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    Revista Historiador Nmero 05. Ano 05. Dezembro de 2012Disponvel em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador

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    GUERRA AO TERROR: CAPITO AMERICA VAI A LUTA MAISUMA VEZ PELA AMRICA

    Rodrigo Moraes Cunha1

    ResumoO presente trabalho tem por objetivo desenvolver uma anlise acerca das representaesideolgicas, culturais e de propaganda poltica presentes nas HQs do Capito Amrica entreos anos 2002 e 2003. Destacando a atual Luta ao Terror. Pretende-se analisar algumas

    imagens produzidas nesta fase do Capito Amrica, aliadas a analise do discurso e docontedo presente no roteiro das HQs construdo ao longo desta produo quadrinstica,motivada pelos atentados do 11 de Setembro. A anlise das imagens e do argumentopossibilitar averiguar quais representaes os estadunidenses estabelecem de seusadversrios durante o esforo de guerra, bem como a posio poltica da editora e o conflitodesta com os argumentistas e desenhistas que no concordavam com o alinhamento daeditora para com a poltica do Governo Norte-Americano que se desenvolvera no ps 11 deSetembro.

    Palavras chave: Capito Amrica. Propaganda ideolgica. Luta ao Terror.

    Polticas antiterroristas norte-americanas

    No de ano 2003, dada a continuidade ao que se vinha fazendo ao longo de todo o

    ano de 2002, o embate poltico-ideolgico nas HQs do Capito Amrica (CA) entre artistas e

    editores. Este embate um reflexo no que vinham acontecendo na sociedade

    estadunidense, alguns eram a favor e outros contra as intervenes no Oriente Mdio,

    especificamente no que se refere ao terrorismo, ou melhor, s polticas antiterroristas. Mas

    para entendermos as tomadas de posio polticas nos EUA temos que analisar a definio

    oficial do governo estadunidense para o terrorismo.

    A definio oficial de terrorismo do governo norte-americano : Ameaa ou uso de

    violncia para atingir fins polticos, religiosos, ou de outra natureza atravs da intimidao,

    da induo ao medo, e assim por diante, voltados contra populaes civis. (Chomsky, 2005,

    p. 67). Esta definio o que permeia a poltica antiterrorista estadunidense. Sendo a

    conceituao de terrorismo feita pelos EUA e aplicada por estes e seus aliados quando

    estes sofrem ataques. Pois aes realizadas pelos Estados Unidos e seus aliados no

    utilizam este termo, para estes parafraseio o termo utilizado por Chomsky, guerra suja ou

    1Formado em Histria pela Faculdade Porto-Alegrense (FAPA). Contato: [email protected].

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    antiterrorismo. Aes terroristas realizadas pelos EUA entraram para a histria, ao menos

    na escrita deste pas, como sendo aes legais, isto , antiterrorista. Como diz Chomsky:

    O principio que, quando algum pratica o terrorismo contra ns ou contra

    nossos aliados, isso terrorismo, mas, quando ns ou nossos aliados opraticam contra outros, talvez um terrorismo muito pior, isso no terrorismo, antiterrorismo ou guerra suja. (Chomsky, 2005. p. 78).

    Tudo pode para os EUA e seus aliados. Os povos reprimidos no possuem o mesmo

    direito. Este principio como diz o autor universal. O mesmo lembra que ao longo de todo

    o imperialismo europeu esta metodologia ou compreenso dos atos de agresso foi padro

    para os antigos Estados colonialistas.

    Partindo desta definio oficial de terrorismo por parte dos EUA, vigora, desde o

    atentado de 11 de setembro, o Patriot Act2, lei federal, vasta e complicada, que insere

    alteraes substanciais em 15 leis federais e que atribui enormes poderes executivos a

    organismos operativos de controle e aos aparelhos de inteligncia (VERVAELE, 20073). No

    Brasil, alguns grupos de pessoas, e setores de interesse, querem que se aplique uma lei

    contra o terrorismo4em nosso territrio, principalmente aps os atentados de setembro de

    2001.

