08Biopirataria e Os Wapichana Thiago Avila

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Biopirataria e os Wapichana: etnografia sobre a bioprospeco e o acesso aos recursos genticos na Amaznia brasileira

Thiago vila1Resumo - Este artigo explora novas temticas das relaes entre povos indgenas e Estados nacionais no cenrio intertnico contemporneo. O acesso aos recursos genticos com conhecimento indgena associado vem sendo um novo ponto de seus movimentos sociais, assim como o direito pela biodiversidade vem sendo defendido por pases megadiversos como o Brasil. Esta conjugao de interesses incomum entre Estados nacionais e povos indgenas. O artigo uma etnografia sobre o patenteamento de dois produtos feitos a partir de pesquisas etnobiolgicas com os ndios Wapichana, um povo que vive nas savanas de Roraima (Brasil) e Repblica Cooperativista da Guiana. Sua inteno analisar as rupturas e continuidades com o estilo das relaes intertnicas brasileiras, ressaltando a maneira criativa como os Wapichana adotaram esta nova temtica e passaram a reivindicar seus direitos intelectuais coletivos. Palavras-chave: Povos indgenas. Wapichana. Biopirataria. Conhecimento tradicional. Biodiversidade.

[...] Os Wapichana, meu povo, habitam parte do lavrado no Brasil e na Guiana Inglesa [...] Por termos conhecimento comuns sobre a vegetao, tanto no Brasil quanto na Guiana Inglesa, utilizamos uma planta de nome cunani, na pesca. Tambm produzimos medicamentos extrados de uma rvore conhecida por tipir ou corao verde em nossa medicina tradicional. Muitos de nossos parentes nem imaginam o que nossos conhecimentos podem representar para as indstrias. E foi por isto que o qumico Conrad Gorinsky, filho de uma ndia Wapichana com um alemo [...] pesquisou o cunani e o tipir prometendo que ajudaria as comunidadesRevista de Estudos e Pesquisas, FUNAI, Braslia, v.3, n.1/2, p.225-260, jul./dez. 2006

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com medicamentos. Nunca o fez [...] O senhor Conrad Gorinsky j patenteou o cunaniol e o rupuni nos Estados Unidos, Europa e Gr-Bretanha. Ele vem buscando contato junto s multinacionais para explorar as descobertas [ ..]. (Wapichana, 1997, p. 42).

Ouvi atentamente a fala de Clovis Ambrosio Wapichana no Seminrio Internacional sobre o Direito da Biodiversidade, evento realizado no auditrio do Superior Tribunal de Justia em Braslia. Suas palavras sobre uma situao vivenciada por seu povo era a nica voz indgena e de povos tradicionais naquele importante evento, que contava com os maiores intelectuais mundiais desta temtica. Era uma fala singular naquele contexto de proteo e valorizao dos direitos sobre a biodiversidade. Eu acabara de saber desta histria, mas os Wapichana j a conheciam faz algum tempo. Em meados da dcada de 1990, lideranas do Conselho Indigenista de Roraima CIR, surpreenderam-se ao tomar conhecimento de uma reportagem publicada pela Folha de So Paulo descrevendo um caso concreto de biopirataria na Amaznia. A reportagem mostrava um processo de apropriao individual, por um pesquisador estrangeiro, de conhecimentos tradicionais coletivos de povos indgenas. Era um tema novo na mdia brasileira e para o movimento indgena tambm. As lideranas solicitaram que a assessoria jurdica do CIR levantasse maiores informaes sobre o caso. Minha proposta neste artigo discutir estas questes, luz da etnografia de duas patentes obtidas a partir de pesquisas etnobotnicas envolvendo conhecimentos do povo indgena Wapichana2 . O objetivo desta analise perceber as rupturas e226

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continuidades nos processos de relacionamento envolvendo indgenas e no-indgenas, ressaltando o modo particular como os Wapichana lidam com essas novas situaes do indigenismo, abordando o estudo de uma problemtica global desde seus entendimentos locais. A dcada de 1990 era o comeo destes debates envolvendo biotecnologia e direitos da biodiversidade na mdia de grande circulao nacional e, tambm, foi o perodo em que os movimentos indgenas de vrios pases comearam a reivindicar seus direitos intelectuais coletivos. Quase imediatamente aps o conhecimento, a questo entrou ativamente na agenda poltica dos movimentos sociais de que os Wapichana participam, principalmente o CIR, no Brasil, e a Amerindians People Association APA, na Repblica Cooperativista da Guiana. Os Wapichana so o ltimo povo indgena falante de lngua Aruak em Roraima, residindo nos campos e savanas existentes entre o leste do estado, na regio conhecida como lavrado. Vivem tambm na Repblica Cooperativista da Guiana, antiga colnia inglesa, e a sua populao atual estimada em 6.500 indivduos no Brasil e 4.000 na Guiana (ISA, 2000, p. 14). Seus territrios no foram plenamente reconhecidos em qualquer lado da fronteira e a maioria das terras indgenas dos Wapichana so pequenas glebas demarcadas em ilhas descontnuas. Vivem principalmente nas suas malocas, que tm um alto fluxo de trocas econmicas, matrimoniais e rituais entre as fronteiras internacionais. de notar que ultimamente tem se acentuado o nmero daqueles que optam por morar precariamente nas periferias urbanas dos dois pases. Esses territrios foram sendo ocupados gradualmente por diversas levas de distintas colonizaes. Holandeses, ingleses e227

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portugueses travaram uma disputa pela definio dos limites no macio guianense. No caso da ocupao dos territrios no Rio Branco, sua ocupao oficial foi motivada pela presena da Coroa, com seus fortes militares, no sc. XVIII, e pelo avano da violenta frente de expanso pastoril. Atualmente, alm da pecuria h investimentos em latifndios produtores de gros, especialmente rizicultura, para exportao. O que ocorreu entre os Wapichana pode ser definido como um exemplo de biopirataria, uma situao concreta de apropriao indevida dos conhecimentos tradicionais de povos indgenas para obteno e fabricao de novos produtos ou processos qumicos, protegidos pelos sistemas legais de propriedade intelectual. Os chamados conhecimentos tradicionais formam uma categoria relativamente recente no vocabulrio do movimento indgena e vm sendo encarados como uma fonte real de recursos estratgicos, que podem estabelecer novas relaes entre Estados nacionais e povos indgenas. Para tanto, utilizariam-se da interface entre a cincia ocidental e as cincias locais e seus conhecimentos, to cobiados no mundo ocidental, especialmente os referentes ao manejo de ecossistemas e utilizao de plantas com finalidades medicinais, alimentares, cosmticas e rituais. Essa intercientificidade seria, o subsdio de novas aes indigenistas baseadas em uma moralidade, centrada no direito ao bem-estar do Outro, e uma nova eticidade, do dever estabelecer dilogos democrticos nas aes indigenistas (Little, 2002 e Cardoso de Oliveira 2000b, p. 197). Todavia, assim como os conhecimentos tradicionais aparecem como uma potencialidade de renovao das relaes entre povos228

