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MÔNICA ABREU GONZALEZ MARQUES IMPLANTAÇÃO DE AGENDA INTEGRADA EM UMA USF DE CAMPO GRANDE (MS) – RELATO DE EXPERIÊNCIA

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MÔNICA ABREU GONZALEZ MARQUES

IMPLANTAÇÃO DE AGENDA INTEGRADA EM UMA USF DECAMPO GRANDE (MS) – RELATO DE EXPERIÊNCIA

Campo Grande– MS2011

MÔNICA ABREU GONZALEZ MARQUES

IMPLANTAÇÃO DE AGENDA INTEGRADA EM UMA USF DECAMPO GRANDE (MS) – RELATO DE EXPERIÊNCIA

Campo Grande– MS2011

Relato de experiência apresentado à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, como requisito para conclusão do curso de Pós Graduação em nível de especialização em Atenção Básica em Saúde da Família.

Orientadora: Prof. Ms. Luiza Helena de Oliveira Cazola Silva.

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RESUMO

 

A organização dos serviços de saúde no Brasil sofreu diversas mudanças ao longo das últimas décadas, com a institucionalização do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1988, e com a adoção do Programa Saúde da Família (PSF), em 1994. O PSF se constituiu como uma estratégia para a reorganização da Atenção Básica, buscando a vigilância à saúde por meio de um conjunto de ações individuais e coletivas voltadas para a promoção, prevenção e tratamento dos agravos à saúde, estruturando-se por intermédio da Unidade Saúde da Família (USF), na qual atua uma equipe multiprofissional responsável por uma determinada população. Entretanto, são muitos os entraves para a concretização desses princípios, pois muitas equipes mantêm suas ações fragmentadas e desarticuladas, direcionadas apenas ao atendimento individual e ao tratamento de doenças. Além disso, as diretrizes da Estratégia Saúde da Família (ESF) apresentam o que deve ser feito nas USFs, sem no entanto, relatar como deve ser o processo de trabalho, havendo uma lacuna à respeito dos modos de organização da demanda de atendimento. Assim,  este trabalho teve como objetivo relatar uma proposta de organização do processo de trabalho, a partir da integração das ações dos diferentes profissionais de uma equipe de saúde da família, na USF Aquino Dias Bezerra, no município de Campo Grande, MS, através da implantação de uma agenda de trabalho na qual são determinadas as atividades programadas e reservada a atenção à demanda espontânea. Diante da inauguração da unidade, foi implantada uma agenda de trabalho que definiu o enfoque de todos os profissionais da equipe, isto é, o grupo populacional cujo atendimento seria priorizado, em cada dia da semana. A demanda foi organizada através da divisão entre demanda programada, para a qual foram destinadas de 50% a 60% das vagas, e demanda espontânea, que correspondeu aos outros 40% a 50%. A demanda programada foi composta por pacientes pertencentes ao grupos prioritários, como gestantes, hipertensos e diabéticos, que tiveram seu agendamento realizado previamente pelos profissionais da unidade. A demanda espontânea consistiu na população que procurou a unidade livremente para o agendamento de consulta, que foi realizado através da distribuição de senhas. Os pacientes da demanda programada foram agendados através dos cartões dos programas, como o cartão da gestante, e os profissionais utilizaram esses cartões como documento de registro e acompanhamento da história médica e odontológica desses pacientes. Para a equipe, a utilização dessa agenda consistiu em mais um passo em direção ao trabalho interdisciplinar e um avanço comparado à lógica de atendimento por ordem de chegada, ampliando o acesso através de outros critérios. A agenda também possibilitou uma maior aproximação com os pacientes e com os próprios membros da equipe.

Palavres-chave: Equipe multiprofissional. Acesso. Saúde da Família.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 5

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...................................................................... 8

2.1 HISTÓRICO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA ................................. 8

2.2 PLANEJAMENTO DO PROCESSO DE TRABALHO .................................. 11

2.3 COMPOSIÇÃO DA AGENDA ...................................................................... 13

3 OBJETIVO GERAL ………………....………………….......…………………….. 17

4 RELATO DE EXPERIÊNCIA .......................................................................... 18

4.1 A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA EM CAMPO GRANDE .................... 18

4.2 USF AQUINO DIAS BEZERRA – VIDA NOVA ............................................ 19

4.3 IMPLANTAÇÃO DA AGENDA DE TRABALHO ........................................... 21

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ……………………………………………………… 26

REFERÊNCIAS .................................................................................................. 27

ANEXOS ............................................................................................................ 29

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1 INTRODUÇÃO

A organização dos serviços de saúde no Brasil sofreu diversas mudanças ao

longo das últimas décadas, com a institucionalização do Sistema Único de Saúde

(SUS) em 1988, que estabeleceu como princípios básicos universalidade,

descentralização, integralidade e participação da comunidade na configuração de

um novo modelo gerencial (SILVA; ATHAYDE, 2008).

Ao longo dos anos, observaram-se diversas experimentações numa tentativa

de concretização destes princípios no cotidiano da atenção à saúde. Na década de

1990, o Brasil passava por uma série de problemas decorrentes de mudanças

econômicas, demográficas e epidemiológicas, determinando um quadro conhecido

como “crise da saúde”. Reconhecia-se que o modelo de assistência até então

hegemônico – hospitalocêntrico, individualista, com utilização irracional dos recursos

tecnológicos disponíveis e baixa resolubilidade – oferecia obstáculos para a

concretização dos princípios do SUS, conduzindo à sua reforma incremental, ou

seja, a “um conjunto de modificações no desenho e operação da política” (VIANA;

DAL POZ, 1998).

Assim, a partir de 1994, o Ministério da Saúde (MS) adotou o Programa

Saúde da Família (PSF), com o objetivo de reorientar o modelo assistencial vigente,

revertendo a forma da prestação de assistência à saúde. Esse programa se

constituiu como uma estratégia para a reorganização da Atenção Básica, buscando

a vigilância à saúde por meio de um conjunto de ações individuais e coletivas,

situadas no primeiro nível de atenção e voltadas para a promoção, prevenção e

tratamento dos agravos à saúde (ARAÚJO; DIMENSTEIN, 2006).

Esse programa foi então apresentado como estratégia para reverter o modelo

de assistência, prevendo novas práticas de saúde, integrando de forma permanente

ações clínicas e ações coletivas. Ele estrutura-se por intermédio da Unidade Saúde

da Família (USF), na qual atua com uma equipe multiprofissional responsável por

uma determinada população a ela vinculada, orientado por seis diretrizes básicas:

substituição das práticas tradicionais por um novo processo de trabalho,

compromisso com a integralidade e a intersetorialidade, territorialização; atuação em

equipes multiprofissionais, responsabilização e vínculo das equipes com a

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população adscrita, e estímulo à participação popular e ao controle social (BRASIL,

2003).

