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Livro Juarez Cirino – Direito Penal Parte Geral Aline Buchmann 1. Capítulo I – Conceito de Direito Penal O direito penal é o setor do ordenamento jurídico que define crimes, comina penas e prevê medidas de segurança aplicáveis aos autores das condutas incriminadas. A definição de crimes se realiza pela descrição das condutas proibidas; a cominação de penas e a previsão de medidas de segurança se realiza pela delimitação de escalas punitivas ou assecuratórias aplicáveis, respectivamente, aos autores imputáveis ou inimputáveis de fatos puníveis. A descrição de condutas proibidas aparece em modelos abstratos de condutas comissivas ou omissivas, com as escalas penais respectivas, na parte especial do Código Penal; as espécies e a duração das medidas de segurança são indicadas em capítulo próprio da parte geral do Código Penal. O Código Penal, estatuto legal que define crimes e prevê penas e medidas de segurança, é o centro do programa de política penal do Estado para controle da criminalidade. 2. Capítulo I – Objetivos do Direito Penal O direito penal possui objetivos declarados (ou manifestos), destacados pelo discurso oficial da teoria jurídica da pena, e objetivos reais (ou latentes), identificados pelo discurso crítico da teoria criminológica da pena. Os objetivos declarados consistem na proteção de bens jurídicos, os quais são selecionados por critérios político-criminais fundados na CF. Já os objetivos reais correspondem às dimensões de ilusão e de realidade de todos os fenômenos ideológicos das sociedades capitalistas contemporâneas. Assim, todos os fenômenos sociais da base econômica e das instituições de controle jurídico e político do Estado devem ser estudados na perspectiva das classes sociais (na posição de capitalistas ou na posição de assalariados) e da luta de classes correspondente, em que se manifestam as contradições e os antagonismos políticos que determinam ou condicionam o desenvolvimento da vida social. Os objetivos declarados do Direito Penal produzem uma aparência de neutralidade do Sistema de Justiça Criminal, promovida pela limitação da pesquisa jurídica ao nível da lei penal, única fonte formal do Direito Penal. Essa aparência de neutralidade é dissolvida pelo estudo das fontes materiais

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Livro Juarez Cirino – Direito Penal Parte Geral

Aline Buchmann

1. Capítulo I – Conceito de Direito PenalO direito penal é o setor do ordenamento jurídico que define crimes, comina penas e prevê medidas de segurança aplicáveis aos autores das condutas incriminadas. A definição de crimes se realiza pela descrição das condutas proibidas; a cominação de penas e a previsão de medidas de segurança se realiza pela delimitação de escalas punitivas ou assecuratórias aplicáveis, respectivamente, aos autores imputáveis ou inimputáveis de fatos puníveis. A descrição de condutas proibidas aparece em modelos abstratos de condutas comissivas ou omissivas, com as escalas penais respectivas, na parte especial do Código Penal; as espécies e a duração das medidas de segurança são indicadas em capítulo próprio da parte geral do Código Penal. O Código Penal, estatuto legal que define crimes e prevê penas e medidas de segurança, é o centro do programa de política penal do Estado para controle da criminalidade.

2. Capítulo I – Objetivos do Direito PenalO direito penal possui objetivos declarados (ou manifestos), destacados pelo discurso oficial da teoria jurídica da pena, e objetivos reais (ou latentes), identificados pelo discurso crítico da teoria criminológica da pena.Os objetivos declarados consistem na proteção de bens jurídicos, os quais são selecionados por critérios político-criminais fundados na CF. Já os objetivos reais correspondem às dimensões de ilusão e de realidade de todos os fenômenos ideológicos das sociedades capitalistas contemporâneas. Assim, todos os fenômenos sociais da base econômica e das instituições de controle jurídico e político do Estado devem ser estudados na perspectiva das classes sociais (na posição de capitalistas ou na posição de assalariados) e da luta de classes correspondente, em que se manifestam as contradições e os antagonismos políticos que determinam ou condicionam o desenvolvimento da vida social.Os objetivos declarados do Direito Penal produzem uma aparência de neutralidade do Sistema de Justiça Criminal, promovida pela limitação da pesquisa jurídica ao nível da lei penal, única fonte formal do Direito Penal. Essa aparência de neutralidade é dissolvida pelo estudo das fontes materiais do ordenamento jurídico, utilizada pela Criminologia crítica como método de pensar o crime e o controle social nas sociedades contemporâneas. O direito penal e o sistema de justiça criminal constituem o centro gravitacional do controle social.

3. Capítulo I – Direito Penal e Desigualdade Social

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Através das definições legais de crimes e de penas, o legislador protege interesses e necessidades das classes e categorias sociais hegemônicas da formação social, incriminando condutas lesivas das relações de produção e de circulação da riqueza material, concentradas na criminalidade patrimonial comum, característica das classes e categorias sociais subalternas, privadas de meios materiais de subsistência animal: as definições de crimes fundadas em bens jurídicos próprios das elites econômicas e políticas da formação social garantem os interesses e as condições necessárias à existência e reprodução dessas classes sociais. Em consequência, a proteção penal seletiva de bens jurídicos das classes e grupos sociais hegemônicos pré-seleciona os sujeitos estigmatizáveis pela sanção pena – os indivíduos pertencentes às classes e grupos sociais subalternos, especialmente os contingentes marginalizados do mercado de trabalho e do consumo social, como sujeitos privados dos bens jurídicos econômicos e sociais protegidos na lei penal.A proteção das relações de produção e circulação materiais da vida social abrange a proteção das forças produtivas e, assim, certos tipos penais parecem proteger bens jurídicos gerais ou comuns a todos os homens, independentemente da posição social ou de classe respectiva. Entretanto, a proteção desses valores gerais é desigual, pois os titulares dos bens jurídicos gerais pertencentes às classes ou categorias sociais hegemônicas são protegidos como seres humanos, enquanto os titulares pertencentes às classes ou grupos sociais integrados nos processos de produção/circulação material como força de trabalho assalariada são protegidos apenas como e enquanto objetos e, finalmente, os titulares pertencentes aos contingentes marginalizados do mercado de trabalho não são protegidos. Assim, se a criminalização primária parece neutra, a secundária é diferenciada pela posição social dos sujeitos.

4. Capítulo I – Bem jurídicoO conceito de bem jurídico continua essencial para o Estado Democrático de Direito e das formações sociais fundadas na relação capital/trabalho assalariado do capitalismo neoliberal, como critério de criminalização e como objeto de proteção do direito penal, conforme reconhecem as teorias jurídica e criminológica modernas.Não obstante, respeitáveis penalistas latino-americanos admitem o bem jurídico como critério de criminalização, mas rejeitam como objeto de proteção penal. Isso porque, entendem que toda lesão de bens jurídicos deve ser criminalizada e negando que todo bem jurídico deva ser protegido por criminalização (o que é correto na visão do autor), mas rejeitam o bem jurídico como objeto de proteção penal, pois afirmam que a pena no homicídio, por exemplo, não protegeria a vida da vítima.Para Juarez Cirino, o bem jurídico é critério de criminalização porque constitui objeto de proteção penal, ou seja, existe um núcleo duro de bens jurídicos individuais (vida, liberdade, etc) que configuram a base de um Direito Penal mínimo e dependem de proteção penal. Aduz que seria aflitivo

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imaginar o que aconteceria com a vida se não constituísse objeto de proteção penal, mas de simples indenização, por exemplo.Assim, a tese do bem jurídico como critério de criminalização e como objeto de proteção penal não só mostra o Direito Penal como garantia jurídico-política das formações sociais capitalistas, mas mostra a própria sobrevivência das atuais sociedades desiguais pela proteção penal de seus valores fundamentais. O conceito de bem jurídico como critério de criminalização e como objeto de proteção penal, portanto, constitui garantia política irrenunciável do Direito Penal do Estado Democrático de Direito, nas formações sociais estruturadas sobre a relação capital/trabalho assalariado, em que se articulam as classes sociais fundamentais do neoliberalismo contemporâneo.

5. Capítulo II – Princípio da LegalidadeO princípio da legalidade é o mais importante instrumento constitucional de proteção individual no moderno Estado Democrático de Direito porque proíbe: (i) a retroatividade como criminalização ou agravação da pena de fato anterior; (ii) o costume como fundamento ou agravação de crimes e penas; (iii) a analogia como método de criminalização ou de punição de condutas; e (iv) a indeterminação dos tipos legais e das sacões penais.A proibição da retroatividade penal é regido pela fórmula lex previa, que incide sobre a norma de conduta e sobre a sanção penal do tipo legal impedindo mudanças de pressupostos de punibilidade prejudiciais ao réu, compreendendo tipos legais, justificações e exculpações, bem como as penas, efeitos da condenação, condições objetivas de punibilidade, causas de extinção da punibilidade (especialmente prazos prescricionais), regimes de execução e todas as hipóteses de encarceração. A única exceção à proibição de retroatividade da lei penal é representada pelo princípio da lei penal mais benigna.No que tange à analogia, esta somente poderá ser permitida se favorável ao réu, e, neste caso, sem nenhuma restrição.O princípio da legalidade também proíbe o costume como fundamento da criminalização e de punição de condutas porque exige lex scripta para os tipos legais e sanções penais. No entanto, se in bonam partem, é possível que seja admitido.Finalmente, o princípio da legalidade proíbe a indeterminação da lei penal. A proteção do cidadão contra o arbítrio exclui leis penais indefinidas ou obscuras, pois estas favorecem interpretações judiciais idiossincráticas e impedem ou dificultam o conhecimento da proibição, favorecendo a aplicação de penas com lesão do princípio da culpabilidade.

6. Capítulo II – Princípio da culpabilidadeO princípio da culpabilidade vem expresso na fórmula nulla poena sine culpa. Significa dizer que é proibido punir pessoas sem os requisitos de reprovação, segundo a teoria da culpabilidade, ou seja, não é possível punir os inimputáveis, aqueles que incidem em erro de proibição inevitável e aqueles

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que realizam o injusto em contextos de anormalidade definíveis como situações de exculpação.A relação entre o princípio da legalidade e o princípio da culpabilidade pode ser assim definida: a) a culpabilidade fundamenta-se no conhecimento do tipo de injusto, logo o princípio da culpabilidade pressupõe ou contém o princípio da legalidade, como definição escrita, prévia, estrita e certa do tipo de injusto; b) existe uma relação de dependência do princípio da culpabilidade em face do principio da legalidade porque a culpabilidade pressupõe tipo de injusto, mas o tipo de injusto não pressupõe a culpabilidade.

7. Capítulo II – Princípio da lesividadeO princípio da lesividade proíbe a cominação, a aplicação e a execução de penas e de medidas de segurança em casos de lesões irrelevantes contra bens jurídicos protegidos na lei penal. Tem por objeto o bem jurídico determinante da criminalização, em dupla dimensão: do ponto de vista qualitativo, tem por objeto a natureza do bem jurídico lesionado; do ponto de vista quantitativo, tem por objeto a extensão da lesão do bem jurídico.

8. Capítulo II – Princípio da proporcionalidadeO princípio da proporcionalidade é constituído por três princípios parciais: princípio da adequação, princípio da necessidade e princípio da proporcionalidade em sentido estrito, também chamado de princípio da avaliação. O princípio da adequação e o princípio da necessidade têm por objeto a otimização das possibilidades da realidade, do ponto de vista da adequação e da necessidade dos meios em relação aos fins propostos. O princípio da proporcionalidade em sentido estrito tem por objeto a otimização das possibilidades jurídicas, ao nível da criminalização primária e da criminalização secundária, do ponto de vista da proporcionalidade dos meios em relação aos fins propostos.Assim, o princípio da proporcionalidade proíbe penas excessivas ou desproporcionais em face do desvalor de ação ou do desvalor de resultado do fato punível, lesivas da função de retribuição equivalente do crime atribuída às penas criminais nas sociedades capitalistas. Desdobrando-se em uma dimensão abstrata, o princípio da proporcionalidade dirige-se ao legislador, delimitando a criminalização de condutas insignificantes. Em uma dimensão concreta, dirige-se ao julgador, permitindo equacionar os custos individuais e sociais da criminalização secundária, em relação à aplicação e execução da pena criminal.

9. Capítulo II – Princípio da humanidadeO princípio da humanidade, deduzido da dignidade da pessoa humana, exclui a cominação, aplicação e execução de penas de morte, perpétuas, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis.

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Entretanto, o princípio da humanidade não se limita a proibir a abstrata cominação e aplicação de penas cruéis ao cidadão livre, mas proíbe também a concreta execução cruel de penas legais ao cidadão condenado.

10. Capítulo II – Princípio da responsabilidade penal pessoalA definição de fato punível nas dimensões de tipo de injusto e de culpabilidade contém duas garantias fundamentais: a) limita a responsabilidade penal aos autores e partícipes do tipo de injusto, com proibição constitucional de extensão da pena além da pessoa do condenado; b) limita a responsabilidade penal aos seres humanos de carne e osso, com exclusão da pessoa jurídica, posto que a responsabilização penal da pessoa jurídica é inconstitucional.Além dos limites negativos, o princípio da responsabilidade penal pessoal tem objeto e fundamento constitucionais positivos. O objeto da responsabilidade penal pessoal é o tipo de injusto, como relação concreta do princípio nullum crimen, nulla poena, sine lege, atribuído aos autores e partícipes do fato punível, segundo as regras da imputação objetiva e subjetiva definidas pela ciência do Direito Penal: somente o tipo de injusto pode ser objeto de responsabilidade penal. Ainda, o fundamento da responsabilidade penal pessoa é a culpabilidade, como expressão do princípio nulla poena sine culpa, indicada pelas condições pessoais de sabe o que faz, de conhecimento real do que faz e do poder concreto de não fazer o que faz, que estruturam o juízo de reprovação do conceito normativo de culpabilidade: somente a culpabilidade pode fundamentar a responsabilidade penal pessoal pela realização do tipo de injusto.

11. Capítulo III – A validade da lei penal no espaço – critério da territorialidade

A validade da lei penal no espaço é delimitada pela extensão do território do Estado, como organização jurídica do poder político soberano do povo. O critério da territorialidade é a principal forma de delimitação do espaço geopolítico de validade da lei penal na área das relações entre Estados soberanos. O território é o espaço sobre o qual o Estado exerce a soberania política constituído pelas áreas do solo, subsolo, mar territorial, plataforma continental e espaço aéreo.Essa soberania, no entanto, não abrange os agentes diplomáticos, uma vez que as imunidades diplomáticas conferem inviolabilidade e imunidade de jurisdição criminal, civil, administrativa e tributária perante o Estado acreditador. O fundamento dos privilégios e imunidades diplomáticas é ainda objeto de controvérsia. A teoria da extraterritorialidade afirma que o espaço físico da Embaixada seria uma extensão do território do Estado acreditado. Por outro lado, a teoria do interesse da função fundamenta os privilégios e imunidades na necessidade de garantir o desempenho eficaz das funções das Missões Diplomáticas (majoritária).Os navios públicos de guerra e civis também possuem imunidade absoluta perante outros Estados mesmo em mar territorial ou em portos estrangeiros.

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Já os navios privados permanecem sob jurisdição do Estado de origem nas águas territoriais respectivas ou em alto-mar, mas subordinam-se à lei penal de outros Estados quando em águas territoriais ou portos estrangeiros. Da mesma forma se dá o tratamento das aeronaves.

12. Capítulo III – A validade da lei penal no espaço – Lugar do CrimeA lei penal brasileira adota a teoria da ubiquidade para definir lugar do crime: o espaço físico em que foi realizada, no todo ou em parte, a ação ou a omissão de ação, ou em que se produziu o resultado.Logo, as condutas definidas como crimes em leis penais brasileiras, realizadas no todo ou em parte no território brasileiro, ou que produzam – ou devam produzir – o resultado neste território, são submetidas à jurisdição penal brasileira.A definição do lugar do crime é necessária na hipótese de ações criminosas realizadas no espaço territorial de dois ou mais Estados. Nessas hipóteses, a duplicidade de punição é evitada pela norma expressa do art. 8 do Código Penal.

13. Capítulo III – A validade da lei penal no espaço – critério da extraterritorialidade

O critério da extraterritorialidade compreende as exceções à regra da territorialidade, definidas pelos princípios da proteção (ou da defesa), da personalidade (ou da nacionalidade) e da competência penal universal (ou da cooperação penal internacional).O principio da proteção permite submeter à jurisdição penal brasileira fatos puníveis cometidos no estrangeiro, lesivos de bens jurídicos pertencentes ao Estado brasileiro, compreendendo os crimes contra a vida ou liberdade do Presidente da República, contra o patrimônio ou fé pública da União, Estados, DF e Municípios, de empresa pública, de sociedade de economia mista, autarquia ou fundação do Poder Público, e, contra a administração pública por autor a serviço publico. Nesses casos, a punição do agente pela lei brasileira independe de absolvição ou de condenação no estrangeiro.Já o princípio da personalidade permite submeter à lei penal brasileira os fatos puníveis praticados no estrangeiro por autor brasileiro ou contra vítima brasileira. O princípio da personalidade ativa (autor brasileiro) compreende os crimes praticados por brasileiros (art. 7, II, b, CP) e os crimes de genocídio cometidos por agentes brasileiros em território estrangeiro. O princípio da personalidade passiva (vítima brasileira) permite aplicar a lei penal brasileira a crimes cometidos por autores estrangeiros contra vítimas brasileiras, fora do País.Finalmente, o princípio da competência penal universal é característico da cooperação penal internacional porque todos os Estados da comunidade internacional podem punir todos os autores de determinados crimes, segundo tratados ou convenções internacionais. Nessas hipóteses, a aplicação da lei penal brasileira depende de determinadas condições objetivas de punibilidade previstas no art. 7, §2, do CP.

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14. Capítulo III – A validade da lei penal no tempo – critério geralO critério geral de validade da lei penal no tempo é definido pelo princípio da legalidade, na plenitude de suas dimensões constitucionais incidentes sobre crimes, penas e medidas de segurança, definidas como lex praevia, lex scripta, lex certa e lex stricta. O princípio da legalidade somente é afastado pelo critério específico de retroatividade da lei penal mais favorável, aplicável sem exceção em crimes, penas e medidas de segurança, independentemente do trânsito em julgado da decisão judicial ou da fase de execução da pena.

15. Capítulo III – A validade da lei penal no tempo – critério específicoA proibição de retroatividade tem por objeto os crimes, as penas e as medidas de segurança futuras, mas com uma exceção fundamental: a retroatividade da lei penal mais benigna. A aplicação da lei penal mais favorável resolve conflitos de leis penais no tempo, segundo os critérios de comparação de leis diferentes ou de combinação de leis sucessivas. A retroatividade da lei penal mais favorável incide sobre todas as hipóteses, ou seja, lei penal em branco, leis temporárias ou excepcionais, leis processuais penais, lei de execução penal e jurisprudência.As leis penais em branco são tipos legais com sanção penal determinada e preceito indeterminado, dependente de complementação por outro ato legislativo ou administrativo. As leis penais excepcionais e temporárias estão previstas no art. 3 do CP. Teoria dominante admite a ultra-atividade das leis penais temporárias e excepcionais em prejuízo do réu, sob o argumento utilitário de que inevitáveis dilações processuais impediriam a aplicação da lei durante o tempo ou o acontecimento determinado ou sob o argumento técnico de que o tempo ou o acontecimento integrariam o tipo legal, excluindo, em ambas as hipóteses, a retroatividade da lei penal mais favorável.A submissão das leis processuais penais ao princípio constitucional da proibição de retroatividade de lei penal também em prejuízo do réu também é controvertida. A teoria dominante exclui as leis processuais penais da proibição da retroatividade em prejuízo do réu, porque seriam regidas pelo princípio tempus regit actum, com aplicação da lei vigente no momento do ato processual respectivo, e não da lei processual vigente ao tempo do fato punível objeto do processo penal.A LEP também está submetida ao princípio constitucional da lei penal mais favorável, apesar de controvérsias. Finalmente, no que tange à jurisprudência, a literatura penal admite a extensão do princípio da legalidade e seus derivados constitucionais à jurisprudência dos Tribunais, mas a opinião majoritária rejeita essa extensão.

16. Capítulo IV – Interpretação da Lei Penal A norma penal deve ser examinada de quatro diferentes pontos de vista, capazes de esclarecer as seguintes questões: a) o significado de norma

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jurídica; b) as técnicas de interpretação da norma penal; c) o silogismo de aplicação da norma jurídica; d) as fontes da norma penal.A norma jurídica prescreve imperativos do dever ser, definidos sob a forma de proibições, de mandados e de permissões de ações dirigidas aos seres humanos. Interpretar a norma penal consiste em determinar o significado da lei penal. A linguagem escrita da lei penal pode ser abordada sob três pontos de vista: a) semântico, que define o significado isolado das palavras da lei; b) sintático, que define o significado conjunto das palavras nas frases empregadas na lei; c) pragmático, que define a adequação prática do significado da lei.A abordagem semântica, sintática e pragmática da linguagem jurídica não evita problemas de ambiguidades ou polissemias no texto da lei, que podem ser eliminadas ou reduzidas por técnicas tradicionais de interpretação da lei: literal, sistemática, histórica e teleológica.A interpretação literal é uma aplicação especial da abordagem semântica, cujo objetivo é esclarecer o significado da linguagem escrita da lei, que pode ser empregada em sentido comum ou em sentido técnico na norma jurídica; a interpretação sistemática tem por objetivo esclarecer o significado da norma isolada no contexto do sistema de normas respectivo, que estrutura os conceitos e os institutos jurídicos; a interpretação histórica tem por objetivo esclarecer a intenção do legislador no processo de criação da norma jurídica, mediante análise dos debates parlamentares, dos anteprojetos de lei e das exposições de motivos que caracterizam o processo legislativo; a interpretação teleológica tem por objetivo esclarecer a finalidade social da lei.A interpretação da norma pode ser realizada pelo Poder Legislativo (interpretação autêntica), pelo Poder Judiciário (interpretação judicial) e por especialistas do direito (interpretação científica).A aplicação das técnicas de interpretação para esclarecer o sentido da lei produz resultados declarativos, restritivos ou extensivos do significado da lei. A interpretação da norma penal diferencia-se da analogia, pois enquanto a interpretação identifica grupos de casos previstos pela lei penal, a analogia identifica grupos de casos não previstos, mas semelhantes aos casos previstos na lei penal. Duas teorias procuram definir os limites da interpretação permitida e da analogia proibida em Direito Penal: teoria do sentido da lei penal e teoria da literalidade da lei penal. Pela teoria do sentido da lei penal, o que está conforme ao sentido da lei penal é interpretação permitida, enquanto que o que está desconforme ao sentido da lei penal é analogia proibida. Já pela teoria da literalidade da lei penal, o que está conforme à literalidade da lei penal constitui interpretação permitida, enquanto que o que está desconforme constitui analogia proibida. A teoria da literalidade também resolve o dilema entre interpretação restritiva e interpretação extensiva da lei penal: o princípio da legalidade proíbe qualquer interpretação extensiva da lei penal, resolvendo todos os casos de dúvida conforme a interpretação restritiva, aliás, única compatível com o princípio in dubio pro reo.

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A analogia também pode ser pensada como argumento a simile e como argumento a maiori ad minus. A analogia a simile significa aplicação da lei penal a fatos diferentes dos previstos, mas semelhantes aos previstos. Nesse sentido, constitui um juízo de probabilidade próprio da psicologia individual, que não pertence nem à lógica clássica/dedutiva, nem à lógica moderna/indutiva. Já a analogia como argumento a maiori ad minus significa que a norma jurídica válida para uma classe geral de fatos é igualmente válida para fatos especiais da mesma categoria.O silogismo é o processo lógico de aplicação da lei penal, constituído de duas premissas (uma maior e uma menor) e de uma conclusão, assim relacionadas: se as premissas são verdadeiras, e se a conclusão está implícita nas premissas, então a conclusão é verdadeira. Segundo Kelsen, o silogismo é uma sequencia de declarações pela qual a verdade do conteúdo da conclusão é extraída da verdade do conteúdo das premissas. A lógica do silogismo, como lógica da subsunção jurídica, está presente em toda decisão judicial. Finalmente, o Direito Penal possui fintes materiais e fontes formais. As fontes materiais são definidas conforme pressupostos ideológicos ou políticos de abordagem do fenômeno jurídico, classificadas em dois grupos: a) as teorias consensuais indicam interesses, necessidades ou valores gerais da sociedade como fontes materiais do direito; b) as teorias conflituais indicam interesses, necessidades e valores das classes sociais proprietárias do capital e detentoras do poder do Estado, como fontes materiais do Direito. As fontes formais também são classificadas em dois grupos: a) as fontes escritas; b) as fontes não escritas. O direito penal, como sistema de normas constituídas de preceito e sanção, possui uma única e exclusiva fonte formal: a lei penal, nas dimensões características do princípio da legalidade.

17. Capítulo V – Fato punível – Definições de crimeAs definições reais de fato punível explicam a gênese da criminalidade, importantes para delimitar o objeto da Criminologia, hoje estudado conforme o modelo etiológico e modelo político. As definições materiais, por sua vez, mostram o fato punível como lesão do bem jurídico protegido no tipo legal. As definições formais mostram o fato punível como violação da norma legal ameaçada com penal. Por fim, as definições operacionais mostram o fato punível como conceito analítico estruturado pelos componentes do tipo de injusto e da culpabilidade. A ciência do Direito Penal preocupa-se especialmente com definições operacionais de fato punível, também denominadas definições analíticas do crime, capazes de indicar os pressupostos de punibilidade das ações descritas na lei penal como crimes, de funcionar como critério de racionalidade da jurisprudência criminal e, acima de tudo, de contribuir para a segurança jurídica do cidadão no Estado Democrático de Direito.

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18. Capítulo V – Fato punível – Os sistemas de fato punívelNa atualidade, a literatura alemã está dividida entre o modelo bipartido e o modelo tripartido de crime; no resto da Europa e na América Latina, o modelo tripartido é o dominante. O modelo bipartido concebe o tipo de injusto como uma unidade conceitual formada pelo tipo legal e pela antijuridicidade. Já o modelo tripartido admite os conceitos de tipo de injusto e de culpabilidade como categorias elementares do fato punível, mas concebe o tipo de injusto como categoria formada por dois conceitos autônomos: o tipo legal e a antijuridicidade.A relevância dessa distinção está no seguinte: quando se tratar de modelo bipartido, a antijuridicidade está incluída no tipo legal, transformando os preceitos permissivos em elementos negativos do tipo de injusto. Assim, um homicídio em legítima defesa seria uma ação atípica. Já no modelo tripartido, em que a antijuridicidade é autônoma em relação ao tipo legal, a realização justificada de um tipo legal constitui ação típica justificada e não ação atípica.O sistema tripartido de fato punível, ainda dominante, define crime como ação típica, antijurídica e culpável. Na linha do sistema tripartido de fato punível, a dogmática penal conhece três modelos sucessivos de fato punível: o modelo clássico, o modelo neoclássico e o modelo finalista.O modelo clássico, conhecido como modelo de Liszt, originário da filosofia naturalista do século 19, aduz que a ação é um movimento corporal causador de um resultado no mundo exterior; a tipicidade é a descrição objetiva do acontecimento; a antijuridicidade é a valoração de um acontecimento contrário às proibições e permissões do ordenamento jurídico; a culpabilidade é um conceito psicológico, sob as formas de dolo e imprudência, que concentra todos os elementos subjetivos do fato punível.O modelo neoclássico é o produto da desintegração do modelo clássico e de sua reorganização sistemática. A ação deixa de ser naturalista para assumir significado valorativo, redefinida como comportamento humano voluntário; a tipicidade perde a natureza descritiva e livre de valor para admitir elementos normativos e subjetivos; a antijuridicidade troca o significado formal de infração da normal jurídica pelo significado material de danosidade social, admitindo a graduação do injusto conforme a gravidade do interesse lesionado; a culpabilidade psicológica incorpora o significado normativo, com reprovação do autor pela formação de vontade contrária ao dever.O modelo finalista de fato punível, desenvolvido por Welzel na primeira metade do século 20, aduz que a ação é o conceito central do fato punível e a estrutura final da ação humana fundamenta as proibições e mandados das normas penais. Para esse modelo, a ação humana é exercício de atividade final, a qual compreende a proposição do fim, a escolha dos meios necessários e a realização da ação no mundo real. O conceito de ação final introduziu o dolo no tipo subjetivo dos delitos dolosos; manteve a consciência do injusto como elemento central da culpabilidade; instituiu nova disciplina do erro de tipo e de proibição; promoveu a subjetivação da antijuridicidade mediante a estruturação subjetiva e objetiva das justificações; e reduziu a culpabilidade a um conceito normativo.

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O modelo de fato punível adotado pelo nosso CP é formado pelos conceitos de tipo de injusto (ação, tipicidade – tipo objetivo e tipo subjetivo –, antijuridicidade) e culpabilidade (imputabilidade, conhecimento da antijuridicidade e exigibilidade de comportamento diverso).

19. Capítulo VI – Teoria da Ação – Definições do conceito de ação (1. Modelo causal de ação)

O modelo causal de ação, elaborado por Liszt, Beling e Radbruch, os fundadores do sistema clássico de fato punível, define ação como produção causal de um resultado no mundo exterior por um comportamento humano voluntário. A teoria causal da ação desconhece a função constitutiva da vontade dirigente da ação e, por isso, transforma a ação em simples processo causal objetivo desencadeado por um ato de vontade qualquer.O sistema clássico de fato punível do modelo causal de ação evoluiu para o atual sistema neoclássico de fato punível, um produto da reorganização teleológica do modelo causal de ação segundo fins e valores do Direito Penal: a) o conceito de ação deixa de ser apenas naturalista para ser também normativo, redefinido como comportamento humano voluntário; b) o tipo de injusto perde a natureza livre de valor para incluir elementos normativos e elementos subjetivos; c) a culpabilidade estrutura-se como conceito psicológico-normativo, com a reprovação do autor pela formação de vontade contrária ao dever.

20. Capítulo VI – Teoria da Ação – Definições do conceito de ação (2. Modelo final de ação)

O modelo final de ação, desenvolvido por Welzel, surge como crítica ao modelo causal e define ação como realização de atividade final. Parte da distinção entre fato natural e ação humana. A homogenia entre teoria da ação (substantivo) e teoria da ação típica (adjetivo) é um dos méritos do modelo final de ação. A dimensão subjetiva da ação compreende a proposição do fim e a seleção dos meios de ação para realizar o fim, que constitui matéria do tipo objetivo.A teoria final da ação contribuiu para identificar o fundamento psicossomático do conceito de crime, bem como permite compreender, ao contrário do que aduzem os críticos da teoria, as ações dolosas como execução de ações proibidas, as ações imprudentes como execução defeituosa de ação permitida e a omissão de ação como inexecução de ação mandada, dolosa ou imprudente.

21. Capítulo VI – Teoria da Ação – Definições do conceito de ação (3. Modelo social de ação)

O modelo social da ação, fundado por Eberhard Schmidt e desenvolvido por Jescheck, é uma posição de compromisso entre os modelos causal e final de ação e, talvez por causa disso, parece ser a mais difundida teoria da ação humana. Para essa teoria, ação é comportamento humano de relevância social. A relevância social, introduzida como elemento valorativo superior

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para aprender ação e omissão de ação, é um atributo axiológico do tipo de injusto, responsável pela seleção de ações e de omissões de ação no tipo legal e não uma qualidade da ação. A teoria social da ação adota os mesmos princípios metodológicos do modelo final de ação para construir o conceito de fato punível, com a inclusão da relevância social.

22. Capítulo VI – Teoria da Ação – Definições do conceito de ação (4. Modelo negativo de ação)

O modelo negativo de ação, elaborado por Herzberg, Behrendt e outros, define o conceito de ação dentro da categoria do tipo de injusto, rejeitando definições ontológicas ou pré-jurídicas, como os modelos causal e final de ação. Para esta teoria, ação é a evitável não evitação do resultado na posição de garantidor, compreensível como omissão da contradireção mandada pelo ordenamento jurídico, em que o autor realiza o que não deve realizar, ou não realiza o que deve realizar. O fundamento desse modelo é o princípio da evitabilidade do tipo de injusto. Juarez Cirino critica tal modelo, afirmando que o princípio da evitabilidade que fundamenta o conceito negativo de ação integra todas as categorias do conceito de crime, constituindo, portanto, um princípio geral de atribuição que não pode ser apresentado como característica específica do conceito de ação.

23. Capítulo VI – Teoria da Ação – Definições do conceito de ação (5. Modelo pessoal de ação)

O modelo pessoal de ação desenvolvido por Roxin define ação como manifestação da personalidade, um conceito capaz de abranger todo acontecimento atribuível ao centro de ação psíquico-espiritual do homem. Juarez Cirino também critica o conceito, afirmando que nem a personalidade, cujas manifestações constituem ação, se reduz ao ego, nem todas as manifestações atribuíveis à personalidade estão sob controle do ego, a instancia de governo psíquico-espiritual do homem. Não obstante, reconhece a simplicidade da definição de ação como manifestação da personalidade, bem como a capacidade dessa definição para executar as funções atribuídas ao conceito de ação no âmbito do conceito de fato punível.

