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INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 154 – JUNHO/2016 17 USO DE CORRETIVOS GRANULADOS NA AGRICULTURA Eduardo Fávero Caires 1 Helio Antonio Wood Joris 2 Abreviações: Al = alumínio; Ca = cálcio; CaO = óxido de cálcio; CO 2 = gás carbônico; CaCO 3 = carbonato de cálcio; H 2 O = água; HCO 3 - = íon bicarbonato; MAPA = Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Mg = magnésio; MgCO 3 = carbonato de magnésio; MgO = óxido de magnésio; Mn = manganês; Mo = molibdênio; N = nitrogênio; P = fósforo; PN = poder de neutralização; PRNT = poder relativo de neturalização total; RE = reatividade; S = enxofre; SFS = superfosfato simples; SFT = superfosfato triplo. 1 Professor Associado do Departamento de Ciência do Solo e Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG, Ponta Grossa, PR, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq; e-mail: [email protected] 2 Professor Adjunto do Departamento de Fitotecnia e Fitossanidade, Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG, Ponta Grossa, PR, Ex-bolsista de Pós-Doutorado da CAPES – Programa de Pós-Graduação em Agronomia da UEPG; e-mail: [email protected] 1. INTRODUÇÃO A acidez do solo limita a produção agrícola em consi- deráveis áreas do mundo. Os maiores problemas de fertilidade dos solos tropicais são a falta de fósforo (P) e a acidez excessiva. A deficiência de cálcio (Ca) e a toxidez provocada por alumínio (Al) e manganês (Mn) são os fatores que mais têm causado limitação na produtividade das culturas em solos ácidos de regiões tropicais e subtropicais. Os problemas gerados pela acidez dos solos são comumente corrigidos por meio da aplicação de calcário. A calagem reduz ou elimina os efeitos tóxicos de Al e Mn, aumenta a disponibilidade de nitrogênio (N), P, Ca, magnésio (Mg), enxofre (S) e molibdênio (Mo) no solo e também aumenta a atividade microbiana. A calagem pode ser considerada a prática que mais contribui para o aumento da eficiência do uso de fertilizantes. Mesmo assim, tal prática tem sido, muitas vezes, negligenciada, sendo empregadas quantidades de calcário insuficientes para promover adequada correção da acidez e aproveitamento dos nutrientes pelas plantas. Isso tem ocorrido de forma ainda mais generalizada com o crescimento da área cultivada em sistema plantio direto no Brasil. A calagem é um investimento realizado na busca de máximo retorno econômico por meio da utilização de um corretivo que seja eficiente e traga benefícios para o solo e para a produtividade das culturas. Devido a problemas de ordem logística e também relacio- nados à aplicação dos corretivos da acidez, tem crescido o interesse pela utilização de produtos granulados na agricultura. Produtos à base de carbonatos, silicatos e óxidos de Ca e Mg, associados ou não a sulfato de Ca (gesso agrícola), na forma granulada, têm surgido no mercado, gerando facilidades de transporte, manuseio e distri- buição. A maior parte desses produtos tem registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) como fertili- zantes minerais simples ou mistos, os quais podem disponibilizar Ca, Mg ou S, dependendo de sua composição, quando aplicados a lanço ou no sulco de semeadura. Porém, como esses produtos são formulados com componentes de corretivos da acidez, por vezes, eles têm sido utilizados na agricultura como alternativa ao calcário agrícola para melhorar as condições de acidez do solo. Os produtos são variados e originários de diferentes processos de granulação. O corretivo peletizado contém calcário finamente moído compactado em grânulos por um agente de ligação à base de lignina, o que permite distribuição uniforme e mais precisa do material, evitando problemas de poeira no manuseio. Como o calcário peletizado e outros corretivos granulados têm um custo bem mais elevado em relação às fontes convencionais, em várias situações tais produtos têm sido comercializados como sendo muito mais eficazes do que o calcário agrícola, isto é, necessitando de doses bem mais baixas para corrigir a acidez do solo em relação às fontes convencionais. Será isso verdadeiro? O que, de fato, se conhece sobre esse assunto? Nesse trabalho são discutidos aspectos relacionados à efi- ciência do uso de corretivos granulados na correção da acidez do solo, mediante uma abordagem dos estudos realizados sobre esse tema, com aplicações a lanço e no sulco de semeadura. 2. ENTENDENDO A CORREÇÃO DA ACIDEZ DO SOLO Os corretivos da acidez do solo mais utilizados na agricul- tura são as rochas calcárias moídas, constituídas por misturas de minerais, como a calcita e a dolomita, que contêm, em suas compo- sições, carbonatos de cálcio (CaCO 3 ) e/ou de magnésio (MgCO 3 ). São menos utilizadas as rochas calcárias calcinadas, que contêm óxidos de cálcio (CaO) e de magnésio (MgO), compostos bem mais solúveis que os carbonatos (QUAGGIO, 1986). Os silicatos de Ca e de Mg também podem ser utilizados como corretivos da acidez. A pequena dissolução dos carbonatos (CaCO 3 e MgCO 3 ), que ocorre em presença de água (H 2 O) e de gás carbônico (CO 2 ), é suficiente para desencadear uma série de reações, representadas a seguir, que resultam na neutralização da acidez do solo: CaCO 3 + H 2 O Ca 2+ + HCO 3 + OH MgCO 3 + H 2 O Mg 2+ + HCO 3 + OH H + + OH H 2 O H + + HCO 3 H 2 O + CO 2

