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Oitenta e Seis Anos de compromissos Sempre Renovados com a Educao.

REVISTA MONTAGEM

Ano 11 / N. 11 2009

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CENTRO UNIVERSITRIO MOURA LACERDA

REITOR Glauco Eduardo Pereira Cortez PR-REITORIA DE ASSUNTOS ACADMICOS Lidia Tersa de Abreu Pires COOR DENADORIA DE PESQUISA E PS-GRADUA O Carmen Rita Cardoso Junqueira COOR DENADORIA DE EXTENSO E ASSUNTOS COMUNITRIOS Fernando Antnio de Mello COOR DENADOR IA DE CUR SOS DE GR ADUA O Maria de Ftima da Silva Costa Garcia de Mattos COORDENADORIA DE CURSOS SEQUENCIAIS Adriano Marcelo Litcanov COORDENADORIA DE CURSOS DE TECNOLOGIA Marcelo Villela

INSTITUIO MOURA LACERDA DIR ETOR EXECUTIVO Oscar Luiz de Moura Lacerda DIRETORIA ADMINISTRATIVA Denis Marcelo Lacerda dos Santos DIRETORIA FINANCEIRA Lis de Moura Lacerda Cochoni

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EDITO RA

Maria Aparecida Junqueira Veiga GaetaCOMISS O DE PUBLIC A ES

Fabiano Gonalves dos Santos Maria Aparecida Junqueira Veiga Gaeta Maria de Ftima S. C. G. de Mattos Nai Carla Marchi LagoCONSELHO ED ITOR IA L

Cludio Pereira Bidurin Carlos Alberto Simeo Junior Darclet Terezinha Malerbo Souza Edivaldo Aparecido Nunes Martins Ericson Dias Mello Fernando Antnio de Mello Jos Antonio Lanchoti Lcia Ferreira da Rosa Sobreira Luis Gonzaga Meziara Jnior Paulo Alencar Lapini Renata Maria Soares DutraCONSELHO CON SU LTIVO An el Prez - UNAM - Mxi co

Eliane Terezinha Per es UFPe Pelotas RS Elizete da Silva UEFS Feira de Santana- BA Ernesto Candeias Martins Universidade Castelo Branco Portugal Fernando Antonio Freitas Senna - Centro Universitrio - Vila Velha -ES Flvia Silveira - Faculdade SENAC - Braslia- DF Jos Rubens Jardilino UNINOVE So Paulo SP Maria Elena Pinheiro Maia - FACITA - Itpolis SP Maria Helena Cmara Bastos PUCRS Porto Alegre RS Maria Teresa Santos Cunha UDESC Florianpolis SC Regina Helena Lima Caldana USP Ribeiro Preto SP Renato Leite Marcondes USP Ribeiro Preto SP Wenceslau Gonalves Neto -UFU Uberlndia - MG

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Catalogao na fonte elaborada pela Bibliotecria Gina Botta Corra de Souza - CRB 8/7006 Montagem / Centro Universitrio Moura Lacerda. v.11, n.11 (2009) Ribeiro Preto: Centro Universitrio Moura Lacerda, 2009. Anual ISSN 0104-4826 1. Conhecimentos gerais Peridicos. I. Centro Universitrio Moura Lacerda. CDD 000PUBLIC A O ANUAL / AN NU AL PUBLICATION Solicit a-se Per mut a/Exch ange D esired

IND EXAO

Revista indexada em Bases de Dados de abrangncia Nacional e Internacional: BBE Bibliografia Brasileira de Educao (Instituto Nacional de Estudos Educacionais Ansio Teixeira INEP/ Ministrio da Educao). Abrangncia nacional, acesso: http://inep.gov.br/pesquisa,bbe; GeoDados. Abrangncia nacional, acesso: http://geodados.pg.utfpr.edu.br. CLASE Base de Dados Bibliogrficos de Revistas de Cincias Sociais e Humanas (Universidad Nacional Autnoma de Mxico). Abrangncia internacional, acesso: www.dgb.unam.mx/clase

CAPA Flores, cores e aromas: natureza, sensibilidades e cultura. Autoria: Odila Martineli. leo sobre tela. Autorizao em 13/01/2009 Direo de Arte: Con Vieira. Publicitria. Centro Universitrio Moura Lacerda Orientao: Fernando Antnio de Mello Coordenadoria do Curso de Comunicao Social do Centro Universitrio Moura Lacerda Ncleo de Publicidade e Propaganda do Curso de Comunicao Social

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REV ISO DE PORTUG USRit a d e C ssi a d o C a rm o G arc i a

REV IS O DE IN GLS Nata sha Vicente da Silveira Costa EQU IPE D E PR ODU O Amadeu Boldrin Neto Ana Carolina Picoli Souza Cruz

Frederico Fbio MagossoGabriela Frizzo Trevisan AGRADECIMENTO ESPECIAL Ama rlis Ga rb elini Vessi Odila Ma rtineli

EN DEREO/ AD RES S Ru a Padr e Eu clid es, 9 95 - Campo s Elseo s Ribeir o Pr eto - S P - Brasil - CEP 14.0 85-4 20 Tel.: ( 16) 2101 1010 SETOR DE PUBLICAES Tel.: ( 16) 21011086 E-mail: publi ca cao@mourala cerda.ed u.br REV ISTA DISPON V EL NO FORMATO ELETRN ICO Home p age: www.mo urala cerda.edu.b r Link: Publi ca es

Os artigo s aqui p ublicado s so de inteir a r esponsabilidad e do s autore s e n o expressam a opini o d a Institui o Univer sitri a Mour a Lacerd a .

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SUMRIO / CONTENTS

Editorial..................................................................................................................... 7 ARTIGOS/ARTICL ES

LITERATURA E SOCIEDADE Aprendendo a enxergar com Saramago Learning how to see with Saramago Natasha Vicente da Silveira COSTA Elisabete Keflas TRONCON.........................................................................................10 Ao verme que primeiro roeu as frias carne do meu cadver dedico com saudosa lembrana estas memrias pstumas. uma esttica da desesperana em Machado de Assis. To the worm who first gnawed on the cold flesh of my corpse, i dedicate with fond remembrance these posthumous memoirs. an aesthetic of hopelessness in Machado de Assis. Paulo Csar CEDRAN.....................................................................................................20 A Autobiografia s avessas. Walsh: O autor de novelas policiais que virou Detetive. The Autobiography upside down. Walsh: the author of detective stories who became a Detective. Silvia Beatriz ADOUE................................................................................................... 28

ESTUDOS DE SEM IOLOGIA O Campo lxico-semntico do amor na Sitcom Friends. The Lexical-semantic field of love in the Sitcom Friends. Maira Coutinho FERREIRA...........................................................................................38 Leitura de imagem: a semitica na sala de aula. The Reading of image: semiotics in the classroom. Patrcia Kiss SPINELI..................................................................................................43

REFLEXES SOBRE O EDUCADOR E EDUCAO NO SCULO XXI Contribuies da teoria literria para as novas metodologias de ensino da Literatura Contributions from literary theory to new methodologies of Literature teaching Adriana Juliano Mendes de CAMPOS............................................................................52

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Tecnologias da informao e comunicao: da ambivalncia de um conceito multifacetado s suas potencialidades e desafios no campo educacional. Information and communication technologies: from ambivalence of a multifaceted concept to its potentialities and challenges in the education field. Luciene Aparecida da SILVA.........................................................................................65 A Complexidade do objeto trabalho docente: algumas reflexes e indagaes. The Complexity of the teaching occupation: some considerations and inquiry. Maria Cristina Ravaneli de Barros OREILLY Maria Silvia Azarite SALOMO....................................................................................78 A Formao de professores de ingls numa perspectiva crtico-reflexivo: comentrios e possibilidade. Teacher training analysis in a critical-reflexive perspective: comments and possibilities. Patrcia Dias Reis FRISENE...........................................................................................84

LINGUAGENS MIDITICAS Poder Miditico e Poltica Internacional Communication Power and International Politic Carla Aparecida Arena VENTURA Jailane LEAL...................................................................................................................90 Consumo sustentvel e mudana de postura dos cidados: reflexo sobre as campanhas publicitrias do Instituto Akatu. Sustainable consumption and change in citizens attitude: considerations about the Akatu Institute advertisements. Daniela VIEGAS Dilma Dutra Borges de CASTRO.................................................................................. 99

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Editorial

A Revista Montagem, em seu dcimo primeiro nmero, mantm seu estatuto multidisciplinar que permite olhar por diversas formas e perspectivas os problemas e as possveis reflexes que os artigos acadmicos, nela constantes, possam propiciar para o conhecimento da realidade. A expresso ltima flor do Lcio ganha, neste nmero, especial relevo. Por meio de seis artigos evidencia-se, sob diversos aspectos, a multiplicidade que a lngua e a literatura portuguesa e brasileira podem proporcionar. Minha ptria minha lngua, afirma Caetano Veloso em uma msica. Que nossa ptria seja a lngua vivenciada e discutida nos artigos ora apresentados.

Um conjunto de textos inscritos no campo da Literatura e Sociedade apresenta ao leitor diferentes faces e diferentes olhares que permeiam essas complexas interlocues. No artigo Aprendendo a

enxergar com Saramago so discutidos alguns aspectos da obra E nsaio sobre a cegueira, do escritor portugus Jos Saramago, na qual se volta explorao de vrios elementos da narrativa, tais como: a linguagem, as tcnicas do narrador, o tempo e foco narrativo, de maneira que os provrbios, os sintagmas congelados e os discursos se encontrem a servio do rompimento com os padres e formas como foram

catalogados, sugerindo que nos despojemos do pr-concebido para compreender as tcnicas do narrador.

No artigo: Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadver, dedico com saudosa lembrana estas memrias pstumas uma esttica da desesperana de Machado de Assis, discutem-se os aspectos socioculturais que influenciaram Machado de Assis na

construo da esttica da (des)esperana, a partir da obra Mem rias Pstum as de Brs Cubas. O autor, ao introduzir o personagem morto, Brs Cubas, produz uma anlise em relao sociedade e prpria

vida, feita com crueldade e pessimismo, anlise esta que se apresenta como uma alternativa crtica sociedade brasileira. 8

Autobiografia s avessas. Walsh: o autor de novelas policiais que virou detetive. Esse instigante artigo apresenta um estudo sobre o argentino Rodolfo Walsh, leitor, tradutor e autor de novelas policiais de enigma e que foi compelido pelas circunstncias a investigar um crime. Para isto, assumiu o papel do detetive dos relatos que escrevia. O modelo do policial de enigma resultava insuficiente. Walsh, aguando sua perspiccia, publicou mais do que os resultados da investigao: elaborou um dirio da prpria investigao, ou uma autobiografia do cidado/detetive e que, em conseqncia deste questionamento, acabou por abandonar a literatura ficcional e policial, dedicando-se ao de uma literatura militante que combatia o regime ditatorial vigente na Argentina.

No campo de estudos de Semiologia temos dois artigos que contemplam essa rea. Em O campo lxico-semntico do amor na Sitcom Friends, a autora prope construir um campo lxico-semntico do amor da lngua inglesa a partir das lexias encontradas nas legendas em ingls dos primeiros e ltimos episdios das cinco primeiras temporadas da sitcom norte-americana Friends produzida pela Warner Brothers, cujo tema central a vida amorosa de seus personagens. Falase em um campo lxico-semntico porque no se trata do campo que abrange todas as lexias e expresses de lngua inglesa relacionadas ao tema amor, e sim apenas daquelas encontradas no corpus escolhido. O conceito de lexia adotado o de Pottier (1978).

Em Leitura de imagem: a semitica na sala de aula, a autora discute o uso das categorias de Primeiridade, Secundidade e Terceiridade do filsofo C harles Sanders Pierce, na anlise de imagens, e sugere seu uso em exerccios educacionais para alunos do ensino superior.Entende que esse procedimento contribuir para a melhor compreenso que

envolve o ensino da semitica junto a esse nvel educacional. A autora exemplifica sua proposta com a anlise de duas imagens fotogrficas de Luiz Eduardo R. Achutti, que fazem parte da coleo Pirelli, do Museu de Arte de So Paulo. 9

Reflexes sobre prticas educativas constituem-se na temtica desenvolvida em dois textos. No eixo da metodologia para o ensino da literatura, o artigo Contribuies da teoria literria para as novas metodologias de ensino da Literatura apresenta uma forma de reflexo sobre formas de tratamento no mbito escolar, bem como sobre resultados educacionais recentes relativos formao leitora. O estudo problematiza, a partir da LDB/71, a oposio central entre o

conhecimento formal, linear e fragmentado e os desafios para superao desse modelo pela prxis dialtica e interdisciplinar.