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indgenas e Estados nacionais, os dados disponibilizados sobre os acessos aos recursos genticos com conhecimentos indgenas associados geralmente evidenciam conflitos sociais, seja entre indgenas, seja entre estes e atores no-indgenas (vila, 2004 e Nigh, 2002). A vontade de estabelecer novos estilos de relacionamento poltico com os povos indgenas, expressa por diferentes vertentes dos movimentos indgenas e indigenistas, esbarra em dificuldades de implementao. Desencontros entre os sistemas jurdicos locais e os nacionais, ou ainda aqueles expressos na complexidade de se criar processos de construo nacionalitria (Bartolom, 2002) em situaes de polifonia poltica, so exemplos da dificuldade de se modificar as relaes entre Estados nacionais e povos indgenas. O acesso aos recursos genticos conhecidos por povos indgenas aqui entendido como um quase-objeto antropolgico (Latour, 1994). O estudo dos processos que resultaram em patentes industriais baseadas em conhecimentos Wapichana implica considerar as intrincadas e amplas redes sociais transitadas pelos povos indgenas no cenrio atual. Seria impossvel estudar esse tema sem abordar pontos como as questes das polticas de proteo ambiental global que concebem os povos tradicionais como protetores e inovadores da diversidade biolgica do planeta; a diplomacia entre pases e seus acordos; as tenses entre esses mecanismos de proteo ambiental e os modelos legais internacionais de comrcio; o interesse de empresas biotecnolgicas nos conhecimentos de que so detentores os povos indgenas; as dinmicas dos movimentos indgenas envolvidos e as suas relaes com diversas entidades (Estado e outros movimentos polticosociais), bem como as relaes dentro da prpria comunidade e/ou229

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etnia envolvida; as polticas e as histricas relaes do Estado nacional e os povos tradicionais presentes em seus limites territoriais.

Os Wapichana e sua relao com as plantas

A produo etnogrfica especfica sobre a regio do rio Branco e Rupununi relativamente rarefeita e os Wapichana no tiveram grande ateno dos etngrafos (Farage, 1997b). Somente o pesquisador ingls Willian Farabee os pesquisou nas primeiras dcadas do sculo XX (Farabee, 1964 [1918]). No Brasil, os Wapichana apareciam como os ndios do contato, civilizados, bastante aculturados. Na Guiana, por sua vez, eram descritos como ndios selvagens, por residirem em um territrio onde a presena estatal era praticamente nula e o conhecimento sobre o povo e sua cultura praticamente especulativo. O territrio Wapichana, no lado brasileiro, pode ser dividido em trs grupos: rea Surumu-Cotingo (mista, com populao Taurepang e Macuxi); rea Taiano-Amajari (mista com os Macuxi) e rea Serra da Lua, com malocas predominantemente wapichana.3 No lado guianense, eles ocupam as savanas do rio Rupununi e de seus afluentes, fazendo limite sul com as montanhas Kanaku (territrio Macuxi) e com o territrio Wai-Wai a leste. Seus territrios so nitidamente separados dos Macuxi, havendo muita competio e rivalidade entre os dois povos, em um contexto bem diferente do vivenciado no lado brasileiro. Como seus territrios no Brasil foram demarcados em ilhas, suas aldeias localizam-se em situaes geogrficas extremamente diferentes. Algumas malocas, como Canauanim, Malacacheta e230

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Tabalascada, esto prximas da capital de Roraima, Boa Vista, enquanto outras, como Jacamim, Cachoeira do Sapo e Wappum, esto distantes da capital e so praticamente inacessveis em determinadas pocas da estao chuvosa. Apesar disso, esta distncia em relao aos ncleos urbanos no representa um isolamento ou um modo de vida mais tradicional e diferenciado dos outros Wapichana. A distino que realmente importa para eles no aquela relacionada com o afastamento (ou no) da cidade, mas sim uma classificao local baseada na ocupao territorial e que considera os limites fronteirios entre Guiana e Brasil como seus axiomas centrais. Os ndios da Guiana so vistos como mais tradicionais, que ainda pescam com timb, e so tidos como os feiticeiros mais potentes. A vida no outro lado da fronteira pensada como mais tradicional do que nas malocas brasileiras. Seus movimentos migratrios entre os dois pases acompanham as dinmicas econmicas tanto no Brasil como na Guiana, fazendo com que esses movimentos alternem-se frente a diferentes presses poltico-sociais. At a revolta do Rupununi e o processo de independncia da Guiana, na dcada de 1960, os Wapichana mudavam-se em maior nmero do Brasil para l, mas aps esta revolta e os abusos cometidos contra os ndios durante o movimento de independncia da Guiana, o fluxo se inverteu. Atualmente existe um fluxo migratrio de ndios da Guiana para Boa Vista, atrados para trabalharem nas fazendas ou em empregos informais na capital4 . Portanto, no contexto, as questes de etnicidade e identidade nacional esto profundamente conectadas e so amplamente utilizadas no cotidiano indgena5 .231

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Essa separao entre Guiana e Brasil revela uma lgica local envolvendo tradicionalidade X modernidade; o medo dos feitios e uma diviso entre estilos de vida. Esta separao coexiste simultaneamente com um forte sentimento de coletividade e pertencimento tnico que une os Wapichana entre as fronteiras. [...] A cultura, a lngua, no tem diferena no, os costumes tudo igual, no tem diferena no. tudo Wapichana, bebe caxiri, n, come caa[...] (Sr. Olavo Manduca, Jacamim -200)6 . Os modos prprios de relacionamento entre os Wapichana e aquilo que chamamos de plantas representam premissas bsicas para a discusso etnogrfica das implicaes destas patentes para os Wapichana. Farage identifica trs grandes categorias no sistema de classificaes botnicas deste povo (1997, p. 72 e ss.). Neste intrincado processo, os Wapichana classificam as plantas com base na sua capacidade de interferncia e domnio frente a elas. As plantas karammakao referem-se quelas que esto na mata e selvagens, portanto no cultivadas e domesticadas. H uma segunda categoria, quase oposta, por eles denominada wapaoribao, cuja referncia so as plantas domesticadas na roa. Existem tambm aquelas plantas possuidoras de magia e poderes espirituais. Estas plantas tm vida prpria e vo crescer em ambientes em que elas sintam-se vontade, deslocando a intencionalidade de ao para a planta. Elas ficam onde gostam, possuindo uma condio especial de planta7 . O critrio de cultivo, portanto da interferncia humana no processo de crescimento da planta, define os limites entre uma e outra. A categoria karammakao no tem a presena de cuidados e representa as plantas das matas e de coleta. A categoria232

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wapaoribao apresenta as plantas cultivadas, nos quintais ou nas roas. As plantas wapaninao so aquelas que no se pode cultivar, mas com que se mantm relaes que so avaliadas e julgadas pelas plantas, independentemente da vontade dos humanos. So elas que decidem continuar ou no no quintal de uma famlia, por exemplo. Elas compartilham os mesmos princpios da intencionalidade atribudos aos humanos. As wapananinao esto nos terreiros, ao lado das casas, e a categoria terreiro distingue o lugar especial e espacial destas plantas.

