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93 Cap. 6 Em grande parte, cØlulas sªo feitas de pro- teínas, que constituem mais de 50% do seu peso seco. As proteínas determinam a forma e a es- trutura da cØlula e tambØm servem como princi- pal elemento de reconhecimento molecular e catÆlise. Embora o DNA armazene as informa- çıes necessÆrias para fazer uma cØlula, este tem discreta influŒncia nos processos celulares. DNA e RNA sªo cadeias de nucleosídeos quimica- mente similares. Em contraste, as proteínas sªo formadas por 20 aminoÆcidos distintos, com características e propriedades químicas diferenciadas. Essa variedade permite uma enorme versatilidade de propriedades quími- cas das proteínas, o que habilita estes com- postos a exercerem suas mœltiplas atividades celulares com especificidade. S˝NTESE PROTÉICA E SUA LOCALIZA˙ˆO FINAL Traduçªo das Proteínas Apesar da sua importância fisiológica as pro- teínas nªo se auto-organizam, dependem dos Æci- dos nuclØicos para sua formaçªo. A informaçªo estÆ contida no DNA na forma da seqüŒncia de bases A, G, C e T. TrŒs nucleotídeos formam um código tríplice, que vai ser utilizado na seleçªo de um aminoÆcido. A seqüŒncia desse código trípli- ce Ø usada como base para determinaçªo do tipo e ordem de aminoÆcidos componentes da proteí- Síntese, Estruturaçªo e Distribuiçªo de Proteínas na a ser sintetizada. Por sua vez essa seqüŒncia de aminoÆcidos governa sua estrutura espacial e, por conseguinte, sua funçªo biológica. Uma enzima interage com a fita de DNA no nœcleo da cØlula e causa a abertura da dupla hØ- lice em um determinado segmento, tipicamente com cerca de 1.000 nucleotídeos, onde a trans- criçªo do código Ø realizada. Uma imagem em espelho Ø feita em uma molØcula de RNA, cha- mada RNA mensageiro (RNAm), que passa atra- vØs de poros nucleares atingindo o citoplasma da cØlula. Uma das pontas da molØcula do RNAm ade- re ao ribossomo, estrutura complexa formada por cerca de 100 proteínas. A molØcula do RNAm move-se pelo ribossomo e o processo de tradu- çªo Ø realizado em consórcio com outro tipo de RNA, RNA transportador (RNAt). O RNAt tem duas cabeças, uma das quais liga-se a um ami- noÆcido e outra aos pares de bases do RNAm. Ao mover-se pelo ribossomo o RNAm determi- na o aminoÆcido a ser agregado à cadeia peptí- dica formando a nova proteína. Localizaçªo das Proteínas As cØlulas dos eucariontes tŒm uma estrutura altamente organizada. Exemplos da localizaçªo heterogŒnea de proteínas estendem desde o ovo atØ as cØlulas mais diferenciadas. A assimetria Bento C. Santos

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    SNTESE, ESTRUTURAO E DISTRIBUIO DE PROTENAS

    Cap. 6

    Em grande parte, clulas so feitas de pro-tenas, que constituem mais de 50% do seu pesoseco. As protenas determinam a forma e a es-trutura da clula e tambm servem como princi-pal elemento de reconhecimento molecular ecatlise. Embora o DNA armazene as informa-es necessrias para fazer uma clula, este temdiscreta influncia nos processos celulares. DNAe RNA so cadeias de nucleosdeos quimica-mente similares. Em contraste, as protenasso formadas por 20 aminocidos distintos,com caractersticas e propriedades qumicasdiferenciadas. Essa variedade permite umaenorme versatilidade de propriedades qumi-cas das protenas, o que habilita estes com-postos a exercerem suas mltiplas atividadescelulares com especificidade.

    SNTESE PROTICA E SUA LOCALIZAO FINAL

    Traduo das Protenas

    Apesar da sua importncia fisiolgica as pro-tenas no se auto-organizam, dependem dos ci-dos nuclicos para sua formao. A informaoest contida no DNA na forma da seqncia debases A, G, C e T. Trs nucleotdeos formam umcdigo trplice, que vai ser utilizado na seleo deum aminocido. A seqncia desse cdigo trpli-ce usada como base para determinao do tipoe ordem de aminocidos componentes da prote-

    Sntese, Estruturao eDistribuio de Protenas

    na a ser sintetizada. Por sua vez essa seqnciade aminocidos governa sua estrutura espacial e,por conseguinte, sua funo biolgica.

