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1. Merton, Selznick e Gouldner; 2. Michel Crozier; 3. O Grupo de Aston; 4. Outros críticos e os limites da crítica; 5. Weber e a tradição managerialista. Fernando C. Prestes Motta* * Professor do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Rev, Adm. Emp., A temática do controle social nas organizações é cen- tral, na análise organizacional, por diversas razões, en- tre as quais se destaca o fato de que as organizações são essencialmente instâncias de produção de bens, de conhecimentos, etc., bem como instâncias de controle, a serviço de sistemas sociais maiores. Tal fato não tem passado despercebido à teoria organizacional, tanto no que diz respeito aos mecanismos de controle que se efetivam no interior das organizações, como no que se refere à crítica, já dotada de ampla tradição na área, e às formas tradicionais assumidas pelos arranjos orga- nizacionais. A proposta contida neste ensaio é colocar o problema do controle social das organizações e esbo- çar uma avaliação da literatura clássica corrente, na crítica dos arranjos organizacionais altamente volta- dos para a função de controle social. Isto posto, ha- verá possibilidade de formulação de uma hipótese maior, dedutível em outras, tanto no que diz respeito à pesquisa teórica, quanto à empírica. De início, parece importante colocar o fato de que a organização é o sistema social mais formalizado da so- ciedade, sendo, portanto, um sistema de significativas condutas institucionalizadas. Se é verdade que a família é uma instituição central na sociedade, conclui- se então que as demais organizações, de há muito, são as principais responsáveis pelas formas de conduta dos atores sociais. As empresas são centrais, não só porque produzem bens e serviços, mas também porque produ- zem formas de comportamento e formas de raciocínio. As escolas, cada vez mais cedo, preparam os in- divíduos para determinados papéis no sistema produti- 11 vo, com tendência a legitimar as organizações de for- ma habitual. As elites organizacionais, por sua vez, têm nesses mecanismos a sua própria lógica. Velhas e novas gera- ções de elites organizacionais podem adotar novas ati- tudes quanto a práticas políticas, administrativas, etc. Agem, porém, segundo a lógica da organização, en- quanto instância de produção e controle social. Nas palavras de Stinchcombe, feitos os reparos de detalhe e de situação específica, "( ... ) se as novas elites organi- zacionais são socializadas em uma cultura de elite, fre- qüentando escolas com outros membros de elite, parti- cipando de parlamentos e sendo ideologicamente dou- trinadas em um partido político dominante, estão pro- pensas a aceitar as normas usuais que governam a competição pela riqueza, prestígio e poder orga- nízacíonaís";' É desnecessário insistir no fato de que tal ideologia se irradia pelas organizações, e de que, mesmo que as organizações nunca cheguem a utilizar completamente os indivíduos para seus propósitos, es- tes também jamais chegarão a conseguir tudo o que desejam das organizações. Tal constatação associa-se à idéia do contrato psi- cológico, isto é, ao fato de que indivíduos e organiza- ções se confrontam com uma série de expectativas mútuas. Na medida em que tais expectativas jamais são completa e formalmente definidas, há sempre lu- gar para a surpresa e para a contestação de percepções anteriores. Assim, tanto frustrações como estímulos entram no processo de adaptação indivíduo-organiza- ção. Esse processo é sempre bidirecional, com a renúncia de ampla margem de liberdade por parte do Rio de Janeiro, 19(3): 11-25, jul./set. 19i9 ---------- Controle social nas organizações

1. Merton, Selznick e Gouldner; A temática do controle ... · renúncia de ampla margem de liberdade por parte do Rio de Janeiro, 19(3): 11-25, ... de, comprometimento, produtividade

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1. Merton, Selznick e Gouldner;2. Michel Crozier;

3. O Grupo de Aston;4. Outros críticos e os limites da crítica;

5. Weber e a tradição managerialista.

Fernando C. Prestes Motta*

* Professor do Departamento deAdministração Geral e Recursos

Humanos da Escola de Administraçãode Empresas de São Paulo da Fundação

Getulio Vargas.

Rev, Adm. Emp.,

A temática do controle social nas organizações é cen-tral, na análise organizacional, por diversas razões, en-tre as quais se destaca o fato de que as organizaçõessão essencialmente instâncias de produção de bens, deconhecimentos, etc., bem como instâncias de controle,a serviço de sistemas sociais maiores. Tal fato não tempassado despercebido à teoria organizacional, tantono que diz respeito aos mecanismos de controle que seefetivam no interior das organizações, como no que serefere à crítica, já dotada de ampla tradição na área, eàs formas tradicionais assumidas pelos arranjos orga-nizacionais. A proposta contida neste ensaio é colocaro problema do controle social das organizações e esbo-çar uma avaliação da literatura clássica corrente, nacrítica dos arranjos organizacionais altamente volta-dos para a função de controle social. Isto posto, ha-verá possibilidade de formulação de uma hipótesemaior, dedutível em outras, tanto no que diz respeito àpesquisa teórica, quanto à empírica.

De início, parece importante colocar o fato de que aorganização é o sistema social mais formalizado da so-ciedade, sendo, portanto, um sistema de significativascondutas institucionalizadas. Se é verdade que afamília é uma instituição central na sociedade, conclui-se então que as demais organizações, de há muito, sãoas principais responsáveis pelas formas de conduta dosatores sociais. As empresas são centrais, não só porqueproduzem bens e serviços, mas também porque produ-zem formas de comportamento e formas de raciocínio.As escolas, cada vez mais cedo, preparam os in-divíduos para determinados papéis no sistema produti- 11vo, com tendência a legitimar as organizações de for-ma habitual.

As elites organizacionais, por sua vez, têm nessesmecanismos a sua própria lógica. Velhas e novas gera-ções de elites organizacionais podem adotar novas ati-tudes quanto a práticas políticas, administrativas, etc.Agem, porém, segundo a lógica da organização, en-quanto instância de produção e controle social. Naspalavras de Stinchcombe, feitos os reparos de detalhe ede situação específica, "( ... ) se as novas elites organi-zacionais são socializadas em uma cultura de elite, fre-qüentando escolas com outros membros de elite, parti-cipando de parlamentos e sendo ideologicamente dou-trinadas em um partido político dominante, estão pro-pensas a aceitar as normas usuais que governam acompetição pela riqueza, prestígio e poder orga-nízacíonaís";' É desnecessário insistir no fato de quetal ideologia se irradia pelas organizações, e de que,mesmo que as organizações nunca cheguem a utilizarcompletamente os indivíduos para seus propósitos, es-tes também jamais chegarão a conseguir tudo o quedesejam das organizações.

Tal constatação associa-se à idéia do contrato psi-cológico, isto é, ao fato de que indivíduos e organiza-ções se confrontam com uma série de expectativasmútuas. Na medida em que tais expectativas jamaissão completa e formalmente definidas, há sempre lu-gar para a surpresa e para a contestação de percepçõesanteriores. Assim, tanto frustrações como estímulosentram no processo de adaptação indivíduo-organiza-ção. Esse processo é sempre bidirecional, com arenúncia de ampla margem de liberdade por parte do

Rio de Janeiro, 19(3): 11-25, jul./set. 19i9

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indivíduo, que concorda de maneira implícita com asdemandas "legítimas" da organização, as quais lhe to-lhem a liberdade, limitando seus comportamentos al-ternativos. A organização amolda, em níveis diversos,o indivíduo às suas necessidades. É o processo de so-cialização.

Por sua vez, também o indivíduo procurará exercerinfluência sobre a organização, na expectativa de obtersatisfação pessoal adicional, dando origem a um pro-cesso contrário, que pode ser chamado de in-dividualização. Pessoas dotadas de poder não-for-mal nas organizações são em geral exemplos de proces-sos de individualização bem-sucedidos. A individuali-zação desempenha um papel importante na renovaçãoorganizacional. As organizações vivem muitas vezessob condições de instabilidade, e precisam ser influen-ciadas por seus membros, num esforço de adaptaçãoa novas circunstâncias. A evidência mostra que, a lon-go prazo, a conformidade quase total tende a signifi-car uma vitória de Pirro, comprometendo a sobrevi-vência da organização. Nem mesmo a rebelião é neces-sariamente catastrófica para as organizações. Quandoum processo desse tipo não termina em mudança orga-nizacional profunda na organização, ou em demissão,muitas vezes o atacante feroz se transforma em defen-sor intransigente.

A forma de individualização que em geral é maisbenéfica para a organização é o individualismo criati-vo, ou seja, a aceitação pelo indivíduo das normasbásicas ou absolutamente essenciais para a organiza-ção, ou a rejeição de muito daquilo que é apenas rele-vante ou periférico. O indivíduo assim orientado con-segue com freqüência exercer influência sobre a coleti-vidade organizacional divisional ou departamental, oque pode significar muito, pois o relacionamentoindivíduo-organização é um relacionamento entre de-siguais. Em inúmeros casos, a organização beneficia-se de novas idéias e de formas de desempenho mais efi-cazes. Todavia, a socialização mediante transferênciase promoções dificulta por vezes o individualismo cria-tivo, levando ao conformismo ou à rebelião.

A socialização pode ser entendida como o processoglobal pelo qual um indivíduo, nascido com potencia-lidades comportamentais de espectro muito amplo, élevado a desenvolver um comportamento bem maisrestrito, de acordo com os padrões de seu grupo. Esseconceito foi bastante utilizado na análise do impactodos fatores culturais no desenvolvimento da personali-dade individual. No que se refere às organizações, oconceito vem sendo empregado em termos dedoutrinação e treinamento, reportando-se ao que Ed-gar Schein chamou "o preço de participar". Asocialização organizacional deve ser vista como umprocesso contínuo, que começa antes mesmo da entra-da nesse sistema, já que outros sistemas sociais incul-cam, desde o nascimento, valores e normas conformesao comportamento aceitável em organizações comple-xas. Não pára aí, porém, o processo; continua durantetoda a permanência na organização. Nas palavras deCaplow, em 1964, "os comportamentos apropriados auma posição organizacional não são adquiridos deuma vez e completamente, quando a posição é assumi-da, mas são aprendidos e reaprendidos durante operíodo que dura uma carreira"."