Entretanto, são muitos os entraves para a concretização desses princípios.

Muitas equipes são constituídas por profissionais que atuam em uma mesma

unidade, mas mantêm suas ações fragmentadas e desarticuladas, direcionadas

apenas ao atendimento individual e ao tratamento de doenças. Em contrapartida, há

equipes que privilegiam somente as ações preventivas e educativas, não reservando

a devida atenção à demanda espontânea e assim, negando acesso aos usuários

não pertencentes aos grupos prioritários.

De acordo com pesquisa realizada por Souza et al. (2008), em três capitais

do Nordeste, ainda que pese uma incorporação inicial de atenção integral, prevalece

nas unidades o trabalho em saúde com moldes tradicionais, centrados na consulta

médica, por meio da distribuição de fichas para livre demanda.

Por outro lado, na equipe estudada por Schimith e Lima (2004), em Rio

Grande do Sul, a enfermeira desenvolvia atividades de prevenção e promoção de

saúde em detrimento das ações clínicas, justificada pela dificuldade em garantir a

assistência.

O enfrentamento da complexidade dos problemas de saúde da população

requer que as várias categorias profissionais trabalhem em conjunto, a partir da

integração dos campos de conhecimento acumulados nas diversas profissões e

também do saber da comunidade, que é reconhecido como importante fonte de

conhecimento (LEITE; VELOSO, 2008).

Na literatura, observam-se as diretrizes da Estratégia Saúde da Família (ESF)

e suas propostas sobre o que deve ser feito nas Unidades Saúde da Família.

Entretanto, embora haja uma preocupação crescente com os aspectos qualitativos

da realidade vivenciada nas unidades que compõem essa estratégia, pouco tem sido

relatado sobre como deve ser o processo de trabalho para que as metas sejam

atingidas, havendo uma lacuna a respeito dos modos de organização da demanda

de atendimento.

Assim, com o objetivo de promover os princípios do SUS e da ESF,

proporcionando a reorganização do processo de trabalho de forma a reestruturar os

serviços de saúde, as ações dos profissionais da equipe de saúde da família devem

ser planejadas e pactuadas de forma integrada.

6

Este trabalho tem como objetivo relatar uma proposta de organização do

processo de trabalho, a partir da integração das ações dos diferentes profissionais

de uma equipe de saúde da família, através da implantação de uma agenda de

trabalho, na qual é prevista a atenção à demanda espontânea e às atividades

programadas, na USF Aquino Dias Bezerra, do município de Campo Grande, MS.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 HISTÓRICO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

A reforma do modelo de assistência pública à saúde ocorreu com a

constitucionalização do SUS, em 1988. Esse novo modelo definiu como princípios

para as ações de saúde a universalidade, a integralidade e a descentralização,

através da reorganização dos serviços sob a lógica da regionalização e da

hierarquização, com definição de porta de entrada. As ações preventivas e curativas

passaram a ser de responsabilidade dos gestores públicos (VIANA; DAL POZ,

1998).

O SUS, no entanto, enfrentou diversos entraves para sua operacionalização,

entre os quais se destacou a resistência do antigo modelo – centrado na doença e

em ações curativas individuais – à mudança mais substantiva das práticas

assistenciais (VIANA; DAL POZ, 1998).

Em 1991, o Ministério da Saúde formulou o Programa de Agentes

Comunitários de Saúde (PACS) como medida de enfrentamento dos graves índices

de morbimortalidade materna e infantil na Região Nordeste do país. Esse programa

instituiu alguns elementos centrais, como o enfoque na família, e não somente no

indivíduo, e a noção de área de cobertura. Além disso, ele introduziu uma visão ativa

da intervenção em saúde, agindo preventivamente sobre a demanda, constituindo-

se em um instrumento de reorganização da mesma. A experiência possibilitou a

adoção de uma prática não reducionista, não centrada apenas na intervenção

médica, e com maior integração com a comunidade (VIANA; DAL POZ, 1998).

A missão do PACS era reduzir a mortalidade infantil e materna, mediante

oferta às populações rurais e de periferia, de procedimentos simplificados de saúde

na lógica da medicina preventiva. O objetivo era desenvolver a capacidade da

população para cuidar de sua própria saúde, transmitindo informações sobre

práticas preventivas, por meio de agentes comunitários de saúde (GOMES;

PINHEIRO, 2005).

O PACS pode ser então considerado como precursor do Programa Saúde da

Família (PSF), instituído em 1994 pelo Ministério da Saúde. O PSF foi implantado

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como estratégia capaz de provocar mudanças no modelo assistencial ao romper

com o comportamento passivo das unidades básicas de saúde, estendendo suas

ações para junto à comunidade (BRASIL, 2003).

O PSF foi então entendido como uma proposta estruturante do sistema de

atenção à saúde, com objetivo de colaborar decisivamente na organização do

Sistema Único de Saúde e na municipalização, implementando os princípios

fundamentais de universalização, descentralização, integralidade e participação

comunitária. Esse programa tinha como prioridade as ações de proteção e

promoção à saúde dos indivíduos e da família, tanto de adultos quanto de crianças,

sadios ou doentes, de forma integral e contínua (GOMES; PINHEIRO, 2005).

A partir desses princípios, o PSF passou a se constituir como Estratégia

Saúde da Família, passando a ter caráter substitutivo na reestruturação dos serviços

de saúde ao deixar de ser encarado em paralelo, como outros programas (SILVA;

ATHAYDE, 2008).

Entretanto, desde a aprovação da Constituição de 1988, dois grandes eixos

se apresentaram como questões complexas: a descentralização político-

administrativa e a organização da atenção à saúde (BRASIL, 2003).

Na prática, a organização do processo de trabalho da equipe, a relação com

os usuários nessa construção, e principalmente, o desafio de trabalhar com

equilíbrio entre autonomia e responsabilidade, não estavam sendo pautados no

processo de implantação da ESF, seja pelos gestores, seja pelos trabalhadores

(SCHIMITH; LIMA, 2004).

Além disso, nas normas que orientam os serviços da ESF são verificadas

indicações de como deve ser este novo modelo de assistência à saúde, com a

inclusão de alguns instrumentos que englobam as informações que devem ser

priorizadas, mas apresentando uma lacuna do como fazer, como operacionalizá-lo

(SILVA; ATHAYDE, 2008).