    Uma enzima interage com a fita de DNA noncleo da clula e causa a abertura da dupla h-lice em um determinado segmento, tipicamentecom cerca de 1.000 nucleotdeos, onde a trans-crio do cdigo realizada. Uma imagem emespelho feita em uma molcula de RNA, cha-mada RNA mensageiro (RNAm), que passa atra-vs de poros nucleares atingindo o citoplasmada clula.

    Uma das pontas da molcula do RNAm ade-re ao ribossomo, estrutura complexa formada porcerca de 100 protenas. A molcula do RNAmmove-se pelo ribossomo e o processo de tradu-o realizado em consrcio com outro tipo deRNA, RNA transportador (RNAt). O RNAt temduas cabeas, uma das quais liga-se a um ami-nocido e outra aos pares de bases do RNAm.Ao mover-se pelo ribossomo o RNAm determi-na o aminocido a ser agregado cadeia pept-dica formando a nova protena.

    Localizao das Protenas

    As clulas dos eucariontes tm uma estruturaaltamente organizada. Exemplos da localizaoheterognea de protenas estendem desde o ovoat as clulas mais diferenciadas. A assimetria

    Bento C. Santos

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    VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENTICA E DA FARMACOLOGIA

    Cap. 6

    inicial na distribuio das protenas no ovo de cer-tas espcies parece ser elemento essencial no de-senvolvimento do organismo. Ainda, funes decertas clulas especializadas so determinadas porarranjos macromoleculares de determinadas pro-tenas. Localizao condio essencial para aestrutura interna das clulas eucariontes, e umdos maiores determinantes dessa estrutura a ca-pacidade de protenas localizarem-se em locaisapropriados. Podemos classificar as protenas peloseu local de sntese e sua localizao final:

    Protenas citoslicas no esto localizadas emnenhuma organela celular em particular. Sosintetizadas e permanecem no citosol, ondefuncionam como centros catalticos, agindosobre os metablitos dissolvidos no citosol.

    Estruturas macromoleculares construdas apartir de protenas citoslicas (algumas ve-zes incorporando outros componentes) po-dem estar localizadas em algum localparticular no citosol (ex.: centrolos).

    Protenas nucleares precisam ser transpor-tadas do seu local de sntese no citosol parao envelope nuclear. Muitas das protenasnucleares so componentes da cromatina,mas outras so parte de estruturas nuclea-res especficas.

    Organelas citoplasmticas contm protenassintetizadas no citosol e transportadas especi-ficamente para (e atravs) da membrana daorganela (ex.: mitocndria).

    O citoplasma contm uma srie de corposmembranosos, incluindo o retculo endo-plasmtico, aparelho de Golgi, endossomose lisossomos. O conjunto desses corpostambm chamado de sistema reticulo-endotelial. Protenas que se localizam nes-ses compartimentos so inseridas atravsdas membranas do retculo endoplasmticoe posteriormente direcionadas para sua lo-calizao especfica pelo sistema de trans-porte do aparelho de Golgi.

    Protenas que so secretadas pelas clulasso transportadas para a membrana plas-mtica, atravessando-a e sendo posterior-mente liberadas para o exterior. Sua snteseinicia-se da mesma maneira que as prote-nas associadas ao sistema reticuloendote-lial, porm passam inteiramente atravs dosistema em vez de localizarem-se em algumstio especfico.

    Em termos de localizao as protenas po-dem ser divididas em dois grupos: aquelas asso-ciadas com membranas e aquelas no associadascom membranas. Cada grupo pode ainda sersubdividido, dependendo se a protena associa-se com uma estrutura ou membrana celular emparticular.

    Protenas que no esto associadas mem-brana so liberadas no citosol assim que sua sn-tese completada pelo ribossomo. Algumasprotenas continuam livres no citosol numa for-ma quase solvel, outras se associam com es-truturas citoslicas macromoleculares, comofilamentos, microtbulos, centrolos etc. Nestaclasse tambm se incluem as protenas nuclea-res (que chegam ao ncleo atravs de poros).Os ribossomos onde essas protenas so sinteti-zadas so chamados ribossomos livres. A situa-o habitual para a protena sintetizada pelosribossomos livres a de permanecer no citosol;para ser enviada para uma localizao especfica necessrio um sinal apropriado, tipicamenteuma seqncia de aminocidos que possibilitasua ligao com uma estrutura macromolecularou ser reconhecida pelo sistema de transporteintracelular.

