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Corlia, uma pequena repblica da Amrica Central se
prepara para era espacial. Um rdio amador enviando ao
governo dos EUA uma exigncia de cem mil dlares para
no matar milhares de pessoas. Um sulto hindu envolvido
com um desertor do MVD sovitico num plano de
assassinato em massa.
1968 Lou Carrigan Publicado No Brasil Pela Editora Monterrey
Ilustrao De Capa: Bencio JVS 400627-401107
PARTE I
CAPITULO PRIMEIRO Abram alas para Brigitte Montfort!
Um milho de dlares em publicidade
Um pequeno pas ingressa na era espacial
A porta do escritrio de Miky Grogan, diretor do dirio
nova-iorquino Morning News, foi bruscamente escancarada e Frank Minello entrou, lanando um grito:
Ateeeno...! Todo o mundo de p! A essa altura, Miky Grogan, o Furibundo, j dera em sua
cadeira um salto que quase o colocara em cima da mesa,
rosto desfigurado pelo susto, olhos arregalados. Os outros
quatro homens que estavam com ele tambm se puseram
instantneamente de p e ficaram olhando com expresso
do mais puro assombro para Minello, que por sua vez
pareceu a ponto de desmaiar.
Che-chefe... gaguejou. Pe-pensei que estava sozinho.
Agora o rosto de Miky Grogan era uma bola de fogo,
consumindo-se em sua clssica fria. Entretanto, sem
dvida devido presena daqueles quatro alinhadssimos
cavalheiros, conseguiu o impossvel: conter-se.
Que deseja, Frank? perguntou mordendo as palavras.
Bem, eu. Por que nos fez levantar? Oh, eu s... s queria... Pensei que estava s e quis...
quisemos fazer-lhe uma brincadeira.
Miky Grogan fechou os olhos por um instante.
Que brincadeira? indagou suavemente.
Bem... Mmm... Ai vai: ateeeno...! Todo o mundo de p! Abram alas para Brigitte Montfort!
Realmente, naquele mesmo instante, Brigitte aparecia na
porta da sala, com o jeito exagerado de uma vedete
saudando um pblico de ardorosos fs. O rosto de Grogan
ultrapassou a tonalidade vermelha de sua chamejante ira,
derivando para o rubro intenso, quase negro... Estava to
furioso, to fora de si, que nem sequer podia falar. A nica
coisa que fazia era tremer de uma raiva infinita, podia
resultar de imediato numa congesto cerebral. Sua boca se
abria e fechava, como em busca de ar, enquanto suas mos
possantes estavam quase arrancando um pedao da mesa.
Brigitte olhou para os quatro homens, sorrindo, e por
fim, com expresso compungida, para e seu chefe em
assuntos jornalsticos.
Desculpe, Miky... Foi uma brincadeira tola, mas no sabamos que voc estava ocupado. Perdoem, cavalheiros.
Houve quatro sorrisos, cada qual mais amvel, cada qual
mais intencionalmente insinuante, enquanto quatro pares de
olhos se desgastavam a toda a velocidade percorrendo
aquele corpo que...
Que deseja, Brigitte? conseguiu articular Grogan, por fim.
Eu? Nada. Posso saber, ento, por que veio minha sala? Voc me chamou. Miky Grogan mordeu os lbios. Subitamente, parecia
cansado, triste, envelhecido.
verdade... Volte dentro de uma hora, por favor. Est bem. Lamento...
Um dos quatro cavalheiros adiantou-se, sempre sorrindo,
to encantado com a vida que quase parecia um idiota.
No se desculpe mais, por favor, miss Montfort. Na verdade, meus scios e eu estamos encantados em conhec-
la pessoalmente. Somos grandes admiradores de seu
trabalho.
Muito obrigada sorriu ela, deliciosamente. A que trabalho se refere?
O homem desconcertou-se um instante.
Ao seu magnfico trabalho jornalstico, naturalmente. Ah, sim... So todos muito amveis, mister... Willougby. Permita-me que lhe apresente meus
scios...
Apresentou-os. Um por um, foram apertando a mo da
mais bonita espi do mundo, derretendo-se de puro prazer.
Grogan mantinha uma imobilidade grantica e Minello,
ainda na porta, sorria ironicamente, olhando para ele.
No tem nenhum trabalho a fazer, Frank? No senhor. Pois arranje um! Fora! Minello franziu a testa. Mas Brigitte sorriu para ele,
agitando a mo em despedida.
Pode ir, Frankie. Estes cavalheiros me protegero da clera de mister Grogan... No certo, senhores?
Houve um sim absoluto, enquanto os quatro olhares se dirigiam torvamente ao diretor do Morning News, dominados pelo encanto mgico de Brigitte. Minello saiu,
embora de m vontade. Brigtte sacou um cigano e quatro
isqueiros acessos aparecerem diante dela. Aceitou a chama
do que estava mais perto, expeliu um fino jato de fumaa e
olhou amavelmente os quatro homens.
Espero que no tenha vindo perturb-los... Oh, no! exclamou Willougby. Estvamos
conversando com mister Grogan sobre a possibilidade de
lanarmos uma intensa campanha publicitria atravs do
Morning News, miss Montfort. Chamou-me para isso, Miky? No, no. Era para outra coisa. Ns que estamos querendo... gozar de sua presena,
miss Montfort. Para dizer a verdade, sua coluna no
Morning News foi a razo principal que nos trouxe aqui para contratarmos a publicidade de nossos produtos. Mas,
infelizmente, o preo pedido por mister Grogan parece-nos
excessivo. Em outros jornais nos cobrariam muito menos
por uma campanha idntica.
Sem dvida... sorriu Brigitte. Mas eu no trabalho para outros jornais, mister Willougby.
Certo... Mas, no obstante o tato de, com sua coluna, fazer com que o Morning News se venda muito, no vejo razo para aceitarmos o preo de mister Grogan.
Compreendo. Quanto pensam inverter nessa campanha?
Setecentos e cinqenta mil dlares. Oh! muito dinheiro. Mister Grogan nos pede um milho. mais dinheiro ainda tornou a sorrir Brigitte. Demais. E gostaramos de ouvir uma razo capaz de
convencer-nos de que devemos gast-lo.
Bem, dem-me os senhores uma s razo pela qual no o devam fazer.
Os quatro homens se entreolharam, atrapalhados.
que uma diferena de duzentos e cinqenta mil dlares parece-nos considervel, miss Montfort.
Quer se casar comigo, mister Willougby? Co-como...? espantou-se o interpelado. Perguntei-lhe se quer se casar comigo. Bom, suponho que seja uma brincadeira... Mas se
est falando srio, pode marcar o dia e a hora. S mesmo
um louco no aceitaria sua mo.
Muito obrigada. Mas, pensando melhor: no seria o mesmo para o senhor casar com a minha vizinha?
Com... sua vizinha? Sim. Eu lhe pediria como presente de casamento um
bonito colar de prolas, que certamente lhe custaria meio
milho de dlares, alm de umas pequenas coisas mais que
completariam um milho... O senhor aceitaria?
Claro que sim! Pois faria mal. Aconselho-o a casar com a minha
vizinha, mister Willougby, porque ela milionria e no lhe
pediria nada. Tem tudo de sobra. Inclusive anos...
Completou setenta e trs a semana passada.
E por que hei de casar com ela podendo faz-lo consigo?
Porque economizaria um milho de dlares de presentes. Ela se contentaria com o casamento. E o senhor,
de qualquer modo, teria uma esposa.
Mas muitssimo diferente da outra! Pensa mesmo assim, mister Willougby? Eu lhe sairia
muito mais caro, mas piscou-lhe um olho o senhor teria sua felicidade garantida. A velha dama certamente o
faria menos feliz, no?
Os outros trs puseram-se a rir. Willougby acabou rindo
tambm. Miky Grogan estava aterrado e passava um leno
pela testa suarenta, vendo desabar sobre ele a tragdia...
E ento mister Willougby, que decide: velhota grtis ou senhorita cm perfeitas condies por um milho de
dlares? E, por favor, no queria regatear comigo: sairia
pela janela.
Riram novamente os quatro. Willougby acabou lanando
um profundo suspiro de decepo.
Por um momento, acreditei que estivesse falando srio, miss Montfort. De acordo: assinarei esse contrato,
mister Grogan. Riu. Prefiro casar-me com a senhorita em perfeitas condies que com a velhota... Diabo!
Riram os quatro mais uma vez. Grogan fez ah, ah, ah, muito pouco convencido. Quando os quatro cavalheiros se
despediram, o diretor do Morning News olhava ainda incredulamente o contrato que ia proporcionar ao seu jornal
um ingresso de um milho de dlares em publicidade.
Ergueu a cabea, olhou para Brigitte, abriu e fechou a boca
vrias vezes, depois indicou o contrato.
Eles... eles assinaram... E por que no? Santo Deus! Ainda no compreendo... Mas temos que
celebrar!
Boa idia. Grogan dirigiu-se ao bar embutido que tinha em seu
escritrio. Abriu o compartimento refrigerador e tirou uma
garrafa de champanha, que mostrou triunfalmente a Brigitte.
Conhece? perguntou sorrindo. Conheo: Perignon-55. Acha que mereo tanto,
amado chefe?
Voc merece isto e muito mais, querida... Oh, no temos cerejas!
Eu trouxe as cerejas. Trouxe? ele ficou estupefato. Voc anda por a
carregando cerejas na bolsa?
S quando vou precisar delas. Ante o pasmo de Grogan, abriu a bolsa e retirou um
frasco de cerejas, que deixou sobre o bar. Depois apanhou
duas taas, colocou uma cereja em cada um e bateu palmas,
alegre.
Voil! Mas Miky Grogan estava ainda to surpreendido que
no conseguia reagir. Ela retirou-lhe suavemente a garrafa,
abriu-a e encheu as taas. Entregou uma ao chefe e sorriu.
Tim-Tim. H...? Oh! Tim-tim! Beberam, Grogan sempre envolto naquele olhar azul
doce e irnico ao mesmo tempo. Brigitte sentou-se numa
poltrona, mostrando as belssimas pernas at limites
temerrios.
Para que me mandou chamar antes? Ah, sim Grogan sentou-se tambm numa poltrona.
Voc ter que viajar, Brigitte. Para onde? alarmou-se ela. Estados Unidos do Coral. Brigitte soltou um suspiro de alvio.
Assim est bem... admitiu. Em pleno trpico, ou pouco menos. No me sinto feliz no clima da Antrtida
1.
Mas desforrou-se em Acapulco sorriu Grogan.
1 ver: Alarma no Plo Sul
Assim a vida... Maus bocados, bons bocados! Que tenho a fazer nos Estados Unidos do Coral? Espionagem ou
jornalismo? Ou ambas as coisas ao mesmo tempo?
No, no. Apenas jornalismo. Voc deve saber que os coralenses tencionam lanar brevemente no espao um
satlite artificial.
Li alguma coisa a respeito. Mas so noticias um tanto confusas, contraditrias...
Essa a questo: o Morning News no vai oferecer noticias confusas, mas exatas. Para tanto dispe de uma
jornalista que lhe custa mais de trezentos mil dlares
anualmente.