Dentre as diretrizes do PSF, está a atuação em equipes multiprofissionais,

cujo objetivo seria possibilitar o conhecimento mais amplo nas intervenções de

saúde, com a finalidade de superar a fragmentação gerada pelo excesso de

especialização, conferindo maior eficiência aos serviços de saúde. São descritas as

atribuições gerais da equipe e também especificadas as atribuições de cada um de

seus componentes. Contudo, não são encontradas orientações acerca de como se

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processaria a articulação das diferentes atribuições de cada profissional da equipe a

fim de atingir seus objetivos (SILVA; ATHAYDE, 2008).

A interdisciplinaridade no campo da saúde pública é de fundamental

importância diante de problemas complexos que a saúde impõe. Entretanto, sua

prática é limitada devido à tradição positivista e biocêntrica, aos espaços de poder

cristalizados pela rigidez disciplinar, à falta de comunicação entre as instituições de

ensino e pesquisa e às dificuldades inerentes à interdisciplinaridade, como a

operacionalização de conceitos, métodos e práticas entre as disciplinas. Os entraves

são resultado de um modelo de atenção que privilegia somente a doença e a

especialização (LEITE; VELOSO, 2008).

O modelo multiprofissional tradicional constitui um grande desafio a ser

superado, pois focaliza o indivíduo e sua compartimentalização. As várias categorias

profissionais trabalham paralelamente, de forma isolada, havendo pouca ou até

mesmo nenhuma discussão entre as mesmas, o que gera uma atenção

fragmentada. Somente a presença de profissionais de várias áreas não é suficiente

para caracterizar a interdisciplinaridade, embora o modelo multiprofissional seja um

avanço na busca de integração das disciplinas científicas ao permitir um diálogo

compreensível entre as profissões (LEITE; VELOSO, 2008).

A comunicação deve existir, de modo que cada visão disciplinar possa

contribuir para o compartilhamento com outras disciplinas, ao contrário do simples

encaminhamento e/ou repasse de problemas de um profissional para outro. Nessa

perspectiva, o trabalho coletivo não é realizado pelo profissional da saúde, mas sim,

pelo usuário, que peregrina de sala em sala, ou até mesmo de serviço em serviço.

Dessa forma, o usuário é responsabilizado pela integração do trabalho em saúde, na

medida em que é obrigado a procurar várias especialidades (LEITE; VELOSO,

2008).

O processo de trabalho não é mera execução de normas e prescrições e os

modelos assistenciais se desenham, se expressam e se conformam nos

microespaços e no cotidiano dos serviços, em uma conjuntura socioeconômica,

cultural e histórica (REIS et al., 2007).

A prática por sua vez, ainda se opõe àquela proposta por esse novo modelo.

O usuário, na maioria das vezes, ainda acredita resolver seus problemas apenas

com a consulta médica (SILVA; ATHAYDE, 2008), que é realizada por meio do

modo tradicional, isto é, alguém chega com uma queixa (motivo do atendimento

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baseado na doença) e recebe a prescrição de uma conduta ou medicamento. Nela

procura-se desenvolver o caráter educativo (REIS et al., 2007).

Esse enfoque de educação se faz na perspectiva da prescrição de conduta,

sendo que o usuário sai da unidade com uma prescrição de mudança de hábito a

ser implementada em seu cotidiano, sem levar em conta seus valores e modo de

viver. Há ainda pouca discussão entre a equipe sobre o planejamento terapêutico

dos usuários. Por sua vez, os usuários sobrevalorizam as consultas médicas, sendo

perceptível sua busca por medicamentos e exames, de forma que, para muitos, a

solicitação de vários exames é sinônimo de boa conduta médica (REIS et al., 2007).

A proposta da ESF de não se centralizar em um único profissional de saúde,

o médico, visa enfatizar a idéia de equipe interdisciplinar, com o objetivo de cumprir

o princípio da integralidade na saúde, concebendo cada indivíduo como uma

totalidade, tanto na promoção como na prevenção, cura e reabilitação da saúde,

valorizando a “soma de olhares” de diferentes profissionais. O trabalho em equipe

tem ocupado uma posição de destaque como um importante recurso de trabalho e

se apresenta de modo complexo no interior de uma prática que, historicamente, é

constituída com base na concentração de poderes e na fragmentação do

conhecimento (LEITE; VELOSO, 2008).

2.2 PLANEJAMENTO DO PROCESSO DE TRABALHO

A mudança do modelo de assistência à saúde está muito mais fundamentada

em novos processos de trabalho e de relações de saber, do que em novas

estruturas técnicas ou categorias profissionais (REIS et al., 2007).

O profissional de saúde se vê frequentemente diante de muitos desafios,

sentindo-se inseguro para exercer suas atividades devido à sua formação voltada

para as questões biológicas, ações curativas e técnicas, com pouca ênfase nos

fatores socioeconômicos e psicológicos do processo saúde-doença (ARAÚJO;

DIMENSTEIN, 2006).

Essa formação baseada no paradigma Flexneriano privilegia a abordagem

individual, curativa e centrada nos hospitais e constitui um desafio para os referidos

profissionais, uma vez que se encontram organizados em equipe. Em geral, esses

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profissionais apresentam dificuldades em transcender o espaço do consultório

médico e em propor diagnósticos e intervenções em nível coletivo, em uma

abordagem holística. Assim, a proposta de um trabalho interdisciplinar está presente

mais na filosofia da ESF que no fazer cotidiano das equipes. O grande desafio que

se apresenta é romper com esse paradigma tradicionalmente calcado no

corporativismo, na estrutura verticalizada de poder e na fragmentação do

conhecimento (LEITE; VELOSO, 2008).

A maior dificuldade consiste em horizontalizar as relações de poder entre os

diferentes profissionais, pois essas relações estão intimamente imbricadas com o

saber. A interdisciplinaridade, ao significar reciprocidade e mutualidade, exige

relações sociais horizontais, em oposição ao modelo assistencial de saúde

tradicional. O que a caracteriza, é a busca do diálogo com os outros saberes em

tantas circunstâncias quanto os temas trabalhados permitirem. A ação

interdisciplinar se materializa numa busca coletiva por caminhos comuns aos

saberes envolvidos, tomando como ponto de partida o seu campo de especialização

(LEITE; VELOSO, 2008).

