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Comunicações GT 8 – RELIGIÃO, PODER E EDUCAÇÃO 1328 XIII Encontro Cearense de Historiadores da Educação ECHE III Encontro Nacional do Núcleo de História e Memória da Educação – ENHIME III Simpósio Nacional de Estudos Culturais e Geoeducacionais – SINECGEO ISBN 978-85-8126-065-5 QUILOMBOS NO CEARÁ: HISTÓRIA, MEMÓRIA E ORALIDADE TÂNIA GORAYEB SUCUPIRA Pedagoga – Universidade Federal do Ceará, Especialista em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica – Faculdade Kurios e professora na SME – Fortaleza - CE. E-mail: [email protected] JOSÉ GERARDO VASCONCELOS Pós-Doutor em Artes Cênicas e Educação. Doutor e Mestre em Sociologia. Professor de Filosofia da Faculdade de Educação - FACED da Universidade Federal do Ceará- UFC. Coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPq de História e Memória da Educação e da linha de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira de História e Memória da educação – NHIME e Editor da Coleção Diálogos Intempestivos da EUFC e da Revista Educação em Debate da FACED/UFC. E-mail: [email protected] Introdução O arcabouço jurídico que concede os direitos e protege a cer- tificação de territórios quilombolas é recente no Brasil e também ainda são poucas as comunidades negras reconhecidas oficialmen- te, o que desperta para a necessidade de conhecer mais sobre estes grupos sociais, historicamente prejudicados, inquestionavelmente, desde sua chegada a estas terras na condição de escravos. Revisitar a história dos afrodescendentes, pesquisando sua participação na formação da sociedade brasileira vem tornando possível ressignificar conceitos antigos e desafiar preconceitos re- correntes, arraigados no imaginário nacional. Conhecer e socializar outras perspectivas da contribuição dos negros à História do Brasil pode retificar conteúdos etnográficos, sociológicos, antropológicos e demais áreas do conhecimento, permitindo a reparação de danos históricos e possibilitando a modificação do currículo educacional brasileiro. O mergulho na gênese de quilombos, perscrutando sua história e as contribuições advindas do social e institucional vem possibilitando ressignificar o conceito na atualidade, compreender o complexo estrutural e o contexto conjuntural e corroborar com Moura (2012), quando apresenta a questão quilombola, hoje, como

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ISBN978-85-8126-065-5

QUILOMBOS NO CEARÁ: HISTÓRIA, MEMÓRIA E ORALIDADE

TÂNIA GORAYEB SUCUPIRAPedagoga – Universidade Federal do Ceará, Especialista em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica – Faculdade Kurios e professora na SME – Fortaleza - CE. E-mail: [email protected]

JOSÉ GERARDO VASCONCELOSPós-Doutor em Artes Cênicas e Educação. Doutor e Mestre em Sociologia. Professor de Filosofia da Faculdade de Educação - FACED da Universidade Federal do Ceará- UFC. Coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPq de História e Memória da Educação e da linha de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira de História e Memória da educação – NHIME e Editor da Coleção Diálogos Intempestivos da EUFC e da Revista Educação em Debate da FACED/UFC. E-mail: [email protected]

Introdução

O arcabouço jurídico que concede os direitos e protege a cer-tificação de territórios quilombolas é recente no Brasil e também ainda são poucas as comunidades negras reconhecidas oficialmen-te, o que desperta para a necessidade de conhecer mais sobre estes grupos sociais, historicamente prejudicados, inquestionavelmente, desde sua chegada a estas terras na condição de escravos.

Revisitar a história dos afrodescendentes, pesquisando sua participação na formação da sociedade brasileira vem tornando possível ressignificar conceitos antigos e desafiar preconceitos re-correntes, arraigados no imaginário nacional. Conhecer e socializar outras perspectivas da contribuição dos negros à História do Brasil pode retificar conteúdos etnográficos, sociológicos, antropológicos e demais áreas do conhecimento, permitindo a reparação de danos históricos e possibilitando a modificação do currículo educacional brasileiro.

O mergulho na gênese de quilombos, perscrutando sua história e as contribuições advindas do social e institucional vem possibilitando ressignificar o conceito na atualidade, compreender o complexo estrutural e o contexto conjuntural e corroborar com Moura (2012), quando apresenta a questão quilombola, hoje, como

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fruto de um processo de resistência, mas também de consolidação de território e reprodução de modos de estar no mundo e viver a vida.