    A Patriot Actvem causando um grande debate no cenrio interno e externo da poltica

    estadunidense. Primariamente ela foi apoiada pela populao norte-americana, que se

    encontrava em choque devido aos atentados. Posteriormente, a Patriot Actsofreu crticas

    dos prprios norte-americanos e da opinio pblica internacional, diante do fato da lei

    oferecer possibilidades de burlar direitos constitucionais dos civis estadunidenses, tais como

    a interceptao de comunicaes, sejam eles eletrnicos ou de registros5, bem como o

    direito de civis de outros pases, alem claro de prender pessoas sem acusao formal e

    deix-las incomunicveis, praticamente a instituio de uma lei marcial. Assim vive a

    populao norte-americana, em um estado de que qualquer pessoa ( claro que o publico

    alvo de observaes mais atentas por parte do Estado, e seus rgos repressivos (FBI) so

    2Ato Patriota. Traduo livre.3 A legislao anti-terrorista nos Estados unidos: um direito penal do inimigo. Disponvel em: Acessado em 24/11/114Noam Chomsky apresenta em seu livro, 11 de Setembro o conceito geral de terrorismo. O uso calculado daviolncia ou da ameaa de violncia para atingir objetivos polticos, religiosos ou ideolgicos, em sua essncia,sendo isso feito por meio de intimidao, coero ou instalao do medo. (CHOMSKY. 2002. p 104). Noentanto, este conceito muito universal, conseqentemente ele distorcido pelo governo americano comomostra Chomsky: mas, junto com o significado literal do termo e da citao pura e simples dos documentosoficiais americanos, tambm h o uso propagandstico, que desafortunadamente a definio padro, o

    terrorismo usado para designar atos terroristas cometidos por inimigos contra ns ou contra nossos aliados .(CHOMSKY. 2002. p. 104). Isto , o terrorismo s ocorre quando os EUA ou seus aliados sofrem ataques.5 A legislao antiterrorista nos Estados unidos: um direito penal do inimigo? Disponvel em: Acessado em 24/11/11.

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    os grupos tnicos com origem no Oriente Mdio, bem como as comunidades muulmanas6)

    pode ser presa e levada para uma base militar sem qualquer direito constitucional.

    No cenrio externo, a poltica antiterrorista norte-americana desencadeou duas

    guerras no Oriente Mdio, primeiramente no Afeganisto7 seguido da segunda guerra doIraque8. Desentendimentos fortes com a ONU9, j que os EUA iniciaram e desenvolveram

    estas guerras sem o aval desta instituio, bem como desentendimentos com muitos pases

    contrrios as intervenes militares nos pases j citados.

    Portanto, nota-se que os Estados Unidos da Amrica, em sua luta contra o terrorismo,

    impetrada desde 2001, vem causando srios desgastes sua imagem, tanto internamente

    quanto externamente.

    E como fica o Brasil dentro deste contexto? A situao brasileira, no tocante a leis

    que tratam, especificamente, do terrorismo10, ocorre uma tentativa de implementao de leisespecificas para o terrorismo, e quem encabea esta campanha fora promovida

    abertamente pela revista Veja11, para, supostamente, punir pessoas que cometam atos

    terroristas no territrio brasileiro. Isto ocorre desde 2001 com maior mpeto de certos meios

    de comunicao que pretendem favorecer setores do empresariado do agronegcio.

    O projeto que foi exposto, e j refutado, no conceituava o termo terrorismo, to

    somente preve que seriam punidos os crimes empreendidos com a inteno de gerar o

    pnico ou insegurana na sociedade, para atemorizar o Estado, organizaes internacionais

    ou pessoa de cunho jurdico, nacional ou estrangeira, ou mesmo coagi-los a ao ou

    omisso12. Nota-se uma pequena semelhana dos crimes que o projeto de lei apresentava

    diante da definio dos estadunidenses para terrorismo.

    Este projeto de lei, como foi apresentado, abrindo espao para varias interpretaes,

    diante da no tipificao do termo terrorismo, tendo em vista que a sociedade brasileira

    repleta de desigualdades sociais bem como de organismos de reivindicao, isto ,

    6

    Este fato, no mnimo pejorativo.