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INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 154 – JUNHO/2016 17

USO DE CORRETIVOS GRANULADOSNA AGRICULTURA

Eduardo Fávero Caires1

Helio Antonio Wood Joris2

Abreviações: Al = alumínio; Ca = cálcio; CaO = óxido de cálcio; CO2 = gás carbônico; CaCO3 = carbonato de cálcio; H2O = água; HCO3- = íon bicarbonato;

MAPA = Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Mg = magnésio; MgCO3 = carbonato de magnésio; MgO = óxido de magnésio; Mn = manganês; Mo = molibdênio; N = nitrogênio; P = fósforo; PN = poder de neutralização; PRNT = poder relativo de neturalização total; RE = reatividade; S = enxofre; SFS = superfosfato simples; SFT = superfosfato triplo.

1 Professor Associado do Departamento de Ciência do Solo e Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG, Ponta Grossa, PR, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq; e-mail: [email protected]

2 Professor Adjunto do Departamento de Fitotecnia e Fitossanidade, Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG, Ponta Grossa, PR, Ex-bolsista de Pós-Doutorado da CAPES – Programa de Pós-Graduação em Agronomia da UEPG; e-mail: [email protected]

1. INTRODUÇÃO

A acidez do solo limita a produção agrícola em consi-deráveis áreas do mundo. Os maiores problemas de fertilidade dos solos tropicais são a falta de fósforo

(P) e a acidez excessiva. A deficiência de cálcio (Ca) e a toxidez provocada por alumínio (Al) e manganês (Mn) são os fatores que mais têm causado limitação na produtividade das culturas em solos ácidos de regiões tropicais e subtropicais.

Os problemas gerados pela acidez dos solos são comumente corrigidos por meio da aplicação de calcário. A calagem reduz ou elimina os efeitos tóxicos de Al e Mn, aumenta a disponibilidade de nitrogênio (N), P, Ca, magnésio (Mg), enxofre (S) e molibdênio (Mo) no solo e também aumenta a atividade microbiana. A calagem pode ser considerada a prática que mais contribui para o aumento da eficiência do uso de fertilizantes. Mesmo assim, tal prática tem sido, muitas vezes, negligenciada, sendo empregadas quantidades de calcário insuficientes para promover adequada correção da acidez e aproveitamento dos nutrientes pelas plantas. Isso tem ocorrido de forma ainda mais generalizada com o crescimento da área cultivada em sistema plantio direto no Brasil.

