prova, segundo o autor, da qualidade pouco durvel do auto a vida toda dum homem , ao mesmo tempo que sustenta a oposio de gneros, com vantagem para a comdia.

    Assinalo ainda que resulta destas linhas outra consequncia de monta. Gil Vicente dado aqui, inevitavelmente, como primeiro em relao a autores como Ferreira, Cames ou Miranda. Ainda quando o confronto no fosse esse (e s o por via do apreo da comdia), o que Garrett aqui faz dar a primazia das melhoradas cenas portuguesas a Gil Vicente, numa aproximao originria ao que vir a ser a formulao da tese da paternidade do teatro nacional.

    Note-se, num quadro assim, uma outra forma de pensar o que se vai desenhando como cnone. Na verdade, a oposio da comdia aos autos verte-se iniludivelmente sobre a produo no-vicentina, quer dizer, necessariamente ps-vicentina. Dito de outra forma: da posio projectada de Gil Vicente como autor de comdias resulta um confronto: com o resto dos autos. E a caracterizao genolgica negativa prefigura, com clareza, o que a escola histrica romntica

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    designou por drama popular hiertico (Tefilo Braga), prolongando-se depois para a escola vicentina (cf. Ferreira, 2013, sobre a fortuna crtica do conceito).

    Ou seja, em verdade, se pode pensar-se o lugar de Gil Vicente na Histria filosfica do teatro portugus, ele seguramente no coincide com o do auto mas com o da comdia, deslocao que reveste significado preciso na poltica de gneros que venho assinalando. Nessa posio de primazia, mesmo submetido a uma apreciao dubitativa e inquisitiva, o dramaturgo quinhentista parece concitar o re-conhecimento filolgico em primeira instncia, como Diogo & Silvestre j mostraram necessrio s boas prticas que a exemplaridade da histria e o bem da Nao procuram.

    Um teatro amvel: entre uma bela sentimental e uma moa esbelta

    O quadro no sofre significativas alteraes quando se verte no resgisto da prosa amvel de O toucador, peridico sem poltica, projecto garrettiano de recorte doutrinrio liberal e mundano numa retrica ilustrada e galante, parte inteira de uma vida conversvel (Garrett, 1822; Diogo & Silvestre, 1996: 92-94). Entre as tantas pginas dedicadas edificao das regras de convivncia, introduz Garrett uma seco dedicada ao teatro (1822: 77-91), de todos os divertimentos pblicos, o mais prefervel e de facto mais preferido (p. 77). A clara orientao para um pblico feminino exibe uma sociologia do gosto como manifesto de um teatro amvel que comporta ainda os desgnios da ilustrao e da bondade das naes, que se oferece [a]o estadista, [a]o prncipe, [a]o magistrado, [a]o guerreiro, [a]o pai de famlias, acedendo aos sentimentos elevados para alvio por algumas horas do peso da vida (p. 78).

    no entanto ao belo-sexo que cabe, agora, instruir sobre o teatro, desiderato situado entre a tentao de uma histria do teatro (pp. 79s), uma sinopse vicentina (pp. 84s), o repdio pela rudeza de Shakespeare (pp. 89s) e, por fim, a glorificao da actualidade da cena assim trazida ao belo-sexo. A histria s se far em brevssimo esboo (p. 78), porque na histria no deve desaparecer o presente. Assinalo tambm as motivaes mundanas desse presente que ainda o tempo do espectculo vivido em lugar pblico. Ou melhor, como Passeio Pblico: a que o belo-sexo se apresenta como teatro de atraco, entre os enfeites da moda e o divertimento. Por isso pode o autor pedir s damas da capital (1822: 103) que dem o exemplo

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    frequentando aquela miniatura que o passeio pblico lisboeta. talvez por estas mundanidades sem poltica de que se faz o peridico que, na pena do autor, a Tragdia pode comparar-se a uma bela sentimental (p. 79), e a comdia a uma

    moa esbelta e desenvolta com seu desgarre brilhante, travessos risos e apetitosas maneiras, [ convidando a] alegres sentimentos, e, misturando o til com o agradvel, ataca os vcios e os defeitos sem lhe descobrir o lado horroroso, nem patentear o asco deles, mas destruindo-os efectivamente com as poderosas armas do ridculo (1822: 80).

    Esta como que metamorfose da comdia (e da sua tratadstica) em moa esbelta diz bem do ajuste do paradigma do belo ao pblico ledor, ao mesmo tempo que parece evocar o bem conhecido quadro de Joshua Reynolds onde se figura David Garrick entre as musas da tragdia e da comdia, Tlia e Melpmene, figuradas em moas campestres5. Regressemos histria, onde na verdade, quando aborda os primeiros ensaios dramticos a ilustrar o renascimento das letras (p. 83), Garrett fala de

    peas rudes e indigestas [que] representavam alguns dos mistrios da nossa Religio ou pretendiam dar lies de moral numa alegoria, em que se personalizavam os vcios e virtudes (p. 83).

    Esta cena do vcio e da virtude em rigor, o vcio e a virtude so uma variante das duas musas do teatro exemplifica-se, naturalmente diria, com a Mofina Mendes, de Gil Vicente. A justificao faz-se em termos que aqui interessam, para que se faa uma ideia:

    Para que se faa alguma ideia do que isto era, daremos neste artigo o esboo de uma das peas do nosso Gil Vicente, composta neste gosto e que vem no seu livro intitulado Obras de devoo. // Faremos, outrossim, conhecer desta maneira mais de perto um dos nossos escritores, a que vulgarmente s se sabe o nome. Alm de que no deixa de ser curiosa a observao dos primeiros passos que a arte deu, ainda na sua infncia; e para conservarmos toda a originalidade ao nosso Poeta, no lhe mudaremos a ortografia nos versos que houvermos de citar (p. 84).