Informao e comunicao constituem o princpio pelo qual a autora de Tecnologias da informao e comunicao: da ambivalncia de um conceito multifacetado s s uas potencialidades e desafios no campo educacional procura pontos de convergncia entre o paradigma educacional emergente e a informtica educacional, desenvolvendo uma interlocuo entre os aspectos multidimensionais inerentes pedagogia dos meios tecnolgicos.

As relaes entre o educador e educao no sculo XXI so debatidas no texto: A complexidade do objeto trabalho docente: algumas reflexes e indagaes, em que as autoras buscam compreender os elementos constituintes da carreira docente que ultrapassam as questes de ensino em sala de aula e adentram pelos saberes prticos especficos aos lugares de trabalho, com suas rotinas, valores e regras. So discutidas as condies de trabalho, apontando problemas e

encaminhamentos. A formao de professores de ingls numa perspectiva crticoreflexiva: comentrios e possibilidades traz uma reflexo sobre a relao entre a anlise do habitus e a formao de professores, tendo como metodologia o estudo das biografias de alunos ingressantes no curso de Letras O artigo constitui-se em importante referncia de pesquisa para profes sores em geral, especialmente de Lngua Inglesa e Prtica de Ensino.

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As Linguagens Miditicas constituem-se no campo de anlise de dois artigos. O texto Poder Miditico e Poltica Internacional discute

a relao entre a mdia e a poltica, enfatizando a centralidade dos meios de comunicao e sua atuao em discursos polticos, na sociedade contempornea. Aponta que, ao lado de grupos polticos se utilizam de mensagens subliminares, os em seus discursos,

ideologias

aparentando

um carter lgico, visando

convencer o receptor da

mensagem de que seus discursos so condizentes com a realidade. O atual padro de consumo constitui-se no epicentro do artigo Consumo sustentvel e mudana de postura dos cidados: reflexo sobre as campanhas publicitrias do Instituto Akatu, em que as autoras tratam o consumo sustentvel, a questo tica na utilizao de ferramentas como a educao, a lei e o marketing, caracterizados nas campanhas do Instituto Akatu, identificando suas contribuies para o processo de mobilizao social, de modo a promover a conscientizao e fazer frente aos efeitos negativos relativos ao padro de consumo e meio ambiente, com seus reflexos sociedade e aos indivduos.

A Revista, como se denota, traz temas atuais e polmicos que, com certeza, instigaro os leitores a ampliar sua maneira de refletir e compreender os desafios apresentados na atualidade.

Ana Carolina Picoli Souza Cruz Paulo Csar Cedran

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LITERATURA E SOCIEDADE

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APRENDENDO A ENXE RGAR COM SARAMAGON at a s h a V ic e nt e d a Si lv ei r a CO S TA * E li sa be te K e f l as TR O N CO N * *

Resumo: Neste artigo, sero discutidos alguns aspectos da obra Ensaio sobre a cegueira do escritor portugus Jos Saramago. Este trabalho se volta explorao de vrios elementos da narrativa, tais como: a linguagem, as tcnicas do narrador, o tempo e foco narrativo. Obsevarse- tambm de que maneira os provrbios, os sintagmas congelados e os discursos se encontram a servio do rompimento com os padres e com o catalogado e sugere, finalmente, que nos despojemos do pr-concebido. Palavras-chave: Saramago; Sintagma; Provrbio; Literatura portuguesa. Tcnicas do narrador;

LEARNING HOW TO SEE WITH SARAMAGO Abstract Abstract: This article discusses some aspects of the novel Ensaio sobre a cegueira, by the portuguese writer Jos Saramago. This paper brings together several elements of the narrative, such as the language, the techniques of the narrator, time and the narrative point of view. We also analyse how the proverbs, the immutable syntagmas and the speech take part in the rupture with patterns and with what is catalogued and finally suggest that we dispose of preconceptions. Keywords: Saramago; Syntagmas;Techniques of the narrato; Proverbs; portuguese literature. Introduo Ao ler o ttulo da obra, Ensaio sobre a cegueira, possvel verificar que a etimologia de ensaio, de acordo com Anglica Soares, indica tentativa, experincia e inacabamento. Contudo, ao longo do tempo, j foram produzidos trabalhos conclusivos que tambm levavam o ttulo de ensaio. V-se, ento, que ensaio no somente

uma tentativa do autor de interpretar a realidade por suas exposies inacabadas.* Me str a n d a e m p e la U N ESP e m E st u d os Li t e r r i os. Gra d u a da e m Le tr a s pe l o C e ntr o U ni v er sit r i o M ou r a Lac e rd a : E - ma il : n at a sh a v sc @ y a h o o.c o m. b r * * P r of e ss or a d o C ur so d e Le tr a s d o Ce n tr o U ni ve r sit ri o M ou r a Lace r d a: E - ma i l: b e t et r o nc o n@ u o l.c o m. br

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Ensaio revela um tom crtico e, muitas vezes, uma feio didtica. No situado, predominantemente, dentro do narrativo, lrico, pico ou dramtico. Considerando, ento, as caractersticas acima e dado que a obra surpreendentemente um romance, faz-se necessrio outra significao para ensaio. O autor, portanto, mostra-nos uma experincia, um

treinamento de seus personagens. Eles experimentam a cegueira e, consequentemente, ensaiam-na com a finalidade oposta, a de enxergarem. Saramago conhecido por seu modo diferente na construo da narrativa. Por isso, o narrador ser classificado como narrador-autor neste trabalho, j que Saramago assume total res ponsabilidade pelo que escreve em suas obras e questiona a separao de ambos. Aceita, contudo, as variantes de um narrador central e seus textos apresentam polifonia. A epgrafe indica o contedo do texto e resume o pensamento do autor. o lema da construo da obra:Se p od e s ol h a r , v. Se p od e s ve r , re p ar a. Li vr o d os C on sel h os

A obra uma metfora, uma alegoria finissecular. A situao vivida pelas personagens significa algo para, alm disso. H a exposio de um pensamento sob a forma figurada ou sob a forma de metfora. A obra trata, ento, no somente de pessoas cegas, mas de relaes humanas, do individualismo egosta que, freqentemente, impede as pessoas de perceber o que est ao seu redor. necessrio ver o inteiro, e no o mutilado. Parte I - Nvel da enunciao Foco narrativo O narrador-autor onisciente. Benjamin Abdala Jnior comenta, em Introduo anlise da narrativa, a tipologia de Norman Friedman. Este ltimo diz que oniscincia quando se conhece o que h dentro das personagens (seu mundo interior), h a mxima liberdade possvel

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para escolher como contar os fatos e esse narrador ainda interfere na histria, com comentrios.Se n ti u u ma t on t u r a, u m tr e m or ir re p ri m ve l a t r a ves sou lh e o c or p o, o f r i o e a f ebr e fi z er a m- l he e nt r ec h oc ar os de n te s. ( p . 7 7) ... n u m s al ve - s e q ue m p u der me r e ce d or de se ve ra cr t ica , p oi s n o a ssi m q ue se tr at a m pe ssoa s c e ga s, p a ra a in f el ic i da de j l he s b a st a . ( p. 2 2 5) ...t e n h a m de c i di d o, e n f i m, a e nt e r ra r os s e u s m or t os , pe l o me n os de st e c he ir o f i c m os n s li vr e s, a o c h eir o d os vi v os , me s mo f t i d o, ser mai s f c il h a bi t uar - n o s. ( p. 1 1 8)

Nota-se,

pela

primeira

citao,

que

o

narrador-autor

tem

conhecimento sobre o que a personagem sente. J na segunda, perceptvel que o mesmo intruso, pois faz comentrios e se intromete na histria de forma marcante. O ltimo excerto mostra que o narradorautor, que narra em terceira pessoa, dirige-se ao leitor e utiliza o pronome pessoal reto ns. A funo de narrar delegada, freqentemente, a outras

personagens. a polifonia, ou seja, vrias vozes dentro de um mesmo texto:En tr e os c e g os h a vi a u ma m u l her q ue d a va a i mpr e ss o de e sta r a o me sm o te m p o e m t od a a p ar te , a ju da n d o a ca rr e g a r , f a ze n d o c o m o se gu ia s se os h om e n s, c oi s a e vi de n te me n te i m p oss v el p ar a u ma c e ga , e , se f os se p or ac a so ou de pr op si t o , p or ma i s de u ma vez vi r o u a car a p ar a o l a d o da a l a d os c on t a g ia d os, c om o se os p u de s se ver ou lh e s pe rc e be s se a pr e se n a. ( p. 9 1 ) O v e l h o da ve n d a pr et a f o i n ar ra n d o est e s tr em e n d os ac on te ci m e nt os d e ba n ca e f i n a n a e n q ua n t o atr a ve ss a va m va ga r os a me n te a c i da de. .. ( p. 2 5 5)

Desde o incio da obra e, principalmente, dentro do manicmio, so mostradas as atividades que a mulher do mdico realiza em prol da comunidade. No primeiro excerto, contudo, isso mostrado com se fosse uma novidade, como se algum, que no fosse o narrador que j havia descrito tais atividades, estivesse percebendo naquele momento. No segundo excerto, perceptvel que o narrador-autor deixou com que o cego narrasse tudo o que se passava fora do manicmio, concedendo a funo de narrar a ele. 15

Tcnicas narrativas Uma das tcnicas utilizadas o uso do pronome pessoal ns:...a q ue la q u e es t c a sa d a c om o of ta l m ol o gi s ta , ta nt o e la te m c a n sa d o de di z er - n o s. .. ( p. 1 1 9) ... h ou ve q ue m t i ve sse fi ca d o ca la d o, sa be r e m os se f oi par a n o m e nt ir . ( p. 1 4 3) a se u te m p o

Isso uma tcnica que faz com que nos aproximemos da histria lida. como se estivssemos junto do narrador-autor no momento em que escreve. Outra tcnica largamente explorada na obra a utilizao de ditos populares da cultura portuguesa, parbolas e provrbios:Pl e bei a me n t e c on c l u i n d o, c om o n o se ca n sa d e en s i nar n os o p r o v r b i o a n ti g o, o c e g o, ju l ga n d o q ue se b e nzi a , par ti u o nar iz. ( p . 2 6) O ou tr o t a mb m d i zi a q u e q u e m par t e e r e p ar te e n o f ic a c om a m el h or pa r t e, ou t ol o, ou n o p ar tir n o te m a r te .. ( p. . 1 0 3) u m d it o, e star es pe r a de sa pa t os de def u n t o si gn i f i ca va e star e sp e r a d e c oi s a ne n h u m a. ( p. . 1 9 8) ... f el iz me nt e , o d ia b o ne m se m p r e e st at r s da p o r ta , es te d i ta d o ve i o mu i t o a p r op s i t o. ( p . . 1 9 3) m ui t o si mpl e s, se n t i c om o se o i nt er i or d a r b i t a va z ia e st i ve sse i nf la ma d o e tir ei a ve n d a p ar a ce rt i fi car - me , f oi n es se mo m e nt o q ue ce gu ei, P ar e ce u ma p a r b ol a, d i sse u ma v oz de sc on h e c i da, o ol h o q ue se r e c u sa a r ec on h e c er a s ua pr pr ia a u s n c ia.. . ( p. 1 2 9 ) S u m de r r a de i r o c ui da d o, u m a lt i ma pr u d n c ia o i m pe di r a m d e r e m at ar o a pel o c i ta n d o o c on h e c id o p r o vr b i o Q ue m c or r e p o r g ost o, n o c a n sa . ( p g. 1 6 5)

Ao utilizar tal tcnica, conferida uma feio portuguesa obra e, assim, -nos revelada a cultura desse pas. interessante observar que, em vrios trechos da obra, o narradorautor desmonta tais ditados populares e os reconstri de acordo com a situao de suas personagens:... j se sa b e gu a m ol e em br a sa vi va ta nt o d a t q ue ap a ga a r i m a q ue a p on h a ou tr o. ( p. 2 1 3)

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O tr a ba l h o d o ve l h o p ou c o, m as q u e m o d e s pr e za l ou c o, E sse d it a d o n o a ssi m , Be m se i, on d e e u di sse ve l h o, m e ni n o, on d e e u d isse de spr e z a, de sde n h a , ma s os d it a d os se q ui ser e m ir diz e n d o o me s mo p or ser pr e ci so c on t i n uar a di z - l o, t m d e a da p ta r - se a os te m p o s. . . ( p. 2 6 9)