Quem essa jornalista? fingiu assombrar-se Brigitte.
Deixe de tolice! resmungou ele. Voc quem cobra essa quantia. Bom, que me diz de obter notcias
concretas e interessantes sobre esse lanamento dos
coralenses?
Querido, sempre que voc necessite de algum que queira trabalhar em climas tropicais, conte comigo. Irei,
naturalmente. Quando devo partir?
O quanto antes. Consegui que um tcnico espacial de l aceite sua visita ao Centro Espacial Universal. Chama-se
Diego Montalbn e estar sua espera no aeroporto, se voc
me disser em que avio ir para que eu o previna.
Certamente partirei amanh; depois lhe darei o horrio exato de minha chegada a Corlia, a capital. E. um
pas curioso, no lhe parece, Miky?
Que tem de curioso? Alm de sua situao privilegiada, quase tocando a
linha equatorial, ao norte das Ilhas Galpagos, tem de
curioso o particular de ser o nico pequeno pas capaz de
aventuras desta ndole. algo quase surpreendente.
Nem tanto. Os Estados Unidos do Coral receberam ajuda de diversos pases adiantados para o lanamento de
satlites espaciais. Por exemplo: da Rssia, da Frana... e
dos Estados Unidos da Amrica. No s lhes
proporcionamos material, como permitimos que vrios de
seus tcnicos e cientistas estudassem em nossos centros
espaciais. Temos justamente o caso de Diego Montalbn,
que passou quatro anos em Cabo Kennedy. Isso, depois de
ter estudado numa universidade americana.
O que no compreendo que no facilitem informaes detalhadas imprensa mundial. Quando um
pas est em condies de lanar foguetes espaciais, pode
considerar-se orgulhoso de seu desenvolvimento cientfico.
No vejo razo para que se deixe de fornecer o mximo em
notcias a todos os jornais.
Quer-me parecer que no se sabe a data exata do lanamento. Alm disso, suponho que os coralenses no
estejam muito confiantes no xito de tal empreendimento e
desejam ainda efetuar um ltimo controle de todo o projeto.
Se tudo os satisfizer definitivamente, daro a notcia
detalhada e completa ao mundo.
Mas a essa altura, o Morning News j ter publicado tudo com referncia ao assunto, no assim?
Exato sorriu Grogan. Por isso, voc l ir. E quando os outros jornais puderem dar a notcia com todos
os detalhes, ns j a teremos esquecido, de to velha.
Esplndido... Brigitte olhou divertida para sua taa, com a cereja no fundo. Voc me mentiu, Miky.
Como? Eu lhe menti em qu?
Disse que me enviava l como jornalista e no verdade. A verdade que, embora enviando aos Estados
Unidos do Coral a jornalista Brigitte Montfort, voc espera
que a agente Baby entre em funes para averiguar o que ningum queira dizer. Portanto, voc envia a jornalista e a
espi.
Grogan mexeu-se em sua cadeira.
Bom... Afinal de contas, todos os jornalistas so um pouco espies, no ?
Mas nem todos os espies so Baby, querido. Est bem, est bem... Que pretende? simples: j que est enviando duas pessoas
distintas, pague pelas duas. Naturalmente, Brigitte Montfort
realizar seu trabalho jornalstico sem cobrar nada, exceto,
claro, os gastos de viagem, alojamento e coisas assim. Mas
a agente Baby carssima, Miky. Quanto? grunhiu Grogan. Um sorriso. Qu? Um sorriso. Sorria uma vez, uma s vez, e ter
pagado o altssimo preo da agente Baby. Vejamos esse sorriso...
Miky Grogan enrugou a testa. Mas, inevitavelmente,
teve que sorrir. E o fez de muito boa vontade, certamente.
Voc ... nica, Brigitte. E eu a adoro! Pois o demonstre com mais freqncia, querido
suspirou ela; terminou sua taa de champanha. Bem... Creio que devo preparar-me para a viagem. Mandarei-lhe
um postal quando chegar l.
Conto com ele. Divirta-se, querida. Tentarei. At a vista, Miky.
Estendeu-lhe a mo, que ele levou aos lbios, sorrindo.
At a volta, formosa espia. Brigitte saiu da sala. Quinze minutos mais tarde, quando
Grogan estava novamente imerso no trabalho, Minello
tornou a aparecer, to brusco como sempre.
Ento, est contente? perguntou. Grogan olhou-o intrigado.
A que se refere? A isso de mandar Brigitte para longe de mim. Tenho
certeza de que faz de propsito, para impedir que eu a
conquiste. Bom, onde est a taa que ela usou? Tambm
quero tomar champanha com cereja.
Foi ao bar, apanhou a taa que lhe pareceu de Brigitte,
lanou-lhe quatro ou cinco cerejas dentro e encheu-a de
champanha. Grogan o ornava de cara amarrada.
Ser melhor que volte ao seu trabalho, Frankie. E procure habituar-se a entrar em minha sala com bons
modos.
Ah! Mas que ingrato voc! Ingrato? Oh, bem, refere-se ao fato de Brigitte ter
resolvido aquele assunto, no? Pois bem: no sou mal-
agradecido. E dou prova disso deixando-o tomar meu
champanha. Justamente por admitir que da inoportuna e
escandalosa chegada de vocs resultou algo bom. Mas no
abuse.
Frank Minello aproximou-se dele, remexendo
fortemente dentro da orelha com um dedo.
Terei ouvido bem? perguntou. Disse que nossa chegada aqui foi inoportuna?
Bom... Digamos casual, para no ofend-lo.
Casual? Minello ergueu os braos para o teto, com a taa numa das mos. Este sujeito est louco, meu Deus! Diz que nossa chegada foi casual!
E no foi? Eu tinha visitas aqui, vocs chegaram, minhas visitas gostaram de Brigitte, inevitavelmente... e ela
ento convenceu-os. Casualidade.
Frank Minello olhou comiserativamente o seu chefe.
Eu me pergunto murmurou como foi que voc chegou a ocupar esta sala. Tem menos discernimento que
um queijo da Holanda... Aqui no houve nada casual,
entende?
Que est dizendo? Diabo, bem claro! Voc mandou chamar Brigitte,
ela demorou um pouco e quando telefonou a essa boboca
que est a fora e exerce as funes de sua secretria
perguntando se podia vir ento, a boboca que est a fora
disse que voc estava muito ocupado e afobado. Brigitte
perguntou-lhe o motivo da afobao e a boboca lhe explicou
o assunto da campanha de publicidade, o impasse criado
pela questo do preo e tudo o mais. Ento, Brigitte mandou
um boy comprar cerejas e, enquanto o garoto ia e vinha,
explicou-me o que ela e eu amos fazer. E foi assim que, to
logo chegaram as cerejas, viemos os dois at aqui, fizemos
toda a comdia, ela entrou e conseguiu realizar o que se
havia proposto: ajud-lo a obter esse contrato de
publicidade por um milho de dlares. Casualidade!
Quando eu digo que voc no enxerga um centmetro alm
da ponta do seu enfurecido nariz... Ora, v para o inferno,
ingrato!
Bebeu de um trago a taa de champanha e abandonou a
sala, mastigando furiosamente as cerejas.
Mike Grogan, imvel, estava com a boca aberta.
CAPTULO SEGUNDO O homem dos camares
Uma conversa espacial
Simplesmente fantstico: nem mortes, nem lutas, nem espionagem...
E Miky Grogan devia estar ainda com a boca aberta
quando, trinta horas mais tarde, isto , s dezessete do dia
seguinte, a jornalista Brigitte Montfort chegava a Corlia2,
capital dos Estados Unidos do Coral, em vo semidireto
desde Nova Iorque.
Aps descer a escadinha, to logo pusera os ps em
terra, dois homens adiantaram-se para ela. O mais velho
devia ter cinqenta anos. Era de estatura mediana,
ligeiramente obeso, suarento, bastante calvo; parecia
inteligente, devido ao olhar astuto de seus pequenos olhos
pardos. Um tipo vulgar, entretanto.
O outro, no. O outro no tinha nada de vulgar,
comeando por seus profundos olhos negros, seu queixo
firme, seus ombros de atleta. Devia medir mais de um metro
e oitenta e todo o seu aspecto denunciava um notvel vigor
fsico. Estava muito tisnado pelo sol e a severa expresso de
seu rosto parecia indicar uma poderosa personalidade.
Miss Montfort? Sim... Sou Diego Montalbn disse o atltico jovem.
Mister Grogan mandou-nos de Nova Iorque um telegrama
avisando de sua chegada. Se permitir, nos encarregaremos
2 aqui, como em tantas outras vezes anteriormente, o autor utiliza o recurso do pais imaginrio (NE)
de tudo. Peo-lhe que me entregue os tales de sua
bagagem.
Brigitte entregou-lhe os tales e Diego Montalbn fez
sinal a dois homens que esperavam um pouco afastados, aos
quais incumbiu de retirar a bagagem. Pareceu ento dar-se
conta de seu descuido e sorriu ao pedir desculpas.
Perdo... Este senhor Pedro Morales, meu grande amigo e o melhor tcnico com que contamos no Centro
Espacial Universal. Pedro, esta, como j sabe, miss
Brigitte Montfort, do Morning News de Nova Iorque. O homem calvo de mediana estatura e olhos astutos
apertou sorridente a mo de Baby. um prazer, miss Montfort. Entendo que nos
devemos sentir honrados com sua presena em Coral.
No compreendo, seor Morales... Quero dizer que, segundo me consta, nos enviaram
uma das melhores reprteres de seu pas. Isso nos
envaidece.
Envaidece a mim, seor Morales sorriu Brigitte. Agradeo-lhe a gentileza.
Temos um carro espera disse Montalbn. Primeiramente trataremos da obteno do seu visa, o que
nos tomar apenas alguns minutos, depois a
acompanharemos ao hotel onde lhe foram reservados
aposentos. Desejamos que sua permanncia em Coral seja
agradvel, miss Montfort.
Muito obrigada. Em poucos minutos, realmente merc da influente
presena de Diego Montalbn e Pedro Morales, as
formalidades aduaneiras e do visa foram cumpridas.
Quando chegaram ao grande carro negro, a bagagem de
Brigitte j tinha sido colocada no porta-malas. Tudo
cmodo e rpido. Poucas vezes havia encontrado a espi
internacional tantas e to amveis facilidades para entrar
num pas. O idioma nacional era o espanhol, mas Pedro
Morales e Diego Montalbn falavam perfeitamente o ingls,
pelo que Brigitte resolveu silenciar seus conhecimentos do
castelhano.
Morales sentou-se na frente, junto ao chofer, e
Montalbn ocupou, com Brigitte, o banco traseiro, dando
uma ordem:
Ao Galpagos, Adriano. Pois no, don Diego. O grande carro ps-se em marcha. Brigitte sorriu como
uma mocinha tmida e pareceu que queria dizer alguma
coisa, embora no se atrevesse. Diego Montalbn
demonstrou sua perspiccia, perguntando:
De que se trata, miss Montfort? Pode pedir o que deseje. Tanto Pedro como eu estudamos nos Estados Unidos
e gostaramos de corresponder de algum modo as atenes
que recebemos l.