    7 Guerra realizada com a inteno de capturar, vivo ou morto, Bin Laden at ento suposto mandante dosatentados de onze de setembro.8A primeira foi promovida pelo Bush Pai. A guerra realizada pelo Bush filho foi sob o pretexto (no comprovado)de que Saddam Hussein possusse armas de destruio em massa e que deva apoio a Al Qaeda.9Organizaes das Naes Unidas.10Em 2008, foi elaborado o texto de uma Lei antiterrorista foi elaborado pelo Grupo de Segurana Institucional(GSI), Casa Civil, a Advocacia Geral da Unio (AGU), o Ministrio da Justia, da Defesa, das RelaesExteriores, do Planejamento, da Cincia e Tecnologia, alm dos Comandos do Exrcito, Marinha e Aeronutica

    No ano de 2008, conforme revelaram documentos publicados pelo site WikiLeaks. Veja faz campanha explicitapela lei antiterrorista. Disponvel em: Acessadoem 25/11/11.11 Lei antiterrorismo. Disponvel em: Acessado em

    25/11/11.12 Lei antiterrorista vai permitir criminalizao de movimentos sociais. Disponvel em: Acessado em 25/11/11.

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    movimentos sociais organizados. Assim sendo, seria transferida para os juzes de primeira

    instncia a atribuio de distinguir, conceituar, o ato de qualquer pessoa ou movimento

    social que haja conforme uma srie de circunstncias comuns a nosso pas. Qualquer juiz

    com um posicionamento mais conservador ou que tenha ligaes com grupos de interesseespecficos, como os grandes latifundirios, poderiam prender pessoas, inclusive de forma

    preventiva13, diante de uma interpretao livre do termo terrorismo. Portanto, movimentos

    sociais e estudantis poderiam ser enquadrados na referida lei.

    A estrutura jurdica existente no Brasil para o combate ao terrorismo pode ser avaliada

    como suficiente bem desenvolvido e relativamente complexo. O repdio ao terrorismo

    um dos princpios das relaes exteriores do Brasil na Constituio Federal de 1988 (art. 4,

    VIII14, p. 2). O art. 5, XLIII15, aborda o procedimento como crime inafianvel, por ele

    respondendo os mandantes, executores e os que, se puderem evit-lo, omitirem-se.Alm do mais, a rejeio brasileira ao terrorismo est bem clara na Constituio

    Federal de 1988 e na Poltica de Defesa Nacional. O artigo 2 da Lei 8.072/90, que trabalha

    a respeito de crimes hediondos, prev que, alm do terrorista ser insuscetvel de fiana,

    anistia e graa, tambm o indulto e a liberdade provisria lhe so proibidos, e a pena

    sentenciada precisa ser, necessariamente, cumprida em regime fechado16. A Lei 9.474/97

    complementa ainda mais os protocolos de procedimentos para o trato com terroristas, onde

    constitui o Comit Nacional para os Refugiados (CONARE) que estabelece: a proibio a

    concesso de status de refugiado a terroristas, segundo o Estatuto do Refugiado, de 1951.

    Assim sendo, o Brasil, mesmo tendo sua lei vigente e bem clara, sofreu assdio dos EUA e

    de certos setores da prpria sociedade brasileira em favor das novas leis antiterrorismo

    formuladas pelos norte-americanos.

    Capito Amrica: a linha editorial apresentada em 2003

    A editora responsvel pelo o Capito Amrica (Marvel Comics) alinhou-se quase que

    instantaneamente ao discurso do governo, isto , demonstrado diante da publicao de

    cartazes17 do Capito Amrica conclamando a manuteno da memria ao atentado na

    13Veja faz campanha explicita pela lei antiterrorista. Disponvel em:

    Acessado em 25/11/11.14Constituio Federal brasileira, p. 2. Disponvel em:

    < http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_04.02.2010/CON1988.pdf> Acessado em29/11/11.15Constituio Federal brasileira, p. 5. Disponvel em: Acessado em29/11/11.16Constituio Federal brasileira, p. 5. Disponvel em:

    Acessado em29/11/11.17O Capito Amrica dos quadrinhos. Disponvel em: Acessado em 26/11/11.

