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ANAIS III FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Curitiba, 2005 LUDICIDAARTE_ VIRTUAL: A POÉTICA DA OBRA DE ARTE ABERTA COMO ELEMENTO LÚDICO DA SOCIEDADE NO AMBIENTE VIRTUAL_INTERNET Mariana Branco * RESUMO: Ao longo da história, a descoberta de novas tecnologias tem gerado inovações e polêmicas. As inúmeras mudanças nos modos de produção têm nas técnicas um dos principais agentes. Apontam para rompimentos nos hábitos cotidianos e nas atividades e, por isso, levam algum tempo para serem assimiladas. A configuração produzida pela introdução das novas tecnologias relacionadas à arte e à comunicação, principalmente a informática, abre diversos campos e possibilidades. As formas tradicionais de expressão artística são acrescidas da arte feita com o uso de suportes digitais. O sistema (não-linear) de leitura e configuração das sociedades pós-industriais ligadas ao uso de computadores transformou a percepção do mundo, anteriormente limitado ao sistema linear proposto pela escrita. O ciberespaço criou uma nova cultura do ver e do entender as coisas e o sistema. É uma grande teia, interconectando, em tempo real, pessoas e sociedades. Por isso, o sistema anterior de materialização da obra de arte e o seu contexto em espaços de arte mudam de sentido. O espaço, agora, é imaterial, porém de fácil acesso a todos os que têm um computador. Neste novo meio, mudou a interação entre espectador e obra de arte. OS SISTEMAS NÃO-LINARES E A ARTE Nossas belas artes foram instituídas e seus usos fixados numa época muito diferente da nossa, por homens cujo poder de ação sobre as coisas era insignificante, comparado com o que possuímos. Mas o espantoso crescimento de nossos instrumentos, a flexibilidade e a precisão que eles atingiram, as idéias e os hábitos que introduziram asseguram-nos de modificações próximas e muito profundas na antiga indústria do Belo. Há em todas as artes uma parte física, que não pode ser * Graduada em Comunicação na Universidade Federal do Paraná. Especialista em História da Arte pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Estudou cinematografia em Cuba na Escuela Internacional de Cine y TV, e na escola de cinema New York Film Academy, em_New York. Trabalhou com produção de filmes, realizando filmes, vídeos e documentários. 41

1 – INTRODUÇÃO · ciberespaço é um agente de liberação e democratização, permitindo que imagens e textos circulem ao redor do mundo, pelos canais da informação, sem passar

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ANAISIII FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTEEscola de Música e Belas Artes do Paraná. Curitiba, 2005

LUDICIDAARTE_ VIRTUAL:A POÉTICA DA OBRA DE ARTE ABERTA COMO ELEMENTO LÚDICO

DA SOCIEDADE NO AMBIENTE VIRTUAL_INTERNETMariana Branco*

RESUMO: Ao longo da história, a descoberta de novas tecnologias tem gerado inovações e

polêmicas. As inúmeras mudanças nos modos de produção têm nas técnicas um dos principais

agentes. Apontam para rompimentos nos hábitos cotidianos e nas atividades e, por isso, levam

algum tempo para serem assimiladas. A configuração produzida pela introdução das novas

tecnologias relacionadas à arte e à comunicação, principalmente a informática, abre diversos

campos e possibilidades. As formas tradicionais de expressão artística são acrescidas da arte

feita com o uso de suportes digitais. O sistema (não-linear) de leitura e configuração das

sociedades pós-industriais ligadas ao uso de computadores transformou a percepção do

mundo, anteriormente limitado ao sistema linear proposto pela escrita. O ciberespaço criou

uma nova cultura do ver e do entender as coisas e o sistema. É uma grande teia,

interconectando, em tempo real, pessoas e sociedades. Por isso, o sistema anterior de

materialização da obra de arte e o seu contexto em espaços de arte mudam de sentido. O

espaço, agora, é imaterial, porém de fácil acesso a todos os que têm um computador. Neste

novo meio, mudou a interação entre espectador e obra de arte.