Etnografia, bioprospeco e conhecimento tradicional: novas facetas das relaes intertnicas contemporneas na Amaznia brasileira

A escolha da situao dos Wapichana como um caso paradigmtico para analisar o interesse pelos conhecimentos tradicionais amaznicos, especialmente indgenas, e suas potencialidades econmicas foi bastante influenciada pelos posicionamentos ativos das lideranas indgenas. Tanto o trabalho de campo que realizei, entre dezembro de 1999 e fevereiro de 2000, como a temtica de pesquisa foram inteiramente negociadas com as lideranas do CIR, principalmente atravs do vice-Coordenador Noberto Wapichana. Noberto havia sido Coordenador-Geral da regio da Serra da Lua, cargo que havia deixado pouco tempo antes de minha pesquisa. filho de pai Wapichana nascido na maloca Karaudanawa, ao sul da Guiana, e me Wapichana, nascida no Brasil. Mudou-se recentemente para perto da sede do CIR em Boa Vista, deixando a maloca de Tabalascada, onde sua me e familiares continuam vivendo. Noberto233

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mediou minha inteno de pesquisar entre seu povo, que a autorizou de maneira definitiva na Assemblia Geral da Regio da Serra da Lua, realizada na maloca Jacamim, em janeiro de 2000. Noberto me acompanhou em todas as aldeias que visitei, apresentando-me aos moradores e aos tuxauas das malocas Tabalascada, Sand Creek, Canauanim, Malacacheta e Jacamim. Sempre explicava quem eu era, o que eu estava fazendo e quais eram meus interesses em desenvolver pesquisa entre seu povo. O CIR procura controlar as atividades cientficas nas comunidades indgenas associadas, e eu tive, inclusive, que preencher um formulrio especfico relatando quais eram as atividades de pesquisa que pretendia realizar, qual meu interesse em trabalhar com povos indgenas, quem financiava minhas pesquisas, quanto tempo ficaria em campo e quais as malocas que eu iria visitar. Esta atitude do CIR reflete a conjuntura tensa entre ndios e no-indgenas, em uma situao de intensos conflitos tnicos8 . Procurei driblar as tenses e dificuldades encontradas em Roraima com uma abordagem etnogrfica que considerasse as distintas situaes vivenciadas pelos Wapichana tanto no Brasil quanto na Guiana. Logo percebi que as implicaes das pesquisas de bioprospeco empreendidas por Gorinsky eram maiores do que eu suspeitara, principalmente no lado guianense. Assim, apesar de toda a riqueza de dados que foram obtidos com minha ida para as savanas do Rupununi, logo ficou claro que uma situao etnogrfica no-conflituosa era uma iluso que eu mesmo criava. Eu j sabia que o pesquisador Conrad Gorinsky era filho de uma ndia Wapichana com um fazendeiro descendente dos primeiros migrantes escoceses a colonizar a regio de savanas na Guiana,234

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mas no suspeitava que esse tipo de questo incomodasse veementemente seus influentes parentes em Lethem, municpio fronteirio com o Brasil. Lethem me parecia um vilarejo do interior brasileiro, com suas ruas sem asfalto e suas casas de madeira e adobe. Contudo qualquer semelhana logo desaparecia quando percebemos que esta vila uma espcie de microcosmos da Guiana. A diviso social entre indgenas, afro-descentedentes, descendentes de europeus, de indianos ou de orientais aparecia nitidamente. Os policiais e militares na fronteira so afro-descendentes, e alguns esto casados com mulheres Macuxi ou Wapichana da maloca de St. Ignatius9 . Os descendentes de europeus controlam o transporte areo e os principais pontos comerciais da cidade, excetuando as lojas de produtos eletrnicos, que so dos descendentes de asiticos. Alguns deles so casados com indgenas de St. Ignatius. Ao chegar a Lethem, eu e Noberto fomos at uma venda para comprar gua e comer. Ele conhecia o dono do estabelecimento, que logo o chamou para uma conversa mais reservada na parte de trs da loja, a qual me parecia sua residncia. Don Melville fez questo de mostrar que era uma conversa privada. Quando Noberto voltou, notei que seu semblante no era mais o mesmo, mas no conseguia identificar o que representava. Ento, logo na sada da venda, eu o interpelei. Ele me contou que Don perguntara se eu estava ali por causa das pesquisas de seu primo, Conrad Gorinsky. Com a afirmativa positiva, o comerciante pediu para que Noberto deixasse de ir atrs destas coisas, porque as ltimas notcias diziam que Conrad j havia sido despedido na Inglaterra e estava sendo sustentado pela esposa.235

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Tenho a convico que Don sabia que Noberto e eu estvamos indo para tratar de assuntos relativos s pesquisas de Conrad Gorinsky. Isto porque a liderana indgena j fora outras vezes a Lethem discutir estas questes. Recentemente esteve na maloca Sand Creek, acompanhado de uma comitiva da ento senadora e atual ministra do Meio Ambiente. Dormimos na casa do prefeito, Muacir Barreto, um indgena que se identifica como filho de pais Macuxi e Wapichana. Noberto queria inform-lo de nossa estada em Lethem e obter sua autorizao para ir at a maloca Sand Creek. Este era o clima da pesquisa de campo. A etnografia em Roraima, com sua permanente tenso relacionada aos interesses comerciais e desenvolvimentistas sobre os territrios indgenas, apresentava suas dificuldades ao antroplogo. Na Guiana, por sua vez, a temtica que escolhi para anlise era que oferecia uma tenso para o desenvolvimento da pesquisa de campo, sobretudo na regio de Lethem. Assim, eu e Noberto decidimos ir at Sand Creek, maloca que ele acreditava que teria informaes interessantes para minha pesquisa. A primeira das plantas pesquisadas por Conrad Gorinsky um dos vrios venenos de pesca conhecidos e ainda em uso pelos Wapichana. Este, eles o chamam de cunani (Clybadium sylvestre). Todavia o cunani no como os timbs de raiz, onde esta parte da planta macerada para que solte um sumo, que ir sufocar os peixes de uma determinada parte do igarap, represado atravs de substncias jogadas na gua. Com os timbs de raiz, dizem os ndios, muitos peixes morrem, inclusive aqueles que no estavam bons para o consumo humano. No complexo preparo do cunani, as folhas236

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precisam ser batidas, misturadas com massa de mandioca e, eventualmente, serem acrescidas de ingredientes opcionais. Ao preparar esta massa, ela funciona como uma isca para o peixe, portanto, somente aquele que ingerir a massa que sofrer os efeitos do timb. Isto impede que vastas extenses do igarap sejam afetadas pelo timb e, principalmente, que uma quantidade desnecessria de peixes morra. A massa fica com um aspecto grudento e de cor escura, entre o preto e o marrom. Os ndios pegam pequenos pedaos, do tamanho de um gro de milho, e jogam na gua. Quando um peixe come esta massa de cunani ele comea a se agitar e pular, ficando asfixiado e sem ar, mostrando extremo desconforto. Depois de um tempo, os peixes ficam boiando, como se estivessem mortos, e tornam-se presa fcil para os pescadores. Algum tempo mais tarde, os peixes que comeram a massa, mas por algum motivo no foram retirados do rio, voltam a nadar normalmente. A utilizao tradicional deste timb to marcante entre os Wapichana que sua descrio aparece na primeira etnografia especfica sobre o povo: [...] Cunani cresce das sementes. Ele usado de varias maneiras. Suas folhas e frutos so macerados e misturados com mandioca. Eles so envoltos por folhas de bananeira levemente assadas e feitas em PELLETS de dimetro pequenos. Eles so jogados na gua corrente do rio, onde alguns peixes o pegam. Rapidamente depois de embebecido o peixe corre rapidamente em qualquer direo, aparentemente sofrendo grande desconforto. Eles devem ser pegos neste momento (Farabee, 1967, p. 63)10 .