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    populao visando apoio para as retaliaes que j se avizinhavam. Em meio a est

    tragdia, os estadunidenses se uniram, e a Marvel no fez diferente. A editora lanou

    campanha na Internet e espalhou vrios cartazes pela cidade de Nova Iorque com o Capito

    Amrica frente, improvisando uma espcie de chamamento para que a populao doassesangue para ajudar no resgate das vtimas do atentado, e quem mais ocupou espao nessa

    propaganda convocando a populao, foi o Capito Amrica. Estes cartazes, entre outros,

    foram espalhados por toda a cidade de New Yorkcom a inteno propagandstica clssica

    de gerar comoo populao e, consequentemente, obter apoio popular para as aes

    militares que estavam se organizando.

    Nesta ilustrao, pode-se notar que o Sentinela da Liberdade est em posio de

    saudao em uma perspectiva de baixo para cima com o cu acinzentado, possivelmente

    uma referncia ao desmoronamento do Ward Trad Center, bem como o escudo posicionadode forma defensiva. Estes elementos, desta bela obra de arte18, so elementos pertencentes

    ao discurso do governo estadunidense que anunciava ataques preventivos ao Afeganisto19,

    visando a captura ou eliminao do lder mximo da Al Qaeda, Osama Bin Laden.

    Mas o alinhamento editorial da Marvel Comics no se ateve, essencialmente, no

    imediato ao ocorrido no fatdico 11 de Setembro. Este continuaria por alguns anos. A Marvel

    estava com um de seus mais famosos personagens (CA) praticamente sem dar lucro algum.

    Contudo, este fato no era isoladamente do capito Amrica, basicamente os personagens

    da Marvel que mantinham a empresa funcionando eram Homem Aranha e X-Mans20,

    partindo desta premissa, o editor chefe, que assumiu o cargo no fim da dcada de 1990, Joe

    Quesada, tomou uma ttica que a rival DC Comicsj utilizava, desenvolveu um ttulo para

    publicaes mais adultas e realistas empregando clebres personagens da editora, assim o

    mercado de quadrinhos ganhava a revista Marvel Knights21.

    18Estes cartazes foram leiloados e sua arrecadao foi doada as famlias das vitimas dos atentados. Disponvelem: Acessados em28/11/11.19At ento suposta base de operaes da Al Qaeda.

    20Disponvel em: Acessados em 28/11/11.21Disponvel em: Acessados em 28/11/11.

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    Foi no perodo em que Joe Quesada punha ordem na Casa das Ideias que os EUA

    lidavam com o pior atentado terrorista de sua histria, os atentados aoWorld Trade Center,

    em11 de Setembro de 2001. O ataque extinguiu um dos maiores smbolos do imprio

    ianque e instalou o medo no pas. Com o pas e seu povo feridos, estava preparado o

    terreno para o retorno do Capito Amrica, suas histrias regressaram com o nacionalismo

    exacerbado dos norte-americanos em voga, a determinao de demonstrar para o mundo

    que necessrio muito mais do que a destruio de um smbolo de poder para que se

    destrua uma nao inteira. Sendo assim, o terreno estava frtil mais uma vez para o Capito

    Amrica.

    A editora pensou em colocar o Capito Amrica na luta contra o terror, porm, para

    isso, os editores tiveram a ideia de reformular o heri de uma forma que os jovens leitores

    adquirissem as HQs. Para isso formam elencados dois grandes artistas do meio

    quadrinstico: John Ney Rieber (roteirista de cunho crtico) e John Cassaday22(desenhista).

    Desta dupla, que divide os trabalhos das referidas HQs, ser dada a nfase em Rieber

    e seu histrico envolvimento com questes humanistas, isto , seus trabalhos e sua crtica

    22Curiosidade sobre o trabalho de Cassadey no Capito Amrica que este artista desenhou as revistas at onumero 6. Entretanto, diante das constantes exigncias/intervenes de Quesada para que o artistaredesenhasse vrias pginas. Cassadey ficou apenas com a ilustrao das capas.