Além disso, uma das principais responsabilidades da equipe de saúde é o

conhecimento da realidade local de sua área de abrangência, incluindo seus

aspectos socioeconômicos, culturais, geográficos e epidemiológicos. Baseada

nessas informações é que deve ser realizada a programação de atividades e a

reestruturação do processo de trabalho, de acordo com a população cadastrada. A

partir desse planejamento, poderá ser feito o acompanhamento das situações de

exposição a agravos, das condições de vida, das ações programáticas

desenvolvidas e da situação de saúde das famílias e da comunidade, melhorando a

capacidade de identificação das desigualdades entre os grupos para melhor planejar

as ações de saúde (SILVA; ATHAYDE, 2008).

Dessa forma, o atendimento em uma USF diferencia-se de uma unidade de

pronto-socorro ou pronto-atendimento por trabalhar em equipe, ter conhecimento

prévio da população e registros em prontuário, e possibilitar o retorno com a mesma

equipe de saúde, estabelecendo vínculo e caracterizando não somente um

atendimento pontual, mas a continuidade do cuidado (BRASIL, 2010).

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2.3 COMPOSIÇÃO DA AGENDA

O PSF foi implantado com o objetivo de reorientar o modelo assistencial,

descentralizar a gestão da saúde e efetivar o SUS. Entretanto, pode-se afirmar que

essa estratégia vem mantendo a forma excludente de atendimento, no qual a

prioridade é de quem chega primeiro (SCHIMITH; LIMA, 2004).

O modelo de pronto-atendimento ainda é vigente nos serviços de Atenção

Primária à Saúde no Brasil, baseado na queixa-conduta e não na atenção integral ao

indivíduo. Diversas unidades trabalham nos moldes tradicionais de organização,

centrados na consulta médica e na distribuição de senhas, de forma que muitos

usuários ainda buscam a unidade sem ter seu problema resolvido (RAMOS; LIMA,

2003).

O sistema de marcação de consultas predominante é baseado na demanda

espontânea e com enfoque na doença (SANTOS; ASSIS, 2006).

As práticas resultam em restrição do acesso da população, com filas para o

atendimento, distribuição de senhas e consulta por ordem de chegada, sem

avaliação de risco e de prioridades. Muitas vezes, os serviços são organizados a

partir da oferta limitada de ações de saúde, sem levar em conta as reais

necessidades da demanda, comprometendo sua resolutividade (BRASIL, 2010).

O agendamento prévio de consultas é um instrumento que humaniza a

assistência, facilita o acesso efetivamente e permite priorizar casos de risco ou

grupos específicos que devem ser atendidos por determinados programas,

permitindo alterar o modelo exclusivo do pronto-atendimento (RAMOS; LIMA, 2003).

Em uma USF do sul do país, cuja experiência foi descrita como bem

sucedida, Silva e Athayde (2008) relataram que o agendamento de consulta não

consistia em um processo mecânico de relacionar os pedidos com a disponibilidade

de vagas e horários. A marcação de consultas era feita de acordo com a queixa e os

dados registrados do paciente, que era então direcionado à pré-consulta. A

realização desses procedimentos no momento do agendamento foi orientada

segundo valores e normas de atendimento construídas e acordadas entre os

profissionais da unidade, constituindo-se como uma ponte entre o modelo centrado

no atendimento à doença, com enfoque na consulta médica, e a ESF, modelo que

visa primeiro à orientação dos cuidados à saúde.

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A forma de organização da demanda poderá ser diferente de uma unidade

para outra, mas é necessário que em todas as situações sejam avaliados os riscos e

a queixa do usuário, descartando a possibilidade de uma situação de urgência ou

emergência deixar de ser atendida ou ser encaminhada desnecessariamente a um

serviço de referência (BRASIL, 2010).

A busca pela reorganização dos serviços tem como finalidade garantir acesso

universal, resolubilidade e atendimento humanizado, isto é, inverter a lógica do

atendimento de quem chega primeiro para quem precisa mais. Nesse sentido, todos

têm de ser ouvidos e ter seus problemas de saúde atendidos. Até mesmo a

dificuldade de acesso à consulta clínica por falta de profissionais médicos, pode ser

suprida através de maior disponibilização de consultas, com o aproveitamento de

outros profissionais da unidade, entre eles o enfermeiro (RAMOS; LIMA, 2003).

A integralidade, como modo de organizar as práticas, exige uma certa

“horizontalização” dos programas anteriormente verticais, desenhados pelo

Ministério da Saúde, superando a fragmentação das atividades no interior das

unidades de saúde. A necessidade de articulação entre uma demanda programada

e uma demanda espontânea aproveita as oportunidades geradas por esta para a

aplicação de protocolos de diagnóstico e identificação de situações de risco para a

saúde, assim como o desenvolvimento em conjunto de atividades coletivas junto à

comunidade (GOMES; PINHEIRO, 2005).

O trabalho das equipes depende de profissionais de formações diferenciadas

(médicos, enfermeiros e outros) e da interação interdisciplinar entre essas diversas

ações, de forma que a organização do trabalho de uma equipe de saúde da família

deve passar por uma elaboração conjunta da agenda de seus profissionais, ou seja,

a equipe precisa combinar suas atividades: o que fazer, como fazer e com que

freqüência fazer (CAMPOS; GUERRERO, 2008).

É importante, assim, que a responsabilidade sanitária seja compartilhada por

todos os profissionais da unidade, garantindo a integração da equipe no processo de

trabalho, para um ganho potencial das intervenções das diferentes categorias

profissionais (BRASIL, 2010).

Há também a dificuldade de conciliar as ações programadas com a demanda

espontânea ou pronto-atendimento. Confrontar as ações programáticas com a

atenção às urgências, ou a atenção individual com a saúde coletiva, ou contrapor o

planejamento à improvisação, são um falso dilema. Tudo o que é realizado em um

14

campo afeta o outro. Dar atenção aos pacientes em ações programadas e não

atendê-los em um sofrimento agudo reduz o vínculo do usuário com a equipe de

saúde, pois se a equipe não pode apoiar o usuário na situação de maior

necessidade, a confiança deste em relação à equipe fica reduzida. É primordial

conciliar todas essas atividades em uma boa agenda de trabalho (CAMPOS;

GUERRERO, 2008).

Para organizar a demanda é necessário prever espaço e tempo tanto para a

demanda programada, quanto para a demanda espontânea, de forma que elas se

complementem. Caso contrário, as unidades de saúde correm o risco de se

tornarem instituições burocratizadas, de portas fechadas ou apenas entreabertas.

Além disso, é essencial ampla discussão envolvendo todos os trabalhadores da

unidade e a participação da comunidade no processo de decisão (BRASIL, 2010).