A calagem é um investimento realizado na busca de máximo retorno econômico por meio da utilização de um corretivo que seja eficiente e traga benefícios para o solo e para a produtividade das culturas. Devido a problemas de ordem logística e também relacio-nados à aplicação dos corretivos da acidez, tem crescido o interesse pela utilização de produtos granulados na agricultura. Produtos à base de carbonatos, silicatos e óxidos de Ca e Mg, associados ou não a sulfato de Ca (gesso agrícola), na forma granulada, têm surgido no mercado, gerando facilidades de transporte, manuseio e distri-buição. A maior parte desses produtos tem registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) como fertili-zantes minerais simples ou mistos, os quais podem disponibilizar Ca, Mg ou S, dependendo de sua composição, quando aplicados a lanço ou no sulco de semeadura. Porém, como esses produtos são formulados com componentes de corretivos da acidez, por vezes, eles têm sido utilizados na agricultura como alternativa ao calcário agrícola para melhorar as condições de acidez do solo. Os produtos

são variados e originários de diferentes processos de granulação. O corretivo peletizado contém calcário finamente moído compactado em grânulos por um agente de ligação à base de lignina, o que permite distribuição uniforme e mais precisa do material, evitando problemas de poeira no manuseio. Como o calcário peletizado e outros corretivos granulados têm um custo bem mais elevado em relação às fontes convencionais, em várias situações tais produtos têm sido comercializados como sendo muito mais eficazes do que o calcário agrícola, isto é, necessitando de doses bem mais baixas para corrigir a acidez do solo em relação às fontes convencionais. Será isso verdadeiro? O que, de fato, se conhece sobre esse assunto?

Nesse trabalho são discutidos aspectos relacionados à efi-ciência do uso de corretivos granulados na correção da acidez do solo, mediante uma abordagem dos estudos realizados sobre esse tema, com aplicações a lanço e no sulco de semeadura.

2. ENTENDENDO A CORREÇÃO DA ACIDEZ DO SOLO

Os corretivos da acidez do solo mais utilizados na agricul-tura são as rochas calcárias moídas, constituídas por misturas de minerais, como a calcita e a dolomita, que contêm, em suas compo-sições, carbonatos de cálcio (CaCO3) e/ou de magnésio (MgCO3). São menos utilizadas as rochas calcárias calcinadas, que contêm óxidos de cálcio (CaO) e de magnésio (MgO), compostos bem mais solúveis que os carbonatos (QUAGGIO, 1986). Os silicatos de Ca e de Mg também podem ser utilizados como corretivos da acidez.

A pequena dissolução dos carbonatos (CaCO3 e MgCO3), que ocorre em presença de água (H2O) e de gás carbônico (CO2), é suficiente para desencadear uma série de reações, representadas a seguir, que resultam na neutralização da acidez do solo:

CaCO3 + H2O Ca2+ + HCO3– + OH–

MgCO3 + H2O Mg2+ + HCO3– + OH–

H+ + OH– H2O

H+ + HCO3– H2O + CO2

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A hidroxila (OH–) reage com o íon H+ da solução do solo, formando água. O bicarbonato (HCO3

–) reage também com o H+, originando CO2 e H2O. Dessa forma, a reação desloca-se para a direita, enquanto houver íons H+ em solução. Deve-se lembrar que a acidez ativa em solução está em equilíbrio com a acidez potencial (H + Al). Isso permite que a acidez potencial do solo seja grada-tivamente neutralizada, inclusive o íon Al3+, que é precipitado na forma de Al(OH)3 (RAIJ, 1991).

É importante destacar que a neutralização da acidez ocorre pela presença dos ânions (OH– e HCO3

–), que são receptores de prótons, sem os quais a eliminação da acidez não seria possível. Os íons Ca2+ e Mg2+ ocuparão o lugar dos cátions com caráter ácido (H e Al) no complexo de troca catiônica do solo. A neutralização da acidez potencial do solo ocorre na proporção de 1 t ha-1 de CaCO3 para cada 10 mmolc dm-3 de H + Al, na camada de 0-20 cm.