    Figura 01: Discurso humanista de Rieber na fala doCapito Amrica.

    Figura 02: Por fim, o dio superado pela razo.

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    ao posicionamento radical, seja de que lado for. notria como ilustram os quadrinhos da

    pgina anterior, como Rieber demonstra a diversidade tnica nos EUA e o seu preconceito

    (fig. 01, 02)23.

    Um roteiro como este, que faz o leitor refletir sobre preconceito no era bom para aposio de alinhamento da editora para com o governo. Portanto, roteiros como estes,

    levariam Rieber em rota de coliso com os interesses governamentais bem como os

    comerciais, pois como o Capito Amrica historicamente garoto propaganda dos ideais

    norte-americanos. Assim, a probabilidade do governo dos EUA injetar dinheiro na Marvel

    Comicspara o desenvolvimento de um sistema propagandstico encabeado pelo Sentinela

    da Liberdadeseria bem plausvel.

    Consequentemente o editor chefe, Joe Quesada no ficou contente com sucessivos

    roteiros escritos por Rieber onde este criticou abertamente a posio belicosa dos EUA.Mesmo assim, Rieber foi escolhido como o responsvel pela roteirizao das sete primeiras

    edies do novo titulo do Capito Amrica. No entanto, sem maiores satisfaes, o oitavo

    numero recebeu um coroteirista, Chuck Austen. Configurando-se assim a prova do

    descontentamento que o editor chefe da Marvel, Quesada, para com o trabalho que John

    Ney Rieber vinha fazendo at ento.

    Logo, Chuck Austen, mais suscetvel aos mandos e desmandos de Quesada, foi

    escolhido como parceiro de Rieber para o desenvolvimento dos roteiros do Capito Amrica.

    Seu trabalho seria dar uma nfase luta contra o terror, por parte do CA, engajando-o, por

    assim dizer, no esforo de guerra que se mostrava cada vez mais forte. A interveno

    editorial era clara, Joe Quesada estava valendo-se do poder que detinha para pr em

    ordem o trabalho realizado com o CA. O poder no sentido que apresentado por

    Thompson:

    Em um sentido mais geral, Poder a capacidade de agir na busca de seusprprios objetivos e interesses: um individuo tem poder de agir, poder deintervir em uma sequncia de eventos e alterar seu curso. Agindo dessaforma, o individuo apoia-se e emprega os recursos que lhe estodisponveis. Assim, a capacidade de agir na busca de seus prpriosobjetivos e interesses depende da posio do individuo dentro de um grupoou instituio. (THOMPSON, 2000, p. 199).

    23Extrado de coleo particular.

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    Figura 03: Provavelmente estes trechos sejam de Rieberdevido o contedo crtico e reflexivo.

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    Desta forma, Rieber dividiu o roteiro com Chuck Austen somente por dois nmeros, o

    oitavo e o nono no participando mais deste titulo. Posteriormente Rieber viria a comentar

    que o Capito Amrica que ele idealizou no era o mesmo que eles idealizaram e

    desejavam24. Nestas duas edies em que houve a parceria v-se duas linhas depensamento bem claras, de um lado, Rieber com sua critica social bem aberta, que vinha

    sendo apresentadas at ento, do outro Austen com uma postura muito mais pr governo,

    pr-EUA, pois diante dos EUA iniciando mais um conflito blico no seria de bom tom o CA

    ficar a refletir sobre as falhas da Amrica para com os outros povos.

    Na edio n 9 da publicao americana, a brasileira foi na revista Marvel 2003 n 9,

    surge um dilogo onde podemos perceber as mudanas no roteiro. Diz o Capito Amrica -

    Estou cheio... Das pessoas... Achincalharem este pas! (RIBER/AUSTEN. 2003. vol. 9 p,

    15), isto , vemos o poder de Joe Quesada, como editor chefe, na prtica. Alm deste fato,vemos o alinhamento da MarvelComicscom a poltica de retaliao dos Estados Unidos em

    harmonia, pois neste dilogo retrata-se um Capito Amrica mais voltado para a guerra,

    menos reflexivo e ultranacionalista, muito diferente do que Rieber desenvolvia at ento.