24. Capítulo VI – Teoria da Ação – Funções do conceito de ação O conceito de ação realiza no sistema de fato punível funções teóricas, metodológicas e práticas de unificação, de fundamentação e de delimitação das ações humanas, que não podem ser cumpridas pelas categorias do conceito de crime.A função teórica de unificação pretende compreender a ação e a omissão de ação como espécies de comportamentos humanos. Em geral, o conceito de conduta é empregado como gênero de ação e de omissão. A função metodológica de fundamentação consiste em configurar a base psicossomática real do conceito de crime, como unidade subjetiva e objetiva qualificável pelos atributos de tipo de injusto e de culpabilidade. Assim, a

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teoria da ação é a chave para compreender a teoria do fato punível, como ação dolosa ou imprudente, proibida ou mandada, descrita sob as formas positiva ou negativa do tipo legal.A função prática de delimitação consiste em identificar as objetivações da subjetividade humana que realizam o conceito de ação, excluindo acontecimentos que não apresentam os caracteres desse conceito.As hipóteses que não atingem o status de ação, conhecidas como ausência de ação, são os acontecimentos da natureza, ataques de animais ferozes, atos de pessoas jurídicas, pensamentos, atitudes e emoções como atos psíquicos sem objetivação e movimentos do corpo como massa mecânica sem controle: estados de inconsciência e movimentos sob força física absoluta.No que tange aos movimentos reflexos, ações automatizadas, reações instintivas de afeto e as ações sob hipnose, podem ser controvertidas.Entende Juarez Cirino que as ações automatizadas (ou de curto-circuito) e as reações instintivas de afeto constituem ação. Já os movimentos reflexos podem constituir ou não ação de acordo com a teoria adotada. Se adotada a teoria pessoal de ação, os movimentos reflexos constituem ação. Se adotada a teoria final da ação, não constituem ação. Finalmente, nas ações sob hipnose, aduz que a doutrina dominante entende como ação porque o hipnotizado não pode realizar ações reprovadas pela censura pessoal. Explica-se que o ego do hipnotizado pode estar sob o poder alheio, mas o superego continua ativo no papel de censura sobre as ações do ego, sob a forma de resistências psíquicas contra ações censuráveis.

25. Capítulo VI – Teoria da Ação – ConclusãoConsiderando as funções teóricas, metodológicas e práticas do conceito de ação, definido causalmente como causação de resultado exterior por comportamento humano voluntário, finalisticamente como realização de atividade final, socialmente como comportamento social relevante dominado ou dominável pela vontade, negativamente como evitável não evitação do resultado na posição de garantidor e pessoalmente como manifestação da personalidade, é possível concluir que a definição capaz de identificar o traço mais específico e, ao mesmo tempo, a característica mais geral da ação humana, parece ser a definição do modelo final de ação. A definição de ação como atividade dirigida pelo fim destaca o traço que diferencia a ação de todos os demais fenômenos humanos ou naturais e permite delimitar a base real capaz de incorporar os atributos axiológicos do conceito de crime, como ação tipicamente injusta e culpável.

26. Capítulo VII – Teoria do Tipo – Conceito e Funções do tipoO conceito de tipo pode ser definido de três pontos de vista: a) como tipo legal, constitui a descrição do comportamento proibido, com todas suas características subjetivas, objetivas, descritivas e normativas, realizada na parte especial do CP; b) como tipo de injusto compreende a realização não

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justificada do tipo legal, com a presença dos elementos positivos e a ausência dos elementos negativos do tipo de injusto; c) como tipo de garantia realiza as funções político-criminais atribuídas ao princípio da legalidade e ao princípio da culpabilidade, compreendendo também as condições objetivas de punibilidade e os pressupostos processuais.

27. Capítulo VII – Teoria do Tipo – Desenvolvimento do conceito de tipoNo modelo causal, o tipo era definido como objetivo, porque todos os elementos subjetivos integravam a culpabilidade, e livre de valor, porque a tipicidade seria neutra e toda valoração legal pertenceria à antijuridicidade. Com o advento da teoria final da ação, foram incorporados ao tipo os elementos subjetivos, pois mostrou-se que o tipo de injusto pode depender do psiquismo do autor. Assim, a vontade consciente de realizar os elementos objetivos do fato é retirada da culpabilidade para integrar a dimensão subjetiva do tipo legal, como dolo de tipo. Também foram identificados elementos normativos no tipo legal que descaracterizou a neutralidade do tipo livre de valor do modelo causal.

28. Capítulo VII – Teoria do Tipo – Adequação social e exclusão de tipicidade

A teoria da adequação social, formulada por Welzel, exprime o pensamento de que ações realizadas no contexto da ordem social histórica da vida são ações socialmente adequadas e, portanto, atípicas, ainda que correspondam à descrição do tipo legal. Igualmente, ações abrangidas pelo princípio da insignificância não são típicas.A opinião dominante compreende a adequação social como hipótese de exclusão de tipicidade, mas existem setores que a consideram como justificante, como exculpante, ou como princípio geral de interpretação da lei penal.

29. Capítulo VII – Teoria do Tipo – Elementos constitutivos do tipoO tipo de conduta proibida constitui uma unidade subjetiva e objetiva de elementos descritivos e normativos. Os elementos objetivos podem ser descritivos ou normativos. Os elementos subjetivos também podem ser descritos ou normativos.

30. Capítulo VII – Teoria do Tipo – Modalidades de tiposAlém da organização dos tipos legais pela natureza do bem jurídico (como nosso Código Penal), os tipos legais podem ser classificados conforme outros critérios.Segundo a relação entre ação e resultado, podem ser classificados em tipos de resultado e tipos de simples atividade. Os tipos de resultado são aqueles que possuem uma separação de tempo entre a ação e o resultado, ligados por uma relação de causalidade. Os tipos qualificados pelo resultado, que integram os tipos de resultado, em que a realização de um tipo-base produz, de modo causal, resultados especialmente graves, são considerados por

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Juarez Cirino como inconstitucionais. Já os tipos de simples atividade são aqueles em que a realização da ação não produz resultado independente. Essa distinção possui relevância porque a relação de causalidade somente existe nos tipos de resultado.Segundo a quantidade de bens jurídicos protegidos, podem ser classificados em simples (protegem apenas um bem jurídico) e compostos (protegem mais de um bem jurídico).Segundo o tipo descreva uma lesão do objeto de proteção ou um perigo para a integridade do objeto de proteção, podem ser classificados em tipos de lesão e tipos de perigo. Os tipos de perigo se subclassificam em tipos de perigo concreto e tipos de perigo abstrato. Os tipos de perigo concreto exigem a efetiva produção de perigo para o bem jurídico de proteção, enquanto que os tipos de perigo abstrato presumem o perigo para o objeto de proteção, ou seja, independem da produção real de perigo para o bem jurídico protegido. Segundo a conclusão imediata ou a manutenção temporal da situação típica, os tipos podem ser instantâneos (ou de estados), os quais completam-se com a produção de determinados estados, ou permanentes (duráveis), os quais caracterizam-se pela extensão no tempo da situação típica criada conforme a vontade do autor. A distinção tem interesse prático, pois, nos tipos permanentes é possível a coautoria e a participação por cumplicidade após a consumação. Ainda, durante a realização de um tipo permanente podem ser realizados tipos instantâneos em concurso material.Segundo o círculo de autores, os tipos classificam-se em gerais e especiais. Os tipos gerais podem ser realizados por qualquer pessoal, enquanto que os especiais podem ser realizados somente por sujeitos portadores de qualidades descritas ou pressupostas no tipo legal. Os tipos especiais se subclassificam em próprios e impróprios. No tipo especial próprio, a qualidade especial do autor fundamenta a punibilidade, ao passo que no impróprio, agrava a punibilidade. Os tipos chamados de mão própria são aqueles que somente podem ser realizados por autoria direta.Segundo descreva os pressupostos mínimos de punibilidade, ou contenha detalhes qualificadores ou atenuadores do tipo de injusto, os tipos podem ser agrupados em básicos, privilegiado ou qualificado e independentes. Os tipos básicos são os que representam a forma fundamental do tipo de injusto. Os privilegiados ou qualificados são aqueles em que se acrescenta caracteres ligados ao modo de execução, emprego de certos meios, relações entre autor e vítima ou a circunstâncias de tempo ou de lugar, que atenuam ou agravam a punibilidade do fato, porque essas variações típicas constituem lex specialis em relação ao tipo básico, excluído como norma geral. Havendo concurso de privilégios e qualificadoras, prevalecem as formas privilegiadas. Enfim, os tipos independentes possuem seu próprio conteúdo típico, como o roubo em relação ao furto e ao constrangimento ilegal, pois contém as características de ambos, mas pela combinação dessas características constitui um tipo legal independente.

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Segundo as formas básicas do comportamento humano, podem ser classificados em tipos de ação e tipos de omissão de ação. Os tipos de ação correspondem a comportamentos ativos, descritos em forma positiva no tipo legal. Os tipos de omissão de ação correspondem a comportamentos passivos, que podem se apresentar como omissão própria, aquela que é descrita de forma negativa no tipo legal e caracteriza-se pela simples imissão da ação mandada, que infringe o dever jurídico de agir, ou como omissão imprópria, que se caracteriza pela atribuição do resultado típico a sujeitos em posição de garantidor de bem jurídico que, com infração do dever jurídico de agir, omitem a ação mandada para impedir o resultado.Finalmente, segundo a natureza do elemento subjetivo, a ação e a omissão de ação podem ser classificadas em dolosas e imprudentes. As dolosas são produzidas pela vontade consciente do autor, enquanto que as imprudentes são produzidas pela lesão do dever de cuidado ou do risco permitido.

31. Capítulo VIII – O tipo de injusto doloso de ação – Tipo objetivo Nos tipos dolosos de resultado, a atribuição do tipo objetivo pressupõe dois momentos essenciais: a causação do resultado, explicada pela lógica da determinação causal, e a imputação do resultado, fundada no critério da realização do risco. No tipo objetivo, a reconstrução analítica tem por objeto primeiro determinar a relação de causalidade entre ação e resultado e, segundo, definir o resultado como realização do risco criado pelo autor. Nos tipos dolosos de simples atividade a tarefa de atribuição do tipo objetivo exaure-se na subsunção da ação no tipo legal, pois não existe resultado exterior determinado pela causalidade.

32. Capítulo VIII – O tipo de injusto doloso de ação – Tipo objetivo – 1. Causação do resultado

No direito penal, a teoria da equivalência das condições é o principal método para determinar relações causais, mas um segmento adota a teoria da adequação.A teoria da equivalência das condições pode ser reduzida a dois conceitos centrais: a) todas as condições determinantes de um resultado são necessárias; b) causa é a condição que não pode ser excluída hipoteticamente sem excluir o resultado. Essa teoria sofreu inúmeras críticas. Primeiro, que o critério da exclusão hipotética seria excessivo, produzindo um regresso ao infinito. Segundo, o método conduziria a erro em situações de causalidades hipotéticas ou de causalidades alternativas. E terceiro, a teoria seria inútil para pesquisa da causalidade, porque pressupõe precisamente o que deveria demonstrar. A primeira crítica foi refutada com a demonstração de que a teoria trabalha somente com condições concretamente realizadas e nunca com hipóteses. A segunda crítica foi rebatida adotando-se fórmula aperfeiçoada da teoria, em que se o resultado não desaparece com a exclusão alternativa, mas desaparece com a exclusão cumulativa das condições, então ambas as condições são causas do

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resultado. E a terceira crítica foi refutada porque para demonstrar se determinado fator pode ser considerado causa concreta de um resultado, é indispensável prévio conhecimento abstrato da eficácia causal geral desse fator determinado, pressuposto lógico da fórmula de pesquisa causal da teoria da equivalência, que não se confunde com pesquisa de propriedades físicas ou químicas de elementos naturais.Na lei penal brasileira, a fórmula da exclusão hipotética da condição para determinar a relação de causalidade está inscrita no art. 13 do CP. Assim, o resultado é o produto real de todos os fatores que o constituem; a relação de causalidade somente é interrompida por curso causal posterior absolutamente independente, que produz diretamente o resultado, anulando ou destruindo os efeitos do curso causal anterior (a lei brasileira considera a independência relativa do novo curso causal como excludente da imputação do resultado e não como excludente da relação de causalidade); e se a imputação do resultado depende da definição como realização do risco criado, então pode-se reconhecer a relação de causalidade nas seguintes hipóteses: por encadeamento anormais ou incomuns de condições, por ações dolosas ou imprudentes de terceiros entre a ação e o resultado, e, por mediação ou psiquismo de outrem entre ação e resultado.Já a teoria da adequação considera causa a conduta adequada para produzir o resultado típico, excluindo condutas que produzem o resultado por acidente.

33. Capítulo VIII – O tipo de injusto doloso de ação – Tipo objetivo – 2. Imputação objetiva do resultado

A imputação do resultado constitui juízo de valoração realizado em dois níveis, segundo critérios distintos: primeiro, a atribuição objetiva do resultado, conforme o critério da realização do risco; segundo, a atribuição subjetiva do resultado, conforme o critério da realização do plano.A imputação objetiva do resultado consiste na atribuição do resultado de lesão do bem jurídico ao autor, como obra dele. Pressupõe a criação do risco para o bem jurídico pela ação do autor e a realização do risco criado pelo autor no resultado de lesão do bem jurídico.Em contrapartida, se a ação do autor não cria risco do resultado, ou se o risco criado pelo autor não se realiza no resultado, então o resultado não pode ser imputado ao autor. A hipótese de ausência de risco do resultado abrange as situações em que a ação do autor não cria risco do resultado ou reduz o risco preexistente de resultado. A hipótese de risco criado pela ação que não se realiza no resultado abrange as situações em que o resultado é produto de determinação diferente e também as situações em que o resultado é produto de substituição de um risco por outro.

34. Capítulo VIII – O tipo de injusto doloso de ação – Tipo subjetivo – Dolo

O estudo do tipo subjetivo dos crimes dolosos tem por objeto o dolo (elemento subjetivo geral) e as intenções, tendências ou atitudes pessoais

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(elementos subjetivos especiais), existentes em conjunto com o dolo em determinados delitos.O dolo é a vontade consciente de realizar o tipo objetivo de um crime, também definível como saber e querer em relação às circunstâncias de fato do tipo legal. Assim, o dolo é composto de um elemento intelectual (consciência ou representação psíquica) e de um elemento volitivo (vontade ou energia psíquica), como fatores formadores da ação típica dolosa.O componente intelectual consiste no conhecimento atual das circunstâncias de fato do tipo objetivo, não bastando conhecimento potencial. Esse conhecimento deve abranger os elementos presentes e futuros do tipo objetivo.O elemento volitivo consiste na vontade, a qual deve ser incondicional, como decisão de ação já definida e deve ser capaz de influenciar o acontecimento real, permitindo definir o resultado típico como obra do autor, e não como mera esperança ou desejo deste.

35. Capítulo VIII – O tipo de injusto doloso de ação – Tipo subjetivo – Espécies de Dolo

A lei penal brasileira define duas espécies de dolo no art. 18: dolo direto e dolo eventual. No entanto, a moderna teoria penal distingue três espécies de dolo: dolo direito de 1º grau, dolo direto de 2º grau e dolo eventual. O fundamento metodológico dessa sistematização do dolo parece ser o modelo final de ação, cuja estrutura destaca a base real daquelas categorias dogmáticas: a proposição do fim, como vontade consciente que dirige a ação; a escolha dos meios para realizar o fim, como fatores causais necessários determinados pelo fim; e os efeitos secundários representados como necessários ou como possíveis em face dos meios empregados ou do fim proposto.O dolo direto de 1º grau tem por conteúdo o fim proposto pelo autor, também definido como pretensão dirigida ao fim ou ao resultado típico ou como pretensão de realizar a ação ou o resultado típico. O fim constituído pela ação ou resultado típico pode ser representado pelo autor como certo ou possível, desde que exista uma chance mínima de produzi-lo, excluídos resultados meramente acidentais.O dolo direto de 2º grau compreende os meios de ação escolhidos para realizar o fim e, de modo especial, os efeitos secundários representados como certos ou necessários, independentemente de serem esses efeitos ou resultados desejados ou indesejados pelo autor.O dolo eventual compreende as consequências típicas representadas como possíveis por um autor que consente em sua produção. É necessário distinguir, ainda, o dolo eventual da imprudência consciente (culpa consciente). O dolo eventual caracteriza-se, no nível intelectual, por levar a sério a possível produção do resultado típico e, no nível da atitude emocional, por conformar-se com a eventual produção desse resultado. A imprudência consciente caracteriza-se, no nível intelectual, pela representação da possível produção do resultado típico e, no nível da atitude

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emocional, por confiar na ausência ou evitação desse resultado, pela habilidade, atenção ou cuidado na realização concreta da ação.O caráter complementar-excludente desses conceitos aparece nas seguintes correlações, ao nível da atitude emocional: quem se conforma com o resultado típico possível não pode, simultaneamente, confiar em sua evitação ou ausência; quem confia na evitação ou na ausência não pode, simultaneamente, conformar-se com sua produção.Algumas teorias procuram diferenciar os dois institutos: teoria de levar a sério, teoria do consentimento, teoria da indiferença e teoria da vontade de evitação não comprovada.A teoria de levar a serio é dominante na jurisprudência e doutrina alemã, baseia-se no fato de os autores levarem a serio a possibilidade do resultado típico, conformando-se com a sua eventual produção, marcando o dolo eventual.A teoria do consentimento define o dolo eventual pela atitude de aprovação do resultado típico previsto como possível, que deve agradar ao autor. A crítica é no sentido de que a aprovação do resultado é própria do dolo direto e não do dolo eventual.A teoria da indiferença ao bem jurídico identifica dolo eventual na atitude de indiferença do autor quanto a possíveis resultados colaterais típicos, excluídos os resultados indesejados, marcados pela expectativa de ausência. Contudo, a crítica indica que a indesejabilidade do resultado não exclui o dolo eventual.Finalmente, a teoria da não comprovada vontade de evitação do resultado coloca o dolo eventual e a imprudência consciente na dependência da ativação de contrafatores para evitar o resultado representado como possível. A crítica indica que a não ativação de contrafatores pode, também, ser explicada pela leviandade humana de confiar na própria estrela e, por outro lado, a ativação de contrafatores não significa, necessariamente, confiança na evitação do resultado típico.Entre as teorias que trabalham com critérios fundados na representação, podem ser referidas a teoria da possibilidade, a teoria da probabilidade, a teoria do risco e a teoria do perigo protegido.A teoria da possibilidade reduz a distinção entre o dolo e imprudência ao conhecimento da possibilidade de ocorrência do resultado. A crítica fala do intelectualismo da teoria, que reduz o dolo ao componente intelectual, sem qualquer conteúdo volitivo.A teoria da probabilidade define dolo eventual como a representação de um perigo concreto para o bem jurídico. A crítica afirma um aspecto negativo porque a vontade de realização não seria simples efeito do ato psíquico de representar a probabilidade do resultado, mas de contar com a produção de resultado representado como provável.A teoria do risco define dolo pelo conhecimento da conduta típica, excluindo do objeto do dolo o resultado típico porque a ação de conhecer não pode ter por objeto realidades ainda inexistentes no momento da ação. A crítica concentra-se na ausência do elemento volitivo.

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Finalmente, a teoria do perigo desprotegido igualmente retira o elemento volitivo do conteúdo do dolo e fundamenta a distinção entre dolo eventual e imprudência consciente com base na natureza do perigo, definido como desprotegido, protegido e desprotegido distante.

36. Capítulo VIII – O tipo de injusto doloso de ação – Tipo subjetivo – Dolo alternativo

Todas as espécies de dolo podem existir sob a forma de dolo alternativo, caracterizado por uma ação com alternativas típicas excludentes. A controvérsia sobre dolo alternativo aparece na diversidade de soluções para a punição, se somente pelo tipo realizado, se pelo tipo mais grave ou, se pelo concurso formal por cada tipo alternativo tentado, ou tentado e consumado, esta última, solução dominante.

37. Capítulo VIII – O tipo de injusto doloso de ação – Tipo subjetivo – A dimensão temporal do dolo

O dolo, como programa subjetivo do crime, deve existir durante a realização da ação típica, o que não significa durante toda a realização da ação planejada, mas durante a realização da ação que desencadeia o processo causal típico. Não existe dolo anterior, nem dolo posterior à realização da ação típica. As situações referidas como dolo antecedente ou subsequente são hipóteses de fatos imprudentes.

38. Capítulo VIII – O tipo de injusto doloso de ação – Tipo subjetivo – Erro de tipo

O conceito de dolo, definido como conhecer e querer as circunstâncias de fato do tipo legal, está exposto à relação de exclusão lógica entre conhecimento erro: se o dolo exige conhecimento das circunstâncias de fato do tipo legal, então o erro sobre circunstâncias de fato do tipo legal exclui o dolo. Em qualquer caso, erro de tipo significa defeito de conhecimento do tipo legal e, assim, exclui o dolo, porque uma representação ausente ou incompleta não pode informar o dolo de tipo. O erro inevitável exclui o dolo e a imprudência. O erro evitável exclui apenas o dolo, admitindo a punição por imprudência. O erro de tipo somente pode incidir sobre os elementos objetivos do tipo legal (descritivos e normativos), não podendo incidir sobre os elementos subjetivos ou outros elementos que não pertencem ao tipo objetivo, como condições objetivas de punibilidade, fundamentos pessoais de exclusão de pena e pressupostos processuais.O erro de tipo pode ocorrer por falsa de representação e por ausência de representação das circunstâncias de fato do tipo objetivo.Não confundir o erro de tipo com o erro de subsunção. O erro de subsunção é mais comum nos elementos normativos do tipo porque o cidadão comum não pode conhecer todos os conceitos jurídicos empregados pelo legislador, sendo penalmente irrelevante.

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A ação intelectual de conhecimento da realidade objetiva (descritiva e normativa) do tipo legal pressupõe certo nível de intensidade de representação psíquica, antes do qual não se constitui como componente intelectual do dolo.

39. Capítulo VIII – O tipo de injusto doloso de ação – Tipo subjetivo – Atribuição subjetiva do resultado em desvios causais

Sob o conceito de desvios causais aparecem diversas formas de alteração ou mudança no curso de acontecimentos típicos, cada qual com peculiaridades e critérios próprios, classificáveis como desvios causais regulares (aberratio ictus, troca de dolo, dolo geral e erro sobre o objeto). Já os desvios causais imprevisíveis constituem cursos causais irregulares ou anormais, não atribuíveis ao dolo do autor.As hipóteses de aberratio ictus constituem casos especiais de desvio causal do objeto desejado para objeto diferente, equacionados conforme a natureza típica do objeto.No caso de resultados típicos equivalentes, a solução é representada por duas teorias: a) para a teoria da concretização, o dolo deve se concretizar em objeto determinado; b) para a teoria da equivalência, o dolo pode admitir resultado típico genérico. A teoria da equivalência foi a adotada pelo art. 20, §3º do CP, que engloba as hipóteses de aberratio ictus e de erro sobre a pessoa. Exceções ocorrem nas seguintes hipóteses: em caso de resultado imprevisível por curso causal anormal; em caso de objetos em situação jurídica distinta; e em caso de resultado trágico para o autor.A troca de dolo, que pode ocorrer no curso da realização do tipo, constitui geralmente situação de mudança de objeto do dolo, em geral irrelevante. O conceito de dolo geral tem por objeto acontecimentos típicos realizados em dois atos: no primeiro ato, o autor supõe consumar o fato, mas o fato se consuma no segundo ato, realizado para encobrir o fato. A doutrina dominante engloba os dois atos, sob o argumento de que a natureza acidental do desvio causal é irrelevante.Finalmente, os casos de erro sobre o objeto constituem hipóteses de confusão do autor sobre o objeto do fato, cuja solução depende da equivalência ou não equivalência típica do objeto: erro sobre objeto típico equivalente é irrelevante e, erro sobre objeto típico não equivalente é relevante.

40. Capítulo VIII – O tipo de injusto doloso de ação – Tipo subjetivo – Elementos subjetivos especiais

Os tipos penais de intenção caracterizam-se por propósitos que ultrapassam o tipo objetivo, fixando-se em resultados que não precisam se realizar concretamente, mas que devem existir no psiquismo do autor. Aqui, é necessário distinguir entre (a) tipos de resultado cortado, em que o resultado pretendido não exige uma ação complementar do autor e (b) tipos imperfeitos de dois atos, em que o resultado pretendido exige uma ação complementar. A intenção como característica psíquica especial do tipo, aparece,

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geralmente, nas conjunções subordinativas finais para, a fim de, com o fim de, etc.Os tipos penais de tendência caracterizam-se por uma tendência afetiva do autor que impregna a ação típica. A presença dessas características psíquicas especiais decide sobre a definição jurídica de ações objetivamente idênticas.Os tipos penais de atitude caracterizam-se pela existência de estados anímicos que informam a dimensão subjetiva do tipo e intensificam, ou agravam o conteúdo do injusto, mas não representam um desvalor social independente, como a crueldade, má-fé, traição, etc.Finalmente, os tipos penais de expressão caracterizam-se pela existência de um processo intelectual interno do autor, como no falso testemunho, em que a ação incriminada não se funda na correção ou incorreção objetiva da informação, mas na desconformidade entre a informação e a convicção interna do autor.

41. Capítulo IX – O tipo de injusto imprudente – A capacidade individual como critério de definição de imprudência

Os tipos de imprudência, pela variabilidade das condições ou circunstâncias de realização, não podem ser descritos na lei penal, mas apenas indicados por sua natureza. São tipos abertos que devem ser construídos concretamente mediante um processo de valoração judicial e, por isso, não possuem o mesmo rigor de definição legal dos tipos dolosos. No entanto, não há lesão ao princípio da legalidade, pois o tipo objetivo do injusto de imprudência é idêntico ao tipo objetivo do tipo doloso correspondente, além de que os critérios de definição da imprudência se enraízam em normas jurídicas, regras profissionais e dados da experiência.A definição de imprudência é fundada em critérios objetivos e pressupõe uma correspondência com a capacidade individual do ser humano. A capacidade individual pode ser inferior ou superior à medida da definição judicial de imprudência. Essa variação da capacidade individual concreta em relação à medida abstrata de definição da imprudencia determinou a controvérsia sobre o lugar sistemático de avaliação dessas diferenças pessoais: se as diferenças de capacidade individual devem ser consideradas somente na culpabilidade, pelo critério da generalização, ou se devem ser consideradas já no tipo de injusto, pelo critério da individualização. Nessa controvérsia, Roxin combina o rigor dos dois critérios porque exige mais de quem pode mais e também exige mais de quem pode menos.

42. Capítulo IX – O tipo de injusto imprudente – O tipo de injusto imprudente

A literatura penal contemporânea trabalha com dois conceitos para definir imprudência: o conceito de dever de cuidado, que define imprudência como lesão do dever de cuidado objetivo exigido; e o conceito de risco permitido, relacionado à teoria da elevação do risco desenvolvida por Roxin, que define imprudência como lesão do risco permitido.

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Esses conceitos não se excluem, ao contraio, se integram, e a utilização combinada contribui para melhor compreensão do conceito de imprudência. Isso porque o conceito de dever de cuidado define imprudência do ponto de vista do autor individual e indica a atitude exigida para situar a conduta nos limites do risco permitido pelo ordenamento jurídico; o conceito de risco permitido define imprudência do ponto de vista do ordenamento jurídico e indica os limites objetivos que condicionam o dever de cuidado do autor individual. Assim, pode-se dizer que o risco permitido, definido pelo ordenamento jurídico, constitui a moldura típica primária de adequação do dever de cuidado, de modo que a lesão do dever de cuidado sempre aparece sob a forma de criação ou de realização de risco não permitido.Sob qualquer desses conceitos, o tipo de injusto de imprudência é formado por dois elementos correlacionados: a) primeiro, a lesão do dever de cuidado objetivo, como criação de risco não permitido, que define o desvalor de ação; b) segundo, o resultado de lesão do bem jurídico, como produto da violação do dever de cuidado objetivo ou realização de risco não permitido, que define o desvalor de resultado.

43. Capítulo IX – O tipo de injusto imprudente – O tipo de injusto imprudente – 1. O desvalor da ação

O dever de cuidado é delimitado principalmente por normas jurídicas, que definem o risco permitido em ações perigosas para bens jurídicos na circulação de veículos, na indústria, no meio ambiente, no esporte, etc.A infração de uma norma jurídica isolada constitui, em regra, criação de risco não permitido e, assim, caracteriza lesão do dever de cuidado, mas, excepcionalmente, pode ser insuficiente para indicar lesão do risco permitido ou do dever de cuidado. Por isso, a jurisprudência e a pesquisa cientifica, desenvolveram alguns conceitos e diretrizes uteis para caracterizar a lesão do dever de cuidado ou a criação de risco não permitido, que definem o desvalor de ação nos crimes de imprudência, como o modelo de homem prudente, o dever de informação sobre riscos e de abstenção de ações perigosas, a correlação risco/utilidade na avaliação de ações perigosas e princípio da confiança.O homem prudente é aquele capaz de reconhecer e avaliar situações de perigo para bens jurídicos protegidos, mediante a observação das condições de realização da ação e reflexão sobre os processos subjacentes de criação e de realização do perito.No que tange ao dever de informação sobre riscos e de abstenção de ações perigosas, tem-se a realização de ações perigosas, especialmente em certas áreas ou setores especializados das atividades humanas, impõe o dever de informação sobre riscos para bens jurídicos, com omissão da ação perigosa no caso de impossibilidade de informação, de informação indicadora de risco excessivo ou de incapacidade pessoal de controle do risco.A permissibilidade de ações perigosas, por sua vez, depende do significado da correlação risco/utilidade. Se o risco tem utilidade social, então o maior

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risco pode ser permitido. Se o risco tem utilidade meramente individual, então o menor risco é proibido.Finalmente, o princípio da confiança significa a expectativa, por quem se conduz nos limites do risco permitido, de comportamentos alheios adequados ao dever de cuidado, exceto indicações concretas em contrário. O princípio da confiança permite definir como adequadas ao dever de cuidado ou ao risco permitido ações que podem se relacionar com fatos dolosos de terceiros.

44. Capítulo IX – O tipo de injusto imprudente – O tipo de injusto imprudente – 1. O desvalor do resultado

O resultado nos crimes de imprudência é a lesão do bem jurídico protegido no tipo legal. A regra dos crimes de imprudência é o resultado de dano. Contudo, no atual Direito Penal do risco, as exceções de criminalização da imprudência com resultado de perigo são cada vez mais frequentes. O resultado nos crimes de imprudência é, para a opinião dominante, elemento do tipo de injusto, mas um segmento minoritário o define como condição objetiva de punibilidade, fora do tipo de injusto, sob o argumento de que a norma implícita no tipo legal somente pode proibir ações, nunca resultados típicos.A imputação do resultado ao autor tem como pressuposto a relação de causalidade entre a ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido e o resultado de lesão do bem jurídico e tem como fundamento a realização do risco criado pela ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido; tem como condição, a previsibilidade do resultado.A definição do resultado como realização do risco criado pela ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido é excluída das hipóteses de fatalidade do resultado, de resultados incomuns, de resultados fora da área de proteção do tipo e de resultados iguais em hipotéticas condutas conformes ao dever de cuidado ou risco permitido.A teoria dominante considera a previsibilidade do resultado condição para sua atribuição ao autor, embora exista relativa imprecisão sobre o que é ou não previsível. A previsibilidade do resultado parece ser o fundamento mínimo de imputação da imprudência, que unifica suas modalidades inconsciente e consciente: na imprudência inconsciente o autor não prevê resultado previsível; na imprudência consciente o autor prevê resultado previsível, que confia poder evitar.

45. Capítulo IX – O tipo de injusto imprudente – Tipo objetivo e tipo subjetivo

Uma estrutura de tipo objetivo e tipo subjetivo nos crimes de imprudência, homogênea à estrutura dos crimes dolosos, é admissível na imprudência consciente, mas é objeto de controvérsia na imprudência inconsciente.A imprudência consciente possui um tipo objetivo constituído pela causação do resultado e pela imputação do resultado e um tipo subjetivo integrado pela representação das circunstâncias de fato e pela previsão do resultado, no

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nível intelectual, e pela confiança na ausência do resultado no nível emocional.A imprudência inconsciente possui idêntico tipo objetivo, mas a questão do tipo subjetivo é controvertida: a opinião majoritária nega a existência de tipo subjetivo, pela ausência de representação do tipo objetivo.

46. Capítulo IX – O tipo de injusto imprudente – Crimes qualificados pelo resultado

Nos crimes qualificados pelo resultado, a relação entre ação e resultado também se desdobra em causação do resultado e imputação do resultado. Entretanto, os crimes qualificados pelo resultado, constituem resquício medieval com responsabilidade penal sem culpa por consequências resultantes da realização de uma ação proibida. Nos crimes qualificados pelo resultado, a imputação do resultado mais grave pressupõe, além da imprudência implícita na ação dolosa antecedente, a definição do resultado mais grave como produto específico do risco criado pela ação dolosa do autor ou a previsibilidade do resultado mais grave como consequência provável da ação, sob pena de absoluta inconstitucionalidade.