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O cunani cultivado pelas famlias perto dos igaraps de pesca e nas roas, sendo entendido pelos Wapichana como uma planta wapaoribao. Seu cultivo destina-se sobretudo para pesca, apesar de algumas utilizaes complementares, como tirar o excesso de pulgas de cachorro. Tanto os Wapichana no Brasil quanto na Guiana confeccionam e utilizam a massa de cunani da mesma maneira. Ressaltando que o uso e o conhecimento das propriedades desta planta so amplamente difundida no grupo como um todo, sendo cultivada, ao que tudo indica, em toda a extenso de seus territrios.[...] Ns plantava a na beira do igarap, por a assim na roa tambm. na roa que d. D mesmo. D muito mesmo. Ningum no usa o [timb] de raiz. Tem outros que a gente tira de raiz. L na minha casa de alvenaria, da onde eu vim pra c, tem muito[...] Era s a folha que usa amisturado com massa que a gente faz beiju. Parece p de moleque pequenininho, misturado assim com a gordura. Amassa a folha, machuca bem ela, bem moidinho, moidinho mesmo. S massa, s massa[...] (D. Maria, Taba Lascada, 15-12-2000). [...] Eu pelo menos j plantei, l onde eu morei [Ashailton, Guiana], passei uns 10 anos l. Eu conheo aquele cunani[...] A gente planta muito l. Aqui ningum planta porque no tem aonde a gente usar[...] No tem, quer dizer aqui tem, mas proibido a gente usar. Por que este a mata tudo, mata animal, mata peixe. A gente usa aonde tem gua via parada, a a gente coloca e mata peixe e essas coisas. At a gente usa isso tambm para fazer remdio matar pirra do cachorro[...] (Silvestre, idem.).238

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A outra planta tradicionalmente conhecida pelos Wapichana e que foi alvo das pesquisas de bioprospeco de Conrad Gorinsky o tipir ou biribiri (Octoea rodioei). Os depoimentos dos indgenas indicam que esta planta somente encontrada nas partes de mata e florestas do centro-sul da Guiana, no ocorrendo nas proximidades dos territrios Wapichana no Brasil. Ele tampouco est restrito ao territrio dos Wapichana na Guiana, j que os Wapichana que entrevistei sempre fazem referncia a terem conhecido esta planta quando foram trabalhar na mata, principalmente como mo-de-obra na coleta da balata 11 .[...] Tipir por aqui no tem, s em Guiana mesmo. Aonde o pessoal trabalha por balata. Eu trabalhava l, por isso eu falei para eles: quem conhece o fruto tipir, quem j foi balateiro?[...] (Sr. Olavo, Jacamim, janeiro 2001).

O tipir conhecido na Guiana como green heart tamanhas as suas qualidades e propriedades medicinais, conhecidas tanto pelos Wapichana como por outras populaes do interior do pas. Seu sabor extremamente amargo e eles a utilizam medicinalmente como abortivo, para controlar o sangramento interno (provocado por facadas, cortes etc.), e malria. Para obteno das propriedades medicinais do tipir, os Wapichana somente utilizam a sua semente. Isto faz com que um indgena que tenha coletado seu fruto vermelhoescuro possa guard-lo por longos perodos, sem comprometer suas qualidades curativas e abortivas. Alm de suas propriedades medicinais, esta planta bastante valorizada economicamente, devido ao alto valor de sua madeira no mercado. No posso afirmar, com absoluta certeza, que existam referncias ao tipir em trabalhos histricos sobre a regio ou sobre239

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o uso dado pelos Wapichana. O fato que no livro de R.H. Schomburgk h menes sobre o green heart, mas no comentado o nome nativo da planta (Schomburgk, 1970 [1840], p. 95). Nesta obra, e em outra do mesmo autor (Schomburgk, 1931 [1841]), as potencialidades naturais, seja de madeira ou plantas medicinais so sempre expostas e, logicamente, revestidas de um interesse a que a coroa britnica deveria ater-se: a potencialidade econmica de sua explorao.[...] Eu tive trabalho para fazer o leitor ter conhecimento de algumas rvores, cuja madeira tem importncia comercial. De maneira igual, se no for de uma maneira maior, esto as rvores e plantas das quais substncias medicinais podem ser obtidas[...] (Schomburgk, 1970 [1840 ]:, p. 96)12 .

A lgica local classifica estas plantas em diferentes categorias de entendimento das plantas e sua relao com o ato de plantar. Ambas esto em posies quase polares, dentro do seu sistema classificatrio de plantas. O cunani wapaoribao, pois cultivada com especial interesse para pesca. O tipir, por sua vez, considerada uma planta do mato e da mata, ou seja, karammakao. A primeira uma planta do lavrado, enquanto a outra da floresta. Uma utilizada nos peixes e a outra nos humanos. O cunani encontrado e conhecido em todo o territrio Wapichana, enquanto o tipir freqentemente associado ao lado guianense e extrao de balata. E, finalmente, o cunani de conhecimento pblico entre os Wapichana, no exigindo nenhuma especializao relacionada ao gnero, faixa etria ou categoria social como os pajs. O conhecimento do tipir atua de maneira distinta, relacionando-se com outros fatores que dificultam sua apreenso240

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enquanto um conhecimento pblico e amplamente difundido. Este conhecimento est ligado busca dos Wapichana por trabalho assalariado e sua ida para regies de floresta participar na coleta da balata13 .

Translaes e movimentos do conhecimento tradicional:

A idia agora consiste em explorar a complexidade da temtica especfica do acesso aos conhecimentos tradicionais, tomando-o como um quase-objeto antropolgico, um hbrido de natureza-cultura (Latour, 1994), para ser analisado enquanto uma situao evidenciadora das relaes intertnicas do sculo XXI 14 . A intrincada conjuno entre saberes locais e sua apreenso, dentro do universo sociocultural do Ocidente, e suas manipulaes da vida, da gentica e da explorao biotecnolgica, como um potencial produtor de matria-prima para as modernas inovaes da cincia, um sugestivo ponto que condensa a hibridez do objeto antropolgico, ou melhor, do quase-objeto, na linguagem de Bruno Latour. Entre 1993 e 1998, foi finalizado um projeto de pesquisa etnobiolgica e bioprospeco que culminou no desenvolvimento de dois produtos farmacolgicos cuja propriedade e patente pertencem integralmente ao qumico Conrad Gorinsky. Filho de um fazendeiro europeu que foi morar na Guiana no incio do sculo XX, Conrad nasceu no povoado de Good Hope, ao leste da cidade de Lethem e no muito distante do atual territrio Wapichana e Macuxi. Sabe-se que sua me falecida e era uma indgena, mas no se tem certeza da sua etnia. Uns dizem que Wapichana (Wapichana, 1999), enquanto outros dizem que Atorad ou Atorai como depoimentos que ouvi em Sand Creek. O que se desprende241