    Diante desta discrepncia de pontos de vista, Rieber, por opo, deixou a publicao

    definitivamente, com isso, Austen seria o nico roteirista. Este por sua vez iniciou seu

    trabalho solo na edio 1025da publicao americana.

    Ideologia presente nas HQs do Capito Amrica no ano de 2003

    Extrair a ideologia existente em uma HQ no trabalho fcil, ainda mais quando se

    trata do Capito Amrica num contexto totalmente diferente do que foi criado, isto , a

    Segunda Guerra Mundial. Durante este conflito, de escala mundial, a ideologia presente nas

    HQs do Capito Amrica era bem clara e direta como retratado nas capas de sua revista

    na poca da guerra (luta contra o nazismo). Entretanto, demonstrar a ideologia presente nas

    aventuras do bandeirosona atualidade, especificadamente, durante a saga da luta contra o

    terror26, bem complexo, j que ao longo destas publicaes foi alterado a equipe criativa

    inicial, assim temos dois posicionamentos ideolgicos mau definidos ao longo destas 11

    HQs, passando por um momento de interao entre os dois posicionamentos, que ocorre

    nos nmeros 8 e 9, no que diz respeito ao argumento.

    24Disponvel em: Acessados em 28/11/1125Aqui cabe informar que no corpo do texto ser referido a numerao das publicaes americanas por umaquesto de ordem de continuidade, j que na publicao brasileira ocorrera em um Mix de histrias muitas vezesdeixara de se publicar continuamente, isto , algumas vezes deixou-se de publicar em um ms para que outra

    aventura fosse publicada, posteriormente a histria que tinha deixado de ser publicada no ms era publicada nooutro.26se divide em trs arcos de histrias distintas, porm, interligadas que so: O Inimigo (arco que compreende asedies 1, 2 e 3), Senhores da Guerra (edies 4, 5 e 6) e o arco Os Extremistas26(edies 7, 8, 9, 10 e 1126).

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    Primeiramente, com John Ney Rieber e John Cassaday, notamos uma posio

    ideolgica humanista e crtica, tanto no argumento quanto na arte, ambas se complementam

    e passam a mensagem desejada pelos autores (est etapa vai at o stimo numero 27).

    Posteriormente temos um perodo de transio, os nmeros oito e nove (so nestes que senotam com maior clareza a interveno editorial) so de parceria entre Rieber e Austen.

    Aps este perodo de transio, assume em definitivo Chuck Austen no argumento com dois

    artistas passando pela arte at o fim destes arcos da luta contra o terror, so eles Trevor

    Hairsine (edies 07 a 09) e Jae Lee (edies 10 e 11).

    A ideologia presente na fase de Rieber e Cassaday ilustrada perfeitamente pelo

    discurso do terrorista em olhar fixo para o leitor, como se fosse uma conversa direta entre

    os autores e o seu publico (fig. 04 e 05).

    27John Cassaday desenhou a revista do Capito Amrica at o numero 6.

    Figura 04: Referncia de Rieber as aes militares e ou econmicas impetradas pelos EUA ao redor do mundo.

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    Novamente Rieber e Cassaday utilizam-se do recurso do olhar direto para passar seu

    posicionamento poltico-ideolgico de forma clara e direta para o leitor. neste estilo de

    trabalho que a dupla desenvolve o Capito Amrica que idealizaram, um CA que reflete

    sobre seus atos e os atos do governo, o que para ele so duas coisas bem diferentes.

    J com Austen comandando a argumentao do titulo as crticas continuam fortes

    como ilustram os pensamentos do agente da S.H.I.E.L.D.28, e nativo-americano, extrados

    das pginas da revista Marvel 2003 n 07 no Brasil, Marvel knightsn 8 nos EUA, desta vez

    a questo do terrorismo interno que abordada bem como a da apropriao das terras,

    que j tinham donos, por parte dos imigrantes Europeus.