    O processo de insero atravs de umamembrana chamado translocao protica.Protenas que se associam s membranas to-mam uma de duas rotas. Protenas mitocon-driais so liberadas no citosol e subseqentementeassociam-se membrana da organela. Essasprotenas so sintetizadas pelos ribossomos li-vres e contm sinais que possibilitam sua asso-ciao com a membrana apropriada. Porqueesse processo se d aps a sntese da protenaser completada chamado de translocao ps-traduo (Fig. 6.1).

    Protenas que residem no sistema reticulo-endotelial entram no retculo endoplasmticoenquanto esto sendo sintetizadas. Como esseprocesso ocorre concomitante sntese, cha-mado de translocao co-traduo. Nesse casoos ribossomos ficam atrelados pelas protenas membrana do retculo endoplasmtico, forman-do o chamado retculo endoplasmtico rugoso.Posteriormente a essa associao inicial mem-brana-alvo, a protena pode ser direcionada paraoutras membranas diferentes. O processo geralde encontrar sua localizao final atravs de su-

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    SNTESE, ESTRUTURAO E DISTRIBUIO DE PROTENAS

    Cap. 6

    Fig. 6.1 Distribuio e sntese das protenas. As protenas so sintetizadas inicialmente no citosol e sua translocao sed em momentos diferentes da sntese. O local em que a protena vai se alojar definitivamente depende de um sinalespecfico, em geral uma seqncia de aminocidos com caractersticas fsico-qumicas especiais.

    cessivos sistemas de membrana chamado detrfego de protenas.

    ESTRUTURAO PROTICAProtena e Forma

    Sabemos que para a atividade fisiolgica dasprotenas sua forma ou estrutura tridimensio-nal fundamental, permitindo especificidadenos processos celulares (ex.: reao antgeno-anticorpo, enzima-substrato etc.). Esto envol-vidos nesses processos de estruturao proticaaspectos fsico-qumicos e mecanismos celula-

    res especficos que asseguram a eficincia e fi-delidade no processo.

    Protenas e Sua Estrutura Qumica

    Os aminocidos so os constituintes bsi-cos das protenas e so formados por um grupoamino e um grupo carboxlico (Fig. 6.2), queconstituem o eixo central das protenas, e umacadeia lateral, que confere a identidade dos di-versos aminocidos. As ligaes covalentes for-madoras das cadeias polipeptdicas (ligaopeptdica) se do entre um grupo amino e um

    Protena secretada

    Protena de membrana

    Transporte vesicular

    Sinal de reteno no Golgi

    Protenascitoslicas

    Sinal mitocondrial

    Sinal de reteno no RE

    Ribossomos ligadosRibossomos livres

    Sinal nuclear

    Transporte ps-traduo Transporte co-traduo

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    VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENTICA E DA FARMACOLOGIA

    Cap. 6

    grupo carboxlico de aminocidos diferentes.Muitas destas ligaes numa longa cadeia pep-tdica permitem a livre rotao de seus tomosconstituintes, conferindo grande flexibilidade aoeixo protico central. A princpio, qualquer pro-tena pode adquirir um nmero quase ilimitadode conformaes. Entretanto, a maioria das ca-deias polipeptdicas adquire uma conformaonica e particular, determinada por sua seqn-cia de aminocidos. Isso ocorre porque o eixocentral e as cadeias laterais dos aminocidos as-sociam-se umas s outras e com a gua, for-mando vrias ligaes no covalentes fracas.Assumindo-se que resduos laterais especficosesto presentes em posies cruciais da cadeiapeptdica, o conjunto de foras estabelecidasdetermina uma conformao particularmentemais estvel.

    A estrutura final das protenas adquiridaaps algumas etapas em que temos:

    Estrutura primria a seqncia de ami-nocidos de uma protena determina sua estru-tura tridimensional nica. Em geral, protenascom a mesma seqncia de aminocidos ado-tam estrutura similar. Contudo, a quantidadede similaridade de seqncia de aminocidos queassegurem que duas protenas tenham homolo-gia nas suas estruturas difcil de predizer, ain-da pequenas variaes estruturais localizadaspodem determinar importantes conseqnciasfuncionais.