47. Capítulo X – O tipo de injusto de omissão de ação – Ação e omissão de ação

O estudo do tipo de injusto de omissão de ação supõe duas distinções fundamentais. Primeiro, distinguir ação e omissão de ação, conceitos aparentemente irredutíveis a um denominador comum. Segundo, no âmbito do conceito de omissão de ação, distinguir omissão de ação própria, fundada no dever jurídico geral de agir, atribuível a todas as pessoas, e omissão de ação imprópria, fundada no dever jurídico especial de agir, atribuível exclusivamente a pessoas definíveis como garantidores de determinados bens jurídicos em situação de perigo.A ação seria uma realidade empírica conhecível pelos sentidos, enquanto que a omissão de ação não seria uma realidade empírica, mas uma expectativa frustrada de ação, somente conhecível por um juízo de valor. Nesse sentido, omitir uma ação não significa não fazer nada, mas não fazer algo determinado pelo direito.A omissão de ação própria corresponde aos tipos de simples atividade e tem por fundamento a solidariedade humana entre os membros da sociedade, que engendra o dever jurídico geral de agir, cuja lesão implica a responsabilidade penal dolosa pela omissão da ação mandada.Já a omissão de ação imprópria corresponde aos tipos de resultado e tem por fundamento a posição de garantidor do bem jurídico atribuída a determinados indivíduos, que engendra o dever jurídico especial de agir, cuja lesão implica responsabilidade pelo resultado, como se fosse cometido por ação.A omissão de ação imprópria parece em conflito com o princípio da legalidade, nas suas dimensões de proibição de analogia e de proibição de

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indeterminação penal, como indica a dogmática contemporânea. Um setor da doutrina afirma a inconstitucionalidade dos crimes de ação imprópria.No entanto, prevalece o entendimento de que, como os tipos legais indicados admitem realização por ação e por omissão de ação, exclui-se a hipótese de analogia proibida. Porém, persistem tensões dogmáticas na omissão de ação relativas à extensão da responsabilidade penal e à relação de causalidade, apesar da definição legal das fontes do dever de garantia. Isso porque, a lei penal define os fundamentos do dever de evitar o resultado, mas não indica os resultados de lesão de bens jurídicos atribuíveis ao garantidor sob aqueles fundamentos legais, o que infringe a proibição de indeterminação legal do princípio da legalidade. Também, pois a relação de causalidade entre ação omitida e resultado típico é hipotética, fundada em juízo de probabilidade de exclusão do resultado pela realização imaginária da ação mandada.

48. Capítulo X – O tipo de injusto de omissão de ação – Estrutura dos tipos de omissão de ação

A estrutura dos tipos de omissão de ação própria e imprópria é formada, igualmente, por dimensões objetiva e subjetiva e caracteriza-se por uma correspondência assimétrica, definida por elementos típicos comuns e por elementos típicos específicos da omissão de ação imprópria.Os elementos típicos comuns do tipo objetivo da omissão de ação própria e imprópria são: situação de perigo para o bem jurídico, poder concreto de agir, omissão da ação mandada, resultado típico e posição de garantidor do bem jurídico, estes dois últimos, somente no tipo objetivo de ação imprópria.O tipo subjetivo da omissão de ação também é assimétrico: na omissão de ação própria, somente o dolo; na omissão de ação imprópria, o dolo e a imprudência.

49. Capítulo X – O tipo de injusto de omissão de ação – Conhecimento do injusto e erro de mandado

O conhecimento do injusto, como elemento central da culpabilidade existe como conhecimento do dever jurídico especial de agir, na omissão de ação própria, e, como dever jurídico especial de agir para evitar o resultado, na omissão de ação imprópria.O erro sobre o dever jurídico de realizar a ação mandada, em ambas as modalidades, constitui erro sobre o dever jurídico de agir e, portanto, erro de mandado, e não erro de proibição, como ocorre nos crimes de ação.

50. Capítulo X – O tipo de injusto de omissão de ação – Tentativa e desistência na omissão de ação

Na legislação brasileira, o critério objetivo do início de execução da definição legal de tentativa tem por objeto, exclusivamente, os crimes de ação. Logo, o início de execução somente poderia existir na realização da ação mandada e nunca na omissão de ação. Assim, do ponto de vista do princípio da

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legalidade, a punição da tentativa de omissão de ação, própria ou imprópria, é inconstitucional.

51. Capítulo X – O tipo de injusto de omissão de ação – A exigibilidade da ação mandada

A exigibilidade da ação mandada é uma característica do tipo de omissão de ação própria, indicada pela possibilidade de realização da ação mandada. A questão resultante é a seguinte: essa característica da omissão de ação própria é transferível para os tipos de omissão de ação imprópria? Em caso positivo, a inexigibilidade da ação mandada exclui o dever de agir nos tipos de omissão imprópria?Não há consenso na doutrina sobre a consequência jurídica da inexigibilidade da ação mandada na omissão de ação imprópria, se exclui o tipo, a antijuridicidade ou a culpabilidade. Juarez Cirino finaliza afirmando que: se o ordenamento jurídico impõe ao garante comportamento conforme ao dever jurídico, então a inexigibilidade exclui o próprio tipo de injusto; se o ordenamento jurídico impõe ao garante comportamento adequado às suas condições pessoais, então a inexigibilidade exclui apenas a culpabilidade.

Rodrigo Abatayguara

52. Capítulo XI – Antijuridicidade e Justificação – Teoria da Antijuridicidade

Juridicidade e antijuridicidade são os conceitos mais gerais do ordenamento jurídico, porque indicam conformidade e contradição ao Direito, respectivamente. A antijuridicidade consiste na contradição entre a ação humana (realizada ou omitida) e o ordenamento jurídico no conjunto de suas proibições ou permissões, devendo ser analisada em relação com os conceitos de tipicidade e de injusto, no quadro teórico do sistema tripartido de fato punível.Na concepção bipartida de fato punível, tipicidade e antijuridicidade representam uma unidade conceitual, em que o tipo reúne os elemento positivos e as justificações os elementos negativos do tipo de injusto; na concepção tripartida de fato punível, tipicidade e antijuridicidade são conceitos autônomos no âmbito do tipo de injusto, em que a antijuridicidade da ação típica é determinada por um critério negativo: ausência de justificação: inexistente justificação, está caracterizada a antijuridicidade; presente justificação, está excluída a antijuridicidade.A antijuridicidade pode ser formal ou material. Será formal quando exprimir a contradição do comportamento concreto com o conjunto das proibições e permissões do ordenamento (qualidade invariável de toda ação típica e antijurídica); será material quando exprimir lesão injusta do bem jurídico

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(dimensão graduável do conteúdo de injusto das ações típicas e antijurídicas). Ex.: furto de coisa de pequeno valor é igual furto de coisa de grande valor para a concepção formal, mas não para a material.Ademais, modernas pesquisas de vitimologia mostram que o comportamento da vítima pode descaracterizar a tipicidade ou, no setor da antijuridicidade, reduzir o conteúdo de injusto da antijuridicidade material, ou até mesmo excluir a própria antijuridicidade formal da ação típica. No âmbito do injusto não existem áreas jurídicas livres, porque o comportamento típico é valorado, alternativamente (a) ou como justificado, (b) ou como antijurídico mas exculpado, (c) ou finalmente como antijurídico e culpável.

53. Capítulo XI – Antijuridicidade e Justificação – JustificaçõesSão duas teorias:a) Monista – destacam a finalidade como princípio unitário fundamentador das justificações, sob diversas modalidades: (a) teoria do meio adequado para fins reconhecidos como justos pelo legislador (Liszt); (b) teoria da maior utilidade do que dano (Sauer); (c) teoria da ponderação do valor (Noll); (d) teoria do interesse preponderante (Mezger)1;b) Pluralista – teoria majoritária – fundamenta as justificações em certos princípios sociais: na legítima defesa, o princípio da afirmação do direito autoriza a defesa mesmo na hipótese de meios alternativos de proteção, como desviar a agressão ou chamar a polícia; no estado de necessidade defensivo, os princípios da proteção e da proporcionalidade, e no estado de necessidade agressivo, os princípios da avaliação de bens e da autonomia.As ações justificadas são constituídas de elementos subjetivos e objetivos como qualquer outra ação típica. Os elementos subjetivos nas justificações têm por objeto a situação justificante (por exemplo, a agressão atual e injusta a bem jurídico, na legítima defesa) e toda discussão consiste em saber se é suficiente o conhecimento da situação justificante, ou se é necessária também a vontade de defesa, de proteção etc., em conjunto com outros estados psíquicos, para a ação justificada. Ex.: mulher que, pensando atirar no marido que retornava da orgia noturna, atinge o ladrão armado tentando entrar na casa.Após situar posições em ambos os sentidos (suficiente o conhecimento da situação para uma corrente e exigência da vontade de defesa, para a outra), ressalta ser “possível admitir a suficiência do conhecimento (ou consciência) da situação justificante, como limiar subjetivo mínimo das ações justificadas, mas a vontade (de defesa, de proteção etc.) é, sempre, a energia emocional que mobiliza a ação de defesa ou de proteção, informada pela esfera cognitiva do psiquismo individual.”

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? O autor apenas cita as teorias, sem pormenorizá-las.

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O erro constitui fenômeno psíquico em oposição diametral ao conhecimento, como sua antítese negativa. Conhecimento e erro são fenômenos psíquicos contrários e excludentes. As principais teorias do erro sobre a situação justificante são:a) teoria limitada da culpabilidade – amplamente majoritária e adotada pelo Código Penal (art. 20, §1º) – distingue erro de proibição (incidente sobre a natureza proibida ou permitida do fato, que pode excluir ou reduzir a culpabilidade) e o erro de tipo permissivo (incidente sobre a verdade do fato, excludente do dolo). Essa teoria equipara o erro de tipo permissivo ao erro de tipo, sob o argumento de que o autor quer agir conforme a norma jurídica, mas erra sobre a verdade do fato. b) teoria rigorosa (extrema) da culpabilidade – considera o erro sobre a situação justificante (ou sobre pressupostos objetivos de uma causa de justificação) como erro de proibição, que exclui ou reduz a culpabilidade conforme seja inevitável ou evitável, respectivamente.c) teoria das características negativas do tipo – resolve o problema do erro sobre a situação justificante como a teoria limitada da culpabilidade, mas com fundamentos diferentes: considera os caracteres do tipo legal como elementos positivos e as justificações como elementos negativos do tipo de injusto.

54. Capítulo XI – Antijuridicidade e Justificação – Legítima DefesaEntende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem (art. 25 CP).1. Situação justificante – a situação justificante da legítima defesa se caracteriza pela existência de agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio. Significado dos componentes:a) Agressão – toda ação humana de violência real ou ameaçada dirigida contra bens jurídicos do agredido ou de terceiro. O conceito de agressão não abrange as chamadas não-ações, no caso de lesão de bens jurídicos relacionada a ataques epilépticos ou estados de inconsciência, como sono, desmaio ou embriaguez comatosa – que podem, todavia fundamentar o estado de necessidade.O conceito de agressão abrange a omissão de ação, porque não há exigência conceitual de um fazer ativo: se a criança está ameaçada de morrer de fome por omissão de ação atribuível à mãe, as alternativas são ou alimentar a criança, ou obrigar a mãe a alimentar a criança.Abrange, também, a imprudência, porque o conceito de agressão não é restrito à violência dolosa: o motorista que insiste em manobras imprudentes do veículo em parque repleto de crianças deve suportar a legítima intervenção de terceiro para impedir as manobras.b) Injusta ou antijurídica – agressão imotivada ou não provocada pelo agredido e, nesse sentido, marcada por desvalor de ação e de resultado, o que exclui ações justificadas (não há legítima defesa contra legítima defesa,

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estado de necessidade ou outras justificações) e ações conformes ao cuidado objetivo exigido.c) Atual ou iminente – atual é a agressão em realização ou em continuação, e iminente é a agressão imediata, ou seja, a legítima defesa pressupõe agressão em realização, em continuação ou imediata.O conceito de iminência é definido por dois critérios tradicionais, a teoria do começo da tentativa de Jakobs e a teoria da fase preparatória (ou da solução eficiente), defendida por Schmidhäuser, cujos problemas principais são os seguintes: a) a teoria do começo da tentativa pressupõe a maior proximidade possível da consumação, o que pode tornar a defesa ineficaz ou implicar lesões mais graves do agressor; b) a teoria da fase preparatória apresenta problemas na direção contrária: uma agressão anunciada para o dia seguinte pode estar em fase preparatória, mas não é iminente (muito menos, atual), nem constitui agressão.Um terceiro critério proposto por Kühl e Roxin situa o conceito de iminência em posição intermediária, como momento final da preparação, cujo mérito principal parece ser integrar o critério da defesa eficaz, inseparável do conceito de legítima defesa, com o critério do desencadeamento imediato, inerente ao conceito de tentativa: a aproximação do agressor com um porrete na mão para agredir, ou o movimento da mão do agressor em direção à arma, não configuram, ainda, tentativa, mas o último momento da fase preparatória, suficiente para caracterizar a iminência da agressão e, assim, justificar a defesa.d) Direito próprio ou de outrem – são os bens jurídicos, as necessidades ou interesses individuais ou sociais que recebem proteção do Direito. Todos os bens jurídicos individuais são suscetíveis de legítima defesa (vida, saúde, liberdade, honra, propriedade etc.), mas existe controvérsia quanto aos bens jurídicos sociais: a) bens jurídicos da comunidade (ordem pública, paz social, regularidade do tráfego de veículos etc.) são insuscetíveis de legítima defesa, porque a ação violente do particular produziria maior dano que utilidade e, afinal, parece inconveniente atribuir ao povo tarefas próprias da polícia; b) bens jurídicos do Estado, como o patrimônio público, por exemplo (destruição de cabines telefônicas, danos em trens de metrô etc.) admitem legítima defesa pelo particular – não, porém, a pessoa jurídica do Estado, porque parece inadequado transformar o cidadão em lutador contra inimigos do Estado (espiões ou traidores, por exemplo).2. Ação justificada – a ação justificada de legítima defesa contém elementos objetivos e subjetivos e, nos casos especiais de legítima defesa com limitações ético-sociais, também o elemento normativo da permissibilidade da defesa.2.1. Elementos objetivos da legítima defesa – emprego moderado de meios de defesa necessários contra o agressor, eventualmente analisados do ponto de vista da permissibilidade da defesa.A necessidade dos meios de defesa é definida pelo poder de excluir a agressão com o menor dano possível no agressor. A definição da defesa

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necessária naquela dupla direção utiliza um critério objetivo ex ante, conforme o juízo de um observador prudente.Entretanto, a defesa necessária não exige proporcionalidade entre meios de defesa e meios de agressão, até porque o direito não precisa ceder ao injusto; mas a ideia de proporcionalidade entre meios de defesa e meios de agressão não pode ser inteiramente descartada, porque desproporcionalidades extremas são incompatíveis com o conceito de necessidade da defesa: não é legítimo atirar em meninos que furtam laranjas no quintal.A moderação no emprego de meios necessários é delimitada pela extensão da agressão: enquanto persistir a agressão é moderado o uso dos meios necessários; após cessada a agressão, a continuidade do uso de meios definidos como necessários torna-se imoderada, configurando excesso de legítima defesa.2.2. Elementos subjetivos da legítima defesa – os elementos subjetivos da legítima defesa têm por objeto a situação justificante (agressão injusta, atual ou iminente, a bem jurídico próprio ou de terceiro) e consistem no conhecimento da situação justificante, para a teoria dominante (Roxin, Kül e Otto), ou no conhecimento da situação justificante e na vontade de defesa, para posição minoritária (Welzel, Jescheck e Maurach). O conhecimento (ou consciência) da situação justificante pode ser suficiente, mas a vontade de defesa, informada pelo conhecimento e condicionada pelas emoções do autor, é a energia psíquica que mobiliza a ação de defesa.A ausência do elemento subjetivo significa dolo não justificado de realização do injusto e reduz a legítima defesa à existência objetiva da situação justificante (a mulher pensa atirar no marido de retorno da orgia noturna, mas atinge o ladrão armado tentando entrar em casa), com os seguintes desdobramentos: a) ação típica dolosa não-justificada representa desvalor da ação atribuível à mulher, mas a existência da situação justificante elimina o desvalor do resultado e, porque o desvalor de ação não pode se converter em desvalor de resultado, a hipótese é definível como tentativa inidônea; b) o desvalor de ação do comportamento típico doloso injustificado da mulher não permite ação justificada pelo agressor, porque o comportamento do agressor constitui a situação justificante que exclui o desvalor do resultado na ação daquela.2.3. A permissibilidade da legítima defesa – limitações ético-sociais excludentes ou restritivas do princípio social da afirmação do direito que fundamenta a legítima defesa.Assim, agressões de incapazes, como crianças, adolescentes, doentes mentais ou, mesmo, bêbados sem sentido, criam para o agredido um leque de atitudes alternativas prévias, nas quais se concretizam as limitações ético-sociais da legitima defesa, excluindo, em regra, resultados de morte ou de lesões graves (salvo hipóteses excepcionais).O mesmo ocorre em agressões entre pessoas ligadas por relações de garantia fundadas na afetividade, no parentesco ou na convivência, na agressão provocada pelo agredido em finalidade de agredir o agressor

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(gozações, troças ou pilhérias lesivas) e nas agressões irrelevantes causadas por contravenções, delitos de bagatela, crimes de ação penal privada ou lesões de bens jurídicos sem proteção penal.3. Particularidades3.1 Legítima defesa de outrem – também definida como ajuda necessária. Depende da vontade de defesa do agredido: só é possível se existe vontade de defesa do agredido. Contudo, a vontade presumida do agredido autoriza a defesa de outrem, independente da verificação negativa posterior, que não ilegítima a ação de defesa já realizada: atua legitimamente quem salva vítima já inconsciente de tentativa de homicídio matando o agressor, embora se esclareça depois que a vítima reconhecera seu filho como agressor, e antes suportaria a própria morte do que a morte do filho.3.2 Extensão da justificação – a justificação da legítima defesa alcança exclusivamente os bens jurídicos do agressor, porque o princípio da proteção individual se baseia na correlação agressão/defesa, e o princípio da afirmação do direito se realiza sobre o agressor, e não sobre terceiro estranho à agressão. Exceções são as hipóteses de destruição de objetos alheios utilizados para agressão ou pelo agressor.3.3. Excesso de legítima defesa – o excesso intensivo de legítima defesa (uso de meio desnecessário) e o excesso extensivo de legítima defesa (uso imoderado de meio necessário), bem como a legítima defesa putativa, não configuram situações de justificação, mas ou hipóteses de exculpação legal, ou hipótese de erro de tipo permissivo, pertencentes à categoria da culpabilidade.

55. Capítulo XI – Antijuridicidade e Justificação – Estado de Necessidade

São duas teorias que buscam definir a natureza jurídica do estado de necessidade: (a) teoria diferenciadora, que disciplina o estado de necessidade, simultaneamente, como justificação (na hipótese de bem jurídico protegido superior) e como exculpação (na hipótese de bens jurídicos equivalentes); (b) teoria unitária, que disciplina, que disciplina o estado de necessidade exclusivamente ou como justificação, ou como exculpação, independente de ser o bem jurídico protegido superior ou equivalente – teoria adotada pela lei penal brasileira, que define o estado de necessidade exclusivamente como justificação (art. 23, I, CP).1. Situação justificante – verifica-se pela existência de perigo para o bem jurídico, que deve ser atual, involuntário e inevitável de outro modo, ou seja, sem lesão de outro bem jurídico.a) Perigo – probabilidade ou possibilidade de lesão do bem jurídico ameaçado, segundo um juízo objetivo ex ante de um observador inteligente, combinado, eventualmente, com o juízo do especialista na área.Pode ser determinado por acontecimentos naturais, como naufrágios, incêndios, inundações, por fenômenos sociais como distúrbios civis, acidentes e, também, por outros comportamentos humanos, desde que não constituam a agressão antijurídica da legítima defesa.

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b) Atualidade – não se confunde com a atualidade da agressão na legítima defesa: define-se pela necessidade de proteção imediata – e não pelo dano imediato.c) Involuntário – o perigo deve ser involuntário, não podendo ser provocado intencionalmente pelo autor. Admite, todavia, produção imprudente, porque a limitação legal se restringe à vontade própria. A antiga sentença “quem cria perigo, morre por isso” (Binding) está ultrapassada: o motorista causador do dano pode, justificadamente, fugir do local para evitar perigo real de agressão das vítimas. d) Inevitável de outro modo – o perigo não pode ser evitado conforme ao direito. A lesão do bem jurídico é necessária para evitar o perigo. Excluem-se, porém, agressões inúteis a bens jurídicos alheios.O conceito de inevitabilidade de outro modo abrange as situações de estado de necessidade defensivo e agressivo: no estado de necessidade defensivo, bens jurídicos do ameaçado prevalecem sobre o interesse do titular do bem jurídico criador do perigo (A mata/danifica o cachorro de B para evitar mordida); no estado de necessidade agressivo, bens jurídicos do ameaçado prevalecem sobre o interesse do titular de bens jurídicos sem relação com o perigo, cuja destruição/dano é necessária para evitar o perigo (A destrói o valioso guarda-chuva de B, para evitar a mordida do cachorro de C).2. Ação justificada – a ação de proteção necessária também constitui a mesma unidade objetiva e subjetiva estudada como ação, depois como ação típica e agora como ação típica justificada.2.1. Elementos objetivos do estado de necessidade – a ação de proteção do bem jurídico deve ser (a) necessária para afastar ou excluir o perigo – como se deduz da exigência de constituir o único modo de evitar o perigo – e (b) apropriada para proteger o bem jurídico com a menor lesão em bens jurídicos alheios. Foram desenvolvidas teorias para indicar a natureza necessária e apropriada da ação de proteção:a) Teoria do fim – Liszt e Eberhard Schmidt – são justificadas as ações realizadas para proteger bens jurídicos ameaçados;b) Teoria da ponderação de bens – Mezger – considera justificadas ações lesivas de bens jurídicos de valor inferior para proteger bens jurídicos de valor superior;c) Teoria da ponderação de interesses – expressão contemporânea da transformação da teoria do fim. Relativiza o caráter absoluto dos critérios anteriores e condiciona a juridicidade da ação de proteção à consideração de todas as circunstâncias concretas do fato, relacionadas aos bens jurídicos em conflito, à natureza do perigo, à gravidade da pena etc.Ponderação de vida contra a vida – não há diferenças de valor (ancião em favor do jovem) ou de quantidade (desvio de trem desgovernado da linha principal, evitando a morte de muitos, para uma linha secundária, determinando a morte de poucos). Afirma-se ser injustificável qualquer ponderação entre vidas humanas. c) a razoabilidade também figura como elemento objetivo do estado de necessidade (não razoável exigência ou a razoável exigibilidade de sacrifício

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do bem jurídico protegido, nas circunstâncias). A contrapartida da cláusula da irrazoável exigência de sacrifício do bem jurídico ameaçado, para a justificação do estado de necessidade, é a razoável exigência de sacrifício do bem jurídico ameaçado, para a simples redução da pena (de um a 2/3, nos termos do §2º do art. 24).2.2. Elementos subjetivos do estado de necessidade – têm por objeto a situação justificante (perigo atual, involuntário e inevitável de outro modo) e consistem no conhecimento da situação justificante, segundo a teoria dominante, ou no conhecimento da situação justificante e vontade de proteção do bem jurídico (minoritário).3. Posições especiais de dever:a) proteção à comunidade – incumbe a soldados, bombeiros, policiais, médicos e juízes (um juiz não estaria justificado a decidir de um modo sob alegação de ameaça de morte). Estes deveres estão limitados aos perigos da profissão.b) causação do perigo – depende da previsibilidade da situação de necessidade produzida com a causação do perigo. Problemas ocorrem em situações em que a determinação e a exposição ao perigo relacionam-se a pessoas diferentes (o marido coloca a família em perigo e, para protegê-la, produz dano em terceiro). Não se exige que o autor suporte o perigo: o dever resultante da causação do perigo difere dos deveres legais especiais, que exigem suportar o perigo.c) posição de garante – exige-se que um pai suporte pessoalmente o perigo para proteger mulher e filhos. O mesmo ocorre com guias de expedição na selva ou nas montanhas em relação ao grupo, ou do professor em relação aos alunos.d) dever de suportar somente perigos evitáveis com danos desproporcionais contra terceiros – o autor não pode produzir a morte ou dano grave em inocente para evitar dano corporal reparável. Contudo, é admissível a morte de terceiro para evitar dano corporal grave, ou a morte de vários para evitar a própria morte.Em todos esses casos de posições especiais de dever, o dever legal de enfrentar o perigo não é absoluto, cessando em face de certeza ou de probabilidade de morte ou de lesão grave, porque o direito não pode exigir renúncia à vida ou aceitação de graves lesões à saúde. 4. Conflito de interesses do mesmo portador – situações que podem ser decididas de modo diferente dependendo da capacidade de consentimento e da disponibilidade do bem jurídico. Ex.: abrir cartas para informações necessárias ao destinatário em viagem e realizar cirurgia urgente em acidentado inconsciente são situações justificadas pelo consentimento presumido do titular do bem jurídico.Por outro lado, lançar criança pela janela com risco de ferimento grave para salvá-la de morte certa no prédio em chamas ou impedir suicídio contra a vontade do suicida podem ser ações justificadas pelo estado de necessidade.

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56. Capítulo XI – Antijuridicidade e Justificação – Estrito Cumprimento do Dever Legal

ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL – justificação exclusiva do funcionário público.1. Situação justificante – constituída pela existência de lei em sentido amplo (lei, decreto, regulamento etc.) ou de ordem de superior hierárquico, determinantes de dever vinculante da conduta do funcionário público ou assemelhado.2. Ação justificada – pressupõe atuação do funcionário público nos estritos limites da lei.2.1. Rupturas dos limites do dever na aplicação da lei – pode determinar duas consequências imediatas: a) excluir a justificação da conduta; b) permitir a legítima defesa pelo particular agredido. Por isso, a dogmática moderna desenvolveu o conceito de uma antijuridicidade especial para o funcionário público, cujos limites ampliados – desde que observada a proporcionalidade e a razoabilidade, além da forma prescrita em lei – poderiam justificar ações que, dentro dos limites comuns do conceito, seriam antijurídicas. Assim, a juridicidade da ação não seria excluída por erros normais sobre os pressupostos objetivos. Ex.: oficial de justiça entra na casa errada. Somente erros graves indicadores de culpa grosseira seriam capazes de deslegitimar a ação.No entanto, a teoria de uma antijuridicidade especial parece criticável, uma vez que a dogmática penal não trabalha com uma dupla noção de antijuridicidade (uma normal para os “comuns”, outra especial para o funcionário público). Além disso, intervenções oficiais sem observância dos pressupostos legais não geram dever de tolerância, a boa-fé do funcionário pode excluir o dolo, mas não exclui a antijuridicidade da ação. Por fim, o Estado Democrático de Direito, até para afastar práticas arbitrárias, não atribui ao funcionário público o privilégio de errar.Conclui o autor, então, que o erro inevitável do funcionário público exclui o dolo e a imprudência e, assim, o desvalor da ação, impedindo o exercício da legítima defesa; mas o erro evitável do funcionário público não exclui o desvalor da ação, autorizando o uso da legítima defesa, embora com as necessárias limitações ético-sociais.2.2. Cumprimento de ordens antijurídicas – as ordens superiores antijurídicas de evidente natureza típica não são obrigatórias para o subordinado, que responde pelo injusto praticado. Ex.: espancamento para obtenção de confissão.Ao revés, ordens superiores antijurídicas de natureza típica oculta ou duvidosa são obrigatórias para o subordinado, que não responde pelo injusto praticado.3. Elementos subjetivos do estrito cumprimento do dever legal – consistem no conhecimento da situação justificante (a existência de dever legal) ou no conhecimento da situação justificante e vontade de cumprir o dever legal, como prender, coagir etc.

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57. Capítulo XI – Antijuridicidade e Justificação – Exercício Regular de Direito

EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO – justifica ações do cidadão comum definidas como direito e exercidas de modo regular pelo titular.Situação justificante – a dogmática moderna reconhece dois grupos de hipóteses como situações justificantes do exercício regular de direito:Atuação pro magistratu – compreende situações em que o particular é autorizado a agir porque a autoridade não pode atuar em tempo, como a prisão em flagrante e a auto-ajuda (ações diretas sobre pessoas ou coisas que não constituem hipóteses de legítima defesa nem prisão em flagrante). Direito de castigo – tem por objeto a educação de crianças no âmbito da família. Não se estende aos filhos alheios, embora possa ser exercido por professores e educadores no âmbito da escola, com o consentimento expresso ou presumido dos responsáveis.Há posição no sentido de que o direito de castigo exclui o próprio tipo, mas, para a opinião dominante, constitui justificação.Ação justificada – limita-se às condutas típicas indispensáveis.Elementos subjetivos no exercício regular de direito – consiste no conhecimento da situação justificante (prisão em flagrante, auto-ajuda e direito de castigo), ou no conhecimento da situação justificante e vontade de prender, de recuperar a coisa ou de corrigir.

58. Capítulo XI – Antijuridicidade e Justificação – Consentimento do titular do bem jurídico

O consentimento do ofendido constitui causa supralegal de exclusão da antijuridicidade ou da própria tipicidade e consiste na renúncia à proteção penal de bens jurídicos disponíveis, ou seja, todos os bens jurídicos individuais, exceto a vida.O consentimento pode se real ou presumido.1. Consentimento real – o consentimento real do ofendido, no caso de bem jurídico disponível, tem eficácia excludente da tipicidade da ação, porque o tipo legal protege a vontade do portador do bem jurídico, cuja renúncia representa exercício de liberdade constitucional de ação. Com exceção da vida, todos os bens jurídicos individuais, inclusive a integridade e saúde corporais – mesmo no caso de lesões graves, como mostra a prática de esportes marciais –, são disponíveis.a) Objeto do consentimento – pode abranger a liberdade pessoal, a liberdade sexual, a propriedade privada etc.O poder de disposição de determinados bens jurídicos, como a saúde ou a integridade corporal, pode depender da extensão, da finalidade ou da adequação social da lesão respectiva: o consentimento real não exclui a tipicidade de lesões corporais graves em brigas de rua, mas exclui de esportes marciais regulamentados.O consentimento real é ineficaz em relação à vida humana, bem jurídico individual indisponível – tabu só quebrado pela legítima defesa e por certas

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situações do estado de necessidade –, valendo o consentimento real apenas como redução de pena (eutanásia, por exemplo).b) Capacidade e defeito de consentimento – a capacidade de consentimento depende da capacidade concreta de compreensão ou de juízo do titular do bem jurídico afetado, abrangendo o significado da extensão do ato consentido, ou seja, da natureza e das consequências da renúncia ao bem jurídico respectivo. Além disso, o consentimento deve ser expressão de vontade livre do titular do bem jurídico e, assim, pode ser excluído por defeitos de vontade determinados por engano, erro ou violência.c) Manifestação do consentimento – a principal teoria sobre manifestação do consentimento é a chamada teoria da medição psíquica, segundo a qual o consentimento deve ser comunicado ao autor; a teoria minoritária da direção da vontade exige apenas a existência psíquica da vontade no ofendido, independente de comunicação exterior.O consentimento pode ser expresso ou tácito e, assim como pode ser manifestado, pode ser revogado a qualquer momento.Se o portador do bem jurídico é incapaz, o consentimento pode ser manifestado pelos pais ou responsáveis, como nas cirurgias dos filhos menores. Mas o representante legal não pode decidir pelo portador do bem jurídico nas chamadas decisões existenciais, como extração de órgãos para transplante, ou relacionadas ao núcleo da personalidade, como autorização para injúrias, lesões corporais etc.2. Consentimento presumido – construção normativa do psiquismo do autor sobre a existência objetiva de consentimento do titular do bem jurídico, que funciona como causa supralegal de justificação da ação típica.Pode ocorrer em dois grupos: a) o consentimento não foi obtido, mas o titular do bem jurídico consentiria, se perguntado (cirurgia urgente em vítima inconsciente, por exemplo); b) o consentimento do titular do bem jurídico pode ser obtido, mas é desnecessário (entrar na casa alheia para apagar incêndio).

59. Capítulo XI – Antijuridicidade e Justificação – Justificação nos tipos de imprudência

Há justificações na legítima defesa, no estado de necessidade e no consentimento do titular do bem jurídico ofendido.a) Legítima defesa – tem por objeto efeitos não dolosos produzidos como riscos típicos dos meios empregados na legítima defesa dolosa. Ex.: soco de defesa contra o braço atinge, não intencionalmente, o queixo do agressor, determinando lesão cerebral. Se o resultado não doloso da situação de legítima defesa seria justificado por dolo, então, com maior razão, é justificado por imprudência.b) Estado de necessidade – pode ocorrer em ações de proteção que lesionam proibição de perigo abstrato ou concreto: bêbado atropela pedestre ao conduzir acidentado grave para hospital, evitando morte certa deste; ciclista desvia para o passeio, ao perceber aproximação perigosa de carro no sentido contrário da ciclovia, ferindo pedestre.