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da que a influncia materna, enquanto transmissora de sua etnia, no foi preponderante, j que a associao feita entre Conrad e seu pai Gorinsky, principalmente pelo estilo de vida que Conrad escolheu. A descendncia conta pouco quando se enfatizou o modo de vida e contexto de criao e crescimento de Conrad. Os depoimentos asseguram que C. Gorinsky se mudou para a Inglaterra e foi estudar qumica. Atualmente professorpesquisador da Universidade de Oxford, mas continua com laos na Guiana, como indicou o episdio que eu e Noberto presenciamos ao chegar a Lethem. Suas teias familiares na regio continuam fortes e deslocam-se em uma situao onde ainda no h uma definio precisa de quem ou no Wapichana. Don Melville, primo de Gorinsky, apresentou-se como Wapichana e mostrou sua fazenda que ele diz estar dentro de terras tradicionais de seu povo. Mas nenhum Wapichana que ouvi o considerava como indgena, e sim o associavam aos fazendeiros e comerciantes descendentes de europeus. nesta situao de grande indefinio de quem ou no indgena, com suas repercusses na poltica fundiria indigenista, que ainda no garantiu aos Wapichana da Guiana a posse legal de terras, que Gorinsky explora sua descoberta e implicaes na conjuntura local. Apesar de ser filho de indgenas, realmente no tenho notcia de nenhuma declarao do pesquisador aludindo a este fato, nem, tampouco, pretendendo se identificar como indgena. No tive a possibilidade de entrevist-lo, portanto, os posicionamentos que analiso so retirados de entrevistas em jornais e, principalmente, nas suas descries do pedido de patente do cunaniol e do rupununies15 .242

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[...] A inveno aborda os alcalides e especialmente o alcalide bisbenzylosinolino e seus derivados [...] Eles so de conhecimento de povos indgenas da rea do Rupununi no sul da Guiana que conhecem as castanhas da arvores green-heart (Ocotea rodiaei) com uma forma de contracepo. Infuses da BARK desta rvore so usados como febrfugo e como antifebril peridica. Alguns alcalides bisbenzilisoquinilino de outras plantas tem usos similares e pode ser considerada a possibilidade que as aes da rvore do green-heart so atribudas a estes alcalides. Apesar dos alcalides bisbenzilisoquinilino terem sido extrados desta rvore, nenhuma atividade biolgica tinha mencionado tais alcalides. Agora nos isolamos o alcalide bisbenzilisoquinilino ativo que chamamos de rupununine C 37 H40 O6 N2 [...] Apesar da rvore do green-heart ter sido descrita, nenhuma atividade biolgica tinha sido descrita sobre os alcalides bisbenzilisoquinilino desta planta. Todavia, ela conhecida pela tribo Wapichana da rea do Rupununi da Guiana. As sementes (ou frutos) desta planta so usados como uma forma oral de contraceptivo. Os solicitantes concluram que o rupununine responsvel por certos efeitos tradicionalmente vistos nos extratos desta rvore usados pelos nativos. A presente inveno envolve o uso do rupununine no tratamento de doenas. Por exemplo, ele pode ser til no tratamento da malria, especialmente como um febrfugo e antifebril e como um produto de aplicao tpica na pele em casos de leses. Pode ser til tambm como um contraceptivo e em atividades de anti-fertilidade. Outras aplicaes podem inclu-lo como243

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um inibidor de tumores e, possivelmente, no controle de vrus como o da AIDS. ( US Patent n. 5.569.456) 16 .

Conrad Gorinsky cresceu em fazendas prximas das malocas na regio do Rupununi e, assim como seu inventor, o alcalide bisbenzylinoquinoline nomeado rupununines no se distancia das potencialidades da planta que os Wapichana conhecem por tipir. Gorinsky reconhece isto no seu texto, mas no reconhece que, sem os informantes indgenas que buscaram as plantas na mata e o ensinaram como utiliz-las, ele provavelmente no teria descoberto outras potencialidades do green-heart. Ao contrrio, Gorinsky prefere investir seus esforos em caracterizar que uma planta extremamente descrita na literatura especializada ainda no havia sido plenamente explorada, pois haviam alguns tipos de alcalides que no foram pesquisados e descritos. Um destes tipos acabou se transformando em um produto de propriedade exclusiva de seu inventor. Gorinsky teve a habilidade questionvel de deslocar um saber coletivo, difundido amplamente nas famlias Wapichana, para um domnio exclusivo e regido pela lei de propriedade intelectual. Sua habilidade qumica praticamente ratificou um saber imemorial, nem os Wapichana so capazes de dizer quando passaram a usar o tipir. Mas, para Gorinsky, os Wapichana so uma tribo e no um povo, no so modernos como suas pesquisas cientficas e este tradicionalismo reflete em uma postura que exclui os povos indgenas de se relacionarem com a modernidade, pois no sabem o valor do dinheiro e da propriedade privada. Este congelamento temporal, que Gorinsky atribui aos Wapichana quando questionado sobre o porque no os inclui nos eventuais royalties, revela seu244

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posicionamento etnocntrico e sua viso sobre o ndio, viso esta que provavelmente foi influenciada pelos tempos em que freqentava o mundo rural da Guiana. A maioria das indicaes teraputicas da descoberta de Gorinsky so as mesmas que os Wapichana atribuem. Os Wapichana a utilizam no combate a malria, para controlar e amenizar a febre, para combater hemorragias e estancar sangramentos e, finalmente, como anticoncepcional e abortivo. Em todas estas indicaes houve uma correlao positiva entre usos tradicionais dos Wapichana e a explicao qumica de Conrad Gorinsky. Somente em um ponto, ainda incerto para o prprio pesquisador, que a sua descoberta afasta-se dos ensinamentos dos Wapichana. Gorinsky afirma que o rupununines , provavelmente, um potencial inibidor de viroses e de tumores, podendo ser utilizado no tratamento de AIDS e doenas de clulas, como os cnceres. neste esforo de encontrar novas solues para doenas que acometem e assombram o mundo ocidental que percebemos a faceta fetichista do desejo do Ocidente sob os conhecimentos que seus Outros possuem. Nigh analisou este fetichismo como um fator de estmulo a programas governamentais sobretudo dos Estados Unidos (como o International Conservation Biological Gaze - ICBG) onde se procura identificar os conhecimentos indgenas sobre a biodiversidade. Ele analisou os impactos do desenvolvimento deste projeto com populaes mayas de Chiapas - Mxico (2002). Mei Zhan, por sua vez, trouxe uma outra dimenso deste fetichismo. Para esta antroploga, que produziu um interessante artigo sobre a grande procura por mdicos e terapias orientais na Califrnia, esta245

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procura por tratamentos mdicos no-ocidentais concentra-se em curas de males em que a cincia ocidental no consegue bons resultados (2001). O fato de a planta tipir s ser encontrada na Guiana e em regio de floresta tropical remete a anlise para uma crtica dos conhecimentos tradicionais como entidades bem definidas e separadas. O que importa no o objeto em si, mas como este objeto no caso o tipir e o cunani - utilizado. Para os Wapichana, por exemplo, ter conhecimento pressupe viagens e estadas em realidades diferentes das suas aldeias e a ida para as matas da Guiana para trabalhar na extrao da balata um exemplo de que os conhecimentos tradicionais de um povo, em alguns casos, podem ser relativos a plantas que no esto no entorno de suas aldeias. No h tipir nos lavrados do Rupununi, territrio tradicional dos Wapichana na Guiana. Mas foi neste contexto que Conrad Gorinsky percebeu as potencialidades desta planta e seus efeitos. No texto sobre o outro produto patenteado, Conrad Gorinsky revela outras facetas do conhecimento tradicional como quase-objeto antropolgico.[...] A inveno relata derivados de poliacetileno, especial de um derivado de tetrahydro piramol conhecido como cunaniols e seus derivados[...] O termo cunani vem longamente sendo usado por indgenas para um grupo de venenos de pesca. Estes venenos so geralmente derivados de plantas e, especialmente, de suas folhas. A Amrica do Sul provavelmente possui um grande nmero de plantas para venenos de pesca mais do que qualquer outro continente. Por exemplo, na Guiana sabido ter mais de 40 destes venenos de pesca. Os mais efetivos devem ser246

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derivados da razes de plantas como Kuruluruwai ou da SAP, folhas e STAMS das plantas Kumarau. Estes componentes podem estar includos nas folhas da planta Clybadium sylvestre que membro da famlia das Compositae, sendo o trans cunaniol o mais abundante deles. Ele vem sendo desde muito reconhecido que folhas maceradas desta planta na gua coloca os peixes na superfcie, pulando para fora da gua. A morte resulta do veneno seguido de paralisia. Cunani usado como um veneno de pesca, mas tambm feito em pequenas bolas que so atiradas para os peixes que ficam desorientados e so facilmente pegos com as mos[ ] (European Patent Office n. EP 610059A1)17 .