A neutralização da acidez deve levar em conta o conteúdo de neutralizantes do corretivo e, no caso de rochas calcárias moídas, a granulometria. Assim, a avaliação da eficiência dos calcários tem sido feita com base no poder relativo de neutralização total (PRNT), índice que congrega o poder de neutralização (PN), em função do conteúdo de neutralizantes equivalente em CaCO3, e a reatividade (RE), que depende da granulometria, de acordo com a expressão:

BATAGLIA, 1982; MORELLI et al., 1992; OLIVEIRA; PARRA; COSTA, 1997), em cultivos perenes estabelecidos (CHAVES; PAVAN; IGUE, 1984; PAVAN, 1994; SILVA et al., 2007) e no sistema plantio direto (OLIVEIRA; PAVAN, 1996; CAIRES; BAN-ZATTO; FONSECA, 2000; CAIRES et al., 2008, 2015).

3. CONHECENDO A EFICIÊNCIA DOS CORRETIVOS GRANULADOS

Como os corretivos da acidez constituídos de partículas mais finas possuem maior RE, eles apresentam maior velocidade de reação no solo. A velocidade de reação é muito importante para os agricultores que buscam maior retorno de seu investimento. Porém, a desvantagem da utilização de partículas muito finas de calcário consiste na dificuldade de sua aplicação no solo. Na forma peletizada (calcário finamente moído compactado em grânulos), o corretivo é protegido da deriva do vento, o que permite distribuição mais uni-forme e eficiente. A propriedade mais atraente do calcário peletizado é que ele pode ser espalhado uniformemente com precisão, utilizando equipamento convencional de distribuição, tornando-se uma opção mais conveniente para os agricultores. Aglutinantes sintéticos, tais como lignossulfonatos, mantém os grânulos finamente moídos juntos, os quais se dissolvem em contato com a água da chuva ou solução do solo, rompendo-se por solubilização ou ação microbiana. Os grânulos são resistentes o suficiente para resistir ao transporte, e o mínimo de poeira é criado com a sua distribuição.

O calcário peletizado, quando usado nas doses recomenda-das, tem um custo proibitivo porque ele é bem mais caro do que o calcário agrícola convencional. Sendo assim, alguns produtores têm considerado o uso de 200 a 400 kg ha-1 ano-1 de calcário peletizado, a lanço ou no sulco de semeadura, como uma alternativa de mais baixo custo para a sua aplicação. Embora as pesquisas sobre esta prática sejam limitadas, especialmente no Brasil, estudos publicados têm demonstrado que o uso de calcário peletizado em quantidades inferiores à necessidade de calagem não neutraliza a acidez do solo para os níveis desejados e resulta apenas em ligeiras alterações no pH do solo (PIERCE; WARNCKE, 2000; GODSEY et al., 2007; LENTZ et al., 2010; HIGGINS; MORRISON; WATSON, 2012; LOLLATO; EDWARDS; ZHANG, 2013).

A velocidade de reação do calcário peletizado foi avaliada em um estudo realizado na Universidade do Kentucky (EUA). Quando aplicado na mesma equivalência de conteúdo de neutrali-zantes, o calcário peletizado reagiu mais lentamente do que qual-quer outra rocha calcária moída estudada (MURDOCK, 1997). As investigações sobre as possíveis causas desse efeito são limitadas, mas um atraso na quebra da ligação do lignosulfonato foi dado como uma possível explicação (MURDOCK, 1997). O agente de ligação é fundamental quando se considera a taxa de reatividade dos correti-vos peletizados. Em um estudo em laboratório, o calcário peletizado não reagiu tão rapidamente quanto o calcário agrícola convencional devido à insolubilidade do agente de ligação (WARNCKE; PIERCE, 1997). Apesar do pequeno tamanho das partículas dos corretivos, o agente de ligação pode afetar negativamente a solubilidade do grânulo, retardando a sua velocidade de reação no solo.