Revista de Administração de Empresas

O processo de socialização é responsável pela lealda-de, comprometimento, produtividade e nível de rotati-vidade. A estabilidade organizacional depende bastan-te da socialização, o que implica forte transmissão deideologia. A organização é com freqüência amada eodiada a um só tempo, algo semelhante ao que algunsautores vêm chamando amor-fusão'. Como um gran-de número de processos, também a socialização orga-nizacional apresenta suas fases. Não é difícil identifi-car a fase de chegada, quando um indivíduo traz parauma nova organização ou posição um conjunto de va-lores, atitudes e expectativas, conjunto esse que seráreconstruído no interior da organização. Também nãoé difícil identificar uma fase de confronto, quando oconjunto de atitudes e predisposições do indivíduo en-contra os desejos e valores prevalentes na organização.É a fase em que o indivíduo se submete a reforço econfirmação, a ausência de reforços, ou ainda a refor-ços negativos, isto é, a reações de aprovação, in-diferença ou punição, por ele percebidas como vin-das da organização. Finalmente, há uma fase demudança e aquisição, quando o indivíduo começa aagir de forma a aprender e a desenvolver comporta-mentos e idéias modificadas.

Algumas dessas aquisições dizem respeito a uma no-va auto-imagem, isto é, a uma nova percepção de simesmo desenvolvida pelo indivíduo, como resultadode sua interação ao seu papel organizacional. Dizemrespeito também ao estabelecimento de novos relacio-namentos freqüentemente em prejuízo de relaciona-mentos antigos, à recepção, aceitação e internalizaçãode novos valores e a novos conjuntos de comporta-mentos, alguns deles essenciais para a permanência naorganização e para a obtenção de algumas recompen-sas. Em termos de necessidade de aquisição, Scheindistingue três tipos de comportamentos. Em primeirolugar, há os comportamentos que podem ser chama-dos pirrotais, que são aqueles que a organização consi-dera tão essenciais que, na ausência de sua adoção, oindivíduo não estará preenchendo padrões mínimos dedesempenho. Em segundo lugar, há formas de com-portamento consideradas pela organização como de-sejáveis mas não absolutamente necessárias. São oscomportamentos relevantes. Por fim, há comporta-mentos permitidos pela organização que eventualmen-te podem vir a tornar-se relevantes. São os comporta-mentos periféricos.

A organização promove a socialização de várias for-mas. A seleção é um método que com freqüência cons-titui instrumento poderoso. O treinamento, na medidaem que desenvolve as habilidades técnicas ligadas demodo direto a tarefas para o desempenho de funções,facilita a mudança de comportamento, em termos deatividades diretamente funcionais. Além disso, o trei-namento também age sobre a mudança de auto-imagem, sobre a criação de novos relacionamentos enovos valores, isto é, no desenvolvimento de habilida-des normalmente chamadas adaptativas. Já o aprendi-zado é o modo de socialização preferido nos sistemasnos quais os valores a serem transmitidos são tão im-portantes quanto as realizações. O método implica quea organização delegue a um de seus membros a respon-sabilidade pela socialização de determinados recém-

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chegados. Algo semelhante ao que sempre ocorreu emorganizações tradicionais continua a suceder em mui-tas organizações modernas. Como o aprendizado nãoé eficiente quando aplicado a muitas pessoas, em geralse restringe a funções únicas ou cruciais na organiza-ção.

Outra fase que os iniciantes em organizações costu-mam atravessar "refere-se a experiências dramáticaspelas quais passa o indivíduo e que têm o efeito desepará-lo de suas atitudes e formas de pensar anterio-res, no que se refere a si próprio, e de substituí-las poruma visão mais humilde que permita uma assimilaçãomais fácil das influências organizacionais".' Às vezes,o processo de mortificação é levado a níveis extremos,como no caso da maioria das instituições totais. Comrelação a esse aspecto, afirma Goffman: "( ... ) o nova-to chega ao estabelecimento com uma concepção de simesmo estabelecida por algumas disposições sociaisestáveis no seu mundo doméstico. Ao entrar, é imedia-tamente despojado do apoio dado por tais disposições.Na linguagem exata de algumas de nossas mais antigasinstituições totais, começa uma série de rebaixamen-tos, degradações, humilhações e profanações do eu. Oseu eu é sistematicamente, embora muitas vezes nãointencionalmente, mortificado. Começa a passar poralgumas mudanças radicais em sua carreira moral,uma carreira composta pelas progressivas mudançasque ocorrem nas crenças que tem a seu respeito, e arespeito dos que são significativos para ele"."

Também significativa é a socialização por antecipa-ção, que implica o desenvolvimento de forte identifica-ção do indivíduo com um grupo ao qual ele ainda nãopertencia. Tal identificação envolve a adoção de com-portamentos semelhantes aos de membros de gruposde nível geralmente mais alto, o que torna o exercícioda influência organizacional mais fácil. Muitos outroselementos favorecem ou dificultam a socialização dosindivíduos na organização. Entre outros, o desenvolvi-mento paulatino do hábito, a aceitação dos demais,que em geral implica a aceitação ou assimilação de de-terminados hábitos organizacionais, o ambiente detrabalho. e o conjunto de deveres relacionados à tare-fa, à participação e ao estilo de supervisão. Natural-mente, são também fundamentais as expectativas queos indivíduos têm a propósito de seu trabalho e de suafiliação à organização, bem como as expectativas queos membros da organização têm a respeito dos in-divíduos que nela ingressam. Tudo isso entra no cam-po mais amplo do impacto que os sistemas de controleexercem sobre os indivíduos nas organizações.

Esses sistemas de controle de caráter gerencial aca-bam por demandar alto nível de controle social, in-cluindo uma gama muito variada de controles que vãodesde os orçamentos e os relatórios de produção até asavaliações de desempenho, os procedimentos adminis-trativos regulamentados e os sistemas de informaçãogerencial. Para Joan Woodward, o que leva à institui-ção dos sistemas de controle é a preocupação daadministração em saber o que ocorre nos níveis maisbaixos da organização. Parece importante a observa-ção de que os sistemas de controle se fazem normal-mente acompanhar por sistemas de recompensas epunições. Esses sistemas são utilizados porque as

organizações requerem comportamentos que não se-riam desempenhados a menos que as pessoas recebes-sem algum tipo de recompensa intrínseca.

Como coloca Lawler, "os sistemas de controle espe-cificam o comportamento que o empregado precisaadotar, e o sistema de recompensa é criado para grati-ficar aqueles que desempenham suas funções da formadesejada. Aqui, a parte dos sistemas de controle que serefere à medida de desempenho é crucial porque forne-ce informação sobre quem deve ser recompensado oupunido"," Existe uma ampla relação entre a adoçãodesses sistemas, independentes das pessoas controla-das, que se alienam em face do controle, e as concep-ções autoritárias da natureza humana. De qualquermodo, tais sistemas são prevalentemente autoritáriose, em regra, são responsáveis por um comportamentoburocrático rígido, pela produção de informações semvalidade e pela resistência desenvolvida naqueles quelhes estão subordinados.

Muitos autores têm estudado a forma pela qual ossistemas de controle gerencial provocam o comporta-mento burocrático rígido. Entre outros, são interes-santes os trabalhos de Frank, Berliner, Blau e Cohen:"Em termos bastante gerais, pode-se colocar algumascaracterísticas dos sistemas de controle e das pessoasque favorecem particularmente a ocorrência desse tipode comportamento. Tais características dizem respeitoà inadequação das medidas dos tipos de comporta-mento que precisam ser assumidos para que aorganização funcione com eficácia. Tal inadequação,comumente, decorre do fato de que o sistema de con-trole não é estabelecido para medir todo o comporta-mento que uma pessoa deve adotar e do fato de que,para um trabalho particular, pode não haver um únicoresultado mensurável que contribua para a eficácia or-ganizacional. Os sistemas de controle podem medirmuito mais os processos que os resultados obtidos, oque pode levar a pessoa a concentrar-se mais nos pri-meiros do que na contribuição para a eficácia daorganização" .8

Além disso, os padrões dos sistemas de controle sãocom freqüência estabelecidos em níveis altos demais epor pessoas que não são aquelas que precisam atingi-los. Também as metas organizacionais são muitas ve-zes obscuras, daí decorrendo uma forte identificaçãodos membros da organização com subunidades organi-zacionais. Acresce ainda que os dados levantados pe-los sistemas de controle são subjetivos por natureza,tendo uma dimensão que o indivíduo vê refletida emuma área importante de sua competência, sem consti-tuir, no entanto, o cerne dessa competência. Além deser comum que os padrões sejam estabelecidos semqualquer participação daqueles que são medidos, asatividades consideradas nem sempre são as mais im-portantes para o funcionamento da organização.

Não é, portanto, surpreendente o fato de que os sis-temas de controle sejam quase sempre responsáveis pe-la criação de resistências. "São, provavelmente, vistoscomo frustradores de satisfação em diversas áreas,porque com freqüência reduzem o grau de competên-cia especializada necessária à execução, ou automati-zam, padronizam e enrigessem o trabalho. São parti-cularmente relevantes as interferências nas áreas de

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status, autonomia e segurança"." Além disso, os siste-mas de controle costumam criar expertos, em pre-juízo de outras pessoas que passam a resistir. Deve-selevar em conta ainda que as relações sociais são altera-das, não sendo incomum que relações de cooperaçãose transformem em relações de competição. Natural-mente, na medida em que as pessoas valorizem essa or-dem de satisfações, bem como as advindas da autono-mia, tenderão a resistir. Na realidade, são muitos osfatores mais propriamente organizacionais que afetamo impacto dos sistemas de controle baseados emmotivação extrínseca sobre os indivíduos. Entre elesmerece destaque o clima organizacional.

Aspecto indiscutivelmente decisivo no que tange aocontrole, o clima foi descrito por Ayne, em 1971, co-mo "um conceito molar que reflete o conteúdo e a for-ça dos valores, normas, atitudes, comportamentos esentimentos dos 'membros de um sistema social"."Sem dúvida esse é um conceito que, de alguma forma,deve ser levado em consideração quando se analisammecanismos de controle social em organizações es-pecíficas, operando em sociedades igualmente es-pecíficas. Embora essa preocupação esteja presente emalgumas linhas de teoria organizacional, tudo leva acrer que os estudos sobre clima organizacional e sua a-ção sobre os mecanismos controladores, assim comosuas implicações em termos íntefculturais, precisamser mais desenvolvidos.