Os usos desta outra descoberta tambm esto associados s potencialidades desta planta conhecida pelos ndios. No caso, eles a utilizam na pesca, porque o peixe fica atordoado, no conseguindo respirar direito. O mesmo efeito proposto por Gorinsky e seu poliacetileno chamado cunaniol, mas para anestesiar pacientes em um curto perodo de tempo, podendo ser aplicado em cirurgias cardacas. O efeito procurado parece ser o mesmo: uma rpida anestesia que paralisa um corpo seja este um peixe ou seja um ser humano. Mas, novamente, a nica lembrana do pesquisador foi o nome do produto, nitidamente baseado na nomenclatura Wapichana. O posicionamento de Conrad Gorinsky reflete uma postura etnocntrica para com os povos indgenas baseada em preconceitos tnicos claros. Dentro de sua lgica, os Wapichana so uma tribo indgena incapaz de administrar recursos e se envolver com discusses complexas como a propriedade intelectual e o mercado global. As patentes destas invenes obtidas a partir de247

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bioprospeco e pesquisa etnobiolgica com povos indgenas, ou seja, a apropriao individual de um conhecimento coletivo, somente mais uma maneira de subjugar os povos indgenas, controlando suas potencialidades no mercado e reduzindo-o a mera mo-de-obra barata. Assim como os Wapichana foram escravizados e inseridos em uma economia de patronato nas fazendas que os cercaram, seus conhecimentos tradicionais so inseridos em uma situao de explorao e domnio exercido por no-indgenas. A explorao da mo-de-obra braal a que foram submetidas inmeras malocas na regio do lavrado analogamente refletida no contexto intertnico do sculo XXI, fazendo com que os Wapichana sejam vistos como mo-de-obra barata para empreitadas biotecnolgicas de descoberta de novos produtos18 . Estas patentes e seus processos condensam em si a estrutura de dominao intertnica qual esse povo indgena foi historicamente submetido, seja na Guiana, seja em Roraima. A tarefa de destrinchar esta continuidade revela, sugestivamente, como um evento contemporneo traz para o presente estruturas historicamente construdas. Aquilo que visto como um vis privilegiado para uma reviso crtica dos processos de relaes entre povos indgenas e Estados nacionais e um prenncio de novos modelos de aes indigenistas (Little, 2002) apresenta, na verdade, grandes continuidades com antigos modos de relacionamentos entre ndios e Estados nacionais, desta vez, re-arranjados em modernos termos sobre pesquisa cientfica, engenharia gentica, bioprospeco e biotecnologia. No pude identificar as rotas especficas da pesquisa de Conrad Gorinsky, seja espacial, seja temporalmente. No sei248

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cronologicamente quando ele comeou a tentar correlacionar os usos tradicionais que os Wapichana do a determinadas plantas com a lgica qumica ocidental. No sei em quais aldeias ele pesquisou, mas pude conhecer muitas pessoas que haviam dito trabalhar em fazendas de sua famlia, tendo algumas se identificado como informantes de Gorinsky e buscadores de folhas e flores para ele. Trabalhavam por dirias pequenas e baratas, como Gorinsky sempre deve ter visto acontecer nos lavrados dos povos Wapichana e Macuxi. No estranho que os Wapichana apresentassem uma refinada memria social sobre o tema, reconhecendo o interesse de pesquisadores pelos seus conhecimentos sobre plantas em vrios momentos.[...] J levaram um bocado dali, faz tempo quando eu morava l na serra, levaram um bocado at semente levaram.de cunani. L, no sei quem era, parece que era os americano, pra l sei l. Aqui na Serra da Tabalascada[...] (D.Maria, Tabalascada, 15-12-2000).

Em sua estratgia de pesquisa, Gorinsky procurava articular duas instncias vitais para criar a motivao dos Wapichana para participar de suas pesquisas, tanto como informante ou como catador das plantas19 . Esta articulao era um desdobramento tencionado de um eixo que procurava trazer benefcios para um indivduo (uma renda irrisria por dia de trabalho), por um lado, e proporcionar melhorias de sade para as aldeias Wapichana (fornecimento gratuito de medicamentos), por outro.[...] Eu estava na escola e ele (C. Gorinsky) tambm estava. Ento ele saiu para trabalhar nestas coisas. Ele veio e voltou e, quando retornou, eu sabia que era o Conrad que tinha249

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prometido para o povo que pegando as folhas e sementes poderia fazer medicamentos com elas. Se ele fosse bem sucedido nisto, ele nos ajudaria. Nunca mais ouvi falar dele [...] (Sra. Louise, Aldeia Sand Creek , 31-12-2000)20 .

Esta perspectiva de criar uma dvida e no cumpri-la, do esquecimento de um acordo entre partes distintas, o alimento para as construes que os Wapichana tm sobre a biopirataria e onde atualizam esta nova questo em face de um antigo e pujante esquema de submisso e explorao indgena. Esta estratgia de falsas promessas, utilizada historicamente nos relacionamentos entre ndios e colonizadores, expressas nas vozes reclamantes dos indgenas, o elo do caso de biopirataria como mais um caso de explorao por parte dos brancos. na explorao que os casos de biopirataria vm oferecendo um panorama diferente das relaes entre povos indgenas e Estados nacionais. Neste ponto ambos percebem-se como explorados e violentados socialmente por um Outro externo21 . Nas aldeias Wapichana onde fiz trabalho de campo, no tive nenhum depoimento que marcasse uma negociao poltica entre o pesquisador e as lideranas das aldeias, os tuxauas. Somente encontrei relatos que apontavam os acordos entre indivduos e, no mximo, um acordo coletivo entre membros de uma mesma famlia. Gorinsky lanava mo de suas relaes pessoais e de parentesco como filho de um fazendeiro poderoso com uma indgena para prometer meios de os Wapichana modificarem o quadro de excluso social das suas malocas. Imagens anlogas so vistas nas histricas relaes entre ndios e fazendeiros nas savanas da Guiana, onde os povos indgenas, principalmente os Macuxi e os Wapichana, eram subjugados em250