Sob essa perspectiva, este trabalho revisita a história e apre-senta práticas sociais e educativas de grupos afrodescendentes cearenses, em particular, da comunidade quilombola do Povoado Boqueirão da Arara, localizada no município de Caucaia, no estado do Ceará.

Essa apresentação parte de pesquisa que prospectou nos relatos orais, através do método historiográfico História Oral e em observações in loco as mobilidades, conflitos e disputas que dão vitalidade à cultura e permitem ao historiador analisar, compreen-der e ressemantizar o contexto atual de quilombo, além de verificar saberes tradicionais, especialmente os de matriz africana, que re-sistem nas memórias e vivências individuais e dos grupos, também recorrentes em práticas cotidianas.

Dessa forma, o percurso em histórias de vida dos moradores do Povoado Boqueirão da Arara, nas narrativas dos quilombolas, em especial os idosos e lideranças comunitárias, tem, nos “Fios da Memória”, a trilha condutora de encontro com ancestralidade, tra-ços de identificação e produção de territorialidade.

Os quilombolos no Brasil Na atualidade, falar em quilombos, quase sempre, remete à

figura de Zumbi, o herói da Serra da Barriga, em Alagoas, mas a ex-ploração contra os negros remonta à monarquia.

Nos idos do século XVIII, o Conselho Ultramarino sanciona leis discriminatórias, associando aos quilombolas a imagem de escravos resistentes, rebelados, fugidiços e embrenhados (MOURA, 2012) e o Decreto n. 528 de 28 de julho de 1890, do Governo Provisório da Re-pública, impede a entrada no País de imigrantes originários da África e Ásia, senão mediante restritas condições (CINTRA, 2012).

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A compreensão das nuances que interpenetram um tema po-lítico, consoante Martinho Rodrigues (2010), implica no esforço e desafio de ponderar e interpretar a complexidade dos diversos con-dicionantes relacionados com aspectos organizacionais, culturais e sociais, bem como suas influências e repercussões na estrutura e conjuntura da economia e da sociedade.

No início do século XX, Cunha Junior (2012) apresenta gru-pos intelectuais que desconstroem discursos tradicionalistas, de caráter pejorativo e preconceituoso, mostrando os negros resigna-dos e passivos à condição social inferior, ao evidenciar com outras narrativas o contrário: o aspecto revolucionário, heroico e resisten-te do quilombismo, ao longo da sua história.

Este processo ganha força na década de 1970, alavancado por movimentos sociais, movimentos negros e o crescimento quan-titativo e qualitativo de pesquisadores afrodescendentes (CUNHA JUNIOR, 2012). Muitos e bons trabalhos científicos ampliam as con-cepções, abordando conteúdos e especificidades da cultura africa-na sob perspectivas multiculturais e humanistas.

Em 1988, pontua Cintra (2012), a Fundação Cultural Pal-mares é criada para promover e preservar a arte e cultura negras. Esta instituição fomenta e produz manifestações artístico-culturais brasileiras de matriz africana, protegendo o patrimônio material e imaterial afro-brasileiro e se responsabilizando pela emissão de certidões de autodefinição dos quilombos – processo inicial da titu-lação de terras quilombolas.

De outro lado, ações afirmativas ganham força, a partir da criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igual-dade Racial – SEPPIR, preservando os direitos das comunidades remanescentes de quilombos e abrindo espaço para um debate fa-vorável à criação do Estatuto da Igualdade Racial – EIR, posterior-mente aprovado e sancionado, através da Lei n. 12.288 de 20 de julho de 2010 (BRASIL, 2010).

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Vale ressaltar que o EIR institui garantias à população negra, entre outras: “igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discrimina-ção e às demais formas de intolerância étnica” (BRASIL, 2010, p. 7). Além de avanço jurídico importante para reconhecer e assegurar os direitos dos brasileiros afrodescendentes, também alicerça uma política de caráter reparatório.

Essas políticas buscam contemplar todos os segmentos go-vernamentais. Como a sanção, em 2003, da Lei n. 10.639, regula-mentado o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, tornan-do-o obrigatório e universal na educação básica (BRASIL, 2003) e influindo no seu conteúdo programático, para que apresente a con-tribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política da História do Brasil. Por esta lei fica instituído formalmente o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra.

Quilombolas do Ceará: saberes geracionais

O esforço para reconstituir a trajetória de luta dos ante-passados dos quilombolas, utilizando o recurso da oralidade para revisitação do passado a partir da memória individual e coletiva, conforme concepção de Pollak (1992) significa proporcionar hoje, em termos de Xavier (2010, p. 119): “vez e voz aos discriminados, oprimidos, menosprezados e ofuscados pelo discurso do poder”.