OS SISTEMAS NÃO-LINARES E A ARTE

Nossas belas artes foram instituídas e seus usos fixados numa época muito diferente da nossa, por homens cujo poder de ação sobre as coisas era insignificante, comparado com o que possuímos. Mas o espantoso crescimento de nossos instrumentos, a flexibilidade e a precisão que eles atingiram, as idéias e os hábitos que introduziram asseguram-nos de modificações próximas e muito profundas na antiga indústria do Belo. Há em todas as artes uma parte física, que não pode ser

* Graduada em Comunicação na Universidade Federal do Paraná. Especialista em História da Arte pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Estudou cinematografia em Cuba na Escuela Internacional de Cine y TV, e na escola de cinema New York Film Academy, em_New York. Trabalhou com produção de filmes, realizando filmes, vídeos e documentários.

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vista e tratada como o era antes, que não pode ser subtraída à intervenção do conhecimento e do poderio modernos. Nem a memória, nem o espaço, nem o tempo, são – há cerca de vinte anos – o que eles sempre foram. É de se esperar que novidades tão profundas transformem toda a técnica das artes, agindo, assim, sobre a própria invenção.1

Ao longo da história da humanidade, a descoberta e o uso das novas tecnologias tem

gerado inovações e polêmicas ao seu redor. Sabe-se que a humanidade tem acompanhado as

inúmeras mudanças que ocorreram nos modos de produção e que nos dias atuais as técnicas

são um dos principais agentes dessas transformações. Elas geraram e continuam criando

implicações que apontam para rompimentos nos hábitos cotidianos e nas atividades e, por

essa razão, levam algum tempo para ser aceitas e assimiladas. De modo geral, a primeira

reação das pessoas às inovações é de resistência e, muitas vezes, de não aceitação.

Percebe-se, então, que uma certa configuração produzida pela introdução das novas

tecnologias relacionadas à arte, às comunicações, principalmente a informática, abre também

diversos campos e possibilidades. A técnica influencia os diversos setores da sociedade e é

muito lógico que as artes acompanhem essas modificações. Claro está que as formas

tradicionais de expressão artística (desenho, pintura, escultura etc.) não desaparecem, pois

são meios de criação; porém são acrescidas, agora, da arte feita com o uso de suportes

digitais.

Os sistemas não-lineares, ou seja, o sistema de leitura e configuração das sociedades

pós-industriais ligadas ao uso de máquinas – computadores com seus links e sublinks –

realmente transformou a percepção do mundo em que vivemos, pois a humanidade tem estado

acostumada ao sistema linear proposto pela escrita. O ciberespaço cria uma nova cultura do

ver e entender as coisas e o sistema. É uma grande teia, em que diversos computadores estão

ligados uns aos outros, interconectando em tempo real as pessoas e as sociedades. E, por

isso, pode-se dizer que o sistema anterior de materialização da obra de arte e o seu contexto

em espaços de arte chamados museus mudam totalmente de sentido. O espaço, agora, é

imaterial, porém de fácil acesso a todas as pessoas que possuem um computador. A interação

entre espectador e obra de arte neste novo meio, mudou.

Milhões de megabits estão navegando pelas redes de intercomunicações e as obras

digitais interativas estão prontas para ser fruídas e co-realizadas por todos mediante uma

característica desse meio: a ludicidade. Essa grande rede que integra ações e pensamentos

mundiais coloca à disposição a possibilidade de criar, gerar, co-produzir e co-dirigir obras de

arte. Há, assim, o valor de reprodução sendo agregado a um novo sentido: o de recriação. O

processo, nas obras de arte virtual, possui um caráter distinto daquele dado anteriormente na

arte tradicional. Os dispositivos eletrônicos colocam à disposição de milhares de pessoas

dados, pesquisas e obras, entre outros, com uma velocidade antes inimaginável. O 1 VALÉRY, Paul. Apud: PLAZA, Julio; TAVARES, Mônica. Processos criativos com os meios eletrônicos: poéticas digitais. São Paulo: Hucitec, 1998.

