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1 Introdução Ligantes chamados “compartimentais” podem ser definidos como uma classe de ligantes quelantes capazes de se ligarem simultaneamente a dois íons metálicos pela presença de sítios de coordenação adjacentes. Este conceito foi introduzido, pela primeira vez, por Robson [1] e, desde a década de 70, muitos destes têm sido sintetizados. Atualmente, podem ser basicamente divididos em duas classes: (I) aquela em que os metais compartilham um mesmo átomo doador em complexos contendo sítios adjacentes (o átomo doador funciona como uma ponte entre eles) e (II) aquela na qual os ligantes contêm grupos de átomos doadores isolados (quando os sítios de coordenação estão separados por um anel aromático, por exemplo) [2] . Dentre os ligantes “compartimentais”, os binucleantes e seus complexos (homobinucleares ou heterobinucleares) são importantes alvos de estudo. As particularidades estruturais, de síntese, e o estudo dos complexos obtidos pode trazer importantes aplicações para tais compostos. Além disso, nos últimos anos, o estudo de modelos baseados nesse tipo de complexos tem se tornado uma ferramenta importante para um melhor entendimento das funções de centros bimetálicos de ocorrência natural, o que levou ao desenvolvimento de muitos complexos binucleares capazes de desempenhar atividade catalítica [3,4] . Nos sistemas biológicos, tais centros bimetálicos aparecem associados ao desempenho de funções específicas, principalmente de transporte e catalíticas. Dentre as muitas metaloenzimas que contem centros bimetálicos (com ou sem assimetrias) em seus sítios ativos, podemos mencionar: a) Fosfatases Ácidas Púrpuras: As fosfatases ácidas púrpuras (PAPs) são metaloenzimas binucleares (do tipo não-heme) que catalisam a hidrólise de certos ésteres de fosfato e anidridos em condições ácidas (pH ótimo entre 4,9 e 6,0), além de serem importantes no controle fisiológico dos níveis de fosfato. A cor púrpura característica do estado

1 Introdução · Capítulo 1. Introdução 26 . vivo, a reação específica da CO

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1 Introdução

Ligantes chamados “compartimentais” podem ser definidos como uma

classe de ligantes quelantes capazes de se ligarem simultaneamente a dois íons

metálicos pela presença de sítios de coordenação adjacentes. Este conceito foi

introduzido, pela primeira vez, por Robson [1] e, desde a década de 70, muitos

destes têm sido sintetizados. Atualmente, podem ser basicamente divididos em

duas classes: (I) aquela em que os metais compartilham um mesmo átomo

doador em complexos contendo sítios adjacentes (o átomo doador funciona

como uma ponte entre eles) e (II) aquela na qual os ligantes contêm grupos de

átomos doadores isolados (quando os sítios de coordenação estão separados

por um anel aromático, por exemplo) [2].

Dentre os ligantes “compartimentais”, os binucleantes e seus complexos

(homobinucleares ou heterobinucleares) são importantes alvos de estudo. As

particularidades estruturais, de síntese, e o estudo dos complexos obtidos pode

trazer importantes aplicações para tais compostos. Além disso, nos últimos anos,

o estudo de modelos baseados nesse tipo de complexos tem se tornado uma

ferramenta importante para um melhor entendimento das funções de centros

bimetálicos de ocorrência natural, o que levou ao desenvolvimento de muitos

complexos binucleares capazes de desempenhar atividade catalítica [3,4].

Nos sistemas biológicos, tais centros bimetálicos aparecem associados

ao desempenho de funções específicas, principalmente de transporte e

catalíticas. Dentre as muitas metaloenzimas que contem centros bimetálicos

(com ou sem assimetrias) em seus sítios ativos, podemos mencionar:

a) Fosfatases Ácidas Púrpuras:

As fosfatases ácidas púrpuras (PAPs) são metaloenzimas binucleares (do

tipo não-heme) que catalisam a hidrólise de certos ésteres de fosfato e anidridos

em condições ácidas (pH ótimo entre 4,9 e 6,0), além de serem importantes no

controle fisiológico dos níveis de fosfato. A cor púrpura característica do estado

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Capítulo 1. Introdução 25

oxidado das PAPs está associado a uma transição de transferência de carga do

tipo Tirosina → Fe(III) [5,6].

As PAPs de mamíferos (~35 KDa) contêm centros redox ativos de ferro.

As PAPs da maioria das plantas, por outro lado, possuem um centro redox ativo

de valência mista, do tipo Fe(III)-Zn(II) [7].