De qualquer forma, a área de controle social nasorganizações é especialmente atraente para pesqui-sas interculturais. Nesse sentido, alguns estudostornaram-se clássicos no que diz respeito à empresajaponesa e às empresas predominantes em países dochamado terceiro mundo, bem como no que diz respei-to a sistemas governamentais diversos. Nesta últimaárea, a análise comparada tem sido bastante desenvol-vida tanto pela literatura norte-americana, na qualFred Riggs teve um lugar decisivo, quanto pela litera-tura européia, especialmente a francesa, a alemã e abritânica. A visão comparativa também não é estranhaao meio acadêmico dos países subdesenvolvidos, cujosmembros são, por via de regra, profundamente in-fluenciados pelas teorias e modelos elaborados nospaíses desenvolvidos. Assim, já existe alguma literatu-ra que compara sistemas administrativos latino-americanos produzida na própria América Latina porlatino-americanos, geralmente preocupados com a va-lidade das teorias e modelos que receberam.

Muitos desses estudos têm, entretanto, um viés difi-cilmente contornável, relacionado com o centralismocultural, isto é, com a relativa incapacidade de perce-ber instituições dominantes em culturas diversas, apartir de valores culturais próprios e específicos. Mes-mo assim, diversas pesquisas conduzidas nessa linhatêm-se mostrado de grande interesse e com um poten-cial analítico considerável. Resta ainda pesquisar me-lhor se o conhecimento de instituições administrativasestrangeiras contribui, e em que dimensão, para aalteração de práticas e estruturas organizacionais 10-·cais. É de se considerar, por exemplo, a hipótese deque, em sociedade onde prevalece um padrão auto-ritário de relações sociais, as pesquisas e teorias desen-volvidas na área de controle social nas organizações se-

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jam percebidas em termos de padrões culturais domi-nantes, que interferem, portanto, na interpretação dedescobertas relativas a instituições estrangeiras e talvezna influência que tais descobertas possam vir a ter sobo meio nacional. Isto sugere, inclusive, a importânciade uma análise interdisciplinar dessa ordem de fenô-menos. Certamente, antropólogos, psicólogos, cientis-tas políticos, sociólogos; economistas, lingüistas e ou-tros especialistas têm o que dizer a propósito de con-trole social nas organizações.

O que não se pode deixar de considerar é que, comolembram Barrett e Bass, a "cultura desempenha umpapel nas habilidades desenvolvidas pelos indivíduos eo fato é mais dramaticamente ilustrado na área das di-ferenças culturais e nos processos de percepção";" Eisto por certo está presente não tanto na questão daexistência da universalidade da utilização de testes emedidas de pesquisas em culturas diferentes, quantoem variáveis intervenientes nos processos estudados,que precisam ser identificadas e compreendidas. Umdos aspectos essenciais dos mecanismos de controle so-cial presentes nas organizações diz respeito, como foisalientado anteriormente, ao treinamento, parte fun-damental do processo de socialização. Essa, no entan-to, é uma área em que autores que nela têm trabalhadocomprovaram ser restrito o número de pesquisas inter-culturais desenvolvidas, ao mesmo tempo em que reco-nhecem sua importância e a necessidade de aprimora-mento dos instrumentos de pesquisa de campo.

O trabalho publicado no Handbook of industrialand organizational psychology por Barrett e Bass partede constatações que tornam claro o que acabou de serafirmado. É iniciado com a seguinte colocação: "Aspesquisas empíricas são limitadas na área de treina-mento e desenvolvimento transcultural. Poucas técni-cas de treinamento têm sido validadas entre e intracul-turas. O principal esforço de pesquisas tem centradoseu objeto .de análise de programas de treinamento re-queridos para o aumento da eficácia gerencial de ad-ministradores que trabalham em uma cultura diferen-te. Um programa de treinamento,The Culture assimi-lator (Fiedler, Mitchell e Triandis, 1971), tem sido vali-dado, tanto em estudos de laboratório, quanto em es-tudos de campo. As investigações transculturais têmuma utilidade considerável para a psicologia industriale organizacional. A pesquisa que fica confinada a umcontexto cultural é limitada, tanto em termos deconstrução teórica, quanto em termos de aplicaçõespráticas. Uma ampla gama de variações culturaisacrescenta uma dimensão necessária e essencial a um .campo. O esforço futuro de pesquisa deve ser dirigidopara o desenvolvimento de instrumento padronizado,para o refinamento das definições operacionais deconceitos e para a determinação de relações básicas decausa e efeito" .12

Naturalmente, as práticas de treinamento e desen-volvimento e, portanto, de socialização, variam cultu-ralmente. Isto se evidencia inclusive nas expectativasdaqueles que passam pelo processo, o que tem condu-zido a certas colocações que assumem um discutívelpressuposto de adequação, segundo o qual os padrõesde supervisão devem ser autoritários onde as expectati-vas são de autoritarismo. Está nessa linha o trabalho

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de Foa a propósito de oficiais e subordinados israelen-ses. De qualquer modo, tais pressupostos não estão to-:talmente ausentes de outros estudos desenvolvidos porRyterband e Barrett e por Meade e Whitaker, apropósito de comparações referentes ao padrão auto-ritário de supervisão na Turquia e na Índia em face dosEstados Unidos. Barret e Bass concluem que, "apesarde problemas conceituais, as nações podem ser orde-nadas de acordo com a dimensão da preferência pelasupervisão autoritária'".'! É possível, mas a inferênciade que o padrão autoritário será melhor sucedido, emtermos de moral ou produtividade, é algo que passapor múltiplas mediações, não podendo derivar-se au-tomaticamente.

Todavia, o padrão autoritário de relacionamentosocial .e organizacional propriamente dito comportavárias hipóteses que deveriam ser testadas. No que dizrespeito ao controle social e à reação por parte dosmembros da organização, abre-se um importante cam-po de indagações que precisariam ser respondidas. To-dos nós deveríamos nos inquirir se tal padrão implicaou não uma menor propensão à aceitação do conflitoorganizacional, e se essa possível menor aceitação dizrespeito aos membros da organização como um con-junto ou a categorias específicas, como por exemplo aauto-administração. O controle socia:! e a atitude nega-tiva estão geralmente associados à idéia de que a or-dem gera o progresso no mundo maravilhoso da har-monia social. Mas, e se isso não for verdade? Outraindagação refere-se à forma pela qual as pessoas lidamcom o controle social e com os conflitos que se lhe as-sociam nas organizações. Em que medida procuram ti-rar partido de partes em litígio, não se envolvendo de-mais com qualquer delas, mas envolvendo-se o sufi-ciente e o necessário com ambas? Em que medida, poroutro lado, as pessoas optam por terceiras posições?Também cabe indagar se o controle social nasorganizações é bastante forte para subjugar de formatotal o universo que são os indivíduos. Eles podem, en-tre oútras coisas, viver o controle social organizacionalcomo algo marginal em suas vidas. Podem submeter-se apenas funcionalmente e deslocar suas fontes de li-berdade e gratificação para outros níveis. Assim, con-trole e conflito são aspectos fundamentais e associadosnas organizações, mas variará a forma pela qual osparticipantes lidam com eles.

Tais considerações conduzem à constatação de que,ao lidar com controle social na organização, acaba-setratando de alguns processos inevitavelmente correla-tos, como o conflito organizacional e sua administra-ção. É evidente que também aqui é possível deduzirdo tema inúmeros outros mais restritos. Mas, nas pala-vras de Kenneth Thomas, "a teoria e a pesquisa relati-vas a conflito organizacional parecem amplamentesegmentadas e desintegradas. Embora existam diversaspeças advindas de boas pesquisas, de muitos insightsteóricos importantes, as ligações teóricas entre elas fre-qüentemente não são claras. Os pesquisadores obser-vam diferentes variáveis independentes, e assim pordiante. É fácil ter a impressão de que conflito é umrótulo geral para diversos fenômenos amplamente re-lacionados, tais como greves, absenteísmo, discussões,disputas orçamentárias, cismas religiosos, tensões,

etc." .14 O autor procura a integração necessária, suge-rindo um modelo integrador que encerra linhas preli-minares de uma teoria do conflito e de sua manifesta-ção. Naturalmente a proposta é ambiciosa e contémapenas de modo latente todas as implicações dela de-correntes. De qualquer forma, oferece um quadroanalítico que pode e deve ser desenvolvido.

Thomas constata que a literatura mais recente apropósito de conflito organizacional tem-se concentra-do mais na sua capacidade potencial de destruição doque em seus aspectos construtivos. Assim, é com fre-qüência deixado de lado certo potencial progressista einovador do conflito, bem como seu papel namanutenção ou promoção da coesão grupal interna.Para Thomas, o conflito traz em si uma promessa, epor essa razão não apenas pode, como deve ser geren-ciado. Seu esforço volta-se, portanto, para a constru-ção de um corpo teórico a ser utilizado para auxiliaressa gerência. Partindo do pressuposto de que o confli-to é percebido quando uma parte entende que outra aestá frustrando, decide-se pela análise do conflitodiádico. Para o empreendimento, recorre a dois mode-los considerados complementares: um modelo proces-sual e um modelo estrutural.

O modelo processual focaliza uma seqüência deeventos, estudando a dinâmica interna de cada eventoe suas influências sobre os demais. São assim conside-rados frustração, conceituação, comportamento, rea-ção e resultado. A frustração é o momento inicial doprocesso de conflito: é o momento da percepção, poruma parte, da frustração que lhe impõe a outra. Aconceituação é o momento da identificação do confli-to, freqüentemente envolta numa percepção subjetivada realidade. O momento da ação implica umaorientação que varia da competição à cooperação, in-cluindo objetivos e táticas. A reação é o momento daaceleração do conflito e também o momento deintervenção que reflui sobre a conceituação. Finalmen-te, o resultado deriva do fim da interação ou deriva daintervenção. Os padrões culturais dominantes, pelomenos nos Estados Unidos, tendem a valorizar e mes-mo a idealizar a integração das partes como resultado.Práticas como confrontação, role-playing, etc. tendema orientar-se para a meta da integração colaborativa.