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c) Consentimento do titular do bem jurídico – também pode ser real ou presumido. O consentimento real é raro, porque não deve se limitar ao perigo criado pelo autor, mas abranger o próprio resultado lesivo representado como possível, e não exclui somente a antijuridicidade – como afirma a opinião dominante –, mas a própria tipicidade da ação imprudente, nos casos de exposição consentida a perigo criado por outrem: a vítima, esclarecida pelo barqueiro sobre os perigos do mar agitado, insiste no passeio de barco e morre afogada. O consentimento presumido do ofendido exclui a antijuridicidade da ação: operação urgente no local do acidente, necessária para salvar a vida de vítima inconsciente, mas com instrumental inadequado e medidas de cuidado insuficientes, determinando danos à saúde do paciente.

Alexandre Ribas Paiva

60. Capítulo XII – Culpabilidade e ExculpaçãoCulpabilidade é o juizo de reprovação do injusto e tem por fundamento:

= imputabilidade: condições mínimas saber o que faz.= conhecimento do injusto: conhecimento concreto, saber realmente faz. = exigibilidade de conduta diversa: Poder não fazer o que faz!

DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE CULPABILIDADE

CAUSALISMO – TEORIA PSICOLOGICA:

FINALISMO TEORIA NORMATIVA-PURA

injusto (dimensão obj) culpabilidade (SUBJ)

2 elementos:

imputabilidade: capacidade compreender o valor do fato e querer essa compreensão

relação psicológica do autor com o fato, consciência e vontade de realizar o tipo ou causa-lo com imprud, neglig ou imperícia

falha: não existe relação psico na imprudencia inconsciente alem de

Surge com a reprovação do autor que viola uma norma de DEVER, mas passa a admitir exculpacao se inexigível conduta diversa!

Com o finalismo e deslocamento de D/C para tipicidade, ou seja, para o TIPO DE INJUSTO, a culpabildade fica com componentes NORMATIVOS de reprovação mas tb de exculpacao!

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não compreender a inexig cond diversa

Teoria normativa pura: culpabilidade juízo reprovação autor prática do injusto, por: = saber o que faz (imputabilidade) = potencial consciência da ilicitude = condições normais (exigibilidade de conduta diversa)

Culpabilidade comoFUNDAMENTO DA PENA, legitima o poder do estado contra cidadão LIMITE PENA: se não culpabilidade não pode haver pena nem

intervenção estatal preventiva.

DEFINICOES DO CONCEITO MATERIAL DE CULPABILIDADE= PODER AGIR DE OUTRO MODO (dominante e Welzel, reprovável pq

decidiu pelo injusto); = atitude jurídica desaprovada= responsabilidade pelo próprio caráter (fez porque é expressão de sua personalidade, = defeito de motivação juridica: violou tem que estabilizar a ordem jurídica (Jakobs)= dirigibilidade normativa, capacidade de atuar conforme o direito (Roxin).

PRINCIPIO DA ALTERIDADE COMO BASE DA RESPONSABILIDADE SOCIAL

O homem e responsável por suas ações porque vive em sociedade, convivência do ego e do alter, só sobrevive o ego com respeito ao alter! Principio da alteridade fundamenta a responsabilidade social!

Se na normalidade o sujeito sabe o que faz e pode não fazer o que faz, na ANORMALIDADE DE CONDICOES pode se excluir a CONSCIENCIA DA ANTIJURIDICIDADE (EP) ou a EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA (exculpaçãoo).

Em suma, o estudo da culpabilidade está na análise dos defeitos da formação da vontade antijurídica.= defeitos orgânicos/funcionais (imputabilidade) = do conhecimento do injusto (potencial consciência da ilicitude) e = na exigibilidade de conduta, se pode, ou não, fazer o que faz (exigibilidade de conduta diversa)

IMPUTABILIDADE: compreender natureza do injusto ou orientar-se conforme essa compreensão.MENORIDADE: quem tem menos de 18 anos, pode saber crimes graves (121), mas geralmente não pode saber crimes da legislação penal especialEMBRIAGUEZ ACIDENTAL E COMPLETA, CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR, DOENÇA MENTAL: realizacao de perícia

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CAPACIDADE RELATIVA DE CULPABILIDADE Redução compreensão do injusto ou de agir conforme essa compreensão. Reduz pena 1 a 2/3

EMBRIAGUEZ INTENCIONAL OU IMPRUDENTECasal briga, marido sai e bebe, quando volta bate. Queria se embriagar, excedeu, não há dolo de lesão corporal, logo só admite imprudência. Nos termos do 28, II, imputação do resultado, por dolo ou imprudência, depende sempre da existência real, nunca presumida, do tipo subjetiva!Teoria dominante: na ação precedente o dolo, direito/querer ou eventual/consentir, está na autocolocacao de exculpação, para estado inimputabilidade, realizar o fato (posterior). Outra interpretação é incompatível com o principio da culpabilidade.

CONHECIMENTO DO INJUSTO E ERRO DE PROIBIÇÃO No erro de proibição o agente sabe o que faz, mas não sabe ser ilícita a conduta típica.Teoria rigorosa ou extremada da culpabilidade, sempre será erro de proibição Teoria limitada: tratamento diferenciado – há erro de proibição direto e Indireto – exclui ou reduz culpabilidade, porque o comportamento do autor é orientado por critérios desiguais aos do legislador ou o direito objetivo em vigor.Já o erro de tipo permissivo exclui o dolo, não apenas a reprovação de culpabilidade, mas permite a punição a titulo de imprudência, se prevista.

CONSCIENCIA DO INJUSTOTeoria tradicional – saber a contradição do comportamento e a ordem (o que leigo deve saber).Teoria moderna: saber a punibilidade, o que é mais compatível com o principio da culpabilidade e o estado democrático de direito.Dominante – Roxin: conhecer proibição concreta do tipo de injusto (mais próxima da moderna)

ERRO DE PROIBICAOInevitável: direto e indireto exclui culpabilidade, e dolo e imprudência no erro de tipo permissivoEvitável: reduz a reprovação, o juízo de culpabilidade no direto, mas pode levar a punição por imprudência no erro de tipo permissivo.Em suma, se não há possibilidade de conhecer o injusto, o agente não é alcançado pela determinação da norma e não tem como guiar-se conforme ela. Por outro lado, se existe possibilidade de conhecer a norma, por reflexão ou informação, a norma alcança e o agente era capaz de atuar conforme a norma.Critério para definição do conhecimento deve ser normal, compatível com vida social (não deve haver excesso, rigor)

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O desconhecimento da lei, inevitável, ignorância da lei pode constituir erro de proibição direto. Prevalece majoritariamente que se aplica atenuante genérica na ignorância da lei, sob o fundamento de ser inescusável. O autor faz critica e diz haver violação ao principio da culpabilidade, pode se não pode conhecer a lei o agente não pode ter a consciência do ilícito. Ou seja, Juarez afirma que pode haver erro de proibição direito se há desconhecimento da lei.

EP DIRETOTem por objeto a lei penal: existência, validade e significado. Para analise do EP direto, o autor propõe que a ocorrência se dá na seguinte equação: Inversamente proporcional cultura povo, quanto maior um menor outro, maior cultura, menor possibilidadeQuanto à Validade: dá o exemplo de estudante de direito convencido pela doutrina e jurisprudência que o uso de drogas não é crimeQuanto ao Significado: supõe conhecimento da proibição, o erro incide quanto à interpretação da norma. Ex: leis tributárias e emissão irregular de notas fiscais

ERRO DE PROIBIÇÃO INDIRETO OU ERRO DE PERMISSÃO OU ERRO PERMISSIVOTrata da Existência ou limites de causa de justificação. Naquela supõe existir norma que autoriza conduta, ex: castigar crianças alheias por grosserias, nesta autor atribui limites diversos dos ditados pelo legislador, ex: faz prisão em flagrante e supõe que pode agredir o preso

ERRO DE TIPO PERMISSIVOErrônea representação dos pressupostos fáticos/objetivos de justificante. Ao contrário dos anteriores, erro sobre o direito/posição jurídica, aqui erra sobre o fato. Quer agir conforme a lei lhe permite, mas erra sobre os pressupostos fáticos/objetivos respectivos.O erro sobre situação justificante pode originar situações de EXCESSO:= excesso de legitima defesa por defeito intelectual (supõe continua agressão cessada), excluindo dolo e, se justificada circunstancias, até imprudência. Tambem pode ocorrer na legitima defesa real e na putativa.O excesso na legitima defesa real pode ser intensivo ou extensivo. No intensivo usa meio superior ao necessário. No extensivo erra sobre a atualidade da agressão, ainda não ocorreu ou já cessou (agressor caído e inconsciente). Na legitima defesa putativa, o erro quanto a atualidade, pois imaginada, e depois quanto a intensidade (depois de mulher dar um tiro, marido apanham um taco de madeira e então ela dá novo tiro).= excesso de legitima defesa por defeito emocional: medo, susto, perturbação. Caso de exculpação, por inexigibilidade de conduta diversa.

EXIGIBILIDADE CONDUTA DIVERSA

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Ultimo estagio da culpabilidade, trata da normalidade da circunstancia Ela fundamenta o juízo de poder agir de outro modo, exigibilidade conduta diversa, que afasta ou reduz a culpabilidade.A anormalidade das circunstancias fáticas fundamentam a exculpacao concreta, a exigibilidade jurídica é determinada conforme a dirigibilidade normativa, excluída ou reduzida em situações legais ou supralegais.Afastamento ou redução da culpabilidade por forca de pressão psíquica, para proteger bem juridico lesiona outro. Roxin: afasta necessidade de prevenção. Pode ser legal ou supralegal.

SITUACOES DE EXCULPAÇÃO LEGAIS: COAÇÃO MORAL IRR, OB HIER E EXCESSO LEGITIMA DEFESA REAL e na PUTATIVACoação moral irresistível: força ou ameaça – vis relativa (absoluta exclui conduta), analise objetiva e subjetiva do potencial lesivo da forca ou ameaça. Fato típico e antijurídico, mas exculpavel, exceto para o coator, autor mediato, que realizou fato por vontade viciada do coagida, sem liberdade!Obediência hierárquica: relações de subordinação de direito publico. Ordens e dever de obedecer. De regra, são justificadas pelo estrito cumprimento do dever legal.Se manifesta ou aparentemente ILEGAL ambos respondem, mas se o superior oculta a ilegalidade o subordinado é exculpado, salvo se exceder os estritos limites ordem, por dolo ou imprudência.

CAUSAS DE EXCULPAÇÃO SUPRALEGAISFATO DE CONSCIENCIA: decisões morais ou religiosas que levam a um dever incondicional de conduta, limitados exclusivamente por outros direitos fundamentais e coletivos. Ex: medico recusa aborto necessário por religião, mas outro medico o faz. Prevalece se tratar de exculpante, mas há tambem tese de que é fato atipico (neutra) ou mesmo lícito.PROVOCAÇÃO DE LD: modernamente se admite que não há dever fugir, impossível desviar do agredido, então há exculpanteDESOBEDIENCIA CIVIL: exculpa porque o injusto é mínimo objetivamente e subjetivamente, além do ato possuir motivação publica ou coletiva. Exemplo: movimento MST e seus atosCONFLITO DE DEVERES: escolha do “mal menor”,majoritária de que é uma exculpante, mas há tese que diz ser justificação (minoritária). Exemplos: maquinista de trem faz desvio para causar menos mortes, equipe medica retira aparelho de um paciente para salvar outro, por ter mais chances de sobrevivência e a coculpabilidade.

Juliana Pellacani

61. Capítulo XII – Outras condições de punibilidade

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Em regra, a presença do tipo de injusto e da culpabilidade é suficiente para determinar a punibilidade. Por exceção, a punibilidade pode depender de outros pressupostos ou circunstâncias, conhecidos como condições objetivas de punibilidade e fundamentos excludentes de pena.As condições objetivas de punibilidade constituem requisitos ou certos resultados cuja existência objetiva condiciona a punibilidade do fato. Diferença entre condições objetivas de punibilidade e elementos objetivos do tipo de injusto: as condições objetivas de punibilidade não precisam ser apreendidas pelo dolo ou imprudência do autor, enquanto os elementos objetivos do tipo do injusto se relacionam com o dolo ou a imprudência. Exemplos: sentença de falência nos crimes falimentares ou resultado de morte ou lesão corporal grave no crime do artigo 122 do CP.Por sua vez, os fundamentos excludentes da pena, ao contrário das condições objetivas de punibilidade, constituem circunstâncias cuja presença exclui a punibilidade de fato já caracterizado como tipo de injusto e culpabilidade. São de duas categorias: (a) fundamentos ou circunstâncias de isenção da pena e (b) fundamentos ou circunstâncias de suspensão da pena.Os fundamentos ou circunstâncias de isenção de pena podem ser de ordem pessoal (imunidade parlamentar por opiniões, palavras e votos) e de natureza objetiva (prova da verdade na prova da calúnia ou difamação). Por fim, são fundamentos ou circunstâncias de suspensão de pena a desistência voluntária e o arrependimento eficaz.

62. Capítulo XIV – Autoria e Participação – Conceito de Autor – TeoriasA autoria e a participação compreendem todas as formas de produção do fato punível. A autoria do fato punível pode ser individual, se o autor realiza pessoalmente todos os caracteres do injusto; pode ser mediata, se o autor realiza o tipo do injusto utilizando outra pessoa como instrumento; pode ser coletiva (ou coautoria), se vários autores realizam em comum o tipo de injusto. Já a participação em fato punível pode existir por instigação ou por cumplicidade em fato doloso.A autoria (individual, mediata ou coletiva) e a participação (instigação ou cumplicidade) são objeto de várias teorias: a teoria unitária de autor (autoria como contribuição causal para o fato), o conceito restritivo de autor (autoria como realização da ação típica), a teoria subjetiva de autor (autoria como ânimo de autor) e a teoria do domínio do fato (autoria como domínio da realização do fato).Teoria Unitária.A teoria unitária não distingue autor e partícipe. As diferenças objetivas e subjetivas são problemas de aplicação da pena, como medida da culpabilidade individual.Conceito restritivo de autor.O conceito restritivo de autor distingue autor e partícipe pelo critério objetivo-formal da ação típica: o autor realiza a ação típica e o partícipe a extratípica, punível por extensão.

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O mérito consiste em distinguir quem é a autor e partícipe na realização da ação típica. O demérito, na incapacidade de explicar as hipóteses de autoria mediata e de coautoria.Teoria Subjetiva do autor.A teoria subjetiva distingue o autor pelo critério da vontade: o autor realiza com vontade de autor a contribuição causal para o tipo de injusto, quer por fato próprio ou por fato de outro. Já o partícipe realiza, com vontade de partícipe, a contribuição causal para o tipo de injusto. O problema está no fato de que critérios baseados em eventos psíquicos são imprecisos.Teorias do domínio do Fato.A teoria do domínio do fato, criada por ROXIN, integras o critério objetivo do conceito restritivo de autor (que realiza a ação do tipo legal), com o critério subjetivo da teoria subjetiva do autor ( que projeta a vontade como energia produtora do tipo de injusto),mas supera ambas as teorias pois considera a ação na sua dialética subjetiva-objetiva, pressuposta no controle do fato típico como obra do autor.Os postulados da teoria do domínio do fato são compatíveis com o Código Penal.

63. Capítulo XIV – Autoria e Participação – Formas de AutoriaAutoria direta: significa realização pessoal doo tipo de injusto pelo autor que controla, com exclusividade a realização do fato.Autoria mediata: significa realização do tipo de injusto como utilização de terceiro como instrumento, que atua subordinado ao controle do autor mediato. A autoria mediata ocorre nos casos em que o instrumento atua: (a) em erro de tipo, (b) conforme o direito, (c), sem capacidade de culpabilidade, (d) em erro de proibição inevitável, (e) sem liberdade (por coação ou obediência hierárquica).Autoria coletiva: significa domínio comum do tipo de injusto mediante divisão de trabalho. Subjetivamente, decisão comum de realizar o tipo de injusto e objetivamente realização comum do tipo de injusto determinado, mediante contribuições parciais, integradas no domínio conjunto do fato.A tentativa na coautoria pode ser resolvida ou pela teoria da solução geral (define tentativa pela início da realização do tipo de injusto por qualquer dos autores) ou pela teoria da solução individual (define tentativa pela realização da ação típica de cada coautor). A adoção de um ou outra se encontra condicionada à natureza da ação descrita no tipo legal.A coautoria por omissão da ação é rejeitada por um setor minoritário, mas admitida por um setor dominante.

64. Capítulo XIV – Autoria e Participação – ParticipaçãoA participação é a contribuição dolosa a tipo de injusto doloso, dependente do fato principal. A participação pode contribuir para o tipo de injusto doloso de dois modos: (1) mediante provocação do dolo no autor – instigação; ou,

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(2) mediante apoio material para realização do tipo de injusto doloso pelo autor – cumplicidade.A instigação é determinação dolosa do autor para realizar tipo de injusto doloso. A punibilidade da instigação é determinada pela natureza acessória em realização ao tipo de injusto. O instigador não responde pelo excesso do autor, seja qualitativo ou quantitativo. A necessidade de dolo cria a possibilidade de erro de tipo e de erro de tipo permissivo na pessoa do instigador.A cumplicidade é a ajuda material dolosa ao autor para realizar tipo de injusto doloso, cuja realização o cúmplice não controla. A punibilidade do cúmplice também é determinada pela acessoriedade e da mesma forma o cumplice não responde pelo excesso do autor, qualitativo ou quantitativo. Aplica-se o artigo 29, § 2º do CP. Há também a possibilidade do erro de tipo e do erro de tipo permissivo. A possibilidade de ajuda material por omissão da ação é controvertida.Participação necessária.A participação necessária ocorre em tipos legais que exigem concurso de várias pessoas. Os tipos legais em que a participação é necessária são agrupados em tipos de convergência (a atividade dos partícipes se alinha do mesmo lado e se orienta para o mesmo fim) e tipos de encontro (a atividade dos partícipes ocorre deposições diferentes, mas orientados para o mesmo fim).Tentativa de participação.A tentativa de participação é impunível, já que o partícipe deve concretamente provocar ou ajudar. Lembrar que a participação não tem conteúdo próprio: é acessória.

65. Capítulo XIV – Autoria e Participação – Comunicabilidade das circunstâncias ou condições pessoais

As circunstância ou condições de caráter pessoal são características pessoais especiais cuja comunicação entre autores e partícipes pode agravar a pena, reduzi ou exclui-la. A comunicabilidade das condições ou circunstâncias pessoas é regida pela seguinte regra: características pessoais somente se aplicam ao coautor ou partícipe respectivo – não se comunicam. Agora caso tais circunstâncias sejam elementares se comunicam a todos.

Bruno Aranda

66. Capítulo XV – Tentativa e Consumação1. Introdução.A determinação do começo da tentativa é exigência do princípio da legalidade, definida pelo critério do início de execução (art. 14, inciso II, CP).A teoria da tentativa tem por objetivo esclarecer o conceito de início da execução, que marca o começo da punibilidade do tipo de injusto e indica a separação entre ações preparatórias, ainda impuníveis por causa da

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indefinição de seu significado típico, e ações executivas, já puníveis pela definição de seu significado típico como tentativa de crime. As teorias para distinguir ações preparatórias impuníveis e ações executivas puníveis são teorias objetivas, teorias subjetivas e teorias objetivo-subjetivas (ou mistas).

2. Teorias da tentativa.A estrutura subjetiva e objetiva do tipo de injusto está fundada nas dimensões psíquica e fática das ações humanas, que fundamentam também a teoria da tentativa, integrada pelos elementos subjetivos do plano do fato e pelos elementos objetivos do início de execução do tipo de injusto (o resultado está ausente por fatores alheios à vontade do autor).Na teoria da tentativa, temos: a) do ponto de vista subjetivo, o dolo, com funções de a.1) caracterizar a tentativa de qualquer delito; a.2) identificar o tipo de qualquer delito tentado, e a.3) formar, em conjunto com outros elementos subjetivos especiais, o tipo subjetivo integral da tentativa. Logo, qualquer teoria da tentativa deve ser integrada pelos elementos subjetivos do tipo de injusto, compreendidos na categoria da representação do fato ou do plano do fato; b) do ponto de vista objetivo, a tentativa se caracteriza por: b.1) início de execução da ação típica, e b.2) ausência do resultado, independente da vontade do autor. Logo, qualquer teoria da tentativa deve ser integrada pelos mesos elementos objetivos dos delitos consumados, menos o resultado.Assim como a teoria causal da ação e o correspondente modelo objetivo de tipo de injusto engendraram as teorias objetivas da tentativa, que distinguem ações preparatórias impuníveis e ações executivas puníveis, a teoria final da ação e o correspondente modelo objetivo e subjetivo de tipo de injusto engendraram as teorias objetivo-subjetivas da tentativa, fundadas no plano do fato ou na representação do autor como programa do fato delituoso.O conceito de início de execução, que separa ações preparatórias impuníveis e ações executivas puníveis, hoje deve ser definido pela pauta objetivo-subjetiva do modelo final de crime da lei penal. Uma teoria moderna da tentativa deve partir da representação do fato pelo autor e mostrar: a) que o plano do autor se manifesta no início de execução da ação típica, e b) que a ausência do resultado é independente da vontade do autor.1. Teorias objetivas. O mérito das teorias objetivas foi identificar o início de execução. Mas início da execução de que? A resposta originaria as variantes formal e material da teoria objetiva, cujos critérios reaparecerão nas modernas orientações da teoria objetivo-subjetiva da tentativa.1.1. Teoria objetivo formal.Define tentativa pelo início de execução da ação do tipo: ações anteriores são preparatórias; ações posteriores são executivas. Ex: homicídio com arma de fogo – a ação de matar começa no acionamento do gatilho da arma carregada apontada para a vítima; furto com destreza – começa na introdução da mão no bolso da vítima.

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O problema fundamental é a exclusão do dolo para caracterizar a tentativa: é impossível distinguir ações de forma igual com conteúdo diferente – por exemplo: somente o conteúdo da vontade do autor indica se o ferimento produzido na vítima constitui lesão corporal consumada ou homicídio tentado.1.2. Teoria objetivo material.Define tentativa na realização de ação imediata ao tipo legal, integrante da ação típica segundo um juízo natural e produtora de perigo direto para o bem jurídico protegido no tipo. Ex: no homicídio com arma de fogo a ação de matar já começa no ato de apontar a arma carregada para vítima ou mesmo, na ação de empunhara arma carregada e travada com o propósito imediato de atirar na vítima, e não apenas na ação de disparar a arma. Além de excluir o dolo, o critério do perigo direto para o bem jurídico, criado por atividade imediatamente anterior à ação típica parece exposto às seguintes objeções: a) antecipa o momento de punibilidade da tentativa, recuando a linha de demarcação entre ações preparatórias e executórias, para incluir ações exteriores ao tipo penal, que seriam excluídas pelo critério da teoria objetivo formal; b) ações exteriores ou anteriores ao tipo legal não possuem potencialidade lesiva, dependendo, ainda, de um ato de vontade do autor – a ação de acionar o gatilho, e, portanto, a ausência do resultado não é explicável por circunstâncias alheias à vontade do agente (art. 14, II, CP); c) suprir a falta de lesividade concreta da ação pelo perigo direto para o bem jurídico significa incluir na área de punibilidade ações que o legislador excluiu do tipo legal, com lesão do princípio da legalidade.2. Teoria Subjetiva. Define tentativa pela representação do autor: ações representadas como executivas no plano do autor caracterizam tentativa porque seria portadoras de vontade hostil ao direito; ações representadas como preparatórias no plano do autor não caracterizam tentativa. A natureza preparatória ou executiva depende do plano do fato e, portanto, da representação do autor, mas a ausência de parâmetros objetivos para identificar a representação do autor cria problemas insuperáveis: amplia a tentativa punível na direção da tentativa inidônea e reduz espaço das ações preparatórias, permitindo, por exemplo, a punição da tentativa de aborto com meio ineficaz em mulher não grávida, suficiente para configurar a vontade hostil ao direito contida na representação do autor.3. Teoria objetivo-subjetiva/objetiva individual. Fundamenta a definição de tentativa na realização de vontade antijurídica: a) produtora de perigo para o bem jurídico, segundo a teoria do autor, destacando o papel de proteção de bens jurídicos atribuído ao Direito Penal no Estado Democrático de Direito; b) produtora de ato da confiança comunitária no Direito, segundo a teoria da impressão, cujas raízes remontam à função de estabilizar as expectativas normativas atribuídas ao Direito Penal pelas teorias funcionalistas. Possui uma dimensão subjetiva consensual e uma dimensão objetiva controvertida:

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a) a dimensão subjetiva pela representação do fato (ou plano do autor), como elemento intelectual do dolo, é o aspecto incontroverso da teoria; b) a dimensão objetiva, constituída pela ação que define o começo da tentativa, contém uma controvérsia representada por duas variantes: b.1) a variante dominante exige posição de imediata realização do tipo, manifestada em atividade atípica ligada diretamente à ação do tipo, segundo o plano do autor, o que parece conjugar a teoria subjetiva com a teoria objetiva material; b.2) a variante minoritária, que exige comportamento típico manifestado em ação de execução específica do tipo, segundo o plano do autor, que acopla a teoria subjetiva com a teoria objetivo formal.A variante dominante admite as mesmas críticas da teoria objetivo material: antecipa a punibilidade da tentativa pelo recuo da linha que separa ações preparatórias e ações executórias; além disso, ações exteriores ou anteriores ao tipo legal não têm potencialidade lesiva do bem jurídico, cuja colocação em perigo depende de ação típica específica do autor. Logo, a ausência do resultado não decorre de circunstâncias alheias à vontade do autor.

3. O tipo de tentativa.A tentativa é comportamento dirigido para realizar tipos penais concretos. O tipo de tentativa é constituído de três elementos: a) decisão de realizar o crime (elemento subjetivo) – o plano do fato ou programa típico, formado pelo dolo e, às vezes, por outros elementos subjetivos especiais do tipo. b) ação de execução específica do tipo (elemento objetivo) – tem por objeto o comportamento típico, segundo o plano do fato, como concreta representação do acontecimento típico pelo autor. Ações estreitamente ligadas à ação típica, ainda que imediatamente anteriores às características do tipo objetivo, como propõe a versão dominante da teoria objetivo individual, são insuficientes. Em tipos qualificados pelo resultado, a tentativa pode começar pela característica qualificadora (asfixia da vítima na tentativa de homicídio qualificado pelo meio utilizado, por exemplo)c) ausência de resultado (elemento negativo) – deve ser independente da vontade do autor.

4. Consumação formal e material.A consumação pode ser formal ou material. a) Formal – suficiente para aplicação da pena integral ocorre com a realização de todos os elementos de sua definição legal (art. 14, I, CP);b) Material – também conhecida como término ou exaurimento do fato, coincide normalmente com a consumação formal, mas pode ser posterior, p. ex: na extorsão mediante sequestro a privação da liberdade o fim de obter vantagem constitui consumação formal; a obtenção da vantagem pretendida (intenção especial do tipo) constitui consumação material, ou seja, a consumação formal ocorre com a produção do resultado típico, mas permanece em estado de consumação material enquanto dura a invasão da

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área protegida pelo tipo legal, até a realização da intenção especial que informa a ação do autor.A distinção tem interesse prático para a participação, concurso de crimes, atribuição de caracteres qualificadores – possíveis no interregno entre a consumação formal e o término da consumação material - bem como para a prescrição e a decadência, cujo prazo começa a fluir a partir da consumação material.

5. Objeto da tentativa.A definição de tentativa tem por objeto exclusivo os tipos de injustos dolosos de ação, excluídos os tipos de imprudência e os tipos de omissão de ação.5.1. Crimes de imprudência – o resultado é elementar do tipo: o ptipo de injusto depende do desvalor do resultado como realização concreta do desvalor de ação, expresso na lesão do dever de cuidado ou do risco permitido;5.2. Crimes de omissão de ação – o argumento de que a tentativa de omissão só pode ser concebida como omissão da tentativa de realizar a ação mandada ou de impedir o resultado ainda não foi refutado.Para a teoria dominante: a) a tentativa de omissão de ação própria é, sempre, tentativa inidônea; b) a tentativa de omissão de ação imprópria esbarra no problema de caracterizar o começo da tentativa: o critério legal tem por objeto a ação e não a omissão de ação.A doutrina alemã dominante reinterpreta o critério legal para imaginar a tentativa de omissão de ação: a tentativa de omissão de ação se configuraria no momento da criação ou da elevação do perigo para o objeto protegido, consistente na perda da primeira possibilidade para realizar a ação mandada ou na perda do último momento para impedir o resultado, que marcaria a independência do processo causal em relação ao autor.Na legislação brasileira o critério do início da execução (art. 14, II, CP) tem por objeto, exclusivamente, os tipos dolosos de ação: os tipos de omissão de ação somente podem admitir início da execução da ação mandada, que significa cumprimento do dever jurídico de agir. Do ponto de vista conceitual, a tentativa de omissão de ação é impossível; do ponto de vista da legalidade, a punião da tentativa de omissão de ação é inconstitucional, e qualquer solução deve passar pela prévia mudança da definição legal.Os tipos qualificados pelo resultado admitem tentativa: a) se o resultado qualificador imprudente é determinado pela realização da ação típica dolosa: tentativa de estupro determinante de resultado de morte da vítima, sem realização da conjunção carnal (art. 213 e 223, parágrafo único); b) se o resultado qualificador doloso pretendido não é determinado pela realização da ação típica dolosa: lesão corporal grave com o objetivo frustrado de inutilizar sentido ou função da vítima (art. 129, § 2º, III).Em tipos de simples atividade, a tentativa parece excluída: a tentativa de falso testemunho no começo do depoimento, admitida pela variante

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dominante da teoria objetivo individual (se a atividade naõ determina a consumação), é rejeitada pela variante minoritária porque ou o comportamento típico ocorre na ação de execução específica da declaração falsa ou nada ocorre.

6. Fundamento da punibilidade da tentativa.Depende dos objetivos atribuídos ao Direito Penal: a) Objetivo de proteção de bens jurídicos – a punibilidade tem por fundamento o perigo para o bem jurídico, segundo a teoria do autor; b) Objetivo de estabilizar as expectativas normativas da população, o fundamento seria o abalo da confiança jurídica da comunidade, segundo a teoria da impressão.As ações preparatórias são impuníveis porque a distância entre preparação e consumação não permite identificar o perigo para bens jurídicos protegidos na lei penal. Por razões político-criminais especiais, ações preparatórias podem ser punidas como tipos independentes, como o crime de petrechos para fabricação de moeda (art. 291) ou de títulos e papéis públicos (art. 294).

7. Tentativa inidônea.A tentativa, como início de execução, supõe meio eficaz e objeto próprio. Ação como meio ineficaz ou sobre objeto impróprio para produzir o resultado configura tentativa inidônea/crime impossível.A tentativa idônea distingue-se da inidônea pelo perigo objetivo para o bem jurídico: se o resultado de lesão do bem jurídico é o fundamento da punibilidade do fato, então a punibilidade da tentativa exige ação capaz de produzir o resultado típico.A exigência de perigo objetivo de lesão do bem jurídico (teoria do autor) representa correta decisão político-criminal, compatível com a variante minoritária da teoria objetivo individual, que exige comportamento típico manifestado em ação de execução específica do tipo.É possível a concorrência simultânea de ineficácia absoluta do meio e de impropriedade absoluta do objeto, no caso de aborto com analgésicos em mulher não grávida. A tentativa é punível em caso de relativa ineficácia do meio ou de relativa impropriedade do objeto. Ex: veneno em quantidade inferior à necessária. Admite-se também tentativa inidônea por ausência da qualidade de autor exigida no tipo penal: realização de delito funcional sem conhecimento da nulidade do ato de nomeação como funcionário público.A teoria da impressão (própria da variante dominante da teoria objetivo individual) pune a tentativa inidônea como manifestação de vontade hostil ao direito, suficiente para abalar a confiança da comunidade., mas admite a exclusão de pena na tentativa absolutamente inidônea no caso de grosseira insensatez do autor (representação despropositada de relação causal conhecida por todos), ou no caso de tentativas inteiramente irreais: no primeiro caso, tentar derrubar avião com um tiro de pistola ou praticar aborto

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com chá de camomila; no segundo, tentar matar o inimigo com métodos mágicos ou mediante imaginários pactos com o demônio. Nessas hipóteses a tentativa inidônea não abalaria a confiança porque indivíduos normalmente instruídos não tomariam o fato a sério.

8. Delito de alucinação.Designa a hipótese de representação errônea da pubibilidade de comportamento atípico: favorecimento pessoal no auxílio à fuga de autor de contravenção penal.Na tentativa inidônea é impossível a consumação porque existe um erro de tipo ao contrário: o autor supõe a eficácia da ação ineficaz pou a propriedade de objeto impróprio; no delito de alucinação é impossível a consumação do crime porque existe um erro de proibição ao contrário: o sujeito imagina ser crime a ação atípica realizada. O delito de alucinação (também chamado de delito de loucura) não é punível porque a determinação da punibilidade depende da lei – e não depende da representação do autor.