A descrição estrutural da fosfatase púrpura do feijão revela que ambos os

íons metálicos aparecem hexacoordenados e ligados por pontes µ-hidroxo e µ-

carboxilato (de um resíduo de aspartato). A esfera de coordenação do zinco

compreende dois resíduos de histidinas, uma asparagina e uma molécula de

água, enquanto que a do íon férrico é constituída de um resíduo de histidina, um

tirosinato, um aspartato e um hidróxido, conforme ilustrado na figura 1 [8,9].

Figura 1 – Sítio ativo da fosfatase ácida púrpura (PAP) do feijão com

resolução de 2,9 Å, evidenciando a coordenação assimétrica aos centros

metálicos. Extraído da referência [8].

b) Catecol Oxidases:

A metaloenzima catecol oxidase (CO) possui um par de íons cobre(II)

coordenados por resíduos de histidina, típico centro de cobre tipo 3. Estas

enzimas catalisam a oxidação de uma grande gama de o-difenóis (catecóis) às

correspondentes o-quinonas por oxigênio molecular (oxigênio redutases). As

quinonas resultantes são altamente reativas e se auto-polimerizam formando

melaninas polifenólicas marrons, processo que, acredita-se, protege a planta

danificada de patógenos ou insetos [10,11]. Além da sua intrínseca importância in

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Capítulo 1. Introdução 26

vivo, a reação específica da CO é importante no diagnóstico médico para a

determinação de catecolaminas hormonais (adrenalina, noradrenalina, e

dopamina).

A estrutura tridimensional da catecol oxidase da batata doce (Ipomoea

batatas, ibCO) já é bastante conhecida e está descrita na literatura [12]. Na figura

2 essa estrutura (com os centros de cobre oxidados) pode ser observada.

Figura 2 – Estrutura tridimensional da catecol oxidase de batata doce

(ibCO) com resolução de 2,7Å. (a) estrutura terciária e (b) estrutura

secundária, com ênfase no sítio ativo. Extraído da referência [12].

Na figura é possível identificar o sítio ativo de cobre na sua forma met

[CuA(II)-OH-CuB(II)]. Cada um dos centros ativos está coordenado por três

resíduos de histidina: com CuA(II) coordenado por His88, His109 e His118; e

CuB(II) por His240, His 244 e His274. A distância intermetálica é de 2,9 Å.

Ambas as esferas de coordenação são do tipo bipiramidal trigonal com His109 e

His240 nas posições apicais. A esfera de coordenação é completada por um íon

hidróxido (atuando como ponte entre os centros metálicos).

A estrutura da enzima no seu estado reduzido revela distância entre os

centros metálicos um pouco maior [Cu(I)∙∙∙Cu(I)= 4,4 Å], mas sem mudanças

conformacionais significativas na proteína. Não há mais ponte entre os centros

metálicos, mas em CuA(I) há uma molécula de água coordenada (Cu-O= 2,2 Å) e

a geometria é trigonal piramidal distorcida. A geometria em CuB(II) é quadrado

planar, com um sítio de coordenação vago.

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Capítulo 1. Introdução 27

1.1. Ligantes compartimentais simétricos e seus complexos

Dentre os mais variados tipos de ligantes compartimentais binucleantes,

ou polinucleantes, descritos na literatura, as estruturas simétricas são de grande

importância para o escopo deste trabalho, principalmente aquelas que contêm

braços doadores com grupos fenol.

As descrições de ligantes compartimentais baseados em fenóis parecem

atrair particular interesse, devido ao conjunto de características / funções úteis

que o grupo pode desempenhar, tais como: (i) variação de carga em função do

pH; (ii) a capacidade de formar pontes entre dois centros metálicos próximos e

(iii) a presença de anel aromático, que confere rigidez e certas capacidades de

interação especiais, como - stacking, à estrutura [13].

Há na literatura descrições de ligantes contendo uma ou mais unidades

fenólicas e seus respectivos complexos metálicos, em que se observam pontes

µ-fenoxo. Podemos destacar o trabalho de Neves e colaboradores [14] na

descrição estrutural do ligante simétrico 2,6-[N,N’-bis(2-hidroxifenilmetil)-N,N’-

bis(piridilmetil)aminometil]-4-metilfenol (figura 3-A) e do seu complexo binuclear

de zinco(II) [Zn2L2(OAc)(OH2)]∙CH3CO2H, com coordenação do tipo N2O4 para

cada centro de zinco e ponte exógena acetato entre os metais, descrito por

Adams [15] (figura 4).