    5 O quadro, de 1761, deu origem a um tropo iconogrfico na representao do actor e teve inumeras reprodues e variaes (sobre este quadro e as relaes entre a pintura e a afirmao do actor moderno, cf. Aliverti, 1998, especialmente o captulo 4, Les Muses solidaires).

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    Passo com marcas de um outro re-conhecimento vicentino, mitigado embora pela exemplificao de peas rudes6, a divulgao de um autor desconhecido e a histria curiosa dos primeiros passos da arte que o situa no campo arqueolgico. O desgnio de retirar da sombra um quase desconhecido, num gesto carregado de intuitos de conservao e restauro. Conservao ortogrfica (e o mercado das letras sabe bem quanto vale a ortografia original, cf. Diogo & Silvestre, 1996: 44s), e restauro como aprendizagem dos primeiros passos da arte do teatro em Portugal. Na sinopse, a bem da elegncia, a autoria de Mestre Gil (p. 87), significativa deferncia para com este cada vez mais nosso Gil Vicente (p. 84), como a Prudncia da Mofina Mendes vem tratada por um gentil M.lle (p. 87). Mas a histria do teatro antigo sensaborona e traz maldito enfado (p. 88). No convvio das damas, que o mesmo dizer no seu teatro, a histria do antigo teatro portugus, se j a questo do nosso teatro nacional, a do teatro como prefervel e como preferido divertimento pblico.

    de resto o divertimento dos jogos, esse invento de sociedade e uma das ocupaes dela (p. 95) o tema da seco que se segue do teatro nO Toucador, onde, a propsito das cartas de jogar, Garrett conta o episdio da substituio das figuras tradicionais dos naipes (de origem alem ou francesa) por figuras nacionais, compondo o que Diogo & Silvestre chamaram uns Lusadas para as damas (1996: 135). Diz O toucador:

    Nas cartas constitucionais, todas as figuras foram substitudas por assuntos patriticos: o rei David por D. Dinis, Alexandre por D. Joo I, Csar por D. Manuel, Carlos Magno por D. Afonso I, emblemas de quatro reis constitucionais. [] Nos valetes, Hagier foi vencido por D. Joo de Castro, Lancelot por D. Afonso de Albuquerque, Hector por D. Vasco da Gama, e La Hire por D. Nuno lvares Pereira (p. 99).

    E explorando possibilidades de chistes e ditos de senhoras na mesa de jogo, sem perder de vista as imediatas destinatrias do peridico, enuncia o programa ideolgico que resulta de trazer assim memria [de belas e cavalheiros] a recordao de grandes heris e sublimes virtudes! (pp. 99-100), num procedimento em tudo anlogo ao que restaura Gil Vicente. Este, em bom rigor, poderia ser figura de carta constitucional, ou pode ler-se assim no prprio drama em que

    6 Veja-se o Bosquejo, onde Garrett afirma que o teatro portugus foi criado pela musa negligente e travessa de Gil Vicente (p. 490).

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    Garrett lhe d expresso: Um auto de Gil Vicente7.

    Um auto de Gil Vicente, ou do teatro portugus

    efectivamente com Um auto de Gil Vicente (1838) que Garrett vai traar com verdade dramtica e no preciso histrica, essa no a quis eu (Garrett, 1841: 23), o projecto de teatro nacional, desiderato que repetidamente anuncia ( o seu forcejar) e neste drama concretiza jogando a carta vicentina. o momento da celebrao do mestre e, simultaneamente, a sua actualizao menos em regime arqueolgico que em regime suplectivo, sempre com a afirmao da misso humilde do autor.

    No cabe aqui analisar a pea, mas importa reler a Introduo que Garrett lhe acrescentou em 1841, diagnstico agudo dos caminhos da dramaturgia portuguesa que se inicia com uma declarao demolidora: Em Portugal nunca chegou a haver teatro; o que se chama teatro nacional, nunca []. E logo depois:

    E todavia Gil Vicente tinha lanados os fundamentos de uma escola nacional. [] mas no houve quem edificasse para cima, e entraram a fazer barracas de madeira no meio, e casinholas de taipa, que iam apodrecendo e caindo (Garrett, 1841: 11, eu sublinho).

    Um amargo retrato que contempla boa parte do que se disse depois sobre a produo ps-vicentina, a comear pela fundao, a partir de Gil Vicente, de uma escola nacional e o seu decantado declnio. Mas tambm tentativa de explicao da causa desta esterilidade dramtica, desta como negao para o teatro em um povo de tanto engenho, em que outros ramos de literatura se tm cultivado tanto (p. 12). A histria conhecida e as crises do teatro portugus, analisadas em mincia no texto so sintetisadas assim:

    A primeira trouxe-lha o fanatismo de del-rei D. Sebastio e a perda da independncia nacional. // Na segunda queimaram-lhe o pobre Antnio Jos. // A terceira veio com a pera italiana e a perseguio do Garo. // A quarta foi a invaso das macaquices francesas. // Esta quinta a do Salvatrio (p. 24).

    Entre restauro e fundao, entre exemplificao e edificao, o

    7 Sobre as cartas de jogar, incluindo reprodues das belas cartas constitucionais referidas por Garrett, veja-se Egas Moniz, 1942. A obra inclui vrias reprodues de cartas cujas imagens esto ao servio de significados polticos, da revoluo francesa 2 guerra mundial.

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    Gil Vicente de Garrett faz-se heri do passado pelo herosmo do presente. Em rigor, Garrett aqui abandonou j a cauo da comdia e tomou como sua a causa do auto nacional. Em rigor, Garrett regressa ao auto e ao antigo forjando para isso um contexto novo, de re-inveno do antigo, do qual decorre a afirmao de um projecto de teatro nacional que, se se materializa em Um auto de Gil Vicente (1838), no alheio aos efeitos da aco poltica de Garrett como reformador do teatro dos anos imediatamente anteriores. Por portaria de 15 de Novembro de 1836 criada a Inspeco-Geral de Teatros e Espectculos Nacionais, de que Garrett ser Inspector-Geral, institui-se a censura, promovem-se concursos dramticos, prmios aos actores e subsdios s companhias. So iniciados os trabalhos para a constituio da Sociedade do Teatro Nacional (a lentido na construo levou a que ficasse conhecido como agrio) e criado o Conservatrio Geral da Arte Dramtica, onde se ensina teatro, msica e dana. Tudo responde ao estado de necessidade do teatro nacional, diagnosticado continuadamente por Garrett.