9. Desistência da tentativa.São espécies a desistência voluntária e o arrependimento eficaz. Ambas são causas pessoais de extinção da pena.9.1. Teorias sobre a desistência da tentativa.9.1.1. Teoria de política criminal – Formulada por Feuerbach. Trata-se de exclusão de pena como ponte de ouro, é um estímulo para desistir da tentativa ou evitar o resultado. Críticas: a) não exerceria influência sobre a decisão do autor, e em geral seria desconhecida da população; b) a prática judicial parece indicar que a desistência da tentativa pode ter todos os motivos possíveis, menos suprimir uma pena já efetiva.

9.1.2. Teoria da graça – seria uma recompensa ao autor. A supressão do perigo justificaria a indulgência.9.1.3. Teoria dos fins da pena – reconhece uma insuficiente vontade antijurídica para prosseguir na execução ou produção do resultado. Ap ena não se justificaria por motivo de prevenção geral ou especial, nem por qualquer outra exigência de justiça.

10. Tentativa inacabada e acabada.O critério para distinção é subjetivo: o plano do fato (ou representação do autor). Na tentativa inacabada as ações realizadas são representadas como insuficientes para o resultado. Na tentativa acabada as ações são suficientes para o resultado.Problemas de definição: se o resultado depende de outras ações, então tentativa inacabada, permitindo a desistência voluntária; se a produção do resultado independe de outras ações, então tentativa acabada, exigindo evitação pelo arrependimento eficaz.

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11. Estrutura da desistência da tentativa.A desistência da tentativa inacabada deve existir como desistência voluntária. A desistência da tentativa acabada deve existir como arrependimento eficaz, mediante evitação voluntária da consumação do fato.11.1. Desistência voluntária – possui componentes objetivos (paralisar a execução do fato) e subjetivos (voluntariedade). Objetivamente, a controvérsia entre desistência definitiva ou simples desistência concreta parece decidida em favor da última, pois a lei exige apneas a atitude concreta. Além disso, a desistência concreta é um fato real suscetível de prova, enquanto a desistência definitiva é uma hipótese futura insuscetível de prova.Subjetivamente, o conceito de voluntariedade é representado por mortivos autônomos – excluindo motivos heterônomos ou causas obrigatórias de impedimento de prosseguir na execução.Se a consumação é impossível, se perdeu significado, se representa desvantagem excessiva, não existe desistência voluntária, mas sim tentativa falha. Mas admite-se a desistência voluntária de matar uma vítima para matar outra. A desistência é voluntária se fundada em dó ou piedade, motivo de consciência, sentimento de vergonha, medo da pena, etc. não se exige valor ético reconhecido; a desistência é involuntária se ocorre para evitar o flagrante ou por receio de bloqueio das vias de fuga ou porque o fato foi descoberto, etc.11.2. Arrependimento eficaz – também possui componentes objetivos e subjetivos. Do ponto de vista objetivo, o autor deve ativar uma nova cadeia causal suficiente para excluir o resultado. Do ponto de vista subjetivo deve ser voluntário.Objetivamente, deve ser eficaz, neutralizando os efeitos da ação realizada, o que significa ser insuficiente deixara vítima em situação dependente da sorte ou do concurso de circunstâncias favoráveis. Ex: autor chama médico para atender vítima de envenenamento mas não informa sobre a administração do veneno.Subjetivamente, o papel ativo do autor para evitar o resultado, com ou sem a ajuda de terceiros. Ação exclusiva da vítima ou de terceiros não isentam de pena, exceto hipóteses de sério e intenso esforço do autor para evitar o resultado. E, se o resultado ocorre, o arrependimento, apesar de voluntário, é ineficaz.

12. Tentativa falha.A desistência da tentativa pressupõe a representação da possibilidade de consumação do fato. Se o autor representa a impossibilidade de consumação, ocorre a tentativa falha. O critério para defini-la é o conhecimento do autor sobre obstáculos objetivos ou subjetivos para consumação. Existe controvérsia sobre existência de tentativa falha ou de fato atípico na hipótese de alteração dos fundamentos jurídicos do fato típico: o

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procedimento da vítima de tentativa de estupro convence o autor da existência de consentimento na relação sexual.

13. Extensão dos efeitos da desistência da tentativa.A desistência voluntária e o arrependimento eficaz tem por efeito imediato a exclusão da pena. A natureza jurídica é controvertida: para a teoria dominante, seria causa pessoal de suspensão ou de extinção da pena, como recompensa ao mérito do autor; para a teoria minoritária, seria causa de exculpação, na verdade a pena é suspensa por que o mérito da desistência compensa o injusto da tentativa, e, assim, fundamenta a exculpação.Os efeitos da desistência da tentativa alcançam o tipo objetivo, mas não os fatos típicos consumados: não podem ser desfeitos fatos típicos consumados na tentativa de realizar outro delito maior (na tentativa de furto qualificado por destruição ou rompimento de obstáculo, punição por dano e, talvez, violação de domicílio). Os tipos de perigo concreto produzidos dentro da tentativa desistida são abrangidos pela suspensão da pena porque constituem fase anterior necessária do delito de lesão respectivo.

14. A desistência da tentativa no concurso de pessoas.14.1. Participação – no caso de participação por instigação, só é possível o arrependimento eficaz mediante neutralização dos efeitos psíquicos produzidos ou sério esforço para evitação do resultado. No caso de participação por cumplicidade, o cumplice deve, voluntariamente, omitir sua contribuição para o fato e demover o autor do propósito de realizar o fato, ou, alternativamente, impedir a produção do resultado, gerando situação de tentativa inidônea ou falha, ou se esforçar seriamente para impedir o resultado, de modo que o fato concreto apareça como obra exclusiva do autor.14.2. Coautoria – o coautor deve, voluntariamente, impedir o resultado ou se esforçar seriamente para evitar o fato, além de omitir sua contribuição causal para o fato comum bem como comunicar a posição aos outros coautores antes da realização do fato comum, de modo que o fato concreto apareça como exclusiva obra alheia.

15. Arrependimento posterior.Constitui causa de redução de pena criada para estimulara voluntária reparação do dano ou a restituição da coisa nos crimes dolosos não violentos, realizada até o recebimento da denúncia ou queixa.Essa causa sui generis de redução de pena é aplicável a qualquer crime sem violência real ou ameaçada, mas seu objeto privilegiado são os crimes patrimoniais dolosos não violentos.A exigência de voluntariedade indica criação de privilégio ao autor, definível como símile anã do arrependimento eficaz, abrangível pela teoria da graça, como recompensa pelo arrependimento posterior concretizado em reparação do dano ou restituição da coisa, ou, alternativamente, como espécie de

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“ponte de juncos” para o regresso parcial do autor à legalidade, reduzindo a reprovação de culpabilidade e, consequentemente, a medida da pena.

67. Capítulo XVI – Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis1. Introdução.A literatura e a jurisprudência desenvolveram alguns princípios para atribuição de pluralidade de fatos puníveis ao autor no mesmo processo: os princípios da cumulação de penas, da exasperação da pena mais grave, da absorção da pena menor pela pena maior e da combinação de várias penas diferentes em uma pena comum.No Direito Penal moderno predominam três sistemas de atribuição de pluralidade de fatos ou de resultados típicos: a) a pluralidade sucessiva de fatos típicos, iguais ou distintos, produzidos por sucessivas ações típicas independentes, regida pelo princípio da cumulação das penas; b) a pluralidade simultânea de dois ou mais resultados típicos, iguais ou distintos, produzida por uma ação típica isolada, regida pelo princípio da exasperação da pena; c) a pluralidade continuada de ações típicas, em que uma sequência de fatos típicos de mesma espécie aparece como unidade de ação típica, também regida pelo princípio da exasperação da pena.No Direito Penal brasileiro, a pluralidade sucessiva de fatos puníveis chama-se concurso material (art. 69, CP), a pluralidade simultânea de fatos puníveis denomina-se concurso formal (art. 70, CP) e a pluralidade continuada de fatos puníveis aparece sob a designação de crime continuado (art. 71, CP).

2. Unidade e pluralidade de ações típicas.A literatura dominante trabalha apenas com o conceito de ação, sob o argumento de que a unidade de decisão do conceito de ação unificaria a pluralidade de partes exteriores de um acontecimento, constituindo uma unidade espaço-temporal significativa. Assim, existiria unidade de ação em situações (a) de pluralidade de ações sexuais violentas contra a vítima na mesma oportunidade, (b) de pluralidade de disparos de arma de fogo sobre um grupo de pessoas na mesma ocasião, (c) d pluralidade de ações de homicídio contra a mesma vítima, apesar do relativo espaçamento temporal, (d) de pluralidade de meios de ação em crimes violentos, se a substituição de um meio por outro ocorre na sequência da falha do meio substituído etc.; ao contrário, existiria pluralidade de ação em situações (a) de pluralidade de ações de aborto na mesma mulher, em momentos diferentes, (b) de instigação ao furto e posterior receptação da coisa furtada, (c) de roubo e estupro da vítima do crime patrimonial etc.A crítica ao uso exclusivo do conceito de ação parece consistente: primeiro, não existiriam unidades pré-jurídicas de ação como objetos pré-constituídos de referência jurídica; segundo, o critério da unidade de decisão não excluiria pluralidade de ações (furtar a arma, matar a vítima e roubar um carro para a fuga, por exemplo) - portanto, seria necessário o conceito complementar do

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tipo legal para delimitar ações e omissões de ação no continuum do comportamento humano".Assim, a fórmula adequada estaria no conceito de tipo de injusto, em que a ação aparece como conteúdo e o tipo legal como forma do tipo de injusto, existente em pluralidade material, formal ou continuada no Direito Penal. Desse ponto de vista, existe unidade de tipo de injusto (a) em tipos legais divisíveis em pluralidade de atos, como o aborto, (b) em tipos legais que pressupõem pluralidade de atos, como o estupro (violência e conjunção carnal) e o roubo (violência e subtração). Por outro lado, existe também unidade de tipo de injusto em sentido amplo, (d) em situações de repetição da ação típica em rápida sequência temporal prevista no tipo (moeda falsa, rixa etc.) ou não prevista no tipo (remessa de escrito com várias injúrias, furto mediante pluralidade de ações de subtração etc.), desde que a repetição constitua simples aumento quantitativo do tipo de injusto - mas independente da natureza do bem jurídico, podendo atingir bens jurídicos personalíssimos de diferentes portadores , assim como, finalmente, (e) em situações de contínua realização da ação típica por atos sequenciais de aproximação progressiva do resultado, como o tráfico de drogas, por exemplo.

3. Pluralidade material de fatos puníveis.A pluralidade material de fatos puníveis existe em situações de sucessividade de tipos de injusto independentes, iguais ou desiguais, julgados no mesmo processo: furto de veículo e lesão corporal imprudente; dirigir embriagado e fugir do local do acidente etc. Como se vê, a pluralidade material de fatos puníveis tem os seguintes pressupostos: a) pluralidade de ações ou de omissões de ação típicas determinantes de pluralidade de resultados típicos; b) julgamento de vários fatos puníveis independentes no mesmo processo. A consequência penal é regida pelo princípio da cumulação, assim aplicado: soma das penas privativas de liberdade; simultaneidade ou sucessividade das penas restritivas de direito, dependendo de sua compatibilidade ou não - exceto se aplicada pena privativa de liberdade não suspensa a um dos crimes do concurso, hipótese que impede a substituição da privação de liberdade por restrição de direitos (art. 69).

4. Pluralidade formal de resultados típicos.A pluralidade formal de resultados típicos ocorre em situações de unidade de ação com pluralidade de resultados típicos iguais ou desiguais, de lesão ou de simples atividade (art. 70). 4.1. Teorias sobre a pluralidade formal de resultados típicos 4.1.1. Teoria unitária - uma única ação pode produzir apenas um fato punível, apesar da pluralidade de resultados típicos;4.1.2. Teoria pluralista - a realização de vários resultados típicos conduz à admissão de vários fatos puníveis, apesar da existência exterior de uma única ação.

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A pluralidade formal de resultados típicos aparece de duas maneiras: a) uma ação produz uma pluralidade de resultados típicos iguais, podendo atingir bens jurídicos personalíssimos (corpo, vida, liberdade etc.) ou patrimoniais: um só disparo de arma de fogo produz morte e lesão corporal em pessoas diferentes; uma só ofensa verbal constitui injúria contra duas pessoas; b) uma ação produz uma pluralidade de resultados típicos desiguais: um disparo de arma de fogo determina os resultados típicos de homicídio e de dano.Casos especiais de unidade de ação com pluralidade de resultados típicos: a) unidade de ação simultaneamente dolosa e imprudente: realização de dano doloso com simultânea lesão corporal imprudente; b) unidade de omissão de ação dolosa e imprudente: guardião participa, por omissão de ação dolosa, de roubo de banco deixando de fechar a porta dos fundos do estabelecimento, sem representar a possibilidade do incêndio imprudente ocorrido por causa do material e procedimentos utilizados para abertura do cofre. Mas a opinião dominante exclui concurso formal entre tipos de ação e de omissão de ação porque atividade e passividade não se recobrem parcialmente.A consequência penal do concurso formal é regida pelo princípio da exasperação, com agravação da pena comum ou da pena mais grave, de um sexto até metade; a exceção é representada pelo falso concurso formal, em que a pluralidade de resultados típicos é produzida por desígnios autônomos (pluralidade de fins), mas em unidade de ação dolosa, resolvida como concurso material (art. 70, segunda parte).A majoração da pena determinada pelo princípio menos rigoroso da exasperação não pode exceder a que resultaria do princípio mais rigoroso da cumulação (art. 70, parágrafo único).Hipóteses de aberratio ictus sobre objetos típicos iguais, com desvio causal da pessoa visada para pessoa diferente (erro sobre a pessoa), são resolvidas como se não tivesse existido erro de execução (art. 20, §3°, CP) (art. 73, CP).Casos de aberratio ictus sobre objetos típicos diferentes, com desvio causal do objeto visado para objeto diferente, são atribuídos como crime imprudente, se previsto em lei (Art. 74).

5. Unidade continuada de fatos típicos.Art. 71 e 71, parágrafo único, CP. Qualquer tipo de injusto doloso, por ação ou omissão de ação clandestina, fraudulenta ou violenta, lesivo de qualquer bem jurídico protegido na lei penal, inclusive contra portadores diferentes, pode aparecer sob a forma do crime continuado, preenchidos os requisitos legais e observada a diversidade de pena. A diferença entre as duas regras sobre crime continuado é a seguinte: o art. 71, caput, abrange todas as hipóteses de crime continuado, menos a hipótese de crimes dolosos violentos contra vítimas diferentes; o art. 71,

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parágrafo único, regula exclusivamente a relação de continuação em crimes dolosos violentos contra vítimas diferentes.5.1. O paradigma objetivo/subjetivo do crime continuado.Nessa perspectiva - que rompe com o inexplicável objetivismo dominante na literatura penal finalista brasileira em matéria de crime continuado -, crimes de igual espécie constituem tipos de injusto equivalentes do ponto de vista do tipo objetivo e do tipo subjetivo.A equivalência de tipo objetivo é indicada pelas seguintes correlações: a) lesão de igual bem jurídico, embora em diversos estágios de realização (tentativa e consumação) ou níveis distintos de proteção (furto simples e qualificado) ou mesmo protegido por diferentes tipos legais (injúria e difamação, furto e apropriação indébita), definido como unidade de resultado injusto: b) ação típica igual por caracteres comuns de tempo (durante a noite, em determinados horários diurnos etc.), de lugar (na residência ou no local de trabalho da vítima, em estacionamento de veículos, em supermercados etc.), de modo de execução (ação ou omissão de ação, métodos de fraude, de violência ou de clandestinidade da ação, etc.) indicadores de continuidade objetiva da primeira através das posteriores ações típicas, definidas em conjunto como unidade de ação injusta.A equivalência de tipo subjetivo é indicada por um dolo unitário abrangente do conjunto das ações típicas em continuação, com suas características comuns de tempo, lugar, modo de execução e outras semelhantes, indispensável para integrar a pluralidade das ações típicas na unidade do crime continuado, definido pela literatura como unidade de injusto pessoal: haveria dolo de continuação no programa de realizar uma série mais ou menos determinável de estelionatos - não, porém, no programa de realizar o maior número possível de estelionatos de determinado modo. Contudo, haveria dolo de continuação em programar o furto do maior número possível de bicicletas no estacionamento de uma fábrica, por exemplo - não, porém, no plano de furtar várias bicicletas em circunstâncias desconhecidas de tempo, lugar, modo de execução, etc.A necessidade de um dolo geral ou de continuação é determinada pela própria natureza do crime continuado. Isso implica excluir a imprudência da área do crime continuado: se a relação de continuação supõe um projeto anterior, então a imprudência é, conceitualmente, incompatível com a categoria do crime continuado.

6. Unidade de injusto e unidade de pena. A unidade do tipo de injusto continuado implica unidade de pena, também regida peloprincípio da exasperação, mas com diferenças: no crime continuado comum (art. 71, CP), agravação de um sexto a dois terços da pena comum, se idêntica, ou da mais grave, se diversas; no crime continuado especial (art. 71, parágrafo único), agravação até o triplo da pena comum, se idêntica, ou da pena mais grave, se diversas, observada a culpabilidade, antecedentes,

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conduta social, personalidade do agente, motivos e circunstâncias do crime continuado.A unidade continuada de fatos puníveis produz, também, consequências penais e processuais específicas: cada tipo de injusto específico da relação de continuação deve ser provado porque determina a medida da pena; a sentença abrange todos os tipos de injusto da continuação, conhecidos ou desconhecidos; a prescrição, contudo, segundo correta jurisprudência brasileira, inicia em e incide sobre a pena de cada tipode injusto isolado da relação de continuação.

7. A pena de multa na pluralidade de fatos puníveis.A aplicação da pena de multa em qualquer hipótese de pluralidade de crimes (material, formal ou continuada) é regida pelo princípio da cumulação: aplicação integral (Art. 72).

8. Limite das penas privativas de liberdade.A lei penal fixa em 30 (trinta) anos o limite máximo de execução das penas privativas de liberdade (Art. 75). A aplicação de penas privativas de liberdade pode exceder o limite legal, mas a execução das penas privativas de liberdade aplicadas não pode exceder o limite legal. Em caso de pluralidade de penas, a adequação ao limite máximo permitido se faz pelo processo de unificação das penas. A única exceção parcial dessa regra, para desestimular outras infrações após atingido o limite máximo, aparece na hipótese de condenação por fato punível posterior ao início de execução da pena já aplicada: a (reunificação para nova adequação ao limite legal exclui o tempo anterior de cumprimento de pena (art. 75, § 2º, CP). Finalmente, no caso de pluralidade de condenações, a execução das penas mais graves antecede as menos graves (Art. 76).

9. Pluralidade aparente de leis.9.1. Especialidade - o critério da especialidade resolve o conflito aparente entre tipo especial e tipo geral em favor do tipo especial: o tipo especial contém todos os caracteres do tipo geral e mais alguns caracteres especiais. O tipo especial exclui o tipo geral por uma relação lógica entre continente e conteúdo: o tipo especial contém o tipo geral, mas o tipo geral não contém o tipo especial (lex specialis derogat legi generali).9.2. Subsidiariedade - resolve o conflito aparente entre tipo subsidiário e tipo principal em favor do tipo principal: a aplicação do tipo subsidiário depende da não aplicação do tipo principal. O tipo principal exclui o tipo subsidiário por uma relação de interferência lógica ou de entrecruzamento estrutural porque diferentes normas penais protegem iguais bens jurídicos em diferentes estágios de agressão (lex primaria derogat legi subsidiariae).A relação de subsidiariedade pode ser formal ou material: a) a subsidiariedade formal é expressa no texto da lei: "se o fato não constitui elemento de crime mais grave" etc. (entre outros, artigos 238, 239, 337, CP);

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b) a subsidiariedade material é extraída da relação de sentido entre tipos legais, existindo sob duas formas: b.1) tipos preparatórios para tipos de lesão: o tipo legal de “petrechos para fabricação de moeda” (art. 291, CP) em relação ao tipo legal de "moeda falsa" (art. 289 CP); b.2) tipos de passagem de tipos legais de menor perigo/lesão para tipos legais de maior perigo/lesão do mesmo bem jurídico: a subsidiariedade material dos tipos de perigo concreto em relação aos tipos de lesão: a tentativa em face da consumação; a lesão corporal em face do homicídio.Além disso, existe relação de subsidiariedade entre formas de autoria e de participação: a cumplicidade é subsidiária da instigação (instigador que ajuda a realização material do fato continua instigador), assim como a instigação é subsidiária da autoria (autor que instiga outrem a participar do fato continua autor ou coautor).O fato típico imprudente (o atropelamento de um pedestre, por exemplo) é subsidiário do fato típico doloso (o pedestre atropelado morre por falta de socorro do autor do atropelamento, responsável pela evitação do resultado na qualidade de garante do bem jurídico em perigo, conforme o tipo de omissão de ação imprópria).9.3. Consunção - resolve o conflito aparente entre tipo consumidor e tipo consumido: o conteúdo de injusto do tipo principal consome o conteúdo de injusto do tipo secundário porque o tipo consumido constitui meio regular (não necessário) de realização do tipo consumidor ou o tipo consumido não está em relação de necessidade lógica (como na especialidade ou na subsidiariedade), mas em relação de regularidade fenomenológica com o tipo consumidor (lex consumens derogat legi consumptae).A consunção por relação de regularidade fenomenológica entre o tipo consumido e o tipo consumidor ocorre, por exemplo, em alguns fatos: a lesão corporal em relação ao aborto; o dano ou a violação de domicílio em relação ao furto qualificado por destruição ou rompimento de obstáculo ou emprego de chave falsa etc.Na atualidade, o critério da consunção está imerso em controvérsia e a tendência parece ser sua própria consunção por outros critérios, especialmente pelo critério da especialidade e pelo antefato e pós-fato copunidos:9.4. Antefato e pós-fato copunidos - o antefato e o pós-fato copunidos estão, geralmente, em relação de consunção com o fato principal: são punidos em conjunto com o fato principal. Assim, o porte ilegal de arma constitui antefato punido em conjunto com o homicídio praticado; a apropriação, o consumo ou a destruição da coisa furtada não constitui apropriação indébita ou dano, mas pós-fato punido no furto porque representa realização da vantagem objeto do elemento subjetivo especial do furto, tipo consumidor.Igualmente, a venda da coisa furtada a terceiro de boa-fé não constitui estelionato punível- mas fato posterior punido em conjunto com o furto -, ainda que lesione novo bem jurídico: a pena do furto abrange os atos

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próprios de apropriação, inclusive a venda da coisa furtada e, portanto, punir pela realização da intenção especial do furto, elemento subjetivo determinante do tipo de injusto, significaria dupla punição pelo mesmo fato

Yunes

68. Capítulo XVII – Política Criminal e Direito PenalPolitica criminal: programa oficial de controle social do crime e de criminalidade que no Brasil é extirpado do conceito valores sociais outros (educação, emprego, etc.). Infortunadamente concentra-se unicamente como politica penal (definição, aplicação e execução), por isso, o estado da politica criminal se limita ao estudo das funções atribuídas à pena criminal. O estudo deve ser realizado tanto na pena em seu conteúdo oficial (propalado), quanto na sua dimensão real (latentes), estas últimas que podem melhor explicar a sua existência, aplicação e execução, baseado na relação capital/trabalho assalariado.

I O DISCURSO OFICIAL DA TEORIA JURIDICA DA PENA.

RETRIBUTIVA + CORREÇÃOFUNÇÃO ESPECIAL - NEUTRALIZAÇÃO

PREVENTIVA +MANUTENÇÃO NA ORDEM

GERAL -

INTIMIDAÇÃO SOCIAL

Obs. + positiva/ - negativaObs. Juarez C. não expõe as funções, mas passa a criticá-las.

1. A PENA COMO RETRIBUIÇÃO DE CULPABILIDADE. Mal justo contra mal injusto do crime. Problemática de se fundar a pena na culpabilidade, pois é indemonstrável a liberdade de vontade (exigibilidade de conduta diversa não produz prova empírica). Também, a retribuição como vingança (retribuição) não pode ser integrado ao estado democrático de direito.

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2. A PENA COMO PREVENCAO ESPECIAL (correção e neutralização). Seus agentes são os da aplicação (59 do cp) e os da execução (ortopedistas da moral – Foucault). Critica: o Estado não tem o direito de melhorar pessoas, segundo o seu critério ético. 3. A PENA COMO PREVENCAO GERAL (MANUTENCAO DA ORDEM/INTIMIDAÇÃO).Da função negativa (intimidadora): evitar crimes futuros pela ameaça da pena. Critica: Beccaria – o que afasta é a certeza da punição. Segundo, se não há limites para a intimidação, poderá haver um terrorismo social. Terceiro, viola a dignidade da pessoa humana, pois o apenado serve de exemplo. Da função geral positiva:Roxin (natureza relativa): inviolabilidade do direito, necessário para preservara confiança na ordem jurídica e reforçar a fidelidade jurídica do povo (afirmação dos valores comunitários – que são aqueles que protegem bens jurídicos). Efeitos políticos-criminais: -fidelidade jurídica.- confiança no ordenamento- pacificação social.

Jakobs (natureza absoluta): teoria totalizadora da pena criminal. Função de afirmar a validade da norma penal violada. Reafirmar as expectativas normativas frustradas pelo comportamento criminoso (violação da norma).

4. TEORIA UNIFICADA: a pena como retribuição e prevenção. Os 3 níveis de realização do Direito (cominação, aplicação e execução):a) RETRIBUIÇÃO: expiação da culpabilidade (aplicação).b) PREVENÇÃO ESPECIAL b.1) positiva: correção do autor (execução)b.2) negativa: neutralização (execução)c) PREVENÇÃO GERALc.1) negativa: intimidação (cominação)c.2) positiva: manutenção/reforço na ordem jurídica (aplicação). No Brasil o CP consagra a teoria unificada no art. 59 “... conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime”.

II- O DISCURSO CRÍTICO DA TEORIA CRIMINOLÓGICA DA PENA. a) Zaffaroni: Teoria negativa/agnóstica Negativa pois contradiz o discurso oficial de retribuição e prevenção geral e especial. Para ele pena é ato de PODER POLÍTICO, cuja função difere dos apresentados pelo discurso oficial. Do ponto de vista politico criminal, a teoria tem a função de limitar o Estado de Polícia e ampliar o de direito (pois o Estado de Policia tem fins outros com a pena, como por exemplo, vigiar, registrar, controlar dissidências).

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Do ponto de vista conceitual o agnóstico confronta a realizada da ideologia penal nas sociedades capitalistas que exploram a repressão penal pela seletividade fundada em estereótipos, desencadeados por indicadores sociais negativos de pobreza, marginalização, etc. b) A crítica materialista/dialética da pena criminal. 1. A pena como retribuição equivalente do crime. Natureza real da retribuição: fenômeno social estrutural específico das sociedades capitalistas (produção + criação de mercadorias é o fundamento material de ordem social). “não é a consciência dos homens que determina o ser, mas o ser social que determina a consciência”. Mercado de trabalho/sistema de punição: o trabalhador integrado no mercado de trabalho é controlado pela disciplina da Fábrica. O fora do mercado de trabalho é controlado pela disciplina da prisão. As relações de trabalho da fábrica, principal instituição da estrutura social, dependem da disciplina do sistema penal, principal instrumento do controle social do capitalismo. 2. A prevenção especial como garantia das relações sócias. Criticas:a) A privação da liberdade produz maior reincidência. b) A desclassificação social do apenado (etiquetamento) c) Desintegração social (família, etc.,)d) Deformações psíquicas e) Desencadeiam estereótipos justificadores de criminalização. Cárcere em crime: se o apenado detém alguma cultura, esta lhe é retirada. Em seu lugar dá-se a cultura do presídio, que carregará consigo. FUNCAO DECLARADA DA PENA X FUNCAO REAL Função declarada: fracasso histórico Função Real: controle seletivo da criminalidade, fundado em indicadores sociais negativos e de garantias das relações sociais desiguais, fundados na relação capital/trabalho assalariado. Representa incontestável ÊXITO HISTORICO, como assiná-la Foucault.

3. A prevenção geral como afirmação da ideologia dominante. Efeito prevenção geral negativo: intimidação. Talvez funcione nos crimes de reflexão, mas surte sem efeito nos crimes comuns (de ímpeto). Crítica a teoria da função geral positiva de Jakobsa) Proteção à norma = proteção do Poder. b) Retribuição: o fim é a fidelidade (submissão) do cidadão ao Poder. c) A punição não pode ser usado para atingir a seus primitivos de vingança. d) Direito penal simbólico: vazio de conteúdo, usado como propaganda eleitoreira, definindo um inimigo comum.

4. As teorias unificadas como integração das funções manifestas ou declaradas da pena criminal.

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Juntar as teorias (retributiva e preventiva) não afasta seus defeitos. Ainda, não se pode unificar, pois possuem conceitos divergentes.

69. Capítulo XVIII – Prisão e Controle SocialO tempo recolhido é uma moeda de troca em compensação ao tempo de valor de mercadoria produzida (capital/trabalho assalariado), critério geral e abstrato. A função real da pena é de adestramento para modular homens, transformando-os em dóceis e produtivos (+ uma vez, relação de capital/trabalho assalariado a fundamentar a pena). Todo sistema de produção tende a descobrir punições que correspondam às suas relações produtivas (interesses de produção). Prisão como instituição auxiliar da fábrica no interior da sociedade politica (instrumento para seus propósitos). Não é mais possível explicar a pena criminal pelo comportamento criminoso (culpabilidade), pois que hoje é aplicada:a) Criminalização seletiva de marginalizados (não produzem; não consomem)b) Não lesa bens jurídicos, se não bens jurídicos selecionados. c) O que explica é a relação capital/trabalho assalariado. II – RELAÇÃO CÁRCERE/FÁBRICAPrisão (controle social) --- Fábrica (produção econômica). A fábrica utiliza-se da prisão como instrumento para a estabilização social, a prisão utiliza-se da fábrica para as funções declaradas (paradigma) de condutas. III – A ORIGEM DA PENITENCIARIAWorkhouses: casas de trabalho forçados de componeses expropriados da terra (disciplinar a força de trabalho ociosa). IV – MODELO FILADELFIANO DE PENITENCIARIAState use: produção de manufaturados na cela (isolamento – reflexão)Public Work: em obras públicas.V – O MODELO AUBURNIANO DE PENETENCIARIAIsolamento a noite e trabalho durante o dia (cadeia de produção industrial)Contract: Estado e Fábrica em conluio (menor custos para o primeiro; mais valia para o segundo). IV – INDUSTRIA DO ENCARCERAMENTO: atualidades e perspectivas.Existe uma contradição entre prisão pública e empresa privada: interesses diversos desta ultimas que levam ao abuso (lobby para penas mais longas, fim das progressões, do livramento – tudo em prol da produção). É a inversão do estado social para o estado penal (presídios privados). A relação cárcere/fábrica evolui para a simbiose fábrica/cárcere. VII – A PRIVATIZACAO DE PRESIDIOS NO BRASILPenitenciaria Industrial de Guarapuava (1999):a) Exploração da força de trabalho por empresas privadas.b) Segurança interna privada. c) Apenas direção e fiscalização pública.

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Violação ao art. 1, III CF, pois não há possibilidade de rescisão do contrato de trabalho. Outro problema apontado é a individualização da pena (na fase de execução) que só é permitido ao Estado (ius puniendi). Desta feita, a falta grave não poderia ser aplica por empresa administradora privada.

Tiago Vacari

70. Capítulo XIX – O Sistema Penal Brasileiro – A política penal brasileiraO sistema de medidas repressivas da lei penal brasileira é estruturado pelo critério dualista alternativo, expresso em dois binômios excludentes: a) culpabilidade – pena; b) periculosidade criminal – medida de segurança. O critério dualista alternativo, introduzido no Direito Penal brasileiro pela reforma penal de 1984, se caracteriza pela aplicação alternativa de pena criminal ou de medida de segurança contra autores de fatos definidos como crimes: ou pena criminal, fundada na culpabilidade; ou medida de segurança, fundada na periculosidade criminal, excluída a aplicação das duas simultâneas. A legislação anterior adotava o critério duplo binário – caracterizado pela cumulatividade ou pela alternatividade de aplicação de penas criminais e/ou de medidas de segurança contra autores.A política penal da legislação brasileira utiliza um instrumental repressivo constituído de três categorias de penas criminais (art.32, I, II e III, CP), assim definidas: a) penas privativas de liberdade, representadas pela reclusão e pela detenção (art.33, CP), b) penas restritivas de direitos, nas modalidades (1) de prestação pecuniária, (2) de perda de bens e valores, (3) de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, (4) de interdição temporária de direitos e (5) de limitação de final de semana (art. 43, I-VI, CP), c) penas de multa, com quantidade entre 10 e 360 dias-multa e valores entre 01 (um) trigésimo do salário mínimo e 05 (cinco) salários mínimos por dia-multa (art. 49 e §1º, CP). Nesse sistema repressivo, as penas privativas de liberdade constituem o centro da política penal e a forma principal de punição; as penas restritivas de direitos funcionam, simultaneamente, como substitutivas da privação de liberdade e impeditivas da ação criminógena do cárcere; as penas de multa são em regra, cominadas em forma cumulativa ou alternativa à privação de liberdade, mas podem ser aplicadas, por exceção, em caráter substitutivo das penas privativas de liberdade (art. 60, §2º, CP).Como se pode ver, a pena privativa de liberdade é o centro de gravidade da nova política penal brasileira, como ponto de convergência repressiva e núcleo de irradiação da eficácia coativa das penas restritivas de direitos. A flexibilização do sistema punitivo brasileiro, como a introdução das penas restritivas de direitos, é produto da assimilação de críticas sobre as inconveniências da prisão, que destacam os efeitos prejudiciais da pena privativa de liberdade sobre condenados primários ou ocasionais, ou sobre autores de crimes irrelevantes, pela exposição a práticas de corrupção, sevícias e degradação pessoal e moral.

