A Espiritualidade Hoje - Thomas Merton

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1. Introduo

1.1. Consideraes Gerais: A Espiritualidade hoje O tema desta tese a teologia espiritual de Thomas Merton e suas implicaes prticas diante dos desafios urgentes do mundo de hoje. Esse tema pertence rea de Teologia Sistemtico-Pastoral, com nfase na teologia da espiritualidade12. Espiritualidade crist a prpria f, enquanto faz a experincia da auto-doao de Deus em Cristo atravs do Esprito que une o Pai ao Filho e aos seres humanos, numa relao de amizade e intimidade esponsal. A espiritualidadePUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

crist no a negao da carne e da matria, mas o dinamismo profundo da autotranscendncia. No dualista, mas proftica, ecolgica e comunitria. O mstico algum que descobriu a dimenso do sublime em Deus, nos seres humanos e na criao. A presena de Deus em todas as criaturas desperta cuidado e venerao ou, numa palavra: compaixo. Mstico algum que penetrou na interioridade (en-stasis), a fim de descobrir o prprio Centro, vencendo a iluso e a disperso existencial, a superficialidade e o anseio consumista. S assim possvel sair de si (ex-stasis) e desprender-se na abertura

Entendemos aqui espiritualidade crist como a experincia trinitria de Deus. Tem como caractersticas: a abertura prpria profundidade, permitindo tocar os alicerces do nosso ser, feito imagem da Trindade; abertura aos outros (alteridade) em compaixo; abertura a Deus, fontalis plenitudo, principium totius divinitatis; e abertura criao, reconhecendo a dimenso espiritual do universo. Cf., BETTO, Frei e BOFF, Leonardo. Mstica e Espiritualidade. Rocco, 1994, p. 7. A espiritualidade crist trinitria, como desenvolve muito bem Helena Teresinha Rech, ao distinguir- O Pai, Fonte-Me, que nos inspira a desenvolver a paixo pela vida e sua promoo, tanto no nvel biolgico, quanto espiritual, poltico, social, cultivando a memria de nossa origem e o sentido da existncia humana. - O Filho, Deus humano-divino. Ele nos inspira a experienciar de modo harmonioso a filiao divina e a irmandade humana; a contemplao e a misso; a misericrdia e a profecia; a loucura da cruz e a segurana em quem se confia; a gratuidade e a prxis; o fracasso e a vitria pascal.- O Esprito Santo, amor interpessoal do Pai e do Filho, que nos inspira a viver na interioridade insondvel de Deus e ser consolador(a) dos aflitos; deixar-se ungir com o leo da misso e ser testemunha do amor interpessoal de Deus pela Palavra e pelo sangue; experienciar a contemplao militante e a libertao evanglica; a converso permanente e a profecia diria; a justia e a paz; a ternura e a profundidade; reavivar os ossos ressequidos (Ez 37,1ss) e as utopias sufocadas! RECH, Helena Teresinha. A experincia crist de Deus: Fundamentos Teolgicos. Atualidade Teolgica. v. 1 n. 2 jan/jun de 1998, p. 117-118. Rio- PUC.

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ao outro em compaixo.13 A compaixo implica em cuidado responsvel pelo outro, em seu abandono, pobreza e excluso. Assim a compaixo corrige e equilibra a mstica: A experincia do encontro com o mistrio de Deus no se d unicamente na interioridade fechada, mas na exterioridade face a face com o outro. H tambm um xtase de Deus, que sai de si para se encontrar com Sua criao e participar do sofrimento criatural (Ex. 3, 8). Jesus a compaixo de Deus. Mstica e compaixo se supem e se complementam, na seguinte relao: a compaixo o critrio para verificar a autenticidade da mstica, e esta a alma daquela. Uma relao que pode ser assim formulada: Nulla mystica sine compassione. Eis em que consiste a espiritualidade!14 Destarte, a espiritualidade e a mstica supem o ascensus hominis e o descensus Dei na mstica, e portanto, inspira o descensus hominis na compaixo. Contudo, a espiritualidade foi subestimada e compreendida erroneamente comoPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

fuga mundi, contemptus mundi, isto , como pietismo desencarnado, ahistrico e atemporal. Ora, espiritualidade no ramalhete espiritual, composto do nmero de missas assistidas, rosrios desfiados, penitncias praticadas e renncias voluntrias. No fuga do cotidiano. Pelo contrrio, como expressa muito bem a monja beneditina norte-americana Joan Chittister, a vida cotidiana que fornece o tecido para a verdadeira santidade15. Agora a espiritualidade conhece um novo despertar e uma recuperao vertiginosa, aps um relativo esquecimento. Merton um dos protagonistas dessa recuperao. De fato, a espiritualidade est de volta, j a partir das ltimas dcadas do sc. XX. Veio com renovado entusiasmo e intensidade. Basta elencar alguns exemplos:

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MELLONI, Javier. Itinerrio hacia una Vida en Dios. Barcelona: Cristianisme i Justicia, 2001, p. 9-10. 14 Em forma de pergunta, o Dicionrio de Espiritualidade nos d uma definio muito bela e programtica do que espiritualidade: Voltar comunho com Deus, viver em relao gratuita e dialogal com Ele, na leitura proftica do real e com a feliz certeza de que Ele caminha ao nosso lado, no , porventura, a expericia mais profunda que se possa conseguir nesse mundo? FIORES, Stefano e GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionrio de Espiritualidade, 2 ed. So Paulo: Paulus, 1993, p. VII (doravante abreviado DE).15

CHITTISTER, Joan. Sabedoria que brota do Cotidiano: Viver a Regra de So Bento Hoje. So Paulo: Subiaco, 2004, p. 18. Nessa mesma obra a autora constata que o Conclio Vaticano II, corrigindo a viso do passado de que s monges e monjas podiam levar vida espiritual, reconhece o chamado universal santidade e a autenticidade da vocao leiga na Igreja. (Ibidem, p. 19).

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1) O reflorescer de espiritualidades tradicionais, como a beneditina16, a carmelita e a inaciana, o encontro entre as msticas judaico-crist, sufi-crist, hindu-crist, e zen-crist; 3) as espiritualidades centradas na criao, as espiritualidades dos movimentos de paz e justia e, no por ltimo, a espiritualidade que embasa a teologia da libertao, aqui includos os movimentos feministas questionando o patriarcalismo e machismo predominantes na sociedade, cultura e religio.17 Todo esse fermento anima a reinventar a espiritualidade no futuro e promete culminar numa vigorosa mstica crist no Milnio entrante, redescobrindo as riquezas da f crist, dialogando com as intuies da psicoterapia, abrindo-se para a mstica das grandes religies da humanidade, e, finalmente, redimensionando a nossa pertena ao universo,18 e em especial ao Planeta Terra. Mas ainda sofremos com a separao entre teologia e espiritualidade, com a desconfiana frente aos msticos (que no poucas vezes foram perseguidos e marginalizados pelasPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

instncias oficiais da Igreja, para serem depois reabilitados). Destarte, a volta da espiritualidade no Novo Milnio oferece-nos a motivao necessria para a presente pesquisa, que vai enfocar a vida e a obra de um mstico da atualidade. O que nos levou a escolher esse tema o fato de Thomas Merton ser um dos maiores mestres contemporneos em teologia espiritual, tendo seus escritos levado milhares de pessoas a fazer a experincia do encontro com Deus sadia e profunda, sem dualismos. Sua espiritualidade assim to relevante por mergulhar fundas razes na Bblia Hebraica e no Evangelho, por redescobrir a rica mstica beneditina e cistercience dos primrdios (So Bernardo de Claraval), e enriquec-la ainda mais com a mstica posterior celta (Juliana de Norwich), entre outras.

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A espiritualidade beneditina essencialmente para leigos e leigas, e tambm feita por um leigo. Eis a sua essncia, descrita por Chittister; feita a partir da matria bruta da vida comum de cada dia, No assume grandes ascetismos e no promete grandes faanhas espirituais. No exige grandes renncias fsicas e no d grandes garantias msticas... A Regra de So Bento simplesmente toma a poeira e o barro de cada dia e torna-os belos.(CHITTISTER, J. Op. Cit., p. 21). 17 Em contrapartida a esse florescer da espiritualidade, surgiram movimentos fundamentalistas que, com seu fanatismo religioso, buscam se apegar a tradies do passado, supostamente ameaadas. Os fundamentalismos cristo, judaico e muulmano so responsveis por grande parte da violncia no mundo de hoje. 18 CAPRA, Fritjof. Pertencendo ao Universo: Exploraes nas Fronteiras da Cincia e da Espiritualidade. So Paulo: CULTRIX, 1991.

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Alm disso, Merton encontrou inspirao no Conclio Vaticano II para fazer uma abertura ao mundo contemporneo (da qual participam tambm os contemplativos), e um encontro fecundo com a cultura existencialista, que marcou todo o mundo do ps-guerra. A crescente redescoberta e reedio das obras de Merton comprovam o que acabamos de dizer sobre a volta da espiritualidade no mundo de hoje.19

Em 1993 termina o silncio auto-imposto por Merton de 25 anos aps a sua morte (ocorrida em 1968), para a publicao de suas obras. A partir da comea um intenso trabalho de edio e reedio, principalmente dos Dirios de Merton, (de 1995 a 1999), abarcando desde os seus anos pr-monsticos (1939) at sua morte martirial em 1968. Os cinco volumes de Correspondncias comeam j alguns anos antes. Por sua importncia, Os Dirios merecem ser citados por primeiro: HART, Patrick (Org.) Run to the Mountain: The Story of a Vocation. v. 1. 1939-1941. Nova Iorque: HarperSanFrancisco, 1995 (abreviado RtM). MONTALDO, Jonathan (Org.) Entering the Silence: Becoming a Monk and Writer. v. II, 1941-1952 (abreviado EtS). Nova Iorque: HarperSanFrancisco, 1996. CUNNINGHAM, Laurence S. A Search for Solitude: Pursuing Monks True Life. v. III. 1952-1960. Nova Iorque: HarperSanFrancisco, 1996 (abreviado SfS). KRAMER, Victor A. Turning Toward the World: The Pivotal Years, v. IV.1960-1963. Nova Iorque:HarperSanFrancisco, 1996 (abreviado TtW). DAGGY, Robert E. Dancing in the Water of Life: Seeking Peace in the Hermitage. v. V. 1963-1965. Nova Iorque: HarperSanFrancisco, 1997 (abreviado DWL). BACHEN, Christine M. Learning to Love: Exploring Solitude and Freedom, v. VI. 1966-1967. Nova Iorque:HarperSanFrancisco, 1997 (abreviado LtL). HART, Patrick (Org.). The Other Side of the Mountain: The End of the Journey, 1967-1968. Nova Iorque; HarperSanFrancisco, 1998 (abreviado OSM). HART, Patrick e MONTALDO, Jonathan (Orgs.). The Intimate Merton: His Life from His Journals. (abreviada IM). Nova Iorque: HarperSanfrancisco, 1999 (traduzida ao portugus como: Merton na Intimidade: Sua Vida em Seus Dirios. Rio de Janeiro: FISUS, 2001 (abreviada MnI). A obra de Merton surgida em portugus e lanada na Bienal do Rio em maio de 2003, traz oraes e desenhos feitos por ele. Foi compilada por MONTALDO, Jonathan (Org.). Dilogos com o Silncio: Oraes e desenhos. Rio de Janeiro: FISUS, 2003. (abreviado DS). MONTALDO, J. e DIECKER, Bernardete (Orgs). Em 2003 surge tambm a reedio da obra de SOUZA e Silva, Maria Emmanuel. Thomas Merton: Um Homem Feliz. Petrpolis: Vozes, 2003. Em 2004 surgem as seguintes tradues de Merton ao portugus. Amor e Vida. So Paulo: Martins Fontes, 2004; Sabedoria do Deserto. So Paulo: Martins Fonte, 2004. Alem desses sete Dirios supracitados, e de sua compilao em MnI (=IM), elencamos as seguintes obras de Merton, aparecidas a partir de 1993, tanto em ingls como em portugus: MERTON, T. Ascenso para a Verdade. Rio de Janeiro/ Belo Horizonte: Itatiaia, 1999 (abreviada ApV); MERTON, T. Contemplation in a World of Action. Indiana: University of Notre Dame Press, 2001 (abreviada CWA); MERTON, T. Montanha dos Sete Patamares, A. Belo Horizonte: Itatiaia, 1997 (abreviada MSP) (original The Seven Storey Mountain, abreviada SSM); MERTON, T. Na Liberdade da Solido, 2 ed. Petrpolis: Vozes, 2001; MERTON, T. Novas Sementes de Contemplao, 2 ed. Rio de Janeiro: FISUS, 2001 (abreviada NSC); MERTON, T. The Road to Joy: Letters to New and Old Friends . DAGGY, Robert E (Org.). Nova Iorque: A Harvest Book. 1993, p. 348ss (abreviada RJ). MERTON, T. Vida Silenciosa, A. 3 ed.Petrpolis: Vozes, 2002; MERTON, T. The School of Charity: Letters. HART, Patrick (Org.). Nova Iorque: Farrar, Strauss and Giroux, 1990 (abreviada SCh). MERTON, T. Witness to Freedom: The Letters of Thomas Merton in Times of Crises. SHANNON, William (Org.). Nova Iorque: A Harvest Book, 1995 (abreviada WF). MERTON, T. The Courage for Truth: The Letters to Writers. Nova Iorque: Farrar, Strauss and Giroux, 1993 (abreviada CT). MERTON, T. The Hidden Ground of Love: The Letters of Thomas Merton on Religious Experience and Social Concern. San Diego: Harcourt Brace Jovanovich, 1993 (abreviada HGL). MERTON, T. Faith and Violence: Christian Teaching and Christian Practice, 6a ed. Indiana: University of Notre Dame, 1994 (abreviada FV). Sobre Merton destacamos as seguintes obras:

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Atualmente parece haver uma grande desconfiana frente religio como instituio, ao passo que mstica enquanto caminho autntico para Deus parece exercer um fascnio e uma atrao cada vez maiores. Da o interesse crescente pelas obras de Merton no mundo de hoje. Sua espiritualidade sadia, capaz de criar em ns o assombro, a admirao e o enlevo diante do mistrio sublime de Deus, da criao, e do ser humano. O assombro o preldio do encontro com Deus, e possibilita perceber a dignidade das criaturas e a bondade divina nelas refletida, bem como o empenho por preservar essa dignidade quando violada e escamoteada. Por isso a espiritualidade mertoniana essencialmente libertadora, unindo mstica e profecia. Expe os grandes problemas do mundo luz do projeto libertador de Deus e de Seu Reino, denunciando as mazelas, como a canonizao da violncia, a injustia scio-econmica, de gnero e ecolgica. Assim, Merton inspira uma espiritualidade de resistncia aos poderes opressores, e dePUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

solidariedade com as vtimas da prepotncia e injustia (mulheres, negros, ndios, marginalizados e, no por ltimo, a prpria natureza/criao). Ele nos inspira a reinventar a espiritualidade para o mundo globalizado de hoje, realando a dimenso espiritual do universo.

Merton and Hesychasm: The Prayer of the Heart. Louisville: Fons Vitae, 2003 (abreviado MH). Merton and Judaism. Louisville: Fons Vitae, 2001. (abreviado (MJ). BAKER, Rob (Org.) e GRAY, Henry. Merton and Sufism. Louisville, KY: Fons Vitae, 1999 (abreviada MS); FINLEY, James. Mertons Palace of Nowhere: A Search for God through Awareness of the True Self, 10a ed. Indiana, Notre Dame: Ave Maria Press, 1999; CUNNINGHAM, Laurence S. Thomas Merton and the Monastic Vision. Grand Rapids, Michigan: Wm B. Eerdmans Publishing Co, 1999 (abreviada MV); CUNNINGHAM, L. (Org.) Thomas Merton Spiritual Master. Nova Iorque: Paulist Press, 1992 (abreviada TMSM); HAASE, Albert. Swimming in The Sun: Discovering The Lords Prayer with Francis of Assisi and Thomas Merton. Cincinnati: St Anthony Messenger Press, 1993; INCHAUSTI, Robert. Thomas Mertons American Prophecy. Albany: State University of New York Press, 1998; MOTT, Michael. The Seven Mountains of Thomas Merton. Nova Iorque: A Harvest Book, 1993 (abreviado SMTM); SHANNON, William. Thomas Mertons Paradise Journey: Writings on Contemplation. Cincinnati: St Anthony Messenger Press, 2000 (abreviada PJ); SHANNON, W. (Org.) Passion for Peace: The Social Essays. Nova Iorque: The Crossroad Publishing Company, 1997 (abreviada PfP); SHANNON, W. Silent Lamp: The Thomas Merton Story. Nova Iorque: Crossroad, 1996 (abreviada SL); SHANNON, W. Something of a Rebel. Thomas Merton His Life and Works: An Introduction. Cincinnati: St Anthony Messenger Press, 1996 (abreviada SoR); WAAL, Esther de. Seven Day Journey with Thomas Merton. Michigan: Servant Publications, 1992; WAAL, E.. The Way of Simplicity: The Cistercian Tradition. Nova Iorque: Orbis Books, 1998.

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1.2. Relevncia A relevncia de Merton fica evidente pelo que dissemos anteriormente sobre o despertar da espiritualidade no mundo de hoje e a influncia que ele exerceu e exerce neste contexto. A redescoberta e reedio das obras mertonianas acima elencadas mostram que ele mais relevante hoje do que quando vivia. um dos telogos mais importantes desde a segunda metade do sculo XX, porque busca romper a dicotomia entre o religioso e o profano, o natural e o sobrenatural, a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens. Ele um semeador de esperana para o Terceiro Milnio. Como vimos, Merton entende a mstica como a experincia do encontro com o mistrio de Deus (cuja presena imediata podemos saborear, e nos mostra o itinerrio que leva at Ele), com o mistrio do ser humano (envolto na iluso do falso eu e buscando libertar-se para encontrar o verdadeiro eu, imagemPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

e semelhana de Deus, imago Dei, imago Christi, imago Trinitatis)20, e com o mistrio da criao, morada de Deus e dos humanos. A relevncia de Merton para a Amrica do Norte reside no fato de ele ter sido precursor da espiritualidade da paz, macroecumnica e feminista. Foi o primeiro padre catlico a denunciar a violncia endmica no pas, a obscenidade da guerra do Vietnam e a condenar o uso da bomba atmica numa suposta guerra justa. Ele representa assim o ponto mais alto da cultura catlica de sua poca. Com sua autobiografia tornou acessveis aos contemporneos as riquezas da espiritualidade crist, isto , da vida em unio com Deus, fazendo da vocao vida consagrada uma forma glamorosa de vida. Os seminrios e mosteiros se encheram de candidatos e postulantes. Foi preciso ampliar as instalaes e construir outros edifcios imensos, hoje vazios e servindo como casas de retiro. Para a Amrica Central e do Sul, a relevncia de Merton reside no fato de ter redescoberto a mstica como um elemento da religio proftica. Unindo mstica e profecia, ele se tornou precursor da espiritualidade da libertao latinoamericana. Destarte, Merton empenha-se ardorosamente, por um lado, em defender a transcendncia divina (via apoftica), negando a manipulao da divindade seja mediante a sociedade, a cultura ou a religio (em especial mediante os nacionalismos pretensamente cristos, que usam Deus para esconder interesses20

MERTON, T. In The Image of God. CD AA 2135.

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econmicos e hegemnicos, satanizando o inimigo). Por outro lado, ele afirma a presena divina na criao (via kataftica), jardim que inspira o cuidado, e onde o prprio Deus sente delcias em morar21. Seu pensamento existencial, no sentido de que sua espiritualidade envolve o ser humano inteiro na relao com Deus. Para ele, unicamente no encontro existencial com Deus o ser humano adquire sua identidade e liberdade. Um tal pensamento encontra ressonncias profundas em nossos contemporneos, pois apresenta Deus no como anulao do humano, mas como garantia da liberdade e felicidade humanas. No por ltimo, a grande relevncia de Merton reside no fato de mostrar que Deus deve ser buscado, no em experincias extraordinrias, como vises, audies e consolaes, mas no seguimento de Jesus no anonimato e escondimento da vida e trabalho cotidianos, em resistncia cultura de morte e em solidariedade com os excludos e marginalizados de um sistema injusto ePUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

cruel. Assim nos dispomos a acolher o Reino de Deus, consagrando o tempo presente, e preparando messianicamente a sua vinda. Destarte, a vida cotidiana alcana um significado inaudito, pois nela que se d o encontro com Deus que acaba irradiando-se tambm para o mundo. Mertou mostrou que mstica ou contemplao um itinerrio aberto a todos e no privilgio de uma elite; que subir a montanha de Deus deve ser um convite a todos nesse milnio entrante, alargando o corao e introduzindo uma dimenso nova e mais plena em seu ser, e uma melhor qualidade de vida; e, que sem a contemplao a vida humana se torna vazia, superficial e estril. Ele deixou claro que a experincia de Deus s pode acontecer quando Deus mesmo abrir os segredos de nossa verdadeira identidade e Se revelar. No fruto de prticas ascticas, rituais ou litrgicas, mas dom total. No s monges, mas pessoas bem alheias ao mosteiro sentem-se tocadas pelos escritos mertonianos e destinatrias da mensagem que ele tem a dar. Resumindo, podemos dizer que a relevncia de Merton reside no fato de mostrar que a mstica que no se transforma em compaixo pelo mundo, - em especial pelas vtimas da violncia e da injustia, - vazia e estril. O Eremita de Gethsemani converte-se, ento, em precursor da espiritualidade da libertao, e21

MERTON, Thomas. O Bailado Geral: Novas Sementes de Contemplao (NSC).2a ed. Rio de

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num cone para milhares de pessoas que ontem como hoje, sentem-se atradas pelo mistrio de Deus, dos humanos e da criao.

1.3. Objeto formal e material: FORMAL: A espiritualidade do seguimento de Jesus em Thomas Merton, unindo mstica e compaixo, ou seja: a dimenso contemplativa da vida humana, subindo a montanha de Deus, e a dimenso ativa, representada pela compaixo como abertura ao mundo do humano e da criao (mundo/universo), descendo a montanha movido por solidariedade para com todas as criaturas. MATERIAL: Thomas Merton e sua espiritualidade mstico-compassivoproftica, tal como foi vivida, escrita, estudada, analisada, e condensada nos seus cinco volumes de Correspondncias (CT, HGL, SCh, RJ e WF) e nos seus setePUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

Dirios, recentemente publicados, com preferncia para as trs obras seguintes e aquelas nelas citadas: A Search for Solitude: Pursuing the Monks True Life v. III (1953-1960), (abreviado SfS); Turning toward the world: The Pivotal Years v. IV (1960-1963) (abreviado TtW), Dancing in the Water of Life: Seeking Peace in the Hermitage.v.V(1963-1965). DAGGY, Robert (Org.). Nova Iorque: HarperSanFrancisco, 1998 (abreviado DWL).