    Porm, importa no esquecer que, no papel do renovador do teatro nacional, como demonstrou Mrio Vieira de Carvalho, Garrett ter mais inclinao para satisfazer os modelos da convivialidade das elites, dando crtica teatral tons de galanteria e concebendo o Dona Maria como duplo do Teatro de So Carlos. Fazia assim desaparecer por detrs das paredes de um edifcio imponente o objectivo da educao nacional, que o teatro nacional deveria perseguir e ao invs de uma reforma teatral inspirada no modelo iluminista de iluso e identificao como, por exemplo, acontecia no Teatro do Salitre, o novo Teatro Nacional acabaria por integrar-se no modelo de comunicao de exibio do eu e Passeio Pblico (Carvalho, 1993: 108-109).

    Do teatro legtimo

    O que h-de notar-se neste percurso a radical separao de Gil Vicente dos seus contemporneos. Erguido condio de pai do teatro portugus, Mestre Gil sai daquele hospital das letras onde ombreava com Chiado e Prestes, Miranda e Vasconcelos. Aos primeiros cabe a estreiteza do auto; aos segundos, a modelizao da comdia nas fontes clssicas e nos modelos italianizantes. um momento paradoxal este em que se encontra o ponto de origem e se esvazia tudo o resto enchendo. esta a matriz do imagema da

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    ausncia de teatro portugus, talvez coincidindo com as tenses com que Ana Paula Ferreira identificou a narrativa frustrada que origina uma retrica da nostalgia (1992: 59).

    Porm, quando aplicada a Garrett, a hiptese da nostalgia s poder entender-se, creio, evitando uma leitura passadista. De facto, tendo em conta a misso de dar um novo teatro nao, mais se aproxima do que Svetlana Boym, em The future of nostalgia, identifica como uma nostalgia de restauro (2001: 41s): restorative nostalgia does not think of itself as nostalgia, but rather as truth and tradition [] is not about the past, but rather about universal values, family, nature, homeland, truth (p. 12-13). Esta forma da nostalgia gravita em torno de collective pictorial symbols and oral culture [] reconstructing emblems and rituals of home and homeland in an attempt to conquer and spatialize time (p. 15). Tome-se o teatro nacional como o ritual nacional e ptrio que conquista o espao e espacializa o tempo com Garrett, e temos vista a sua nostalgia de restauro, futurante e tudo. Assim, na delimitao dos traos do imagotipo teatral portugus, percorremos com Garrett o caminho que vai de Gil Vicente a Mestre Gil, num gesto de inveno filial com eleite e senhoras ao fundo.

    Recapitulem-se brevemente as etapas desse percurso que vai do portugus legtimo ao legtimo teatro portugus. Legtimo, isto , aspirando ao colectivo, a concretizar a misso santa e sublime da fundao do teatro portugus (os termos em itlico so de Garrett, 1838: 152), de instaurar um nostlgico horizonte de futuro. Num primeiro tempo, com acima disse, Garrett encontra Gil Vicente no hospital das letras, onde parte de um corpus nacional de composies monstruosas que ora se corrigem (como no Parnaso, a bem da lngua legtima), ora se policiam genologicamente, deslocando o autor de autos para o campo da comdia (gnero tambm ele legtimo). quando essa posio se inverte, seja pela nostalgia do retorno, que o auto se torna em Garrett auto nacional na exacta medida em que o teatro que o concretiza aspira nao e se apresenta numa histria (onde conviria dizer como histria, j que o drama garrettiano no auto) tambm ela legtima. A linguagem, a correco e a elegncia da linguagem, consignada como critrio da censura teatral juntamente com os padres morais e a qualidade e mrito literrios (cf. Vasconcelos, 2003: 73s; tb. Cruz, 1995: 29s), ser a base da convivialidade teatral, a sua base propriamente legtima.

    Com tudo isto se desenham j os termos do imagotipo teatral

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    portugus na sua clareza formular. Os portugueses tiveram um autor de teatro na grandiosa era dos descobrimentos: Gil Vicente. Distinto dos seus pares, nele se encontram os fundamentos de um futuro que ningum continuou, ressalva feita de algumas excepes de pequena monta. Como nenhum outro, Garrett ocupar na histria o lugar daquele que continuou ou refundou o teatro nacional, uma posio que, como sugere Eduardo Loureno, tem bem mais amplo sentido quando se considera o perfil de criador de Garrett:

    A sua interveno reformadora em quase todos os sectores culturais do tempo nem foi fruto de diletantismo superior nem de ambio inconsequente. Foi a traduo adequada e genial dessa nova relao da conscincia literria que j no pode conceber-se apenas como criadora de obras abstractamente valiosas no mbito ocidental dos beaux-esprits, mas que se apercebe que a sua realidade e destino de autor esto ligados maior ou menor consistncia de indita forma histrico-espiritual que a Ptria, uma ptria a ser feita e no apenas j feita. [] no por amor do passado enquanto tal, por mais glorioso, mas como prospector do tempo perdido de Portugal, cuja decifrao lhe vital para se situar como homem, cidado e militante num presente enevoado e oscilante. S assim julga possvel modelar o perfil futuro da incerta forma histrica em que se converteu a sua Ptria. Mas sob a pluma de Garrett que pela primeira vez, e a fundo, Portugal se interroga, ou melhor, que Portugal se converte em permanente interpelao para todos ns (1978: 82-83).