Na proposta da agenda de trabalho devem ser levadas em consideração: as

características da população adscrita, a capacidade da equipe de realizar ações de

saúde e as ações de saúde propostas pela equipe ou pelo serviço de saúde para

serem implementadas junto à população adscrita (CAMPOS; GUERRERO, 2008).

Com o tempo, a equipe aumenta a capacidade de intervenção, aumenta o

vínculo com a população adscrita, e as demandas dessa população podem mudar,

exigindo outras intervenções ou a programação de atividades que possam

contemplar de forma mais adequada as necessidades daquela população (BRASIL,

2010).

Quanto maior a população sob responsabilidade da equipe, maior a

necessidade de procedimentos individuais e coletivos que a equipe tem de realizar.

Por outro lado, equipes ampliadas têm mais profissionais, o que permite uma divisão

diferente do trabalho. Igualmente importante é a distribuição da população por sexo

e faixa etária: quantas crianças menores de um ano, quantos adolescentes, quantas

mulheres em idade fértil e quantos idosos. Também é relevante a potencialidade de

dependência do SUS na população. A definição de objetivos e dos meios de

intervenção da equipe define de maneira importante a formulação de sua agenda

(CAMPOS; GUERRERO, 2008).

Além do acordo entre todos os profissionais da unidade, é importante

assegurar e pactuar de forma consciente com os usuários que a forma de

organização visa facilitar a identificação de prioridades e dar resposta a todos que

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procuram a unidade, e não transformar o serviço em uma unidade de pronto-

atendimento, em que tudo será traduzido como prioridade (BRASIL, 2010).

16

3 OBJETIVO GERAL

Relatar a experiência da equipe 67 da Unidade Saúde da Família Aquino Dias

Bezerra, na cidade de Campo Grande (MS), quanto à implantação de sua agenda de

trabalho.

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4 RELATO DE EXPERIÊNCIA

4.1 A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA EM CAMPO GRANDE

No município de Campo Grande (MS), o Programa Saúde da Família foi

introduzido em 1999, concomitantemente ao Programa de Agentes Comunitários de

Saúde. Inicialmente, foram formadas quatro equipes de Saúde da Família

(informação verbal)1.

O SUS era um sistema recém implantado, e seus princípios de

municipalização e gestão plena estavam sendo implementados gradualmente

(informação verbal)1.

No período de 1999 a 2001, as ações da Secretaria Municipal de Saúde

estavam voltadas para a ampliação da cobertura do programa, isto é, para a

formação de novas equipes e aumento do acesso à população (informação verbal)1.

As equipes eram, em grande parte, instaladas em casas alugadas adaptadas

ao programa. Essa adaptação era possível devido ao conceito vigente no período,

no qual o PSF era entendido como um programa voltado apenas para a promoção

de saúde, com atividades educativas e visitas domiciliares (informação verbal)1.

A introdução de atendimentos clínicos curativos entre as ações do programa,

e da consequente necessidade de estruturação das unidades para possibilitar essa

ampliação, ocorreu a partir de 2004 (informação verbal)1.

Em 2006, foi publicada a Portaria no 648, que instituiu a Política Nacional de

Atenção Básica e consolidou a Estratégia Saúde da Família. Essa Portaria

regulamentou as bases para a introdução e organização dessa estratégia, guiando

as ações dos gestores e profissionais para estabelecê-la e iniciar o processo de

substituição do sistema de saúde (informação verbal)1.

Para isso, os gestores aumentaram o investimento em estrutura e em

capacitação profissional, de forma a modificar a prática nas unidades básicas,

conservando os profissionais atuantes na rede de saúde. A expansão foi mantida,

mas de modo ordenado, embasado em estudos epidemiológicos. Assim, a escolha 1 Informação fornecida por Hermes Nogueira Peixoto Júnior, enfermeiro integrante da equipe de

Apoio Técnico do Serviço de Gestão da Estratégia de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde (SESFACS), de Campo Grande, em julho de 2011.

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dos locais em que as novas equipes seriam introduzidas, era realizada mediante

verificação das áreas de risco e vulnerabilidade e de acesso limitado à assistência à

saúde (informação verbal)1.

Como parte do processo de estruturação da Estratégia Saúde da Família, foi

iniciada a construção de novas unidades já equipadas para receber a equipe de

saúde da família e a reforma de algumas unidades básicas existentes, seguida de

capacitação de seus profissionais para reformulação da assistência (informação

verbal)1.

Em Campo Grande, a Estratégia Saúde de Família segue se estruturando e

se fortalecendo, de forma que é evidente seu caráter substitutivo. A cobertura

populacional da ESF é de 28,06%, propiciada por 64 equipes de saúde da família

(DAB, 2011). Há ampla discussão das práticas nas unidades e sua constante

reformulação, que é fundamentada nas bases de dados do sistema de informação

da Secretaria Municipal de Saúde.

4. 2 USF AQUINO DIAS BEZERRA – VIDA NOVA

A Unidade Saúde da Família Aquino Dias Bezerra está localizada no

município de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no bairro Vida Nova III. Sua

inauguração ocorreu no dia 9 de agosto de 2010, de forma que a unidade está em

funcionamento por apenas um ano.

A Secretaria Municipal de Saúde divide o município de Campo Grande em

quatro distritos sanitários, com coordenações distintas: Norte, Sul, Leste e Oeste. A

USF Aquino Dias Bezerra pertence ao Distrito Norte.

A unidade possui três equipes de Saúde da Família. Cada equipe é

constituída por médico, enfermeiro, dois técnicos de enfermagem, seis agentes

comunitários de saúde, dentista e auxiliar em saúde bucal. A unidade conta também

com uma assistente social, que trabalha em conjunto com as três equipes, e três

recepcionistas.

1 Informação fornecida por Hermes Nogueira Peixoto Júnior, enfermeiro integrante da equipe de Apoio Técnico do Serviço de Gestão da Estratégia de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde (SESFACS), de Campo Grande, em julho de 2011.

19

A cobertura de atendimento da unidade compreende os bairros Vida Nova I, II

e III, Jardim Anache, Tarsila do Amaral e a aldeia Água Bonita. Esses bairros são

localizados em uma região periférica de Campo Grande. A população é bastante

diversificada e abrange uma comunidade indígena que é atendida por uma das

equipes, exigindo uma dinâmica de trabalho bastante diferenciada.