No quisera incomodar demasiado... De modo algum! protestou Pedro Morales. Neste pas, miss Montfort, no s somos corteses,
como tambm faramos qualquer coisa para satisfazer uma
bela jovem. Que queria dizer-nos?
Gostaria... Oh, um capricho tolo, mas gostaria de no ir para um hotel.
No ir para um hotel? repetiu Montalbn. Desculpe, mas no compreendo... Preferiria ficar mais... isolada. Vou lhe dizer a
verdade, seor Montalbn: adoro os pases tropicais.
Bem, mas... sorriu ele, algo perplexo. Desculpe, continuo sem entender.
O trpico me encanta, com suas praias de areia brilhante, suas palmeiras, seu mar de um azul to
profundo... Gostaria de alojar-me numa vila perto da praia,
no numa sute de hotel. Isso o que tenho em Nova
Iorque.
Ah, sim! Agora compreendo sorriu simpaticamente Montalbn. Prefere um bangal junto do mar.
Exatamente! Seria isso possvel, seor Montlban? Creio que poderemos satisfaz-la olhou para o
chofer. Adriano, leve-nos pelo desvio do Galpagos at a zona de bangals chamada Cielimar.
Est bem, don Diego. O carro continuou sua marcha. Durante uns segundos,
ningum pareceu saber o que dizer, Por fim, Pedro Morales
pigarreou, voltou-se em seu assento e olhou afavelmente
para Brigitte.
Fez boa viagem? perguntou. Muito boa. Estou acostumada a voar. Por si mesma? Como? Diego Montalbn sorriu.
Pedro est dizendo, certamente, que um anjo no precisa das asas de um avio para voar.
Oh! Brigitte ps-se a rir. Sinto decepcion-lo, seor Morales, mas sempre voei de avio. Temo que no
seja nenhum anjo.
Creio que est equivocada sorriu Morales.
Pedro tem cinqenta e um anos disse Montalbn, sempre imperturbvel, seguro de si mesmo. Mas quando v uma mulher bonita retrocede Vinte.
O seor Morales muito simptico e gentil... E oxal fosse verdade que eu o pudesse fazer voltar aos trinta. Seria
um prazer para mim.
Se continuar falando desse modo riu Morales creio que retrocederei mais de vinte anos. solteira, miss
Montfort?
Sim... O simptico Pedro Morales esfregou alegremente as
mos.
timo! exclamou. Teremos que dar um jeito nisso!
Pedro tambm solteiro informou Diego. mas parece que tal situao j no de seu agrado.
Brigitte tornou a rir, enquanto Morales acariciava
pensativamente o queixo.
Lembro-me de um velho amigo que no podia tolerar camares... Dizia que eram uns bichos feios e repugnantes.
Durante alguns anos de nossa juventude, cada vez que nos
serviam camares, ele os transferia para o meu prato. Eu,
naturalmente, no protestava. Simplesmente, comia os
camares. Um dia chegamos a um povoado na costa de San
Salvador, onde s havia camares para comer. Estvamos
com tanta fome, que o meu amigo teve que optar entre
comer camares ou morrer. Aquele foi um mau dia para
mim... Meu amigo comeu camares.
Calou-se. Brigitte acendeu um cigarro.
E ento, seor Morales?
Bom... Meu amigo me disse que eu era o perfeito tipo do canalha. Naturalmente, respondi-lhe que ele jamais havia
querido comer camares, ao que ele replicou que se eu lhe
tivesse dito seriamente como eram saborosos os camares,
ele os teria comido sempre. Estava muito zangado comigo.
Moral da histria? perguntou Brigitte. Ningum pode saber se os camares so bons at que
os tenha provado. Penso que o mesmo se poderia dizer do
casamento.
Todos riram. Inesperadamente, Diego Montalbn
perguntou:
Entende de tcnicas espaciais, miss Montfort? No muito, na verdade. Toda essa coisa de espao
parece-me um pouco irreal.
Irreal? Sim... Mas, sobretudo, desnecessria. Pedro Morales e Diego Montalbn olharam-na como se
ela tivesse dito a maior atrocidade do mundo. Pareceram
quase assustados... e bastante decepcionados
Muitas pessoas pensam que o dinheiro empregado nas investigaes espaciais teria melhor aplicao em coisas
mais teis, em maior proveito da humanidade. Pertence a
essa classe de pessoas, miss Montfort?
No, no... protestou Brigitte. Claro que no. Admito muito bem a idia de que o homem queira conhecer
o que chamamos espao exterior. E natural que se
realizem esforos neste sentido, j que possumos os meios
para faz-lo. bom saber onde estamos e o que nos rodeia.
Parece-me justo que se empreguem milhes de dlares
nesses estudos. Mas tenho a impresso de que nada servir
de nada.
Em que sentido? Bem... Por exemplo, sabemos que a Lua est
praticamente ao nosso alcance. Mas acontece que na Lua o
meio ambiente no favorvel ao homem. Isso significa
que, embora cheguemos l, no poderemos fazer nada. Na
Lua no parece que haja ouro, nem diamantes, nem
alimentos, nem fontes de medicamentos novos. um
satlite que no vale nada. Neste sentido, creio que Marte
ainda vale menos. Para que irmos l se nada de bom
conseguiremos com isso para a humanidade?
Mas miss Montfort... escandalizou-se Montalbn. Entretanto sorriu ela creio que os esforos so
dignos de elogio. indubitvel que se a procriao humana
prosseguir neste ritmo, dentro de alguns milhares de anos a
Terra se tornar pequena. Ento, teremos que enviar a
outros planetas ou a satlites uma boa pane da populao
terrestre. Se nos pusermos a pensar nisso, compreenderemos
que dentro de alguns milhares de anos o Banco da Amrica
ter sucursais em Pluto, Saturno, Urano... e Marte, sem
dvida. Daria qualquer coisa para ver esse tempo em que,
com meio dlar, se podero comprar dois cachorros-quentes
em Marte, uma raqueta de tnis em Jpiter e um pacote de
chicletes em Vnus. Ser fantstico.
Est zombando de ns, miss Montfort murmurou Morales.
No... disse Montalbn. Ela est dizendo que acredita que chegaremos a todos esses lugares... Mas ao
mesmo tempo, pergunta-nos para que queremos chegar a
eles.
Ora que pergunta! Queremos chegar l para... para... para...
Para que, seor Morales? sorriu Brigitte. Mmm... Para chegar. Pedro Morales abespinhou-se.
O homem o dono de todo o universo resmungou. Portanto, natural que queira estar em toda parte.
Sem dvida, seor Morales sorriu Brigitte; levou o cigarro aos lbios, depois perguntou ingenuamente: J esteve no Mxico?
No... Na Rssia? No... Na Espanha? No, no... Na Austrlia? No... surpreendente. No acaba de dizer que o homem
deve estar em toda parte?
Eu falava do universo. E eu falo da Terra. Por favor, no me interprete mal:
sou uma entusiasta de tudo o que significa ampliar os
conhecimentos humanos. Qualquer inovao ou renovao
por mim bem acolhida. Temos, por exemplo, o assunto
dos transplantes orgnicos... Acredita que eu tenha doado
meu corpo a uma instituio norte-americana?
Seu... seu corpo? Todo meu corpo. Suponhamos que eu morra num
acidente, de tal modo que meus rgos vitais fiquem
aproveitveis. Pois bem, autorizei certa instituio a, em tal
caso, aproveitar de meu corpo tudo o que for possvel.
Tudo, seor Morales: quero morrer sabendo que poderei ser
til a outras pessoas.
Mas no acredita que investigar o espao seja de utilidade para o gnero humano.
Por que no? Afinal de contas, o bom Deus demasiado esperto para ns. Por que no havemos de
acreditar que no espao exterior deixou algo de bom para os
pobres terrestres, algo que est esperando que encontremos
sem sua ajuda?
Pedro Morales lanou um suspiro de derrota.
Puxa, miss Montfort! Creio que no me casaria consigo, afinal?
Por que no? sorriu ela. Porque raciocina bem demais... iria amargar minha
vida.
Agora, at o motorista riu. Diego Montalbn olhou
atentamente para Brigitte. Parecia que sua inicial
indiferena corts para com a belssima jornalista havia
desaparecido no tempo e no espao.
Estamos chegando ao Hotel Galpagos informou. H uma zona muito ampla, para o norte, destinada ao que nos Estados Unidos se chama motel. Tratarei de conseguir-lhe o melhor bangal, miss Montfort.
Junto do mar, se possvel. Claro.
* * *
de seu agrado? perguntou Montalbn. De meu agrado? exclamou Brigitte. Seor
Montalbn, asseguro-lhe que viajei por todo o mundo, mas
nunca tive um alojamento como este. At fico triste.
Diego Montalbn surpreendeu-se.
Triste?
Muito triste... por no lhe poder demonstrar meu agradecimento em toda sua amplitude.
Ah, bem... Tudo to... to maravilhoso! A praia junto ao
bangal, a areia dourada, o sol, o mar azul, a brisa agitando
as palmeiras, este silncio incrvel. Como lhe poderei pagar
isto?
De uma nica maneira: seja benevolente para este pequeno pas que se lana numa grande aventura.
No creio que o que eu escreva tenha muita importncia...
Oh, sim. Ter. Sabemos do prestgio de que goza no mundo do jornalismo. Se disser okay, tudo ir muito bem para ns desde o princpio. Podemos servi-la em mais
alguma coisa?
No, no me atreveria a pedir... Est claro que esse gasto eu enfrentarei pessoalmente...
Diga-me de que se trata. Vai pensar que sou uma jovem caprichosa e um
pouco amalucada, seor Montalbn.
No importa p que eu possa pensar. E nunca a consideraria uma pessoa caprichosa, absolutamente. Que
mais necessita?
Eu me conformaria com um pequeno iate... Bem pequeno, com um bar, alguns livros interessantes e um bom
gravador cheio de msica... E demasiado, no?
Puxa! tornou a exclamar Pedro Morales. No h dvida de que uma pessoa de bom-gosto, miss
Montfort. Farei o possvel para conseguir-lhe esse iate. E
que mais?
Tenho a impresso de que acabo de ser coroada rainha de um estranho pas encantado... riu Brigitte. Posso conseguir champanha nos Estados Unidos do Coral?
Lhe mandarei uma caixa disse Montalbn. Ento Brigitte deixou cair os braos, como
vencida j no me atrevo a pedir mais nada. Seria monstruoso. Ah, seor Montalbn, a respeito de minha
visita ao Centro Espacial Universal... Quando poderei ir l?
Amanh de manh? Esplndido! Passarei para busc-la s dez. Se lhe parece cedo
demais...
s oito disse Brigitte. s oito da manh? Se lhe parece muito cedo... sorriu ela. As oito em ponto sorriu tambm Diego.
Desejo-lhe um bom repouso, miss Montfort.
Os dois coralenses se despediram, prevenindo Brigitte
de que deixavam o carro sua disposio perto do bangal.