    Os portugueses no tero a tte dramatique, pergunta Garrett no prefcio do Cato? No haveria quem forcejasse e edificasse para cima depois de Gil Vicente lanar os fundamentos? A tudo respondeu Garrett com o seus trabalhos, para glria dessa ptria a fazer(-se). Pouco a pouco, num quadro histrico de tenses e contradies, a imagem assim idealizada gera uma crescente e crescentemente impositiva contra-imagem, servida pelos mesmos argumentos: a ausncia de teatro portugus e a incapacidade nacional para o gnero. na tenso que esta contra-imagem gera que se estabelece o que me parece configurar o nosso imagema mais dramtico.

    Do imagotipo, entre poesia e drama

    Importa agora considerar as direces que o trabalho historiogrfico de Garrett seguiu e como se fixaram em termos cada vez mais tpicos e identitrios os argumentos do refundador do teatro nacional. Como veremos, eles rapidamente se cristalizam, so objecto

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    de recorrente reafirmao e normalizam a afirmao quer da ausncia de teatro nacional, quer a incapacidade dos portugueses para o drama e, consequentemente, a valorizao do elemento lrico como imagem identitria.

    Sem preocupao de exausto e procurando atender a uma cronologia factual, comeo por Anselmo Braamcamp Jnior, autor do prefcio dos editores a Um auto de Gil Vicente (previamente publicado na Crnica Literria de Coimbra em 1840 e depois publicado com a obra desde a 1 edio, de 1841). A retoma o autor o essencial de uma histria do teatro portugus ecoando a cada passo as lies de Garrett. Classifica como farsas ridculas as medievais (35); Gil Vicente aparece-lhe senhor de cultura mas era-lhe estranha a literatura (uma dicotomia a merecer ateno) e a sua legibilidade cnica, desconhecida no sculo XIX (como nos anteriores), formulada nos termos que aqui transcrevo:

    Se acaso declamassem hoje em algum teatro esses dramas, poucos haveria que entendessem a linguagem, mistura de castelhano e portugus, ou estimassem em muito as cenas soltas e sem nexo que tanto promoveram o riso de nossos avs. Mudmos, e talvez para pior; pois que eu no sei qual seja prefervel, se aqueles antigos autos extravagantes no enredo, mas ricos de admirveis lances cmicos e cuja linguagem era verdadeiramente nacional, se estes modernos entremezes, escritos em frase incorrecta e chula, recheada de chocarrices que no podem agradar a ouvidos delicados (35-36).

    O problema claro: nem Gil Vicente poderia ser representado com agrado, nem os modernos entremezes. Uns e outros sofrem de linguagem imprpria, so portugus ilegtimo. Mas, cumprido o seu papel originrio, encontra-se no presente a via capaz de renovar o teatro nacional. Na arte dramtica nunca Portugal pde ombrear com os mais pases; tal tem sido seu triste fado! [] Ficmos por muito tempo sepultados em noite escura, saciando nosso mau gosto com entremezes ridculos e comdias em que eram desprezados todos os preceitos da arte (36-37). O que se segue o encmio da aco de Garrett, quer enquanto governante quer enquanto autor dramtico: o nosso grande poeta [a quem estava] reservada a glria de ressuscit-lo (36). Por isso, Da representao de Um auto de Gil Vicente data uma nova poca teatral; a meta que separa o nosso teatro antigo do comeo da sua restaurao (39).

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    Latino Coelho, uns anos depois, em biografia de Garrett8, perfilha as teses de Garrett, no hesitando em, ao ensaiar uma abordagem do Cato, lanar as linhas de uma histria do teatro, que o prprio editor da biografia comenta:

    assim que, analysando a obra garrettiana e occupando-se da tragdia Cato, Latino Coelho incontra pretexto para passar em revista a evoluo do theatro. E ento lhe surge o apropositado ensejo de apreciar as origens greco-romanas da litteratura dramtica, incarando em seguida os denominados Mystrios da poca medieval representados nos catafalcos das cathedraes em complemento das ceremonias litrgicas, no esquecendo outrossim os Autos sacramentaes de Hespanha, e descendo at ao nosso Gil Vicente (o nclito fundador do theatro lusitano), depois confrontando os arrojos scenicos de Shakespeare com as tragdias clssicas de Racine, notando simultaneamente e comparando as aptides de Filinto Elysio e de Bocage, at acabar por nos offerecer, fronteiros um ao outro, o Cato do britannico Addison e o Cato do portuguezissimo Garrett (Xavier da Cunha, Carta-prefcio a Coelho, 1917: 75).

    Aponto a carta de Xavier da Cunha como evidncia a latere da permeabilidade dos argumentos, da sua difuso e rpida disseminao. Para Latino Coelho o elogio a Garrett decorre exactamente do seu ser historiador do teatro, e j vimos o que nisso faz-lo nacional:

    Ningum esboou em mais rpidos e mais felizes traos o nascimento e os progressos do theatro portuguez do que o visconde de Almeida Garrett no prefacio da terceira edio authentica do seu Cato (Coelho: 1917: 190).

    Perfilha assim, igualmente, o esprito da literatura nacional. Se Garrett tinha lanado os fundamentos de uma reflexo sobre o teatro nacional, eles eram, como vimos, um ramo da histria literria e da identidade nacional. Por isso no surpreende a retoma da poltica de gneros que Garrett enunciara:

    8 Publicada primeiramente no Panorama, vols. Xll (1855) e Xlll (1856). Foi depois editada, juntamente com a de Castilho (previamente publicada na Revista Contempornea de Portugal), num volume em 1917, que cito a partir de uma transcrio digital. Mantenho a ortografia do original. Nestes tempos em que amplo movimento defende a no aplicao do Acordo Ortogrfico de 1990, parece-me til lio manter a distinta realidade ortogrfica que, situando o texto na sua poca, nos permite igualmente que nos situemos na nossa.