Figura 3 – Ligantes compartimentais fenólicos 2,6-[N,N’-bis(2-hidroxi-

fenilmetil)-N,N’-bis(piridilmetil)aminometil]-4-metilfenol (A); 2,6-bis{[bis(2-

piridilmetil)amino]metil}-4-metilfenol (B) e 2-bis{[(2-piridilmetil)-aminometil]

-6-[(2-hidroxibenzil)(2-piridilmetil)]-aminometil}-4-metilfenol (C).

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Capítulo 1. Introdução 28

Figura 4 – Estrutura (ortep) do complexo [Zn2L2(OAc)(OH2)]∙CH3CO2H.

Adams e colaboradores [14].

Há também inúmeras descrições de complexos homodinucleares [15-22] e

hetreodinucleares [22-26] do ligante 2,6-bis{[bis(2-piridilmetil)amino]metil}-4-metil-

fenol (figura 3-B) e 2-bis{[(2-piridilmetil)-aminometil]-6-[(2-hidroxibenzil)(2-piridil-

metil)]-aminometil}-4-metilfenol (figura 3-C) [27,28]; muitos deles mostrando pontes

µ-fenoxo entre os centros metálicos. No estudo de Selmeczi e colaboradores [29],

por exemplo, é descrita a síntese de dois complexos de zinco(II) do ligante 2,6-

bis{[bis(2-piridilmetil)amino]metil}-4-metil-fenol (figura 5), com a finalidade de se

obter modelos miméticos para a enzima fosfodiesterase.

Figura 5 - Estruturas em ortep dos complexos de zinco com o ligante

2,6-bis{[bis(2-piridilmetil)amino]metil}-4-metilfenol. Complexo 1: Zn1∙∙∙Zn2=

3,016 Å. Complexo 2: Zn1∙∙∙Zn2= 3,791 Å. Selmeczi e colaboradores [29].

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Capítulo 1. Introdução 29

Como pode ser observado na figura 5, o complexo 1 tem ponte exógena

OH, enquanto o complexo 2, não. Ambos os complexos isolados representam

espécies que são parte de um equilíbrio em solução (pKa= 7,60). A avaliação da

atividade catalítica desses complexos mostra que apenas 1 promove a reação

do substrato de RNA utilizado. Já o complexo 2 não mostra atividade. Ou seja, o

aspecto estrutural do complexo 1 foi diferenciador para a atividade catalítica. Nos

complexos de cobre(II) do mesmo ligante, descritos por Torelli e colaboradores

[30], a estrutura é exatamente a mesma dos complexos de zinco mostrados acima

e, semelhantemente, o complexo binuclear com ponte exógena µ-hidroxo é o

único que também apresenta atividade catalítica, como catecol oxidase.

Outras descrições estruturais também são encontradas na literatura, com

ligantes contendo grupo fenol apenas nos braços pendentes. É o caso do estudo

estrutural feito por Neves e colaboradores [31] com os ligantes H2L1 e H2L

2 (figura

6). A reação entre esses dois ligantes e dois equivalentes de cloreto de zinco(II)

produz complexos homodinucleares com interessantes aspectos estruturais.

Figura 6 – Ligantes binucleantes H2L1 e H2L

2 contendo espaçadores

do tipo alcanodiamina e braços pendentes com grupos fenol e piridina.

Neves e colaboradores [31].

Na figura 7 a seguir, onde estão as estruturas obtidas para os complexos,

é possível observar, em ambos os casos, o íon zinco(II) coordenado por todos os

átomos doadores dos ligantes, com os fenóis desprotonados, em um ambiente

de coordenação pseudo-octaédrico. Este complexo, por sua vez, “se comporta

como um ligante” em relação a um segundo íon zinco(II), o qual se encontra em

um ambiente de coordenação tetraédrico. A coordenação ocorre através dos O-

fenolatos, que atuam como pontes entre os metais. A única diferença na esfera

de coordenação dos complexos é que, em [Zn(ZnCl2)L1], os N-piridil estão em

posições relativas cis, enquanto que, em [Zn(ZnCl2)L2], eles estão em posições

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Capítulo 1. Introdução 30

relativas trans. Seria presumível supor que o modo de coordenação mais

provável para esses ligantes seria aquele envolvendo a complexação de um íon

metálico por cada braço coordenante; contudo, e comprovando a flexibilidade

estrutural deste tipo de ligante, eles se ligam de forma hexadentada a um

mesmo íon.