1.4. A hiptese

Intumos que Merton empenhou-se com toda a honestidade para, luz do relato evanglico sobre Marta e Maria e do lema beneditino Ora et Labora, buscar o equilbrio entre contemplao e ao, rompendo a dicotomia entre claustro e mundo, na esteira de So Bernardo de Claraval (e, por extenso, o dualismo entre corpo e alma). Por isso a vida e o pensamento mertonianos podem ser paradigmticos para os cristos e no- cristos do Novo Milnio, com uma viso planetria, ecolgica e nuclear, e em particular para os cristos da Amrica Latina, para os quais ele cone, um mestre de espiritualidade e o precursor da teologia e

Janeiro: FISUS, 2001, p. 283-289.

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da espiritualidade da libertao, por unir mstica contemplativa e um radical compromisso social. Nossa hiptese que a vida e a obra de Merton podem ser paradigmticas para o mundo atual, por vencer, de um lado, uma espiritualidade alienante; e, de outro, um ativismo estril e estressante, cuja presena ele percebe e denuncia no s na sociedade americana em geral, mas tambm dentro do Mosteiro, (suas nefastas conseqncias j so sentidas no mundo inteiro). Da a importncia da compaixo, que passou da periferia para o centro teolgico, frente s incontveis vtimas de um mundo cruel e injusto. Aqui compaixo um conceito polissmico, que pode ser melhor explicado por outros conceitos correlatos, como justia, ternura, piedade, solidariedade, caridade, misericrida e amor. Supomos que essa fecunda unio entre contemplao e ao tem ainda relevncia para o sculo XXI, em que a religio deve ser tambm mstica. Supomos ainda que em Merton no h confuso, mas articulao de ambas, valePUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

dizer: entre contemplao e ao, vida espiritual e compromisso social, vida interior e apelos exteriores, sagrado e secular, ser e agir. A maneira pela qual nos propomos trabalhar o pensamento de Merton rastrear sua evoluo espiritual. Queremos saber como ele chegou ao equilbrio entre contemplao e ao, desde a sua chegada ao Mosteiro Trapista de Nossa Senhora de Gethsemani, no Kentucky, EUA, em 1941, at sua morte prematura e martirial em 1968 em Bangcoc, na sia, onde foi como peregrino e aprendiz das grandes intuies religiosas da humanidade. Queremos mostrar que nele, quanto maior era a interioridade, maior era a abertura. Queremos mostrar tambm que os valores monsticos que ele prope no so elitistas. Por serem to somente os valores evanglicos da f, esperana e caridade vividos com radicalidade, podem e devem ser vividos inclusive no mundo de hoje, mesmo fora dos limites claustrais. Resumindo, intumos que na fome generalizada por espiritualidade hoje, Merton capaz de oferecer recursos para sustentar a busca de Deus. Pois sua mstica contm o sabor da eterna novidade do Evangelho, proftico-crtica, existencial, e tem carter comunitrio. A relevncia do tema decorre ento de sua atualidade. No por ltimo, intumos ser Merton o precursor da espiritualidade da libertao latinoamericana, no duplo movimento de subir para Deus e descer ao mundo humano.

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A mstica mertoniana influenciou nossos mais notveis telogos (Cardenal, frei Betto, Leonardo Boff, dom Helder Cmara, dom Pedro Casaldliga, entre outros) numa trplice direo: como espiritualidade de resistncia frente aos poderes geradores de violncia e excluso, como espiritualidade de solidariedade com as vtimas e excludos e como espiritualidade da criao (a maior vtima da agresso e explorao, em sua condio de fragilidade e vulnerabilidade). Assumimos aqui uma perspectiva sistemtica que ainda no foi analisada, visando trilhar caminhos novos na relao entre contemplao e ao, ou seja: mstica e compaixo, tendo como horizonte a realidade latino-americana e a leitura do real feita por alguns dos maiores representantes da teologia e da espiritualidade da libertao.

1.5. A ProblemticaPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

O problema que envolve o tema est expresso em forma de algumas perguntas relevantes do ponto de vista terico e prtico, assim formuladas: Que significa viver a espiritualidade do seguimento de Jesus no mundo de hoje, na radicalidade da f, esperana e amor, em resposta nossa vocao crist, tal como viveu Merton? Como integrar contemplao e ao, sem cair numa espiritualidade alienante, nem num ativismo estressante? Como reconciliar a dimenso de espiritualidade com a dimenso do servio? Como a compaixo, tal como vivida concretamente por Merton, pode se desdobrar hoje em suas dimenses de servio eficaz em favor da humanidade no combate fome, na promoo da justia, da paz, e da integridade da criao? Como trilhar hoje o itinerrio agostiniano franciscano de Merton, que a vida inteira mostrou admirao, assombro e um cuidado responsvel por todas as criaturas? Como a dimenso feminina de Deus- desenvolvida em Merton pelo encontro com Dorothy Day, Catherine de Hueck Doherty, Juliana de Norwich e Rosemary Ruether Radford - pode ser resgatada hoje na Igreja e no mundo? Como viver concretamente a resistncia crist no violenta em resposta canonizao da violncia como soluo aos conflitos internacionais?

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Que significa caminhar com Deus num mundo cada vez mais frgil, depois dos acontecimentos de 11 de setembro de 2001 e da reao desproporcional que se seguiu com a Guerra do Iraque? Quais so as questes espirituais mais importantes hoje, e que formas de espiritualidade so as mais adequadas para responder a elas? Que palavra significativa tm a dizer ao mundo de hoje os contemplativos, especificamente no contexto latinoamericano? Como manter uma atitude proftica e contracultural frente sociedade tecnolgica do consumo e da satisfao imediata, e frente a uma cultura do aqui e agora, norteada pela TV e seus apelos inimigos da contemplao? Em outros termos, qual a relao entre mstica e profecia? Entre espiritualidade, compaixo e ecojustica? Como, enfim, convencer a humanidade atual de que Deus no a anulao do ser humano, mas a garantia de sua liberdade, e que a espiritualidade capaz dePUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

aportar uma melhor qualidade de vida?

1.6. Objetivos Por tudo o que dissemos at aqui, podemos concluir que o objetivo geral da presente tese apresentar Merton, no contexto norte-americano, como um dos precursores da espiritualidade da paz, feminismo e macroecumenismo; e na Amrica Central e do Sul, como um dos precursores da espiritualidade da justia e ecojustia, isto , da teologia da libertao latino-americana em suas diferentes vertentes: enquanto espiritualidade de resistncia, de solidariedade e da criao. Vamos abordar sua vida e obra, registrada em especial nos seus Dirios, bem como nas Correspondncias, na medida em que trazem um aporte imprescindvel para a vivncia da espiritualidade no mundo de hoje. Entre os objetivos especficos elencamos os seguintes: Mostrar que Merton faz teologia como na Igreja dos primrdios, em que no havia separao entre labor teolgico e espiritualidade. Espiritualidade sem teologia New Age. Teologia sem espiritualidade fundamentalismo e racionalismo. Merton fez a feliz sntese entre contemplao e ao, atravs do conceito de compaixo, que articula a interdependncia de tudo

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com tudo, numa trplice abertura: a Deus, aos humanos e criao. Em Merton h uma conjuno entre teologia enquanto reflexo sistemtica e enquanto experincia profunda de Deus, vale dizer, entre teologia e espiritualidade, despertando para a ao compassiva pela humanidade e por todas as criaturas. Para ele a mstica a teologia primeira, especialmente em sua dimenso litrgica. Primeiro se celebra a f e depois se reflete sobre ela. Destarte, ele criticaria as banalidades da Nova Era, assim como uma espiritualidade desencarnada e um ativismo meramente poltico, sem transcendncia. Provar que a teologia do seguimento de Jesus em Merton tem um carter contracultural. A vocao monstica, sacerdotal e eremtica que ele seguiu em resposta ao chamado de Deus significa uma crtica ao individualismo, conformismo e iluso da sociedade, cultura e religio atuais, bem como uma volta s fontes da espiritualidade crist no deserto.PUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

1.7. Metodologia O mtodo que vamos seguir no presente trabalho decorre da prpria natureza do assunto a ser abordado. Em se tratando de mstica, so dois os componentes bsicos: Deus, que toma a iniciativa de se auto-doar (mensagem) e o ser humano, em sua pertena ao universo/criao, destinatrio, receptculo e objeto desse amor, encontrado em sua condio existencial (situao). um mtodo dialtico, que supe os dois plos em confronto recproco: a mensagem e a situao. Destarte, o mtodo que vamos seguir pode ser chamado de mtodo de correlao.22 Pois apresenta as perguntas implcitas na cultura, sociedade e

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O mtodo de correlao usado por Paul Tillich, (cf., TILLICH, Paul. Teologia Sistemtica. 2 ed. So Paulo: Paulinas e So Leopoldo: Sinodal, 1984, p. 57-62), amigo e correspondente de Merton, a quem cita em suas obras. O mtodo consiste numa elipse formada por dois plos: um a situao, vale dizer, o mundo com sua agenda de problemas, questes e interpelaes que desafiam a teologia e a espiritualidade. O outro plo a mensagem crist, que s relevante se vier ao encontro a essas grandes interpelaes. De fato, encontramos ao longo das obras de Merton sua tentativa honesta de contribuir, mediante a voz (conferncias, prelees) e a escrita, enquanto formador de opinio, soluo dos grandes problemas da humanidade (violncia, injustia scioeconmica, de gnero e ecolgica, bem como os fanatismos religiosos). Sua resposta a esses trs maiores problemas - que resumem todos os demais - foi, respectivamente, seguir o caminho evanglico da no violncia, viver a solidariedade e instar a Igreja a mediar o caminho do dilogo

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religio atuais, com os seus gravssimos desafios, e busca dar-lhes resposta luz da espiritualidade crist. Merton explicita claramente o mtodo ao elencar, por um lado, a situao do mundo atual, com as suas grandes mazelas, que os cristos devem combater. Ele as enumera: a guerra, a injustia social e racial e o fanatismo.23 Por outro lado, ele apresenta sua mensagem como o empenho pelo bem, que ele chama de correlato a esses males. Ele enumera: a busca da paz, da justia nas relaes internacionais, incluindo a ajuda aos pases subdesenvolvidos, e a reforma agrria.24 Vemos na figura e na espiritualidade de Thomas Merton o paradigma da atitude crist frente hora presente. Homem de seu tempo, deu respostas ainda hoje vlidas, pois a situao do mundo atual, com seus problemas desde ento no s continua a mesma, mas tambm se agravou, levando a humanidade beira do suicdio coletivo. A mensagem mertoniana brilha hoje com nova luz. Assim, luz do mtodo escolhido, o presente trabalho divide-se em trs partes, cada umaPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

com trs captulos, totalizando nove captulos ao todo: Na PARTE I apresentando Merton, analisaremos no Captulo primeiro, o contexto histrico, cultural, e eclesial em que Merton viveu. Unicamente inserindo-o no contexto mais amplo isto , no perodo de grande violncia entre as duas grandes guerras mundiais, bem como no perodo da Guerra Fria, poderemos avaliar sua grandeza e a originalidade de seus escritos.O contexto cultural marcado pela filosofia existencialista e pela filosofia da no violncia de Gandhi. O contexto social marcado por crescentes injustias nas relaes internacionais, pelo desequilbrio entre Norte e Sul e por fanatismos. O contexto eclesial marcado pelo intenso movimento de renovao litrgica no perodo pr-Vaticano II e pela renovao da Igreja que o Conclio trouxe em sua abertura ao mundo. Vamos analisar sua vida, converso e obras, para destacar depois alguns crticos de seu pensamento. No captulo segundo analisaremos as influncias recebidas por Merton, as bases filosfico-teolgicas de seu pensamento, o itinerrio espiritual que elena soluo dos conflitos internacionais, mediante os fruns ad hoc, e abrir-se s intuies msticas das grandes religies da humanidade, (particularmente ao zen-budismo), superando assim os fanatismos, fundamentalismos e a manipulao da religio e de Deus para fins diablicos, com interesses hegemnicos e imperialistas. 23 MERTON, T. The Road to Joy: Letters to New and Old Friends. DAGGY, Robert E. (Org.). Nova Iorque: A Harvest Book, 1993, p. 348ss. (RJ).