A equipe 67, cuja agenda de trabalho será descrita, é responsável por uma

área localizada nos bairros Jardim Anache e Vida Nova III. Segundo os dados

consolidados do SIAB, há na área 3.198 famílias cadastradas. A população adscrita

à unidade é constituída por um total de 10.696 indivíduos, dos quais 5.560 são do

gênero feminino e 5.136 do gênero masculino. A população é predominantemente

composta por adultos jovens, sendo que cerca de 3.707 pessoas estão na faixa

etária de 20 a 39 anos1.

A população é de baixa renda, que varia entre 1 a 4 salários mínimos. O

índice de alfabetização dos indivíduos a partir de 15 anos de idade é de 96,39% 1. Os

homens são os principais provedores da família, e suas ocupações denotam baixa

escolaridade. As profissões mais citadas por eles são de servente geral e pedreiro.

Muitas mulheres relatam ser do lar, de forma que não contribuem com a renda

familiar. Dentre aquelas que estão empregadas, a ocupação mais citada é a de

empregada doméstica.

As condições de saneamento não são satisfatórias na área, pois embora

99,06% das casas possuam abastecimento público de água, 85,46% não tratam a

água para beber, e apenas 1,44% são beneficiadas com o sistema de esgoto,

enquanto 98,28% das habitações utilizam fossa, e 0,28% despejam seus dejetos a

céu aberto. Quanto ao manejo do lixo, 99,50% é destinado à coleta pública1.

As habitações são em sua maioria de alvenaria, totalizando 97,47% das

residências, e 99,12% têm fornecimento de energia elétrica1.

Com relação à atenção à saúde, apenas 19,85% relatam possuir algum plano

de saúde, de forma que a grande maioria depende exclusivamente do SUS1.

4.3 IMPLANTAÇÃO DA AGENDA DE TRABALHO

1 DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO BÁSICA - DAB. Sistema de Informação da Atenção Básica – SIAB: consolidado das famílias cadastradas no ano de 2010. [2011].

20

Diante da inauguração da USF Aquino Dias Bezerra, foi instituído na unidade

um modelo organizacional cuja finalidade seria integrar as ações dos diferentes

profissionais da equipe de saúde. Esse modelo foi projetado pela Secretaria

Municipal de Saúde de Campo Grande e se consistiu na implantação de uma

agenda de trabalho que define de maneira conjunta o enfoque de todos os

profissionais da equipe, em cada dia da semana.

Esse enfoque consiste na priorização da assistência a um grupo populacional

determinado, por toda a equipe, em um período da semana estabelecido. Assim,

toda segunda-feira, no período matutino, a enfermeira e o médico priorizam o

programa de Saúde da Mulher, e no período vespertino, priorizam a Saúde do

Homem. Na terça-feira à tarde a enfermeira e a dentista atendem principalmente as

crianças, enquanto na quarta-feira de manhã, toda a equipe está voltada para o

HIPERDIA, ou seja, para o atendimento de hipertensos e diabéticos. Da mesma

forma, na quinta-feira durante o período da manhã, a atenção de toda a equipe é

orientada para as gestantes, e assim segue de forma que a atenção é programada

para todos os períodos, conforme explicitado no Anexo A.

Todos os dias há também o atendimento de outros grupos populacionais,

possibilitado pela disponibilidade de vagas destinadas à livre demanda.

As três equipes atuantes possuem um esboço organizacional semelhante,

mas com diferenças na agenda e na própria forma de trabalho, em decorrência das

diversidades da população atendida e dos profissionais atuantes. A agenda

apresentada no Anexo A, é o modelo utilizado por uma das equipes da unidade, a

equipe 67, e serve como exemplo para as demais.

Todas as ações voltadas para cada grupo prioritário, como o HIPERDIA, e a

visita domiciliar, são realizadas em dias distintos pelas equipes, embora estejam

previstas igualmente em todas as agendas. Assim, as três agendas não são iguais

por que cada ação ocorre em um dia diverso da outra equipe, mas a atenção

dedicada a cada uma é semelhante. Esse ajuste tem a finalidade de sempre

possibilitar a permanência na unidade de um profissional responsável por sua área

técnica, que possa em casos de urgência ou emergência, intervir adequadamente de

acordo com as atribuições da Atenção Básica.

A demanda é organizada através da divisão entre demanda programada, para

a qual são destinadas de 50% a 60% das vagas, e demanda espontânea, que

corresponde aos outros 40% a 50%. A demanda programada é composta por

21

pacientes pertencentes aos grupos prioritários para todas as especialidades, como

gestantes, hipertensos e diabéticos, ou prioritários para ações de acordo com a

especialidade, como mulheres, para realização de exame preventivo de câncer de

colo de útero pela enfermagem. A demanda espontânea, por sua vez, consiste na

população que procura a unidade livremente para o agendamento de consulta.

A demanda programada, por seu caráter prioritário, é agendada previamente,

o que pode se efetuar de diferentes formas. O paciente pode ser encaminhado

dentro da própria unidade, de um profissional para outro, isto é, ao constatar a

necessidade de tratamento odontológico, o enfermeiro pode encaminhar o paciente

ao dentista, ou, como outro exemplo, ao perceber que um paciente apresenta

pressão arterial elevada, o dentista pode encaminhá-lo ao médico. Até mesmo o

agente comunitário de saúde pode orientar o agendamento quando constatada a

necessidade de consulta, durante a visita domiciliar.

Alguns programas possuem um fluxo de atendimento pré-determinado. A

gestante, por exemplo, ao iniciar o acompanhamento pré-natal, é agendada para a

consulta médica durante a consulta de enfermagem, e é encaminhada para o

agendamento de consulta odontológica. O mesmo ocorre com os bebês, que após

consulta de enfermagem, são encaminhados para a odontologia.

Embora seja mais incomum, o fluxo contrário também ocorre, como o

comparecimento da gestante na consulta odontológica anterior ao início do

acompanhamento pré-natal. Nesse caso, a gestante é orientada e encaminhada

para as consultas médica e de enfermagem.

Durante as reuniões do HIPERDIA também são oferecidas algumas vagas

para consultas médica e odontológica, de forma que alguns pacientes já são

agendados no momento da reunião.

Além disso, os pacientes de grupos prioritários podem buscar a unidade

espontaneamente, e só depois de atendidos e percebidos como tal, poderão ter

seus retornos previamente agendados.

Os pacientes da demanda espontânea são agendados através da entrega de

senhas. As consultas médicas são marcadas diariamente, no início da manhã, para

atendimento no mesmo dia, enquanto as consultas odontológicas são agendadas

uma vez por semana, durante as sextas-feiras, no período vespertino, para

atendimento na semana seguinte. As urgências e emergências são atendidas

mesmo que as vagas previstas para a demanda já estejam preenchidas.