E durante o resto da tarde, a espi dedicou-se a passear pela
praia, a ver voar as gaivotas, saltar os peixes-voadores no
mar cor de turmalina, admirar a brancura das ondas, o tom
avermelhado da areia ao ocaso, o balanar das palmeiras
sob o sopro mais forte da brisa... Da parte de Diego
Montalbn, por volta das oito da noite, chegou uma caixa de
champanha, junto com um enorme caixo cheio de livros de
toda espcie e um magnfico toca-discos acompanhado de
umas cinqenta gravaes de msica internacional.
s onze horas da noite, Brigitte Montfort quase se sentia
voar, sentada na areia da praia, com a gua chegando a seus
ps descalos. O silncio a seu redor transformava em
msica o rumor do mar.
A lua parecia de ouro polido. As palmeiras j no se
moviam...
Fantstico.
Simplesmente fantstico.
Por fim, a tinham enviado a um lugar onde no haveria
mortes, nem lutas, nem ambies, nem espionagem de
espcie alguma!
Tudo era maravilhoso.
Que bom!
CAPTULO TERCEIRO O Centro Espacial Universal
Uma rbita de todo inofensiva
Quem teria inventado os espies?
Suponho disse Diego Montalbn que tudo isto lhe parece um pouco ridculo, miss Montfort.
Por que fala assim? protestou ela. Porque imagino que tenha visitado alguns dos centros
espaciais do Estados Unidos. Ou no?
Sim. Estive em vrios deles, claro. Mas tudo quanto me ocorre depois de ter visto este aqui que um tanto
pequeno... Quanto ao resto, pareceu-me formidvel, seor
Montalbn.
muito amvel, miss Montfort. Bem, j viu tudo... Ter constatado que, em sua maior parte, nossas instalaes
so uma cpia das existentes em Cabo Kennedy. Decerto sorriu timidamente isto se deve ao fato de que l estive por algum tempo e assimilei o mais possvel a tcnica de
organizao norte-americana. Observe que tudo reproduz
quase completamente a aparelhagem daquele centro: os
sistemas de controle, as rampas e plataformas de
lanamento, os sistemas de rdio espacial, o equipamento
dos astronautas, os sistemas para o envio de fetos por
televiso... Inclusive a forma do projtil que colocar em
rbita nossa cpsula espacial se parece mais dos projteis
americanos que a qualquer outro. Veja-o indicou atravs de uma ampla janela o gigantesco projtil, em posio
vertical. exatamente uma cpia dos que tm sido lanados em seu pas. Esperamos que tudo saia bem.
A cerca de um quilmetro, diminu do pela distncia,
via-se em sua plataforma de concreto e ao o grande
monstro a propulso por combustvel lquido, destinado a
colocar em rbita o primeiro satlite artificial coralense.
Parecia todo feito de ao brilhante, com uns trinta metros de
comprimento, e seu aspecto era na verdade imponente,
formidvel. Nos postes de controle, doze homens
dedicavam-se tenazmente verificao dos aparelhos que
dias mais tarde deveriam estar em perfeitas condies, para
receber as mensagens irradiadas ou televisadas da primeira
cpsula enviada pelos Estados Unidos do Coral ao espao.
Em grandes painis seriam anotados as coordenadas
espaciais, os dados sobre o apogeu e o perigeu autnticos,
as diferentes presses a que seria submetida a cpsula, a
absoro das radiaes solares, o tempo, as velocidades, as
alteraes de energia segundo a altitude... Tudo,
absolutamente tudo, parecia estar pronto para o lanamento.
Brigitte tinha razo. A nica diferena entre aquele
centro e Cabo Kennedy, por exemplo, era uma diferena em
tamanho. Quanto ao resto, no que se referia preciso
tcnica, tudo se apresentava perfeito, podendo ser iniciada a
qualquer momento a contagem reversa.
Sair bem, seor Montalbn. Por que duvidar? As crianas sempre admiram os mais velhos. Essa
admirao, em ltima anlise, significa o reconhecimento
de sua superioridade. Neste caso especifico, digamos que os
Estados Unidos do Coral quase se sentem um pouco
ridculos por quererem imitar os Estados Unidos da
Amrica, a Rssia, a Inglaterra, a Frana...
Qual ser a rbita exata? J foi calculada? Oh, sim Montalbn olhou-a atentamente, como em
expectativa. Bom, na verdade, esta uma informao... especial, miss Montfort.
Informao especial? A que se refere? Diego Montalbn passou a lngua pelos lbios,
subitamente secos.
A cpsula ser tripulada murmurou. Como? exclamou Brigitte. Sim... Realmente, haver uma surpresa mundial, bem
sei. O certo que no nos limitaremos a lanar uma cpsula
sem responsabilidade alguma. Ela transportar um homem,
ou uma mulher.
Mas isto ... sensacional, seor Montalbn! Espero que se dem conta da tremenda responsabilidade humana
que significa lanar uma pessoa numa primeira tentativa
desta natureza.
O projeto teve aprovao de todos os controles e provas. Estamos certos de que a... viagem no representa
perigo algum para o cosmonauta. Tudo foi calculado ao
milmetro. Dispomos de uma mulher e dois homens
perfeitamente adestrados. No momento oportuno, ser
decidido qual dos trs ir na cpsula. Oh, quanto rbita,
pela qual demonstrou interesse, ser a seguinte: partindo...
Venha, por favor.
Levou-a para junto de um grande globo terrestre, de
quase um metro de dimetro, o qual fez girar at que os
Estados Unidos do Coral ficaram diante deles. Um de seus
fortes e tostados dedos pousou sobre a representao
geogrfica do pas.
Partindo daqui, e a cpsula dar duas voltas ao redor da Terra, com um apogeu de cento e quarenta quilmetros e
um perigeu de setenta, aproximadamente. A rbita cruzar
com leve inclinao o equador altura da Nova Guin,
continuar descendo para passar pela vertical do Cabo da
Boa Esperana, isto , pela ponta meridional da frica.
Passar depois por cima de Buenos Aires, ou por suas
proximidades. Cortar o Pacfico at chegar vertical da
Nova Zelndia, ao Cabo Naturalista na Austrlia, passar
novamente pela frica, agora por sobre a vertical de
Madagascar. Seguir-se-o o Golfo de Guin, o Arquiplago
de Cabo Verde, norte das Bahamas, Flrida, centro dos
Estados Unidos, Califrnia... A partir daqui, o cosmonauta
controlar a cpsula para dirigi-la Baixa Califrnia, o mais
diretamente possvel ao encontre da linha equatorial.
Isso significa que a cpsula cair a pouca distncia dos Estados Unidos do Coral.
A inteno essa, naturalmente. Calculamos que cair no Pacfico, entre a Califrnia e as Ilhas Hava. Claro
que o cosmonauta ir enviando as correspondentes
mensagens pelo rdio, a fim de que nossos barcos que
estejam espera rumem imediatamente ao local da
amerissagem para recuperar a cpsula. Calculamos que esta
cair na linha do trpico de Cncer, entre cento e trinta e
cento e quarenta graus de longitude oeste. claro que a
zona ser convenientemente controlada por diversos
sistemas atuais: radar, sonar, rdio, ondas magnticas...
Nossa esquadra pouco menos que uma... hiptese, mas
estar no lugar exato e no momento justo.
Bom... sorriu Brigitte. uma rbita inofensiva. Inofensiva? surpreendeu-se Montalbn. Quero dizer que a cpsula no poder ser acusada de
espi.
Perdo... no compreendo. Hoje em dia, seor Montalbn, as cpsulas espaciais
so verdadeiros centros de espionagem. Mas em seu caso,
no h cuidado, j que a cpsula passar uma s vez sobre
os Estados Unidos, j a caminho do mar, com poucas
probabilidades de fotografar nada interessante. Quanto
Rssia, nem sequer est includa na rbita. Trata-se de uma
casualidade, ou houve a inteno expressa de deixar de lado
a Unio Sovitica?
Casualidade... Asseguro-lhe que em nenhum momento pensamos em... Oh, absurdo! No estamos
absolutamente preparados para realizar um programa de
espionagem espacial, miss Montfort.
Parece que no. Bem, seor Montalbn, creio que nestas quatro horas de visita ao Centro Espacial Universal
fiquei bem informada sobre o mais importante... e meu
apetite foi muitssimo estimulado. S h uma coisa
pendente para que eu me considere de todo satisfeita.
Eu lhe expliquei tudo, parece-me... A que se refere? Aos astronautas. No seria possvel v-los e talvez
conseguir deles uma entrevista?
Bem... Temo que no momento isso seja impossvel. Tudo farei para que essa entrevista se realize amanh,
prometo.
Est bom... suspirou Brigitte. Voltarei ento ao meu paraso particular.
Se me permite, acompanho-a disse Montalbn. Oh, no se incomode por favor... No ser incomodo. Pelo contrrio. Preparei-lhe uma
pequena surpresa na praia, em frente ao seu bangal.
* * *
A surpresa era um pequeno iate, completamente branco,
de vinte e cinco ps de comprimento. Estava ancorado bem
defronte ao bangal de Brigitte e tinha o aspecto simptico
de haver gasto sua quilha cruzando os sete mares. Seor Montalbn... Isto demasiado! Vamos v-lo sorriu ele. Na verdade, miss
Montfort, sua presena aqui est significando umas
pequenas frias para mim. Ah: o iate chama-se Pandora. Claro que no se pode comparar com o do maraj
Sadanjayan, mas...
Maraj Sadanjayan? riu Brigitte. Tirou-o de que conto das Mil e Uma Noites?
No nenhum conto... O maraj Sadanjayan existe. Est justamente em Coral, fazendo escala em sua viagem de
recreio ao redor do mundo.
Suponho que seja uma brincadeira... No sou dado a brincadeiras, miss Montfort. Sim, algo que comeo a perceber. Bom, vamos dar
uma olhada no Pandora, que afinal de contas o iate que me interessa, no o do maraj Sadanjayan. Teremos que
nadar?
Diego Montalbn quase enrubesceu.
Desculpe! No pensei nisso... Parece mesmo que teremos que ir a nado at o Pandora. Mas se prefere esperar, irei procura de um...
Oh, absolutamente. Sou boa nadadora, seor Montalbn. Alm disso, a distncia to curta, que mais
que nadar ser um prazer meter-me na gua deste mar
delicioso. Vamos l.
Num instante, Brigitte Montfort tirou a roupa, ficando
somente com as duas peas mais intimas, de um tom
vermelho que combinava admiravelmente com sua pele
dourada. Diego Montalbn s chegou a descalar-se. Seu
olhar fixou-se naquele corpo, que embora muito sugestivo
dentro de um vestido, revelava-se simplesmente aniquilador
adornado por aquelas duas exguas peas.
Alguma coisa, seor Montalbn? perguntou ela. Sim... No... Oh, no, no! Ah, que me pareceu impressionado... Montalbn engoliu em seco. Depois, sem dizer nada,
despiu-se, ficando apenas de calo, com o que se tornou
evidente que aquele pequeno trajeto aqutico at o
Pandora estivera previsto por ele desde o primeiro momento.
Brigitte, correndo agilmente sobre a areia, lanou-se
gua antes dele, mas com poucas braadas o atltico e
pintoso coralense a alcanou. Ultrapassou-a em seguida e
foi o primeiro a chegar ao iate. Uma vez a bordo, ajudou a
espi mais bonita do mundo a subir. J sobre o convs,
Brigitte fechou os olhos e, sem soltar a mo de Montalbn,
perguntou:
Est ouvindo, Diego?