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ciberespaço é um agente de liberação e democratização, permitindo que imagens e textos

circulem ao redor do mundo, pelos canais da informação, sem passar pelas mãos de algum

tipo de detenção ou controle. A arte digital, portanto, muda conceitos há tempos enraizados e

estabelece novos parâmetros para a humanidade, seja pelo acesso democrático às obras de

arte criadas e veiculadas por esse meio, seja pela possibilidade de interferência nelas.

Os objetivos e a hipótese deste trabalho enfatizam que a arte virtual apresenta-se

disponível de maneira que todo e qualquer ser humano conectado à rede pode produzir, criar,

recriar e interagir.

A revisão da literatura deu suporte à fundamentação teórica e ajudou a entender

algumas questões, como por exemplo: o conceito de reprodutibilidade abordado por Walter

Benjamin (1892-1940) em seu ensaio A obra de arte na época de suas técnicas de

reprodução.2 Conceito que possibilitou entender a passagem do reprodutível ao disponível,

colocada por Júlio Plaza,3 também aqui referenciado. Outro autor importante para este trabalho

é Pierre Lévy,4 que discute a democratização dos meios de comunicação. Colaboração valiosa

é dada pelo conceito de homo ludens, estudado por Johan Huizinga.5 Umberto Eco6 colabora

com o conceito de obra aberta. Outros autores trouxeram valiosa colaboração para o melhor

entendimento da problemática aqui colocada, porém os acima citados são os principais.

Pode-se verificar que através desse estudo, algumas definições e afirmações sobre o

papel da arte contemporânea ligada ao ambiente virtual foram discutidas anteriormente; outras

estão sendo colocadas a partir desse trabalho. Na monografia que deu origem ao presente

artigo, o Histórico da Imagem é discutido no capítulo 4 e fornece um resumo dos

acontecimentos gerados nas artes plásticas desde as imagens encontradas em Altamira até

aquelas produzidas pela virtualização das informações e disponibilização das mesmas numa

rede mundial. Nesse mesmo capítulo são colocadas algumas definições sobre as imagens

produzidas pelos pixels,7 mostrando que este é o elemento principal de todas as imagens

digitais contemporâneas. A atividade da iconografia abandona a confecção artesanal e

industrial, tornando-a eletrônica e disponível a todos, o que evidencia uma mudança de

paradigma.

Já no capítulo 5 – Arte Virtual – são dadas as definições e conceitos de cibercultura,

ciber, produções on-line, interconexão, comunidades virtuais e atenta-se principalmente para a

democratização gerada através dos meios eletrônicos. A forma, o conceito, o suporte e a

técnica são distintos e necessitam de uma abordagem contemporânea. Nesse mesmo capítulo, 2 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. In: Benjamin, Habermas, Horkheimer e Adorno. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores)3 PLAZA. Op. cit.4 LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999; _____. Educação contra a exclusão digital. Disponível em: <http://www.nova-e.inf.br/nomes/pierrelevy.htm>. Acesso em mar. 2003.5 HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2000.6 ECO, Umberto. Obra Aberta.São Paulo: Perspectiva, 2001.7

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é apresentada a arte lúdica e como ela é expressa pela sociedade em sua plenitude de

experiência, aspecto enfatizado por Johan Huizinga.8 Verifica-se que o lúdico faz parte do

desenvolvimento integral do ser humano, portanto, também está presente no material artístico

virtual. Esse capítulo aponta as técnicas utilizadas pelos produtores, fruidores e co-realizadores

de obras digitais, abertas, para o ambiente virtual Internet e fornece aquelas mais utilizadas

nesse momento e que podem agregar a interatividade.