22

Os grupos que têm prioridade na odontologia, podendo agendar a consulta

odontológica prontamente, sem necessidade de senha, são as gestantes, os bebês

de até 2 anos e os portadores de necessidades especiais. Os hipertensos,

diabéticos, as crianças de até 9 anos, adultos de 20 a 59 anos e idosos de 60 anos

ou mais, possuem algumas vagas destinadas à demanda programada, mas por

serem em maior número, quando preenchidas essas vagas, devem agendar a

consulta junto à demanda espontânea. À medida que são completados os

tratamentos, mais vagas são disponibilizadas para cada grupo, respeitando-se a

proporção de 60% das vagas destinadas à demanda programada e 40% à demanda

espontânea.

A demanda programada do médico inclui todos os programas, como o da

gestante, hipertenso, diabético e da saúde da mulher, da criança, do idoso e do

homem. Os pacientes são agendados para a primeira consulta e têm os retornos

marcados de acordo com o que é preconizado para cada grupo. Para a consulta

médica, as vagas são reservadas na proporção de 50% para a demanda

programada e 50% para a demanda espontânea, esta última agendada diariamente

através da distribuição de senhas.

A enfermagem prioriza o atendimento de bebês de até 2 anos, crianças de

até 9 anos, gestantes, hipertensos, diabéticos e de mulheres de 20 a 59 anos para

exame preventivo de câncer de colo de útero, para os quais destina 50% das vagas.

As demais vagas são destinadas à demanda espontânea.

A princípio, a proposta da agenda seria integrar as ações dos diversos

profissionais da unidade em um enfoque comum, e ao mesmo tempo potencializar

cada ida do paciente à unidade, oferecendo a ele atendimento das diversas

especialidades em um único período.

Na prática, a agenda integrada facilita o fluxo de atendimento de alguns

grupos como o das gestantes, pois todos os profissionais estão preparados para

recebê-las naquele período. O mesmo ocorre com o HIPERDIA, em que os

pacientes são agendados para comparecer à reunião – na qual são aferidas a

pressão arterial e a glicemia, e são realizadas as orientações e dinâmicas de grupo

– para posteriormente esses pacientes serem consultados pelo médico, pela

enfermeira e pela dentista.

Sempre que há consulta médica, odontológica ou de enfermagem

anteriormente marcada no momento em que será agendada a consulta de outro

23

profissional, procura-se conciliar o atendimento, isto é, agendar a consulta no

mesmo período daquela previamente marcada.

Os agendamentos são verificados através dos cartões dos programas, como

o cartão da gestante, do hipertenso, do diabético e da mulher, e das cadernetas do

idoso e da criança. Todos os profissionais utilizam esses cartões que servem como

documento de registro e acompanhamento da história médica e odontológica desses

pacientes. Assim, todos os profissionais agendam a consulta nesses documentos, e

podem verificar diretamente as datas de outros agendamentos, sem a necessidade

de acessar a agenda do outro profissional. Ao mesmo tempo há maior controle

sobre a frequência do paciente, pois há o registro das consultas marcadas em

períodos anteriores.

Por outro lado, nem sempre é possível conciliar esses atendimentos. Uma

gestante de baixo risco deverá, nos primeiros meses de gestação, ser acompanhada

pelo médico mensalmente. No entanto, se após a consulta odontológica for

constatada a necessidade de atenção, essa gestante deverá retornar até concluir

seu tratamento, de forma que a frequência desses retornos será determinada por

suas necessidades. Nesse caso, o tratamento deve ser concluído o mais rápido

possível, pois o agravamento de sua saúde bucal pode gerar alterações em sua

saúde geral e na saúde do bebê, não sendo indicado um tratamento mensal, mas no

mínimo semanal até sua conclusão. Dessa forma, não seria possível conciliar os

atendimentos médico e odontológico nos mesmos períodos, pois as necessidades

de atenção são diferentes em cada área, embora sejam complementares.

Há também limitações quanto à disponibilidade dos pacientes. Alguns

freqüentam o trabalho ou a escola no período destinado ao seu atendimento. Como

exemplo, alguns pacientes hipertensos têm atividades na quarta-feira de manhã,

período reservado ao HIPERDIA, de forma que eles deverão ser agendados em

outro período para possibilitar o seu retorno até o fim do tratamento.

A agenda deve, assim, permitir uma flexibilidade para garantir a todos o

acesso à assistência. Portanto, o agendamento dever ser mais que um processo

mecânico de relacionar a demanda à disponibilidade de vagas, devendo ser um

momento de escuta das necessidades e das possibilidades do paciente, somada à

percepção do profissional e a adoção de critérios estabelecidos.

Para a equipe, a utilização dessa agenda consistiu em mais um passo em

direção ao trabalho interdisciplinar e um avanço comparado à lógica de atendimento

24

por ordem de chegada. A agenda também possibilitou uma maior aproximação com

os pacientes e com os próprios membros da equipe.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

25

Para que haja a efetiva organização da demanda, é necessária ampla

discussão envolvendo todos os trabalhadores da unidade de saúde e a participação

da comunidade. Dessa forma, o modelo de agenda não deve ser imposto pelos

gestores, mas construído na rotina das práticas de saúde, dentro da unidade.

O conhecimento dos aspectos socioeconômicos e das necessidades de

saúde percebidas pela população deve ser o ponto de partida para o planejamento

das ações da equipe, que deve com esses parâmetros avaliar os grupos de risco e

priorizar o seu atendimento.

A agenda consiste em um roteiro para orientar o atendimento da demanda,

sem, no entanto, servir como um modelo rígido e inflexível. Na prática são

necessárias adequações aos pacientes e aos próprios profissionais. Sua

implantação tem permitido maior controle do acompanhamento dos pacientes,

aumentando o vínculo com a equipe. Além disso, ela rompe com a prática de

atendimento somente a quem chega primeiro, para ampliar o acesso através de

outros critérios.

A implantação desse modelo de trabalho repercutiu de forma positiva na

unidade de saúde e na comunidade, aumentando o vínculo entre os profissionais da

equipe, e entre eles e a população adscrita. O vínculo entre os profissionais se

fortaleceu na medida em que suas ações contiveram o mesmo enfoque. A relação

entre a equipe e a comunidade também se estreitou devido à proximidade do

acompanhamento por toda a equipe, que passou a conhecer esses pacientes, e à

continuidade do cuidado, possibilitada pelo agendamento periódico dos retornos.