O que? O mar... O mar, o vento, os gritos das gaivotas, o
sussurro das palmeiras... Ouve tudo isto?
No... Creio que no... Eu sim murmurou ela, ainda sem abrir os olhos.
Ouo, como uma embaladora msica de fundo... Talvez voc no tenha estado nunca em Nova Iorque. horrvel. E.
como... como o bater de um corao gigantesco, que no
pra nunca, dia e noite. Um rudo monstruoso, que tudo
devora, tudo absorve... como se a terra palpitasse. Ali
tambm existe mar, gaivota, vento... Mas nada disso se
ouve; apenas o rudo dos motores, das pessoas, das
mquinas, da vida febril de uma cidade com quase dez
milhes de habitantes... O mar sujo, as gaivotas s vo ao
cais comer imundcies, o vento serve apenas para
incomodar, as pessoas nunca fecham os olhos, no h
palmeiras, nem areias douradas, nem... No h nada. Nem
sequer homens: somente mquinas. L os homens tambm
so mquinas. Mquinas para trabalhar, mquinas para
descansar, mquinas para dormir, para comer, para amar...
Tudo se faz quando se deve fazer, de acordo com horrios
previstos. uma da tarde no se deve amar, porque a hora
do almoo, ou de terminar o almoo... Assim Nova
Iorque, minha odiada Nova Iorque.
Diego Montalbn passou-lhe um brao pela cintura, o
outro pelas costas. Sua mo grande e viril, tostada pelo sol,
deslizou lentamente por sobre aquela pele que parecia de
seda.
Agora no estamos em Nova Iorque, Brigitte sussurrou.
Ela no respondeu. Nem sequer abriu os olhos. Sentia
em sua carne aquelas mos grandes, fortes, duras e
acariciantes ao mesmo tempo. Seus doces lbios rseos se
entreabriram, oferecendo a promessa de um mundo novo ao
coralense.
Mundo novo.
Depois de beijar aqueles lbios adorveis, que se
conservavam suaves e frescos sob o trrido calor,
surpreendeu-se a si mesmo pensando naquele clima,
naquele lugar. Era verdade: podia-se ouvir a voz do oceano,
o sussurro do vento nas palmeiras... Podia-se sentir o
perfume das flores, o gosto do sal, o cheiro do mar e o
esplendor do sol abrasando tudo...
Brigitte... No fale, Diego. Vamos l embaixo. Desceram a escadinha que levava ao interior do iate. Era
um autntico encanto, como ela o definiu. Havia um pequeno salo com um div, poltronas, bar e grandes
janelas de ambos os lados. Havia uma cozinha, quatro
camarotes e um compartimento para o rdio e o rdio-
telefone, que servia tambm para guardar canios de pesca e equipamento para caa submarina.
Depois de verem tudo, regressaram ao pequeno salo.
Montalbn sentou-se no div, sob uma das janelas.
Creio que deve ser uma hora... murmurou. Uma hora... Em Nova Iorque, a esta hora no h
tempo para o amor... No h tempo para nada...
Mas no estamos em Nova Iorque. No ela sentou-se junto a ele, olhando-o
intensamente. No estamos em Nova Iorque, Diego... * * *
Duas horas... murmurou Diego, acariciando meigamente os cabelos de Brigitte.
Tem certeza, querido? Bom... Talvez um pouco mais, ou um pouco menos.
Voc est gostando do Pandora? Estou... sorriu ela. Mas agora penso que os
nova-iorquinos tm razo.
Em qu? Em que se deve comer alguma coisa. Voc vem
comigo ao meu bangal? H de tudo l, graas sua
generosidade. E agora tambm voc foi... generoso.
Uma simples ateno para com uma jornalista famosa riu Diego Montalbn. Gostaria de almoar com voc, mas preciso estar no Centro s trs em ponto.
Oh... Como v, at mesmo aqui o tempo e as horas tm sua
importncia.
Lamentvel... mas inevitvel. Quando nos tornaremos a ver, Diego?
No sei... Amanh, se voc quiser, poder conhecer os astronautas. Como lhe disse, so dois homens e uma
mulher. Eu os apresentarei a voc e poder falar com eles.
No quero que voc pense que, durante a hora que passou, estive trabalhando para conseguir isso.
No penso, pode crer. Assim gosto mais. O que me desagrada no nos
podermos ver at amanh. Tanto trabalho voc tem?
No! riu Montalbn. J no tenho tanto... A verdade que esta noite... Espere! Voc gostaria de ir a uma
festa a bordo de um iate fabuloso?
O do maraj Sadanjayan?
Exatamente! um homem importante, simptico, muito amvel... Foi recebido pelo Governador e esta noite
oferece-Lhe uma festa em seu iate, para a qual foram
convidadas as principais personalidades do pas.
Sendo voc uma delas, claro. Claro... sorriu Diego. Quer ir? Ao que consta,
l poderemos beber de tudo, da coca-cola ao champanha...
Haver msica, um ambiente simptico. Voc ficar
conhecendo quase todas as pessoas importantes de Coral. E
o maraj, naturalmente, que pessoa interessantssima.
Nunca vi um maraj ao natural... E creio que j tempo, querido.
No se faa iluses advertiu risonhamente Montalbn. Ele j casado com uma belssima mulher de sua raa.
Que lstima! riu tambm Brigitte. Adeus minhas esperanas de converter-me em maarni! Imagino
que essa dama hindu esteja sempre constelada de pedras
preciosas: rubis, esmeraldas, diamantes, safiras...
Nunca pus meus olhos sobre ela, mas dizem que mais formosa que a luz do sol.
Voc um antiptico, Diego. Bem... Mas acontece que voc a lua... e eu gosto
mais da lua que do sol.
Brigitte sorriu, acariciando suavemente o peito
musculoso do coralense. Depois rodeou-lhe o pescoo com
os braos.
A que horas voc ir me buscar? As Oito. Outra vez s oito. Mas no sei se devo fazer
isso, Brigitte. O maraj vai se aborrecer comigo.
Aborrecer-se por qu? O que voc est dizendo?
Ele no gostar que eu leve ao seu iate uma mulher mais bonita que a sua. E, sem dvida, sabendo amar muito
melhor do que ela.
O beijo foi como um sbito relmpago. Brigitte teve que
afastar Diego, sorrindo docemente, pois ele a abraara com
renovado ardor.
Quieto. Tenho que almoar, dormir a sesta... E voc precisa comparecer ao Centro. At logo, Diego. Fico aqui
mesmo, no Pandora. Precisa de mim para chegar praia? No! riu ele, beijando-a. Preciso de voc para
outra coisa, no para nadar.
Pouco depois, Brigitte o via chegar praia, apanhar sua
roupa e afastar-se em direo ao carro, parado sob as
palmeiras que davam sombra ao bangal.
Acendeu um cigarro e deixou-se cair no div, quase
adormecendo. Sentia-se feliz, tranqila, com vontade de
sonhar acordada... A vida era bela, s vezes, simples,
amvel, fcil...
Quem, em m hora, teria inventado os espies?
CAPTULO QUARTO O iate Kolgatar
Olhos azuis chocam-se com olhos negros
Um trio impressionante...
Meu Deus! Diego Montalbn estava a ponto de desmaiar. Diante
dele, num vestido de noite, Brigitte Montfort parecia mais
divina que nunca, como se sua pele dourada e, sobretudo
seus olhos de um azul purssimo tivessem luz prpria, de
uma intensidade ofuscante. Com os ombros e as costas
totalmente descobertos e um decote dos mais generosos,
ultrapassava os limites de qualquer descrio: v-la e cair
em xtase eram forosamente a mesma coisa.
No est gostando, Diego? sorriu. Montalbn levou uns segundos para recuperar o flego.
Moveu a cabea de um lado para outro, a fim de demonstrar
sua incapacidade de eloqncia e limitou-se a dizer:
Vamos ao Kolgatar. Embora me parea que estou cometendo uma tolice, Brigitte. Eu no devia permitir que
ningum a visse.
Voc um egosta... O Kolgatar o iate do maraj? ... Kolgatar, em hindi, significa Calcut. Santo
Deus, eu devo estar doido para no lhe pedir que fiquemos
os dois neste romntico bangal... Voc gostaria?
Voc me prometeu uma festa disse ela. E sendo oferecida por um autntico maraj indiano, espero que seja
extica... No gostaria de perd-la, Diego.
Claro... Enfim, vamos l.
Saram do bangal. Ele fechou a porta e segurou Brigitte
por um brao, apontando para onde se viam as luzes do
Hotel Galpagos, mais para o sul, seguindo a praia. O Kolgatar est quase diante do hotel, numa
pequena enseada rochosa, abrigado dos ventos e da mar.
Veremos suas luzes quando estivermos mais perto... Que tal
se formos a p, passeando?
Acho uma idia excelente. Percorreram a praia, andando devagar, abraados pela
cintura. Apenas quinhentos metros mais adiante, viram o
resplendor que parecia nascer do mar, entre os rochedos.
Caminhavam por um caminho de terra, entre flores e
palmeiras. Do mar, que ficava vinte metros sua direita,
chegava o incessante rumor das ondas, O caminho subia
bruscamente para uns rochedos, atrs dos quais viam-se
agora com muito mais intensidade as luzes briilhantes do
Kolgatar. E quando chegaram em cima, viram o iate, totalmente
iluminado, flutuando sobre guas negras que lanavam
cintilaes intermitentes. Um iate formidvel, de setenta e
cinco ps, imaculadamente branco, com dois conveses,
solrio, um toldo vermelho cobrindo a popa, junto
pequena piscina rodeada de pra-sis e cadeiras extensveis.
No convs superior no havia luz, com exceo das
regulamentares. Mas uma guirlanda de lmpadas de cor,
que ia da popa proa, transformava aquela parte do barco
num lugar estranho, como se nele ardesse um fogo de mil
cores. O convs inferior estava iluminado ao mximo,
dentro do elegante e conveniente, O Kolgatar no se movia sobre as tranqilas guas da enseada protegida dos
ventos e da mar.
Ento, que tal? um belssimo barco. Mas no a impressiona sorriu o coralense. Oh, sim, O que acontece que j vi iates to belos
como este, Diego. Em Acapulco, em Miami, em Nice, no
Rio, em Palma de Maiorca... O que menos me agrada nesses
iates o preo.
Montalbn riu e passou a mo pela espdua nua de
Brigitte.
Vamos. Por ora, voc ter que se conformar com o pequeno, mas simptico Pandora... De acordo?
De acordo sorriu Brigitte. Chegaram ao pequeno embarcadouro natural, onde duas
lanchas de tamanho reduzido aguardavam para levar os
convidados a bordo. Em cada lancha estava um hindu
vestido europia, mas de turbante, empunhando os remos,
pois fora julgado de melhor tom prescindir do motor,
demasiado escandaloso e desnecessrio para to curto
trajeto at o opulento iate.
Montalbn saltou primeiro lancha e estendeu a mo a
Brigitte, para ajud-la. J a bordo, a espi olhou o
impassvel hindu e no pode evitar um estremecimento.