Sob outro ponto de vista, sabe-se que a educação, como pro-dução cultural, pode acontecer formalmente, em ambientes insti-tucionais; informalmente, ou seja, fora destes espaços e também de maneira não intencional, explicitado em Libâneo (1994) como a educação produzida pelas influências do contexto social e do meio ambiente sobre os indivíduos.

Com outras palavras, Brandão (2007, p.10) afirma: [...] “A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua

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cultura [...]”, o universo da (re)produção de conhecimentos no seio da comunidade e os quilombolas, ainda que prejudicados no acesso à educação institucionalizada estão plenos de saberes geracionais.

Compreender as manifestações expressas no universo de práticas sociais que dão vitalidade à cultura, observando mobilida-des, disputas e conflitos possibilita ao historiador compreender a tessitura imagético-discursiva das relações humanas e as articula-ções desta com o passado, a memória que Pollak (1992) denomina herdada, isto porque, segundo Hobsbawm e Ranger (1984, p.22) “toda tradição inventada, na medida do possível, utiliza a história como legitimadora das ações e como cimento da coesão grupal”.

Através de entrevistas, o recurso metodológico da história oral proporciona revisitar a memória do remanescente, especialmente do idoso, “como um mediador entre a nossa geração e as testemunhas do passado”, dito por Bosi (2003, p. 14), reconstituindo lembrança de atos e fatos da formação do quilombo, ressignificando-os.

As Histórias de Vida intencionam “[...] dar voz a múltiplos e diferentes narradores.”, parafraseando Freitas (2002, p.81) e fazer uma história alternativa à história oficial, inclusive mais democráti-ca, valoriza subjetividades subjacentes e resulta em fontes históri-cas legítimas, com reconstituições e representações do real.

Observações de cunho etnográfico e análise de discursos construídos nas revisitações das memórias investigam de que for-ma as vivências em sociedade, suas mobilidades, disputas e confli-tos interferem na identificação étnico-racial e consolidação de terri-tório e também como a educação se processa entre os quilombolas, seus modos de produção e reprodução de saberes e aprendizados.

Assim, a técnica de relatos orais pressupõe mergulhar no universo do pesquisado, de acordo com Franco (2003), conhecen-do seu mundo cognitivo, o que facilita à autorreflexão, à reconfigu-ração de sentidos e à aprendizagem individual e coletiva; ao final, narrativas de experiências de vida tornam-se fontes de pesquisa tão importantes quanto às demais, conforme Thompson (1992).

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Todavia, confrontar lembranças pessoais ou do grupo com documentos concretos proporciona despertar a memória para fa-tos, facilitando revisitar o passado. Reminiscências e esquecimen-tos são seleções do cérebro individuais e no momento presente e, sobre isso, Vasconcelos (2010) reforça a importância de pesquisar dados históricos em variados portadores e suportes, como valiosas fontes de informação de apoio.

Fundamentalmente, o ambiente das narrativas informal dei-xa o narrador à vontade nos relatos. Sensibilidade e paciência são necessárias ao pesquisador para os momentos longos durante as entrevistas, pois relatos orais são mesclados de releituras e (re)in-terpretações do vivido, de permanências e rupturas, ou seja, “[...] levar em consideração o significado dos silêncios [...]” (FREITAS, 2002, p. 71).

Ademais, perscrutar reminiscências e acontecimentos pas-sados possibilita confrontar fragmentos de memória relacionados com eventos, contexto sociopolítico e atores envolvidos, despertan-do para o que “sabem, creem, esperam, sentem ou desejam, pre-tendem fazer ou fizeram, bem como acerca das suas explicações ou razões acerca das coisas precedentes” (Selltiz et al., 1967, p. 273, apud Gil, 1999, p. 117).

Enfim, Franco (2003) ressalta que o pesquisado deve sair da esfera de “contador de história” para entrar na dimensão de “re-construtor da sua história”, pois a história de vida traz em sua es-sência um potencial de transformação do próprio sujeito que dela participa, uma vez que é impossível alguém permanecer impassível à presença das próprias lembranças e não se sentir impelido a dia-logar com elas.

Povoado do Boqueirão da Arara: memórias, histórias e oralidade

Conforme estudo antropológico em Marques (2013) realiza-do na comunidade tradicional, como parte dos requisitos necessá-

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rios para a concessão da certificação de território quilombola, os remanescentes do quilombo Boqueirão da Arara descendem de duas famílias-tronco: os Rodrigues de Lima ou Kalenga e os Pauli-no de Oliveira ou Piringa, nomes civil e social, respectivamente, as quais fugiram da Serra da Rajada, local de escravidão, para refugia-rem-se na Serra do Juá.