A modificao dos ditados populares um exemplo de que a cegueira existente no plano de contedo da obra demonstrada, assim, no plano da expresso. Vejamos outra citao:A q ui n o me saf o, pe n s ou , u sa n d o u m a p ala vr a q ue n o f azi a p ar t e d o se u v oc ab u lr i o c or r e n te, u m a vez m ai s s e de m on st r a n d o q u e a f o r a e a n at ur e za da s ci rc u n st nc ia s in f l ue m m ui t o n o l x ic o .. . ( p. 2 2 0)

Como se pode ver tambm a circunstncia que influencia o vocabulrio utilizado. permitido, portanto, adaptar ditados populares ao contexto da obra. Os provrbios e os ditos populares so clichs, ou seja, so a cristalizao do velho. preciso, finalmente, desmontar as frases feitas para que a novidade descondicione nosso ouvido e o novo discurso traga revoluo, ou seja, um novo modo de enxergar o mundo. Outra tcnica o uso de sintagmas congelados. A ideia mostrada na epgrafe de que necessrio ver o inteiro, e no o mutilado refletida no modo de construo da obra e os sintagmas so exemplo disso, j que tm que ser entendidos no contexto geral da obra, na novidade estilstica de que o narrador-autor se utiliza:Eu q u e e st ou ce g o, n o t u, t u n o p od e s sa b e r o q ue me s u ce de u , O m di c o v a i p r - te b om , ver s, Ve r ei. ( p. 1 9) Ve jo t u d o br a nc o, se n h o r d ou t or. N o f al ou d o r ou b o d o au t om ve l. ( p. 2 2) Ver s c om o t u d o s e i r r es ol ver . ( p . 2 3) P or e n q u a nt o n o l he r ece it ar e i na da , ser ia e sta r a r ece i tar s ce ga s, A e st u ma e x pr ess o a pr op r i a d a, ob s er v ou o c e g o. ( p. 2 4) ... di z e le q u e v t u d o b r an c o, u m a e sp c ie d e br a n c ur a lei t os a. .. ( p. 2 8) N o c h or e s, va i s ver q u e a tu a me n o se d e m or a. ( p . 4 9)

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O n de q u e e st f er i d o, A q ui, A q ui, on d e , N a pe r na , n o es t a ver , a ga ja e s p et o u- m e c om u m s al t o d o sap a t o.. . ( p. 5 7) E ac r e sc e nt ou , c h o ca r r e ir o, A t vi st a , me n i na s, v o- se pr e p ar a n d o p ar a a pr xi ma se ss o. ( p. 1 7 8) Q ue m e st dec i di d o a i r , p on h a a m o n o a r , o q u e ac on t e ce a q ue m n o p en sa d ua s ve z e s a nt e s d e a br ir a b oc a par a f a lar . .. ( p. 1 9 7)

O uso de sintagmas congelados indica a utilizao de frases concretizadas no lxico que, no contexto da obra, causa estranhamento e soa como gracejo para os cegos. So expresses que j esto

irremediavelmente alojadas nas mentes e que continuam a ser utilizadas na obra mesmo quando sua aplicao seja impossvel na prtica, j que a viso no mais um sentido vlido. H outros tipos de sintagmas congelados na obra, que aparecem menos freqentemente:Be m , per gu n t ar a, q ua n d o n o es t va m os a m u it o ob r i ga d o , se m d vi da a t e l ef on i sta C om o e st , s e n h or d ou t or , o q u e d ize mos q uer e m os da r p ar t e de fr a c o, di s se mos , Be m, e m or r e r ... ( p . 4 1)

Gra as a De u s, e s ta e vi de n te m ost r a d e f ra q u e za m or a l de i x ou de ter q ua l q u er i m p or t nc i a. .. ( p. 1 6 2)

As expres ses Graas a Deus e a reposta bem pergunta Como est? mostram, tambm, a automatizao da lngua, que muitas vezes expressa o que, de fato, no caberia em determinado ponto. No primeiro excerto, o doutor oftalmologista liga para seu consultrio para avisar outro mdico sobre s ua repentina cegueira. No estava tudo bem, ento. Com relao ao segundo trecho, fato conhecido que o narradorautor da obra ateu; logo, a expresso graas a Deus se mostra deslocada, a fora do hbito. A pontuao utilizada, visivelmente dif erente nessa obra, no a acadmica, tradicional:Dei ta da a o l a d o d o ma r i d o, o ma i s j u nt os q u e p od ia m es tar , p or ca u sa da e str e ite za d a ca ma , mas t a m b m p or g os t o, q ua n t o l h e s h a v i a c u s ta d o, n o m ei o d a n oi te, gu ar d ar o

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de c or o, n o f a ze r c om o a q u ele s a q u e m a l gu m ti n ha c h a ma d o p or c os , a m u l he r d o m d ic o ol h o u o r e l gi o. ( p. 1 0 0) O u vir a m- s e ti r os na r u a . V m- n os m at ar , gr i t ou a l gu m, Ca l ma, di sse o m di c o, de ve m os ser l g ic os . .. ( p. 1 1 0 )

V-se que h uma quebra na linguagem: so abolidos os sinais convencionais de expresso de fala das personagens, como dois-pontos e travesso. empregada a vrgula para separar a narrao do narradorautor da fala das personagens, assim como seus dilogos. So utilizadas tanto a linguagem informal, popular, quanto a linguagem culta:Ra p az e s, e sta s ga ja s s o me sm o b oa s ( . ..) C ale m- se , sua s p u ta s, e sta s ga j a s s o t od a s i gu a is, se m pr e t m d e p r - se a os b e rr os (. ..) De s pa c ha -te d a , n o a gu e n t o u m mi n ut o. .. ( p. 1 7 6) Q ua nt o a n s , pe r mi tir - n os- e m os p e n sar q ue se o c e g o ti ve s se a c ei ta d o o s e gu n d o of er e ci m e nt o d o af i n al f al s o sa ma ri t a n o, n a q ue le d e r r a de ir o i n s ta nt e e m q ue a b on d a d e ai n da p o d er ia ter pr e va l eci d o , r ef er i m o- n os o of er ec i me n t o d e lh e f i car a f az e r c o mp a n hi a e n q u a nt o a mu l he r n o c he ga s se , q ue m sa b e se o ef e it o d a r esp on s a b il i da d e m or a l r es u lt a nt e d a c onf ia n a... ( p. 2 6)

Nota-se a contribuio que cada tipo de linguagem e de discurso traz para o texto. A linguagem dos cegos malvados dotada de palavras ofensivas e vocabulrio de baixo calo. O segundo discurso, contudo, elaborado, tecido e enriquecido de provrbios e ditos populares, o que mostra a contribuio da cultura portuguesa. Ao utilizar esses dois tipos de linguagem, o narrador-autor mostra que no despreza quem os produz, pois esboa, sobretudo, um retrato de sua cultura. exposto, tambm, que a cegueira que atinge as personagens um mar de leite, branca. Isso usado justamente como um meio de diferenciao da cegueira fsica comum e indica, novamente, o

rompimento com o sintagma congelado. preciso cegar para comear a enxergar; saber, aprender a ver. O cegar representa, simbolicamente, o aprendizado, que proporcionar a viso aos atingidos, ou seja, um novo meio de ver o mundo. Outra tcnica que permeia o texto o suspense:

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A m ul her d o m dic o l e va nt ou os ol h os par a on de a te s ou r a e st a va . E s tr a n h o u v- la t o al t o, de p e n d ura d a p or u ma da s ar g ol a s ou o l h ai s, c om o se n o t i ve s se si d o el a p r pr ia q ue m a ti n ha p os t o l , de p oi s , de s i par a c on s i g o, c on s i der ou q ue ha vi a si d o u m a e x ce le nt e i d ia tr a z - la. . . ( p. 1 4 4 )

Ele interrompe a narrao temporariamente e deixa pontos abertos que sero retomados mais tarde. Isso faz com que o leitor se envolva com a obra e se interesse pela leitura. Alm disso, h prolepse na narrao:Ai n da s e r e c o r da de c o m o d e ve r r e gu l a r o i sq ue i r o p ar a pr od u z ir u m a c h a ma c o m pr i da, j a a te m, u m pe q u e no p u n h a l de l u me , vi br a nt e c om o a p on t a d u m a te sou r a. ( p . 2 0 6)

A prolepse a antecipao de um acontecimento que ocorrer posteriormente no discurso narrativo. Tem-se prolepse no excerto quando a chama do isqueiro comparada tesoura. Iss o indica que ela servir para matar, da mesma forma que o objeto metlico foi utilizado. Nota-se o aspecto sensorial da obra:O m a u c he ir o d e sp r e n de -se da i m e n sa l i xei r a c o mo u ma n u ve m de g s t xi c o.. . ( p. 2 9 4) ... o c he i r o d o v m i t o s se n ot a q u a n d o o a r e o r e s t o n o c he ir a m a o me s m o. . . (p . 1 7 6) ...a o p on t o d e c e gar o o l fa ct o, q u e o m ai s de l i ca d o d os se n ti d os. .. ( p. 1 7 4) O asp e c t o d a s r ua s p i or a va a c a ca h or a q u e ia pa s sa n d o. O li x o pa r ec ia mu l ti p li c a r- s e d ur a nt e a s h or a s n oc t ur na s.. . ( p . 2 9 4)

Os cdigos sociais comeam a se perder em um ambiente governado pelos sentidos. interessante notar que os cinco s entidos so afetados. Ao longo da obra, trabalha-se, em primeiro lugar, a questo do ver, do enxergar, que concedido somente personagem feminina; h, tambm, o olfato, sentido mais delicado na opinio do narrador-autor, que contaminado pelo aspecto de podrido do manicmio; tem-se o tato desordenado quando os cegos se esbarram atrapalhadamente; o paladar, sentido pouco privilegiado devido escassez de alimento e, finalmente, a

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audio, sentido que resta para contribuir com a organizao das camaradas e a comunicao dos cegos.

Ideologia do narrador-autor O narrador-autor mostra-se adepto dos ideais comunistas e h vrios pontos que demonstram sua ideologia. Um deles a diviso que existe entre os cegos das camaratas. Tal diviso tambm existe na sociedade, de acordo com o Manifesto do Partido Comunista:Tod a soc ie da d e at a q ui e x i ste n te r e p ou s o u, c om o vi m o s, n o a nt a g on i s m o en tr e c la s se s d e op r e s sor e s e c la sse s de op r i m i d os . ( p. 5 6)

So expostas, ento, duas citaes: a primeira da obra estudada; a segunda, do Manifesto acima, para que a comparao seja facilitada:...f i q ue i c om a i mpr e s s o de ser e m u m gr u p o gr a n d e, e o pi or q u e e st o ar ma d o s.. .( p . 1 3 8) A s oc ie da d e i nt eir a va i - se di vi d i n d o c a da vez ma i s e m d oi s gr a n de s c a m p os in i m i g os , e m d u as gr a n d es c l ass es di r et a me n te op os t a s e n tr e s i: b u r gu e sia e pr ol e t a r ia d o. ( p . 4 6)

V-se, nas citaes, a diviso dos internos em dois grupos. A burguesia seria ento, na obra, os cegos malvados que tm arma de fogo e outros instrumentos usados para coao, que representariam o capital:A c on d i o ma i s e sse n cia l par a a e x is t n ci a e a d omi n a o d a cl a sse b u r gue s a a ac u m u la o da r i q u ez a n as m os d e p ar t ic u lar e s, a f or m a o e o a u m e nt o d o ca p it a l. ( p . 5 7)

Tal citao extrada do Manifesto do Partido Comunista refora a clara diviso de burguesia e do proletariado, que seriam os outros cegos, ou seja, aqueles que pagam por um bem, no caso a comida, com sua fora de trabalho ou com trocas:Ele s diz e m q ue i s s o ac a b ou , a par ti r d e h o j e q ue m q ui s er c om er ter d e pa ga r . ( p. 1 3 8)

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... os m ei os de pr od u o e d e tr oc a ba se d os q u a i s ve i o se c on s ti t ui n d o a b ur gu e si a.. .( p. 5 0) ...a p r p ria b ur g u e sia o pr od u t o de u m l on g o pr oc e ss o de de se n v ol v i me n t o, d e u ma sr ie de r e v ol u e s n os m od os de pr od u o de tr oc a . ( p. 4 7)