O modelo estrutural focaliza as condições subjacen-tes, que dão forma ao comportamento conflitante cujareestruturação seria objeto da intervenção. Aqui, arealidade objetiva e sua manipulação parecem maisimportantes. O conflito diádico a nível da organizaçãoprecisa, portanto, ser entendido como inserido em umquadro de regras e procedimentos, de decisões formaisou informais, que vigoram a respeito das alternativaspara a solução desse conflito de negociação e sobre oenvolvimento de terceiros. Este quadro é exposto apredisposições comportamentais configurandomotivações e habilidades diversas, e a incentivos aoconflito, tais como as influências dos interesses que aspartes estão colocando em risco, e a extensão do con-flito em face da compatibilidade e da incompatibilida-de entre as partes, da competição pelos recursos dis-poníveis e talvez também, especialmente. das pressõesdo ambiente social, tais como as sanções de grupos, aopinião pública, ou o julgamento das autoridades.

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Sem dúvida as pressões sociais são essenciais, tantono que diz respeito ao conflito, como no que se refereà temática mais ampla do controle social exercido pelaorganização. É preciso lembrar que os processos orga-nizacionais reproduzem fortemente as necessidades dosistema social em que a organização se insere, e queseus participantes são levados a agir de acordo com alógica dessa reprodução. Ideologia, recalcamento, re-pressão, auto-estima e realização são algumas das for-mas pelas quais o comportamento organizacional setorna funcional para o sistema maior. Isto diz respeitotanto à influência grupal, extremamente importante,quanto à influência social propriamente dita. Nessesentido, a própria criatividade pode ser, como afirmouHall em 1971, a partir de um trabalho de parte de seupróprio grupo de estudos sobre processo decisório,fruto de uma administração de conflito grupal eficaz.Da mesma forma Pelz, em 1956, descobriu que pes-quisadores que discutiam seu .trabalho com colegas deorientações diferentes tendiam a apresentar melhor de-sempenho, e Hoffman e Maier, em 1959e 1961·,.desco-briram que grupos compostos de membros com inte-resses diferentes tendiam a produzir soluções de me-lhor qualidade para uma grande variedade de proble-mas, do que grupos homogêneos .15

A influência macrossocial é exercida por uma infini-dade de meios. Convém lembrar que,em umaorganização, todos os membros são parte de um siste-ma social maior, e que não deixam de sê-lo quando es-tão no interior das organizações. Esses indivíduos fa-zem e refazem constantemente as transações entre aorganização e o meio ambiente social e vice-versa.Inúmeros autores têm chamado atenção para esse fa-to, e de modo muito especial para as chamadas transa-ções através das fronteiras permeáveis da organização,o que tem sido sublimado pelos teóricos de sistemasem geral e em particular pelos pesquisadores do Tavis-tock Institute de Londres." Além disso, as organiza-ções constituem nada menos que o essencial da supe-restrutura político-institucional de qualquer formaçãosocial. Assim, é ao nível das organizações complexasque se realizam as relações de dominação na socieda-de.iMas as organizações não são apenas isso: elas são,em conjunto, o local por excelência das relações deprodução e das forças produtivas, incluídas, evidente-mente, as formas de cooperação, que representam abase material da sociedade, além de constituírem apa-relhos ideológicos por excelência. Nada mais lógico doque a realização e a reprodução a nível organizacionaldaquilo que ocorre em um plano social maior, no qual,sem dúvida, as organizações têm papel central.

O nível da influência grupal é, todavia, mais facil-mente visualizável para os indivíduos. O comporta-mento grupal tem sido exaustivamente estudado pelosteóricos das organizações e pelos psicólogos sociais,em especial a partir de Kurt Lewin. Modernamente, atradição psicanalítica também tem-se preocupado como grupo de forma bastante significativa. O trabalho deBion sobre o comportamento grupal parece ser algo in-corporado de modo definitivo aos esforços de com-preensão dessa sorte de processos. Outras tradiçõesbastante diversas vêm-se ocupando dos grupos de tra-balho: na França, o grupo da análise institucional, e

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nos Estados Unidos, o grupo do desenvolvimento or-ganizacional. Michael Beer, reportando-se a Likert ereferindo-se às intervenções intergrupais em termosdessa última vertente, afirma: "O grupo primário é,provavelmente, o mais importante subsistema do inte-rior de uma organização. Sua importância naconfiguração do comportamento organizacional fazrecordar a visão de Likert da organização com umasérie de pequenos grupos ligados por indivíduos quesão membros em um grupo, e líderes em outro. Não é,portanto, surpreendente que o desenvolvimento grupaltenha recebido tanta atenção (ênfase)". 17

Naturalmente, a visibilidade do grupo é tão fortepara o indivíduo, entre outras razões, porque define oseu "universo social". Faz sentido declarar que "umconjunto de afirmações grupais de uma pessoa podeser visto como definidor de sua posição, em umaorganização, de modo análogo à forma pela qual aposição espacial de uma pessoa define sua posição nouniverso físico. Nos dois casos, a filiação e a posiçãoespacial afetam fortemente a quantidade e o carátersubstantivo dos estímulos aos quais as pessoas estãoexpostas nas atividades cotidianas" .18 O que ocorre anível do ambiente social é menos visível, mesmo por-que a própria relação organização-ambiente, de quetanto se vem falando e repetindo, por vezes com signi-ficados tão vagos a ponto de comprometer o conteúdodos conceitos, é bem menos concreta. Sobre isto é es-clarecedora a colocação de William Starbuck, segundoa qual, "em nível não desprezível, um ambiente orga-nizacional é uma invenção arbitrária da própriaorganização"!" e, prosseguindo, "o mesmo ambiente,percebido por uma organização como imprevisível,complexo e evanescente, pode ser visto por outraorganização como estático e facilmente com-preensível" .20

Esse é o universo do controle social nas organiza-ções. Um universo que envolve necessariamente algunsdos aspectos essenciais de qualquer organização por-que é, ele próprio, essência de qualquer organizaçãocomplexa. Um universo que envolve relações deprodução, formas de organização do trabalho,inculcação ideológica, repressão, dinâmica grupal eidentificação, conforme detectaram vários autores epesquisadores, como Lloyd Warner," antropólogoque percebeu a importância da dimensão psicológicana explicação do sucesso profissional em organiza-ções, e que tanta influência exerceu sobre a sociologiaamericana. Mais recentemente, Max Pages, pesquisa-dor de Paris-Dauphine, vem também desenvolvendotrabalho de enorme interesse no campo, focalizando opapel da canalização de energia libidinal no controlesocial das organizações."

Em particular, o controle social envolve poder e au-toridade, pelo simples fato de constituir a própriaefetivação da dominação. Por esta razão, a preocupa-ção com o controle social nas organizações é a críticade como a autoridade se estrutura burocraticamenteem organizações tradicionais. A literatura clássica so-bre o tema é abundante na tradição da análise organi-zacional, tornando conveniente e urgente um esboçode avaliação dessa produção intelectual. Tradição qua-se ininterrupta na história da teoria das organizações,

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tem em Robert King Merton um pioneiro e, provavel-mente, ainda não tem um último representante. Esseesboço de avaliação é o que vamos tentar efetuar a se-guir.

1. MERTON, SELZNICK E GOULDNER

Para Robert King Merton, a temática do controle so-cial é tratada via crítica da burocracia, inaugurandouma longa tradição. A burocracia é vista comó porta-dora de funções e disfunções, e isto nos ajudará a per-ceber as diferenças entre o "tipo ideal" e a realidade.Para ele, aburocracia pode ser estudada em termos deseu direcionamento para a precisão, a confiança e aeficiência,e de suas limitações para alcançar esses fins.A análise de Merton parte da exigência de controle,por parte da burocracia, para seu funcionamento satis-fatório.

Assim, ela exerce pressão sobre o funcionário, emtermos de comportamento "metódico, prudente e dis-ciplinado". Tal pressão decorre da necessidade de umalto grau de confiança na conduta dos funcionários.>Destaca-se, portanto, a relevância da disciplina. Estasó se realiza se os padrões estabelecidos forem susten-tados por sentimentos que garantam a dedicação dosfuncionários aos deveres burocráticos. Em última ins-tância, portanto, a eficácia da burocracia depende dainculcação de atitudes e sentimentos apropriados a seufuncionamento."

Ocorre, porém, que tais sentimentos inculcados ten-dem a se intensificarem mais do que o necessário, di-minuindo o número de relações personalizadas, substi-tuídas pelo apego excessivo às exigências dos procedi-mentos burocráticos, estimulado pelo próprio planeja-mento da vida burocrática, isto é, de uma carreira gra-duada, caracterizada por promoções, pensões, reajus-tes salariais, etc. Ao funcionário cabe, portanto, aadaptação de pensamentos, sentimentos e ações, comvistas às perspectivas oferecidas pela carreira. Isto ten-de a estimular o seu conformismo, conservadorismo etecnicísmo."

Tal inculcação, estimulada pelo formalismo dos pe-quenos procedimentos, leva ainda à transferência daidentificação com os meios, representados pela condu-ta exigida pelas normas. A submissão à norma, quepassa de meio a fim em si mesma, gera, a nível daorganização, um deslocamento de objetivos. Em ter-mos das "virtudes" do burocrata, leva à rigidez decomportamento e à dificuldade no trato com o públi-co, a quem a burocracia deve atender .26

Tal dificuldade é estimulada pela categorização, istoé, pela tendência ao enquadramento da grande varie-dade de casos particulares a algumas poucas categoriasde tratamento. O burocrata, longe de ser estimuladoao comportamento inovador, é estimulado à seguran-ça e ao conforto oferecidos pela obediência cega aosregulamentos. Previsibilidade e rigidez de comporta-mento caminham, portanto, de-modo paralelo, Porsua vez, ao mesmo tempo em que há uma redução dasrelações personalizadas, dá-se o desenvolvimento doesprit de corps, a auto-defesa do grupo burocrático pe-rante a sociedade e seu público. O desenvolvimentodessa autodefesa burocrática tende a aumentar a rigi-

dez dos funcionários, cônscios de seus interesses co-muns e em busca de defendê-los.