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um cruel sistema pecurio baseado primeiramente na escravido indgena e, posteriormente, em uma mo-de-obra paga miseravelmente. A partir desse poder social exercido por um filho de um grande fazendeiro, um dos primeiros colonizadores a ocupar efetivamente o antigo territrio do Rupununi, que Conrad Gorinsky exerceu sua estratgia de pesquisa etnobiolgica. As patentes e apropriaes indevidas dos seus conhecimentos tradicionais vm sendo discutidas pelos Wapichana desde 1996, em encontros regionais no municpio de Lethem. Esse tema entrou nas j recheadas pautas dos movimentos indgenas que os representam na Guiana e em Roraima. As interaes entre as duas principais associaes indgenas (o Conselho Indgena de Roraima CIR, e a Amerindians People Association APA) so espordicas, mas sempre acontecem tentativas de articul-los conjuntamente. O que geralmente acontece que estas tentativas esbarram na falta de recursos para reuni-los. Se observarmos o depoimento das lideranas Wapichana sobre como esta questo da biopirataria foi inserida nas discusses deste povo veremos que a questo tnica foi uma das molas propulsoras da luta contra o patenteamento dos conhecimentos tradicionais de povos indgenas. O fato de ser indgena e de ter meios prprios e controlados pelos indgenas de reverso do quadro de explorao social a que os ndios do lavrado esto submetidos como as organizaes indgenas aparecem como um dos mecanismos que os Wapichana esto acionando para garantia de seus direitos indgenas.[...] Bom a gente trabalhava no Conselho Indgena de Roraima a foi publicado pela Folha de So Paulo sobre o251

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patenteamento desta planta: o cunani e o biribiri. A ns tinha uma advogada que trabalhava como assessora do Conselho Indgena de Roraima. Ela me perguntou: Tu como Wapichana como que tu v o patenteamento desta planta e do conhecimento de vocs? Tu tem alguma preocupao sobre isto? Digo: eu tenho bastante preocupao sobre isto. Agora como que podemos encaminhar ento pra gente tentar falar com esse camarada, esse cientista que patenteou a planta e ver a possibilidade de anular este patenteamento. A, ento, foi quando nos estava em uma Assemblia Regional como esta aqui, e eu trouxe a questo para eles, perguntei se era realmente uma preocupao para a populao Wapichana da regio da Serra da Lua. A eles falaram que sim, n, que a gente podia levar este trabalho em frente[...] (Sr. Clvis Ambrsio, Jacamim 10- 01- 2001).

Ou ainda...[...] A gente est discutindo sobre isto e tem levado estas questes pra ver como que tinha que ficar por causa que ns achamos, e conversamos aqui na nossa regio a respeito disso a n, com os tuxauas e ns no concorda com estas coisa da pessoa entrar e ficar levando as plantas e depois patentear e no ter benefcio nenhum. Levou esta discusso em frente, at agora. Ns queremos assim, eu penso assim e acredito que a maioria das nossas lideranas pensam assim, de defender os direitos da gente. Direito que ns temos a respeito das plantas, se nosso conhecimento acho no que deve ser usado dessa forma, patenteando e roubar o conhecimento. Ento minha preocupao isto[...] (Sr. Noberto, Tabalascada, 15-122000).252

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Se as discusses parecem ter comeado na Guiana, provvel local da coleta e pesquisa etnobiolgica em si, foi o movimento indgena de Roraima que impulsionou a questo articulando e noticiando os posicionamentos indgenas sobre o tema. A importncia do CIR foi, alm de toda a mobilizao jurdica, o fato de ter levado a questo para ser discutida com as comunidades localizadas em territrio roraimense. Deveu-se tambm a ter dado continuidade a discusso deste problema com os parentes da Guiana, passo fundamental para uma futura ao de interveno, como a quebra desta patente ou outro modelo de negociao entre grupo indgena e pesquisador. Conforme nos diz a Sra. Louise sobre o que as pessoas de Sand Creek sabem sobre o caso: ... Eles sabem desde que o Noberto veio e explicou mais para eles ... 22. Segundo Clvis Ambrsio, a problemtica da biopirataria vivida por seu povo no pode ser resolvida sem que se solucionem os problemas de demarcao de suas terras. O estado de Roraima vive uma das situaes mais delicadas nas relaes entre ndios e no-ndios no Brasil. Uma srie de situaes faz com que tais relaes sejam extremamente problemticas e conflituosas em muitos casos. Uma srie de elementos, como a demora na demarcao de terras indgenas como a rea Raposa Serra do Sol, as coalizes entre fazendeiros e polticos para a desarticulao deste processo demarcatrio contnuo, a insero dos povos indgenas nas cidades, os problemas de excluso social, entre outros, tornam a situao intertnica no estado extremamente problemtica.

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Palavras finais:

O patenteamento dos conhecimentos tradicionais dos Wapichana um sugestivo aspecto para a anlise de determinados componentes das relaes intertnicas do sculo XXI. As reivindicaes indgenas revelam sua insatisfao com o descaso quanto aos seus direitos. Na poca da pesquisa de campo, havia o que os Wapichana classificavam como lutas primrias a serem conquistadas: o reconhecimento oficial da Terra Indgena Raposa Serra do Sol em rea contnua. Com o recente reconhecimento oficial, aparecero novas questes, como a sustentabilidade das sociedades indgenas do lavrado. O reconhecimento deste territrio indgena em rea contnua foi o resultado de uma luta de dcadas dos indgenas do lavrado roraimense. O CIR foi a organizao indgena que mais veementemente se pronunciou a favor desta rea contnua e conseguiu articular e denunciar a demora, por vezes entendida como recusa, do governo brasileiro em assegurar o direito s terras tradicionalmente ocupadas pelos Macuxi, Wapichana, Patamona, Taurepang e Ingaric. Alm desta presso internacional sobre o governo brasileiro, preciso reconhecer a articulao do movimento indgena amaznico com outros movimentos indgenas no Brasil e a adoo do reconhecimento da T.I. Raposa Serra do Sol como uma reivindicao vlida para todos os indgenas no Brasil. Porm a posio Wapichana nos mostra outra faceta. Ao mesmo tempo em que seus direitos primordiais no foram plenamente atendidos naquele tempo, as discusses sobre biopirataria no ficaram abandonadas. Elas continuam a ocorrer, inclusive dentro e entre as comunidades envolvidas. Termino este artigo com o254

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depoimento do Sr. Clvis Ambrsio, que sintetiza a perspectiva dos movimentos indgenas representativos dos Wapichana, alm de revelar como os conhecimentos tradicionais parecem um direito ainda no sedimentado, um tanto ficcional.[...] uma vez que o Governo no resolveu os problemas de demarcao de terras, os autores de crimes praticados contra nossas comunidades no so punidos, a pesca predatria e a explorao ilegal de minrios e madeiras acontecem diariamente sem providncias concretas para combat-las, como o Estado brasileiro vai proteger a biodiversidade e nossos conhecimentos tradicionais? [...] (Wapichana, 1999, p. 42).