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seguiu atravs da via kataftica e apoftica (isto , pela via exterior da criao, pela via interior da alma, e pela via superior da eminncia de Deus). No captulo terceiro abordaremos sua evoluo espiritual, de simples monge a um dos maiores mestres de espiritualidade no mundo atual. Destacaremos o encontro com So Bernardo de Claraval, um dos Pais de Cister, considerado o segundo fundador da Ordem Cistercience na qual Merton ingressou em 1941 e permaneceu at sua morte em 1968. A seguir o encontro com Juliana de Norwich, cuja mstica abriu-o para a dimenso feminina de Deus. O terceiro encontro, depois da experincia de converso compaixo em 1958, foi sua volta ao mundo, que Merton tinha deixado para trs ao ingressar no mosteiro. o mundo de violncia, injustia e fanatismos. Na PARTE II, aprofundando Merton, passaremos a analisar os trs conceitos-chave do pensamento mertoniano que norteiam a nossa tese: O primeiro conceito mstica. Significa abertura para Deus. Queremos mostrar no CaptuloPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

quarto as suas dimenses bblicas, cristolgico-trinitrias e litrgicas. O segundo conceito compaixo, entendida como o fruto mais maduro da mstica e do seguimento. No Captulo quinto abordaremos a compaixo em Merton como abertura ao mundo no af de promover a paz e a justia. A compaixo tem tambm uma dimenso macroecumnica, qual apenas aludiremos.25 O terceiro conceito seguimento, que a forma concreta como ele respondeu sua vocao crist. No Captulo sexto desdobraremos a trplice resposta de Merton sua vocao, a saber: como monge, sacerdote e eremita (hesicasta), que fez da voz e da escrita instrumentos para denunciar profeticamente o mundo atual, particularmente a sociedade, a cultura e a religio norte-americanas. Na PARTE III, atualizando Merton, analisaremos no captulo 7, o legado mertoniano para hoje. No tocante Amrica do Norte, destacamos a espiritualidade da paz como resposta violncia da Babel armada de Bombas

RJ 349. A presente tese precisa manter-se dentro de limites razoveis. Por isso, a abertura ecumnica e macroecumnica em Merton, por mais relevantes que sejam, no sero abordadas aqui seno de passagem, pois ultrapassaria o argumento de nossa tese. Apenas na PARTE III abordaremos melhor a relao entre Merton e o zen-budismo, ao tratar do Encontro de Gethsemani em 1996 entre monges cristos e budistas. Para um ulterior aprofundamento da espiritualidade macroecumnica em Merton remetemos s seguintes obras principais: MJ, MH, MS.25

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(Ernesto Cardenal),26 bem como a espiritualidade feminista e a espiritualidade macroecumnica (o Encontro de Gethsemani entre monges cristos e budistas em 1986). A seguir abordaremos a relao de Merton com a Amrica Latina. Em primeiro lugar com Ernesto Cardenal, ex-novio em Gethsemani, para quem ser contemplativo em nosso continente significa ser revolucionrio. A seguir mencionaremos a relao de Merton com o Brasil (que ele tanto amava e admirava), e com cujos escritores ele se correspondia. No Captulo 8 abordaremos a teologia e a espiritualidade da libertao, em suas trs vertentes que nos parecem atuais, a saber: como espiritualidade de resistncia, de solidariedade, feminista e ecolgica, apresentando Merton como um de seus precursores, em conformidade com o nosso objetivo geral e argumento desta tese. No captulo 9, retomando o percurso feito, apresentaremos luz da mstica mertoniana, algumas perspectivas atuais e futuras da espiritualidade. Propomos, luz do legado e da inspirao de Merton, reinventar a espiritualidade para o mundo globalizado de hoje, levandoPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

em conta a nossa pertena ao universo. Contudo, seria expresso de hybris supor que o mtodo a ser usado aqui seja a soluo de todos os problemas apresentados teologia e espiritualidade hoje. Nenhuma pessoa isoladamente conseguiria realizar uma tal tarefa no mundo atual to complexo. Contudo, apesar das limitaes, esse trabalho quer ser uma contribuio, ainda que mnima, reflexo teolgica e prestar um servio, ainda que modesto, nossa amada Igreja do Brasil. Se no atingir seu objetivo, ter valido a inteno e a busca sincera e intensa, no pas e no exterior, das melhores fontes disponveis at o presente nas obras de Merton, sobre Merton, bem como na bibliografia complementar. Quanto s fontes, destacamos a concentrao nas trs obras anteriormente elencadas dentre os sete Journals de Merton (SfS, TtW e DWL), bem como as Correspondncias, (CT, HGL, RJ, SCh, WF); e tambm o conjunto das obras mertonianas como pano de fundo; as prelees no mosteiro (gravadas de viva voz),27 multimdia, (microfilmes do jornal The Catholic Worker, fundado por

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CARDENAL, Ernesto. Salmos. vila, Espanha: Institucion Gran Duque de Alba, 1967.

(Traduo ao ingls: Psalms of Struggle and Liberation. Nova Iorque: Herder and Herder, 1971).27

So mais de 150 cassetes e CDs, entre os quais destacamos: AA2461 Bangcoc Conference, The; AA2075 Beauty is from God; CD # 45 Background to St Benedicts Rule: Early Centuries of

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Dorothy Day em 1933 at 2004. At hoje esta a mais potente voz proftica na Igreja catlica dos EUA. Merton era o seu mestre e muito contribuiu para esse jornal, juntamente com Daniel Berrigan e seu irmo Philip, Dom Helder Cmara e Paulo Freire). As fontes esto disponveis nas Bibliotecas: da PUC-Rio, do ITF (Instituto Teolgico Franciscano) em Petrpolis, do Mosteiro da Virgem em Petrpolis, do Mosteiro Trapista N. Sra do Novo Mundo em Campo do Tenente no Paran, da Abbey of Our Lady of Gethsemani em Kentucky, EUA (e tambm mantendo importantes dilogos com o ex-secretrio de Merton, Brother Patrick Hart, ainda vivo, editor da obra mertoniana, bem como ouvindo o depoimento de vrios exnovios de Merton no mesmo mosteiro, como Brother Paul Quenon); na Arquiabadia de Saint Meinrad Indiana, com sua imponente biblioteca e monges tambm contemporneos de Merton; na Sociedade dos Amigos Fraternos de Thomas Merton do Rio do Janeiro ( qual pertencemos); no Thomas MertonPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

Studies Center em Louisville, Kentucky, EUA (onde passamos um ano fazendo o doutorado-sandwiche entre 2003 e 2004, sob a co-orientao do Dr. Paul Pearson, diretor do referido Centro). Na Internet encontramos um vastssimo material, disponvel particularmente nos sites seguintes: www.merton.org www.mertonfoundation.org/ www.thomasmertonsociety.org www.monks.org www.thomasmertoncenter.org/ www.merton.ca/links.php

Monasticism. AA2245 Cross: Victory over Death, The; Justice and Love of God, AA2457 The; Justice for All Creatures; AA2135 In the Image of God; AA2081 Introduction to Church Fathers; TM12 Life and Celebration; TM4; Life and Contemplation Life and Work; Life and Gods Love; TM 2 Life and Prayer; Life and Prophecy; Life and Solitude TM 8; Life and Truth TM7; Mystic Life v. I-VII; Modern Cult of Efficiency, The AA2101 Natural Contemplation; AA2070 Our Father: Perfect Prayer; AA2072 Prayer and the Active Life; AA2236 St Augustine (Parte I); AA2236 Saint Augustine ((Part II) St Thomas; AA2267 True and False Self; AA2228 Vow of Conversation, The; Entre os VIDEOS merecem destaque: WILKES, Paul e GLYNN, Andrey L. Merton Film Biography. VHS video (entrevistas com o Dalai Lama, Joan Baez e com monges e amigos que conheceram Merton); VVAA. Taste of Gethsemani (por cinco monges ex-novios de Merton). PADOVANI, Anthony. Winter Rain: Six Images of Thomas Merton. BOCHEN, Christine (Org.). Women who knew Merton.

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www.merton.org/Research/othercollections.htm No passa um ano sem que ocorram diversos eventos e sejam publicadas obras sobre Merton. Para os prximos anos j esto agendadas as seguintes publicaes de peso, entre outras: Merton and Taoism, Merton and Buddhism, Merton and Protestantism. (Todas pela Editora Fons Vitae de Lousville, KY). Entre os eventos, destacamos para dezembro de 2004 a palestra de Deignan Kathleen My Name is that Sky: A Celebration of Thomas Mertons Creation Spirituality in Word and Song. O prprio tema aponta para perspectivas futuras da espiritualidade, a saber: a dimenso espiritual do universo, to urgentemente requerida.

1.8. Status quaestionis (Reviso Bibliogrfica)PUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

A seguir analisaremos as obras mais importantes de e sobre Merton, buscando nelas o fio condutor que perpassa todo o presente trabalho, para confirmar nossa hiptese, objetivo e metodologia. o seguinte o estado da questo no tocante bibliografia mertoniana: A obra mais conhecida de Merton sua auto-biografia, intitulada: A Montanha dos Sete Patamares (The Seven Storey Mountains). um dos maiores best-sellers de todos os tempos. Nela relata com toda a honestidade intelectual sua trajetria conturbada at encontrar seu lar neste mundo, que foi a entrada no mosteiro Trapista de Kentucky, EUA, em 10 de dezembro de 1941, depois de ter vivido sem rumo e sem sentido. Relata tambm o impacto causado em sua vida pr-monstica e monstica pela figura e obra de duas mulheres: Dorothy Day e a baronesa russa Catherine de Hueck. Elas cuidavam dos pobres abandonados e sem teto em Nova Iorque. Fundaram o movimento The Catholic Worker, que publica at hoje um jornal bimensal, como dissemos anteriormente, e cujo pblico alvo eram os desempregados e os sem teto28 (CW). Elas uniam uma intensa piedade pessoal

Destacamos alguns tpicos e autores: BERRIGAN, Philip. A Priest in the Resistence. CW. Fev/1972, p. 1,3,8; CMARA, Helder. A Bishop calls for Action. CW dez/1972, p. 1,3; MERTON, T. Thomas Merton Social Critic: CW fev/1973, p. 8; .Advise to a Young Prophet. jan 1962, p. 4; The Shelter Ethic, CW nov/1961 v. 28 n. 4, p. 1, 5; We Have to Make Ourselves be Heard. Maio/1962, p. 4,5,6; The Root of War. Out/1961 v. XXVIII n. 3 p 1,7, 8; Christian Ethics and Nuclear War. mar/1962. v. 28 n. 8, p. 2,7.