Finalmente, o capítulo 6 apresenta as conclusões a que o estudo chegou, em relação

aos objetivos e hipóteses propostos no projeto.

A seguir, são apresentas algumas referências sobre festivais de arte digital, com o

intuito de mostrar alguns dos muitos eventos que ocorrem na área.

REFERÊNCIAS FESTIVAIS _ ARTE DIGITAL

CUBA_DIGITAL

Cuba tem apresentado festivais sobre o assunto arte digital, favorecendo debates,

pesquisas e novas confirmações para a arte.

Fonte: <http://www.artedigitalcuba.cult.cu/>

@RTEWEBBRASIL

8 HUIZINGA. Op. cit.

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Comemorando três anos, o @RTEWEBBRASIL apresenta com exclusividade a

exposição.

Fonte: <http://www.artewebbrasil.com.br/>

OFFF_03

Fonte: <http://www.offf.org/>

XIV FESTIVAL INTERNACIONAL DE ARTE ELETRÔNICA

A 14ª edição do Festival Internacional de Arte Eletrônica acontece no SESC Pompéia

de 22 de setembro a 19 de outubro. Realizado pela Associação Cultural Videobrasil e pelo

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SESC, o evento celebra 20 anos de realizações com novidades importantes.

Fonte: <http://www.videobrasil.org.br>

8º FESTIVAL INTERNACIONAL DE DOCUMENTÁRIOS (8th INTERNATIONAL DOCUMENTARY FILM FESTIVAL)

O É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários, dirigido por Amir Labaki,

fundador do festival, é o principal evento voltado para o gênero documental na América Latina.

A oitava edição do Festival aconteceu simultaneamente em São Paulo e no Rio de Janeiro,

entre os dias 3 e 13 de abril de 2003.

Fonte: <http://www.itsalltrue.com.br/2003/index.html>

FILE 2003 – FESTIVAL INTERNACIONAL DE LINGUAGEM ELETRÔNICA

A quarta edição do FILE, FESTIVAL INTERNACIONAL DE LINGUAGEM ELETRÔNICA aconteceu no

Paço das Artes em São Paulo, no Brasil, no período de 7 a 23 de agosto 2003. Nos três anos

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anteriores, o FILE mostrou o que vinha acontecendo nas redes mundiais, no que tange às artes

digitais e eletrônicas, constituindo hoje uma referência de estudo e pesquisa para a cultura

eletrônica e a cultura digital. Expôs webarts, netarts, vida artificial, animações

computadorizadas, tele-conferências em tempo real, realidades virtuais, filmes interativos, e-

videos e robótica em salas interativas e imersivas e promoveu o evento anual FILE-SYMPOSIUM,

que tem por objetivo criar um novo ponto de encontro, além do eixo Europa-Estados Unidos,

que discuta a cultura-digital eletrônica em suas relações internacionais. Buscou, também,

ampliar a discussão sobre a cultura digital em sua extensão interdisciplinar e estabelecer,

assim, uma conexão mais estreita entre outras organizações, bem como com intelectuais,

pesquisadores, cientistas e artistas. Visa, desta maneira, dar condições para que se possa

refletir sobre a atual produção que vem sendo desenvolvida na cultura digital. Além disso,

inaugurou em 2003 um novo evento que aconteceu simultaneamente e de forma integrada com

o FILE 2003 e com o FILE-SYMPOSIUM 2003 e que se chama HIPERSÔNICA e que é voltado às

manifestações e às experimentações que estão ocorrendo no âmbito da sonoridade eletrônica.

Fonte: <http://www.file.org.br/file2003ins/inscricoes.htm>

Referências

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BARRETO, Ricardo; PERISSINOTO, Paula. Internet Art. São Paulo: Paço das Artes, 2002.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. In: Benjamin, Habermas, Horkheimer e Adorno. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores)

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HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2000.

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