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    O renascimento da poesia nacional no ultimo quartel do sculo XVIII deixou sem soluo o problema do theatro. A Arcdia subiu bastante nas azas da elevao lyrica para lhe sobrar tempo para a reformao da scena decada. Aquelle perodo brilhante que nos deixou por herana os cantos do Diniz, do Garo e do Quita, que accrescentou o patrimnio litterario com um dos mais bellos modelos da epopa cmica, e que nos deu no Tolentino o primeiro e porventura o ultimo e inimitvel exemplar da satyra moderna, no contemplou no seu testamento o theatro, que continuou a viver de algumas verses felizes, de frouxas imitaes e de languidas e descoradas produces de Melpmene acanhada, posto que original (Coelho, 1917: 191-192).

    Por isso Garrett aparecer como aquele cuja misso se concretiza apesar de todas as carncias indgenas, o que configura uma razovel mitificao:

    O visconde de Almeida Garrett, ao apparecer na scena litteraria no tinha, pois, modelos a quem seguir, e as tradies dramticas propriamente indgenas, essas estavam perdidas, como elle mesmo o affirma no trecho j citado do prefcio ao seu Cato (Coelho, 1917: 195).

    E o reforo do papel fundador de Garrett no vai sem referir a condio primeira e nica de Gil Vicente. Os dois mitos postos lado a lado:

    Gil Vicente elle prprio o princpio e o encerramento do seu cyclo dramtico para Portugal; em quanto que o seu rival [Encina] apenas o grmen d onde por uma serie de felizes operaes do engenho brota e floreia copada e opulenta a rvore gigante do theatro hespanhol. Gil Vicente fica sempre acima dos seus discpulos e imitadores na scena. A sua prpria escola numera rarssimos proslytos. Antnio Prestes, Simo Machado, Antnio Rodrigues [sic] Chiado e poucos mais, de mais obscura nomeada, completam o circulo inteiro do theatro propriamente nacional. Os que apparecem fora d este grupo, ou se filiam na tradio clssica, e so adeptos eruditos da renascena, ou apparecem aqui e acol, dbeis imitadores do theatro hespanhol nas pocas mais lustrosas e mais cultas do seu progresso e desenvolvimento (Coelho, 1917: 177).

    O reforo da condio fundacional dos dois autores coroado com a evidncia da paridade: ambos dotaram o teatro portugus com opulenta e nobre obra.

    [] Em Portugal, ao contrrio [de Espanha], nem se pode dizer que

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    viveu de inspirao alheia, porque, na variedade dos nossos poetas e dos nossos escriptores, poucos se atreveram a dotar o theatro portuguez com obra que opulentasse e ennobrecesse os fastos do drama nacional (Coelho, 1917: 185).

    O imagema encontra aqui revistas as linhas das suas tenses. De facto, assinalar a grandeza dos dois autores explicitamente apontar as debilidades indgenas para com o drama. E retomo aqui indgenas, o lexema que Latino Coelho usara, porque nele se prenuncia j algum tanto a choldra e a piolheira da gerao de 70, essa gerao to funda, sincera e equivocamente infeliz - por descobrir que pertencia a um povo decadente, marginalizado ou automarginalizado na Histria (Loureno, 1978: 89). nesses termos, entre histria mitificada e contra-imagem infeliz que a gerao de 70 recebe a questo teatral.

    Questo de gerao

    Como lembra Luiz Francisco Rebello, embora a Ea e gerao de 70 no tenha sido

    indiferente a problemtica do teatro nacional, que Ea de Queiroz considerava uma necessidade inteligente e moral, uma questo de importncia pblica, nenhum dos escritores da gerao de 1870 cultivou, seno muito secundariamente, a literatura dramtica (19884: 101).

    Avultam neste contexto as figuras de Ramalho Ortigo e Ea de Queirs. Desde logo porque deixaram nAs farpas testemunho precioso da crise do teatro portugus. Ea, nUma campanha alegre, explica a decadncia deplorvel da literatura dramtica segundo as linhas do imagema j aqui traado:

    Os escritores retraram-se inteiramente do teatro. No por o ganho ser diminuto, como se diz, porque no jornal e no livro o ganho no seduz com cintilaes de montes de ouro. A principal razo est no feitio da nossa inteligncia. O Portugus no tem gnio dramtico, nunca o teve, mesmo entre as passadas geraes literrias, hoje clssicas. A nossa literatura de teatro toda se reduz ao Frei Lus de Sousa (Ea de Queirs, citado em Barata, 1991: 47).

    A verve crtica de Ea apresenta, em O francesismo, os dados de um outro imagotipo nacional, o da apropriao de tudo o que francs como estratgia ampla de equiparao ao superior

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    estatuto cultural da Frana. Aqui um patriota aplaude uma comdia de Garrett:

    Comeou ento a minha carreira social em Lisboa. Mas era realmente como se eu habitasse Marselha. Nos teatros s comdias francesas; nos homens s livros franceses; nas lojas s vestidos franceses; nos hotis s comidas francesas Se nesta capital do Reino, resumo de toda a vida portuguesa, um patriota quisesse aplaudir uma comdia de Garrett, ou comer um arroz de forno, ou comprar uma vara de briche no podia. // Nem nos palcos, nem nos armazns, nem nas cozinhas, em parte alguma restava nada de Portugal (p. 119).

    Lembro que este texto abre com a referncia ao pas traduzido do francs para calo (p. 111), situando o pas entre a sensibilidade clssica e fadista (p. 111). E exemplifica jocosamente a relao com o teatro evidenciando a incapacidade de um grupo de jovens estudantes, actores e autores de uma gerao banhada no francs, para fazer coisa original em teatro. Recorda Ea que, quando se levou cena o Poeta por desgraa, tentativa juvenil de drama portugus de Tefilo Braga (9), soou nos bastidores o antema lapidar: Ora a tm Um fracasso! Pudera! Peas portuguesas! (p. 116).