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com o ensino social da igreja. Merton contribuiu com inmeros artigos para esse peridico, o que levou o FBI a escrever ao Abade Geral dom Gabriel Sortais que ele estava sendo usado pelos comunistas (da a censura s obras mertonianas).29 Merton conheceu Catherine de Hueck por ocasio da visita que esta fez na Universidade So Boaventura (onde ele era professor) e ela veio fazer uma conferncia. Com freqncia ela pregava retiros a religiosos e padres pelo pas inteiro. Ela afirmou na ocasio em So Boaventura que os catlicos tinham medo dos comunistas, mas esses faziam muito mais ao em favor da justia do que aqueles. Padres e leigos deveriam ir ao Harlem, onde ela trabalhava, para ver a tremenda misria, pobreza, doenas, degradao e abandono de uma raa que foi oprimida e pervertida moral e fisicamente, sob o peso de uma gigantesca injustia econmica.30 A obra Seeds of Contemplation (1949)31 uma aluso parbola evanglica da boa semente, contida nos Evangelhos Sinticos. Merton convida-nos aPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

desenvolver essa boa semente da f, esperana e amor, plantada em ns no batismo, at frutificar. Esse livro foi escrito para ajudar as pessoas a acessar a contemplao (p.11). O livro reflete, porem um dualismo entre natural e sobrenatural, e um desprezo pelo mundo. Uma dcada mais tarde, em 1962, o autor (que j tinha passado pela experincia de converso ao mundo) o reelabora totalmente, chamando-o de Novas Sementes de Contemplao (NSC), ressaltando a bondade do mundo criado. O ltimo captulo, intitulado O Bailado Geral, inspirado em Provrbios 8, trata da presena da Sabedoria (Sophia) no universo, j antes da criao do mundo. um verdadeiro tratado da imanncia de Deus, acessada pela via kataftica. tambm uma slida base para a espiritualidade feminista. New Seeds of Contemplation uma obra clssica de espiritualidade, com carter existencial e experiencial, pois confrontou a prpria solitude com a dos seus novios, estudantes, monges, e de muitos outros cristos e no cristos. Nela

Cf., video de WILKES, Paul. Merton Film Biography. (VHS Video). Multimdia do Thomas Merton Studies Center. 30 MERTON, Thomas. The Seven Storey Mountain: An Autobiography of Faith. Nova Iorque: A Harvest Book, 1998, p. 372-373. (abreviado SSM ou MSP, conforme a traduo brasileira: A Montanha dos Sete Patamares). 31 MERTON, T. Seeds of Contemplation. Connecticut: A New Directions Books, 1949.

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afirma que a contemplao est fora do alcance de algum incapaz de sentir compaixo.32 A obra Na Liberdade da Solido (Thoughts in Solitude33) surgiu em 195354, quando Merton recebeu permisso do novo abade, dom James Fox, para passar algumas horas por dia num eremitrio, chamado de Santa Ana. Ali descobre que o silncio e a solitude so dons que transformam tudo em orao: o cu e os pssaros, o vento e as rvores, pois Deus tudo em tudo (p. 94). A obra Na Liberdade da Solido foi reeditada em 2001. Ela nos revela que, na solitude, os nossos sentidos, sensibilidade, emoes, imaginao e vontade desabrocham e se fortalecem contra os apelos falsidade do mundo atual. (A solitude) revela a nossa pobreza e a dos outros, que devemos amar. Devemos consider-los com o olhar de compaixo de Jesus. Mas no podemos ter verdadeira compaixo pelos outros se no estamos prontos a aceitar a fragilidade alheia (p. 31). Nossa contingncia faz-nos voltar com todo o nosso ser a Deus,PUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

pela meditao, que nos faz vigilantes e nos liberta o corao de cuidados e preocupaes. Isso s acontece numa f profunda, sincera e simples, vivificada por uma esperana que sabe ser possvel o encontro com Deus, e por um amor que deseja, acima de tudo, fazer Sua vontade (p. 422). Nessa expresso, Merton revela uma vez mais o segredo da verdadeira mstica como radicalizao das virtudes teologais da f, esperana e amor. Na obra The Inner Experience (vrias vezes reelaborada, que j chegou a se chamar What is Contemplation e The Dark Path), Merton trata da necessidade de fazer desaparecer nosso eu falso e efmero como condio para a mstica ou contemplao, que nos restaura imagem de Deus e permite Cristo nascer em ns pelo Seu Esprito. Ser imago Dei, na esteira de Agostinho, ser espelho onde a Trindade Se contempla e Se revela. Considera que a contemplao no pode ser fruto da ambio espiritual, que nos tornaria prisioneiros da iluso intimista. Ela supe ascese visando criar em ns silncio e desapego para acontecer a irrupo do Eterno. A experincia interior despertada sobretudo pela liturgia, verdadeiro

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MERTON, T. New Seeds of Contemplation. Boston/Londres: Shambala, 2003, p. 54. (NSC). MERTON, T. Thoughts in Solitude. Nova Iorque: Farrar, Strauss and Giroux, 1976.

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amlgama de oraes, cantos, ritos, gestos sagrados, msica, arte, visando ativar o centro de nosso ser feito imagem da Trindade.34 Em sua obra Disputed Questions35 (Questes Abertas), Merton faz uma anlise crtica da sociedade atual, marcada pelo totalitarismo dos meios de comunicao de massa (p. 127s). Alerta para o perigo de se deixar de lado a mensagem autntica de Cristo e escolher a eficcia (teologia da prosperidade?). E prega que construir o Reino de Deus construir uma sociedade baseada inteiramente na liberdade e no amor, fundamentada no respeito ao indivduo, e pessoa humana. Ele alerta profeticamente que uma sociedade sem Deus est muito mais propensa a cair vtima da guerra, da crueldade e da violncia. Na obra Contemplation in a World of Action36 Merton traa uma radiografia da sociedade americana. Ele descreve o norte-americano como algum corrodo pelo ativismo e incapaz de suportar o silncio e a solitude. Destarte, vive dominado pelo tdio, vazio e falta de sentido. Precisa constantemente estarPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

apertando um boto, ligando a TV, o rdio ou o computador, ou abrindo uma garrafa de cerveja ou tomando um antidepressivo. Por contraste, descreve a vida do monge, em especial do eremita, que munido somente da graa de Deus, capaz de vencer o tdio, as tristezas e as excessivas preocupaes da vida. Ele aprendeu a sabedoria da insegurana, isto , a verdade de que ilusrio buscar segurana mediante o emprego, uma coleo de diplomas, riquezas e honras. O solitrio cristo, na sua vida de orao e silncio, explora as profundezas existenciais e as possibilidades de sua prpria vida, penetrando no mistrio da orao e da tentao de Jesus no deserto, das suas noites solitrias na montanha... Somos chamados solido por um ato especial do amor misericordioso de Deus... O que importa a f ardente daquele que vive em solitude, o fogo ardendo dentro do seu corao (p. 224s). Na obra Zen and The Birds of Appetite37 (Zen e as Aves de Rapina) vemos Merton como precursor da atual espiritualidade macroecumnica. O encontro com o budista Suzuki enriqueceu sua perspectiva crist. Na obra supracitada, bemMERTON, T. The Inner Experience: Notes on Contemplation. SHANNON, William (Org.). Nova Iorque: HarperSanFrancisco, 2003, p. 326. 35 MERTON, T. Disputed Questions. Nova Iorque: A Haarvest/ HBJ Book, 1985. 36 MERTON, T. Contemplation in a World of Action. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1998. (CWA).34

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como em Mystics and Zen Masters38 (Msticos e Mestres Zen), Merton descobre grande semelhana entre a mstica dos mestres Zen e a mstica crist de So Joo da Cruz e o mestre Eckhardt, com sua nfase no ser e no no ter. Merton procura desfazer os equvocos dos cristos ocidentais, que supem sejam as grandes religies do Oriente mera superstio, falsidade e pantesmo. Explica que o zen no nenhuma elaborao teolgica ou filosfica, mas um caminho para experienciar diretamente o ser, a existncia e a vida de forma no-verbal. a experincia de superar a ambigidade entre sujeito e objeto, entre o visvel e o invisvel. Essa obra bastante citada por Leonardo Boff, que tambm faz referencia s Mes e Pais do Deserto (fsico e espiritual) em sua luta com escorpies e lees39. A obra de Merton A Via de Chuang Tsu tambm reflete o pensamento do maior filsofo taosta, que pregava a anarquia, fazendo uso da ironia e do humor diante de um governante idiota e estpido. Nessa obra Merton revela sua atraoPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

pela mstica oriental. Ele est convencido de que o Oriente deve cristianizar o Ocidente. Para conhecer melhor o budismo, ele foi se encontrar com o Dalai Lama na ndia, em Daramsala, onde o lder espiritual tibetano estava exilado. Muitos estudantes europeus e americanos iam visit-lo, no intuito de conhecer o budismo. Entre eles, o jovem catlico Talbott, que introduziu Merton a Sua Santidade o Dalai Lama. Merton interessa-se profundamente pelo zen-budismo. Ele acredita que o cristianismo e o zen podem se complementar, e que a abertura espiritualidade asitica em geral pode ajudar a redescobrir as prprias fontes da espiritualidade crist. Acredita que, dentre as intuies espirituais das grandes religies da humanidade, no h nenhuma que no possa ser traduzida para a f crist e viceversa. Ele destaca dois aspectos: a renncia e a compaixo. Renncia em sentido evanglico significa perder a vida para salv-la. Tanto o zen quanto o cristianismo fazem dela um dos pilares sobre os quais se assenta sua atitude religiosa. preciso des-represar a compaixo e com ela inundar o mundo. O Encontro de

MERTON, T. Zen and The Birds of Appetite. Nova Iorque: A New Direction Book, 1968. (Trad. Zen e as Aves de Rapina. 7a ed. So Paulo: Cultrix, 1997. 38 MERTON, T. Mystics and Zen Masters. Nova Iorque: Farrar, Strauss and Giroux, 2a ed. 1986. (Reeditado no Brasil em 2005). 39 ME 149.

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Getsemani entre monges cristos e budistas em 1996 revela esse aspecto fundamental e comum s msticas crist e budista. A obra A Via de Chuang Tzu muito citada por Leonardo Boff, que destaca nela dois princpios fundamentais para cultivarmos um corao leve: a simplicidade e a humildade, que nos permitem ver o Tao no vil e no sublime. Ters um corao leve se enxergares nos canteiros da rua o verde e nele a flor que sorri. Se olhares para cima vires, alm dos prdios, a nuvem que passa. Se ao encontrar um pobre conseguires encher teus olhos com sua presena e v-lo como irmo. Se fizeres tudo isso, sabers o que viver com o corao leve. No sers amargo e nem ganancioso. Contigo comea outro tipo de civilizao. E poders dormir sem o peso de uma pedra no peito. Por causa do corao leve.40 Na sua obra Hagia Sophia41 Merton aborda poeticamente a dimenso de feminilidade em Deus, no ser humano e no universo. Trata do princpio feminino cuja falta sente no cristianismo e vai buscar no misticismo oriental comPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

a dialtica do yin-yang. Antecipando a saudao inicial do recem eleito papa, Joo Paulo I e a teologia feminista atual, Merton afirma nesta obra que Deus no apenas Pai, mas tambm Me. Ele ambos ao mesmo tempo e o aspecto feminino ou o princpio feminino da divindade a Hagia Sophia, que no seu aspecto mais primitivo, a escura e sem nome ousia (substncia) do Pai, do Filho e do Esprito Santo, a incompreensvel e primordial escurido que luz infinita (p. 255-260). Em linguagem paradoxal, prpria dos msticos, Merton afirma que Deus escurido superluminosa, um excesso de luz que eclipsa todas as lmpadas. As trs divinas pessoas so cada uma e ao mesmo tempo sophia e sua manifestao. E so ao mesmo tempo o Tao, a origem inominada de tudo o que existe. KATHLEEN DEIGEN, em sua obra Road to Rapture: Thomas Mertons Itinerarium mentis in Deum 42percorre o itinerrio franciscano-bonaventuriano de Merton na teologia e na espiritualidade. Ela percebe um evidente paralelismo entre a teologia espiritual de Merton e o Itinerrio de So Boaventura. De fato, as semelhanas entre ambos so imensas. Tanto Merton, quanto Boaventura,

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BOFF, Leonardo. Corao Leve. JB. 11/maro/2004. MERTON, Thomas. The Collected Poems of Thomas Merton. 11a ed. Nova Iorque: A New Directions Book, 1977. Cf., DIECKER, Bernardete e MONTALDO, Jonathan. Merton and Hesychasm. Louisville, Fons Vitae, 1999, p. 255-260. (abreviado MH). 42 DEIGNAN, Kathleen. Road to Rapture: Thomas Mertons Itinerarium Mentis in Deum. Franciscan Studies. Nova Iorque: St Bonaventure University. v. 55. 1998, p. 281-297.