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71. Capítulo XIX – O Sistema Penal Brasileiro – Penas CriminaisA pena criminal é a medida da reprovação de sujeitos imputáveis, pela realização não justificada de um tipo de crime, em situação de consciência da antijuridicidade (real ou possível) e de exigibilidade de conduta diversa, que definem o conceito de fato punível.

72. Capítulo XIX – O Sistema Penal Brasileiro – Penas Criminais – Penas Privativas de Liberdade

É a espinha dorsal do sistema penal. A principal diferença entre reclusão e detenção, como formas de privação de liberdade, refere-se aos regimes de execução: a pena de reclusão, cominada pelo legislador em crimes mais graves, é executada nos regimes fechado, semi-aberto ou aberto; a pena de detenção, cominada pelo legislador em crimes menos graves, é executada nos regimes semi-aberto e aberto – o regime fechado é exceção determinada pela necessidade (art. 33, caput, CP).A Lei de Execução Penal implantou o modelo jurisdicional de execução penal no Brasil.Os regimes de execução da pena privativa de liberdade são estruturados conforme critérios de progressividade (regra) ou regressividade (exceção), instituídos com o objetivo explícito de “humanizar a pena”. O regime inicial é determinado na sentença criminal condenatória (art. 59, III, CP): o regime fechado depende exclusivamente da quantidade da pena aplicada; o regime semi-aberto e o regime aberto dependem da quantidade da pena aplicada e da primariedade do condenado.A progressão significa transferência do preso de regime de maior rigor para regime de menor rigor punitivo, após cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e bom comportamento carcerário comprovado pelo Diretor do estabelecimento (art. 112 LEP), mediante decisão judicial motivada precedida de manifestação do Ministério Público e da Defesa (art. 112, §1º LEP).Essa progressividade admite restrições e exceções definidas em lei. As restrições legais referem-se aos condenados por crimes contra a administração pública (art.33, §4º, CP), em que a progressão de regime depende da condição complementar de reparação do dano ou de devolução do produto do crime realizado. As exceções legais têm por objeto condenados por crimes hediondos que possuem lapso temporal (requisito objetivo) diferente, sendo 2/3 para primários e 3/5 para reincidentes. (parte acrescentada em razão do livro ser de 2008).A regressão significa transferência ou retorno do preso para regime de maior rigor punitivo pela prática de fato definido como crime doloso ou de falta grave e de nova pena por crime anterior, cuja soma determine incompatibilidade com o regime atual (art. 118, I e II, §§1º e 2º, LEP).A falta de pagamento da multa cumulativa não determina a regressão de regime, mas resolve-se em dívida de valor, regida pelas normas da dívida ativa da Fazenda Pública (art. 51, CP). Se a progressão de regime exige

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decisão judicial motivada, precedida de manifestação do Ministério Público e a Defesa (art. 112, §1º, LEP), então e com maior razão, a regressão de regime também deve ser determinada por decisão judicial motivada, com prévia manifestação do Ministério Público e a Defesa, não sendo suficiente a simples audiência do condenado.O regime fechado é o modo mais rigoroso de execução da pena, cumprido em estabelecimento de segurança máxima ou média, destinada aos condenados a penas superiores a 8 (oito) anos (art.33, §2º, a, CP), e se caracteriza pelo trabalho comum interno (regra) ou em obras públicas externas (exceção) durante o dia, e pelo isolamento durante o repouso noturno (art. 34, §§ 1º, 2º w 3º, CP).O regime semi-aberto de execução da pena possui rigor intermediário e é cumprido em colônia agrícola, industrial ou similar e destina-se, imediatamente, aos condenados primários a penas superiores a 4 (quatro) anos e inferiores a 8 (oito) anos, e mediatamente aos condenados submetidos ao regime fechado. Esse regime se caracteriza pelo trabalho comum interno ou externo durante o dia e pelo recolhimento noturno, permitindo a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior (art. 35, §§1º e 2º, CP).O regime aberto é o modo menos rigoroso de execução da pena, a ser cumprido em casa de albergado e destina-se, imediatamente, aos condenados submetidos a outros regimes, segundo a progressividade. Tem por fundamento a autodisciplina e o senso de responsabilidade do condenado e se caracteriza pela liberdade sem restrições para o trabalho externo, freqüência a cursos e outras atividades autorizadas durante o dia e pela liberdade restringida durante a noite e dias de folga, mediante recolhimento em casa de albergado, ou na própria residência do condenado (art. 36, §1º, CP).No regime especial para mulheres, elas cumprem pena privativa de liberdade em estabelecimento próprio, com direitos e deveres adequados a sua condição pessoal, aplicando as regras gerais dos regimes de execução, na medida da sua culpabilidade (art.37, CP).A lei penal brasileira assegura aos presos, também, todos os direitos humanos não atingidos pela privação de liberdade, especialmente o respeito à integridade física e moral do condenado (art. 38, CP), embora continue imensa a distância entre lei e realidade na execução penal brasileira.O condenado é submetido, no entanto, ao dever geral de obediência pessoal às normas de execução penal (art. 38, LEP).O trabalho do condenado (art. 39 LEP), por sua vez, é definido como dever social e condição de dignidade humana e realizado com objetivos educativos e produtivos (art.28, LEP). A remuneração do trabalho carcerário (art. 29, LEP) é obrigatória e não inferior a ¾ do salário mínimo.O condenado tem o direito de reduzir a pena privativa de liberdade, em regime fechado ou semi-aberto, pelo trabalho prisional, na proporção de 3 dias de trabalho por 1 dia da pena (remição penal, art. 126, §§, LEP). A lei nº 12.433/2011 modificou o artigo 126 e incluiu o estudo como meio de remição

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da pena, nos seguintes termos “Art. 126.  O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena” (parte acrescentada em razão do livro ser de 2008). A prestação do trabalho não pode ser cassada ou denegada pela administração penitenciária, sob a alegação de inexistência de trabalho produtivo no estabelecimento penal. Parece suficiente a comprovação substitutiva de trabalho artesanal para remição de 1 dia de pena a cada conseqüência de 3 dias em que o condenado se apresentar.As faltas disciplinares podem ser classificadas como faltas leves e médias que definidas pela legislação estadual, e faltas graves definidas pela lei de execução penal (arts.50, 51, 52, LEP).O poder disciplinar, no caso de faltas e sanções, é exercido pelo Diretor do estabelecimento, em processo disciplinar contraditório (art. 47 e 54, LEP), exceto nos casos de faltas graves e no regime disciplinar diferenciado, que são submetidos à decisão judicial fundamentada e previa, com manifestação do Ministério Público e da defesa do condenado (art.54, §§1º e 2º, LEP).As sanções disciplinares são: a) Advertência verbal e repreensão: são sanções aplicáveis em falas leves e médias definidas pela legislação estadual; b)Suspensão ou restrição de direitos e isolamento celular: aplicáveis no caso de faltas graves, observado o limite máximo de 30 (trinta) dias e, no caso de isolamento celular, a imediata comunicação ao Juiz da Execução (art. 58, e parágrafo único, LEP); c) Regime disciplinar diferenciado: aplicável aos presos provisórios ou condenados, nas hipóteses de crime doloso que determine a subversão da ordem ou da disciplina internas, de alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal e da sociedade e, por fim, fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações criminosas, quadrilha ou bando (art. 52, §§1º e 2º, LEP). As características do regime disciplinar diferenciado estão previstas no art. 52, I-IV da LEP. O regime disciplinar diferenciado é aplicado em procedimento disciplinar instaurado por requerimento circunstanciado do Diretor do estabelecimento, com manifestação do Ministério Público e garantia do direito de defesa, mediante decisão fundamentada e prévia do Juiz competente no prazo de 15 (quinze) dias. Por exceção, a autoridade administrativa pode decretar, até o máximo de 10 (dez) dias, o isolamento preventivo do preso, mas a inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado depende de despacho do Juiz competente.O regime disciplinar diferenciado de isolamento em cela individual até 1 (um) ano – renovável por mais um, até o limite de 1/6 da pena – é inconstitucional, pelas razões: a) constitui violação da dignidade da pessoa humana, um dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, definido no art. 1º da Constituição da República, b) representa instituição de pena cruel, expressamente excluída pelo art. 5º, XLVII, letra “e” da Constituição da República, c) a indeterminação das hipóteses de aplicação do regime disciplinar diferenciado infringe o princípio da legalidade, porque subordina a

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aplicação da sanção disciplinar a critério judiciais subjetivos e idiossincráticos. Ainda, é indefinível o conceito de fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações criminosas, quadrilha ou bando (art. 52, §2º, LEP).O Diretor do estabelecimento preside a Comissão Técnica de Classificação, órgão este responsável pela formulação do programa individualizador da execução penal. Os condenados a penas privativas de liberdade são classificados, primeiramente, de acordo com os antecedentes e a personalidade, que orientarão a individualização da execução penal, em segundo, com base no exame criminológico do condenado, realizado para adequar a classificação e individualização da execução. Após o advento da Lei 10.712/2003, o exame criminológico para progressão de regime foi substituído por atestado de bom comportamento carcerário expedido pelo Diretor da instituição.A detração penal significa reduzir da pena privativa de liberdade o tempo de prisão provisória ou de prisão administrativa cumprida pelo condenado, ou reduzir da medida de segurança, o tempo de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou em outro estabelecimento adequado.Finalmente, em relação a execução das penas privativas de liberdade, sabe-se que é limitada a 30 (trinta) anos, mesmo que a pena aplicada ultrapasse o limite legal. Isso decorre da proibição constitucional de penas perpétuas (art. 5º, XLVII, b, CR).

73. Capítulo XIX – O Sistema Penal Brasileiro – Penas Criminais – Penas Restritivas de Direitos

A maior inovação da reforma penal de 1984 foi a introdução das penas restritivas de direito, reduzindo o poder de disposição parcial do tempo livre de réus condenados a pena privativa de liberdade.As penas restritivas de direito são autônomas, cuja execução extingue a pena privativa de liberdade, são substitutivas, porque aplicadas alternativamente a pena privativa de liberdade aplicada, e reversíveis, porque admitem a reaplicação da pena privativa de liberdade substituída como garantia de eficácia da pena restritiva de direitos aplicada.Após o advento da Lei n. 9.714/98, a substituição é determinada pela natureza do crime cometido e pela duração da pena aplicada, nos termos do artigo 44 do Código Penal. Mencione-se que o tráfico de drogas e crimes assemelhados não admite penas restritivas de direitos.A atual legislação penal brasileira prevê 5 (cinco) espécies de penas restritivas de direitos. a) Prestação pecuniária: consiste no pagamento em dinheiro à vítima ou descendentes, ou a entidade pública ou privada com destinação social, de um valor fixado pelo Juiz, entre o mínimo de 1 (um) e o máximo de 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos, como reparação do dano resultante do crime; b) Perda de bens e valores: tem por objeto o patrimônio do condenado e limitado ao valor maior ou do prejuízo causado ou do provendo obtido com a prática do crime, destinado ao Fundo Penitenciário Nacional; c) Prestação de serviços à comunidade ou a

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entidade públicas: aplicável em condenações superiores a 6 (seis) meses de privação de liberdade e consiste em tarefas gratuitas atribuídas conforme as aptidões do condenado e distribuídas à razão de 1 (uma) hora de trabalho por dia de condenação. Na hipótese de condenação superior a 1 (um) ano, a pena substitutiva pode ser cumprida em tempo menor do que a peba substituída, respeitada a metade da pena privativa de liberdade aplicada; d) Interdição temporária de direitos: consiste na proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo, proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, licença ou autorização do poder público, suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo e proibição de freqüentar determinados lugares; e) Limitação de fim de semana: assemelha-se, parcialmente, ao regime aberto de execução da pena privativa de liberdade e consiste na obrigação de permanência, aos sábados e domingos, durante 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou na própria residência, segundo a jurisprudência, com a possibilidade de participar de cursos, palestras e outras atividades educativas. O estabelecimento designado apresentará relatórios mensais e comunicará ausências ou faltas disciplinares ao juízo da execução (art.153, LEP); f) proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos (Incluído pela Lei nº 12.550, de 2011, acrescentado em razão de o livro ser de 2008).

74. Capítulo XIX – O Sistema Penal Brasileiro – Penas Criminais – Pena de Multa

A pena de multa é a sanção penal mais freqüente dos sistemas punitivos modernos. O quantum da pena de multa é determinado pelo sistema de dias-multa, uma criação original do Código Criminal do Império do Brasil (1830), hoje generalizado nas legislações penais.A cominação da pena é de modo indeterminado nos tipos legais de crime, e a aplicação pode ser alternativa ou cumulativa com penas privativas de liberdade e se destina ao Fundo Penitenciário. Existem duas exceções de aplicação de pena de multa independente de cominação na parte especial (art. 58, parágrafo único, CP), na hipótese de pena de multa isolada substitutiva de pena privativa de liberdade igual ou inferior a 1 (um) ano (art.44, §2º, CP, primeira parte), ou de pena de multa cumulada com pena restritiva de direitos, substitutiva de pena privativa de liberdade superior a 1 (um) ano (art.44, §2º, CP, segunda parte).A quantidade de dias-multa varia entre o mínimo de 10 (dez) e o máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, conforme o tipo injusto e a culpabilidade do autor, medidas pelas circunstâncias judiciais, circunstâncias legais e as causas especiais de aumento ou de diminuição de pena, que compõem o processo trifásico de aplicação da pena.O valor é calculado com base no salário mínimo de 1/30 do maior salário mínimo e máximo de 5 vezes o maior salário mínimo da época do fato, segundo a capacidade econômico-financeira do condenado.

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A execução da pena de multa ocorre pelo pagamento respectivo, realizável no prazo de 10 (dez) dias do trânsito em julgado da sentença condenatória ou em qualquer tempo depois desse prazo. Admite-se desconto sobre vencimentos ou salários do condenado, se a pena de multa é aplicada isoladamente, ou cumulativamente com pena de restritiva de direitos ou com pena privativa de liberdade suspensa condicionalmente: nessas hipóteses o desconto é limitado pela necessidade de preservar recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família.A pena de multa transforma-se em dívida de valor, aplicada as normas sobre divida ativa da Fazenda Pública, inclusive quanto à suspensão e interrupção da prescrição e constitui título executivo judicial.

75. Capítulo XIX – O Sistema Penal Brasileiro – Penas Criminais – Conversibilidade executiva das penas criminais

Assim como as penas privativas de liberdade são substituídas por penas restritivas de direitos, as penas restritivas de direitos podem ser convertidas em penas privativas de liberdade, na hipótese de descumprimento injustificado da restrição imposta (art. 44, §4º, CP).Na hipótese de descumprimento injustificado de penas restritivas de direitos definidas por valores, como a prestação pecuniária e a perda de bens e valores, parece excluída a possibilidade de conversão em penas privativas de liberdade, devendo ser aplicado o mesmo critério da inadimplência da pena de multa, por analogia in bonam partem.Assim, o descumprimento injustificado da pena restritiva de direitos aplicada somente admite conversão na pena privativa de liberdade substituída, nas hipóteses de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, ou de limitação de fim de semana, ou de interdição temporária de direitos, como penas restritivas de direitos determinadas por tempo, as únicas que admitem o critério de conversão legal do art. 44, §4º, CP.Por último, a pena de multa não pode ser convertida em pena privativa de liberdade (art.51, CP).

76. Capítulo XIX – O Sistema Penal Brasileiro – Penas Criminais – Cominação das penas criminais

As penas privativas de liberdade, cominadas nos limites mínimo e máximo pelo legislador, independem de regras de cominação (art. 53, CP) e a referencia a seus limites legais é ociosa. Mas a função substitutiva atribuída às penas restritivas de direitos e a cominação indeterminada das penas de multa explicam as regras de cominação.As regras de cominação das penas restritivas de direitos são as seguintes: a) a aplicação judicial de pena restritiva de direitos independe de cominação específica ao lado de cada tipo de crime (art. 54, CP); b) a aplicação de pena restritiva de direitos é determinada pela pena privativa de liberdade aplicada, conforme critérios do art. 44, §2 do CP e art. 54, CP); c) a duração das penas restritivas de direitos é igual à duração das penas privativas de liberdade substituídas, nas hipóteses de penas restritivas de direitos determinadas por

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tempo, com exceção do art. 46, §4, do CP; d) a aplicação da pena de interdição temporária de direitos é obrigatória nas hipóteses previstas no art. 56 e 57 do CP.As penas de multa, por sua vez, cujos limites legais são ficados em lei, são cominadas de modo indeterminado nos tipos legais respectivos, na forma do art. 58 do CP. Exceções à regra de cominação indeterminada da pena de multa nos tipos legais aparecem nos seguintes casos: aplicação da pena de multa substitutiva da pena privativa de liberdade, de forma isolada ou de forma cumulada.Portanto, a norma do art. 60, §2, que prevê substituição de pena privativa de liberdade igual ou inferior a 6 meses por pena de multa, está derrogada pela norma do art. 44, §2, primeira parte, como disposição posterior mais favorável ao acusado.

Laryssa Honorato Santos

77. Capítulo XX – Aplicação das Penas Criminais – Sentença Criminal Absolutória

Pode ser por exclusão do conceito de crime, nos seguintes casos:a. A ação realizada ou omitida não é típica, porque no âmbito do tipo objetivo não há causação do resultado (relação de causalidade entre a ação realizada/omitida e o resultado), ou não há imputação do resultado (criação ou realização do risco criado); ou no âmbito do tipo subjetivo não existe dolo por defeito de consciência (erro de tipo), ou por ausência de vontade (exceto em crimes imprudentes), ou inexistem elementos subjetivos especiais (intenções, tendências ou atitudes especiais).b. A ação típica é justificada por legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito, ou consentimento do titular do bem jurídico.c. A ação típica é antijurídica mas não é culpável, porque realizada por agente inimputável (menoridade ou anormalidade psíquica), ou agente em situação de erro de proibição inevitável (excludente do conhecimento do injusto), ou por agente em situação de inexigibilidade de comportamento diverso (hipóteses legais e supralegais de exculpação).Pode também ser fundada em pressupostos relativos ao fato ou ao processo, nos seguintes casos:a. A ação típica, antijurídica e culpável não é punível por pressupostos relacionados ao fato, como existência de fundamentos excludentes de pena (isenções pessoais: imunidades parlamentares, relação de casamento, ascendência ou descendência em crimes patrimoniais; isenções objetivas de pena: prova da veracidade na calúnia e difamação; e de suspensão da pena: desistência da tentativa); e ausência de condições objetivas de punibilidade (por exemplo, ingresso do autor no território nacional).b. Pressupostos relacionados ao processo, como necessidade de representação na ação penal pública condicionada, ou ocorrência de prescrição, decadência ou perempção.

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78. Capítulo XX – Aplicação das Penas Criminais – Sentença Criminal Condenatória

Deve ter por fundamento a existência de crime na ação realizada ou omitida, como conceito constituído de tipo de injusto e de culpabilidade, além dos pressupostos relativos ao fato e ao processo penal. É um fundamento material que é necessário mas não é suficiente para a condenação, pois várias ilegalidades/nulidades ligadas ao devido processo legal podem impedir a condenação. O direito penal tem natureza subsidiária, é instrumento de ultima ratio da política criminal, e por isso a sentença criminal condenatória deve ser o produto da exclusão de todas as hipóteses de absolvição do acusado (por não se caracterizar o conceito de crime, por inexistência de pressupostos relativos ao fato e ao processo, ou por ausência de prova suficiente), ou de invalidação do processo penal (por ilegalidades ou nulidades).No momento da formação da sentença condenatória, que é anterior ao processo intelectual de aplicação da pena, aparece o seguinte quadro no aparelho psíquico do julgador:a) A dimensão do tipo de injusto como ação típica e antijurídica concreta, que pode ser demonstrada pela prova;b) A dimensão de culpabilidade do fato punível, como reprovação do autor pela realização do tipo de injusto, que existe somente como qualidade do fato punível (ou seja, ainda não existe como quantidade de reprovação, como medida da pena criminal, que é apenas determinável no processo intelectual trifásico de aplicação da pena, com base nas circunstâncias legais e nas causas especiais de aumento ou redução da pena.

79. Capítulo XX – Aplicação das Penas Criminais – O método legal de aplicação da pena

A aplicação da pena é ato judicial de determinação das consequências jurídicas do fato punível, e compreende a escolha da pena aplicável, a quantificação da pena escolhida e (se pena privativa de liberdade) a decisão sobre regime inicial de execução ou sobre substituição da pena ou, alternativamente, a suspensão condicional da execução da pena aplicada.O artigo 59 do CP exprime a concepção político-criminal brasileira que define a necessidade e a suficiência da pena como retribuição equivalente da culpabilidade e como prevenção especial e geral do crime e da criminalidade.A. Culpabilidade qualitativa e quantitativaA atividade intelectual de aplicação da pena tem por objetivo estabelecer a pena necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante (art. 68):a. Definição da pena base com fundamento nas circunstâncias judiciais (art. 59);b. Agravação ou atenuação da pena base com fundamento nas circunstâncias legais (artigos 61, 62 e 65); e

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c. Fixação da pena definitiva, fundada nas causas especiais de aumento ou diminuição de pena, da parte geral e da parte especial do CP.O juízo qualitativo da culpabilidade como categoria do crime transforma-se em juízo quantitativo da culpabilidade como medida da pena (que é uma garantia individual contra excessos punitivos).B. Objetivos de reprovação e prevenção do crimeEstes objetivos são realizados pelas funções de retribuição da culpabilidade, e de prevenção da criminalidade atribuídas à pena criminal. Isto significa que a sentença não se presta à discussão sobre teorias penais, porque a lei brasileira assume explicitamente as teorias unificadas da pena criminal: o objetivo de reprovação é medido pela retribuição equivalente, e o objetivo de prevenção abrange a prevenção especial (como correção e neutralização do condenado) e a prevenção geral (como intimidação e reafirmação da ordem jurídica).C. Pena necessária e suficienteA necessidade e a suficiência são determinadas pelos objetivos da pena de reprovas e prevenir o crime. A necessidade da pena refere-se à natureza da pena aplicada (privativa de liberdade, restritiva de direitos, multa); a suficiência refere-se à extensão da pena considerada necessária para reprovar ou prevenir o crime (a duração das penas privativas da liberdade, com substituição ou não, e o valor da pena de multa).A primeira indicação legal para o juiz é a moldura penal do tipo de injusto realizado – o mínimo e o máximo da pena cominada, que são limites legais de uma escala contínua de gravidade predefinida pelo legislador. A segunda refere-se ao conteúdo da moldura legal do tipo de injusto – as circunstâncias judiciais, as circunstâncias legais e as causas especiais de aumento e diminuição de pena.D. Os processos intelectuais e emocionais do julgadorA determinação da moldura penal e a indicação do método do seu preenchimento não determinam a pena – apenas os processos intelectuais e emocionais do julgador podem empregar o método legal para definir o conteúdo da moldura penal, determinando a pena necessária e suficiente.Por primeiro, a reprovação do crime é realizada pela retribuição de culpabilidade medida pela pena aplicada; segundo, a prevenção do crime deve ser realizada pelas funções de correção e neutralização atribuídas à prevenção especial e, secundariamente, pela de intimidação e reafirmação da ordem jurídica atribuídas à prevenção geral. É este o discurso oficial, que no entanto não cancela o conflito entre objetivos declarados e objetivos reais do sistema penal das sociedades contemporâneas. A prevenção é refutada pela experiência da prisão, e a pena se reduz à função de retribuição equivalente medida pelo tempo de supressão da liberdade pessoal.

80. Capítulo XX – Aplicação das Penas Criminais – O método legal de aplicação da pena – Definição da pena-base: circunstâncias judiciais (1 fase) – Elementos do Agente

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Começa com a definição do ponto de partida do processo intelectual de determinação da pena criminal. Esta fixação é definida por dois critérios, o antigo (fundado em lógica matemática, propõe a média entre o mínimo e o máximo da pena cominada em abstrato), e o moderno (fundado em razões humanitárias, propõe a pena mínima). O critério moderno deve prevalecer, em razão do argumento humanitário (qualquer outra atitude viola o princípio da culpabilidade que proíbe aplicação ou agravação de penas sem fundamento empírico concreto). O ponto de partida então deve ser o mínimo legal da pena cominada.As circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP são objeto de arbítrio exclusivo do juiz, e compreendem elementos do agente, do fato, e da vítima. A definição da pena base, em regra, deveria ser fixada no mínimo legal, porque exprime o desvalor normal do fato. Como exceção, a pena seria superior ao mínimo legal, em casos de desvalor adicional do fato.Conforme entende o autor, pesquisas empíricas indicam que em 61% dos casos a pena base é superior ao mínimo legal, estando no mínimo em 38% dos casos.Elementos do agenteA. CulpabilidadeFoi introduzida na reforma penal de 1984, em substituição ao critério da intensidade do dolo ou grau de culpa. Ocorre que a culpabilidade do autor pela realização do tipo de injusto não é mero elemento informador do juízo de reprovação, mas o próprio juízo de reprovação pela realização do tipo (o que é reprovado no autor), cujos fundamentos são a imputabilidade, a consciência do injusto e a exigibilidade de comportamento diverso.A inclusão da culpabilidade como circunstância judicial de formulação do juízo de reprovação é impropriedade metodológica, porque o juízo de culpabilidade, como elemento do conceito de crime, não pode ser ao mesmo tempo simples circunstância judicial de informação do juízo de culpabilidade.Ainda, ao estabelecer, na Exposição de Motivos do Código Penal, n. 50, que é graduável a censura, para o autor o legislador parece desconhecer que o objeto da censura é a atitude do agente, definível em dois momentos: (a) no tipo de injusto, como dolo (energia psíquica produtora do tipo de injusto) ou imprudência (atitude defeituosa em ações socialmente perigosas), integrantes do objeto de reprovação; ou (b) na culpabilidade, como imputabilidade (o autor é capaz de saber e controlar o que faz), como consciência do injusto (o autor sabe realmente o que faz), e como exigência de comportamento diverso (o autor tem o poder de não fazer o que faz), integrantes do juízo de reprovação (por que o autor é reprovado), cuja intensidade variável determina o nível de reprovação pessoal do autor (a graduação da censura).O autor salienta que a mesma crítica vale para todas as situações em que o conceito de culpabilidade funciona como elemento de orientação de decisões judiciais: no concurso de pessoas (art. 29); nas penas restritivas de direitos (art. 43, III); no crime continuado (art. 71, § único); na suspensão condicional da pena (art. 77, §2º), etc.

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Apesar disso, a transformação da culpabilidade (que ainda é existente como reprovação do autor pela realização do tipo de injusto) em culpabilidade como quantidade de reprovação (como medida da pena criminal), pressupõe as determinações psíquicas e emocionais do cérebro do juiz, por meio dos seguintes parâmetros:a. O nível da consciência do injusto no psiquismo do autor varia entre os estremos de pleno conhecimento do injusto (que define plena reprovação) e de erro de proibição inevitável (que define ausência de reprovação), passando por todos os níveis intermediários das graduações de evitabilidade do erro de proibição, necessariamente mensuradas na reprovabilidade do autor, e expressas na medida da pena;b. O grau de exigibilidade de comportamento diverso do autor consciente de tipo de injusto varia entre o extremo de plena normalidade das circunstâncias do tipo de injusto (que define a plena dirigibilidade normativa), como máximo poder pessoal de não fazer o que faz, e o extremo de plena anormalidade das circunstâncias do tipo de injusto (que define a ausência de dirigibilidade normativa) como inexistência do poder pessoal de não fazer o que faz, expressa nas situações de exculpação legais e supralegais, passando por todos os graus intermediários das gradações de normalidade/anormalidade do tipo de injusto que reduzem o poder pessoal de não fazer o que faz, necessariamente mensuradas na exigibilidade de comportamento diverso, e expressas na medida da pena.Este conceito de culpabilidade constitui, junto com o conceito de tipo de injusto, o conceito de fato punível, e por isso não pode ser reduzido a simples circunstância judicial, equivalente a outros elementos informadores da pena base, de valor evidentemente inferior.Pesquisa empírica mostra que a culpabilidade é a circunstância judicial que mais frequentemente determina a pena base acima do mínimo legal, em 76,5% dos casos, com frequente fundamentação inerente ao tipo – um método ilegal que consiste na repetição do tipo legal (por exemplo, no furto, porque o autor subtraiu o bem de outra pessoa, etc.).B. AntecedentesSão acontecimentos anteriores ao fato, indicadores positivos ou negativos da vida do autor e capazes de influenciar a aplicação da pena base – com exceção da reincidência. Há duas posições: a repressiva (são considerados maus antecedentes a existência de inquéritos instaurados, processos em curso, absolvições por insuficiência de provas, de extinção por prescrição, ou se condenação sem trânsito em julgado ou que não constitui reincidência), e uma posição crítica (apenas condenações criminais definitivas que não constituem reincidência). Hoje, aplica-se a súmula 444 do STJ. A moderna teoria alemã entende como maus antecedentes apenas a existência de penas criminais anteriores – a ausência delas significaria bons antecedentes, com efeito redutor da pena. Os antecedentes são condicionados ao prazo de cinco anos por aplicação analógica do prazo de validade da reincidência (art. 64, I).

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Pesquisa empírica mostra que os antecedentes determinam o aumento da pena base em 48,4% dos casos, com frequentes referências genéricas.C. Conduta SocialConjunto de comportamentos relevantes e/ou significativos da vida do autor. Parece em conflito com o conceito de antecedentes. A Jurisprudência brasileira resolveu o conflito atribuindo ao conceito de conduta social o significado de comportamento do autor nos papeis de pai/mãe, marido/esposa, filho, aluno, membro da comunidade, profissional, cidadão, etc. Mas é um conceito criticável pela contradição com o direito penal do fato, pois julga o homem pelo que é, e não pelo que fez.Dados empíricos mostram que a conduta social determina o aumento da pena base em apenas 17,4% dos casos.D. PersonalidadeO conceito de personalidade é objeto de grandes controvérsias em Psicologia ou Psiquiatria modernas, por seus limites imprecisos ou difusos. Em geral, os operadores do sistema de justiça criminal não possuem formação acadêmica em Psicologia ou Psiquiatria para decidir sobre o complexo conteúdo deste conceito, e justamente por isso a Jurisprudência brasileira vem atribuindo um significado leigo ao conceito, como conjunto de sentimentos e emoções pessoais distribuídos entre os polos de emotividade/estabilidade, ou de atitudes/reações individuais na escala sociabilidade/agressividade, que na realidade pouco indicam sobre a personalidade da pessoa. A Jurisprudência e a legislação alemãs destacam a atitude concreta do autor na realização do fato punível, indicadora de rudeza ou de brutalidade, de má-fé ou de perfídia, de infâmia ou de abjeção, de desconsideração ou de crueldade, por exemplo, capazes de revelar traços significativos da personalidade, indetermináveis por emprego direto da categoria abstrata representada pelo conceito de personalidade.A personalidade é um produto histórico em processo de constante formação, transformação e deformação, de modo que eventuais traços de caráter são cortes simplificados, imprecisos e transitórios da natureza humana.Pesquisa empírica mostra que a personalidade determina aumento da pena base em 47,7% dos casos, na maioria das vezes com fórmulas vazias (por exemplo, personalidade voltada para o crime).E. MotivosDesigna o aspecto dinâmico de pulsões instituais do id, atualizadas em estímulos internos, determinados de egoísmo, cólera, prepotência, luxúria, ganância, vingança, etc., que conferem qualidades negativas à conduta, ou de gratidão, honra, revolta contra injustiças, etc., que indicam qualidades positivas da conduta, relevantes para a fixação da pena base. Também podem ser circunstâncias agravantes ou atenuantes genéricas, ou fundamentos qualificadores ou privilegiantes do tipo (motivo torpe, fútil, etc.). nestes casos, há proibição de dupla valoração: os motivos que integram características do tipo, ou são agravantes ou atenuantes, devem ser desconsiderados para fixação da pena base.