Na linha Merton, a principal conseqüência da rigi-dez de comportamento é o surgimento de umaorganização informal defensiva em face de qualquerameaça à integridade do grupo, o qual busca atender aseus objetivos, muito mais do que aos dos clientes, pa-ra cujo serviço a burocracia existe. Tal fato em geralimplica o conservadorismo, bem como a redução aomínimo de contatos pessoais com os clientes, seguidado tratamento impessoal de assuntos que para estestêm importância pessoal, além do aparecimento doconflito entre o burocrata, que se sente investido daautoridade de toda a organização, e o clierite que,julgando-se muitas vezes socialmente superior a ele,também pode adotar uma atitude dominante."

Embora de forma alguma se possa imputar falta depercepção da realidade à análise de Merton, ela semdúvida padece das deficiências fundamentais da críticaadministrativa. Como bem' observa Lapassade, se odesempenho real das organizações que se regem segun-do a rigidez burocrática não lhes traz os resultados de-sejados, por que a administração não se deteríoraj= Aresposta a esse tipo de pergunta vincula-se, necessaria-mente, à percepção da burocracia enquanto poder edominação. Isto explica, em parte, por que a "buro-cracia ama os burocratas e os burocratas amam a bu-rocracia" ... 29

A percepção de todo o modelo desenvolvido porMerton fica bastante facilitada pela análise do gráfico1que se segue: 17Gráfico 1Modelo simplificado de Merton*

Exigênciade controle

I Snfuena

I confiabilidade

Rigidez.-- de comportamento

Justificabilidade e defesa mútua

da açfo individual na orgaruzaçLo

(recurso â

categorízação)

Grau t-de dificuldadecom os clientes

4-----,IIIIII

II

Sentimentoda necessidade

de defesada aç!o individual- ...•

." h . - .. ~. are, James G. & Sirnon, Herbert A. Teoria das organizações.Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, 1966. p. 53.

Selznick desenvolveu o seu modelo mostrando, co-mo Merton, algumas formas pelas quais a burocraciaacaba alcançando resultados não desejados. Sua

Controle social

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análise deriva do estudo da TVA, uma agência regio-nal norte-americana algo semelhante à Sudene, cujosresultados foram publicados em 1949.3' Em trabalhosposteriores, o seu modelo é um marco de referênciasubjacente." De modo diferente, porém, de Merton,que salientou o papel das decisões derivadas da exigên-cia de controle, Selznick salienta o papel da delegaçãode autoridade.

Seu pressuposto é que as burocracias se caracteri-zam pela busca constante da integração de objetivos desubgrupos à doutrina oficial da organização. É, por-tanto, o reino do conflito, o reino da tentativa delegitimação de interesses parciais e, com freqüência,divergentes. Partindo do principio da especialização, ahierarquia delega autoridade, estabelecendo departa-mentos diversos para assuntos diversos. Com isto, éverdade, os funcionários ganham experiência emdomínios restritos, reduzem os problemas nos quaisconcentram sua atenção e aperfeiçoam a forma detratá-los. Assim, a prática da delegação de autoridade,que não deve ser vista estritamente como delegação decontrole, mas como delegação de funções, é ampla-mente estimulada. Selznick observa, porém, que al-guns problemas decorrem dessa prática.

Em primeiro lugar, deve-se lembrar que não só oteor das decisões organizacionais tende a se modificar,como a produção de ideologias de subgrupos tende ase desenvolver. Assim, sob a pressão de seus ruralistas,a TVA alterou, gradualmente, um aspecto significati-vo de seu caráter de agência conservadora, contradi-

18 zendo seus objetivos estabelecidos. Com efeito, refle-tindo atitudes e interesses próprios, o grupo rural daTVA lutou contra a política de utilização de terras depropriedade pública, contribuindo de forma efetivapara a alteração da política original da TVA a esse res-peito. Aliás, a busca inflexível de interesses próprios,por parte do grupo rural da agência, acabou porenvolvê-la em um conflito com o Departamento do In-terior, a nível da alta administração central federal."

Em termos simples, a análise de Selznick indica quea delegação de autoridade, bifurcando interesses me-diante a especialização, e propiciando o desenvolvi-mento de ideologias grupais ou subgrupais, acaba poraumentar, no interior dos próprios membros dos sub-grupos, a internalização de subobjetivos, processo emque desempenham um papel básico as decisões de roti-na.

Como estas dependem, em primeira instância, doscritérios estabelecidos pela organização, a própriaoperação das tarefas especializadas será responsávelpela criação de precedentes, que acabarão por consti-tuir a reação comum a determinadas situações,transformando-se, portanto, em padrões repetitivos deconduta e internalizando cada vez mais os objetivosdos subgrupos e não os da alta cúpula hierárquica ouda burocracia, como prefere Selznick. A busca deobjetivos desejados pode, portanto, transformar-se fa-cilmente na realização de objetivos inesperados e inde-sejados pela burocracia, entendida em termos das dire-trizes estabelecidas pelo comando monocrático.

Embora a análise de Selznick seja interessante e rea-lista, escapa-lhe a verdadeira percepção da burocraciaenquanto poder e de sua decorrência: a lógica do com-

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portamento burocrático. Com efeito, o padrão que aanálise de Selznick torna transparente oculta o fato deque a burocracia existe pelos burocratas e para os bu-rocratas. Assim, a multiplicação de tarefas especializa-das, cargos e departamentos são a própria raisond'être dos burocratas. Em última instância, quantomais cargos, melhores as condições de aumento do po-der burocrático, o que, a nível de sociedade global, sig-nificaria que, quanto mais organizações burocráticas,mais satisfeitos os burocratas. Isto é evidente erelaciona-se com a própria carreira burocrática, suamobilidade vertical e horizontal.

Na verdade, já em Selznick, tanto quanto em Mer-ton, vamos encontrar a contradição fundamentalque permeia a teoria da organização funcionalista-sistêmica: a mediação entre teoria e realidade feitapor modelos que, quanto mais claros, menor valor ex-plicativo apresentam, e quanto mais ricos, mais per-dem esse valor. Isto ocorre porque o modelo é seletivo;parte de hipóteses preferenciais, sem estar inserido emuma teoria histórica. Assim, o valor dos critérios quepresidem a escolha das variáveis em jogo é que dá ofundamento do modelo. Selznick não consegue esca-par ao aspecto central da crítica administrativa da bu-rocracia: a expressão da razão do poder, muito maisdo que do poder da razão;" Tal conceito nos faz.pen-sar duplamente em Veblen. Primeiramente, porque elefoi um dos inspiradores de Merton, com seu conceitode "incapacidade treinada", e em segundo lugar, por-que é dele a afirmação: "A autenticidade e a dignidadesacramentais não pertencem â tecnologia, à ciênciamoderna, nem às atividades mercantis" ... 35

De qualquer forma, porém, para perceber bem omodelo de Selznick, nada mais nítido que o gráfico 2a seguir.Gráfico 2Modelo simplificado de Selznick*

+-------,

Bifurcaçãode interessesGrau

de treinamentoem assuntos

especializados

IntemaJizaçãode sub-objetivos

pelos participantes

Operacionalidadedos objetivos

da organização

Intemalizaçãodos objetivos

da OIglIÚzaçãOpelos participantes

• March, James G. & Simon, Herbert A, Teoria das organizações,p,73. .

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Segundo o modelo de Alvin Gouldner, a origem dasperturbações no equilíbrio da organização como siste-ma maior, derivadas de técnicas de controle destinadasa manter o equilíbrio de um subsistema, está na ado-ção de diretrizes gerais e impessoais como forma desolução para o controle exigido pela cúpula bu-rocrática. Naturalmente, a despersonalização diminuia visibilidade das relações de poder, o que se relacionade modo direto com o papel do supervisor. Com isto,altera-se o nível de tensão interpessoal no grupo de tra-balho.

Para Gouldner, enquanto unidade operacional, ogrupo de trabalho tem sua sobrevivência altamente fa-vorecida pelo estabelecimento de diretrizes gerais, oque só estimula a adoção crescente de tais diretrizes.Ocorre, porém, que as normas de trabalho evocam,nos membros da organização, atitudes mais intensasdo que aquelas pretendidas pelos detentores da autori-dade, na medida em que, definindo os padrões ina-ceitáveis de comportamento, essas normas burocráti-cas ampliam o conhecimento dos padrões mínimosaceitáveis. Se houver baixo nível de internalização dosobjetivos da organização por parte dos funcionários, éde se esperar que a explicitação de níveis mínimos dedesempenho admissíveis aumente a diferença entre oplanejado e o realizado, dando margem ao que, vul-garmente, se dá o nome de nivelamento por baixo."

O pressuposto é o da existência, na teoria de Weber,de conflitos decorrentes de uma eventual incapacidadedo autor de ver as tensões burocráticas, pelo fato deanalisar de forma primordial a burocracia governa-mental, solidária a nível de aparência. Tal deslize nãoteria ocorrido se a fábrica tivesse sido seu foco deanálise. Ali, as tensões, por serem mais evidentes, for-çá-lo-iam a ver que as normas poderiam ser racionaisou vantajosas para um nível hierárquico e não neces-sariamente para outro. É evidente que o pressupostopeca pela base. Mais uma vez se pretende colar o tipoideal à realidade e ver o que fica do lado de fora. Onível de abstração em que trabalhou Weber foi bemmais alto. Além disso, é preciso distinguir entreorganização burocrática e burocrata. Assim, não éobrigatório que todas as pessoas que trabalham emuma burocracia sejam burocratas. Os operários deuma fábrica, limitados pura e simplesmente a tarefasde execução, não são burocratas, mas trabalham emorganizações burocráticas e estão submetidos ao poderburocrático. Isso está cristalino em Max Weber, quan-do afirma que "é simplesmente ridículo que nossos li-teratos possam crer que o trabalho não-manual no es-critório privado é diferente, um mínimo que seja, dotrabalho numa repartição pública. Ambos são basica-mente idênticos. Sociologicamente falando, o Estadomoderno é uma 'empresa' (Betrieb) idêntica a umafábrica: esta é exatamente sua peculiaridade históri-ca" .38

Para Gouldner, há em Weber, além disso, uma "in-cipiente distinção entre normas impostas e normas es-tabelecidas por acordo, indicando dois aspectos maisamplos de um mesmo problema, entrelaçados em suateoria" .39 A afirmação acaba bem, mas começa muitomal: a distinção incipiente é nada mais nada menos doque a visão clara da manifestação da dominação me-

diante poder de mando e subordinação, e da domina-ção mediante uma constelação de interesses - umatransformando-se facilmente na outra. Nada mais doque a base da teoria weberiana da burocracia, que na-da tem de incipiente!