Figura 7 – Figura em ortep dos complexos [Zn(ZnCl2)L1] (um dos dois

enantiômeros obtidos) e [Zn(ZnCl2)L1]. Adams e colaboradores [32].

Para complexos de cobre(II), Neves e colaboradores reportam a síntese

do ligante H3bbppnol (figura 8), a partir do qual foram obtidos dois complexos

homobinucleares inéditos, a saber: [Cu2(H2bbppnol)(µ-OAc)(H2O)2]Cl2·H2O [33] e

[Cu2(H2bbppnol)(µ-OAc)(µ-ClO4]ClO4·H2O·EtOAc [34].

Figura 8 – Ligante binucleante H3bbppnol, com braços pendentes

contendo grupos fenol. Neves e colaboradores [33,34].

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Capítulo 1. Introdução 31

Esses complexos apresentam geometrias octaédricas distorcidas em

ambos os centros de cobre(II), e os fenóis dos braços pendentes permanecem

protonados após a coordenação. Em testes de atividade catalítica, os complexos

mostraram atividade como catecolase, especialmente [Cu2(H2bbppnol)(µ-OAc)

(H2O)2]Cl2·H2O, que mostrou excelente performance [35].

Para o caso de outros ligantes simétricos, sem presença de grupo fenol,

podemos destacar os trabalhos de Louka e colaboradores [36], que descrevem a

síntese do ligante simétrico 1,4-bis[bis(2-piridilmetil)aminometil]benzeno, e uma

série de quatro complexos de cobre(II) que podem ser vistos na figura 9. Uma

característica importante nestes compostos é a presença do grupo espaçador

(anel benzênico), que torna os sítios metálicos independentes um do outro. Os

centros de Cu(II) são pentacoordenados, com geometria piramidal quadrada.

Figura 9 – Complexos de cobre(II) do ligante espaçador 1,4-bis[bis(2-

piridilmetil)aminometil]benzeno. [Cu2(L)(ClO4)2Cl2], com um valor de τ=0,01;

[Cu2(L)(N3)4]∙2H2O, com τ=0,06; [Cu2(L)(dca)4]∙2H2O, com τ=0,12 e, por fim, [Cu2(L)Cl2(H2O)2](C4O4)∙5,4H2O, com τ=0,08. Louka e colaboradores [36].

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Capítulo 1. Introdução 32

Pelo que se pode perceber, compostos de coordenação contendo anéis

rígidos e lineares como espaçadores não são incomuns (tendo como exemplo

algumas estruturas mostradas ao longo desta revisão). Por outro lado, o uso de

ligantes com espaçadores que mostrem alguma flexibilidade conformacional

parece pouco explorado. As possibilidades de estruturas flexíveis de ligantes e

complexos que podem ser obtidos parecem menos previsíveis em virtude das

possibilidades conformacionais que essas estruturas podem adotar, podendo até

mesmo serem obtidas formas poliméricas.

Não apenas devido aos aspectos estruturais, mas complexos contendo

espaçadores (de diferentes naturezas) também podem despertar interesse para

aplicabilidades específicas. Por exemplo, Peng e colaboradores [37], no estudo de

complexos binucleares de zinco(II) contendo espaçadores lineares de diferentes

tamanhos entre poliaminas macrocíclicas, realizaram uma série de estudos de

atividade catalítica na clivagem de DNA em condições fisiológicas. Os resultados

mostraram que os complexos contendo grupos espaçadores funcionaram de

forma muito eficiente como nucleases químicas, em comparação ao complexo

mononuclear (sem o espaçador). Ou seja, a atividade catalítica dos complexos

foi melhorada com a incorporação dos espaçadores na estrutura. Outros estudos

também reportam complexos binucleares, que atuam como nucleases, contendo

espaçadores alifáticos [38] e aromáticos [38-40].

Dentro da perspectiva dos ligantes compartimentais, torna-se importante,

e interessante, explorar estruturas com tais características (em suas diversas

possibilidades) para as mais variadas finalidades, além da riqueza estrutural que

o estudo delas pode revelar.

1.2.Proposta de Trabalho e Justificativa

Nesse contexto, o desenvolvimento de ligantes binucleantes, capazes de

gerar novos complexos binucleares simétricos ou assimétricos é um assunto de

grande interesse do ponto de vista da Química Inorgânica estrutural. Além disso,

ligantes contendo, simultaneamente, os versáteis grupos coordenantes fenólicos

e espaçadores moleculares constituem um campo ainda pouco explorado dentro

da Química de Coordenação. Portanto, a proposta deste trabalho está baseada

no desenvolvimento de três ligantes binucleantes (eventualmente trinucleantes)

simétricos, todos eles N,O-doadores, bem como na preparação e no estudo das

propriedades dos seus complexos bimetálicos de cobre(II) e zinco(II).