    Estrutura secundria as cadeias polipep-tdicas adquirem formas compactas que exclu-

    em a gua do interior das protenas. Segmentosda cadeia peptdica assumem formas regulares erepetitivas que so determinadas por interaesfavorveis entre resduos adjacentes. Esses ar-ranjos locais geralmente envolvem segmentoscurtos (cinco a 20 aminocidos) e so denomi-nados estrutura secundria. As estruturas se-cundrias mais comuns incluem as a hlices,fitas b e retornos. Essas estruturas so estabili-zadas por segmentos repetitivos de pontes dehidrognio entre os oxignios e nitrognios dacadeia principal.

    Estruturas ternria e quaternria elemen-tos da estrutura secundria arranjam-se espa-cialmente, trazendo resduos que so distantesna seqncia primria em grande proximidade.Arranjos espaciais que envolvem segmentos deuma nica cadeia polipeptdica so chamados deestrutura ternria. Algumas protenas agregam-se a outras, formando oligomeros como dme-ros e trmeros etc. Estrutura quaternria descreveeste arranjo de subunidades em protenas oligo-mricas. A aquisio da estrutura quaternriaser referida como montagem das protenas.

    Princpios da Estruturao das Protenas

    Muitas protenas adquirem espontaneamentea sua estrutura correta. Um dos fatores deter-minantes mais importantes da conformao cor-reta das protenas a distribuio das cadeiaslaterais polares e no-polares. As diversas por-es hidrofbicas (no-polares) tendem a serconduzidas para o interior da molcula, o que

    Fig. 6.2 Aminocidos e sua disposio no espao. Os aminocidos tm um grupo carboxlico e outro amino, que podemrodar livremente no eixos estabelecidos pelo carbono a. A ligao peptdica ocorre entre os grupos carboxlico e amino deaminocidos diferentes, a estrutura espacial adequada alcanada pela interao de caractersticas fsico-qumicas emecanismos celulares especiais (chaperones moleculares).

    H

    H

    H

    H

    N N

    CaCn + 1O

    CCa

    Cn

    R

    Y

    F

    O

    CCaCn + 1

    Carbono a

    Grupocarboxlico

    Grupoamino

    Cadeialateral

    A)B)

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    SNTESE, ESTRUTURAO E DISTRIBUIO DE PROTENAS

    Cap. 6

    permite distncia do ambiente aquoso. Emcontrapartida, as cadeias laterais polares tendemem arranjar-se na poro mais externa da mol-cula, espao no qual interagem com a gua eoutras molculas polares. Participam no arranjotridimensional das protenas as pontes de hidro-gnio estabelecidas entre as diversas ligaespeptdicas e as pontes de dissulfeto estabeleci-das entre cadeias laterais de cistena. Esse con-junto de interaes fsico-qumicas determina emantm o arranjo protico final.

    In vitro, pequenos polipeptdeos geralmen-te adquirem espontaneamente sua estruturacorreta, porm, dentro da clula a aquisio efi-ciente da conformao espacial de protenas re-centemente sintetizadas dependente de umamaquinaria celular essencial, denominada cha-perones moleculares (acompanhantes molecu-lares). Os chaperones moleculares so protenasespecializadas, que se ligam a outras protenasem estados no-ativos (estrutura intermedi-ria) e assistem-nas a alcanar sua conforma-o funcional, em muitos casos custa deconsumo de ATP.

    Originalmente essas protenas foram identi-ficadas por sua abundncia aps a exposio dasclulas ao calor, os chaperones em geral reco-nhecem as pores hidrofbicas das espciesproticas no-ativas, superfcies que estariamcertamente escondidas nas espcies ativas, eforma ligaes no-covalentes com estas, esta-bilizando-as e evitando a agregao multimricairreversvel. A liberao do peptdeo ocorre, emmuitos casos, pela mudana da conformao dochaperone determinada pelo ATP, permitindopassos subseqentes de modelao e biognese.Quando esses passos falham em prosseguir pro-dutivamente, reconhecimento e religao pelomesmo ou outro chaperone podem ocorrer, per-mitindo uma nova oportunidade para uma con-formao produtiva ser atingida.