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viveram no contexto da vida universitria. O Itinerrio de Merton comeou na Universidade de Columbia, EUA. Ali conheceu o amplo panorama do pensamento e da espiritualidade franciscana atravs de seu diretor espiritual, Daniel Walsh. Contudo, no foi como franciscano, mas sim como monge trapista, que Merton percorreu de fato o itinerrio bonaventuriano. Apesar de no terem vivido mais do que 50 anos, ambos foram fermento espiritual em seus respectivos tempos; ambos renovaram a vida religiosa de suas respectivas geraes. Ambos foram marumbinistas itinerantes rumo montanha de Deus: Boaventura no Monte Alverne e Merton na Montanha dos Sete Patamares de sua auto- biografia, atrados e cativados ambos pelo Cristo Csmico. Aqui, subir a montanha uma metfora para conotar a experincia do encontro com o mistrio de Deus. O itinerrio bonaventuriano o mapa de viagem de Merton, apontando para mais de uma trilha no escalar rumo a Deus, em respeito individualidade.PUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

O trplice itinerrio bonaventuriano em Merton passa pela via exterior da criao, pela via interior do self e pela via superior de Deus como Ser e como Bem. Merton se alegrava ao perceber a invisvel fecundidade do Sumo Bem espalhada em todas as criaturas. Experienciava a luminosidade da criao, na esteira de Francisco de Assis. Depois passava para a trilha subterrnea da alma, o self, na esteira de Santo Agostinho. Deus, O Criador, para Merton, bem como para Francisco a suprema realizao do desejo humano. Pois ele fontal, imenso, primordial, desconhecido, amante, silencioso, compassivo, santo, enfim: Tudo. No seu itinerrio, Merton passa da luminosidade da criao, que ele entende como Ars Patris, arte do Deus Trindade e pulcherrimum carmen, para a trilha subterrnea da alma, onde se depara com a condio humana em sua grandeza e misria (a dimenso de sombras e a noite escura do inconsciente, que ele conheceu to bem). Da passa para a via eminente de Deus como Sumo Bem e Ser Fundante (Ground), fontalis plenitudo. Ambos exploraram em profundidade a vasta gama do potencial espiritual humano. Com o Itinerrio de Boaventura na mo, Merton encontrou o seu prprio caminho, e sua forma prpria de descrev-lo para o contexto do sculo XX. A nica condio para percorrer esse Itinerrio sentir o desejo ardente de Deus. Merton, que conheceu a angstia do deslocamento e do desarraigo constantes ao

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longo de sua vida inteira, era algum devorado pela paixo de entrar em comunho com a criao, com seu prprio self e com Deus. Na sua obra Conjectures of a Guilty Bystander (CGB)43 (Reflexes de um Espectador Culpado), Merton revela-se uma pessoa que se deixou afetar pelo pecado e sofrimento do mundo atual e buscou profeticamente denunciar suas mazelas, embora distanciado fisicamente dele pela solitude monstica (da sentirse espectador culpado). Denuncia a violncia das guerras, das ditaduras latinoamericanas, do racismo e de todas as demais formas de violncia. Talvez aqui Merton chega melhor integrao entre contemplao e ao em todas as suas obras. Ele representa, assim, uma das melhores snteses no sculo XX entre orao e contemplao (e compaixo, ou seja, entre mstica e ao). Unicamente a contemplao ativa e a compaixo dinmica, afirma Merton, conseguiro nos livrar da violncia do mundo atual (esse tema recorrente ao longo de suas obras e o leit-motiv da presente tese).PUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

Na obra CGB Merton comenta sua preferncia pelos escritores brasileiros, como Manuel Bandeira, Jorge de Lima e outros, elogiando seu amor franciscano pela vida e o respeito por todos os seres viventes (p. 5). uma mstica csmica, que ele compara a Provrbios 8: o humor paradisaco de considerar o universo como um jogo ldico. A obra Seasons of Celebration44 carregada de uma alegria pascal. So vrias conferncias proferidas no Mosteiro, onde Merton compartilha com os seus confrades monges os frutos da contemplao. Cobre um perodo de catorze anos (de 1950 a 1964). J reflete a renovao litrgica trazida pela Constituio Sacrossantum Concilium. Merton parte do conceito de liturgia como servio pblico prestado por cidados livres em beneficio da comunidade. A liturgia no show (performance), mas celebrao. Os fiis no so espectadores passivos e inertes, nem escravos, mas so amigos e colaboradores no servio que Cristo presta ao Pai, humanidade e ao cosmos, libertando-os (p. 10-11). O sentido da ascese crist libertador. A Pscoa revive a nossa liberdade na renovao do mistrio no qual ns fomos libertos (p. 141-144). Precisa ser vivida todos os dias.

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MERTON, T. Conjectures of a Guilty Bystander. Nova Iorque: Doubleday and Company, 1966. MERTON, T. Seasons of Celebration: Meditations on the Cycle of Liturgical Feasts. Nova Iorque: Farrar, Strauss and Giroux, 1977 (SC).

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Nossa espiritualidade deve basear-se, ento, no no legalismo, mas na liberdade. Num captulo sobre o Bom Samaritano ele insta-nos a sermos sinais e sacramentos da compaixo de Deus (p. 179). O ltimo ensaio, feito um ano depois da promulgao da Constituio sobre a Sagrada Liturgia, aborda alguns aspectos da reforma litrgica como: missa versus populum, lngua vernacular, e comunho sob as duas espcies. Ele tambm critica a pobreza das tradues bblicas, a separao entre padres e leigos, e o (p. 231ss). Na obra The New Man45 (O Homem Novo), Merton apresenta a mstica como a forma mais perfeita do amor e do conhecimento. Ela abarca ao mesmo tempo a compreenso existencial do nosso nada e a experincia da presena divina em sua luminosidade existencial. Mstica a nica forma de curar a angstica existencial humana. Destarte, a forma mais madura de vida crist. Nessa obra ele desmascara uma mstica sem f, que ele chama de mstica prometica (p. 23), presente em todos os nacionalismos exacerbados, como o dePUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

Hitler: a atitude de roubar aquilo que s pode vir a ns como dom e graa. Na relao com o outro, procura arrancar dele o pouco que tem, um pouquinho de amor, um pouquinho de conhecimento, um pouquinho de suas posses. Prometeu roubou um fogo que est fora dele, incapaz de descobrir a Presena na intimidade, que vem como dom, o intimor intimo meo de Agostinho. A mstica prometica caracterstica da era atmica atual. A obra At Home in the World46 traz parte da correspondncia entre Merton e Rosemary Ruether Radford. No acalorado dilogo epistolar entre eles, os temas centrais eram, alm da espiritualidade feminista, a vocao monstica, contemplao e solitude, mosteiro e mundo contemporneo, a relao entre a Igreja e o mundo, bem como questes bblicas, cristolgicas e escatolgicas, em que os interlocutores tambm so Sto Agostinho, Bonhoeffer e Dan Berrigan (p. 101). Merton desafiado por Rosemary a justificar sua existncia afastado do mundo, (verdadeira arena de batalha entre as foras do bem e do mal). Ela, oblata beneditina, valoriza a contemplao, mas apenas como um retiro temporrio para depois voltar ao mundo. Desencantada com a hierarquia catlica, encontrou em

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MERTON, T. The New Man. Nova Iorque: Farrar, Strauss and Giroux, 1961. TARDIFF, Mary (Org.). At Home in The World: The Letters of Thomas Merton and Rosemary Radford Ruether. Nova Iorque: Orbis Books, 1995. (Abreviada aHW).

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Merton um interlocutor altura. A correspondncia entre ambos se mostrou fecunda e desafiadora para os dois. Na obra Redeeming the Time47 Merton trata principalmente da promoo da paz e da abolio da guerra. Ele comenta longamente a Encclica Pacem in Terris do papa Joo XXIII e os documentos do Conclio Vaticano II, poca recm vindos luz, no tocante paz e abolio da guerra (Gaudium et Spes). Ele reinterpreta a doutrina agostiniana da guerra justa, to abusada para justificar a prepotncia imperialista hoje. Ele rejeita uma paz baseada no equilbrio do terror (deterrence) e elogia a metafsica da no violncia, tal como praticada por Jesus, Gandhi e Martin Luther King, entre outros. Merton cita um longo trecho da constituio A Igreja no Mundo de Hoje que resume sua postura frente ao tema: Enquanto se gastam enormes somas na confeco de armas sempre novas, no se pode dar remdio suficiente a tantas misrias que grassam no mundo inteiro... A corrida armamentista a praga mais grave da humanidade, que lesaPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

intoleravelmente os pobres. de se temer muitssimo que, se perdurar, ela produza um dia todas as runas nefastas, cujos instrumentos j preparou (n. 81). Ao fazer essa citao, Merton est vinculando indelevelmente a questo da paz com a promoo da justia. Os quinhentos bilhes de dlares esbanjados na guerra do Iraque hoje poderiam minimizar a misria e doenas na frica, onde milhares morrem de fome e aids todos os dias. Ironicamente, enquanto Merton transcrevia esse pargrafo do Conclio, um general norte americano propunha ento que o Vietnam do Norte fossse bombardeado at voltar Idade da Pedra, com o assentimento da imensa maioria da populao do seu pas, tanto catlica quanto protestante. Quando nos dias de hoje 90% da populao norte-americana aprovou o presidente Bush depois de 11/set/2001, que assim respaldado invadiu o Iraque, vemos a atualidade do Conclio, quarenta anos depois, e quo urgente o empenho em promover a paz e a justia, em nome daquele que o Prncipe da Paz. The Hidden Ground of Love:48 Letters of Thomas Merton on Religious Experience and Social Concerns (HGL) uma volumosa obra (669 p.). Contem a correspondncia entre o Eremita de Gethsemani e pessoas empenhadas em47 48

MERTON, T. Redeeming the Time. Londres: Burns and Oats, 1966. MERTON, T. The Hidden Ground of Love: Letters of Thomas Merton on Religious Experience and Social Concern. Nova Iorque: Farrar, Strauss and Giroux, 1985. ((HGL).