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Capítulo 1. Introdução 33

Nas figuras 10-12, as estruturas desses ligantes podem ser observadas.

OH

N

N

NOH

OH

N

N

N OH

Figura 10 – Estrutura do ligante 6,6’-[1,2-etanodiilbis(iminometil)]bis

{2-[(2-hidroxibenzil)(2-piridilmetil)aminometil]-4-metilfenol} (H4L1).

OH

N

N

NOH

OH

N

N

N OH

H

H

Figura 11 – Estrutura do ligante 6,6’-[1,2-etanodiilbis(aminometil)]bis

{2-[(2-hidroxibenzil)(2-piridil-metil)aminometil]-4-metilfenol} (H4L2).

O

O

N

N

OH

N

N

OH

Figura 12 – Estrutura do ligante binucleante 1,4-bis[(2-hidroxibenzil)

(2-piridilmetil)amino-metil]-2,5-dimetóxibenzeno (H2L3).

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Capítulo 1. Introdução 34

Todos os ligantes apresentam o mesmo braço pendente coordenante,

chamado de hbpa e constituído de um nitrogênio amínico terciário carregando

dois substituintes: os grupos 2-metilpiridina e 2-metilfenol.

Nos ligantes H4L1 e H4L2, esses braços pendentes estão ligados a um

anel fenólico do tipo p-cresol, formando o intermediário hbpamff. Um espaçador

derivado de etilenodiamina (en) conecta duas dessas unidades intermediárias. A

introdução do espaçador no intermediário forma uma ligação imínica, originando

o ligante H4L1, e a posterior redução dessa ligação dá origem ao ligante H4L2.

Apesar de extensivamente utilizado na preparação de ligantes de maior

complexidade estrutural [41,42], não existem, na literatura, registros estruturais de

complexos do intermediário hbpamff.

Já o ligante H2L3, possui o grupo 1,4-dimetoxibenzeno como espaçador.

Uma nova rota de síntese para a obtenção deste centro fora desenvolvida em

nosso grupo de pesquisa, conforme reportado por Nogueira [43].

Um aspecto importante é que todas as três estruturas possuem diferentes

possibilidades de coordenação. Para os dois primeiros ligantes, os nitrogênios

dos espaçadores também podem participar da esfera de coordenação e, para

H2L3, os grupos metoxila podem, eventualmente, se ligar a íons metálicos. A

particularidade dos grupos fenólicos poderem se encontrar protonados ou não

nos complexos (isto é, o status de protonação) pode levar a diferentes cargas

nas espécies resultantes. E, ainda, o oxigênio fenólico pode atuar como ponte

endógena entre os centros metálicos nos complexos. A presença do espaçador

também pode contribuir no sentido de conferir maior flexibilidade (H4L1 e H4L2)

ou rigidez (H2L3) às estruturas. Finalmente, H2L3 pode atuar como um modelo

simplificado de coordenação para os sítios dos ligantes H4L1 e H4L2, de maior

complexidade estrutural.

Há ainda outros aspectos interessantes relacionados ao ligante H2L3. A

literatura descreve algumas classes de ligantes que contêm um anel aromático

substituído como espaçador, destacando a sua potencial atividade anti-HIV,

como é o caso do composto biciclo chamado AMD3100 (figura 13), em que os

grupos coordenantes são constituídos por duas unidades simétricas do anel

tetradentado N4-doador ciclam.

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Capítulo 1. Introdução 35

N

N

NH

NH NH

NH NH

NH

Figura 13 – Estrutura do AMD3100.

O AMD3100 é um conhecido inibidor de fusão que interfere no ciclo de

vida do HIV, no estágio de fusão vírus-célula. O processo de fusão do HIV na

membrana celular é auxiliado pelos co-receptores de quimiocinas, CCR5 e/ou

CXCR4, que atuam como receptores essenciais no reconhecimento e invasão da

célula-alvo [44]. O AMD3100 é, comprovadamente, o antagonista mais específico

para o co-receptor CXCR4, e os sítios-chave de interação do AMD3100 com

este receptor são os resíduos de ácido aspártico nas posições 171, 182, 193 e

262, localizados no lado extracelular do CXCR4 [45, 46]. Em particular, os resíduos

171 e 262 (figura 14). Entretanto, apesar da grande especificidade com relação

ao referido receptor, esta molécula apresenta pobre biodisponibilidade devido à

sua alta natureza polar. Além disso, possíveis efeitos cardíacos colaterais foram

observados em testes clínicos de fase II [47].