Frio? estranhou Diego. No, no... Era certo. No sentia frio algum. Mas a recordao de
sua permanncia em Benares3 e seus encontros com os
tugues assassinos da ndia tinha produzido aquele inevitvel
calafrio.
3 ver: PEQUIM CHAMA BENARES
O hindu remava, imperturbvel, para o Kolgatar. No embarcadouro, dois casais impecavelmente vestidos em
trajos de soire estavam abordando a outra lancha. Brigitte
olhou de soslaio o remador e disse consigo mesma que no
era bom pensar no ocorrido tempos atrs em Benares.
Felizmente, no acontecia nada em Corlia, tudo ali era
maravilhoso. De modo que o mais sensato era que se
dispusesse a desfrutar ao mximo a fabulosa festa que sem
dvida o maraj havia preparado.
Como o nome completo do maraj, Diego? Nadir Sadanjayan. E como ele? Voc j o viu? J. ... Bom, posso economizar a descrio, pois
estar espera de seus convidados, naturalmente. A o
tem...
Nadir Sadanjayan, maraj de qualquer provncia da
extensa ndia, estava, efetivamente, de p junto escadinha
do iate, pela qual deviam subir os convidados. De baixo,
enquanto a lancha se detinha, Brigitte olhou-o atentamente,
com sua habitual penetrao psicolgica.
A primeira impresso que Nadir Sadanjayan produzia
era de gigantismo. Sim, uma justificada impresso de
gigantismo, pois devia medir um metro e noventa, pelo
menos. Entretanto, sua elevadssima estatura era
harmoniosa, elegante, atltica. Estava simplesmente
irreprochvel em seu corretissimo smoking, seu turbante
vermelho no qual brilhava uma pedra preciosa, prendendo
uma pequena pluma. Sua tez era muito escura, bronzeada.
Usava barba e um bigode de pontas levantadas. Parecia-se
totalmente com as clssicas estampas do hindu de casta
superior, orgulhoso e arrogante. Seu rosto era enrgico,
como talhado em pedra.
E quando chegou em cima e viu aqueles grandes olhos
negros, como abismos sem fundo, Brigitte ficou
definitivamente impressionada. Decerto, tinha visto muitos
iates como aquele, em suas constantes andanas pelo
mundo. Mas nunca tinha visto um homem como Nadir
Sadanjayan, de to vasta e bem proporcionada estatura, de
to forte magnetismo pessoal. Apenas Nmero Um, seu
querido Nmero Um, sobrepujava em galhardia e virilidade
aquele estranho indivduo de olhos abismais...
Ele inclinou-se cortesmente diante dos recm-chegados.
Bem-vindo minha casa do mar disse em perfeitssimo ingls. Nadir Sadanjayan muito se honra de sua visita e declara-se seu escravo.
Quando se endireitou, Brigitte teve que erguer a cabea
para poder olh-lo nos olhos. E justamente ento pareceu
brotar uma centelha daquela troca de ornares entre uns
maravilhosos olhos azuis e uns terrveis olhos negros. Foi
como um duplo impacto magntico, como se uma corrente
se estabelecesse de pronto entre ambos os pares de olhos.
Diego Montalbn, Alteza inclinou-se levemente o coralense. Apresento-lhe miss Brigitte Montfort, jornalista norte-americana.
Lembro-me de sua pessoa, seor Montalbn sorriu o maraj, mostrando os dentes branqussimos. Porm ainda no tinha visto miss Montfort.
Estendeu a mo a Brigitte, que sentiu a sua perder-se
entre aqueles longos dedos finos e fortes, naquela palma
que tinha o dobro do tamanho da sua.
Mss Montfort chegou ontem, Alteza. Espero no ter sido incorreto ao convid-la para vir ao Kolgatar.
Sadanjayan tomou a inclinar-se, sorridente.
Incorreo teria sido no convid-la, seor Montalbn. Permitam-me apresentar-lhes minha esposa,
maarni Ratna Jinnah.
Brigitte j tinha visto, naturalmente, a mulher que estava
esquerda e um pouco atrs de Nadir Sadanjayan. Uma
mulher de menos de vinte anos, com o que Sadanjayan
devia exced-la em quinze pelo menos no tocante idade,
talvez mesmo em vinte. Uma jovem admirvel, cuja
estupenda beleza s por perfeitos idiotas poderia ser posta
em dvida. Tinha um rosto ovalado, uns lbios cheios sem
exagero, um queixo fino. Seus cabelos negros eram
repartidos ao meio e puxados para trs. Tal como o maraj,
vestia-se europia, com elegncia e distino
verdadeiramente notveis. Sua pele tinha um tom escuro,
azeitonado. Seu corpo esbelto, elstico, ostentava formas
admirveis. Mas o que definitivamente tornava Ratna
Jinnah uma autntica beldade eram seus olhas, grandes,
rasgados e um tanto oblquos, absolutamente negros e de
um brilho extraordinrio. Tinha sobre os cabelos um
pequeno diadema de prolas, do qual pendia um enorme
rubi, que se situava exatamente no centro de sua testa. Na
verdade, uma mulher impressionante.
Mas to impressionante com o maraj e a maarni era o
animal que estava ao lado desta, preso por uma correia
ligada coleira de ouro que lhe cingia o pescoo. Era um
grande chita de cabea pequena e quartos traseiros
poderosos. Da famlia dos leopardos, o magnfico animal
sobressaa por sua soberba presena felina; imvel junto a
sua ama, parecia considerar com desprezo tudo quando lhe
ocorria ao redor, dignando-se apenas a abrir os olhos,
reluzentes, malignos, de tamanha fixidez que Brigitte
precisou fazer um esforo para no estremecer novamente.
Era como um gigantesco gato, manchado de amarelo e
negro, com pelo menos cinqenta quilos de friso. Um s
munhecao daquele bicho podia ser mortal.
No tenha receio sorriu levemente a maarni, aps a apresentao. Yaksa inofensivo, miss Montfort.
Fico mais tranqila por saber disso sorriu tambm Brigitte. De qualquer modo, ser melhor que continue preso pela correia, Alteza.
Insisto em que no deve preocupar-se. Mesmo que ele andasse solto pelo iate, nunca faria mal a ningum.
A menos interveio Sadanjayan que algum pretendesse fazer mal a minha esposa, naturalmente. Ou a
qualquer uma das pessoas de bordo. Queiram desculpar-nos,
mas chegam outros convidados... Tomaremos a nos
encontrar dentro de alguns minutos.
Novas inclinaes de cabea, e Brigitte e Diego
afastaram-se de junto escada, dando lugar aos novos
convidados.
Havia muita gente espalhada pelo convs, rebrilhante de
luzes, jias e espduas nuas. Garons vestidos maneira
hindu, de bombachas, turbante e ps descalos passavam
continuamente, com bandejas em que se viam bebidas
diversas. Formavam-se pequenos grupos, que conversavam
animadamente, sobre um fundo montono de msica
indiana, que se distribua com a mesma discreta tonalidade
por todo o convs, graas a uma perfeita instalao de alto-
falantes.
L est o Governador, Brigitte. Vamos. Quero apresent-la a ele.
Brigitte assentiu com a cabea, sorrindo, como se
estivesse distrada. Voltou-se lentamente, com cautela, para
olhar o impressionante trio constitudo por Suas Altezas e o
chita-leopardo.
E novamente houve aquele choque fortssimo entre os
olhos azuis da mais astuta espi de todos os tempos e os
intensamente negros de Nadir Sadanjayan, maraj de
qualquer provncia da ndia.
CAPTULO QUINTO O Centro Espacial precisa de um diretor
Um cadver atirado ao mar
A arte da mulher que ama, segundo Ratna Jinnah
O Governador de Corlia era um homem alto, forte,
ligeiramente calvo, de olhar direto, nobre e inteligente.
Falava movendo muito os braos e as pessoas que estavam
diante dele, ouvindo-o, sorriam com agrado, encantadas
com o que dizia. A seu lado, sorrindo mais ainda, uma
bonita mulher, de nobres feies, prendia-se a um de seus
braos.
sua esposa... disse Montalbn. Uma dama encantadora, como ver. de uma simpatia quase superior
do Gov...
Diego, meu caro! chamava naquele momento Sua Excelncia, voltado para ele. Venha c. Faz uma semana que no o vejo...
Montalbn aproximou-se, sorrindo, e apertou a mo que
lhe estendia o Governador.
Muito trabalho, don Gilberto. Sou o primeiro a lamentar o fato de no poder visit-lo mais amide. Boa-
noite, dona Claudia.
A senhora do Governador sorriu docemente.
No deveria trabalhar tanto, Diego. Para qu? J est tudo feito!
Houve alguns risos e as pessoas que at ento tinham
estado a entreter o Governador e sus esposa se afastaram.
Creio que nunca estar tudo feito, dona Claudia contradisse amavelmente Montalbn. Mas pareceu-me que esta noite poderia permitir-me o luxo de algumas horas
agradveis... Apresento-lhes miss Brigitte Montfort, do
Morning News de Nova Iorque. Miss Montfort muito bela sorriu o Governador,
inclinando-se. Espero que fale bem dos Estados Unidos do Coral, quando escrever seus artigos.
Don Gilberto Cceres, Governador de Corlia... E sua esposa, dona Claudia.
Brigitte apertou a mo de ambos, sorrindo.
Muito prazer... No s escreverei bonitos artigos sobre Coral, Excelncia, como recomendarei seu pas a
meus amigos, para que venham aqui passar suas frias.
timo! exclamou Cceres. Ah, este nosso Diego, sempre teve sorte para conseguir simpticas
amizades! No mesmo, Claudia?
Comeando pela de ambos... disse sinceramente Montalbn. Mas miss Montfort no est aqui exatamente para escrever artigos tursticos, don Gilberto. a pessoa
para a qual foi solicitada sua autorizao a fim de que
pudesse visitar o Centro Espacial.
Oh, sim, estou lembrado... Gilberto Cceres olhou atentamente para Brigitte. Espero que a esteja atendendo bem, Diego.
Fao o possvel... Mais que o possvel corrigiu Brigitte. O seor
Montalbn tem-me atendido maravilhosamente, a ponto de
enviar-me livros, gravaes, champanha... inclusive
conseguiu-me um pequeno iate de aluguel chamado
Pandora. Pandora? De aluguel? Cceres olhou
zombeteiramente para Montalbn. Voc no tinha um iate com esse nome, Diego?
Diego Montalbn ficou vermelho. Brigitte olhou-o
surpreendida. Sbito, ps-se a rir.
Oh! Foi um bonito gesto, Diego! Como poderei agradecer?
Realmente, no tenho precisado do iate estes dias. E pareceu-me que...
Ele capaz de desculpar-se por haver emprestado um iate... comentou Cceres. assim o nosso Diego. J visitou o Centro Espacial, miss Montfort?
Oh, sim. Claro. Que achou dele? perguntou o Governador. Pequeno, mas excelente. Ah! Pensa assim, de verdade? Saiba que uma jovem
encantadora, miss Montfort! De fato, tudo tem sido
encantador estes dias... Espero que faa bom uso das
informaes que estamos concedendo ao seu jornal.