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Dados empíricos mostram que os motivos determinam o aumento da pena base em 34,2% dos casos, com frequente fundamentação inerente ao tipo.Elementos do fatoA. CircunstânciasSão diversas das circunstâncias agravantes ou atenuantes, como por exemplo, o lugar do fato, o modo de execução do fato, as relações do autor com a vítima, etc.Dados empíricos demonstram que as circunstâncias determinam o aumento da pena base em 28,7% dos casos.B. ConsequênciasSão outros resultados de natureza pessoal, afetiva, moral, social, econômica ou política produzidos pelo crime, dotados de significação para o juízo de reprovação, mas inconfundíveis com o resultado do próprio tipo de crime. Por exemplo, o sofrimento material e moral da vítima ou seus dependentes em crimes violentos. O princípio da culpabilidade exige previsão ou ao menos previsibilidade do autor, para considerar as consequências extra típicas do fato na medida da pena (a atribuição por imprudência – culpa – é a condição mínima de inclusão de consequências extra típicas na medida da pena).Dados empíricos mostram que as consequências determinam o aumento da pena base em 34,5% dos casos, com fundamentação inerente ao tipo.C. Contribuição da vítimaLimita-se às hipóteses de contribuições efetivas (conscientes ou inconscientes) da vítima para a realização do crime, reduzindo ou excluindo o tipo de injusto ou a reprovação do autor, mediante provocação, estímulo, negligência, facilitação, etc.A contribuição pode ser nenhuma (caso de vítimas inocentes), pode ser parcial (vítimas ingênuas em crimes sexuais, vítimas descuidadas em crimes patrimoniais), pode ser equivalente à contribuição do autor (p. ex., provocação em crimes violentos), e pode ser total ou absoluta (p. ex., em caso de situação justificante da legítima defesa).Sua inclusão entre as circunstâncias judiciais formaliza legalmente um elemento de orientação judicial incorporado à prática judiciária e reconhecido expressamente em hipóteses de crimes privilegiados, ou de situações justificantes ou exculpantes.Dados empíricos mostram que o comportamento da vítima determina o aumento da pena base em 14,2% dos casos.

81. Capítulo XX – Aplicação das Penas Criminais – O método legal de aplicação da pena – Circunstâncias agravantes e atenuantes genéricas – 2 fase.

A segunda fase é representada pelo exame das circunstâncias agravantes e atenuantes (artigos 61, 62, 65 e 66) previstas na parte geral, que possuem duas características: são genéricas (aplicáveis a todos os fatos puníveis) e são obrigatórias (devem agravar ou atenuar a pena se verificadas

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concretamente, exceto quando se constituem, qualificam ou privilegiam o tipo de injusto).Assim, as circunstancias agravantes ou atenuantes genéricas, ou circunstâncias legais, caracterizam a especificidade concreta do fato, ampliando ou reduzindo o conteúdo do tipo de injusto e/ou a reprovação de culpabilidade do autor, expressas na pena aplicada.O valor das circunstâncias legais na dosimetria da pena, consistente em quantidade de agravação ou atenuação da pena base, é determinado exclusivamente pelo arbítrio do juiz, mas depende de fundamentação concreta. A prática judicial tem atribuído um valor que oscila entre 1/5 (um quinto) e 1/6 (um sexto) da pena base para cada circunstância genérica.Circunstâncias agravantes – artigo 61A. ReincidênciaÉ a prática de novo crime depois do trânsito em julgado de sentença criminal condenatória anterior (artigo 63, CP). Pressupõe (a) condenação por crime anterior, (b) trânsito em julgado da condenação anterior, e (c) prática de novo crime após transitar em julgado a condenação anterior.Reincidência ficta e reincidência real: a definição legal de reincidência descreve a hipótese formal irrelevante da reincidência ficta, porque o trânsito em julgado de condenação anterior indicaria presunção de periculosidade¸ conceito carente de conteúdo científico; e escamoteia a experiência concreta da reincidência real, porque o novo crime é produto da ação deformadora da prisão sobre o condenado, através da execução da pena do crime anterior.O reconhecimento da ação criminógena do cárcere exige redefinição do conceito de reincidência criminal, para excluir a hipótese formal irrelevante da reincidência ficta, que é incapaz de indicar a indefinível presunção de periculosidade, e definindo a situação concreta relevante da reincidência real como produto da ação criminógena da execução da pena (e do processo de criminalização) sobre o condenado, em razão da falha do projeto técnico-corretivo da prisão. Se a prevenção especial positiva de correção do condenado é ineficaz, e se a prevenção especial negativa de neutralização do condenado funciona como prisionalização deformadora da personalidade do condenado, então a reincidência real não pode constituir circunstância agravante.(a) Se o novo crime é cometido após a passagem do agente pelo sistema formal de controle social, com efetivo cumprimento da pena, o processo de deformação e embrutecimento pessoal deveria induzir o legislador a incluir a reincidência real entre as circunstâncias atenuantes, como produto específico da atuação deficiente e predatória do Estado sobre sujeitos criminalizados. (b) Se o novo crime é cometido após simples formalidade de trânsito em julgado de condenação anterior, a reincidência ficta não indica qualquer presunção de periculosidade capaz de fundamentar a circunstância agravante.Ou seja, para o autor, nenhuma das hipóteses (reincidência real ou reincidência ficta) indica situação de rebeldia contra a ordem social garantida

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pelo Direito Penal. Para ele, a reincidência real deveria ser circunstância atenuante, e a reincidência ficta é um indiferente penal.Ainda, a reincidência (ficta ou real) significa dupla punição do crime anterior: a primeira seria com a aplicação da pena ao crime anterior, a segunda é o quantum de acréscimo obrigatório da pena do crime posterior em razão da reincidência.A literatura e a jurisprudência brasileiras dominantes agravam a pena em razão da reincidência considerando, para a determinação do quantum de agravação da pena a execução da pena anterior, o espaço de tempo entre o crime anterior e o novo crime, a relação de gravidade entre os crimes, etc.Dados empíricos indicam que a reincidência é a circunstância agravante mais frequente, incidente em 97,37% dos casos. Para o autor, a influência da incidência da reincidência reduz ou afeta de modo inconstitucional ou ilegal muitos direitos individuais:a) Constitui circunstância agravante obrigatória (art. 61, I, CP);b) Determina regime inicial fechado (art. 33, §2º, b – dados empíricos indicam esse efeito em 33,9% dos casos);c) Determina regime inicial semiaberto em caso de regime aberto (art. 33 §2º, c – em 43,5% dos casos);d) Exclui a suspensão condicional da pena em crimes dolosos (art. 77, I);e) Impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou multa (arts. 44, II e 62, §2º - em 85,5% dos casos);f) Constitui circunstância preponderante, em caso de concorrência de circunstâncias agravantes e atenuantes (art. 67);g) Amplia os prazos do livramento condicional e da prescrição da pretensão executória (arts. 83 e 110);h) Interrompe o prazo da prescrição (art. 117, VI);i) Determina a revogação da reabilitação;j) Exclui privilégios legais especiais (art. 155 §2º), e o perdão judicial na receptação culposa (art. 180, §3º);k) Cancela o direito de apelar em liberdade (art. 594, CPP);l) Exclui a fiança em crimes dolosos (art. 323, III, CPP);m) Exclui a transação penal e a suspensão condicional do processo (Lei n. 9.099/95).A reincidência é demonstrada por certidão de trânsito em julgado da condenação anterior, e se extingue pelo decurso do prazo de cinco anos entre o cumprimento ou extinção da pena do crime anterior, e o novo crime, incluído o prazo de suspensão ou livramento condicional não revogados (art. 64, I, CP).Não são considerados para fins de reincidência os crimes militares próprios (Código Penal Militar) e os crimes políticos (art. 64, II, CP).B. Motivo fútil ou torpeMotivo fútil é o móbil insignificante do crime, de natureza irrelevante para explicar o fato criminoso, equiparável à ausência de motivo (por exemplo, homicídio ou lesão grave determinados por pequenas ofensas).

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Motivo torpe é o móbil mais reprovável do fato criminoso, caracterizado pela natureza repugnante, repulsiva ou abjeta do estímulo ao crime, capaz de produzir repúdio generalizado (por exemplo, o homicídio mercenário, ou praticado para satisfação de taras sexuais, etc.).Por força da proibição da dupla valoração os motivos previstos como circunstancias agravantes ou atenuantes não podem ser considerados para fixação da pena base.C. Facilitar ou assegurar a execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro crimeA prática do crime tem estas finalidades, de facilitar ou assegurar a execução (por exemplo, ameaça a terceiros em certos crimes sexuais), ocultação (por exemplo, ameaças contra testemunhas), impunidade (por exemplo, alteração ou destruição de provas), e a vantagem de outro crime.D. Traição, emboscada, dissimulação ou outro recurso que dificulte ou impossibilite a defesa da vítimaSão modos de execução de fatos puníveis que excluem ou reduzem as possibilidades de defesa da vítima. Traição é toda forma de violação da confiança, como a deslealdade. Emboscada é a ação de ocultação do autor em determinados locais para surpreender a vítima. Dissimulação define comportamentos marcados pelo disfarce ou encobrimento das reais intenções do agente.E. Emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comumSão meios de ação escolhidos pelo autor para a realização do fato punível. Insidiosos são caracterizados por ação imperceptível ou inevitável (por exemplo, o veneno). Cruéis são caracterizados pela produção de sofrimento intenso, excessivo ou desnecessário na vítima (por exemplo, a tortura). Os capazes de produzir perigo comum são definidos pela possibilidade de dano generalizado a bens jurídicos coletivos ou sociais indeterminados.F. Vitimização de ascendente, descendente, irmão ou cônjugeTem por objeto a relação de parentesco natural ou civil. Para o autor, as relações de parentesco natural têm fundamento na consanguinidade, excluindo outras formas de parentesco civil, como a adoção, pois em matéria penal não se admite analogia in malam partem. Já os vínculos entre cônjuges se fundamentam no casamento civil, enquanto durar a sociedade conjugal, excluindo outras formas de união estável, pelo mesmo motivo.G. Abuso de autoridade ou prevalecimento de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher, na forma da lei específicaCom relação à autoridade e ao objeto do prevalecimento, são conceitos que pertencem ao direito civil: a autoridade produtora do abuso e as relações referidas são de natureza privada, como locais de moradia conjunta ou espaços físicos caracterizados por certos poderes/deveres (residência, empresa, escola).A lei n. 11.340/06 introduziu no Direito Penal um amplo conceito de violência, que compreende as ações e omissões de ação determinantes de morte,

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lesão corporal, sofrimento físico, sexual e psicológico, dano moral e patrimonial (art. 5º). Para o autor, apesar da norma, o dano patrimonial clandestino ou fraudulento, ou produzido sem constrangimento pessoal, não pode integrar o conceito de violência.O âmbito de violência contra a mulher compreende os espaços doméstico (local de convívio permanente de pessoas com ou sem vínculo familiar), familiar (ambiente formado por comunidades de indivíduos aparentados ou assim considerados), e relações íntimas de afeto (com convívio atual ou anterior, independente de coabitação).A violência contra a mulher pode ser física (art. 7º, I), psicológica (art. 7º, II), sexual (art. 7º, III), patrimonial (art. 7º, IV), e moral (art. 7º, V).H. Abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissãoOs conceitos de poder e violação dependem da natureza jurídica das atividades descritas. O cargo e o ofício definem atividades ou funções públicas exercidas mediante concurso público, com poderes e deveres oficiais cujo abuso ou violação constituem circunstância agravante se não constituírem ou qualificarem o crime. O ministério designa atividades religiosas profissionais, e a profissão designa atividades legalmente reconhecidas, cujo exercício depende de habilitação especial, ou de licença ou de autorização do poder público, como advogados, médicos, etc.I. Vitimização de criança, maior de 60 anos, de enfermo ou de mulher grávidaTem fundamento na maior vulnerabilidade, fragilidade ou incapacidade de resistência ou defesa destas pessoas.J. Vítima sob imediata proteção da autoridadeProteção da autoridade pública mediante guarda (o cidadão sob prisão temporária ou definitiva), ou custódia (o doente mental internado em hospitais públicos), ou outras formas de proteção que ampliam ou reforçam a confiança da vítima na inviolabilidade de direitos protegidos pela lei penal.L. Ocasião de calamidade pública (incêndio, naufrágio, inundação, etc.) ou de desgraça particular da vítimaSão situações que representam condições concretas adversas que reduzem ou excluem a capacidade de proteção pessoal ou patrimonial das vítimas, aumentando a reprovabilidade de ações lesivas de bens jurídicos penalmente protegidos.M. Embriaguez preordenadaHipóteses de embriaguez propositada ou intencional para realizar crime doloso determinado (dolo). É a hipótese principal da actio libera in causa, porque inibe a censura pessoal do superego, liberando impulsos agressivos ou destruidores do id, por um lado, e amplia a sensação de coragem pessoal do ego, capaz de superar os debilitados bloqueios inibidores do superego, por outro lado. São efeitos que resultam da ação inibidora do álcool ou substância equivalente sobre os mecanismos psíquicos de autocontrole e censura pessoal.

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A embriaguez preordenada distingue-se da embriaguez voluntária ou culposa e da embriaguez fortuita ou resultante de força maior porque:a) A embriaguez voluntária ou culposa consiste na progressiva intoxicação pelo álcool, ou substância equivalente, sem propósitos agressivos ou destruidores. Não exclui a responsabilidade penal, pois a imputabilidade é preservada pela actio libera in causa (art. 28, II, CP), que desloca a inimputabilidade do momento da prática do crime para momento anterior ao processo de embriaguez, caracterizado pelo poder de livre disposição da vontade consciente, em relação a ações criminosas futuras não previstas mas previsíveis, e nesse caso apenas puníveis por imprudência.b) A embriaguez fortuita ou acidental, assim como a proveniente de força maior, pode isentar de pena o autor de fatos puníveis (art. 28, §1º, CP), ou reduzir a pena (art. 28, §2º, CP), conforme exclua ou reduza a capacidade de compreender o caráter ilícito do fato, ou de determinar-se conforme esta compreensão, que definem a imputabilidade.Circunstâncias agravantes no concurso de pessoasRelacionadas às hipóteses de coautoria, participação e de autoria mediata, porque as contribuições individuais em fatos puníveis coletivos são diferenciadas, e consequentemente a sentença criminal deve distribuir a responsabilidade penal conforme a extensão e o significado das contribuições individuais subjetivas e objetivas para o fato comum.A. Promover, organizar ou dirigir a atividade criminosa coletivaHá destaque para o papel de liderança. Promover significa causar, gerar, fomentar ou impulsionar; organizar significa constituir ou integrar as funções dos indivíduos; e dirigir significa governar, comandar ou coordenar a atividade coletiva.B. Coagir ou induzir à execução material de crimeCoação como ação de constranger ou forçar alguém à realização material de um crime. Se resistível, determina maior responsabilidade penal para o coator e menor para o coagido; se irresistível configura a situação de exculpação do art. 22, em que é punido apenas o coator, sob forma de autoria mediata, porque o autor imediato atua sem liberdade.A indução é a ação de instigar, incitar ou persuadir alguém à realização material de um crime. Há maior responsabilidade penal para o indutor, e menor para o induzido.C. Instigar ou determinar ao crime pessoa dependente ou impunível por condição ou qualidade pessoalInstigar ou determinar a realização de fato punível por pessoa submetida à autoridade de quem instiga ou determina (como por exemplo, filhos menores), ou pessoa impunível por condição ou qualidade pessoal (por exemplo, crimes patrimoniais contra ascendente, etc.).D. Executar ou participar de crime mediante pagamento ou promessa de recompensaA autoria caracteriza a torpeza do motivo mercenário, e a participação caracteriza pusilanimidade quem se acoberta na ação de outrem.Circunstâncias atenuantes

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Podem ser expressas (art. 65) ou não expressas (art. 66).A. Agente menor de 21 (data do fato) ou maior de 70 anos (data da sentença)O fundamento é o insuficiente desenvolvimento psicossocial do agente menor de 21 anos, ou a degeneração psíquica de agente maior de 70 anos.B. Desconhecimento da leiÉ um remanescente do Código Penal de 1940, fundado na dicotomia erro de fato/erro de direito. Mas a reforma de 1984 introduziu a dicotomia erro de tipo/erro de proibição. O princípio da culpabilidade determina que, com relação ao erro de proibição direto, na modalidade de desconhecimento da lei, que se inevitável, isenta de pena, e se evitável, reduz a pena. Neste último caso poderia constituir circunstância atenuante, mas é na verdade uma causa especial de diminuição de pena.C. Motivo de relevante valor social ou moralTem por objeto determinações primárias da conduta humana, fundadas em interesses de significação objetiva para a vida da comunidade ou do Estado (por exemplo, danificar experimento rural de produção de sementes transgênicas capazes de danos indiscriminados à ecologia e saúde humana), ou ações fundadas em sentimentos de nobreza, de altruísmo, ou de indignação pessoal (por exemplo, o sequestro do estuprador pelo pai da vítima).D. Ação espontânea, imediata e eficiente, para evitar ou reduzir as consequências do crime, ou reparação do dano antes do julgamentoSão duas situações distintas, relacionadas à vítima. A primeira é a ação espontânea do autor (fundada em motivo autônomo, de iniciativa própria ou não forçada), imediata e eficiente (realmente eficaz) de proteção da vítima, com o objetivo de evitar ou reduzir os efeitos de crime consumado. É isto que distingue a atenuante do arrependimento eficaz, em que o crime ainda não está consumado.A segunda é a reparação do dano, por qualquer forma, antes da sentença (exceto nos crimes de menor potencial ofensivo, em que a composição dos danos por conciliação judicial ou transação penal – cumprida - extingue a punibilidade).E. Coação resistível, cumprimento de ordem de autoridade superior ou violenta emoção provocada por ato injusto da vítimaSão três hipóteses distintas. A coação resistível possui nível inferior de potencialidade lesiva e menor intensidade de repercussão psíquica em relação à situação de exculpação da coação irresistível. O cumprimento de ordem de autoridade superior descreve nível inferior de obediência devida em face da situação de exculpação da obediência hierárquica. E a emoção violenta é alteração intensa da estabilidade afetiva do autor, como impulso agressivo produzido por ato injusto da vítima, situado em nível inferior ao da agressão injusta da legítima defesa.F. Confissão espontânea de autoria de crime perante autoridadeConfissão espontânea de autoria ou participação em crime. Indica admissão de responsabilidade pelo fato, aceitando suas consequências jurídicas e,

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eventualmente, arrependimento. A lei exige duas condições: deve ser espontânea, e deve ocorrer perante autoridade (em sentido amplo).G. Influência de multidão em tumulto não provocadoSituações de multidão em tumulto podem liberar instintos agressivos individuais, estimulados pela pressão da massa e pelo anonimato pessoal, que reduzem o poder de controle sobre o comportamento.Circunstâncias atenuantes inominadasPrevisão do artigo 66 do CP. São outras características relevantes do fato, anteriores ou posteriores ao crime, não previstas legalmente mas capazes de influir no juízo de reprovação do autor pela realização do tipo de injusto. Para o autor, crimes realizados no contexto de condições sociais adversas, por sujeitos marginalizados do mercado de trabalho e do processo de consumo, insuficientes para configurar o conflito de deveres como situação de exculpação, podem caracterizar a circunstância atenuante inominada prevista no art. 66, porque exprimiriam hipótese de co-culpabilidade da sociedade.Concurso de circunstâncias legaisSe as agravantes e atenuantes são de igual natureza objetiva ou de igual natureza subjetiva, as agravantes são compensadas com as atenuantes. Se as agravantes e atenuantes são de natureza desigual, preponderam as circunstâncias subjetivas sobre as objetivas (relacionadas aos motivos do crime, à personalidade do agente e à reincidência). Artigo 67 do CP.Havendo várias circunstâncias qualificadoras relacionadas aos motivos, meios, modos ou aos fins do fato punível, igualmente definidas como circunstâncias agravantes, para o autor apenas uma delas será considerada para o efeito de qualificar o crime, sendo as demais consideradas como agravantes genéricas.Limites de agravação e de atenuação da penaAs circunstâncias legais, agravantes ou atenuantes, não podem exceder os limites máximo e mínimo da pena cominada ao tipo legal. Com relação ao limite máximo, não há controvérsia. Com relação ao limite de atenuação da pena por circunstâncias legais, há duas posições diferentes. Para a posição dominante na literatura e jurisprudência brasileiras (Súmula 231 STJ), o limite para atenuação da pena é o mínimo da pena privativa de liberdade abstratamente cominada no tipo legal. A posição minoritária admite atenuação da pena abaixo do mínimo legal, porque não há nenhuma proibição legal contra isto, e porque o critério dominante quebra o princípio da igualdade legal, porque direitos definidos em lei não podem ser suprimidos por aplicação invertida do princípio da legalidade. Para o autor, a proibição de reduzir a pena abaixo do limite mínimo, em caso de atenuantes obrigatórias, é analogia in malam partem, fundada na proibição de agravantes excederem o limite máximo.

82. Capítulo XX – Aplicação das Penas Criminais – O método legal de aplicação da pena – Alteradores especiais da pena: causas especiais de aumento ou de diminuição da pena – 3 fase.

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São previstas na parte geral e na parte especial do Código Penal, e sua computação no cálculo da pena é a terceira fase de sua aplicação.As causas especiais de aumento ou diminuição da parte geral do Código Penal são aplicáveis a todos os crimes. As causas especiais de aumento ou diminuição previstas na parte especial do Código Penal possuem caráter de especificidade, e estão previstas ao lado dos tipos penais respectivos.Ambas são identificadas por aumentos ou reduções em quantidades fixas (por exemplo, um sexto da pena), ou variáveis (por exemplo, de um a dois terços da pena). O aumento ou redução deve ser fundamentado concretamente, e são obrigatórios.Os limites mínimo e máximo da pena cominada no tipo legal podem ser excedidos pelas causas especiais de aumento ou diminuição.

83. Capítulo XX – Aplicação das Penas Criminais – Efeitos da Condenação

São efeitos produzidos pela sentença criminal, de natureza civil ou administrativa, e distribuem-se em duas categorias legais: efeitos genéricos independentes de declaração judicial (ou automáticos), e efeitos específicos dependentes de declaração judicial (ou motivados na sentença).Os efeitos genéricos constam de rol do artigo 91 do CP. Independem de declaração judicial, resultando diretamente da condenação criminal. Os efeitos específicos dependem de declaração judicial, devendo ser motivados.A perda de cargo, função pública ou mandato eletivo pode ocorrer em duas situações: pena privativa de liberdade igual ou superior a um ano, em crimes contra a administração pública praticados com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, função pública ou mandato eletivo; ou pena privativa de liberdade superior a quatro anos, em todos os outros casos. Admite reabilitação do condenado, preenchidos os requisitos legais, somente para futuros cargos, sem reintegração na situação anterior.A incapacidade para o pátrio poder, tutela ou curatela (hoje poder familiar) dependem de requisitos: crime doloso, pena de reclusão, e contra vítima filho, tutelado ou curatelado do autor. Admite reabilitação do condenado, mas somente para filhos, tutelados ou curatelados futuros.A inabilitação para dirigir veículo ocorre nas hipóteses de veículo automotor como meio para realizar crime doloso. É definitiva, mas pode ser restabelecida pela reabilitação, e realizados novos exames técnicos e psicotécnicos.

84. Capítulo XX – Aplicação das Penas Criminais – Reabilitação É providencia judicial suspensiva de determinados efeitos da sentença condenatória, e não causa de extinção destes efeitos. Tem por objeto qualquer pena aplicada em sentença definitiva, mas incide exclusivamente sobre alguns de seus efeitos secundários ou acessórios. Seu objetivo é

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garantir o sigilo dos registros do processo e da condenação criminal, restabelecer determinados direitos do condenado e desse modo contribuir para sua reintegração na vida social. Pode também ser cancelar o efeito da inabilitação para direção de veículo.O pedido de reabilitação pressupõe o preenchimento dos requisitos do artigo 94 do CP. Em caso de indeferimento, o pedido pode ser renovado em qualquer tempo, comprovados os requisitos exigidos.A reabilitação significa declaração judicial de cumprimento ou de execução da pena aplicada, de bom comportamento do reabilitando pelo período de dois anos, do ressarcimento do dano ou de desobrigação do reabilitando, por impossibilidade de pagamento, por renúncia da vítima ou por novação da dívida, cuja eficácia social consiste na eliminação de restrições ao exercício pleno de direitos individuais.A revogação resulta de condenação definitiva, como reincidente, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, e pode ocorrer por iniciativa do juiz ou do Ministério Público. Revogada, a suspensão dos efeitos da sentença condenatória é cancelada, restabelecendo0se todos os registros anteriormente suspensos.

Leonardo Bastos

85. Capítulo XXI – Substitutivos PenaisOs substitutivos penais fazem parte da política criminal, tendo por objetivo evitar/reduzir os efeitos negativos do processo de criminalização ou execução penal, mediante substituição de mecanismos formais por mecanismos informais de controle social. A primeira teoria que tenta explicar o fenômeno são as teorias tradicionais, que primeiro apresentam uma explicação humanitária que fundamentam os substitutivos penais em evitar ou reduzir efeitos danosos do encarceramento. Pela explicação científica o fundamento são as críticas de penalistas liberais sobre as inconveniências da pena privativa de liberdade. As teorias críticas baseiam-se na superlotação carcerária (excesso de presos) e na crise fiscal (relação custo/benefício), sendo o Estado incapaz de manter o preso durante a execução da pena. A tese da ampliação do controle social indica que os substitutivos penais servem para aumentar o controle estatal sobre o mercado de trabalho, reduz a passagem do preso pelo sistema carcerário, mas abre espaço para novos presos, enquanto continua o controle no meio aberto. Na legislação brasileira, o primeiro substitutivo penal é a suspensão condicional da pena que visa impedir a execução da pena privativa de liberdade, extinguindo ao final a pena privativa de liberdade aplicada. Existem quatro modalidades: comum, especial, etária e humanitária. No sursis comum é caracterizado pelo cumprimento de pena restritiva de direito durante o período de suspensão e tem como pressuposto objetivo que a pena aplicada seja igual ou inferior a 2 anos de privação de liberdade, sendo que o prazo de suspensão pode variar de 2 a 4 anos. Como pressuposto subjetivo deve ocorrer a primariedade do agente em crime doloso (exceto condenação

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anterior apenas a multa); culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade e motivos do agente, bem como as circunstâncias do fato devem indicar a conveniência da medida (prognose favorável). Já no sursis especial tem como pressuposto objetivo o mesmo do comum, somando-se a reparação do dano resultante do crime, exceto impossibilidade de fazê-lo. Como pressupostos subjetivos a primariedade em crime doloso, indicadores do art. 77, inc.II do CP inteiramente favoráveis, capazes de permitir a substituição da pena restritiva de direitos pela aplicação cumulativa de proibição de frequentar determinados lugares, proibição de ausentar-se da comarca sem autorização judicial e obrigação pessoal de comparecimento mensal em juízo para informar e justificar as atividades realizadas. No sursis etário exige-se idade superior a 70 anos e possui como requisitos objetivos que a pena privativa de liberdade seja de até 4 anos e que a suspensão dure de 4 a 6 anos. Como pressuposto subjetivo o mesmo dos anteriores. No sursis humanitário possui o pressuposto objetivo que a pena privativa de liberdade seja de até 4 anos, como pressupostos subjetivos o mesmo dos outros e que as razoes de saúde justifiquem tal alternativa. Pressuposto geral de concessão da suspensão condicional da pena é a impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade aplicada por restritivas de direito. Sursis é direito subjetivo público do condenado. No sursis comum o beneficiário deve cumprir, no primeiro ano de execução, alternativamente, ou a restrição de direitos de prestação de serviços à comunidade ou a de limitação de final de semana. No sursis especial em substituição de prestação de serviços à comunidade ou da limitação de fim de semana do sursis comum, o beneficiário deve cumprir as obrigações cumulativas do art. 78, §2° do CP. No sursis etário e por razões de saúde o beneficiário também estará sujeito as condições do comum ou alternativamente do especial, se presentes os pressupostos legais, além das condições facultativas determinadas pelo juiz. As condições de execução do Sursis podem ser modificadas pelo juiz da execução de ofício, a requerimento do MP ou por proposta do Conselho Penitenciário, com prévia audiência do condenado. A fiscalização é atribuída ao Serviço Social Penitenciário do Patronato ou de Conselhos de Comunidade. O beneficiário deverá comparecer na data prevista para comprovar o respeito aos requisitos impostos. Transitada em julgado a sentença que concede o sursis, realiza-se a audiência admonitória, com a leitura da sentença ao condenado, as condições a serem respeitadas, sendo que a eficácia da suspensão da pena fica condicionada a aceitação pelo beneficiário. A revogação pode ser obrigatória no caso de condenação irrecorrível por crime doloso; de injustificada frustação da pena de multa ou da reparação do dano e descumprimento das obrigações alternativas de prestação de serviços à comunidade ou de limitação de final de semana. Lembrando que a condenação em multa anterior não determina revogação do beneficiário e que apenas a injustificada falta de reparação do dano por beneficiário solvente determina a revogação obrigatória do sursis. A revogação facultativa pode ocorrer no caso de descumprimento de outras condições especificas na

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sentença condenatória concessiva do sursis e de condenação irrecorrível a pena privativa de liberdade, ou restritiva de direitos. O prazo de execução da Sursis é prorrogado, obrigatoriamente, até decisão final, na hipótese de processo criminal ou contravencional contra o beneficiário. Alternativamente, a prorrogação do prazo de execução até o máximo, se não fixado anteriormente pode evitar a revogação facultativa da suspensão condicional da pena. A extinção da pena é a consequência do cumprimento da suspensão condicional da pena. O livramento condicional é fase final de execução de pena privativa de liberdade com pena igual ou superior a 2 anos, com o objetivo de reduzir malefícios da prisão e promover a reinserção social do condenado, concendido pelo juiz da execução penal em decisão motivada, precedida pelo juiz da execução penal em decisão motivada. Existem três espécies de livramento condicional. O especial (1/3 da pena); o ordinário (metade da pena); e o extraordinário (2/3 da pena) conforme art. 83 do CP. Tem como pressupostos gerais objetivos: 1) aplicação de pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 anos e a reparação do dano, exceto impossibilidade de fazê-lo. Os pressupostos gerais subjetivos são: 1) comportamento satisfatório; 2) bom desempenho no trabalho; 3) capacidade de subsistência em atividade lícita; 4) se condenado a crime com violência pessoal real ou ameaçada, comprovação complementar de condições pessoais justificadoras de presunção negativa de violência. Pressupostos específicos: a) livramento condicional especial: 1) execução de 1/3 da pena, primariedade em crime doloso e bons antecedentes. b) livramento condicional ordinário: 1) execução de ½ da pena; 2)reincidência em crime doloso. O extraordinário: 1) execução de 2/3 da pen; 2) condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico de drogas e terrorismo; 3) ausência de reincidência específica nesses crimes. O livramento condicional é direito subjetivo público do condenado, obrigando o juiz a se pronunciar sobre a concessão ou denegação do benefício. Entre as condições de execução existe como condição obrigatória: a) obter, em prazo razoável, ocupação lícita; b) comunicar ao juiz da execução, periodicamente, a ocupação; c) não se mudar do território da comarca da execução do livramento condicional sem autorização judicial. Já as condições facultativas são as seguintes: a) não mudar de residência sem comunicação ao juiz da execução e à autoridade responsável pela observação cautelar e proteção; b) recolhimento à habilitação em horário fixado; c) não frequentar lugares determinados na decisão concessiva. As condições de execução podem ser modificadas pelo juiz, MP ou representação do conselho penitenciário. A concessão do livramento ocorre em solenidade, presente o liberando e demais condenados. A revogação obrigatória ocorre na hipótese de condenação irrecorrível a pena privativa de liberdade por crime cometido durante ou anterior ao livramento condicional e tem como consequências: a) se por crime anterior ao livramento condicional, o período de prova é computado no tempo de cumprimento de pena, com possibilidade soma para novas concessões; b) se por crime cometido durante o livramento, o período de prova não é computado no tempo de cumprimento da pena privativa de

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liberdade, e não é possível nova concessão do beneficio pela mesma pena. A revogação facultativa do livramento pode ocorrer nas hipóteses a) de descumprimento de condições da sentença concessiva de livramento, e b) de condenação irrecorrível a pena não privativa de liberdade, por crime ou contravenção. Nesses casos, se o juiz da execução não revogar o livramento condicional, poderá advertir o liberado, ou agravar as condições do livramento condicional. Expirado, sem revogação, o prazo do livramento condicional, extingue-se a pena privativa de liberdade. Transação penal é o ato jurídico pelo qual o MP, em hipóteses de ação penal pública condicionada (após frustrada a conciliação), ou de ação penal pública incondicionada- e se não for caso de arquivamento, propõe ao autor da infração e seu defensor a imediata aplicação de pena restritiva de direitos ou multa, de natureza substitutiva de pena privativa de liberdade abstrata de até 2 anos. Possui como requisitos positivos: a) pena máxima de até 2 anos de privação de liberdade; b) crime de ação penal publica condicionada ou incondicionada. Como requisitos negativos determinam a exclusão do benefício e são eles: a) condenação definitiva do autor a pena privativa de liberdade (condenação anterior por multa ou contravenção não impede o benefício); b) obtenção de igual benefício nos últimos 5 anos pelo acusado; c) Os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, além dos motivos e circunstancias do fato contraindicarem a necessidade e suficiência da medida; d) rejeição da transação penal pelo acusado ou defensor. Possui como consequências jurídicas a extinção da pena privativa de liberdade se cumprida, mas caso haja o descumprimento a doutrina majoritária entende pela revogação do benefício e oferecimento da denúncia (posição do STF) enquanto a posição minoritária opta pela conversão em privação de liberdade. A suspensão condicional do processo é ato jurídico processual pelo qual o MP no momento de oferecer a denúncia, após frustrada tentativa de conciliação e transação penal, propõe a suspensão do processo por prazo de 2 a 4 anos em crimes com pena mínima de até 1 ano. Tem como pressupostos para sua aplicação: a) crimes com pena mínima igual ou inferior a 1 ano; b) ausência de processo criminal ou de condenação por outro crime; c) requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena; d) aceitação da suspensão pelo acusado e seu defensor. Tem como condições de execução: a) reparação do dano, salvo impossibilidade; b) proibição de frequentar determinados lugares; c) proibição de ausentar-se da comarca de residência sem autorização judicial; d) informação e justificação pessoal e mensal das atividades. A revogação ocorre de forma obrigatória: a) de processos por outro crime no curso do prazo de execução; b) de injustiçada falta de reparação do dano resultante do crime. A facultativa ocorre no caso de processo por contravenção no curso do prazo de execução e no caso de descumprimento de qualquer outra condição de execução imposta. A extinção da punibilidade por suspensão condicional do processo ocorre pelo decurso do período de prova sem revogação do benefício.