    Sntese Protica Necessita de Chaperones

    A proporo de protenas que so capazesde autoconformao em relao quelas quenecessitam chaperones no conhecida. A ha-bilidade dos chaperones moleculares em reco-nhecer conformaes proticas incorretas ouintermedirias permite sua atuao em dois pas-sos importantes da sntese protica:

    Quando uma protena sintetizada ao dei-xar o ambiente do ribossomo para entrar nocitosol, esta se encontra apenas com sua es-trutura primria finalizada (isto , sem a con-formao espacial correta). A estruturaoespontnea comea ocorrer assim que as se-qncias emergentes interagem com outrasregies da protena previamente sintetizadas.Os chaperones moleculares influenciam nes-se processo de estruturao direcionado parauma estrutura espacial correta e mais pro-dutiva (fisiologicamente ativa).

    Quando uma protena denaturada (perdesua estrutura) se formam interaes estveisentre partes da protena que no interagemquando da correta conformao. Essas liga-es so semelhantes quelas que ocorremquando a protenas so recm-sintetizadas.Essas interaes so reconhecidas pelos cha-perones moleculares, permitindo uma novarestruturao ou encaminhando a protenapara degradao.

    Os chaperones moleculares incluem pro-tenas que esto envolvidas na estruturao deprotenas e na formao de estruturas macro-moleculares, envolvendo mltiplas protenas. Omaior subgrupo envolve trs famlias de pro-tenas, Hsp70 (protenas de cerca de 70kD),Hsp60 (componente de um largo complexo ma-cromolecular) e Hsp90 (que interage com algunsfatores de transcrio). Essas heat shock proteinsou chaperones auxiliam na conformao das pro-tenas inteiramente sintetizadas no citosol, assimcomo na conduo das protenas agregadas smembranas para o seu destino final.

    MODELAGEM DAS PROTENAS SECRETADASDE MEMBRANA

    Erros genticos podem resultar da snteseanormal de protenas, anormalidades na estru-tura e processamento de protenas recm-sinte-tizadas ou mudanas nas propriedades funcionaisdas mesmas. Embora a sntese de protenas ini-cie-se no citoplasma, muitas so destinadas a se-rem expressas na superfcie da clula (ex.:molculas reconhecedoras de superfcie, canaisinicos, receptores e molculas de adeso). Ousecretadas (hormnios, fatores de crescimento,protenas da matriz extracelular e enzimas pro-teolticas). Protenas secretadas ou da superfcie

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    VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENTICA E DA FARMACOLOGIA

    Cap. 6

    da membrana celular recm-sintetizadas sotransportadas para o retculo endoplasmtico,rede membranosa no interior da clula, numestado estrutural intermedirio. Quando estasprotenas deixam o retculo endoplasmtico paramover-se pelo aparelho de Golgi e aguardar noaparelho secretor, estas esto quase inteiramenteestruturadas e a maioria dos complexos compos-tos de vrias subunidades esto completamentemontados. O lmen do retculo endoplasmticoserve, portanto, como stio essencial na matura-o protica e seu ambiente bioqumico nicopara facilitar a tima modelagem e montagemdas protenas. A estrutura correta das protenas um passo fundamental em determinar sua ati-vidade biolgica e sua adequao na via celularsecretria (Fig. 6.3).

    Dada a complexidade das reaes que de-terminam a estrutura das protenas e a necessi-dade de fidelidade e eficincia nesse processo,no surpresa que falhas nessa etapa faam partede muitas doenas. Em vrias patologias cong-nitas (como a fibrose cstica, deficincia de a -1antitripsina e osteognese imperfeita), a estru-tura tridimensional das protenas est alteradapor mutaes que resultam em defeitos no trans-porte intracelular.

    Chaperones Moleculares no RetculoEndoplasmtico

    Um dos mais bem caracterizados chapero-nes moleculares do retculo endoplasmtico aprotena regulada por glicose de 78 kD grp 78(tambm conhecida como BiP, protena ligado-ra de imunoglobulina). A BiP interage com in-meras protenas secretadas e de membranacelular dentro do retculo endoplasmtico du-rante o curso de sua maturao. Contudo, essainterao fraca e de curta durao enquanto amodelagem protica prossegue normalmente.Protenas que falham em adquirir sua estruturaou montagem adequadas formam associaesestveis com o BiP, e essa ligao usualmente seguida por degradao.