Informaes no concedidas ainda a nenhum outro rgo
estrangeiro.
Perdo... estranhou Brigitte. Receio no estar compreendendo...
Quero dizer que esperamos ser tratados de um modo simptico em seus artigos. Sei muito bem que por sermos
um pas pequeno, vamos surpreender o mundo com este
lanamento espacial... E gostaria que, ento, o mundo j
soubesse alguma coisa a nosso respeito.
Oh, compreendo... Como suponho que tenha sido esse um dos motivos pelos quais foi permitida a instruo
de uma jornalista americana, terei que satisfaz-lo, sem
dvida.
Noto que muito perspicaz... observou Cceres. Compreendeu-me perfeitamente. Ah, Diego, tenho uma boa notcia para voc. Quer dizer, mais ou menos boa, pois
no sei ainda como terminar tudo isto.
A que se refere? interessou-se Montalbn. O presidente quer nomear, depois do lanamento, um
diretor do Centro Espacial. Pensei em voc e...
Mas don Gilberto... Pedro mais indicado que eu! No me parece justo preteri-lo...
Pedro Morales tem seus mritos e voc tambm sorriu Cceres. J esperava essa reao de sua parte, pois conheo sua generosidade. De qualquer modo, o Presidente
tambm pensou em Pedro. Est um pouco indeciso entre a
longa experincia dele e o inegvel talento de que voc tem
dado provas. Por isso lhe disse que a noticia era mais ou
menos boa. Talvez Me se decida por Pedro, afinal.
Isso no seria uma noticia m para mim, dan Gilberto.
Eu sei, eu sei bateu-lhe amigavelmente no ombro. Bom, v se distrair um pouco por a, rapaz. Creio que
Pedro est sua procura, mas se quer um bom conselho,
evite-o: Me lhe falar do projeto e voc precisa que lhe
falem tambm... olhou sorridente para Brigitte. Bom, de amor, de coisas amenas, da lua... No h uma bonita lua
esta noite, querida?
Assim riu Claudia Cceres. E parece que em noites enluaradas voc f ala mais do que nunca, Gilberto.
Vamos tomar alguma coisa, pois assim ficar calado... At
logo, Diego. Foi um prazer, miss Montfort. Espero que
aprecie sua permanncia em Coral.
Estou apreciando sorriu Brigitte. Creio que vou em busca de Pedro murmurou
Montalbn, vendo afastar-se o Governador e sua esposa. Por Deus, no gostaria que ele pensasse estar eu fazendo
alguma coisa para tirar-lhe o posto de...
No seja criana interrompeu-o Brigitte. E pensam em nomear voc diretor do Centro
Espacial, ser por algum motivo. No creio que voc
precise desculpar-se por ter estudado em meu pas, depois
estagiado em Cabo Kennedy... Nem creio tampouco que
deva desculpar-se por possuir talento.
Bom... Vamos roubar uma taa de champanha. Como j
sabe, algo que adoro. Principalmente com cereja.
Com cereja? Acha isso surpreendente? Bem... Um pouco, talvez. Sabia voc que em Coral
temos as mais bonitas e saborosas cerejas do mundo,
Brigitte?
No! exclamou ela.
Sim! riu Diego. Mas no creio que o maraj tenha cerejas a bordo.
Ento, me resignarei a tomar champanha, apenas. Mas por favor, no me faa esperar mais. Estou morrendo
de sede.
* * *
Meia hora mais tarde, todos os convidados j tinham
chegado a bordo, O maraj ia atendendo uns e outros,
refinadamente corts, corretssimo. Era o que se chama um
homem do mundo, no havia dvida. Junto sua majestosa
e gigantesca figura, Ratna Jinnah destacava-se como uma
jia, sempre com o seu chita-leopardo ao lado. Em vrias
ocasies, os olhares de Brigitte e Nadir Sadanjayan se
tinham encontrado. Como resposta a tais olhares, surgia um
sorriso nos lbios da espi e brilhava uma centelha ardente
nos olhos negros do hindu.
Diego Montalbn, contra sua vontade, tinha sido
assediado por amigos e companheiros de trabalho, que
conversavam animadamente, quase com excitao. Pedro
Morales, que a princpio havia feito parte daquele grupo,
fora-se distanciando discretamente, perdendo-se entre os
outros convidados, que elogiavam com entusiasmo a festa
do riqussimo maraj.
Sem se dar conta, Brigitte encontrou-se olhando
fixamente para Pedro Morales, o homem que, junto com
Diego, a recebera na tarde anterior no aeroporto, o grande
amigo do pintoso Montalbn, que talvez fosse nomeado
diretor do Centro Espacial.
Viu-o entrar no recinto dos camarotes, aps relancear a
vista em todas as direes, inclusive para onde ela estava.
S que, ento, Brigitte j desviara seu olhar, fixando-o na
taa que tinha nas mos.
Quando tomou a olhar para Pedro Morales, este j no
estava vista. Por um instante, ela contraiu as sobrancelhas.
Deixou a taa na bandeja de um dos servos hindus que
passava e dirigiu-se lentamente para a entrada dos
camarotes. Nem sequer se deu ao trabalho de verificar se
algum a observava, limitando-se a entrar com toda a
naturalidade.
Havia um bonito corredor central, atapetado, com os
camarotes aos lados. Nele no viu ningum, mas poucos
segundos depois ouviu a voz de Pedro Morales, demasiado
alta, excitada. Quase histrica. Aproximou-se da porta atrs
da qual tinha ouvido a voz. No havia dvida: era Pedro
Morales, falando atropeladamente. Na verdade, parecia
muitssimo assustado. Suas palavras chegaram claramente
aos ouvidos de Brigitte, cuja sutileza de audio
ultrapassava em muito a de qualquer ser humano comum.
... assassinato monstruso! exclamava ele com voz trmula. Nunca faremos isso!
Falava em espanhol. E recebeu a resposta na mesma
lngua:
Acalme-se, Morales. Voc est exagerando as coisas...
Exagerando as coisas! gritou o excitado cientista. Podem morrer milhares de pessoas com esse maldito Zavo! Esto loucos? Esto todos loucos?
Ningum est louco aqui. Salvo se o estiver voc, que concordou em intervir e agora est discutindo a realizao
do plano.
Mas trata-se de um plano criminoso...
Voc concordou em colaborar, no? No concordei com isso! Ningum me disse nada a
respeito do Zavo! Nunca me ocorreu que tudo terminaria
desse modo terrvel! Querem minha resposta? Pois no!
Est nos colocando em dificuldades, Morales. Por qu? Faam o que penso fazer eu: no intervir. Diz isso agora? Estamos em tempo! Deixemos que o lanamento seja
normal, que tudo saia segundo o previsto. Tudo o que temos
a fazer esquecer o Zavo, no permitir sua incluso nessas
rbitas... Isso tudo o que temos que fazer.
J no podemos mais recuar, Morales. Pois eu posso! E previno-os de uma coisa: se amanh
no me anunciarem sua deciso de impedir que esse Zavo
sela includo nas rbitas, eu contarei tudo ao Governador.
No me importa o que acontea comigo, fiquem sabendo.
Seja razovel... grunhiu outro. O Zavo j est a caminho e dever chegar amanh ou depois de amanh.
Tudo foi preparado para o lanamento, Pedro. Esse Andrei
Voronich j deve estar voando com o Zavo para Coral...
Que lhe diremos quando chegar? Que mudamos de idia?
E por que no? perguntou Pedro Morales. Por que no passvel, que diabo! Alm nisso, est
aqui o maraj... No podemos voltar atrs, digo-lhe eu!
Pois eu no permitirei esses milhares de mortes! E nada mais temos a falar, Benito!
Pedro, Pedro... Voc est complicando demasiado as coisas! Ns j fomos pagos, estamos comprometidos...
Eu devolverei o dinheiro! Oua... Nenhum de ns sabia realmente o que era o
Zavo...
Fomos enganados! Est bem, fomos enganados... Voc tem razo.
Disseram-nos uma coisa muito diferente do que depois
viemos a saber sobre o Zavo. Mas se voltarmos atrs,
arruinaremos nossas vidas, nossas posies, nossa carreira...
Seremos expulsos de Coral, talvez at condenados morte...
No mnimo, trinta anos de priso. O nico modo de evitar
isto ir em frente, aceitar as coisas como so...
Eu jamais aceitaria isso! Pedro, se agora... intil grunhiu outra voz. Voc no o
convencer, Benito.
Houve uns segundos de silncio.
Bem... suspirou o chamado Benito. Parece que somos obrigados a tomar uma deciso... desagradvel
Brigitte empurrou muito levemente a porta. Apenas
alguns milmetros... E pela estreita fenda pode ver, de frente
para ela, Pedro Morales, rosto congestionado e plido ao
mesmo tempo, em assombroso contraste; grossas gotas de
suor escorriam de sua testa... Sbito, por trs de Pedro
Morales apareceu um dos servos hindus de Nadir
Sadanjayan. Pedro Morales no lhe prestou a menor
ateno, pois dedicava a olhar os rostos dos homens que
tinha diante de si e os quais Brigitte no podia ver.
Mas viu, de repente, a faca que apareceu na mo do
servo hindu. Foi s um instante. O hindu atuou com tal
rapidez, que no lhe deu tempo para nada: cravou a faca nos
rins de Pedro Morales, ao mesmo tempo em que com o
outro brao segurava-o pela frente, tapando-lhe a boca. O
gemido de Pedro Morales foi abafado por aquela mo
escura e seus olhos se arregalaram... Tornou a gemer e a
crispar-se quando a faca se cravou pela segunda vez em
suas costas. E aps ser desferida a terceira facada, o hindu
teve que sustentar quase que todo o peso do infeliz cientista,
Cujos olhos esbugalhados pareciam ter-se transformado em
bolas de vidro, com as pupilas j congeladas pelo frio da
morte.
Meu Deus... murmurou algum no camarote. Apareceu outro hindu, que ajudou seu companheiro a
sustentar o cadver de Pedro Morales. Brigitte sentiu-se
tensa como uma barra de ao, como se todo seu corpo
tivesse bruscamente sofrido um curioso processo de
metalizao. Viu os dois hindus carregarem o cadver de
Morales e abriu a porta mais alguns milmetros. Sabia que
todas as pessoas reunidas dentro daquele camarote estariam
fatalmente obcecadas pelo ocorrido, olhando apenas para o
cientista coralense recm-assassinado. Ningum teria idia
de olhar para a porta.
Pode ver a mo de um hindu abrindo a grande vigia do
camarote; depois a cabea de Pedro Morales pendendo
frouxamente... J no precisava ver nada mais para
compreender que o cadver ia ser lanado no mar.
Evidentemente, no convinha deix-lo no camarote: era
melhor jog-lo na gua e recuper-lo mais tarde, para ento
faz-lo desaparecer definitivamente.
Puxou lentamente a porta, at fech-la, e afastou-se dali.
Sentia no peito aquela presso angustiosa que sempre
acompanhava seu desejo de matar, porm compreendia
perfeitamente que no era o momento de permitir uma
interveno da agente Baby. Quantos homens devia haver naquele camarote para lhe fazer frente, estando ela
desarmada? No lhe foi de nenhum modo difcil dominar-
se, reconhecer que teria sido um suicdio tentar alguma
coisa naquele instante. Alm disso, os que estavam l dentro
iam sair de um momento para outro...