Notas1

Antroplogo do Centro de Trabalho Indigenista CTI e mestre em Antropologia Social pela Universidade de Braslia. E-mail: [email protected] Patentes n. US 5.569.456 (United States Patent) e EP610060A1 (EPO- Escritrio Europeu de Patentes) para o rupununies; EP 610059A1 (EPO- Escritrio Europeu de Patentes) e US 5786385 (United States Patent) para o poliacetileno conhecido como cunaniol. Todas as patentes tm como inventor o Sr. Conrad Gorinsky. Os dois meses de trabalho de campo foram nesta regio, visitando as aldeias de Canauanin, Malacacheta, Tabalascada e Jacamim. Em alguns bairros de Boa Vista, como o Raiar do Sol, a ampla maioria de seus moradores so indgenas Patamona, Macuxi e Wapichana. Esse fluxo migratrio aumentou nos ltimos anos, sobretudo aps a elevao do antigo Territrio de Roraima a estado nacional. A cidade de Boa Vista representa o grande plo econmico daquela regio e alguns indgenas esto vivendo da compra de mercadorias na capital e revenda nas malocas. Para uma anlise das relaes entre etnicidade e fronteira em Roraima, ver Baines (2003). Seu Olavo, que na poca da minha pesquisa de campo era Coordenador do CIR na regio da Serra da Lua, natural da Guiana e se chama Oslove. Mudou-se para 255

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o Brasil aps ter sido preso pelos soldados negros no levante do Rupununi na dcada de sessenta e vive na comunidade do Jacamim.7

... Para os Wapishana, as plantas wapananinao so o epicentro do conhecimento esotrico, alto segredo ciosamente guardado da curiosidade de estranhos... (Farage, 1997: 72 e 73). Tenho plena convico de que dificilmente teria realizado meu trabalho sem o apoio integral de Noberto e do CIR, principalmente pelas especificidades da situao intertnica em Roraima, com suas disputas fundirias, sua violncia e sentimento anti-indgena, culminando em uma grande desconfiana que os indgenas tm com relao aos brancos, especialmente antroplogos e pesquisadores cientficos. Esta maloca est somente a 1 km de Lethem, sendo praticamente um ncleo habitacional do municpio. Toda traduo de textos originais em ingls era livre do autor, sendo oferecida ao leitor o original nas notas de rodap.

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... Kunan grows from the seed. Its used in a very different way. The leaves and fruit are pulverized and mixed with grated cassava. It is rolled up in bananas leaves, slightly roasted and made into small pellets one-quarter inch diameter. These are dropped into the rapid water of the river, where certain fish take them. Very soon after swallowing the fish rush about violently in every direction, apparently suffering great discomfort. They must be caught at this time (Farabee, 1967[1918]: 63).11

Isso indica que estas plantas podem ser conhecidas por outras populaes moradoras destas regies de floresta na Guiana. Mas inegvel que ela foi acessada por Gorinsky em territrios Wapichana. ... I have endeavored to make the reader acquainted with some of the trees which, with reference to their timber, are of importance to commerce. Of equal, if not greater value, are the trees and plants from which medicinal substances may be obtained (Schomburgk, 1970, p. 96). A analogia pode ser frgil se levarmos em conta que mulheres e at crianas possuem o conhecimento das propriedades medicinais do tipir, mas quem o conhece ou foi trabalhar na mata ou tem algum parente prximo que realizou tal servio como coleta de balata ou garimpo. Este conceito foi formulado por Bruno Latour e evidencia sua postura frente aos objetos antropolgicos que foram muitas vezes construdos sob a gide de um processo de purificao do objeto, tornando-o social em oposio ao natural. Ao criticar este vis, o autor apresenta um entendimento dos objetos antropolgicos como quase-objetos, ou seja, trazendo aspectos daquilo que se 256

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convencionou chamar social e daquilo que se convencionou chamar natural. Mais detalhes, ver Latour (1994).15

A opinio do prprio Conrad Gorinsky aparece pouco, no sabemos muito o que ele acha sobre esta acusao que est carregando. Em uma entrevista realizada por Mrio Csar Carvalho, este diz que o qumico conhece bem a conveno da diversidade biolgica, sabe de suas proposies, mas no admite pagar royalties aos indgenas por uma srie de razes, passando pelo preconceito e crena na incapacidade deles administrarem dinheiro e tambm pela possibilidade destes benefcios serem desviados nos caminhos burocrticos (Carvalho, 1997, p. 56).

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... The invention relates to alkaloids and especially to bisbenzylisoquinoline alkaloids and derivatives ... It has been know for some time that Amerindian peoples of the Rupununi area of Guyana South America knew the nuts of greenheart tree (Ocotea rodiaei) as a crude form of contraception. Also, infusions of the bark of the greenheart tree have been used as febrifuge and as an anti periodic in fevers. Some bisbenzylisoquinoline alkaloids from others plants are know to have similar uses, and it was considered possible that the activity of the greenheart tree was attributable to a bisbenzylisoquinoline alkaloids. Although bisbenzylisoquinoline alkaloids have been extracted from the greenheart tree, no biological activities have previously been reported for such alkaloids. We have now isolate one active bisbenzylisoquinoline alkaloids which we have named rupununine C37 H40 O6 N2. ... Rupununine is bisbenzylisoquinoline alkaloids. Although the greenheart tree (Ocyotea rodiaei) has been reported to be source of d-curine, no biological activity has been reported of bisbenzylisoquinoline alkaloids from this plant. However it is known among the Wapishana tribe of the Rupununi area of Guyana. The seeds (or fruits) of this tree have been used as a form of oral contraceptive The applicants conclude that this rupununine is responsible for certain of the effects traditionally seen following native use of extracts of the greenheart tree. The present invention embraces the use of rupununine in the treatment of disease. For example, rupununine may be useful in the treatment if malaria, especially as a febrifuge and anti-periodic and in topical application for skin lesions. Rupununine is also through to be useful as a contraceptive or an anti-fertile activity Other applications of rupununine include a use as an inhibitor of soft tumor, and possibly, in the control of viruses such as AIDS ( U.S Patent n. 5.569.456). ...The invention relates to polyacetylene derivatives, and especially to tetrahydro pyramol derivatives know as cunaninols, and their derivativesThe term cunani has long been used by Amerindians for a group of acting fish poisons. Such fish poisons are generally derivated from plants, and especially front the leaves. South America probably possesses greater number of recorded fish poison plants than any other continent. For example, Guyana is through to have about 40 such fish poison plants. Effective fish poisons may be derived from the root of the Kuruluruwai plant, or from the sap, leaves or stams of the 257

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Kumarau plantsThe above compounds may be included from leaves of the plant Clibadium sylvestre which is a member of the family Compositae, trans cunaniol being the most abundant. It has long been recognized that the crushed leaves of this plant in the water causes fish to surface and jump out of the water. Death results from the poison following paralysis Cunani is used as a general fish poison, but is also mixed with some starch and made it into small balls which are fed to fish, which become disoriented and are easily caught by hand (European Patent Office n. EP 610059A1).18

Os relatos que obtive nas entrevistas com indivduos Wapichana dizem que Gorinsky encomendava grandes quantidades de folhas das plantas selecionadas e que pagava uma quantia mnima de diria para seus informantes. As informaes dos Wapichana foram o ponto de partida para as descobertas de Gorinsky, mas que para ele, como vimos, tudo foi uma descoberta pessoal. Vale lembrar que necessrio uma quantidade enorme de folhas, razes, seivas, resinas ou outros produtos para o desenvolvimento completo de uma substncia qumica a partir de amostras vegetais. ... I was at school and he (Gorinsky) was. Them he (gone out) work on this things. He went and come back and, when he come back, I know that was the Conrad who promised people, who taking leaves, seeds and making with it, drugs. And if he is successfully on it he will help us Since that we never hear or heard about him (Sra. Louise, Sand Creek, 31-12-2000). Alcida Ramos j mostrou que os casos de biopirataria so um interessante espao das relaes entre ndios e Estado brasileiro, principalmente por ser um ponto onde estas lgicas se encontram (Ramos, 2002). ... they now know since Noberto [em visita pelo CIR] came and explain them more (Sra, Louise Ramdheinie, 31-12-2000).

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