Primeiramente, a troca se realizava pelos bens materiais que cada cego de cada camarata devia entregar aos cegos malvados. Depois, por servio sexual das mulheres em troca de comida. Essa mudana um exemplo da revoluo no modo de troca citada no ltimo excerto. H, posteriormente, a crescente insatisfao que gera as

manifestaes:H se mpr e al gu m q u e pr op e u ma a c o c olec t i va or ga n iz a d ora , u ma ma n if e st a o ma c i a, a pr e se n ta n d o c om o ar gu m e nt o va le d or a ta nt a s v eze s v er if i ca da f o r a e x pr e s si va ex p a ns i va d o n me r o. ..( p. 1 6 1) ... os c h oq u e s e ntr e o op er r i o e o b u r gu s si n gu l ar as su me m c a da ve z ma i s o c ar t er de c on f li t os e n tr e d ua s cla s se s. O s op e r r i os c o me a m a f or ma r c oal iza es c on t r a os b ur gu e se s. .. ( p. 5 4 )

E, finalmente, o narrador-autor reafirma seu modo de vista:...e c air - l he s e m c i ma , pa r a q ue a pr e n d e ss e m a re sp e i tar o sa gr a d o pr i n c p i o da p r opr ie da d e c ol ec ti va . ( p. 1 0 8)

V-se que o percurso realizado pelas personagens e suas aes ligam-se descrio histrica dada no Manifesto do Partido Comunista. mostrada, ento, a falncia do capitalismo, ou seja, de um sistema opressor que privilegia poucos. Alm dis so, notvel que o narrador-autor aproxima sua narrao ideia de inconsciente coletivo:

C om o a n d ar d os t e mp os , ma i s a s a c t i vi da d e s d a c on vi v n c ia e a s tr oc a s ge n tic a s, aca b mos p or met e r a c on sc i n c ia na c or d o sa n gu e e n o s al da s l gr i ma s, e, c om o se t a nt o f os s e p ou c o, f ize m os d os ol h os u ma e sp ci e d e es pe l h os vi r a d os p ar a d en tr o, c om o r es u lt a d o, mu i ta s ve ze s, de m os tr ar e m ele s se m r es er va o q u e est va m os tr at a n d o de ne ga r c om a b oc a . ( p. 2 6 )

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Identifica-se, ento, a ideia de inconsciente coletivo, que um reservatrio de imagens latentes, chamadas de arqutipos ou imagens primordiais, que cada pessoa herda de s eus ancestrais. A pessoa no se lembra das imagens de forma consciente, porm, herda uma

predisposio para reagir ao mundo da forma que seus ancestrais faziam. Sendo assim, a teoria estabelece que o ser humano nasce com muitas predisposies para pensar, entender e agir de certas formas. 1 H tambm a zoomorfizao:Ti n ha a i m pr e ss o d e h a v er pi sa d o u ma pa st a mol e , os ex cr e n t os d e a l gu m q u e n o a c er t ar a c om o b u r a c o da r etr e te ou q ue r e s ol ve r a a li vi ar - se se m q uer er sa b er mai s de r esp e it os . ( p. 9 6) ...e r a d e m orr er , u n s q ua n t os c e g os a a va n ar e m de ga ta s, d e ca r a r e n te a o c h o c om o s u n os . .. ( p. 1 0 5) ... u ma f i la g r ot e sc a de f m ea s ma lc h e ir osa s, c om a s r ou pa s i mu n d a s e a n d ra josa s, par e ce i m p oss ve l q u e a f or a an i ma l d o se x o se ja a s si m t o p od e r os a, a o p o nt o d e ce ga r o ol f ac t o, q ue o m ai s de l i ca d o d os se n ti d os .. . ( p. 1 7 4) Os c e g os r e li n c ha r a m, d er a m pa t a d as n o c h o. .. ( p. 1 7 6 ) ... q ui nz e m u l her e s e spar r a ma da s na s c a ma s e n o c h o, os h ome n s a i r d e u ma s p a r a ou t ra s, r e sf ol e ga n d o c omo p o r c os.. . ( p. 1 8 4 )

Os homens so nivelados aos animais, o que indica uma viso naturalista, pois ressalta fatores biolgicos como o sexo, o instinto, a violncia e as mazelas humanas. Com isso, o us o que se faz da razo questionado, assim como a dignidade humana. possvel identificar o rompimento de preconceitos:

...f ic a n d o p or vi a de m on s tr a d o, ma i s u ma ve z, q ue a s ap ar n c ia s s o e n ga na d or a s, e q ue n o p e l o a s pec t o da c ar a e pel a pr e s tez a d o c or p o q u e se c on h e c e a f or a d o c or a o. ( p. 1 7 0 )

A mulher, a quem o trecho faz referncia, a rapariga dos culos, uma prostituta. V-se, ento, que ela no condenada nem criticada pelo narrador-autor, o que freqentemente ocorre na sociedade. Esse valor1

Disponvel em: http://www.10emtudo.com.br/artigos_1.asp?CodigoArtigo=53&Pagina=6

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social negativo alterado. Isso se d tambm quando as mulheres precisam prestar servios sexuais aos cegos malvados para receberem alimento. No haveria outra sada para se alimentarem e, finalmente, o rotulado e o pr-concebido so rompidos. possvel identificar outra mudana de valor referente igreja e aos dogmas religiosos:

Pe n se i q ue par a t er m os c h e ga d o a o q ue al gu m m ai s te r i a d e e st a r ce g o. .. ( p. 3 0 2)

c he g m os

Tal fala da mulher do mdico proferida quando, na igreja, v que os santos tm seus olhos vendados. A religio, meio de obter conforto espiritual se mostra anulada. Isso significa que a religio no ser uma salvao para a cegueira. O narrador-autor, finalmente, se mostra adepto ao atesmo, incrdulo, no acredita na religio como forma de salvao e, ento, nega a existncia do divino. Alm disso, no h denominao de personagens, locais ou qualquer referncia a tempo histrico. Isso ocorre porque:N o h di f e r e n a e n tr e o f or a e o de n tr o, e n tr e o c e l , en tr e os p ou c os e os m u it os, e n tr e o q ue vi ve m os e o q ue ter e m os d e vi ve r ... ( p . 2 3 3) O mu n d o e s t t od o a q u i de n t r o. ( p . 1 0 2)

Com isso, a obra ganha o carter de universalidade e mostrado, finalmente, o universal pelo particular. Faz parte da ideologia, da mesma forma, no enquadrar o discurso totalmente no discurso direto ou indireto livre, os mais explorados na obra. Assim, o rompimento com o catalogado e pr-concebido refletido na novidade da construo da linguagem e sugerido, ento, um meio diferente de enxergarmos o mundo. Tal tpico, contudo, ser melhor explorado no tpico Tipos de discursos. Finalmente, o uso de sintagma congelado um modo de propor algo novo, um novo sentido para a vida. Usa o solidificado, o velho para desformatar, quebrar estruturas j conhecidas. Trabalha o novo na

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linguagem j pronta e repete para conservar o que j existe. Atravs da linguagem, ento, o narrador-autor j expe seu conjunto de ideias.

Parte II - Nvel do enunciado Tema O tema de Ensaio sobre a cegueira o no saber reparar.

Ao A obra mostra uma linearidade dos acontecimentos. Conta-se uma histria que j aconteceu cujos fatos so mostrados sequencialmente.

Personagem A mulher do mdico a personagem que sobressai na obra. Tanto por ter conservado sua viso, seus valores humanos de solidariedade e compaixo e por ser altrusta. O narrador-autor trabalha a expresso Em terra de cegos quem tem um olho rei, pois, assim como um rei soberano, a mulher tambm apresenta soberania de carter ao ajudar os outros:... de vi a ser d ot a da d e u m s e xt o s e nt i d o, u m a es p ci e de vi s o se m ol h os, gr a as a iss o q ue os p ob r e s i n f eli z e s n o s e f icar a m a li a c oz er a o s o l... ( p. 1 9 6) N o m a n d o, or ga n iz o o q u e p os s o, s ou , u n ica me n te , os ol h os q u e v oc s de i x a r a m de te r , U ma e s p cie d e c h e f e na t ur a l, u m r ei c om ol h o s n u ma t er r a de ce g os .. . (p . 2 4 5 )

Contudo,

seu

privilgio

de

conservar

a

viso

acarreta

a

responsabilidade de coordenar e ajudar seu grupo, o que implica, conseqentemente, um fardo fsico e mental, pois registra as cenas que v. Tal personagem se v obrigada a testemunhar as misrias dos enclausurados no manicmio e sua degradao humana:Pe la pr i m eir a ve z, d e sde a q u i e ntr ar a, m d ic o se nt i u- se c om o se e s ti ve s se p or mi cr osc p i o a ob s er va r o c o m p or ta m e nt o d e u n s p od i a m ne m s e q ue r s u spe it ar d a s ua pr e se n a, e lh e s u bi ta m e nt e i n d i gn o, ob sc e n o... ( p . 7 1) a mu l h er d o t r s de u m ser es q u e n o i st o p ar e c e u-

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E t u, c om o q uer es t u q ue c on t i n u e a ol h a r p ar a e sta s mi sr i a s, t - la s p er ma n e nt e me n te d ia n te d os ol h os ... Se t u p u de sse s ver o q u e e u sou ob r i ga da a ver , q uer er i as e sta r ce g o. . . ( p. 1 3 5 )

Uma possibilidade, finalmente, para o fato de que mulher do mdico no tenha ficado cega, pode ser seu altrusmo, caridade e filantropia, explcitas desde o incio at o final da obra.

Espaos Ambiente fsico O espao fsico descrito na obra, primeiramente, a cidade:

Al gu n s c on d u t or e s j s alt ar a m p a ra a r ua, d isp os t os a em p u r ra r o a ut om ve l e mp a n a d o.. . ( p. 1 2)

As ruas da cidade, espao onde a cegueira iniciada, apresenta o maior fluxo de carros e h a caracters tica de movimento frentico. interessante notar que foi nesse ambiente conturbado que a cegueira se iniciou:Os a u t om ob i l i sta s, i mp a cie n te s, c om o p n o pe d al da em b r ai a ge m, ma nt i n ha m e m t e ns o os c ar r os, a va n a n d o, r ec ua n d o , c om o ca va l os ner v os os q ue se n t i sse m vir n o a r a ch i ba t a. ( p . 1 1)

Esse o perodo de maior agitao veicular e de menor pacincia e respeito entre os motoristas, o que indica um dos possveis f rutos para a cegueira metafrica: a corrupo das relaes humanas. O segundo espao fsico encontrado o manicmio, para onde os cegos so levados:... h tr s ca ma r a t as d i re i ta e tr s e s q uer da, ca d a ca mar at a te m q ua re n ta c ama s. .. ( p . 1 1 2) A os p ou c os, sob a l uz amar e l a da e su ja da s l m pa d as d b ei s, a ca ma ra ta f oi e nt r a n d o n u m s on o pr of u n d o.. . ( p. 1 5 1)

O ambiente desse espao caracterizado pela degradao humana l sofrida. No h condies para se manterem higienizados e h excremento humano por toda parte. Primeiramente, a ala esquerda do

hospcio destinada queles que ainda no cegaram, os infectados.