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Elder Teodorovicz

86. Capítulo XXII – Medidas de Segurança – As vias alternativas do direito penal brasileiro

A utilização alternativa de penas criminais ou de medidas de segurança para controle social de fatos definidos como crimes constitui o sistema dualista alternativo do Direito Penal: ou penas criminais, ou medidas de segurança, excluída a aplicação simultânea de penas criminais e de medidas de segurança própria do sistema dualista cumulativo, também conhecido como sistema do duplo binário, vigente na lei penal anterior.As medidas de Segurança são fundadas na periculosidade de autores inimputáveis de fatos definidos como crimes, com o objetivo de prevenir a prática de fatos puníveis futuros. Assim, a estrutura dualista alternativa do Direito Penal se erige sobre duas correlações: a) a correlação culpa-bilidade/pena, fundada no passado; b) a correlaçãopericulosidade!medida de segurança, dirigida para o futuro.

87. Capítulo XXII – Medidas de Segurança – Crise das medidas de segurança

As medidas de segurança detentivas (ou estacionárias) e restritivas (ou ambulantes) possuem idênticos fundamentos metodológicos: a) previsão de crimes futuros; b) evitar crimes futuros.A crise das medidas de segurança decorre da inconsistência desses fundamentos: primeiro, nenhum método científico permite prever o comportamento futuro de ninguém; segundo, a capacidade da medida de segurança para transformar condutas anti-sociais de inimputáveis em condutas ajustadas de imputáveis não está demonstrada.O problema começa com a falta de credibilidade do prognóstico de periculosidade criminal.Em resumo, a crise das medidas de segurança estacionárias é a crise da prognose de periculosidade e da eficácia da internação para transformar condutas ilegais de inimputáveis em condutas legais de imputáveis.necessidade de redução radical das medidas de segurança estacionárias - , a aplicação de medida de segurança estacionária infringe o princípio da proporcionalidade, porque não têm relação nem com o tipo de injusto realizado, nem com a objetividade da prognose. Somente a probabilidade de fatos puníveis relevantes, caracterizados por violência ou ameaça de violência contra a pessoa, poderia justificar a aplicação de medidas de segurança privativas de liberdade contra inimputáveis.

88. Capítulo XXII – Medidas de Segurança – Medidas de segurança na legislação penal brasileira

Na Alemanha, por exemplo, as medidas de segurança são regidas pelo princípio da proporcionalidade, com subordinação limitada às dimensões de

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lei escrita, de lei estrita e de lei certa do princípio da legalidade — excluída a dimensão de lei prévia, característica do tipo de injusto.No Brasil, a literatura dominante rejeita essa submissão pardal e propõe a subordinação integral das medidas de segurança ao prindpio da legalidade, para reduzir lesões de direitos individuais vinculadas à sua aplicação.Não há dúvida, a legalidade das medidas de segurança, como conseqüência jurídica da prognose de periculosidade criminal de autor inimputá- vel, é tão importante quanto a legalidade das penas, como conseqüência jurídica da realização de tipo de injusto por autor imputável. Mas a posição da literatura brasileira constitui, na melhor das hipóteses, a expressão de sentimentos pessoais dos autores: não existe nenhuma norma que vincule as medidas de segurança ao princípio da legalidade na lei penal brasileira, como existe em relação a crimes e penas.Assim, a disciplina legal as medidas de segurança na lei penal brasileira é deficiente: a) não são formalmente subordinadas ao princípio da legalidade; b) os pressupostos de aplicação das medidas de segurança não são definidos em lei.Na visão do autor, parece indispensável pressupor a plena regência do princípio da legalidade sobre as medidas de segurança, tomando como modelo os crimes e as penas, na linha proposta pela literatura dominante.Pressupostos das medidas de segurançaa) a realização de jato previsto como crimes; b) a periculosidade criminal do autor, por inimputabilidade penal.A realização de fato previsto como crimeSegundo o autor, é necessário identificar o significado defato previsto como crime com o conceito de tipo de injusto, porque o inimputãvel pode realizar ações típicas justificadas por legítima defesa, estado de necessidade ou outra causa de exclusão da antijuridicidade, cuja presença descaracteriza o tipo de injusto e, assim, exclui o pressuposto das medidas de segurança. Sobre essa questão, existe controvérsia: um segmento da literatura brasileira, um segmento da literatura brasileira exclui medidas de segurança em hipóteses de erro de proibição inevitável ou de inexigibilidade de comportamento diverso de autores inimputáveis, sob o mesmo argumento de isenção de pena de autores imputáveis. Não obstante, a pergunta sobre a capacidade de autor inimputável atuar em erro de proibição ou em situações de exculpação parece ter resposta negativa. Segundo o autor autores inimputáveis por incapaádade penal determinada por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não podem atuar em erro de proibição excludente ou redutor da culpabilidade, nem agir em situações de exculpação, excludentes ou redutoras da dirigibilidade normativa, que fundamenta a exigibilidade de comportamento diverso.A periculosidade criminal do autorA periculosidade criminal do autor, como fundamento das medidas de segurança, pode ser o resultado de presunção legal (arts. 26 e 97, CP) ou de determinaçãojudiáal (arts. 26, parágrafo único, e 98, CP).

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a) A presunção legal de periculosidade criminal . A presunção legal de periculosidade criminal de autores inimputãveis de tipo de injusto exprime a prognose de futura realização de fato previsto como crime, por indivíduos portadores de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, excludente da capacidade de conhecer o caráter ilícito do fato ou de determinar-se conforme esse conhecimento (art. 26, CP).b) A determinação judicial de periculosidade criminal . A determinaçãojudiáal de periculosidade criminal exprime aprognose de futura realização de fatos previstos como crimes por autores semi-imputáveis de tipos de injusto, portadores de perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, condicionante de incapacidade parcial de conhecer o caráter ilícito do fato ou de determinar-se conforme esse conhecimento (art. 26, parágrafo único, CP), considerados como necessitados de “especial tratamento curativo ” (art. 98, CP).Objetivos das medidas de segurançaAs medidas de segurança são instituídas para realizar os objetivos explícitos (a) de tratamento psiquiátrico compulsório de autores inimputá- veis de tipos de injusto, portadores de periculosidade criminal presumida e (b) de segurança soáal de natureza estaáonária (internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico) ou ambulante (tratamento ambulatorial).Assim, as medidas de segurança teriam por objetivo possibilitar ações ou intervenções psiquiátricas ao nível do sistema límbico da personalidade de autores inimputáveis, como centro das emoções e da vida afetiva individual,-segundo a Psiquiatria, ou ao nível do ego e do superego do aparelho.Espécies de medidas de segurançaDepende da natureza da pena cominada no tipo de injusto realizado, conforme as seguintes correlações legais (art. 97, CP): a) reclusão determina internação; b) detenção determina tratamento ambulatorial.Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.A internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico tem por objetivo (a) proteger a sociedade contra ações anti-sociais futuras de doentes mentais graves e (b) submeter o portador de doença mental internado a tratamento psiquiátrico compulsório. deve se fundar em prognose de fatos puníveis com violência grave ou ameaça de violência: é insuficiente a cominação de pena de reclusão no tipo de injusto realizado, porque a prognose de crimes de bagatela ou de crimes patrimoniais como furto e estelionato, por exemplo, não justifica aplicação de medida de segurança estacionária, na linha da melhor doutrina contemporânea.Tratamento ambulatorial.Aqui, é preciso enfatizar: a cominação legal de pena de detenção no tipo de injusto realizado é fundamento suficiente para aplicar medida de segurança ambulante ao portador de doença mental, por todas as razões indicadas. Afinal, a cominação de pena de detenção indica precisamente aquela criminalidade de bagatela, cuja prognose não autoriza a aplicação de medida de segurança estacionária, conforme a doutrina mais autorizada.Duração das medidas de segurança

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O prazo de duração mínimo das medidas de segurança de internação ou de tratamento ambulatorial é de 1 (um) a 3 (três) anos (art.97, §1°, CP). Por essa razão, o prazo de duração máximo das medidas de segurança estacionária ou ambulante é indeterminado.Crítica do autor no sentido de que a duração indeterminada das medidas de segurança estaáonárias significa, freqüentemente, privação de liberdade perpétua de seres humanos, o que representa violação da dignidade humana e lesão do princípio da proporcionalidade.No Brasil, a literatura especializada, bem como projetos de reforma da legislação penal, fundados nos princípios constitucionais da dignidade humana e da proporcionalidade, vinculam a duração máxima das medidas de segurança aplicadas ao máximo da pena privativa de liberdade cominada ao fato punível praticado. Contudo, jurisprudência recente adota critério melhor: o limite máximo da medida de segurança aplicada deve coincidir com a pena criminal aplicável no caso concreto, se o autor fosse imputável.A verificação da periculosidade criminal ou de sua persistência é realizada por perícia médica (art. 97, §1°, CP), em três momentos distintos: primeiro, no curso do processo criminal, para determinar a inimputabilidade penal; depois, no final do prazo mínimo (de 1 a 3 anos); enfim, anualmente, na hipótese normal de persistência da periculosidade, ou em qualquer tempo, se determinada pelo juiz (art. 97, §2°, CP).A verificação de cessação da periculosidade criminalDepende de decisão judicial, precedida de audiência do Ministério Público e do curador ou defensor do interessado, deve ser proferida dentro de 15 dias (art. 175,1-VT, LEP).A desinternação é condicional durante o prazo de 1 (um) ano após a desinternação hospitalar ou a liberação ambulatorial.Substituição e conversão das medidas de segurançaAs penas privativas de liberdade podem ser substituídas por medidas de segurança, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou de autoridade administrativa, na hipótese de superveniência de doença mental ou de perturbação da saúde mental do condenado (art. 41, CP; art. 183, LEP). A medida de segurança de tratamento ambulatorial pode ser convertida em internação institucional, pelo prazo mínimo de 1 (um) ano, se necessário para fins curativos (art. 97, §4°), ou se o agente revelar incompatibilidade com a medida (art. 184, LEP).Prescrição das medidas de segurançaA extinção da punibüidade do fato previsto como crime realizado pelo inimputável(ou pelo semi-imputável’ no caso do art. 98, CP), exclui a aplicação de medida de segurança, ou extingue a medida de segurança aplicada (art. 96, parágrafo único), independente da causa de extinção respectiva. Na hipótese de extinção da punibilidade por prescrição, a regra é a prescrição pela pena abstrata, regida pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime (art. 109, CP), porque o inimputável autor de fato descrito como crime não é condenado, mas absolvido com aplicação de medida de segurança.

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89. Capítulo XXIII – Ação Penal – As limitações democráticas do poder de punir

O monopólio do poder de punir do Estado, com a proibição da vingança privada nas sociedades modernas, implica desdobramentos necessários. Primeiro, o monopólio do poder de punir cria para o Estado o dever de proteger os cidadãos contra fatos criminosos, mediante normas legais. Segundo, o monopólio do poder punitivo do Estado reduz a insegurança social mas aumenta o risco de condenar acusados inocentes ou adversários políticos do poder. Terceiro, a proteção de inocentes contra abusos do poder punitivo pressupõe a criação de garantias constitucionais e legais.

90. Capítulo XXIII – Ação Penal – Os princípios constitucionais do processo penal

A natureza dos princípios do processo penal permite sua sistematização em dois grupos principais: a) princípios de formação do processo: princípio da oficialidade, princípio da acusação, princípio da legalidade, princípio da oportunidade e princípio da investigação;b) princípios da prova processual: princípio da livre valoração da prova e princípio in dubio pro reo.Princípios de formação do processoPrincípio da oficialidade. O princípio da oficialidade exprime a regra do monopólio estatal na perseguição penal, exercida através do Ministério Público dos Estados e da UniãoPrincípio da acusação. O princípio da acusação, expresso na fórmula nemo judex sine actore, determina a separação das tarefas de acusar e de julgar, atribuindo a tarefa de acusar a um órgão do Estado (Ministério Público).Princípio da legalidade. O princípio da legalidade no processo penal define o dever do Ministério Público de apresentar acusação formal em caso de prova de existência de fato punível e de indicações suficientes de autoria, em inquéritos policiais ou outros documentos recebidos — e, portanto, cumpre a função constitucional de excluir a arbitrariedade no processo penal.Princípio da oportunidade. O principio da oportunidade define exceções à regra do principio da legalidade, com renúncia do Ministério Público de apresentar acusações formais em hipóteses concretas na área da pequena ou da média criminalidade,11 fundadas no principio da insignificância, ou na ausência de interesse público na perseguição penalPrincípio da instrução. O princípio da instrução, também denominado princípio da verdade material do processo penal — por oposição ao princípio da verdade formal do processo civil —, exprime o poder judicial de investigação pessoal do objeto da imputação processual, sem vin- culação às afirmações de acusação e de defesa.Princípios da prova processualPrincípio da livre valoração da prova. O princípio da livre valoração da prova significa avaliação da prova segundo a convicção subjetiva do Juiz — por oposição à regra das provas legais —, mas condicionada a parâmetros objetivos: a convicção judicial é suficiente para a sentença criminal, mas

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pressupõe a necessidade de correspondência com as indicações objetivas da prova.Princípio in dubio pro reo. O princípio in dubio pro reo, deduzido da garantia constitucional da presunção de inocência (art. 5o, LVII, CR) — por rejeição à presunção de culpa — indica a regra fundamental da prova no processo penal: a dúvida sobre a realidade do fato determina a absolvição do acusado. Afirma o autor que A orientação ainda dominante na jurisprudência e literatura brasileiras, pela qual a prova da tipicidade do fato incumbe à acusação, enquanto a prova das excludentes de antijuridicidade e de culpabilidade incumbe à defesa, é uma conseqüência desastrosa da indevida extensão ao processo penal dos princípios do processo civil, em que a prova do fato constitutivo (do direito) incumbe ao autor, enquanto a prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo (do direito) incumbe ao réu (art. 333, CPC).

91. Capítulo XXIII – Ação PenalA ação penal constitui a forma específica de manifestação do poder punitivo do Estado, classificada em duas categorias relacionadas como regra e exceção: a) a ação penal pública é a regra aplica da à maioria absoluta dos crimes; b) a ação penal privada é a exceção.O exercício da ação penal, definido como direito abstrato de agir, ou seja, como direito à jurisdição penal —, pressupõe a existência de determinadas condições de ação, tema controvertido no processo penal contemporâneo:1. a teoria tradicional, fundada na premissa de uma teoria geral do processo, propõe para o processo penal as mesmas condições de ação do processo civil: interesse de agir, legitimação para a causa e possibilidade jurídica do pedido;2. a teoria moderna, fundada na especificidade do processo penal, em que não existe liberdade de partes (o MP é vinculado pelo princípio da legalidade e o acusado não pode subtrair-se, por ato de vontade, ao processo penal) e não existe igualdade entre as partes (o MP representa o poder punitivo do Estado em face do impotente acusado, submetido ao poder do Estado, queira ou não quetra), propõe condições de ação específicas, deduzidas do art 43 do CPP, definidas como (1) tipicidade aparente, (2) punibilidade concreta, (3) legitimidade de parte e (4) justa causa).

92. Capítulo XXIII – Ação Penal – Ação Penal Pública e PrivadaA ação penalpública compreende três categorias diferentes: a ação penal pública incondiáonada, a ação penal pública condicionada e a ação penal pública extensiva.A ação penal pública incondiáonada é a regra da categoria geral de crimes de ação penal pública, porque a proposição da denúncia pelo Ministério Público contra o autor de fato criminoso independe de qualquer condição (art. 100, primeira parte, CP).A ação penal pública pode subordinar-se a determinadas condições estabelecidas expressamente pelo legislador no interesse do ofendido, ou do

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titular do bem jurídico lesionado: é a ação penal pública condicionada referida na parte final do dispositivo acima citado (art. 100, §1°, segunda parte, CP). A representação do ofendido (ou de quem tenha qualidade para representá-lo) constitui ato formal de manifestação de vontade do titular do bem jurídico lesionado, autorizando a proposição da ação penal pública condicionada pelo Ministério Público. A requisição do Ministro da Justiça constitui ato formal de autorização do Poder Executivo Federal dirigida ao Ministério Público para exercício da ação penal pública condicionada, em hipóteses específicas (art. 7o, Ic, e §3°, CP). A requisição do Ministro da Jusdça — ao contrário da representação do ofendido — não está sujeita à decadência, podendo ser apresentada enquanto não extinta a punibilidade do crime. A ação penal pública extensiva ocorre em hipóteses de crimes de ação penal privada compostos de elementos ou circunstâncias típicas que constituem, independentemente, crimes de ação penal pública (art. 101, CP). A ação penal de natureza privada é promovida pelo ofendido ou representante legal, nos casos expressamente previstos em lei (art. 100, segunda parte, CP), sob a forma de queixa (art. 100, §2°, CP).

93. Capítulo XXIV – Extinção da PunibilidadeA extinção da punibilidade significa o desaparecimento do poder de punir do Estado em relação a fatos definidos como crimes, pela ocorrência de eventos, situações ou acontecimentos determinados na lei como causas de extinção da punibilidade (art. 107, CP).Morte do agenteA morte do agente extingue a punibilidade de fatos puníveis (art. 107, I, CP), por força do princípio constitucional da personalidade da pena. (art. 5o, XLV, CR), segundo o qual nenhuma pena passará da pessoa do condenado, mas a natureza pessoal dessa causa de extinção da punibilidade não altera a punibilidade de co-autores ou de partícipes. Mas não extingue a obrigação civil de reparar o dano causado pelo crime, nem exclui o perdimento de bens, transmissíveis aos sucessores até o limite do valor do patrimônio transferido (art. 5o, XLV, CR).Anistia, graça e indultoA anistia, a graça e o indulto são estudados sob o conceito de direito de graça, compreensivo de atos de competência do Poder Legislativo — no caso da anistia —, ou do Poder Executivo — no caso do indulto e da graça —, dotados de eficácia extintiva da punibilidade de fatos criminosos (art. 107, II, CP).A anistia— do grego amnestía, que significa esquecimento, ou amnésia — constitui ato de competência do Poder Legislativo, tem por objeto fatos definidos como crimes políticos, militares ou eleitorais — portanto, não abrange fatos definidos como crimes comuns—, e por objetivo beneficiar uma coletividade de autores desses fatos, sendo concedida sob forma de lei descriminalizadora, anulando todos os efeitos penais da criminalização (exceto os efeitos civis). A anistia pode ser geral ou parcial, conforme

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compreenda ou não todos os fatos e autores respectivos, e independe de consentimento dos anistiados — exceto no caso de anistia condicional.A graça constitui ato de competência do Presidente da República, tem por objeto crimes comuns com sentença condenatória transitada em julgado, e por objetivo beneficiar pessoa determinada mediante a extinção ou a comutação da pena aplicada, corrigindo injustiças ou o rigor excessivo na aplicação da lei.O indulto constitui igualmente ato de competência do Presidente da República, tem por objeto crimes comuns e por objetivo beneficiar uma coletividade de condenados, selecionados pela natureza do crime realizado ou pela quantidade da pena aplicada, com exigências complementares facultativas, geralmente relacionadas ao cumprimento parcial da pena; finalmente, também tem por efeito extinguir ou. comutar a pena aplicada — exceto no indulto sob condições, que podem ser recusadas pelo indultado.O indulto pode, excepcionalmente, ser individual, mas depende de petição do condenado (ou do Ministério Público ou de autoridade administrativa da execução penal), devidamente instruída e encaminhada ao Ministério da Justiça para despacho do Presidente da República (arts. 188-192, LEP).Descriminalização do fatoO advento de lei descriminalizadora do fato extingue a punibilidade independente da fase do processo de criminalização ou do trânsito em julgado da sentença criminal condenatória; igualmente, o advento de lei penal mais favorável.Prescrição, decadência eperempçãoPrescriçãoA prescrição determina a perda do direito de exercera ação penal por fatos puníveis, ou de executar a pena criminal aplicada contra autores de fatos puníveis, pelo decurso do tempo. O fundamento jurídico da prescrição reside na dificuldade de prova do fato imputado (no caso de prescrição da ação penal), ou na progressiva dissolução da necessidade depena contra o autor (no caso de prescrição da pena criminal aplicada), o que confere à prescrição natureza processual (impedimento de persecução) e material (extinção da pena).Prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminalA prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminal representa a prescrição da ação penal ou da pretensão punitiva e regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime. O prazo de prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminal, como prescrição da ação penal ou da pretensão punitiva, começa a fluir no dia (a) da consumação do crime, (b) da cessação da tentativa, (c) da cessação da permanência nos crimes de duração, (d) do conhecimento do fato, nos crimes de bigamia, de falsificação ou de alteração de registro civil.Prescrição depois do trânsito em julgado da sentença condenatóriaA prescrição depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória representa a prescrição da pretensão executória e regula-se nos mesmos prazos da prescrição pela pena abstrata (art. 109, CP), aumentado de um

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terço para condenados reincidentes. começa a fluir do dia (a) do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação, ou para a acusação e defesa, (b) da revogação da suspensão condicional da pena ou do livramento condicional — no caso do livramento condicional, o prazo é regulado pelo tempo restante da pena, (c) da interrupção da execução da pena, exceto se computável na pena, nos casos de doença mental superveniente (arts. 41 e 42, CP) e (d) da evasão do condenado, também regulado pelo tempo restante da pena (arts. 112 e 113, CP).Prescrição pelos níveis de concretização da pena: A disciplina legal da prescrição, baseada no critério antes e depois do trânsito em julgado da sentença criminal, parece limitado para sistematizar todas as hipóteses de prescrição, cuja variedade requer critério mais compreensivo. O critério baseado nos níveis de concretização da pena parece mais adequado, porque permite sistematizar a prescrição conforme a pena cominada, a pena aplicada e a pena virtual (ou pena perspectiva).Prescrição pela pena cominada. A prescrição pela pena cominada define a prescrição da ação penal — ou prescrição da pretensão punitiva—, regida pelo máximo da pena abstrata do tipo legal (art 109, CP).Prescrição pela pena aplicada. A prescrição pela pena aplicada é diferenciada segundo o trânsito em julgado da sentença condenatória, com as seguintes alternativas:Prescrição intercorrente. A hipótese de pena aplicada sem trânsito em julgado da sentença condenatória fundamenta a prescrição intercorrente, regida pela pena concretizada na sentença criminal.Prescrição da pena aplicada com trânsito em julgado da sentença condenatória. A hipótese de pena aplicada com trânsito em julgado da sentença condenatória engendra duas situações distintas: a) a prescrição retroativa; b) a prescrição da pretensão executória.Prescrição retroativa. A hipótese de pena aplicada com trânsito emjulgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, fundamenta a prescrição retroativa — uma criação original da jurisprudência brasileira —, regida pela pena concretizada na sentença e contada retrospectivamente até a causa de interrupção anterior: da sentença à denúncia, ou da denúncia à data do fato — segundo a jurisprudência dominante.Causas impeditivas da prescriçãoAs causas impeditivas da prescrição são constituídas por pressupostos ou acontecimentos necessários para decidir sobre a existência do crime ou sobre a aplicação da pena, cuja existência impede o curso do prazo prescricional. As causas impeditivas da prescrição são classificadas com base no trânsito em julgado da sentença criminal:causas impeditivas da prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminal são (a) as questões prejudiciais (por exemplo,decisão sobre a validade do casamento anterior, em processo por bigamia) e (b) o cumprimento de pena no estrangeiro; causa impeditiva da prescrição depois do trânsito em julgado da sentença condenatória é uma só : a prisão do condenado por outro motivo.

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Causas interruptivas da prescriçãoAs causas interruptivas da prescrição são representadas por acontecimentos processuais ou pessoais que interrompem o curso do prazo prescricional iniciado, cancelam o prazo de prescrição decorrido e determinam o início de novo prazo prescricional integral a partir do dia da interrupção — exceto na hipótese de continuação do cumprimento de pena .As causas interruptivas da prescrição são expressamente indicadas na lei (art 117,1-VI, CP): a) recebimento da denúncia ou queixa; b) pronúncia; c) confirmação da pronúncia; d) sentença condenatória recorrível; e) início ou continuação do cumprimento da pena; f) reincidência.Enfim, nos crimes conexos objeto do mesmo processo (por exemplo, em caso de concurso formal) a interrupção da prescrição em relação a um deles, generaliza-se a todos os demais.DecadênciaA decadência, significa perda do direito de ação penal privada pelo decurso do prazo contínuo e peremptório de 6 (seis) meses.PerempçãoA perempção constitui fenômeno processual extintivo da pu- nibilidade em ações penais de iniciativa privada, caracterizado pela inatividade, pela omissão ou pela negligência do autor na realização de atos processuais específicos, enumerados no art. 60, do Código de Processo PenalRetratação do agenteA retratação é o ato pelo qual o autor de declaração incriminada desdt\ o que disse, por escrito próprio ou termo nos autos, com o objetivo de desfazer lesões típicas de bens jurídicos: o autor retifica o conteúdo ou corrige o significado de declaração constitutiva de crime. Os crimes contra a honra são casos específicos de admissibilidade da retratação extintiva da punibilidade, mas com extensões diferentes na legislação comum e na especial: a) no Código Penal, a retratação extingue a punibilidade da calúnia e da difamação, porque pode desfazer o dano à imagem pública ou ao conceito social do ofendido, mas não é admitida na injúria, porque a ofensa ao sentimento da própria dignidade ou decoro da vítima é irretratável (art. 143, CP). Alguns crimes comuns cometidos através da palavra falada ou escrita, como o falso testemunho ou a falsa perícia, também admitem a retratação do agente, até a publicação da sentença condenatória (art. 342, §3°, CP).Perdão judicialO perdão judicial tem por objeto hipóteses legais de exclusão ju- dicial da pena, determinada por circunstâncias, condições, resultados ou conseqüências especiais do fato. Assim, por exemplo, a gravidade das conseqüências para o autor, no homicídio e na lesão corporal imprudentes (art. 121, §5° e 129, §6°, CP);A extinção da punibilidade nos tipos complexos, nos tipos dependentes de outros tipos, nos tipos que pressupõem outros tipos, nos tipos qualificados pelo resultado e nos tipos conexos.Em todos esses casos, a extinção da punibilidade do tipo elementar (nos tipos complexos), do tipo pressuposto em outro tipo, ou do tipo qualificador

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de outro tipo, não extingue a punibilidade do tipo complexo, do tipo que pressupõe outro tipo ou do tipo qualificado por outro tipo, segundo a regra da primeira parte do art. 108, CP.Nos tipos conexos, como tipos vinculados por certas relações ou fins (por exemplo, o homicídio da testemunha para ocultar outro crime), a extinção da punibilidade de um deles não impede a agrava- ção da pena dos demais tipos relacionados por conexão, na forma da segunda parte do art. 108, CPA. extinção da punibilidade no concurso de crimesNas hipóteses de concurso formal, material ou continuado de fatos puníveis, a extinção da punibilidade incide sobre cada fato punível isolado da relação de pluralidade formal, material ou continuada (art. 119, CP).

Aline Buchmann

94. Capítulo XV – A responsabilidade penal da pessoa jurídica – Introdução

Existem duas posições antagônicas na área internacional sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica: a) os Estados regidos pelo commom law, como a Inglaterra e os Estados Unidos, por exemplo, admitem a responsabilidade penal da pessoa jurídica; b) os Estados regidos por sistemas legais codificados, como os da Europa continental e da America Latina, rejeitam.Não obstante,a França instituiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica para as infrações penais, em geral. O Brasil adotou o modelo Frances de responsabilidade penal da pessoa jurídica, mas somente para crimes contra o meio ambiente.No caso brasileiro, o direito do povo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, garantido na Constituição, deve ser protegido por todos os meios jurídicos necessários, inclusive com o emprego do Direito Penal, observados os princípios de intervenção mínima e ultima ratio da repressão criminal no Estado Democrático de Direito.Juarez Cirino sustenta o entendimento de que instituir a responsabilidade penal da pessoa jurídica é desnecessário e equivocado. Desnecessário porque existem meios jurídicos e administrativos mais simples e eficazes do que a pena criminal. E equivocado porque somente a organização psicossomática do ser humano pode praticar fatos definidos como crimes e ser responsabilizado por eles.

95. Capítulo XV – A responsabilidade penal da pessoa jurídica – A controvérsia constitucional

No Brasil, a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica tem origem em duas normas constitucionais sobre as quais existe grande controvérsia. A primeira está contida no art. 173, §5 da CF. Alguns constitucionalistas afirmam que onde a Constituição fala em responsabilidade quer dizer, na verdade, responsabilidade penal da pessoa jurídica, por causa da expressa referencia a “punições compatíveis com sua natureza”. Não

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obstante, especialistas em direito penal, afirmam que quer dizer simplesmente responsabilidade, sem adjetivos. Acrescentam que nesse dispositivo não se fala em meio ambiente. É essa segunda corrente que segue Juarez Cirino.A outra norma é a prevista no art. 225, §3, da CF. De novo, constitucionalistas e ambientalistas proclamam a ruptura do princípio constitucional da responsabilidade penal pessoal, mediante interpretação que suprime as diferenças semânticas das palavras condutas e atividades, arbitrariamente consideradas sinônimos aplicáveis indiferentemente às pessoas físicas e jurídicas, também arbitrariamente consideradas passiveis de iguais sanções penais e administrativas. Em contraposição, especialistas em direito penal rejeitam a pretendida ruptura, fundados nas diferenças semânticas das palavras condutas e atividades, pois as condutas das pessoas físicas sujeitarão os infratores a sanções penais e as atividades de pessoas jurídicas sujeitarão os infratores a sanções administrativas.

96. Capítulo XV – A responsabilidade penal da pessoa jurídica – Problemas

A Lei 9.605/98 instituiu um sistema duplo de responsabilidade administrativa, civil e penal por crimes ambientais: a) a responsabilidade da pessoa jurídica em casos de infração cometida por decisão de representante legal ou contratual, ou de órgão colegiado, no interesse ou benefício da entidade; b) a responsabilidade das pessoas físicas, isolada ou cumulativa, na qualidade de autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.Assim, do ponto de vista descritivo, a imputação de crime à pessoa jurídica pressupõe: a) a realização de infração (penal); b) relação causal entre a infração e a decisão de representante legal ou contratual, ou de órgão colegiado da pessoa jurídica; c) existência de interesse ou benefício da pessoa jurídica na infração.São duas as teorias que procuram explicar a pessoa jurídica: teoria da ficção e teoria da realidade. Independente de qual teoria seguida, a ação da pessoa jurídica não se confunde com a vontade consciente do conceito de ação da pessoa física.Por outro lado, o conceito de tipo de injusto, como ação típica e antijurídica concreta, é inviabilizado pela raiz: incapacidade de ação da pessoa jurídica impede a realização do tipo de injusto, seja ele omissivo, doloso ou imprudente, razão pela qual, a criminalização da pessoa jurídica infringe a dimensão material do princípio da legalidade.Da mesma forma, se a pessoa jurídica é incapaz de ação, pela mesma razão é incapaz de culpabilidade, pois, se não pode agir, também não tem o poder de agir de outro modo, que fundamenta o juízo de reprovação.Além dos problemas relacionados ao conceito de crime, a criminalização da pessoa jurídica apresenta, em relação ao conceito de pena, problemas igualmente insuperáveis, pois lesa os princípios da personalidade da pena, da individualização da pena e das funções declaradas no discurso oficial da pena.

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