Tudo fica bem mais simples, quando se percebe adiferença entre "tipo ideal", "construção conceitual"e burocracia concreta e historicamente situada, refle-tindo as contradições fundamentais de uma dadaformação social e contribuindo para acentuá-las. E éisto o que faz a burocracia sob o reino do antagonis-mo. O que esperar de uma forma de dominação quetem a disciplina como aspecto fundamental, a qual, se-gundo o próprio Weber, tem como conteúdo "apenasa execução consistentemente racionalizada, metodica-mente exercitada e exata da ordem recebida e na qualtoda crítica pessoal é incondicionalmente suspensa, ca-bendo ao ator única e exclusivamente executar a or-dem"?"

Em termos concretos, Gouldner também concebeuum modelo no qual a burocracia é vista comoorganização dotada de funções latentes e manifestas.A percepção de seu modelo é simples, a partir dográfico seguinte:Gráfico 3Modelo simplificado de Gouldner*

19

r----II~

+I

Conhecimentodos padrl!es mínimos

aceitáveis

Nívelde tensão

ínterpessoal

I't

Diferençaentre objetivosda organizaçãoe sua realízação

* March, J. G. & Simon, H. A. Teoria das organizações. p. 74.

2. MICHEL CROZIER

Michel Crozier procurou fundamentar sua análise dosistema de organização burocrática na luta pelo podere por sua manutenção. Todavia, não conseguiu, emsuas primeiras e mais clássicas análises, fugir aos para-digmas da herança da crítica administrativa da buro-cracia, já por nós levantados. A crítica inicial de Cro-zier é um típico exemplo de como um método deanálise pode empobrecer um conjunto rico de idéias.

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Para ele, sensatamente, não se pode compreender ofuncionamento de uma organização, sem levar emconta os problemas da administração. E os problemasda administração são vistos como problemas de açãocooperativa, muito mais do que como problemas dedominação. Por esse motivo, tem como ponto de par-tida o pressuposto de que "toda ação cooperativacoordenada exige que cada participante possa contarcom um grau suficiente de regularidade por parte dosoutros participantes, ou seja, que toda organização,qualquer que seja sua estrutura, quaisquer que sejamseus objetivos e sua importância, requer de seus mem-bros uma quantidade variável, mas Sempre importan-te, de conformidade" .42

Até o início do século XX, a conformidade foi obti-da por meio da violência, e as empresas do século XIXadotaram o velho modelo burocrático militar. Com to-da razão, Crozier salienta que é um erro negligenciar,em sociologia história, a documentação disponível so-bre os fundamentos das primeiras grandes organiza-ções comerciais, dos primeiros exércitos permanentes edas ordens religiosas.v.Todavia, Crozier não faz umasociologia histórica. Apresenta maisum modelo, dota-do de quatro traços essenciais que caracterizam a bu-rocracia moderna. Como os demais modelos já men-cionados, peca pela falta de colocação da burocracianuma perspectiva hístórica."

Os quatro traços que Crozier apresenta, de formacrítica, são:- a extensão do desenvolvimento das regras impes-soais, que vê a burocracia como um freio ao arbítrio eao favoritismo, mas, ao mesmo tempo, também a vêcomo um freio ao desenvolvimento da personalidade eda criatividade;- a centralização de decisões, levando à rigidez orga-nizacional;- o isolamento dos níveis ou categorias hierárquicas,levando ao deslocamento de objetivos;- o desenvolvimento de relações de poder paralelas.

O conjunto dessas quatro características tende aconstituir uma série de círculos viciosos, reforçadoresda impessoalidade e da centralização. Mais uma vez, acamisa de força do método funcionalista não permiteperceber o real espírito da burocracia. Volta-se a umidealismo quase hegeliano, mas pobremente hegeliano;ressalte-se que a crítica do jovem Marx, desvendando amistificação do interesse geral, é ignorada, e a leiturade Weber é feita fora da história. Afora isto, ao fazeruma crítica humanista da sociedade francesa, coloca aparticipação como um mito." Toda participação seráum mito? Há muitos exemplos históricos de participa-ção. Se ela tende a ser uma forma de manipulação ouuma concessão secundária das elites dominantes,trata-se de um outro problema, que merece um estudomais acurado. A solução é colocada na constituição desistemas mais abertos de regulação, mediante o quechama de investimento institucional, e tal investimen-to, "política e economicamente doloroso, começa portornar os dirigentes políticos mais racionais" .-1" Assim,mudar-se-á a França e, talvez, o mundo ... A que outraconclusão se poderia chegar, a partir da doutaconstatação da burocracia como sistema incapaz deautocorreção? Para qualquer outra conclusão, seria

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necessário que não se fizesse uma crítica burocráticada burocracia.

3. O GRUPO DE ASTON

Em termos bastante gerais, podemos afirmar que otrabalho do Grupo de Aston, na Grã-Bretanha, pre-tendeu demonstrar, de modo empírico, que burocraciaconstitui um conceito pluridimensional, ao contráriodo que o "tipo ideal" de Max Weber sugere. Escolhe-ram para tanto um caminho ingrato, o teste empíricode uma construção teórica que, por sua própria natu-reza, não é empiricamente testável. Ainda assim, deposse de um instrumento analítico relativamente sofis-ticado, pretenderam invalidar o "tipo ideal" weberia-no, com base na descoberta de uma correlação negati-va entre estruturação de atividade e centralização natomada de decisões. Mesmo deixando de lado a inge-nuidade da proposta metodológica, resta ainda umproblema, que consiste no fato de que Weber pareceter relacionado concentração de poder no topo da hie-rarquia e atividades altamente estruturadas, o que na-da tem a ver com centralização ou descentralização natomada de decisões."

O trabalho do Grupo de Aston levou ao estabeleci-mento de uma taxonomia empiricamente derivada,que não pretende ser exaustiva, incluindo sete tipos di-versos de burocracia: a) plena; b) plena nascente; c) defluxo de trabalho; d) nascente de fluxo de trabalho; e)de pré-fluxo de trabalho; f) burocracia de pessoal; g)organização implicitamente estruturada.

Estes tipos refletem o que o Grupo convencionouchamar três "dimensões" burocráticas, operacional-mente definidas: a) estruturação de atividade; b)concentração de autoridade; c) controle de linha defluxo de trabalho." Além dos problemas que, já deinício, comprometem sua pesquisa, o Grupo de Astonincorreu ainda em numerosos problemas de naturezaconceitual, metodológica e operacional. Houve falhana definição das variáveis e chegou-se a resultados tau-tológicos, uma vez que formalização e padronizaçãomediram quase a mesma coisa. Além disso, como foiamplamente reconhecido, existindo vinte empresas fi-liais em sua amostra, teria sido surpreendente encon-trar baixa correlação entre centralização na tomada dedecisões e perda de autonomia, e não o contrário, co-mo concluíram os pesquisadores. Na verdade, o ba-lanço do trabalho do Grupo de Aston aponta um em-preendimento intelectual infeliz, apesar da grande di-vulgação que alcançou. De resto, todos os problemasencontrados na crítica administrativa da burocracia aliestão presentes.

4. OUTROS CRÍTICOSE OS LIMITES DA CRÍTICA

Há ainda muitos críticos que poderiam ser incluídos navertente da crítica administrativa da burocracia. Entreeles estão, sem dúvida, W. W. White, Chris Argyris,Maslow, Warren Bynnis, McGregor, Presthus, Likert,Mouten e Blakee Herbert Shepard, que demonstram aobsolescência da organização burocrática, do ponto devista das necessidades humanas. Alguns desses autores

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incidiram no engodo da organização pós-burocrática,outros não. Poucos, de qualquer forma, perceberamque o que importa é a análise da burocracia enquantopoder. Mesmo assim, chegaram a algumas colocaçõesque são interessantes, como a de que a burocracia levaa práticas e relações que, em larga medida, repetem ainfância." Outras análises, estas sim mais interessan-tes, fogem aos paradigmas da crítica administrativa,colocando o estudo das organizações em um nível deindagação bem mais elevado; a crítica administrativaconvencional da burocracia está, porém, há muito emcrise, não se podendo esperar dela nenhum grande es-clarecimento no que se refere à questão do controle so-cial nas organizações. Ela prometeu muito e cumpriupouco. A incapacidade de ver a burocracia como for-ma de poder historicamente situada está no centro des-sa crise, que diz respeito não apenas à crítica adminis-trativa, mas a toda a produção intelectual de cunhofuncionalista."

Aqui, porém, não é apenas. a análise externa dessascolocações teóricas que revela a crise. São muitas vezesos próprios formuladores de crítica administrativa quechegam à percepção dos impasses que demonstramseus quadros de referência. Este é, por exemplo, o casode Alvin Gouldner e Michel Crozier. Alguns trechos deobras suas mais recentes falam por si mesmos. Assim,afirma Gouldner: "Três forças contribuíram para acrise em pauta (do estrutural-funcionalismo): I. o apa-recimento de novas infra-estruturas; dissonantes emrelação à teoria funcionalista estabelecida entre a ju-ventude de classe média, estrategicamente íntima domeio universitário em que a teoria social é feita e trans-mitida; 11. os desenvolvimentos internos à própria es-cola funcionalista, que inseriram uma crescente varia-bilidade e hostilidade em seu trabalho - uma entropia- e assim obscureceram a clareza e a assertividade deseus limites teóricos e destruíram sua especificidadecomo escola; IH. o desenvolvimento do welfare state,que aumentou consideravelmente os recursos dis-poníveis para a sociologia. Os funcionalistas aco-modaram-se ao welfare state, mas, ao mesmo tempo,tal acomodação ocorreu através da geração de ten-sões que envolveram os_pressl!postos tradicionalmen-te centrais para o modelo funcionalista" .5\ Na realida-de, o funcionalismo sempre foi uma corrente legitima-dora de uma formação social. Sua crise revela a fasemais profunda dessa formação. Basta pensar no quefoi a década de 60 nos Estados Unidos e na França,por exemplo, para que isto se torne evidente.