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Posteriormente chegada de mais cegos, elas so habitadas por eles, que se tornam dominadores da comida e portam arma de fogo. Do lado direito h a camarata da mulher do mdico, que poss ui uma vantagem:Na ca ma ra ta j t od a a gen te e st a va ac or d a da , pr on t a p ar a r ece b er o se u q ui n h o, c om a e x per i n c ia h a v ia m est a be le ci d o ali u m m od o ba sta n te c mod o d e f az er a d ist r i b ui o.. . ( p. 1 3 7)

Por estarem ali h mais tempo que os demais, organizavam-se melhor. Apresentavam, tambm, solidariedade com outros membros da camarata. Um smbolo relevante que aparece em tal espao o fogo, ateado por uma mulher camarata dos malvados:

C om e a pe la c a ma d e ci m a, a la bar e da la m be tr a ba l h os a me n te a su ji d a d e d os t e ci d os , e nfi m pe ga , a g or a a ca ma d o me i o, a g or a a c am a de b ai x o. . . ( p. 2 0 6)

O fogo uma imagem que se relaciona ao renascimento, ressurreio. Alm disso, uma mesma palavra em snscrito designava

puro e fogo. De acordo com o Dicionrio de Smbolos de Chevalier e

Gheerbrant, o fogo sobretudo o motor da regenerao peridica (1993, p. 441). Tal simbologia est, ento, em equilbrio com a obra, j que depois do fogo os cegos saem do espao ftido e degradante do manicmio para as ruas e um novo tipo de organizao surge. Andam em grupos agora e h mais tolerncia quanto s esbarradas dos outros cegos. Quando saem do manicmio, habitam as ruas por um perodo:O asp e c t o d a s r ua s p i or a va a c a ca h or a q u e ia pa s sa n d o. O li x o par e ci a mu l t i pl i ca r- se d ur a nt e a s h or as n oct u r na s, er a c om o s e d o e x ter i or , d e al gu m p a s de sc on h e c i d o on d e a i n da h ou ve s se u ma vi d a n or ma l, vie sse m pe la ca l a d a de spe ja r a q ui os c on t e n t or e s.. . ( p. 2 9 4 )

O valor do espao aberto das ruas invertido. Um espao destinado circulao de pedestres e automveis possua antes a

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caracterstica de circulao de veculos de trnsito. No momento de sada dos cegos, contudo, o mesmo se torna moradia fixa de alguns. O penltimo espao relevante a casa do mdico e de sua mulher. Tal espao fechado no se assemelha nem ao manicmio nem s ruas. um lugar de descanso, de limpeza, de respeito e solidariedade do grupo e de quietao do estmago, j que ela saa frequentemente em busca de alimento. interessante perceber o smbolo da gua em tal espao:O c u e r a , t od o e le , u m a n ic a n u ve m , a c h u va de sa b a va em t or r e nt e s. N o c h o d a var a n d a , a mon t oa d as, e sta va a s r ou pa s su ja s q ue ha vi a m de spi d o, es ta va o sa c o de pl st i c o c om os sa pa t os q u e e r a m pr e c is o la va r. La var . ( p. 2 6 5 ) ... b us ca va na c oz i n h a t u d o o q u e p u d esse ser vi r p ar a li m pa r u m p ou c o, a o m e n os u m p ou c o, e sta su ji da d e in su p o r t ve l da al m a. ( p . 2 6 5)

A gua, de acordo com o j citado Dicionrio dos Smbolos, possui trs significaes simblicas: fonte de vida, meio de purificao e centro de regenerescncia. V-se sua caracterstica purificadora, assim como o fogo. A gua fonte de vida e fonte de morte, criadora e destruidora. A morte, na obra, representa o fim imundcie tanto espiritual quanto fsica que ainda emanava do manicmio e a vida a renovao ambiental derivada da fuga do antigo espao. pos svel perceber um contraste: a gua que vem do alto, de cima e que representa pureza contrastada com a imundcie em que se encontra, no baixo. Finalmente, o ltimo espao a Igreja. Quando o mdico e sua mulher l chegaram, havia pessoas que buscavam compaixo das entidades espirituais e tm sua crena abalada ao saber que os olhos das esttuas dos santos estavam vendadas:... o ma u f oi h a ve r n o a j u nt a me n t o u m as q u a nt a s p ess oa s su pe r st ic i osa s e i ma gi na ti va s, a i de ia de q u e a s s a gr a d as i ma ge n s e st a va m c e ga s , de q ue os se u s m i se r ic or di os os ou sof r e d or es ol h ar e s n o c on t e mp l a va m m ai s q u e a su a pr pr i a ce gu e i r a, t or n ou - s e s u b i ta me n te i nsu p or t ve l, ( . . . ) l o g o o me d o f ez l e va n ta r t od a a ge nt e . .. ( p. 3 0 3)

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Ao constatarem que no estavam sendo amparadas pelos santos, as pessoas fogem. No buscam mais o conforto espiritual ao verem que se encontram ao redor de esttuas cegas como eles. mostrada a fragilidade de uma crena.

Ambiente social O ambiente social que predomina na obra o conflito e a fragilidade das relaes humanas.

Tempo Tempo cronolgico O tempo predominante na histria o cronolgico, pois as aes so desenvolvidas sequencialmente:Pa ss ou u ma h or a , su b i u a lu a, a f om e e o te mor af as ta m o s on o... ( p. 2 0 5) Os r el gi os d e t od os e le s e sta va m par a d os , t i n ha m- s e es q ue ci d o d e l h es dar c or d a ou a c har a m q ue j n o va l ia a pe n a, s o da m ul h er d o m d ic o c on t i n ua va a tr a ba l har . ( p 7 6 )

H, como se nota nos excertos, uma ordenao cronolgica dos fatos marcada pelo relgio da mulher do mdico e a temporalidade dia/tarde/noite.

Tempo psicolgico Segundo o livro Introduo anlise da narrativa, Benjamin Abdala Jnior diz que, alm da marcao cronolgica, ocorre com frequencia o tempo psicolgico. Esse o tempo cronolgico distorcido em funo das vivncias subjetivas das personagens:C on t e- me l e nt o o q ue se pa s sa c on s i g o. O c e g o ex p li c ou q u e e st a n d o de nt r o d o car r o, e spe ra de q u e o si n al ver m el h o m u d a s se. .. ( p. 2 2) O v e l h o da ve n d a pr et a f o i n ar ra n d o est e s tr em e n d os ac on t e ci m e nt os d e ba n ca e f i n a na e n q ua n t o atr a ve ss a va m va ga r os a me n te a c i da de. . . ( p. 2 5 5)

O

narrador-autor

paralisa

momentaneamente

sua

narrao

cronolgica para dar lugar explanao que o primeiro cego faz sobre 29

como perdeu a vista e ao velho da venda, que explica o que acontecia fora do manicmio. H, tambm, tempo psicolgico quando cada um dos cegos da camarata diz aos demais como foi que cegaram, o que remete, finalmente, s vivncias subjetivas das personagens.

Tempo da narrao e tempo da narrativa O tempo da narrao o sculo XX, no ano de 1995. Com relao ao tempo da narrativa, possvel afirmar que no h dados na obra que nos permita encaix-la em determinado perodo histrico especificamente. Pode-se, contudo, dizer que pertence ao sculo XX, pois h vrios elementos que comprovam sua modernidade, tais como: carros, avenidas, prdios, freezers e supermercados.

Parte III - Recursos de estilo Tipos de discursos Quanto ao uso do discurso direto, indireto e indireto livre, necessrio lembrar seus conceitos. O discurso indireto caracterizado pela utilizao das prprias palavras do narrador para reproduzir a fala das personagens; pela introduo da fala no texto por um verbo declarativo (dizer, afirmar, ponderar, confessar, responder, etc) e, finalmente, a existncia de uma orao subordinada substantiva:...e di sse- o a os s e us, q ue ser ia me l h or e spe r ar q ue a n oi te ac a b a sse ... ( p . 2 1 2 )

O efeito de sentido causado a subordinao da personagem ao narrador-autor, que produz somente a essncia da fala daquela. Tal forma de discurso menos explorada na obra. O discurso direto caracterizado pela reproduo fiel da fala das personagens; pela naturalidade e vivacidade; pelo avivamento da

personagem para o ouvinte; pela emotividade na expresso oral e, finalmente, pelos sinais de interjeies, exclamaes, interrogaes, vocativos:

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Re s sur gir , p er gu n t ou a ra p ar i ga d os c ul os e sc ur os , Ela , n o, r e s p on d e u a mul h e r d o m di c o. .. ( p. 2 8 8)

Nota-se que o discurso direto do narrador-autor no apresenta alguns pontos explicitados na definio acima. No contm, por

exemplo, os sinais de pontuao exclamao, interrogao e interjeies. Apresenta, contudo, a reproduo fiel da fala da personagem,

naturalidade e vivacidade. No discurso indireto livre, as falas no so introduzidas por verbos como responder, dizer, afirmar, etc. e no so separadas da fala do narrador por conjunes (como no indireto) ou sinais de pontuao (como no direto). C ontm, contudo, oraes interrogativas, imperativas, exclamativas, interjeies e outros elementos expressivos:O a ju d a n te d e f ar mc i a p e di u l ic e n a p ar a f al ar c om o se n h or d ou t or , g os t ar ia q u e o se n h or d ou t or l he di s se ss e se ti n ha, sob r e a d oe n a, u ma op i n i o f or m a da, N o c re i o q u e l he p oss a c ha m ar , e m se n ti d o pr pr i o, u ma d oe n a , c om e ou p or pr e ci sar o m dic o, e d e p oi s, s i mpl ifi ca n d o mui t o, r e s u mi u o q ue i n ve sti g ar a n os l i vr os a n te s de ter c e ga d o. ( p . 7 0)

V-se que o narrador-autor no utiliza algumas caractersticas do discurso indireto livre, como os elementos expressivos ponto de

interrogao e de exclamao. Finalmente, possvel afirmar que o discurso do narrador-autor no se encaixa completamente nos principais discursos mostrados na obra: o direto e o indireto livre. Com iss o, ele procura romper o que j est catalogado, cristalizado e pr-concebido. Finalmente, sua meta de renovao de conceitos e contedo se mostra tambm no plano na expresso com a inovao lingustica.

Classificao do gnero O gnero da obra Ensaio sobre a cegueira romance, apesar de denominado ensaio. O romance uma forma narrativa que se volta ao homem como indivduo e, de acordo com Anglica Soares, ... as narrativas que, nos moldes impressionistas, so calcadas no fluxo de conscincia e nas anlises psicolgicas, ou as que optam por uma forma de realismo maravilhoso ou de fico-ensaio.

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Alm

das

caractersticas

acima,

podemos

encontrar

os

componentes bsicos de um romance: o enredo, as personagens, o espao, o tempo e o ponto de vista da narrativa, como expostos no trabalho. Finalmente, esse ensaio que um romance reflete a quebra com o rotulado que o narrador-autor busca.

Intertextualidade H vrias intertextualidades na obra. Uma delas com Ilada:...a i n d a f oi ca pa z d e re c or da r o q ue H om e r o es c r e ve u n a I la d a, p oe ma da m or te e d o so fr i me n t o, ma i s d o q ue t od os.. . ( p. 3 6 )

H intertextualidade com o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade:Fe z c o m o e u, pe n s ou a mu l he r d o m d ic o , d eu- l he o lu ga r m ai s p r ote gi d o, b em f r a ca mu r al h a s ser a mos , s u ma pe dr a n o me i o d o c a mi n h o .. . ( p. 6 3) De u ma da s ca i x a s de rr am a va - se u m l q u i d o b r a n c o q ue le nt a me n t e se ia a pr ox i ma n d o d a t oa l ha d e sa n gu e , p or t od os os vi st os de v i a ser le i te , u ma c oi sa q u e n o e n ga n a. ( p.. 9 1 )

O primeiro excerto se relaciona com o poema No meio do caminho, publicado no livro Alguma Poesia, de 1930:N o m ei o d o ca m i n h o t i n h a u ma pe d ra Ti n ha u m a pe dr a n o me i o d o c a m i n h o Ti n ha u m a pe dr a N o me i o d o c a mi n h o ti n ha u ma pe d r a N u nca me e sq u e cer e i de s se a c on te ci m e nt o Na vi d a de m i n ha s r et i n as t o f at i ga da s. N u nca me e sq u e cer e i q u e n o me i o d o c a mi n h o Ti n ha u m a pe dr a Ti n ha u m a pe dr a n o me i o d o c a m i n h o N o me i o d o c a mi n h o ti n ha u ma pe d r a.

J a segunda citao mostra intertextualidade com o poema do mesmo autor chamado Morte do leiteiro, publicado no livro A Rosa do Povo, de 1945. Aqui est um trecho:

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Da ga r ra f a e st il h a a d a, n o la dr il h o j ser e n o esc or r e u m a c oi sa e s pe ssa q ue l ei t e, s a n gu e. .. n o se i. P or e n tr e ob j e t os c on f u sos , ma l r e di m i d os da n oi t e , d ua s c or e s se pr oc u r a m, sua ve m e nt e se t oca m , am or o sa me n te se e nl a a m, f or m a n d o u m t er c eir o t o m a q u e c h a ma m os a ur or a.

Isso mostra a fora da poesia modernista no Brasil, reconhecida no exterior. H, finalmente, intertextualidade com a Bblia:

...i ma g i n e- se a s or te q u e s er i a sa ber al gu m a B b li a de c or , r e pe t a m os t u d o d e s de a cr ia o d o mu n d o. . . ( p. 1 1 0)

Fato que revela que o narrador-autor conhece o que exposto em tal livro, apesar de ser ateu.