O Povoado Boqueirão da Arara localiza-se no município de Caucaia, distante cerca de 13 km da cidade de Fortaleza. Atualmen-te, o território quilombola se limita com terras de particulares e propriedades de empresas de exploração mineral, gerando diver-sos problemas para os envolvidos: conflitos por disputas de terra e graves transtornos ambientais e de saúde, devido ao pó liberado na extração do minério, que vem poluindo o ar, destruindo a vegetação e contaminando a água.

A taxa preocupante de analfabetismo, cerca de 30%, é agra-vada pela precariedade da oferta de educação formal. Sequer há escola oficial no território e alunos do 6º ao 9º ano chegam a cami-nhar longas distâncias para estudar em outras localidades, o que tem provocado desânimo e impedido o avanço da educação insti-tucionalizada.

Entremeios, os trezentos e trinta e seis moradores das oi-tenta e nove famílias, por não disporem de Posto de Saúde, recor-rem a práticas terapêuticas naturais: garrafadas, ervas, benzedeiras e curandeiros para socorrer os casos mais simples de moléstias e também a conhecimentos tradicionais, como a observação de fenô-menos naturais, ambientais e astronômicos para auxiliar nas ativi-dades de agricultura.

Por outro lado, fala da representante da Associação de Mora-dores declara que os quilombolas possuem fé e a praticam em cul-tos evangélicos, cristãos e tradicionais, as manifestações religiosas ancestrais e ainda é muito comum a produção artesanal de quitutes típicos e o jogo da capoeira, praticado com instrumentos musicais confeccionados por eles mesmos e decorados com motivos tribais.

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Por tudo aqui colocado, chamou atenção a necessidade de ampliar e aprofundar pesquisas acadêmicas que consigam reunir, sistematizar, sintetizar e integrar, como em Barros (2013), os dados colhidos em trabalhos de campo, através de revisitação das memó-rias dos remanescentes do quilombo, em especial os mais idosos, além de observações in loco nos territórios quilombolas, uma vez que os resultados destas pesquisas contribuem para ressemantizar o caminho da formação histórica deste povo, viabilizando a com-preensão de percursos de vida e especificidades sociológicas pre-sentes no cotidiano.

Ademais, por atuar pedagogicamente no sistema municipal de ensino, a pesquisadora observa a necessidade de conteúdos ins-titucionais relativos ao meio ambiente e cultura afrodescendente, que possam ultrapassar o discurso tradicionalista e parcial, com te-ores eminentemente escravistas da participação histórica dos ne-gros na formação nacional. Igualmente, o currículo escolar carece de conceitos, atitudes e procedimentos que deem conta de eviden-ciar a riqueza cultural afro-brasileira e africana.

Enfim, pretendeu-se, aqui, chamar a atenção para a necessi-dade de ampliar o alcance de pesquisas em quilombos, a fim de res-significar diversas informações relacionadas com a colaboração do povo afrodescendente para a História do Ceará e do Brasil, reparar danos que remontam aos tempos coloniais e permanecem atual-mente, maculando a democracia e enriquecer o acervo pedagógico de Produção Intelectual Negra, referência para o apoio e difusão da Lei n. 10.639 de 9 de janeiro de 2003 (BRASIL, 2003), dispo-nibilizando conteúdos científicos de qualidade para esta e futuras gerações de estudiosos.

Considerações finais

Por tudo exposto, é possível concluir que acerca da neces-sidade de reconstituir o percurso histórico das comunidades qui-

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lombolas, ampliando o alcance de pesquisas sistematizadas em comunidades tradicionais, especialmente nas que possuem re-manescentes de escravos, a fim de reconstituirmos as memórias, em especial dos mais idosos, revisitando suas histórias, ressig-nificando as reminiscências para compreendermos outros pon-tos de vista da história, bem como ressemantizarmos conceitos e conteúdos.

Ademais, mister se faz pesquisar a gênese dos quilombos, ultrapassando o discurso tradicionalista e parcial, historicamente construído acerca da contribuição do povo negro e sua participa-ção na formação da sociedade brasileira, a fim de compreender o complexo estrutural e o contexto conjuntural específicos buscando outras perspectivas capazes de reparar danos históricos e precon-ceitos recorrentes, além de evidenciar a riqueza da herança cultural afro-brasileira e africana, a qual contribui substancialmente para tornar a cultura nacional, além de mais rica, também mais atraente e fascinante, sob a perspectiva sociológica e antropológica.

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