    Outros chaperones moleculares esto pre-sentes no retculo endoplasmtico como os mem-bros da famlia das protenas reguladas pelaglicose. Grp170, grp94, Erp72,e grp58; calreti-culina, e calnexina.

    Chaperones Moleculares na Maturaode Protenas

    Calnexina e calreticulina podem associar-se com outros chaperones moleculares no ret-culo endoplasmtico, como o BiP e grp94, paraformar uma matriz no lmen do retculo endo-plasmtico. Esta matriz pode imobilizar tem-porariamente as protenas, permitindo temposuficiente dentro do lmen do retculo endo-plasmtico para complementao da estrutura-o e retirada dos oligossacrides da cadeiaslaterais. As enzimas envolvidas em vrias mo-dificaes ps-traduo das protenas podemtambm fazer parte desta matriz.

    Portanto, o processo mltiplo de maturaode protenas secretrias pode envolver a intera-o com uma rede dinmica de enzimas e chape-rones moleculares do retculo endoplasmtico.Sugere-se que a maturao protica desenvolve-se numa linha de montagem composta por vrioschaperones moleculares com especificidades di-ferentes. Na estruturao progressiva das prote-nas a disponibilidade de pontes de ligao aoschaperones vai se modificando. Assim, a ligaoaos diferentes chaperones favoreceria estgiosdistintos no processo de maturao.

    Muitas protenas recm-sintetizadas que semovem pelo retculo endoplasmtico so even-tualmente secretadas ou inseridas em variadasmembranas celulares. A associao dos chape-rones moleculares com seus substratos de cur-ta durao. Entretanto, se as protenas noadquirem sua estrutura adequada, como quan-do ocorre alterao do ambiente interno do ret-culo endoplasmtico ou a estrutura da protena alterada pela presena de alguma mutao, aassociao da protena incorreta e do chapero-nes moleculares pode tornar-se estvel e pro-longada. Em muitas circunstncias, as protenasanormais no entram na via de transporte in-tracelular e so retidas no lmen do retculoendoplasmtico. A reteno dessas protenas ina-dequadamente estruturadas serve como meca-nismo de controle de qualidade, uma propriedadenica das organelas da via secretria.

    ALTERAES CONGNITAS NA ESTRUTURAOE MONTAGEM DAS PROTENAS

    Em muitos erros inatos do metabolismo,mutaes resultam em protenas que no conse-

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    SNTESE, ESTRUTURAO E DISTRIBUIO DE PROTENAS

    Cap. 6

    guem adquirir estrutura espacial adequada ouserem transportadas atravs das organelas celu-lares. Como resultado as protenas anormais soincapazes de alcanar seu destino habitual. Emmuitas circunstncias, essas acumulam-se no re-

    Fig. 6.3 Participao dos chaperones do retculo endoplasmtico na estruturao das protenas. Durante a sntese,protenas secretadas e ligadas membrana so translocadas para o lmen do retculo endoplasmtico durante a traduoatravs de canal especfico (1). Estas protenas ligam-se aos chaperones (2) e iniciam o processo de estruturao, que facilitado por chaperones e enzimas especficas (3). Aps o trmino da estruturao e das modificaes ps-traduo (5), asprotenas (7) dissociam-se dos chaperones (6) e so transportadas para o aparelho de Golgi atravs de transporte vesicular.Quando a protena no adquire sua estrutura e montagem correta (4), estas se ligam perenemente aos chaperones molecula-res e so retidas no retculo endoplasmtico (8). Essa reteno tambm sinaliza para sntese de novos chaperones moleculares(12). As protenas mal formadas podem ser transportadas para fora do retculo endoplasmtico, pela mesma via que serviu deentrada para o retculo endoplasmtico (9, 10) e encaminhadas para degradao no citoplasma (11).

    tculo endoplasmtico e posteriormente degra-dadas. Esse acmulo no retculo endoplasmti-co e degradao envolvem a participao dechaperones moleculares. A associao estvelentre protenas anormais com chaperones mole-