    Conquanto assinalasse a importncia pblica da actividade cnica (Rebello, 2013: 15), o contributo de Ea e da gerao de 70 para o teatro portugus Magro, e pouco significativo, para alm de totalmente alheio esttica do naturalismo/realismo (idem: 17). Mas a sua repercusso na cristalizao do imagema reconhecvel, num contexto cultural em que, se abundam as reflexes sobre a crise do teatro (de Fialho d Almeida a Raul Brando ou Henrique Lopes de Mendona), igualmente abundam as casas de espectculos, cujo nmero cresce significativamente neste perodo (cf. Vasconcelos, 2003; Serdio, 2010). De acordo com L. F. Rebello

    Aos cerca de vinte novos teatros, surgidos em Lisboa e Porto, alguns de efmera existncia, acresce mais de uma centena, dispersos por todo o pas (no havia cidade ou vila, e at por vezes aldeia, que no caprichasse em ter o seu teatro), incluindo as possesses africanas e as ilhas adjacentes (2013: 73).

    9 Ea refere a pea com o ttulo Garo. Mas ter sido Poeta por desgraa, pea em verso inspirada na vida de Francisco Manuel de Melo e representada, segundo Rebello, em 1865, no Teatro Acadmico de Coimbra com Ea de Queirs como protagonista (Rebelo, 2013: 16).

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    Pela mesma poca, encontram-se em Ral Brando (2013) referncias atentas ao teatro portugus e ao estado de degradao cultural deste povo de poetas e de guitarristas10. Logo em 1892, num texto que analisa a questo do teatro e da sua relao com a recepo, vituperando a linguaem de uma pea de Henrique Lopes de Mendona, na qual aponta o verso pssimo, crneo (p. 364). Brando, sublinhando a importncia do contacto com a dramaturgia europeia na modelao de um teatro actual (referindo autores como Ibsen e Maeterlink), rematava:

    E agora, que o teatro parece querer renovar-se, que se fazem tentativas para voltar a uma grande, a uma encantadora simplicidade, que os nossos escritores, com o aplauso dos crticos, recosem velas, inpcias, mots de la fin, situaes pseudotrgicas, preocupados com as sadas dos personagens, escrevendo enfim o teatro nacional que ningum, depois de Garrett, o mais fino temperamento de artista que houve em Portugal, conseguiu tentar (p. 365).

    Discusso de esttica e doutrina cultural, com a dramaturgia contempornea da Europa em pano de fundo a desafiar a renovao do teatro portugus. Mas , no fundo, a velha discusso estril (p. 367) sobre o teatro nacional. Actores e pblico, como empresrios, jornalistas e hediondos burgueses: todos carecem de uma reforma que os impea de aplaudir dramas com tiradas banais sobre o amor (p. 366). Na exigncia de um padro de qualidade que permitisse falar de teatro nacional, Brando clama contra os actores de m vida e pouco trabalho: Ningum trabalha a valer, ningum estatela no palco, como num banco de autpsia, todo o seu crebro e todos os seus nervos. [] Nem actores, nem autores (p. 379, itlico meu). Enquanto tudo isso faltar, no falem em teatro nacional (p. 365). que o estado de crise expressa-se afinal numa imagem de estagnao cristalizada, com um pblico inculto e uma cultura teatral acomodada, como quem representa sempre a mesma pea:

    Eis a que se reduz a questo: a obrigar o pblico a assistir a peas mal feitas e mal representadas. cmodo. No se trabalha, no necessrio pensar-se, estudar-se, sofrer-se a cada momento, passar a vida inteira a pensar o papel a representar, na pea a escrever, nos

    10 Os textos de Raul Brando sobre teatro foram recentemente reunidos em volume por Vasco Rosa, numa edio preciosa. O texto aqui referido de 1903, sobre Herbert Spencer, p. 433, sublinhado meu. Povo de poetas e guitarristas ainda uma face dos imagotipos nacionais, aquela que reflecte o papel do fado, pas de Severas e Hilrios, de Marceneiros e Amlias.

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    tipos a criar. O pblico h-de l ir, por fora visto que nada mais lhe resta. H-de escut-los, a eles, e ento no tero necessidade de trabalhar nem pensar. Podem mesmo representar para sempre a mesma pea, com os mesmos gestos e as mesmas palavras (p. 380, itlico meu, texto de 1895).

    Sensivelmente na mesma poca, Fialho dAlmeida [1970] deixou-nos abundantes notas sobre o estado do teatro portugus. Numa prosa veemente e castigadora, o autor de Os gatos lanou antemas sobre o estado da cena portuguesa, zurzindo actores, empresrios e pblico com generosa (e identicamente distribuda) verve. o tempo dos actores vedeta e indigncia, da bambochada teatral, dos concursos do teatro nacional. Na sua leitura crtica, os palcos andam abandonados a plebeias intenes e os autores portugueses no produzem com mrito. Numa entrevista de 1906, afirma sem peias:

    O nmero das peas boas, ou pela hbil carpintaria, ou pelo gosto literrio, to diminuto e mesquinho que bem se pode dizer que a aptido dramatrgica do escritor portugus uma qualidade de excepo. [] na literatura nacional [] poucas ou nenhumas qualidades tm de entrechadores de peas e romances; sobretudo o teatro requer uma conciso nervosa, uma intensidade de aco e um poder sinttico e analtico, que quase por completo faltam entre os predicados literrios do portugus (p. 9).

    E poder espantar que, na resposta seguinte, sobre quem escaparia a to drstico panorama, responda: Camilo com narrativas de potencial dramtico; Csar de Lacerda e Marcelino Mesquita (10). Perante um teatro que vivia de ms tradues (arregladas) sobretudo do francs, a pretexto de escndalo ou por oportunismo, Fialho via, na sntese que prope Luclia Verdelho da Costa, os homens de letras nacionais afastados do pblico e por isso incapazes

    de compor dramas do seu agrado. Alm disso, embora tenhamos tido escritores dramticos ilustres como Garrett, Gil Vicente, Antnio Jos, a imaginao portuguesa era mais frtil na criao de obras poticas (2004: 167).