Dirigiu-se para a porta que levava ao convs. Mas ainda
no havia chegado l quando ouviu os passos na escada de
madeira.
Voltou-se como um relmpago, empurrou a porta de um
camarote qualquer e entrou, fechando-a atrs de si. Lanou
uma rpida olhada a seu redor. Era um ambiente extico,
adornado de sedas, bem perfumado... Bastante espaoso,
tinha uma cama no centro. O assoalho brilhava. A um lado,
viu uma cabea de tigre, empalhada.
Aplicou o ouvido porta. J no soavam os passos.
Abriu velozmente, lanou-se para fora e ficou imvel,
petrificada: diante dela estava Yaksa, o chita de Ratna Jinnah, olhando-a com seus olhos reluzentes, mostrando
silenciosamente suas agudssimas presas. Junto a ele,
sujeitando-o pela correia, estava a belssima hindu, com seu
rosto moreno de expresso impenetrvel, fixando-a com
aqueles enormes olhos negros.
Ainda plida de espanto pelo inesperado encontro com o
chita-leopardo, Brigitte olhou a hindu e sorriu, com pouco
xito em termos de naturalidade.
Eu... creio que me perdi por este barco, Alteza... o camarote do maraj sussurrou suavemente
Ratna Jinnah. E no lhe agrada que ningum entre sem sua permisso.
Lamento... Sinceramente, lamento. Desci procura do toalete, empurrei esta porta, vi um quarto to...
extraordinrio, e me entretive uns segundos admirando-o.
Vou conduzi-la ao toalete, miss Montfort.
Agradeo-lhe. Oh, estou ainda assustada... indicou o felino de olhos reluzentes. Nunca tive perto de mim animais desta espcie.
J lhe disse que Yaksa inofensivo... quase sempre. Mas se eu no estivesse com ele, certamente a teria
atacado ao v-la sair do camarote de seu amo. Teramos que
lamentar um infeliz acidente, miss Montfort.
Bom... Brigitte suspirou, sorrindo agora com mais xito. Por sorte, Vossa Alteza estava com Yaksa. Que significa seu nome?
Ratna Jinnah apontou para frente e ambas seguiram pelo
corredor, sempre acompanhadas pelo chita, cujas patas no
faziam o menor rudo ao tocar no cho; parecia deslizar,
mais que caminhar. A porta do outro camarote abriu-se
ento e Brigitte viu fugazmente seu interior; o tempo
suficiente para compreender que era o salo de fumar, com
almofades, poltronas, mesinhas de sndalo... Viu os trs
homens sarem. Viu perfeitamente seus rostos, ainda
crispados. Eles saudaram com inclinao de cabea e
caminharam pelo corredor em direo contrria. Atrs dos
trs homens, saram dois servos hindus, cada um
transportando uma bandeja com garrafas e copos... Quem
diria que acabavam de assassinar um homem l dentro, a
facadas?
A maarni abriu uma porta e indicou o interior. Brigitte
entrou, maravilhando-se com a beleza e o exotismo daquele
toucador, que era ao mesmo tempo quarto de banho. Uma
grande banheira, de mrmore rseo, exibia a suntuosidade
de suas torneiras de ouro puro. Em fronte, um grande
espelho, uma penteadeira e algumas banquetas forradas de
pele de tigre. O cho era de um brilho ofuscante.
Meu marido, o maraj, adotou faz algum tempo os usos e costumes europeus, naturalmente explicou em tom vago Ratna Jinnah. E acha que eu sempre devo ter o melhor. um homem muito bondoso e de generosidade
extrema.
Assim parece. Vossa Alteza feliz... Espero que a bondade de seu esposo seja completa.
Completa? Que quer dizer? Que espero, se ele vier a morrer antes, no seja Vossa
Alteza queimada viva na mesma fogueira.
Um levssimo sorriso apareceu no belo rosto da hindu.
No creio. J lhe disse que ele aceitou e adotou os usos e costumes europeus... Sinta-se vontade, miss
Montfort. Todos os meus perfumes esto ao seu dispor. Use
o que desejar.
Abriu o espelho e surpreendeu Brigitte deixando a
descoberto um pequeno armrio cheio de perfumes de todas
as procedncias: de Hong-Kong, Paris, Nova Iorque, Roma,
Cingapura, Nova Deli. Tambm havia ali uma
extraordinria abundncia de artigos de beleza.
Queria apenas retocar um pouco minha maquilagem murmurou Brigitte. Creio que o mar no bom para certos produtos muito delicados.
Pode usar qualquer perfume ou creme. Eu quase nunca o fao. Mas meu esposo insiste em que eu disponha
de tudo.
Claro... natural. Olhou de soslaio para a jovem maarni, que havia
soltado a correia da coleira do chita e sentara-se em outra
banqueta. O animal estendeu-se no cho e ficou olhando
sempre daquele modo fixo e maligno para a espi
internacional.
muito bonita, miss Montfort disse subitamente Ratna Jinnah.
Oh... Muito obrigada. Sei que tambm o sou tornou a sorrir a hindu.
E suponho que se tenha dado conta disso.
Sim... Sem dvida. Meu esposo gosta de mulheres formosas. Quando me
conheceu, em Calcut, logo me props casamento... Foi um
pretendente muito generoso e delicado, mas apesar disso
estive a ponto de recus-lo, pois sou de uma famlia rica e
no necessitava de seu dinheiro nem de suas atenes... A
verdade que no me agradava muito. Mas... depois gostei
dele e aceitei ser sua esposa. Nunca me arrependi.
Ento foi um casamento perfeito sorriu Brigitte. Evidentemente, Vossa Alteza feliz.
Sou... Creio que sou. Compreendo que um homem que j tem uma bonita jia preste ateno a outra que no
possui... ainda. Mas a arte da mulher que ama est em saber
afastar do caminho de seu esposo as outras jias... seja
como for. Com isto, fica preservada sua felicidade, bem
como a tranqilidade e a felicidade do esposo.
Brigitte olhou atentamente para a belssima indiana,
atravs do espelho. Ratna Jinnah tambm a olhava atenta. E
ambas sabiam perfeitamente o que ela havia querido dizer.
A espi internacional acabou de retocar sua maquilagem
e sorriu como quem no compreendeu seu interlocutor, mas
o bastante educado para evitar perguntas que poderiam ser
excessivamente ntimas.
Bem... Parece-me que j me tornei apresentvel... guardou o pequeno estojo de platina e brilhantes. Ainda no me disse o que significa o nome de seu animal favorito,
Alteza.
Yaksa significa gnio. H yaksas e yaksis, ou seja, gnios machos e gnios fmeas.
Ah... evidente que seu animal macho, ento. Creio que podemos voltar ao convs se Vossa Alteza est
de acordo. No vai por a correia em Yaksa? Ratna Jinnah tornou a prender o chita, em silncio.
Saram do camarote e, pouco depois, surgiram no convs.
Imediatamente, apareceu diante delas o maraj, sorrindo,
com um brilho intensssimo nos olhos negros.
A noite havia ficado sem luz... inclinou-se. Mas j nossos olhos tornam a deslumbrar-se com a radiante
beleza das duas mulheres mais belas do mundo. Est se
divertindo, miss Montfort?
CAPTULO SEXTO Um maraj consternado
A brincadeira do radioamador louco
Evidentemente, o melhor dormir.
Brigitte sorriu como se desculpando por antecipao
pelo que ia dizer:
Pois, para falar com franqueza, no muito. Nadir Sadanjayan franziu a testa, profundamente
aborrecido. Por um instante, seus terrveis olhos negros
fixaram os de sua esposa.
Sinto muito... murmurou. E gostaria de fazer alguma coisa para por termo ao seu aborrecimento. Se acha
que algo est faltando no Kolgatar, peo-lhe que me diga para que imediatamente...
No, no... sorriu Brigitte. Vossa Alteza no compreendeu, ou eu me expressei mal. Na verdade, tudo
perfeito no Kolgatar. Meu aborrecimento tem um motivo diferente.
Que motivo? Bem... Cheguei aqui em companhia do seor
Montalbn e receio bastante que ele tenha encontrado um
assunto de conversa mais agradvel que o que lhe poderia
proporcionar.
Indicou com o queixo o lugar onde Diego, bem a
contragosto, evidentemente, continuava discutindo entre
vrios homens que o assediavam.
Ah Sadanjayan tambm sorriu, ento. Eu estava consternado, miss Montfort. Mas agora que
compreendo o motivo de seu tdio, creio que encontrarei
uma soluo olhou para a esposa e murmurou algumas
palavras em hindi; Ratna Jinnah assentiu com a cabea e
afastou-se com o seu chita, em direo a Diego Montalbn;
o maraj f& um sinal a um de seus servos, que se
aproximou pressurosamente com uma bandeja. Permite-me oferecer-lhe uma taa de champanha?
Receio j ter tomado demasiado, mas... Bem, no posso desprezar um convite pessoal de Vossa Alteza.
Sadanjayan retirou uma das taas da bandeja e ofereceu-
a a Brigitte. Retirou uma outra e com um gesto despediu o
servo. Olhou com aquela peculiar intensidade os olhos azuis
da espi.
Chame-me Nadir, simplesmente, miss Montfort. Sempre achei que um tratamento excessivamente
cerimonioso dificulta um entendimento... agradvel.
Vejo que muito gentil, Nadir murmurou ela. O maraj encolheu os ombros. Indicou a borda e ambos
foram para l.
Por ns... ergueu a taa de champanha. E espero que no lhe desagrade o brinde, miss
Montfort.
A mim no. A algum, por acaso? A sua esposa, talvez. Oh... Mas as mulheres hindus so condescendentes,
geralmente. Por favor, no interprete estas palavras como
uma ousadia de minha parte. Apenas quis dizer que Ratna
uma mulher de casta superior e, portanto, no pode ter
cimes.
Brigitte tomou um gole de champanha. Ao que parecia,
o maraj no tinha uma idia muito clara sobre o assunto.
As mulheres, Nadir, tm todas a mesma casta, em certos momentos. Um poeta, que certamente no era hindu,
disse que uma mulher que ama e exatamente igual a
qualquer mulher que ama.
Sadanjayan olhou-a com divertida surpresa.
Sem dvida quase sorriu isso no foi dito por um poeta hindu. Conhece nossos poetas, miss Montfort?
Peo-lhe que me chame Brigitte, simplesmente... Poetas hindus? Sim, conheo pequenas coisas de alguns.
Possivelmente em ms tradues. Li algo de Bharavi,
Magha e Bana... Tentei tambm compreender os Puranas,
que glorificam a Xiva o Vixnu. Depois, entre os poetas
modernos, li alguma coisa de Chakravarty, Dey, Bora,
Mehta... E est claro que de Rabindranath Tagore. Alm
disso, duas ou trs novelas de Benarjec, Nasendra e Mitra.
Confesso-lhe que at o momento no senti um excessivo
interesse por seu pas, Nadir.
O maraj estava completamente assombrado.