Consideraes Finais Aprendemos que a histria da humanidade e o universal so mostrados por meio do particular da cultura portuguesa em Ensaio sobre a cegueira. Foi possvel experimentar o modo inteligente e criativo pelo qual a obra construda, algo nada visto na histria da literatura anteriormente. Verifica-se, ento, que Saramago um gnio admirvel da cultura portuguesa e sua obra deve ser amplamente explorada e lida. necessrio abolir o individualismo exacerbado e considerar a sociedade como um todo, passar a ver o inteiro, e no o incompleto. Aprendemos, finalmente, a deixar de ver o mundo de uma maneira prconcebida.

REFERNCIAS SARAMAGO, Jos. Ensaio sobre a cegueira. So Paulo: Companhia das Letras, 1995. SOARES, Anglica. Gneros Literrios. Ed. tica. Srie Princpios. 1989.

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PLATO, Francisco e FIORIN, Jos L. Lies de texto: leitura e redao. So Paulo: Editora tica, 1997. CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionrio de smbolos. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1993. ABDALA JNIOR, Benjamim. Introduo anlise da narrativa. So Paulo: Scipione, 1995. ANDRADE, Carlos D de. A Rosa do povo. Rio de Janeiro: Record, 2006. MARX, Karl e ENGELS, Friederich. Manifesto do partido comunista. So Paulo: Martin Claret, 2003

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AO VERME QUE PRIMEIRO ROER AS FRIAS CARNE S DO MEU CADVER, DEDICO, COM SAUDOSA LEMBRANA, ESTAS MEMRIAS PSTUMAS. - UMA ESTTICA DA (DE S)E SPERANA EM MACHADO DE ASSIS.Pa u l o C sa r CE DRA N*

Resumo: O objetivo desta comunicao discutir os aspectos socioculturais que influenciaram Machado de As sis ao trabalhar na construo da esttica da desesperana, a partir da obra Memrias Pstumas de Brs Cubas. O autor, ao introduzir o personagem morto, Brs Cubas, apresenta a possibilidade de produzir uma crtica fora de alguma relao com a sociedade e para a prpria vida, feita a partir da crueldade do pessimismo; uma alternativa crtica sociedade brasileira, no final do sculo XIX, por meio do desenvolvimento da teoria do Humanismo pelo personagem, o filsofo Quincas Borba. Existe uma viso caricaturada de um propsito positivista que inspirou o nascimento da Repblica Brasileira. Um paralelo entre os personagens do livro Memrias Pstumas de Brs Cubas pode ser traado com a condio de um extremo individualismo e falta das utopias da sociedade ps-moderna. Palavras-chave: C rticos literrios ; Esttica da (ds)esperana; Sociedade e economia no final do sculo XIX; Crtica machadiana; esttica e literatura em Machado de Assis. "TO THE WORM WHO FIRST GNAWED ON THE COLD FLESH OF MY CORPSE, I DEDICATE WITH FOND REMEMBRANCE THESE POSTHUMOUS MEMOIRS." AN AESTHETIC OF HOPELESSNESS IN MACHADO DE ASSIS. Abstract: The aim of this communication is to discuss the socio-cultural aspects that influenced Machado de Assis work in the creation of a hopelessness aesthetic from the work The Posthumous Memoirs of Bras Cubas. The author, by introducing the dead character Bras Cubas, presents the possibility of producing a criticism regardless of any relation with the society and life based on the cruelty of pessimism, an alternative critic to the Brazilian society at the end of the nineteenth century and develops the theory of Humanism by the philosopher character Quincas Borba. There is a caricatural view of a positivist purpose that inspired the birth of Brazilian Republic. A parallel between the characters in The Posthumous Memoirs of Bras Cubas may be traced with the condition of extreme individualism and absence of utopias in the post-modern society.*

Mestre em Sociologia. Doutor em Educao Escolar pela UNESP/Araraquara, Supervisor de Ensino da Diretoria de Ensino Regio de Taquaritinga, Docente do Centro Universitrio Moura Lacerda de Jaboticabal e da UNESP de Taquaritinga. E-mail: [email protected]

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Keywords: Literary critic; Hopelessness aesthetic; Society and economy at the end of the nineteenth century; Machadian criticism; Aesthetic and literature in Machado de Assis.

Introduo: Bem ao estilo machadiano, a comemorao de seu centenrio de morte deveria suscitar em seus crticos e analistas uma preocupao no somente com os aspectos apenas estticos de sua obra ou a corrente literria que o autor transitou, mas, aos exemplos de sua cida crtica sociedade do sculo XIX, que se esforava para alar patamares de uma civilizao alter ego da Europa industrial, que da fachada apenas retomaria uma pres ena modernizadora, marcada por um processo de modernizao conservadora na definio dada ao tema por Simon Schwartzman. A pretenso um tanto audaciosa deste artigo procurar identificar os principais aspectos presentes na obra de Machado de Assis, no sentido de construir o que chamamos de uma esttica da desesperana, que a nosso ver marcou profundamente sua concepo criadora, principalmente a partir da publicao de sua obra Memrias Pstumas de Brs Cubas, extensamente analisada por Roberto Schwarz. Assim, nossa preocupao ser traar um paralelo entre os aspectos de sua crtica social na correlao com os personagens presentes em sua obra literria. Essa atualidade da desesperana, presente na obra de Machado, no nos permite furtar suas observaes de uma sociedade brasileira arcaica, que se traveste de moderna mas, profeticamente, permanece, na essncia, inalterada, para infelicidade de Machado e da maioria, se assim podemos dizer de seus membros.

Vivenciando as mudanas na sociedade brasileira Situando Machado de Assis em seu perodo histrico, poderemos traar as caractersticas de sua poca e verificar que o Brasil, sob o aspecto sociopoltico-econmico, no era o mesmo que o viu morrer. A queda do imprio, o surgimento da repblica, o fim do trfico negreiro e depois da prpria escravido marcaro um perodo de transio econmica que culminar com a revoluo de 30 e passagem de 36

um Brasil agrrio, centrado na produo exportadora, para um B rasil prestes a comear um ciclo econmico baseado na industrializao (1930 -1945), sem, contudo, resolver os graves problemas de desigualdade cultural e poltica do pas. Assim afirma Lajolo, lembrando o grande processo de transio, que mesmo tendo garantido a queda do imprio e o incio da Repblica, pouco representou sobre o aspecto sociopoltico do pas.Ma s, a t oc or r er a A b ol i o, f or ta le c e u- se o ca f , ou tr o ca p t ul o d e n oss a ec on o mia , q u e c o m e a va a da r l ucr os al t os , ma i or e s d o q u e os da ca na . E o c af n o e r a mo vi d o pe l o br a o esc r a v o: era p l a n ta d o e c om er cia li za d o em b a se s

di f er e n te s, ma is m od er n as, de per f il ca p it a li s ta . N o b a sta va ter ter r as par a pla n ta r : e ra pre ci s o t a mb m d i n he iro , d i n he ir o par a c omp r ar m ai s te r r a s e m q ui n a s, p ar a a g e nt a r os a n os de cr e sci m e nt o d a p la n t a, p ar a e st oc a r . Pa r a p od er l e var o pr od u t o a os p or t os . Foi q ua n d o a I n gl a ter r a f i n a nc i ou o ca f br a s ile ir o. E at h o je n o pa ga m os a d vi d a, a f a m osa d vi d a ex ter n a ... De p oi s ve i o a Re p b lic a e t u d o f i c ou c om o d a n te s. O Br a s il c on t i n ua va s e m i n d str ia , i mp or ta n d o o q ue c on s u mi a . E c on ti n u a va ta m b m de pe n d e nt e , copiando as m od a s

eur op i a s, m od a s s v ez e s l i be r a i s e s u b ver si v a s, c om o a s id i a s da Re p b l i ca. O Im p r i o, n o se u i nc i o , se r vi a a os i n te re sse s d o a c ar i n ter es se s c o n se r va d o r e s, q u e f a v ore cia m os q ue j e s ta va m n o p od e r . J os f a ze n d e ir os d e ca f p r ec i sa va m d ef e n der os se u s i n te r e sse s, pr ec i sa v a m d e n o va s l ei s, de u m n o v o m o d el o p ol t ic o. P r ec i sa va m, e nf i m, d a s r de a s d o p o der . ( LA JO LO , 1 9 8 1, p p . 1 0- 1 1)

E como reafirma Alfredo Bosi:

D oi s e x e mpl os f or te s b as ta m : Ma c ha d o d e A s sis e Cr uz e So u sa, o ma i or r om a n c i sta e o ma i or p o e ta d o s c ul o X I X br a si le ir o, pr o va ra m, n os se u s a n os de i n f n cia e

ad ol e sc nci a, os a l t os e b ai x os de ssa c on d i o de af i l ha d os

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se m a q ual , d e r est o , d i f ic i l me n te t er ia m va r a d o a s b ar r e ir a s da p e l e e d a c la sse. ( B O SI, 1 9 9 2, p . 2 6 6) .

Essas novas leis ou novos modelos sero alvos importantes de Machado de Assis nos agitados anos 80 do sculo XIX, sob os quais o autor escrevera as clebres crticas em jornais e revistas cariocas a partir de 1858, publicando contos, crticas literrias e teatrais.

A Familiaridade com os livros A peculiaridade desse mulato de nascimento pobre seria marcada por uma caracterstica que o mesmo em sua obra criticar como um dos sinais de atraso presentes na sociedade brasileira do sculo XIX, ou seja, a caracterstica do apadrinhamento, lembrando a crtica de Raimundo Faoro e Srgio Buarque de Holanda, como referncia ao patrimonialismo lusitano reforado em nossas terras. Alm de seus esforos e inteligncia, seus padrinhos ricos e influentes, do batismo, aproximaram-no de intelectuais jornalistas que lhe deram as primeiras oportunidades. Assim diz Lajolo:A pr ot e o de u m pa dr i n h o q u e e l e n o t i ve r a na in f nc ia a par ec e u a os de ze ssei s a n os : Pa u la Br i t o, d on o de u ma ti p o gr af i a e l i vr a r ia , que p u bl ic ou na Mar mo t a

Fl u mi ne n se o p oe m a E la . Do i s a n os de p oi s , o me s m o Pa u l a Br i t o c on t r a t ou se u pr ot e gi d o p ar a t ra b al har e m s ua l o j a : Mac ha d o c orr i gi a or i gi na i s, f az i a r e vi s o d e te xt os e, n as h or a s va ga s, tr a ba l ha va c om o ca i xe ir o, ve n d e n d o li vr os . A pr e se n a c o n st a nt e d e Ma c h a d o n o a mbi e nt e da li vr ar ia f a ci l i t ou - l he os c ont a t os te i s c om ge n te i m p or ta nt e . E f oi e st a ge n te, p or sua ve z, q u e l he a br i u n o va s p or ta s, da n d o- l he op or t u ni da d e de c on t i n ua r a p u b lic a o de se u s esc r it os e m vr i os jor n a is e r e vi s ta s. Ma c ha d o v ai t e mp e r a n d o a m o e ac er ta n d o o pa s so. C ome a a ger m i nar o f ut ur o a u t or de Me m r ia s P st u ma s. ( LOJO LO , 1 9 8 1, p. 1 5) .