Crozier e Friedberg são ainda mais claros na percep-ção da crise do quadro de referências que norteia acrítica administrativa da burocracia: "( ... ) toda estru-tura de ação coletiva se constitui como sistema de po-der. Ela é fenômeno, efeito e fato de poder. Enquantoconstrução humana, ela organiza, regulariza, 'provi-siona' e cria poder, para permitir aos homens acooperação em empreendimentos coletivos. Todaanálise séria da ação coletiva deve, portanto, colocar opoder no centro de suas reflexões, pois, em última ins-tância, a ação coletiva nada mais é do que a políticacotidiana. O podér e sua 'matéria-prima' (... ) Entre-tanto, o poder continua a ser o eterno ausente em nos-sas teorias da ação social" .52

Naturalmente, quase tudo que se diz e se escreve so-bre controle social nas organizações tem no poder ogrande ausente. Também no que se diz a respeito daburocracia, forma de institucionalização da domina-ção, toda a atenção é concentrada nos arranjos admi-nistrativos e quase nenhuma na problemática do po-der, o que torna a tradição managerialista bastanteempobrecida em muitos aspectos. Fundamental é per-ceber o fenômeno de distanciamento que ocorre entremuitos teóricos organizacionais e as formulações deWeber, tido como seu inspirador.

5. WEBER E A TRADIÇÃO MANAGERIALIST A

A produção intelectual de Max Weber precisa ser com-preendida a partir do marco histórico que a determina- a Alemanha do século XIX - e das primeirasdécadas do século XX. A crítica administrativa da bu-rocracia é, portanto, uma leitura específica de MaxWeber, que se precisa entender a partir de outro marcohistórico, a saber, os Estados Unidos, principalmenteda década de 1940em diante, e de outros países desen-volvidos contemporâneos.

Assim, não se pode perder de vista que o ImpérioAlemão, que' desaparece realmente na época da eclo-são da Primeira Grande Guerra, existiu durante umséculo sob as formas da Confederação Alemã, do au-toritarismo bismarckiano e do reinado de GuilhermelI. O período que vai de 1862a 1866 tem especial rele-vância, já que nessa época a hegemonia prussiana so-bre a austríaca torna-se um fato histórico e, em grande 21medida pelas mãos de Bismarck, a unificação alemãtorna-se um problema resolvido.

Não fora resolvida, porém, a tensão com a França eas pressões exercidas por Napoleão UI, que acabaramconstituindo a base política da guerra franco-prussiana de 1870 a 1871. Em resumo, os resultadosdessa guerra foram a formação do Império Alemão, oII Reich sob Guilherme I, rei da Prússia, e a perda, porparte da França, da Alsácia, salvo Belfort, e da maiorparte da Lorena, bem como o pagamento de umaindenização de 5 bilhões de francos.

Se o equilíbrio de poder entre as potências européiasgarantiu um período relativamente tranqüilo para aAlemanha, tal equilíbrio durou somente até a I GuerraMundial. O país, no pré-guerra, tem uma ação políticaconsiderável, buscando a todo custo a aliança inglesacontra as investidas das potências continentais, alémde procurar evitar um conflito armado nos Bá1cãs, on-de fervilhava a rivalidade austro-russa. Talvez, porém,mais do que tudo, sua ação política se concentrasse nabusca do isolamento da França, entre outras coisas pa-ra que esta não reconquistasse a Alsácia e a Lorena.

De modo mais amplo, todo o período que com-preende o século XIX e as primeiras décadas do séculoatual é de crucial importância política para a Alema-nha. Bismarck foi um estadista forte, de ação decisiva.No plano da política externa, articulou todo um con-junto de alianças com a Rússia e Áustria e, posterior-mente, com esta última e a Itália, institucionalizando a .Tríplice Aliança em 1882. A política externa, de Bis-marck, tanto quanto a interna, foi inclusive res-

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ponsável por sua demissão em 1890, a partir de desa-cordos manifestos com Guilherme 11. O que o primei-ro temia acaba por ocorrer: a Tríplice Entente, entreGrã-Bretanha, Rússia e França. A Triplice Ententesurge como uma frente, em face da Tríplice Aliança daqual a Alemanha fazia parte. Esta é a situação àsvésperas da IGuerra Mundial. A Alemanha é palco deuma situação interna na qual a hegemonia do Estadosobre a sociedade civil é incontestável. A situação eco-nômica é de instabilidade, e a social e política, de crisee fraqueza. A elite burocrática estatal é forte, na medi-da em que a burguesia e o proletariado não conseguemse impor nem juntos, nem isoladamente. O Parlamen-to não tinha qualquer poder efetivo sobre a burocra-cia, o que equivale a dizer que esta absolutamente nãoera controlada de forma adequada aos padrões de umademocracia liberal.

No plano econômico, a Alemanha não consegue tro-car seus produtos em posição competitiva, devido àTríplice Entente. No plano social, o clima é de temor.As classes médias obtêm pouco proveito de uma eco-nomia dominada por trustes e cartéis. Os grandes pro-prietários temem os perigos que vêm do exterior, oproletariado proeura se proteger no Partido Social De-mocrata e nos sindicatos. Os pequenos burgueses te-mem as reivindicações trabalhistas. O Parlamento,sem poder efetivo, está muito longe de poder ser vistocomo representante real do povo. O delírio coletivoexacerbado do pan-germanismo é dominante no come-ço do século."

Nesse contexto, Weber estuda a burocracia, e suaerudição o leva à elaboração de uma sociologia, nempositivista nem marxista, onde a teorização sobre adominação constitui elemento central. A obra monu-mental de Weber não recusa as determinações históri-cas. Ao contrário, as instituições administrativas sãoestudadas em épocas muito diversas, e o estudo da ra-cionalidade burocrática, que lhe é contemporânea, éparalelo ao da racionalidade capitalista. Na Alema-nha, onde Weber produz teoricamente, ele é um profe-ta desarmado. Percebe o poder da burocracia e perce-be o seu perigo. No plano político, propugna seu con-trole pelo Parlamento.

Todavia, a teorização de Weber foi por demais em-pobrecida pela reinterpretação cultural feita pela teo-ria administrativa. Todo o esforço foi dirigido no sen-tido de concentrar a atenção no "tipo ideal" de orga-nização burocrática, de perceber se as organizaçõesreais se adaptavam a ele ou não. Com isto, perde-se devista a problemática central, ou seja, a dominação bu-rocrática. Assim, a crítica administrativa, ao afirmarque estamos passando para uma fase de organizaçõespós-burocráticas, na verdade legitima ideologicamentea burocracia enquanto poder e dominação que é. Poresta razão, é preciso enfatizar o que é mais rico na so-ciologia política de Weber: a teoria da dominação.

Max Weber preocupa-se com a forma 'pela qual umacomunidade social aparentemente amorfa chega a setransformar em uma sociedade dotada de racionalida-de. Tal passagem dar-se-ia por meio do que chama deação comunitária, cujo aspecto fundamental é adominação. Esta pode manifestar-se como dominação

Revista de Administração de Empresas

mediante uma constelação de interesses, ou comodominação em função do poder de mando e subordi-nação. De qualquer forma, porém, uma pode facil-mente transformar-se na outra.

A dominação deve ser entendida como um estado decoisas no qual as ações dos dominados aparecem comose estes houvessem adotado como seu o conteúdo davontade manifesta do dominante. Assim, embora adominação seja uma forma de poder, ela não é idênti-ca ao poder. Poder é a possibilidade que alguém ou al-gum grupo tem de realizar sua vontade, inclusivequando esta vai 'contra a dos demais agentes da açãocomunitária.

A manifestação de qualquer dominação dá-se sob aforma de governo.> Isto ocorre porque as tarefas a se-rem realizadas exigem um aumento crescente de treina-mento e experiência. Assim, a necessidade técnica fa-vorece a continuidade dos funcionários, levando aoque Weber chama de dominação mediante organiza-ção. A dominação organizada confere uma vantagemaos funcionários, em face da massa dominada. 55 Talvantagem decorre de seu número relativamente peque-no, que possibilita o acordo rápido no sentido daconservação de suas posições, na criação e direção deuma ação racional. Embora tal vantagem se vá tornan-do menos provável, na medida em que aumenta onúmero de funcionários, as disposições que regem asocialização garantem aos chefes terem à sua disposi-ção, de modo constante, um círculo de pessoas interes-sadas em participar no mando e em suas vantagens.

O Círculo de funcionários potenciais, próximos aoschefes, permite o exercício do poder de coação e amanutenção da dominação, configurando aquilo queWeber chama de estrutura de uma forma de domina-ção: o relacionamento entre o chefe e seu aparato ad-ministrativo, e entre ambos e os dominados. Essa es-trutura aparecerá nas diversas formas que pode assu-mir a dominação, fundamentalmente tradicional,racional-legal e carismática. Tais tipos constituem umaresposta à questão da legitimidade da dominação, istoé, dos princípios em que se apóia a exigência de obe-diência dos funcionários ao senhor, e dos dominados,a ambos,

Como sabemos, a dominação legal fundamenta-seno primado da regra racional estabelecida, ma-nifestando-se em sua forma mais pura na burocra-cia, tipo específico de sua estrutura. É sempre bomlembrar que Weber tratou a burocracia como "tipoideal", ou seja, como uma construção conceitual apartir de certos elementos empíricos que se agrupam,logicamente, em uma forma precisa e consistente, masque, em sua pureza, nunca se encontram narealidade." De qualquer modo, porém, o formalismo,a impessoalidade e o profissionalismo burocráticotraduzem-se em uma administração heterônoma, ondea autoridade flui de cima para baixo, assumindo umaforma piramidal, e evidenciando seu caráter mo-nocrático, isto é, a obediência ao princípio da unidadede comando.