Em outro estudo realizado na Irlanda do Norte, Higgins, Morrison e Watson (2012) verificaram que não houve diferença na velocidade de reação do calcário peletizado quando comparada à do calcário agrícola convencional, a partir da mesma fonte. Além disso, a aplicação de pequenas quantidades de calcário peletizado anual-mente (175, 350 e 525 kg ha-1 ano-1) em uma pastagem permanente, utilizada para produção de silagem, não se mostrou uma alternativa

PN x RE 100

PRNT (%) =

O PN indica o potencial químico do corretivo em neutra-lizar a acidez, ao passo que a RE indica a velocidade de ação do corretivo na correção da acidez do solo. O cálculo admite uma correção para o PN do corretivo conforme a granulometria, sendo atribuída eficiência zero para o material retido na peneira ABNT no 10 (2 mm), 20% para o material retido na peneira ABNT no 20 (0,84 mm), 60% para o material retido na peneira ABNT no 50 (0,30 mm) e 100% para o material que passa na peneira ABNT no 50. A adequada interpretação do PRNT é fundamental para a avaliação da eficiência técnica dos corretivos da acidez, lembrando que partículas finas de calcário conferem maior RE, indicando maior velocidade de ação do corretivo na correção da acidez do solo, porém menor efeito residual. O aumento do PRNT dos corretivos pode ser obtido pela moagem mais fina ou pela calcinação (transformação de carbonatos em óxidos ou hidróxidos): no primeiro caso, ocorre somente aumento na RE e, no segundo, ocorre aumento de PN e RE. Por isso, em geral, quanto maior o PRNT, maior será a RE do corretivo. Mas será que o PRNT constitui uma avaliação absoluta da eficiência de um corretivo? O conceito de eficiência está ligado à lucratividade, isto é, o corretivo mais eficiente é aquele que propor-ciona maior lucro ao produtor. Para isso, é necessário levar em conta aspectos técnicos e econômicos (ALCARDE, 2005).

Por causa da baixa solubilidade dos carbonatos (CaCO3 e MgCO3), recomenda-se que o calcário seja distribuído de modo uni-forme em área total sobre a superfície do solo, e que suas partículas sejam intimamente misturadas com o solo para aumentar a superfície de contato e a sua ação neutralizante. A ação do calcário é sempre mais acentuada no local de sua aplicação no solo. A neutralização da acidez do subsolo é dificultada pelo aumento da retenção de cátions, que ocorre em função da geração de cargas elétricas variáveis negativas com a elevação no pH do solo. Entretanto, dependendo da dose de calcário empregada, do tempo de reação, das condições de clima e de manejo do solo, a calagem pode ter efeito também em camadas mais profundas do solo, conforme constatado em vários trabalhos realizados em sistema convencional de cultivo anual e semiperene (CAIRES; ROSOLEM, 1993; QUAGGIO; MASCARENHAS;

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rentável durante o período de três anos. Os autores comentam, nesse estudo, que o custo global da aplicação de pequenas quantidades anuais de calcário peletizado seria consideravelmente maior do que aquele obtido com uma única aplicação, em dose mais elevada, de calcário agrícola convencional, a cada 8-10 anos.

Na região do Corn Belt americano, um estudo foi realizado para avaliar a capacidade de neutralização da acidez do solo por meio da utilização de baixas doses de calcário peletizado em comparação com o uso de calcário agrícola convencional (LENTZ et al., 2010). Verificou-se que a incorporação de doses de calcário abaixo da necessidade de calagem não elevou o pH do solo (0-15 cm) ao nível desejado (6,8), independentemente da fonte de calcário empregada (Figura 1). Além disso, o calcário agrícola convencional apresentou reação mais rápida no solo do que o calcário peletizado. A aplicação de calcário peletizado em dose baixa proporcionou produtividades de milho semelhantes às do tratamento controle (sem calagem). Os resultados desse estudo revelaram que a aplicação de baixas doses de calcário não corrige adequadamente a acidez do solo, e que a aplicação de calcário peletizado não neutraliza a acidez de forma mais rápida do que o calcário agrícola convencional. É muito improvável que a aplicação de qualquer corretivo da acidez (peletizado ou não) abaixo da necessidade de calagem proporcione a mudança desejada no pH do solo. Esse estudo é um exemplo do risco que o produtor corre ao aplicar calcário em uma dose consideravelmente mais baixa do que a recomendada. Esse risco é ainda maior quando se utiliza calcário granulado, que pode não reagir tão rapidamente quanto o calcário agrícola convencional.