A objetividade presente na obra Memrias Pstumas de Brs Cubas marcar uma das principais formas de expressar o mundo: o

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realismo-materialismo,

fundamentado

na

reproduo

objetiva

das

caractersticas observadas na realidade, tentando eliminar a s ubjetividade do autor, que atuaria como dissimulador da realidade. Como afirma Faraco e Moura:Foi u m a p oca m ar ca d a pe la c r e n a n o pr o g r ess o da ci vi li za o i n d us tr i al e me c n ic a. Se gu n d o o e s cr it or f r a n c s Fla u b er t de p oi s da f al n cia de t o d o s os i de a i s, d e t od a s a s ut o p ia s, a t e n d nc ia a g or a ma n t er - se d e ntr o d o c a m p o d os f at os e d e n a da ma i s d o q ue d os f at os . ( FA R AC O; MO U RA, 1 9 8 6, p . 1 6 1)

A Esttica da desesperana A crena na civilizao e no progresso industrial, sob clara influncia do positivismo comtiano, ser interpretada de forma peculiar por Machado de Assis, sob o aspecto que denominamos esttica da desesperana. Ao mesmo tempo em que seus romances da segunda fase marcam sua principal incurso no mundo literrio, que mesmo sob a influncia do realismo-naturalismo no deixa de fazer dessa percepo realista e crua das principais contradies da sociedade brasileira a referncia, via ironia, de sua esttica da desesperana, ou seja, ao desvincular os personagens presentes na obra Memrias Pstumas, por exemplo, em especial o prprio morto-narrador, Machado de Assis descreve a descrena como o elemento ao mesmo tempo desarticulador de um processo que pretensamente nenhuma mudana substancial atrair a condio social e econmica que ao mesmo tempo poderia,

dialeticamente falando, servir como principal referncia de uma reflexo aguda a uma sociedade que precisava mudar. Assim, Raymundo Faoro lembra que a obra de Machado de Assis desfaz uma iluso secularmente repetida: que o Brasil, no sculo XIX, seria a aristocracia rural, dona do acar e depois do caf, senhor de terras e escravos, formando os polos dinmicos da sociedade, e complementa:

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Ao l a d o da n ob r ez a r u r al , de sde a pr i me ir a f or m a o br a si le ir a , na sc e u e cr esc e u u m a ou t r a c la s se , de c ome r c ia n te s e d on os de c a pi ta is . C la sse a q u is it i va ou e spe c u la d or a , q u e s e ex p a n di u e m c orr e la o c om a cl a ss e p r op r ie t r ia, vi nc u la d a ao m er ca d o , h er de i r a dos c a pit al i sta s p or t u gu e s e s,

r esp o n s ve i s p e l os f or ne c i me n t os d e es cr a v os , e q u i p a me n t os e ca pi t ai s p a r a i nst i t uir os e st a be lec i me n t o s r ur ai s e a d q u ir ilh e s os pr od u t o s. V e n d ia a os pr op r ie t r i os , os be n s

ne ce ssr i os p a r a a pr o d u o, a cr di t os lar g o s, a d q uir i n d olh e s o a ca r, de p oi s o caf , ba se d e gra n de s f or t u na s ur ba n a s. D es sa cl a sse de c om er c ia n te s, tr af i ca n t es de e scr a v os e ba n q u eir os q ue sae m os C o t ri n s ( Me m r i as p st u ma s) , (. ..) ( FA O RO, 1 9 7 6, p. 2 3) .

essa classe aquisitiva ou especuladora, sobre a qual Machado direcionar sua crtica, que leva Faoro a afirmar que em muitos casos o domnio rural se converte em domnio urbano, sem alterao de classe. Assim Faoro resume a contradio do Segundo Reinado, quando afirma:

Est e o q u a dr o d o i de a li s m o d o Se gu n d o R e i na d o, c om s ua s fe i e s s oc ia i s e p si c ol gi ca s. Mu it o a mo r ve r b al a os pr i nc p i os , l ou v or es s c ou sa s a b st r a t as q ue , tr a d uz i da s na r eal i da de d o d ia, r e vel a m- s e i nc a pa z es d e a o. ( FAO R O, 1 9 7 6. p . 1 6 9) .

Esse recurso, portanto, pode ter confundido muitos de seus leitores a ponto de no conseguir identificar em sua obra esses aspectos dialticos que o tornaram referncia crtica quanto s questes de ordem social. Assim como afirma Jos Verssimo: s a incompletude de

compreender a natureza, to firmemente articulada, como a nobreza desses sentimentos, poderia reprov-los. Verssimo identifica que a esquisita nobreza desses sentimentos torna-se referncia essencial da crtica que Machado construir e demonstrar em seus romances, e complementa:

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O e sse nc ia l a al m a d o h o m e m. E ste f i n al c om pe n d ia a es tt ic a de Ma c ha d o d e Ass i s. P oe ta ou p r os a d or , el e se n o pr e oc u p a se n o da a l ma h u ma na. E n tr e os n oss os e scr it or es , t od os ma i s ou me n os a te nt os a o pi t or e sc o, a os a s pec t os ex te r i or e s da s c oi sa s, t od os pr i n ci p al m e nte d esc r it i v os ou em ot i v os , e m u it os re su m i n d o n a d e scr i o t od a a su a ar t e, s p or i ss o se c u n dr ia, a pe n as e le v a i al m e ma is f u n d o, pr oc u r a n d o, sob as a par nc i a s de f c il c o nt e mpl a o e

i gu al m e nt e f c il r el at o, d e sc ob r ir a me sm a es s n cia da s c oi sa s. ( VE R SS I MO, 1 9 6 3, p p . 3 1 0- 3 1 1) .

Essa alma dos homens, que Machado buscar em seus personagens, critica, a nosso ver, carregada pela influncia constante das condies socioeconmicas de sua poca, a gestao da oposio dialtica assumida por Marx na obra Manuscritos Econmicos e Filosficos.A s oc ie d a de n o tr a n sc e n de a e x pr e ss o c ol e ti va d os in d i v d u os . Or ga n iza - se c omo u ni ve r s o f ei t o d e cer t e za da s c oi sa s q ue d e se ja, de op es r ea li za da s q u e t u d o j est as se n t a d o su s t m a f ac e de i m u ta b i l i da d e - , d e ca mi n h os e pr e te n s e s a b sol u t a me nt e d ef i n i d os . De s sa ma ne ir a , a

c ole t i vi d a de de f i ne- se p or me i o de u m p e n sa me n t o t ot al it r i o, am ea a d or a m e nte an i q ui li a n d o ou c o e r cit i v o d e sf ib r a n d o p ar a e ve n t ua i s di s si de n te s, f u n da s.

ve l ei d a de s

ma i s

( SA N CHE Z, 1 9 8 2, p . 4 3 ).

O que na verdade Jos Verssimo perceber que Machado apontou com segurana pontos fracos e deslocados das correntes literrias vigentes no pas; entretanto, sem ter feito o ofcio da crtica, lastimou essa falta como um dos maiores males da nossa literatura. Aceitando o desafio proposto por Jos Verssimo, ao final de sua obra Roberto Schwarz props em seus ensaios Ao vencedor as batatas e Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis, publicados pela livraria Duas Cidades, uma das mais profundas anlises da relao literatura e sociedade presentes na obra de Machado de Assis. Essa densa leitura de Schwarz nos apresenta como principal referncia o conceito de ideias fora do lugar. Sem entrar na polmica de que se essas ideias que

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fundamentavam a ordem poltica e social do pas estavam ou no fora do lugar e sobre qual contexto, procuraremos identificar nesse processo como a chamada esttica da desesperana a se constitui e como s ua influncia marca a cultura poltica de nossa sociedade. Assim Schwarz situa a singularidade de Machado de Assis na definio de nosso contexto sociopoltico e econmico, citando:La s tr e a d o pel o i nf i ni t o d e d ur ez a e de g r a da o q ue esc on ju r a va ou s e ja a e scr a vi d o, de q u e a s d ua s par te s be n ef i c ia m a t i m br a m e m se d if er e n ar e st e r ec on he c i me n t o de u ma c o n v i v n c ia se m f u n d o, m u lti p li c a d a, a i n d a, pe la ad o o d o v oc a b ul r i o b ur gu s d a i gu a l da d e, d o m ri t o, d o tr a ba l h o, da r a z o. M ac ha d o de A ssi s s er me s tr e ne s te s me a n dr os. C on t u d o, ve j a - se ta m b m ou tr o l a d o . Im er s os q ue es ta m os, ai n d a h o j e, n o u n i ver so d o Ca p ita l, q ue n o c he g o u a t om ar f or ma c l ss ic a c om o no Br a s il, t e n de mo s de sva n t a jos a a ve r p ar a est a n s,

c om b i na o

i nt eir a m e nt e

c om p ost a s d e d ef e it o s. V a nta ge n s n o h d e te r ti d o; ma s par a a pr e c iar de vi d a me nt e a s u a c om p l e xi da d e c on s i der e- se q ue a s i di a s da b u r g ue sia , a pr i nc pi o v ol t a d as c on t r a o pr i vi l gi o, a p a rt ir de 1 8 4 8 se ha vi a m t o r na d o a p ol o g tic a: a va ga d as l u ta s s oc i ai s na E ur op a mos t r ar a que a

u ni ver sal i da d e d i sfa r a a n ta g on i s m os de c la s se . P or t a nt o, p ar a be m l h e r e t er o ti m br e id e ol gi c o pr ec i so c o n si d er ar q ue o n oss o di sc u rs o i m pr p r i o er a oc o t a mb m q ua n d o u s a d o pr op r i a me n te. N ot e- se , de p as sa ge m, q ue e ste pa dr o ir i a r ep et ir - se n o s c. XX, q ua n d o p o r v r ia s v eze s jur a m os , cr e nt e s de n oss a m od e r n i da de, s e gu n d o a s i d e ol o gi as ma is r ota s d a ce na mu n d i al . P ar a a lite r a t ur a, c om o ver e m os , r esu l ta d a u m la bir i nt o si n gu l a r , u ma es p c ie de oc o de n tr o de oc o. A i n da a q u i, Ma c h a d o se r me str e . (S C H WA R Z, 1 9 8 8 , p. 1 9) .

Esse momento que caracterizava o contexto brasileiro, de que nossas ideias esto fora de seu lugar, ou seja, esse condicionamento da vida social, poltica e espiritual que alimentar em Machado de Assis essa esttica da desesperana, a ponto de nos dar a impres so de que

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pouca ou nenhuma alternativa de transformao estaria presente quando desvinculada da crueldade e sordidez de muitos de seus personagens. Faoro complementa:

Mu n d o d e br i nca d eir a, s tir a se m c o m p r omi ss o c o m a r eal i da de , me r o e s pe t cu l o l d ic o d o a b s ur d o? A r et r ic a , car ne da op i n i o da o pi n i o q u e c o ma n da os h om e n s te m u m p a pe l ma i s pr of u n d o n es se m u n d o d e r ef le x os e de ap ar n c ia s. E la e s t e m l u gar da s e st r ut ur a s s oci a i s e da s f or a s q u e c on st r oe m a hi s t r i a. A i m a ge m de sf i gu r a o f a t o e o ac on t e c i me n t o; o t e ci d o da s p al a vr a s s u b st it u i as i d e ol o gi a s e as i d ia s q ue tr a d u ze m ou e v oc a m a s c or re n t es d os s uce s sos h u ma n os. N u m di a d e n o ve mbr o n o r u i u o I mp r i o ne m na sc e u u ma R e p bl ic a . ( FA O RO, 1 9 7 6, p. 1 7 7) .

Esse conceito de Faoro, de que a imagem desfigura o fato, refletese no prprio processo de desagregao do Imprio e formao de nossa Repblica, numa esttica da desesperana que Machado cita em Esa e Jac apud Faoro:De se jo de m u d a na , ha b i l i da d e par a su b j u ga r os

ac on t e ci m e nt os , t u d o s o b a i n s p ir a o da so rte . A d a n a d os mot i v os e d a s pa i x e s se e x pr e s sa c om a pa la vr a t or nea d a , som b r a d o f a t o a b sur d o, de u m mu n d o e m q ue a f r ase r e ve la a au s n ci a de se n ti d o. ( FAO RO , 1 9 7 6, p. 1 7 8)

A nosso ver, seria essa desesperana que deveria provocar no leitor uma sensao de enfrentamento com a prpria obra, a ponto de gerar uma sensao de aguda crtica sociedade aristocrtica e burguesa e seus desmandos no pas e no mundo. Esse esprito mais crtico, citado por Jos Verssimo ao analisar a obra de Machado de Assis, identificado tambm no romance

Ressurreio, onde Verssimo lembra:Ao i n v s, de c lar a da me n te, a p on t a va a ou t r a c oi sa q ue o r oma n ce de c os t u m es. O i nt er e sse do li vr o er a

de li b e ra da m e nt e p r oc ur ad o n o e sb o o d e u ma si t ua o e n o

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c on tr a st e de d oi s c a ra c t er e s. A le n car , c o m C i n c o m i n ut os , A Vi u vi n h a ( 1 8 5 6) , a l i s si mple s n o ve la s, Lu c ola ( 1 8 6 2) e D i va ( 1 8 6 4) , e me sm o Ma n oe l de A l me i da , c o m o Sa r ge n t o de

Mil c i a s ( 1 8 5 7) , p od e m em ri g or cr on ol gi c o se r c on s i der a d os os pr ec ur sor es d o n oss o r oma n c e da vi d a ur ba n a o u m u n da n a , da p i nt ura de c ar a cte r es e si t ua e s em q ue e s te s se

en c on t r a m e d ef i n e m, ou me sm o d o r oma n ce q ue a o t e m p o ai n da se c ha m a va de f i s i ol gi c o e q u e de p oi s se c h a ma r ia d e p si c ol gi c o. ( VE R SSI MO, 1 9 6 3, p p. 3 1 2- 3 1 3) .