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integrar a espiritualidade com os problemas sociais. HGL o primeiro volume de correspondncias. Trata de espiritualidade (orao, contemplao, compaixo) e dos grandes problemas atuais (guerra, violncia racial, injustia scio-econmica, fanatismo, degradao ambiental). Destacamos aqui a longa correspondncia com Catherine de Hueck, Dorothy Day e Irm Maria Emmanuel de Petrpolis, para quem escreveu ressaltando a necessidade de nos envolvermos nos problemas de nosso pas e tambm da humanidade inteira (p.186-187), sem o que ningum verdadeiramente contemplativo(a). Na correspondncia com o papa Paulo VI ressalta a mensagem de esperana que os contemplativos trazem ao mundo por causa da certeza do amor, da presena e da libertao de Deus (p. 158). Muitas dessas cartas tratam da no-violncia. Dorothy Day e outras mulheres (Hildegard Gossmayer) foram a Roma durante o Conclio pressionar os bispos em favor da causa da paz e da no-violncia. Elas entregaram nas mos dos Padres Conciliares cpias das cartas sobre a paz, escritas por Merton, e que muitoPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

influenciaram na elaborao da constituio Gaudium et Spes na dcada de 60, quando se abalavam os fundamentos da sociedade, cultura e religio, no auge da Guerra Fria. Assim Merton se revela um precursor do Conclio Vaticano II em temas candentes e cruciais para a humanidade. No por ltimo, HGL inclui a correspondncia com Alceu Amoroso Lima (p. 164), o amigo brasileiro de Merton que traduziu e prefaciou algumas de suas obras, e o mantinha a par da realidade do nosso pas, que ele tanto amava. The Road to Joy 49 o segundo volume de correspondncias. A obra revela a gratido de Merton por trs dons fundamentais de Deus em sua vida: sua f catlica, sua vocao monstica e sua vocao de escritor. (pela qual pode compartilhar com os outros os frutos da contemplao). A obra revela tambm o valor que a amizade tinha na vida do Eremita de Gethsemani. Depois de sua morte percebeu-se como esse crculo de amizade era diversificado. At hoje os amigos antigos e novos de Merton esto espalhados pelos quatro cantos do mundo. No crculo de amizades de Merton se inclui a pequena Grace Sisson, que lhe enviou um desenho de sua casa. Mas Merton notou que no havia um caminho conduzindo at a casa. Ento Grace enviou outro desenho, desta vez incluindo o caminho at casa, intitulado: The Road to Joy, que Merton perspicazmente l

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como o caminho interior que nos leva alegria, sem que saibamos como. Da o ttulo da obra (RJ 352-353). Merton convida todos os seus amigos a seguirem por tal caminho. Ele considera a amizade um sacramento de Deus, e isso que todos deveramos ser uns para os outros. Ele confidencia que sua amizade com o Dalai Lama confirmou a f em Cristo e na inabitao de Sua presena. Na quinta parte Merton escreve a Jovens em busca de orientao espiritual. Em RJ esto includas 10 das 111 Cartas da Guerra Fria. A obra The Courage for Truth50 abrange um perodo de 20 anos de corespondncia entre Merton e escritores do mundo inteiro (1948-1968), com destaque para aqueles que opunham resistncia a regimes opressores e totalitrios. Aos escritores cabe a funo de anunciar corajosamente a verdade, desmascarando a mentira. Eles so formadores de opinio. Destacamos a correspondncia com Boris Pasternak e uma carta enviada ao Chefe de Escritores Soviticos protestando contra o impedimento de Pasternak receber o Premio Nobel dePUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

literatura (p. 87-93). A correspondncia entre Merton e Pasternak foi vigiada de perto pelo FBI, a pedido dos catlicos ultraconservadores e nacionalistas de Louisville, para quem o Eremita de Gethsemani era comunista, perigoso e antipatriota. (Nessa correspondncia com Pasternak j est traado o destino martirial de Merton, como veremos mais adiante). Significativas so as cartas a Ernesto Cardenal (1959-1968), com quem compartilhava intimamente tambm a vocao monstica, literria e a crtica social. Cardenal foi a ponte de ligao entre Merton e a Amrica Latina. Por meio dele comeou a correspondncia com escritores latinoamericanos (Pablo Antonio Cuadras, Miguel Grinberg, Nicanor Parra, Ludovico Silva, Jose Coronel Urtecho e Vitria Ocampo). Merton e Cardenal lanaram as sementes da futura teologia e espiritualidade da libertao, e so seus precursores (p. 110-163). A obra The School of Charity51 o quarto volume de Correspondncias. Trata da renovao da vida religiosa e da orientao espiritual. O ttulo tomado de So Bento, que entendia o mosteiro como uma escola de caridade. SCh traz a

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MERTON, T. The Road to Joy: The Letters of Thomas Merton to New and Old Friends. DAGGY, Robert (Org.). Nova Iorque: Farrar, Strauss and Giroux, 1989.(abreviado RJ). 50 BOCHEN, Cristine (Org.). The Courage for Truth: Letters of Thomas Merton to Writers. Nova Iorque: Farrar, Straus and Giroux, 1993 (CT). 51 MERTON. T The School of Charity: Letters of Thomas Merton on Religious Renewal and Spiritual Direction. Nova Iorque: Farrar, Strauss and Giroux, 1990. (SCh).

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correspondncia com os abades beneditinos brasileiros dom Incio Accioly (p. 304-305), dom Baslio Penido (p. 306-307) e dom Timteo Amoroso Anastcio. O livro se divide em trs partes: a) de 1941-1959 a primeira fase da vida monstica. Aqui ressalta a carta ao abade Frederick Dunne, pedindo para ser aceito na Ordem e o pedido expresso do Abade para que Merton escrevesse sua autobiografia, que faria grande bem a muita gente (palavras profticas). b). 1960-1964 a segunda fase monstica. Merton j mestre de novios. Muitas mulheres entram em sua vida: Irm Mary Luke (que foi observadora no Conclio Vaticano II); c) 1965-1968. a terceira fase: a vida eremtica. A ltima carta, dois dias antes de morrer, foi endereada ao Brother Patrick Hart (ainda hoje vivo, ex-secretrio de Merton), onde revela a sua saudade do mosteiro de Gethsemani, aproximando-se o tempo de Natal em 1968. Ele assina carinhosamente Louies (seu nome religioso era Father Louis, e no Thomas Merton).PUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

A obra Witness to Freedom52 o quinto e ltimo dos cinco volumes de correspondncias de Merton. O ttulo uma aluso ao prprio Merton, testemunha da liberdade e da libertao. O subttulo, por sua vez, Letters in Times of Crisis, conota o contedo da obra: Ela aborda a crise acentuada na dcada de 60 do sculo XX. Merton busca influenciar os bispos norte-americanos indo segunda sesso do Conclio Vaticano II. Ele insta veementemente a que condenem a violncia das armas atmicas e prope que a Igreja seja mediadora dos conflitos internacionais, vencendo o primado e a canonizao da violncia, como praxe acontecer (p. 88-94). As propostas de Merton aparecem explicitamente no documento Gaudium et Spes. A obra Faith and Violence53 aborda a Guerra do Vietnam, a injustia social e racial, e se ope firmemente convocao ao servio militar obrigatrio. No captulo intitulado: Para uma teologia da resistncia, ele prope que o labor teolgico enfrente o problema crucial da violncia, que permeia todo o tecido social (p. 3). Na raz da violncia est um bando de assassinos praticando uma ao global de genocdio, movidos por interesses econmicos e imperialistas.

, Witness to Freedom: Letters in Times of Crisis. SHANNON, W. (Org.). Nova Iorque: A Harvest Book, 1995. 53 MERTON, T. Faith And Violence: Christian Teaching and Christian Practice. Notre Dame: University of Notre Dame, 1968. (FV).

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Merton contrasta a violncia com a atitude de no violncia, embasada no ensino de Jesus no Sermo da Montanha. Condies para a no violncia que ele elenca: - No ser conivente com um poder constitudo injusto; - ser verdadeiro; - evitar atitudes de auto-justificao; - estar disposto a aprender do adversrio. A no violncia a forma mais eficaz de resistir injustia e ao mal, capaz de gerar mudanas, despertar as pessoas para a verdade e a paz implantadas em nossa natureza humana (p. 39). Em FV Merton define a contemplao como o contato vivo com a Fonte infinita de todo ser (p. 222) e afirma que a f crist no pode servir de narctico, anestsico ou embriaguez, mas deve ser fonte de resistncia violncia atual. Ele apresenta trs figuras paradigmticas da no violncia ativa: Simone Weill (que aderiu resistncia francesa contra a invaso dos nazistas e afirmou a liberdadePUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

humana contra o abuso do poder); o padre Delp S.J., (considerado inimigo do Estado por conspirar contra Hitler e ser jesuta), e Franz Jgersttter (decapitado pelos nazistas por sua resistncia a prestar juramento e a servir militarmente numa guerra injusta. Ele fez objeo de conscincia numa atitude de protesto e profecia). Impressionado com a obra Faith and Violence, Dom Helder Cmara escreve a Merton, agradecendo a atualidade desta mensagem, que ele vivia muito bem no nordeste e no pas ento sob a ditadura militar. Agradece tambm porque ele apresenta ao ocidente e defende a figura maravilhosa de Thich Nhat Hanh Comea ento uma correpondncia entre o Eremita de Gethsemani e nosso pastor Dom Helder. Merton se revela assim precursor da espiritualidade da libertao, assim como Dom Helder. Merton defende Thich Nhat Hanh, cado em desgraa por denunciar as atrocidades cometidas pelos vietcongs e se colocar ao lado das pessoas destrudas, torturadas e queimadas. No artigo Eventos e Pseudo Eventos, Merton denuncia a manipulao dos meios de comunicao nos EUA, onde 9 entre 10 notcias so falsas, incapazes de refletir o mundo como ele . So notcias que defendem as grandes corporaes transnacionais e um exacerbado, desconsiderando o conjunto das demais naes. Os sete Dirios de Merton (Journals) foram originalmente publicados mais de 25 anos aps a morte de seu autor, a pedido expresso dele, e obedecem a uma nacionalismo

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seqncia cronolgica. Iniciam com os anos pr-monsticos em 1939 e terminam em Bangcoc, na Tailndia em 1968. Escrever Dirios foi a forma que Merton sempre encontrou, desde os 16 anos de idade, para celebrar a vida, e de dar resposta aos grandes desafios pessoais e globais que encontrava. Isso fez dele um mestre de espiritualidade, e um dos telogos mais conhecidos do sculo XX. A importncia dos Dirios reside no fato de que neles encontramos embrionariamente todas as obras mertonianas. Vamos apresentar a seguir cada um dos sete Dirios. A obra Run to the Mountain54 (RtM) constitui o primeiro volume dos Journals. Foi organizado pelo monge trapista brother Patrick Hart, secretrio pessoal de Merton. O ttulo inspirado em Dante Alighieri, na obra Purgatrio II, 7: Sobe a Montanha). RtM retrata os anos pr-monsticos de Merton. Passada a censura de 25 anos auto-imposta publicao dos mesmos, eles comearam a aparecer j a partir de 1995. Revelam que desde muito cedo Merton um escritorPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

inveterado de dirios. Ali podia expressar seu mundo interior sem o constrangimento dos censores da Ordem. A obra Entering the Silence:55(EtS) o segundo volume dos Journals. Abrange o perodo monstico compreendido entre 1941 e 1952, dividido em trs partes: a primeira, o Noviciado (de 1941-1942); a segunda, o menolgio de dom Frederick Dunne (1946-1948), o primeiro abade de Merton, e que, longe de impedir, incentivou-o a escrever e a publicar sua auto-biografia, (que o tornou uma celebridade mundial). A terceira, que ele chamou The Whale and the Ivy (1946-1952). A obra Search for Solitude (SfS):56 Pursuing the Monks True Life, o terceiro volume dos Dirios. Inicia em 25 de julho de 1952 e termina em 23 de maio de 1960. O subttulo indica o fio condutor desse volume. Merton est buscando uma vida de crescente solitude em tenso e conflito com o seu voto de estabilidade em Gethsemani. Pensa, respectivamente, em ser monge cartuxo, depois camaldulense, e (no fim do Dirio), volta seu olhar para a Amrica Latina,

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MERTON, T. Run to The Mountain: The Story of a Vocation. v. I. HART, P. (Org.). (19391941). Nova Iorque: HarperSanFrancisco, 1995 (RtM). 55 MERTON, T. Entering The Silence: Becoming a Monk and Writer. MONTALDO, J. (Org.) (1941-1952). v.II. Nova Iorque: HarperSanFrancisco, 1995. (EtS). 56 MERTON, T. A Search for Solitude: Pursuing the Monks True Life. CUNNINGHAM, Laurence (Org.). v. III (1952-1960), 1996 (SfS).