    MembranaRibossomo

    RNA mensageiro

    Lumen

    Protena

    Estrutura emontagemcorretas

    ChaperonesEstrutura emontagemincorretas

    Mutaesou estresse

    Acmulo de protenasligadas aos chaperones

    Dissociao doschaperones das

    protenas

    Sntese denovos

    chaperones

    Degradao

    Aparelho de Golgi

    Transportevesicular

    1

    2

    34

    5

    6 7

    8

    9

    10

    11

    12

    3

    5

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    VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENTICA E DA FARMACOLOGIA

    Cap. 6

    Tabela 6.1Patologias Genticas Onde Ocorrem Alteraes na Estrutura das Protenas

    Patologia Gene ou Protena Tipo de Defeito MolecularAfetada Protena

    Fibrose cstica Cystic fibrosis Membrana Estrutura anormal e reteno no retculotransmembrane endoplasmtico em associao comconductance calnexina e Hsp70, levando regulator (CFTR) degradao

    Osteognese imperfeita Colgeno tipo I Secretada Montagem inadequada e retenono retculo endoplasmtico associadoa BiP

    Sndrome de Marfan Fibrilina Secretada Montagem inadequada, levando aausncia de secreo ou secreo defibrilina no funcionante

    Tromboastenia de O gene GIIb da Membrana Estrutura anormal da glicoprotenaGlanzmann glicoprotena receptora IIb, inabilidade de formar um

    plaquetria complexo com a glicoprotena IIIa,receptora de reteno no retculo endoplasmtico eintegrina IIb/IIIa degradao

    Doena de von Fator de von Secretada Estrutura anormal e ausncia deWillebrand Willebrand secreo, transporte entre o retculo

    endoplasmtico e o Golgi defeituoso

    Deficincia Fator VII Secretada Estrutura anormal e reteno nohereditria do fator VII retculo endoplasmtico em associao

    com BiP

    Deficincia da Protena C Secretada Estrutura anormal e reteno noprotena C retculo endoplasmtico em associao

    com BiP.

    Retinite pigmentosa Rodopsina Membrana Estrutura anormal e reteno no retculoautossmica dominante endoplasmtico(cegueira hereditria)

    Deficincia de a -1 a -1 antitripsina Secretada Estrutura anormal e reteno no retculoantitripsina endoplasmtico em associao com

    calnexina

    Hipercolesterolemia Receptor de Membrana Estrutura anormal e reteno nofamiliar tipo II lipoprotena de retculo endoplasmtico

    baixa densidade

    Diabetes inspido Receptor de Membrana Estrutura anormal e reteno nonefrognico congnito vasopressina ou retculo endoplasmtico

    protena do canalde gua(aquaporin)

    Sndrome da glicoprotena Desconhecida Vrias Glicolisao insuficiente de certasdeficiente de carboidrato glicoprotenas, tornando-as no

    funcionais ou levando ao acmulo doretculo endoplasmtico

    Hipotireoidismo com Tireoglobulina Secretada Defeito na estrutura ou montagem dabcio congnito tireoglobulina (ou ambas), com reteno

    no retculo endoplasmtico em possvelassociao com BiP.

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    SNTESE, ESTRUTURAO E DISTRIBUIO DE PROTENAS

    Cap. 6

    culares, como BiP e calnexina, tem sido demons-trada em vrias patologias. A patologia molecu-lar associada com genes mutantes envolve duascaractersticas. As protenas anormais falham emalcanar sua localizao normal (em geral amembrana celular), no exercendo sua funobiolgica. Associa-se o acmulo de protenas noretculo endoplasmtico, determinando sua dis-tenso e danos celulares srios (como a lesonos hepatcitos em pacientes com deficincia dea -1 antitripsina). A lista de patologias que en-volvem problemas na estruturao das protenascresce constantemente, nestas incluem-se enfi-sema hereditrio, fibrose cstica, hipercolestero-lemia familiar, vrios distrbios da coagulao ea osteognese imperfeita (Tabela 6.1).

    CONCLUSO

    A estruturao de protenas ligadas a mem-brana ou livres e sua distribuio adequada noambiente celular consiste num processo celularcomplexo. Interaes fsico-qumicas e a atua-o de maquinaria celular adequada so essen-

    ciais para sua realizao. A importncia dasprotenas no funcionamento celular alerta quedisfunes na sua sntese, armazenamento e dis-tribuio podem participar em uma srie de do-enas. O entendimento aprofundado dessaatividade celular poder permitir novas aborda-gens teraputicas.

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