Essa situao de contraste de dois caracteres seria em essncia a influncia da prpria concepo dialtica presente em sua obra. Assim:[ . ..] C om o o q ue o s ob r et u d o l he i nt er e ssa a al ma da s c oi sa s e d os h ome n s, ela q u e el e pr oc ur a e x pr i mir e q ue ger al m e nt e e x pr i me c o m i n si gn e e n ge n h o e a r te . Ai n d a e m al gu m ti p o, e pi s di o , ou ce na de p ur a f a n t a sia , n u nc a a f ic o de Mac h a d o de A s si s a f r on t a o n os s o se n so da n ti m a r eal i da de . A s si m , p or e xe mp l o, ne sse c on t o ma gn f ic o O Ali e ni s ta ou ne s sa ou t r a ji a C on t o Al e xa n d r i n o, c om o n a ad m ir ve l i n v e n o de Br s C u ba s, e t od a s a s ve z e s q u e a s u a r ica i ma gi n a o se d e u la r g a s par a f or a d a r e ali d a de vu l gar , sob os a rt if ci os e os me sm os de s ma n d os da f a nt as ia, se n ti mos a ve r da de e sse nc ia l e pr of u n d a d as c oi sa s, p od e r a mos

ch a mar - l he u m r ea li st a su pe r i or , se e m l i ter a t u r a o r ea li sm o n o ti ve ss e se nt i d o def i ni d o. (V E R S SI MO, 1 9 6 3, p . 3 1 3 ).

Jos Verssimo observa :As Me m r ia s P s t u ma s de Br s C u ba s s o a e p op i a d a ir r e me d i ve l t ol i ce h u ma n a, a s t ir a da n oss a i n cur ve l il u s o, f eit a p or u m def u n t o c om p le ta m e nte d e se n ga na d o d e t u d o. [ ...] Mas a h u ma n i da d e, a soc i e da de, a ssi m f eit a e n o h r e vol t ar - n os c on t r a e la e me n os q u er - la ou t r a . A vi d a b oa , ma s c om a c on d i o d e n o a t om ar m os m u i t o a s r i o. T al f il os of i a d e B r s C u b a s, de c i di d a me n te h ome m de m u it s si m o es p r i t o. E l e vi ve u q ua n d o p de , se gu n d o e st e s eu pe n sa r , e se c om se u p es si mi s mo c o nf o r m a d o e i n d u l ge nt e n o s e a c h ou l ogr a d o a o c h e ga r a o ou tr o la d o d o mi st r i o , f oi p or q u e

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ver if i c ou

um

p e q ue n o

sa l d o

no

b a la n o

f in al

da

s ua

ex p er i nci a. N o t i ve f i lh os , - e sc r e ve u na l ti ma p g i n a da s sua s Me m r ia s, - n o t r an s mit i a n e n h u ma cr i a tu r a o l e ga d o da n os sa mi s r i a. ( VE R SS I MO , 1 9 6 3, p. 3 1 4 ) .

Schwarz lembra que:Ao l on g o d e sua r e pr o d u o soc i a l, i nca n sa ve l me nt e o Br a s il p e e r e p e i d ia s e ur op ia s, se mp r e e m se nt i d o i mp r pr i o. n es ta q u a li d a de que e la s ser o ma tr ia e

pr ob l e ma p ar a a l e it u r a. O e scr it or p od e n o sa ber d i ss o, ne m pr e ci sa, par a us - l as. ( S CH W A R Z, 1 9 8 8 , p. 2 4) .

Sero esses as pectos que Schwarz procurar identificar na anlise de Memrias Pstumas de Brs Cubas. Amauri M. Tonucci Sanchez nos lembra, em Panorama da Literatura personagens desesperana, no Brasil, ao apresentar, o que resumidamente, de uma traos esttica dos da

que ou

compem seja,

chamamos de pouca

personagens

grandeza,

egostas,

incrdulos e cticos, cuja figura maior seria representada pelo prprio Brs Cubas, quando Sanchez diz:

A ex i st nci a , p ar a a ma i or par te da s p er son a ge n s, ja m ai s i mp l icar i n ve n o n e m me s m o sol i c i tar q ua l q uer t ra o de gr a n d ez a , q ua l q ue r a n se i o q ue se te n h a cr ia d o d a ne c e ssi da de de tr a n s ce n d n cia . O de sti n o d e ss as cr i at ur a s se r q ua se f ata l me n te o me s mo, ma nt i da s a s dif er e n as de c la ss e, a ma i or ou me n or e x t e n s o d as am bi e s d e c a da u m, a int e l i g nc ia ma i s ou m e n os a c ur a d a de q u e se ja m d ot a d a s. Ca rr e ga r o c om o um fato ur di d o pe la s te n d n ci as soc i ai s, q ue

ale g r e me n t e s u p or t a m se

s o a t e n di d a s s u as s ol ic it a e s

ma ter ia is , a s q ue su sc ita m u m g oz o e pi dr m ic o. E a i ss o r ed u z- se su a e sfe r a d e vi da. A i n da a s si m , e m Me m r ia s P st u ma s d e B r s C u b as, sa b e m os q ue a n i c a c oi s a a q ue as p ir a m, n o ob st a nt e t od a a me d i ocr i da de e a me sm ic e, vi ve r ma i s al gu n s a n o s, c o n f or m e su p li c a o pr ot a g on i s ta Nat ur ez a . ( SA N C HE Z , 1 9 8 2, p . 4 4) .

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Essa

viso

confusa

da

natureza,

que

a

nosso

ver

poderia

representar uma conformidade com a mediocridade da condio humana diante da condio social nascente de base capitalista, representava, tambm, a possibilidade de se desenvolver, por meio dessa mesma esttica da desesperana, a crtica possvel para uma sociedade centrada em ideias descentradas, ou seja, fora do lugar. Assim, se as ideias esto fora do lugar, os prprios personagens estariam, esteticamente, fora do lugar, se nos referenciarmos a uma tica ou moral, fundamentada no conceito de civilizao e progresso da moderna sociedade capitalista. Assim identifica Schwarz:

Ao tr a n s p or

pa r a

o es ti l o as r ela e s s oc iai s

q ue

ob se r v a r a, ou se ja , a o in te r i ori zar o pa s e t e mp o, Mac ha d o c om p u n h a u ma e x pr e ss o da s oc ie d a de r e al, s oc ie da d e

h or r e n da me n te di vi d i d a , em sit ua o mui t o par ti c ul a r , e m par te i n c on f e ss ve l, n os a n t p od a s da p tr i a r om nt ica .

( SC HW A R Z, 1 9 9 0, p. 1 1) .

A essa figura do problema inconfessvel, a desesperana como ponto de referncia, recorre Machado de Assis, ao traar a realidade da sociedade de seu tempo.As s i m o es c n da l o da s Me m r ia s e s t e m su j ei tar a ci vi li za o mod e r n a v ol u b il i da d e. O s as su n t os p od e m se r os ma i s di ve r sos , ma s o e f e it o d a pr osa e st e. I n si sti m os na osc ila o va l o r a t i va q u e r e s ul ta d a, sob r e t u d o n a c on ve r s o da s u pr e mac ia e m d i mi n ui o . ( S C H WA R Z , 1 9 9 0, p . 5 4) .

Essa volubilidade aparecer em Brs Cubas e, segundo Schwarz, estar na base de um de seus principais pontos para rir do leitor. Como princpio formal, caracterizar a volubilidade brasileira, ou seja, o antagonismo de classe presente em nossa sociedade como chave para compreender como Machado de Assis constri seu estilo.

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Ass i m c on d e n a o l ib e r a l da s oci e da de br as ile i ra , es tr i de n te e i n c ua, so ma - se a su a ju st i fi c a o pe la pie d a de d o v nc u l o f a m il iar , c u ja h i p ocr i sia ou tr a e spec ia li da d e ma c ha d ia na. C on d e na o e j u stif ic a o c on t r i b u em i gu a l me n te par a o c on c er t o d e v oz es i na c e it ve i s e m q u e c on s i st e e st e r oma n ce. (S C H WA R Z, 1 9 9 0, p . 6 8) .

Dessa forma, veremos que Machado de Assis apresentou o que fora o liberalismo brasileiro, ou seja:

A c on t i n ui da d e d o e scr a vi s mo n a t ur a l me n te l he s an u l a o cr di t o, ca u sa n d o do a c o n h ec i da do i m pr e s s o S e gu n d o de f ar sa , No

car a c ter st ica

Li b e r ali s mo

Re i na d o.

en ta n t o, a ir on i a da s Mem r ia s n o se l i mit a a de n u n c ia r es te as pe ct o d a q ue st o. ( SC HWA R Z, 1 9 9 0, p. 1 1 6) .

Diante desse quadro de falncia das ideias, Machado de Assis posicionou-se. Assim Schwarz descreve:Tr a ve st i d o de f i gu r o, ma s r a d ica l me n te c o mp en e tr a do se ja d a p er s p ec ti v a d os de p e n de nt e s, se ja da n o r m a b ur gu e s ia eur op i a , Ma c h a d o se a pl ica va a ob s er va r e i n ve n tar

de se m p e n h os c ar ac te r i stic a me n te la me n t ve i s l uz de st es p on t os de vi sta . Os r e s ul ta d o s s o ver d a de i r os e xer c c i os na ar te da t r ai o de c l as se. Com as d if er e n as do c as o,

le m br e m o s a f r mu l a d e Wa lte r Be n ja m i m, se gu n d o a qu al Ba u d e la ir e s er ia um a ge nt e s ec r e t o um a ge nt e da

in sa t isf a o se cr eta de s ua cl as se c om a p r pr i a d omi n a o . Re t om a n d o u m a r gu me nt o a n ter i or , di ga m os q ue pel a s ua c om p le i o f or ma l o B r s C u b a s n o a c om od a va a o p ar c o hi st ri c o de na ci on a l i sm o, il u str a o e e li te , e m ai s, l he ex p u n h a a d i me n s o i de ol gi c a e os f u nc i on a me nt os c la s si s ta s ( ai n da q ue s e m de n o m in -l os, i st o , se m o br i gar a o se u r ec on h e c i me n t o) . ( S CH W AR Z, 1 9 9 0, p p . 1 7 8- 1 7 9) .

Essa insatisfao presente na esttica da desesperana ser o eixo condutor de sua procura pela ruptura que se dar pelas negativas presentes no final da obra, como um protesto quase que solitrio de

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Machado de Assis, alter ego de Brs Cubas, quando diz: No tive filhos, no transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa misria. (SCHWARZ, 1990, p.191).

P or t a nt o, a o e sc re ver u m r oma n ce d o se u t e mp o e d o se u pa s, c om r ec ur s os d o s c ul o a nt er i or , Mac h a d o b l oq u e a va a f u s o r om n t ica d o i n di v d u o n o c ol e ti v o e na te n d n c i a hi st ri ca, bar b ar i d a de m od e r na e r e gr es si va e x p li ci ta me n t e vi sa da na cr t ic a a o H u ma n it i sm o, pa r a o q ua l a d or i n d i vi d u a l n o e xi ste . Ap e sa r d o g o st o pe l a p e r f dia , p e l o e st a paf r d i o ou p el a ch ar a d a , os e n c a de a me n t os q u e oc u p a m o pr i m e ir o pl a n o d a pr osa s o f c ei s de se gu ir e e x pl ic ita r . P ar a e n t en d - l os ba st a n o l h es per d er d e vi sta a c ha ve u ni ve r sal , a vol u b il i da d e d o nar r a d or e a s s ua s de m an d as , a nt i rr a z o vei s e a nt ir r e al i sta s p or n at ur e z a. ( S C H WA R Z, 1 9 9 0, p. 1 9 5).

Diante

desse

percurso,

procuramos

apresentar

algumas

caractersticas do que se denomina, em Machado de Assis, volatilidade de nossas instituies polticas e sociais, bem como a ausncia quase que completa de uma cultura poltica pautada numa concepo dialtica e histrico-crtica.

Ass i m se m i n o va