Em um trabalho recente e bastante minucioso, Lollato, Edwards e Zhang (2013) avaliaram, de forma inédita, a distribuição espacial do pH no perfil do solo após a aplicação de calcário agrícola convencional incorporado (2,25 e 4,50 t ha-1) e de calcário peletizado no sulco de semeadura (225 e 450 kg ha-1 ano-1). As alterações no pH do solo pela aplicação de calcário peletizado no sulco ficaram

restritas a uma região de, aproximadamente, 1,27 cm em torno do grânulo, enquanto a aplicação de calcário agrícola aumentou o pH em toda a profundidade incorporada (Figura 2). A falta de difusão do calcário peletizado ficou evidente quando foram abertas trincheiras no perfil do solo e os grânulos puderam ser vistos no mesmo local onde foram aplicados, aproximadamente 220 dias após a aplicação (Figura 3). Nesse estudo, o crescimento do trigo nas parcelas com calcário peletizado não foi diferente do tratamento controle, indicando que não houve nenhuma vantagem do uso de calcário peletizado no sulco de semeadura para a correção da acidez do solo. Os resultados desse trabalho mostraram que a aplicação de calcário peletizado no sulco comporta-se como grandes grânulos de calcário, ocasionando melhoria no pH do solo somente ao redor do local de sua aplicação.

Como a magnitude de alteração no pH do solo é uma função da quantidade de calcário aplicada, pequenas alterações no pH do solo causadas pela aplicação anual de doses baixas de calcário granulado têm sido documentadas na literatura. Higgins, Morrison e Watson (2012), por exemplo, mostraram que a aplicação de 175, 350 e 525 kg ha-1 ano-1 de calcário peletizado resultou numa média de aumento no pH do solo de 0,07; 0,09 e 0,25 unidades, respec-tivamente, aproximadamente 21 meses após a aplicação. Lollato, Edwards e Zhang (2013) verificaram que a aplicação de 225 e 450 kg ha-1 ano-1 de calcário peletizado aumentou o pH do solo em 0,10 e 0,18 unidades, respectivamente, no primeiro ano do estudo. No entanto, a vantagem da aplicação de calcário peletizado no sulco, em relação ao tratamento controle, desapareceu nos anos seguintes, provavelmente devido aos efeitos localizados da aplicação no sulco. Em outro estudo realizado com os calcários granulados de conchas, com ou sem gesso agrícola, e dolomítico, no sulco de semeadura em sistema plantio direto, Escosteguy et al. (2015) observaram que os corretivos granulados, na dose calculada para fornecer 83 kg ha-1 de Ca, aumentaram o pH do solo na ordem de 0,36 unidades, entre 40 e 50 dias após a aplicação, independentemente da fonte.

pH d

o so

lo

Calcário (t ha-1)

Figura 1. Efeito de doses de calcário agrícola convencional ( ) e de calcário peletizado ( ) no pH do solo, depois de 20, 40, 60, 140, 200 e 500 dias da aplicação.

Fonte: Adaptada de Lentz et al. (2010).

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Figura 2. Distribuição do pH ao longo do perfil do solo em junho de 2011 e junho de 2012 em função de estratégias de correção da acidez do solo (* P < 0,05 e *** P < 0,001).

Fonte: Lollato, Edwards e Zhang (2013).