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buscando um modelo alternativo de vida monstica: mais evanglico, pobre e inserido no meio do povo ( p. 350). Mas essa porta se fecha e outra se abre: ele recebe permisso de viver uma vida eremtica ali mesmo, a poucos kilmetros distante do mosteiro. Nos primeiros anos (1963-1965) vive como eremita em tempo parcial (usando os velhos depsitos de ferramentas improvisados). Mais tarde, nos ltimos trs anos de sua vida, residiu no eremitrio em tempo integral (1965-1968). Em SfS esto embrionariamente presentes cerca de dez obras mertonianas. Entre outras: Conjectures of a Guilty Bystander (CGB), Wisdom of the Desert, Thoughts in Solitude, Spiritual Direction and Meditation). SfS cobre o perodo em que Merton Mestre dos telogos e depois Mestre dos Novios. O Dirio est repleto de consideraes poticas sobre a ecologia natural que o rodeia. Tambm reflete seu contato com escritores latinoamericanos, como Ernesto Cardenal, que o introduz na realidade do continente latinoamericano. Tambm aparecem contatosPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

com budistas, judeus e muulmanos, fazendo a ponte por sobre a violncia do fanatismo religioso. SfS reflete tambm sua experincia de converso compaixo ocorrida em pleno centro comercial de Louisville em 18 de maro de 1958. (SfS 181-182, cf., CGB; vide tambm a figura 1). Merton descobre ali sua unidade com a famlia humana, sem pretensa superioridade ou diferena por ser monge. Nunca mais a fuga mundi, mas doravante a converso ao mundo. Ento comea um processo irreversvel de envolvimento nas questes da Igreja e do mundo. Logo depois ele escreve uma carta ao papa Joo XXIII, onde define sua vocao de contemplativo, no mais isolado, mas plenamente inserido nos destinos do mundo. SfS a primeira das trs obras que constitui o objeto material da presente tese (junto com TtT e DWL). A obra Turning toward the World57(TtW) constitui o IV volume dos Dirios e a segunda obra tomada como objeto formal da presente tese. Cobre o perodo que vai de 1960 a 1963. Nessa poca Merton ainda mestre de novios e formador dos escolsticos. Sua vida est passando por uma verdadeira metamorfose: quer fazer a sntese entre a espiritualidade e o mundo de hoje, na esteira do Vaticano II que j estava em plena atividade. tambm o perodo em

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que ele vive mais radicalmente a vida monstica, buscando o silncio e o escondimento de um eremitrio nos arredores do mosteiro. Est na passagem dos 40 aos 50 anos de idade. Mas longe de se isolar, ele se volta ao mundo (como diz o subttulo: Turning toward the World), e o acolhe com todas as suas mazelas. Trata de questes como a guerra nuclear, e a misso da Igreja no mundo de hoje. Enquanto o Eremita de Gethsemani medita e contempla, ouve o som de explosivos detonando no campo militar de Fort Knox, no muito distante dali. Chega a tremer o cho debaixo de seus ps! E acima dele voam constantemente avies militares, trazendo em seu bojo bombas atmicas. Isso desperta-o de qualquer viso ingnua que eventualmente poderia ter a respeito do mundo e da sociedade e o compromete ainda mais com o mundo de hoje. Ento Merton se pergunta: Qual a resposta dos contemplativos diante da sociedade atual? Quanto mais mergulha na solitude, mais busca o envolvimentoPUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

com o mundo. Sente-se como um espectador culpado, fisicamente distante da arena da luta. Mas deseja ardentemente dar sua contribuio. Ele um dos precursores da espiritualidade da libertao. Resumindo, na obra TtW vemos a converso de Merton ao mundo: o mestre de novios se torna eremita, o crtico da sociedade, cultura e religio torna-se cheio de compaixo, celebrando a vida e a criao. A obra Dancing in the Water of Life58 (DWL) compe o volume V dos Dirios e a terceira obra que constitui o objeto material da presente tese. Abrange a vida de Merton entre 1963 e 1965. Aqui o encontramos na plenitude de suas foras fsicas, intelectuais e espirituais. Literalmente danando nas guas da vida como um derviche diante do seu Deus (da a inspirao do ttulo, tirado de uma mensagem aos poetas latinoamericanos reunidos na cidade do Mxico em 1964. No poema, Merton lhes escreve: Vem, derviche, aqui est a gua da vida. Dance nela).59 DWL relata a vivncia de Merton no eremitrio em tempo parcial, buscando a tranqilidade interior e se dedicando causa da paz no mundo

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MERTON, T. Turning toward the World: The Pivotal Years. KRAMER, Vitor (Org.) v. IV (1960-1963). Nova Iorque: HarperSanFrancisco, 1997. (TtW). 58 MERTON, T. Dancing in The Water of Life: Seeking Peace in The Hermitage. DAGGY, Robert (Org.). v. V (1963-1965). Nova Iorque: HarperSanFrancisco, 1998. 59 MERTON T. Raids on the Unspeakable, p. 161.

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mediante seu engajamento em vrios movimentos (Pax Christi, The Catholic Worker, Fellowship of Reconciliation). O contexto histrico e poltico em que est vivendo marcado pela violncia crescente, expressa em fatos como o assassinato de Kennedy, a Guerra do Vietn, e as lutas raciais. Na igreja esto sendo promulgadas as duas Constituies fundamentais: Sacrossantum Concilium e Gaudium et Spes, comeando a renovao da vida religiosa e a abertura ao mundo. Nessa poca tambm foi criado o Thomas Merton Studies Center em Louisville, Estado de Kentucky, guardando para a posteridade todo o legado mertoniano. Aparecem os escritos mertonianos sobre paz e justia e sua atitude de compaixo e solidariedade com os humanos, num mundo ameaado pela violncia e a injustia. Nessa poca Merton est lendo a um tempo os autores monsticos medievais, e os escritores existencialistas atuais (como Sartre, Camus e Marcel). Tambm est escrevendo intensamente sobre a Amrica Latina, a espiritualidadePUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

macroecumnica, o equilbrio ecolgico que vive no eremitrio em contraste com o desiquilbrio ecolgico da guerra, poluio e desigualdade social. uma poca de converso ao mundo (mas no uma volta s cidades), valorizao da bondade da criao, e de solidariedade com os pobres (p. 293). A obra Learning to Love60 (LtL) compe o volume VI, abrangendo os anos de 1966-1967. O Dirio revela um perodo turbulento na vida de Merton: Num internamento hospitalar em Louisville, ele acabou apaixonando-se por uma enfermeira, chamada simplesmente de M. para proteger a privacidade dela. Merton no quer ocultar o episdio, que revela a um tempo suas carncias psicolgicas e suas limitaes humanas, e tambm seu empenho por super-las, apoiado na graa de Deus. Revela, conforme suas palavras, minha necessidade de amor, minha solido, minha diviso interior, a luta na qual s vezes a solitude um problema e uma soluo (p. 234). A relao entre Merton e M. durou de abril a setembro de 1966, com grande intensidade emocional, como soe acontecer. Foi ento que Merton percebeu que a vida solitria no eremitrio, longe de ser romntica, carregada de problemas e perigos. Ele tinha ento 51 anos de idade e 24 de monge. O Dirio LtL evidencia o conflito, a paixo, a culpa, a ansiedade e confuso que tomam

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conta dele, quando emergem as poderosas correntes psquicas inconscientes, at ento represadas por dura ascese monstica, sem serem corretamente integradas. Falando sobre solitude, ele afirma com toda a humildade: A nica solitude a solitude da pessoa humana frgil, mortal, limitada, desolada e rebelde, feita de seus amores e temores, enfrentando seu prprio presente como ele , e abrindo-se aos outros e a Deus (p. XXI). O Dirio LtL conclui com o fim do caso amoroso. Merton recupera o equilibro e a tranqilidade, e volta ao Amor Primeiro. Sua paixo por M. virou um caso do passado. No Dirio seguinte, o VII (The Other Side of the Mountain- OSM61) ele revela ter queimado todas as cartas de M., considerando o episdio todo uma incrvel estupidez. The Asian Journal of Thomas Merton62 (Dirio da sia) a sua ltima obra. Dscreve sua viagem voando pelo Pacfico, rumo conferncia em Bangcoc. Anota com grande senso de humor (signo dos verdadeiros contemplativos), os encontros que manteve em Calcut, Himalaia, Nova Dlhi, Ceilo, Madras ePUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

Bangcoc. Por toda a parte sentiu a compaixo pela humanidade, fruto de uma mstica que se expressa em ao concreta. A obra Dirio da sia traz a ltima conferncia de Merton, intitulada: Marxismo e Perspectivas Monsticas pronunciada em Bangcoc em 10 de dezembro de 1968, num encontro entre monges cristos e budistas, duas horas antes de morrer. Na poca o marxismo estava na ordem do dia, e Merton foi capaz de ler a situao de ento e estabelecer pontos de contato com sua vocao monstica. Pois o marxismo nasceu dentro do profetismo judaico, no qual Marx se inspirou na elaborao de sua utopia. A utopia de uma fraternidade humana onde todos tenham o necessrio para viver, onde no haja carncia nem suprfluo, assumida pela esperana crist e vivida com radicalidade nas comunidades monsticas. Da a possibilidade de um encontro entre marxismo e vida monstica, para se encontrar pontos de semelhana e dissemelhana. Para ele, a vida monstica a nica a realizar inteiramente o ideal marxista, onde cada um contribui conforme suas possibilidades e recebe segundo suas necessidades.

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MERTON, T. Learning to Love: Exploring Solitude and Freedom.BOCHEN, Christine (Org.). v. VI (1966-1967). Nova Iorque: HarperSanFrancisco, 1998. (LtL). 61 MERTON, T. The Other Side of The Mountain: The End of The Journey. HART, P. (Org.). v. VII (1967-1968). Nova Iorque: HarperSanFrancisco, 1999 (OSM). 62 MERTON, T. The Asian Journal of Thomas Merton. Nova Iorque: New Direction, 1973.

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Em preparao ao tema dessa palestra, Merton leu intensamente as obras de Roger Garaudy e Herbert Marcuse. Ele sentiu confirmadas suas convices de que o monge deve ser revolucionrio, buscando transformar as estruturas injustas da sociedade. No misticismo oriental essa uma praxis constante, pois l no h a dicotomia entre a esfera religiosa e a poltica. Eis a um dos aspectos que fascinava Merton no seu encontro com as religies orientais! Terminada sua Conferncia sobre Marxismo e Perspectivas Monsticas63, Merton voltou ao hotel onde estava hospedado. Tomou um banho e, para refrescar-se do calor intenso, ligou o ventilador. Mas, estranhamente, os fios eltricos estavam desencapados, e ele caiu fulminado por um choque fatal. (Sua morte tem sido objeto de especulaes e controvrsias, que retomaremos mais adiante). Seu corpo foi trazido num avio da fora area norte-americana de Bangcoc para o Mosteiro de Nossa Senhora de Getsemani, no Estado de Kentucky, EUA, em cujo cemitrio descansa para sempre.PUC-Rio - Certificao Digital N 0124806/CA

Distante uma hora do mosteiro situa-se o Thomas Merton Studies Center, anexo Biblioteca da Bellarmine University em Louisville, Kentucky, onde se preserva todo o legado mertoniano para as geraes atuais e futuras. Faz parte desse legado o acervo de mais de 250 dissertaes e teses doutorais sobre Merton. Entre outras destacamos uma delas, por tocar diretamente o tema da presente tese: a obra Thomas Merton and Latin America: A Consonance of Voices64. uma tese doutoral escrita por Malgorzata Poks. Ela descreve o contato de Merton com intelectuais da Amrica Central, como Ernesto Cardenal (p. 132-156)) e do Brasil como Carlos Drumond de Andrade (p. 89-97). Esta tese, porm, aborda Merton mais sob o aspecto literrio do que teolgico e no apresenta Merton como precursor da espiritualidade da libertao, como o enfoque e argumento de nossa tese. A obra Merton and Sufism: The Untold Story65 (MS) a primeira de um projeto grandioso e atual executado pela Editora Fons Vitae de Louisville, KY, destinado a promover o respeito mtuo entre as tradies religiosas da humanidade, mediante a partilha de suas experincias msticas. MS trata

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MERTON, T. The Bangcoc Conference. CD