    Noto a expresso do imagema que identifica dois ou trs nomes num panorama de inexistncia de drama, ao que acresce, no preciso momento histrico em que estamos, a valorizao do gnero romance como a mais triunfante expresso literria do nosso tempo, que o drama (no apenas em Portugal) no pode acompanhar (Almeida,

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    citado em Costa, 2004: 167). Para mais completo retrato, dedica o autor um texto a passar em revista o teatro de revista de 1896). O tom e o retrato so desoladores e no deixam dvidas quanto generalizao da crise nos vrios sectores do teatro:

    Nas artes de teatro portuguesas, primordiais e auxiliares, todas as incapacidades se equivalem. [] Com os compositores de msica ligeira, mesmas deficincias, fezes e negaas. No h um nico msico dotado. [] O crapuloso estado da cenografia portuguesa tocou a meta do vilipndio, e fiado na obtusidade pblica, que sem apedrejo a tolera, veio nivelando seu estro pelos da literatura dramtica que ela chamada a decorar. [] escritores de mijadeiro falando a um pblico de calaboio e costa de frica [] as revistas do ano tornaram-se em focos colricos do j derrancado aviltamento moral do nosso povo; gagos mentais, escrevinhadores de m morte, cretinos sensabores dos recessos suspeitos das letras (83-87).

    Porm, este tambm o tempo da expanso do imagema pelo qual se rejeita a existncia do teatro portugus. O teatro portugus existe?, perguntava significativamente, em 1912, no ttulo da tese de concurso terceira cadeira da Escola de Arte de Representar (Filosofia Geral das Artes) Lus Barreto, fazendo eco de quase um sculo de insistentes referncias ausncia de qualidade da produo dramtica nacional.

    Ao longo do sculo vinte, muitas so as variaes em torno desta auto-imagem. Ela repercute em actores (por exemplo Jos Gamboa), como em historiadores da literatura e teatro. Costa Pimpo e Gustavo Matos Sequeira, por exemplo, participam em 1947 nas clebres conferncias sobre A evoluo e o esprito do teatro em Portugal promovidas pelo jornal Sculo. Nos seus textos acolhem, cada um a seu modo, essa condio de frouxa produo nacional (Sequeira, 1948: 248), apontando o professor de Coimbra o longo crepsculo que entre o sculo XVI e Garrett marcaria o drama nacional (Pimpo, 1948: 167).

    Em boa verdade, ao mesmo tempo que reproduzem o imagema, contribuem para a sua releitura crtica, j que nas suas comunicaes justamente procuram valorizar, no caso de Costa Pimpo a produo teatral dos autores quinhentistas reunidos sob a designao de escola vicentina; no caso de Matos Sequeira, no apenas a dramaturgia e a literatura teatral de cordel mas tambm (ou sobretudo) os aspectos mais largamente atinentes vida teatral (os ptios, as representaes, actores e actrizes), numa clara diferenciao metodolgica que,

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    medida que for chegando Universidade e historiografia, constituir uma das vias de superao do estafado discurso sobre a penria do teatro portugus. Mas a histria do teatro era ainda a histria da literatura, e as coisas do teatro pouco mais do que pitoresca saudade em quadro animado e colorido do passado. Por isso Matos Sequeira, que faz a sua interveno com as existncias do teatro portugus nos sculos XVI, XVII e XVIII, remata com o milagre de Garrett: E Portugal voltou a ter Teatro (p. 254).

    Junto de actores e do seu memorialismo, os ecos da crise do teatro esbatem-se algum tanto, e as experincias da profisso, da pea encenada e traduzida, dos xitos e sobressaltos da vida constituem o essencial das suas memrias (cf. Coelho, 1990). Trago por isso colao um actor que se envolveu muito profundamente no assunto. O actor Jos Gamboa reuniu um conjunto de textos seus numa edio de autor, publicada em 1949, intitulada A proposito de teatro. A reuniu alguns projectos reformistas relativos ao ensino do teatro, profisso, aos apoios oficiais do teatro. Num texto de 1949, afirma:

    [] se atentarmos no que diz a totalidade ou quase das histrias da nossa literatura, acabaremos por concluir que os portugueses no tm bossa, propenso ou tendncia para a modalidade dramtica (1949: 203).

    No ignorando Gamboa a existncia da produo portuguesa de entre os sculos XVI e XIX, entre Gil Vicente e Garrett, ou at ao seu presente. Encontramo-los em vrios passos do volume, por exemplo quando transcreve o programa de Histria das Literaturas Dramticas, com uma seco dedicada produo nacional (pp. 69-70; cf. tb 204). Perfilhava, contudo, a tese da inexistncia pela via da menorizao. Com efeito, embora manifeste conhecer a produo ps-vicentina, afirma: para alm de Gil Vicente, as restantes obras e autores incluindo as de Garrett, todas juntas, no se equiparam em valor, relativo ou absoluto, s do fundador do nosso teatro (p. 204). A explicao para isso encontra-a na censura inquisitorial, na dominao filipina, na influncia francesa do sculo XVIII, na falta de cultura e no atraso civilizacional, ideias retomadas de Joo Salgado (num texto de 1855), que as retoma por sua vez, em boa medida, do diagnstico que j Garrett traara na introduo a Um auto de Gil Vicente, de resto confirmando a construo global do imagema da debilidade da criao dramtica nacional. A nota a destacar, neste caso, a do regresso a Gil Vicente, que aqui assume o lugar de

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    fundador nico, a superar o prprio Garrett.