A heteronomia burocrática significa a ausência dequalquer autonomia indiv'dual ou social, no que diz

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respeito à participação no processo administrativo. Aação individual está claramente limitada pelas posiçõesna pirâmide organizacional. Que não restem dúvidas,para Weber, "a burocracia é um tipo de poder. Buro-cracia é igual a organização. É um sistema em que a di-visão de trabalho se dá racionalmente, visando deter-minados fins. A ação racional burocrática é a coerên-cia da relação de meios e fins visados" Y

Toda a teorização weberiana está inserida em umafilosofia da história que revela um certo grau de pessi- .mismo que outros grandes pensadores sociais nãocompartilham. Essa filosofia, traduzida em termossimples, implica a tensão entre o carisma, representan-do as forças criativas e espontâneas da sociedade, e arotina. "No processo histórico, o líder carismáticoconstitui uma força revolucionária. Nos momentoscríticos, quando as instituições sociais se tornam rígi-das demais e inadequadas para enfrentar situaçõesdifíceis e novas, o carisma, uma força destruidora,derruba a ordem estabelecida e abre novos caminhosde vida. Mas a vitória do carisma sobre a rotina nuncaé definitiva. Ao contrário, o carisma termina sendo ro-tinizado, estabelecendo novamente a ordem das coi-sas."

Para Weber, a burocratização do mundo modernoconstituía a maior ameaça à liberdade individual e àsinstituições democráticas das sociedades ocidentais. Aburocracia era, portanto, um perigo, e, por essa razão,devia ser sempre controlada pelo Parlamento."

Entretanto, mesmo assim, ele via o político adotan-do cada vez mais a ética do burocrata, com aburocratização dos partidos políticos. O pessimismoweberiano, longe de ser para nós motivo de desilusão,deve ser um alerta. Mais do que isto, deve-se percebernele o seu desagrado para com a burocracia. Referin-do-se a um debate do qual Weber tomou parte, War-ren Bennis faz uma tradução, aparentemente um pou-co livre, das palavras de Weber, mas que, de qualquerforma, dá uma idéia bastante forte de suas preocupa-ções nesse sentido: "É horrível pensar que o mundopossa vir a ser um dia dominado por nada mais quehomenzinhos, colados a pequenos cargos, lutando poroutros maiores; situação que será vista dominandoparte sempre crescente do espírito do nosso sistema ad-ministrativo atual e, especialmente, de seu produto: osestudantes (... ) A paixão pela burocracia é suficientepara levar alguém ao desesperoL'"

Coloca-se assim uma discussão teórica fundamentalpara a questão do poder e do controle social nasorganizações, da qual podem ser deduzidas muitas ou-tras hipóteses para pesquisa teórica e empírica.

A nós brasileiros, por exemplo, interessaria conhe-cer o processo de controle social em empresas familia-res e em modernas corporações, entre empresas nacio-nais e multinacionais. Também não será descabido in-dagar sobre possíveis diferenças regionais, bem comosobre outras variáveis, como tamanho e antiguidade.

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2 Caplow, T. Principies of organization. New York, Hartcourt,Brace& World, 1964. p. 169. Apud Porter, Lyman W.; Lawler, Ed-ward E. & Hackman, J. Richard. Behavior in organizations.McGraw Hill, 1975. p. 162. (Kogagusha International Student Edi-tion) .

3 Enriquez, Eugene. La Notion de pouvoir. In: L'Economie et lessciences humaines. Paris, Dunod, 1967. t. 1: Théories, conceptes etméthodes. p. 257-306.

4 Schein, Edgard H. The Individual, the organization and the ca-reer: a conceptual scheme. Journal of Applied Behavioral Science,7: 401-26, 1971. Apud Porter, Lyman W.: Lawler, Edward E. &Hackman, J. Richard. op. cito p. 167.

5 Porter, Lyman W.; Lawler, Edward E. & Hackman, J. Richard.Behavior in organizations. p. 169.

6 Goffman, Erving, Manicômios, prisões e conventos. São Paulo,Perspectiva, 1974. p. 24.

7 Lawler IH, Edward E. Control systems in organizations. In: Dun-nette, Marvin O., ed. Handbook of industrial and organization psy-chology. Chicago, Rand McNally, 1976. p. 1.250.

8 Lawler m, Edward E. Control... op. cito p. 1.257.

9 Lawler Hl, Edward E. Control... op, cito p. 1.266.

10 Payne, Roy & Pugh, Derek. Organization structure and climate.In: Dunnette, Marvin O., ed. op. cito p. 1.141.

II Barrett, Gerald V & Bass, Bemard M. Cross-Cultural issues in in-dustrial and organizational Psychology. In: Dunnette, Marvin O .•ed. op. cito p. 1.639. .

12 Barrett, Gerald V. &. Bass, Bernard M. Cross-Cultural ... op. cit,p. 1.661.

13 Barrett, Gerald V. & Bass, Bernard M. Cross-Cultural ... op. citop. 1.661.

14 Thomas, Kenneth. Conflict and conflict management. In: Dun-nette, Marvin D .• ed. op. cito p. 930.

15 Thomas, Kenneth. Conflict ... op. cito p. 891.

16 Veja Miller, E. J. & Rice, A. K. Systems of organization. Lon-don, Tavistock, 1967.

I7 Beer, Michel. Technology of organization development. In: Dun-nette, Marvin O., ed. op. cito p. 955.

18 Hackman, J. Richard. Group influentes on individuais. In: Dun-nette, Marvin O., ed. op. cito p. 1.459.

19 Starbuck, William H. Organizations and their environments.In: Dunnette, Marvin O., ed. op. cito p. f.078 e 1.080.

20 ido ibid

21 Wamer, 'w. Lloyd. Big business leaders in America. New York,Atheneum, 1963; __ o Industrial men, business men and businessorganizations. New York, Harper, 1960; __ o The American fede-ral executive: a study of the social and personnal characteristics ofthe civilian and military leaders of the United States federal govern-ment. New Harven, Yale University, 1963.

22 Pages, Max. Análise do poder e prática. de mudança nasorganizações. Recife, NA1, 1978. Original no CNRS, Paris.

23 Merton, Robert K. Sociologia, teoria e estrutura. São Paulo,Mestre Jou. p. 275.

24 Merton, Robert K. Estrutura burocrática e personalidade. In:Campos, Edmundo, org. Sociologia da burocracia. Rio de Janeiro,Zahar , 1966.

::!5 Merion, Robert K. Estrutura ... op. cit. p. 104.

20 Merton, Robert K. Estrutura ... op. cito p. 102.

27 Merton, Robert K. Estrutura o" op. cito p. 108.

2~ Lapassade, Georges. Grupos, organizações e instituições. Rio deJaneiro, Francisco Alves, 1977. p. 145.

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2~Lefort, Claude. Qué es la burocracia? Paris, Ruedo Ibérico, 1970.p.246.

30 March, James G. & Simon, Herbert A. Teoria das organizações.Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, 1966. p. 53.

31 Selznick, Philip. TVE and the grass roots. Berkeley, 1949.

32 Selznick, Philip. Leadership in Administration. lllinois, Evans-ton, 1957.

33 Selznick, Philip. Cooptação: um mecanismo para a estabilidadeorganizacional. In: Campos, Edmundo, org. op. cit. p. 99.

34 Tragtenberg, Mauricio. Burocracia e ideologia. São Paulo, Áti-ca, 1974. p. 28.

3S Veblen, Thorstein. Teoria da empresa industrial. Porto Alegre,Globo, 1966. p. 202.

36 March, James G. & Simon, Herbert A. op. cit. p. 73.

37 Gouldner, Alvin. Patterns of industrial bureaucracy. Glencoe, 11-linois, Free Press, 1954. Apud March, J. G. & Simon, H. A. op. cit.p.57.

38 Weber, Max. Parlamentarismo e governo numa Alemanha re-construída. São Paulo, Abril, 1974. p. 23. (Os Pensadores)

39 Gouldner, Alvin, Conflitos na teoria de Weber. In: Campos, Ed-mundo, org. Sociologia ... op. cit. p. 61.

40 Weber, Max. In: Mills, C. W. & Gerth, H. From Max Weber.New York, Oxford University Press, 1946. p. 254, original norte-americano de Weber ..,Max.Ensaios de sociologia.

41 March, J. G. & Simon, H. A. op. cit. 1970. p. 74.

42 Crozier, Michel. Le phénomêne bureaucratique. Paris, Seuil,1963. p. 242.

24~3 Crozier, Michel. op. cit. p. 243.

~~ Lapassade, Georges. op. cit , p. 154.

~5 Crozier, Michel. La Société bloquée, Paris, Seuil, 1970. p. 77.

~6 Crozier, Michel. La Societé ... p. 229.

47 Prestes Motta, Fernando C. O Sistema e a contingência. In: Teo-ria geral da administração: uma introdução. 5. ed. São Paulo, Pio-neira, 1976.

48 Pugh, D. S.; Hickson, D. J. & Hinnings, C. R. An Empirical ta-xonomy of structures of work organizations. Administrative ScienceQuarterly, lthaca, 14(3):378, Sept. 1969.

49 Thompson, Victor. Moderna organização. Rio de Janeiro, Frei-tas Bastos, 1967. p. 95.

50 Prestes Motta, Fernando C. Teoria das Organizações nos EstadosUnidos e na União Soviética. Revista de Administração de Empre-sas, Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, 14(2):1974.

51 Gouldner, Alvin. The Coming crisis of Western Sociology, NewYork/London, Basic Books, 1970. p. 410.

52 Crozier, Michel & Friedberg, Erhard. L 'Acteur et le systême. Pa-ris, Seuil, 1977. p. 22 e 24.

53 Veja Vermeil, Edmond. The German scene: social, political, cul-tural- 1890to the present days. London, George G. Harrap, 1956.

54 Weber, Max. Economia y sociedad. México, Fondo de CulturaEconómica, 1974. v. 2, p. 701.

55 Weber, Max. Economia ... p. 704.

56 Weber, Max. On the methodology of the Social Sciences. Glen-coe, lIIinois, 1949. p. 90-3.

57 Tragtenberg, Mauricio. op. cit. p. 139.

5X Mouzelis, Nicos P. Organization and bureaucracy, Tese de dou-toramento, London School 01' Econornics. New York, AlIine-Atherton, 1972. p. 20.

5~ Weber, Max. Parlamentarismo e Governo ... op cit.

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60 Veja Weber, Max. In: Bennis, Warren G. Organizações emMudança. São Paulo, Atlas, 1976. p. 18.

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