A agenda integrada visa um maior aproveitamento da equipe multiprofissional

que compõe a ESF. Entretanto, ainda é necessária maior interação entre as diversas

categorias profissionais para se alcançar um trabalho mais resolutivo. Ainda que o

olhar de cada profissional tenha se ampliado ao perceber as necessidades do

paciente além daquelas de sua área de concentração, o enfoque continua sendo o

atendimento clínico, dentro do consultório, de forma que é necessário maior diálogo

entre os profissionais com a finalidade de compartilhar opiniões para maior

resolubilidade dos serviços de saúde.

Dessa forma, para superar a prática centrada no atendimento clínico

individual é necessário que os gestores apóiem as ações de abordagem preventiva,

permitindo maior autonomia na construção da agenda de trabalho e diminuindo o

26

enfoque na quantidade de procedimentos clínicos, que traduzem a produção, mas

não a resolutividade dos serviços.

Além disso, é necessário maior comprometimento dos profissionais da equipe

na busca por respostas aos problemas da comunidade, através da discussão de

casos dos pacientes entre toda a equipe. Essa prática deve ser incentivada pelos

gestores, que podem promovê-la através de capacitação profissional. As instituições

formadoras também precisam se adequar ao novo modelo de Atenção à Saúde,

rompendo com o paradigma Flexneriano que se mantém nas grades curriculares e

ampliando o diálogo entre as diferentes disciplinas.

REFERÊNCIAS

27

ARAÚJO, Yanne Pinheiro de; DIMENSTEIN, Magda. Estrutura e organização do trabalho do cirurgião-dentista no PSF de municípios do Rio Grande do Norte. Ciência & Saúde Coletiva, v. 11, n. 1, p. 219-227, 2006.

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BRASIL. Atenção à demanda espontânea na Atenção Primária à Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.

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DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO BÁSICA - DAB. Evolução do credenciamento e implantação da estratégia Saúde da Família. [2011]. Disponível em: <http://dab. saude.gov.br/historico_cobertura_sf/historico_cobertura_sf_relatorio.php>. Acesso em: 20 set. 2011.

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LEITE, Rosana Farias Batista; VELOSO, Thelma Maria Grisi. Trabalho em Equipe: Representações Sociais de Profissionais do PSF. Psicologia Ciência e Profissão, v. 28, n. 2, p. 374-389, 2008.

RAMOS, Donatela Dourado; LIMA, Maria Alice Dias da Silva. Acesso e acolhimento aos usuários em uma unidade de saúde de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 27-34, jan/fev. 2003.

REIS, Marcos Aurélio Seixas dos et al. A organização do processo de trabalho em uma unidade de saúde da família: desafios para a mudança das práticas. Interface: Comunic, Saúde, Educ, v.11, n. 23, p. 655-66, set/dez. 2007.

SANTOS, Adriano Maia dos; ASSIS, Marluce Maria Araújo. Da fragmentação à integralidade: construindo e (des)construindo a prática de saúde bucal no Programa de Saúde da Família (PSF) de Alagoinhas, BA. Ciência & Saúde Coletiva, v. 11, n. 1, p. 53-61, 2006.

28

SCHIMITH, Maria Denise; LIMA, Maria Alice Dias da Silva. Acolhimento e vínculo em uma equipe do Programa Saúde da Família. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 6, p. 1487-1494, nov/dez. 2004.

SILVA, Ana Cláudia Barbosa da; ATHAYDE, Milton. O Programa de Saúde da Família sob o ponto de vista da atividade: uma análise das relações entre os processos de trabalho, saúde e subjetivação. Rev. Bras. Saúde Ocup., São Paulo, v. 33, n. 117, p. 23-35, 2008.

SOUZA, Elizabethe Cristina Fagundes de et al. Acesso e acolhimento na atenção básica: uma análise da percepção dos usuários e profissionais de saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 24 Sup 1, p. 100-110, 2008.

VIANA, Ana Luiza D’avila; DAL POZ, Mario Roberto. A Reforma do Sistema de Saúde no Brasil e o Programa de Saúde da Família. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 11-48, 1998.

29

ANEXOS

ANEXO A - AGENDA DA USF AQUINO DIAS BEZERRA - Equipe 67

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ENFERMEIRA: HENA; MÉDICO: BENEDITO; DENTISTA: MÔNICA; TÉCNICAS DE ENFERMAGEM: ANGELA & KIMBELLY

Agentes Comunitários de Saúde: MA01 CASSIA; MA02 ELVA; MA03 ROSEMEIRE; MA04 MARLENE; MA05 MISLEINE; MA06 ELIABE.

PERÍODO 2ª 3ª 4ª 5ª 6ªMÉDICO

7H

13H

Saúde da MulherDE.

Saúde Homem.DE.

Visita Domiciliar

DE.

Hiperdia & IdosoDE.

DEReunião Externa(CEINF.)

Gestante & Puérpera

Hipertenso & IdosoDE.

Saúde Criança. & AdolescenteDE.

13h Reunião equipe;15h Reunião Geral.

ENFERMEIRO7H

13H

Saúde da Mulher.DE.

ACSSaúde Homem.DE.

Preventivo

ACSSaúde Criança. & AdolescenteDE.

Hiperdia & IdosoDE.

ACSÚltima semana Exame Pé Diabético

Gestantes

ACS14H VD. Supervisão

VD comAssistente Social + Dentista.ACS13h Reunião equipe;15h Reunião Geral.

ODONTÓLOGO7H

13H

Saúde da Mulher.DE

Saúde da Mulher.DE.

Idoso

Criança & Adolescente

Hiperdia & IdosoDE

DE.

Gestante & Puérpera

Criança & Adolescente

Visita DomiciliarOu Saúde Criança. & AdolescenteDE.13h Reunião equipe;15h Reunião Geral.

TÉC. ENFER.7H

13H

Pré-consultaDE.

Pré-consultaDE.

Visita Domiciliarcom Médico

Pré-consultaDE.

Pré-consultaDE.

VD. (Kimbelly)

Pré-consultaDE.

VD. (Angela)

Pré-consultaDE.

13h Reunião equipe;15h Reunião Geral.

ACS7H

13H

VD.

Reunião com EnfermeiraItinerário

Visita Domiciliarcom Médico

Reunião com EnfermeiraItinerário

Visita domiciliar com Enfermeira

Reunião com EnfermeiraItinerário

VD.

Reunião com EnfermeiraItinerário

VD

13h Reunião equipe;15h Reunião Geral

Legenda: DE=Demanda Espontânea; VD= Visita Domiciliar

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