    Cada vez mais a reflexo articula a produo dramtica e as condies materiais do teatro (actor, teatros, empresrio, poltica), frequentemente reconhecendo as suas debilidades. Na escrita de autores do sculo XX, so j estes os factores determinantes da leitura crtica. Isto , mantendo a esperana num teatro nacional por vir, autores como Lopes Graa, com o magistrio crtico na Seara Nova e no Diabo, equaciona o estado das coisas castigando o superficial dos repertrios em cena e a comicidade de consumo fcil. Ope-lhes a exemplaridade do teatro portugus feito com os clssicos no Nacional (Gil Vicente, Antnio Jos da Silva e Garrett) tendo em considerao os autores e dramaturgias que circulavam na Europa e constituam, ento, as referncias basilares de uma modernidade que teimava em no tomar lugar entre ns. Uma mais ampla incurso no mundo da crtica, que aqui no posso fazer, revelaria a evidncia de uma responsabilidade comprometida da crtica e a sua capacidade de (r)negociar os termos do imagema.

    So as histrias do teatro de Luiz Francisco Rebello, de Luciana Stegagno Picchio, de Jos Oliveira Barata que vo, claramente, interrogar este tropo lamentoso, esta retrica da carncia que nos alimenta, desde Garrett. Rebello comea exactamente a, na historiografia, procurando as razes para a pouquidade da produo historiogrfica que, depois da extensa obra positivista de Tefilo Braga, parecia no ter deixado estmulo suficiente para vindouros. Escreveu ele no Prlogo da sua Histria do teatro (uso a 4 edio, de 1988):

    A que dever atribuir-se este relativo desinteresse pela histria do nosso teatro? sua inexistncia, que alguns crticos (em quem geralmente, e por isso falam assim, coincide um autor dramtico falhado) teimam em proclamar? Decerto que no, pois, apesar de tudo, existe um teatro portugus, dotado de caractersticas prprias se no como realidade inteiramente conseguida, ao menos como tendncia incessantemente perseguida (Rebello, 19884: 12).

    No sem tambm referir o ethos potico nacional, que explicaria o afastamento dos portugueses da poesia dramtica, Rebello procura estabelecer uma conexo entre momentos de criao dramtica como os que Gil Vicente ou Garrett protagonizam das condies socioeconmicas do desenvolvimento nacional. No caso portugus, essas condies civilizacionais reflectem as crises de pblico, de infra-estruturas, de equipamentos e de apoio estatal sem os

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    quais no floresce o teatro (a lio , explicitamente, garrettiana). Stegagno Picchio, valendo-se da sua condio de observadora ousider, procura valorizar, sejam quais forem os seus mritos, [] o teatro dito menor, descartando os argumentos de ordem temperamental e racial e opondo-lhes os factos histricos expressivos de uma poca, sculo ou gerao para explicar o desempenho ou a especificidade da produo dramtica portuguesa (1964: 22).

    Quase no final do sculo XX, Jos Oliveira Barata integra de forma detalhada esta questo na sua Histria do teatro portugus (1991: 45-54), procurando, na esteira de Stegagno Picchio, re-valorizar a produo dramtica de autores menores e deslocar para o campo de anlise autores e textos cujos trabalhos, independentemente do seu mrito, dos juzos de valor com que foram recebidos, ou do apagamento a que a repetitiva monotonia acadmica os votou, constituem parte significativa do existente teatro portugus, da Idade Mdia contemporaneidade.

    Inventrio da misria

    Quase a terminar o sculo vinte, revistas as contas do passado teatral, aberto o pas s liberdades democrticas com a revoluo de 1974, aprofundada a vida artstica nacional com uma vida teatral intensa (embora essa intensidade esteja hoje a enfrentar duras provas), poderamos pensar que nada disto teria, ainda, significado. Mas no assim. Num texto reunido em volume em 1990, afirmava Vasco Pulido Valente, do alto da sua tribuna jornalstica: Teatro? No existe sequer um actor; existe uma pea, o Frei Lus de Sousa, melanclico sinal do que nunca aconteceu (citado em Diogo & Silvestre, 1996: 141).

    O texto intitula-se O patrimnio cultural da nao portuguesa e, muito sem surpresa, tudo reduz a miservel fancaria11, sintoma da

    11 Cito o texto na ntegra, de Diogo & Silveste, 1996: 141): A cultura portuguesa? Os seus zeladores e campees ficam invariavelmente incomodados, quando lhes pedem pormenores. Que fico sobreviveu nos ltimos duzentos anos? Camilo e Ea, cinquenta pginas de Garrett, alguns ttulos de Herculano, vagamente Raul Brando e Jlio Dinis inteiro. Falo s dos mortos, porque as correntes da aco cobrem os vivos. Poetas? No sculo XIX, meia dzia de linhas de Antnio Nobre. Depois, um pouco de Cesrio, Pessoa, talvez Sena, e esse monumento do intolervel que d pelo nome de Florbela Espanca. // Teatro? No existe sequer um actor; existe uma pea, o Frei Lus de Sousa, melanclico sinal do que nunca aconteceu. Msica? Os eruditos sabem que houve Bontempo e Lus de Freitas Branco, como quem sabe o que uma ode pindrica. Pintura? Sequeira, Malhoa, Pouso, Columbano, Amadeu e Almada.

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    muito verificvel pregnncia do imagema que desde Garrett, se instalou na (ou como) auto-imagem portuguesa. Pesem embora as revises da histria, a renovao historiogrfica, a ponderao de critrios ou a revalorizao cnica e editorial de muito teatro portugus, no plano dos imagemas culturais, tudo pernanece enraizado e firme. Um pouco como se ainda pudssemos dizer dos genoveses que esto onde se vislumbre uma possibilidade de lucro, como deles disse Jacques Savary, no sculo XVII. E podemos, pois esta no a matria de que se fazem os sonhos, mas certamente aquela com que se forjam tipos e imagotipos.

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