Junho 2011 Controle Junho 2012 Controle

225 kg ha-1 ano-1 de calcário peletizado 225 kg ha-1 ano-1 de calcário peletizado

450 kg ha-1 ano-1 de calcário peletizado 450 kg ha-1 ano-1 de calcário peletizado

2,25 t ha-1 de calcário agrícola convencional 2,25 t ha-1 de calcário agrícola convencional

4,50 t ha-1 de calcário agrícola convencional 4,50 t ha-1 de calcário agrícola convencional

pH do solo

5,0

5,0-6,0

6,0

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os trabalhos documentados na literatura mostram de forma bastante clara três aspectos importantes quando o intuito é corrigir a acidez do solo de forma adequada por meio do uso de corretivos agrícolas:

(i) O calcário não é um produto para ser aplicado no sulco de semeadura devido à baixa solubilidade dos corretivos da acidez. O calcário deve ser distribuído uniformemente em área total e misturado ao solo para aumentar a superfície de contato e a ação dos neutralizan-tes. No caso do sistema plantio direto, o calcário deve ser incorporado no solo, na camada mais profunda possível, no estabelecimento do sistema e, depois disso, a calagem deve ser feita na superfície, sem incorporação, adotando-se critérios de recomendação adequados para a estimativa da dose e a frequência de aplicação.

(ii) O calcário peletizado (calcário finamente moído com-pactado em grânulos), quando utilizado nas doses recomendadas, tem um custo proibitivo porque é bem mais caro do que o calcário agrícola convencional e não apresenta reação mais rápida do que qualquer outra rocha calcária moída de boa qualidade.

(iii) A aplicação de qualquer corretivo da acidez (granulado ou não) abaixo das doses recomendadas não proporciona adequada correção da acidez do solo e pode comprometer a produtividade das culturas.

A aplicação de produtos granulados à base de gesso agrícola em doses relativamente baixas (200 a 400 kg ha-1) deve se limitar ao fornecimento de Ca e S para as plantas, pois não se devem esperar efeitos na melhoria das condições químicas do subsolo com a sua aplicação em curto prazo. Os efeitos da adição de baixas doses de gesso agrícola granulado em longo prazo ainda não foram estuda-dos e, portanto, não são conhecidos. Como o P é o nutriente mais empregado na adubação de plantas em solos tropicais, em decorrência da carência em P e da alta capacidade de adsorção de P dos solos altamente intemperizados, cabe aqui uma reflexão sobre a viabilidade

econômica de se utilizar, na adubação, gesso agrícola granulado ao invés de superfosfato simples (que contém gesso em sua composição). Destaca-se que o trabalho pioneiro que deu início aos estudos sobre o uso de gesso para a melhoria do subsolo ácido no Brasil foi plane-jado, inicialmente, para comparar fontes de P [superfosfato simples (SFS) e superfosfato triplo (SFT)] na região do Cerrado (RITCHEY et al., 1980). Nesse estudo, durante um período de estresse hídrico, os pesquisadores observaram que as plantas de milho adubadas com doses elevadas de SFS apresentaram desenvolvimento muito melhor e estavam muito mais vigorosas do que aquelas adubadas com doses baixas de SFS ou com qualquer dose de SFT. A abertura de tricheiras seguida de análises químicas em diferentes camadas no perfil do solo revelou a presença de maior teor de Ca, menor concentração de Al e maior quantidade de raízes nas camadas mais profundas do solo, nas parcelas que haviam recebido as mais altas doses de SFS. Assim, é possível que o uso continuado de doses relativamente altas de SFS possa ocasionar melhoria no ambiente radicular do subsolo em longo prazo, especialmente em solos tropicais ou subtropicais com baixa capacidade de troca catiônica.

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Figura 3. Trincheiras abertas em junho de 2011 (A) e junho de 2012 (B) mostrando a falta de difusão do calcário peletizado ao longo do perfil do solo, com grânulos visíveis e praticamente não modi-ficados após aproximadamente 220 dias da aplicação.

Fonte: Lollato, Edwards e Zhang (2013).