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Capítulo 1. Introdução 36

Figura 14 – Sequência de aminoácidos e organização transmembrana

do co-receptor CXCR4. Os resíduos cruciais de ácido aspártico (posições

171, 182, 193 e 262) envolvidos na interação do CXCR4 com o AMD3100

estão em destaque. Extraído da referência [48].

Sabe-se que a afinidade do AMD3100 pelo CXCR4 pode ser aumentada

pela incorporação de íons metálicos, como Zn(II), Cu(II) ou Ni(II), pois, como dito

acima, o anel ciclam funciona como um braço coordenante tetradentado, pelos

nitrogênios. Isto pode ser devido a uma melhor interação do íon metálico, a qual

deve incluir coordenação, principalmente pelo resíduo de aspartato na posição

262 [49]. Especificamente, acredita-se que isto ocorra por meio de uma interação

concomitante entre um dos oxigênios do carboxilato diretamente com o centro

metálico e o outro oxigênio com um dos nitrogênios do anel ciclam através de

uma ligação de hidrogênio, conforme ilustrado na figura 15 [46].

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Capítulo 1. Introdução 37

Figura 15 – Complexo binuclear Cu(II)AMD3100 e sua interação como

metalodroga no co-receptor CXCR4. Extraído da referência [51].

Esté e colaboradores [52], em estudo de complexos metálicos binucleares

com AMD3100, mostraram que o complexo de Zn(II) é dez vezes mais ativo que

o AMD3100 livre na interação com o co-receptor CXCR4. Além disso, existe uma

correlação próxima entre a atividade anti-HIV e a interação nesse co-receptor,

que decresce na ordem: Zn(II)2 > AMD3100 > Ni(II)2 > Cu(II)2 > Co(III)2 > Pd(II)2

[utilizando sais de perclorato, exceto para o cloreto complexo de cobalto(II)]. O

resultado sugere que o complexo de Zn(II) é um importante antagonista in vivo.

O complexo de Co(II) apresenta atividade muito baixa, enquanto que o de Pd(II)

é praticamente inativo.

Podemos destacar também os estudos de Khan e colaboradores [51], em

que, após 24 horas de incubação com células T-Jukart, o complexo de cobre(II)

do AMD3100 apresentou maior porcentagem de inibição no co-receptor CXCR4

do que o AMD3100 não-complexado nas células testadas, comprovando que, de

fato, o complexo tem maior tempo de residência no co-receptor que o ligante.

Conjuntamente com esses dois compostos, outro complexo de cobre(II) de uma

versão modificada do AMD3100 também foi testado e, depois de 48 horas de

incubação, foi o único que se manteve ligado ao co-receptor. Isto significa que o

aperfeiçoamento da estrutura original do AMD3100 promoveu melhor interação

do complexo no CXCR4, aumentando a potência de inibição. E essa interação,

ao que parece, vai muito além da coordenação do íon metálico ao carboxilato.

Provavelmente, para esse novo complexo, ligações de H adicionais favoreceram

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Capítulo 1. Introdução 38

o maior tempo de residência no sítio do co-receptor, quando comparado com o

complexo Cu(II)AMD3100.

O estudo de compostos de coordenação com possível atividade anti-HIV

é relativamente recente. A literatura reporta uma variedade de complexos que

apresentam alguma atividade inibitória frente ao HIV [53-61].

Trabalhos como os descritos têm mostrado a importante contribuição que

a Química Inorgânica pode dar ao desenvolvimento de ligantes e complexos com

potencial atividade anti-HIV / AIDS. Principalmente dentro do grupo de agentes

conhecidos como inibidores de fusão, o qual permanece largamente inexplorado.

As limitações associadas à atual terapia antiretroviral altamente ativa

(HAART, do inglês “Highly Active Anti-retroviral Therapy”), tais como os efeitos

colaterais e situações de resistência do vírus, representam um longo obstáculo

na farmacoterapia desta doença a longo prazo. Como consequência da busca

por novas alternativas, as metalo-drogas podem ser incluídas nessa perspectiva.

Acreditamos que o ligante H2L3 possui interessantes características estruturais

que podem fazer dele, assim como de seus complexos, possíveis candidatos a

inibidores de fusão do vírus HIV.

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