    - Quatro conquistas e sete anos depois, nossos pais trouxeram a estecontinente uma nova nao... - Lincoln, claro, nunca mencionou um fatoimportante... J havia uma nao aqui. Vrias naes, na verdade. Navajo,Lakota, Pawee, s pra citar trs.

    28Strategic Hazard Intervention Espionage Logistics Directorate. Traduo livre: Superintendncia Humana deInterveno, Espionagem, Logstica e Dissuaso. S.H.I.E.L.D. uma organizao fictcia do Universo Marvel,com objetivo de realizar a contra-espionagem e manuteno da lei. Fundada pela ONU e financiada pelaspotncias da OTAN, tem a funo de proteger todo o planeta de ameaas de grande porte, desde terrorismointernacional at invases aliengenas.

    Figura 05: Mais uma vez Rieber e Cassaday falam direto com o publico.

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    - Uma nova nao, concebida na liberdade... Liberdade para os imigranteseuropeus, talvez. Homens brancos com perucas empoeiradas, sexualidadereprimida e dentaduras de madeira. Parias de outros pases, Dedicados apropsitos de que todos os homens so iguais. Todosos Homens. Menosos Peles-Vermelhas. (RIEBER/AUSTEN. 2003. vol. 8 p. 75).

    Estes pensamentos so apresentados ao leitor pelo ex-agente da S.H.I.E.L.D.que

    se encontra caminhando em frente do monumento de Lincoln em Washington DC. A

    inteno de Rieber e Cassaday , possivelmente, a de passar a mensagem de que o

    invasor, o terrorista, foram os imigrantes europeus, que praticamente exterminaram as

    naes nativas, apoderando-se das terras que por geraes pertenceram a estes povos.

    Rieber continua sua critica, pois o personagem nativo-americano chamado de Inali

    continua sua reflexo quanto aos fatos histricos quanto da formao dos EUA como nao.

    Com uma perspectiva revisionista, essas palavras tm poder. Um profundosignificado para todos que as escutam. A menos que voc se lembre que osEstados Unidos foram construdos por pessoas escravizadas e vivendoem campos de concentrao.

    - Ser que Lincoln acreditou na exatido de suas palavras quando as disse?Ou ele considerava homens na acepo estreita da palavra em sua pocae contexto? Branco, anglo-saxo. Protestante. Homem. Acho que sim.(RIEBER/AUSTEN. 2003. Vol. 8, p. 76.).

    Na Revista seguinte, Marvel knights 11, nos EUA, no Brasil Marvel 2003 n 11,

    ocorre o combate final entre este ex-agente29da S.H.I.E.L.D.e o Capito Amrica, no fim

    ocorre um dialogo entre os dois, muito esclarecedor.

    - Voc assassinou mais de cem pessoas, Inali. Prefiro espanc-lo at amortea deixar que mate mais um inocente (Capito Amrica).

    - Ningum inocente Steve30(Inali).

    - Pelas leis deste Governo... Quer voc queira aceitar, quer no... Todoamericano cmplice das trevas que este pas espalha pelo planeta... Aopagar seus impostos. (RIEBER/AUSTEN. 2003. vol. 18, p. 11).

    na prxima fala do CA que se nota a luta entre liberdade de expresso artstica e a

    fora editorial que no queria uma critica escancarada aos EUA. - Essa uma linha de

    argumentao terrorista... Que eu... Estou fartode ouvir.(RIEBER/AUSTEN. 2003. vol. 11p. 18). Esta fala demonstra o que aparentemente uma posio comum no meio poltico e

    miditico estadunidense, que Chomsky (2005, p. 78) ilustra ao falar que quando seus

    aliados, ou eles prprios, so atacados, isto terrorismo, mas, quando somos ns (EUA e

    aliados) isso no terrorismo levar a democracia aos outros povos.

    As palavras em negrito/itlicoso destacadas pelo o autor, possivelmente em uma

    tentativa de chamar a ateno do leitor especificamente para aquele trecho, causando assim

    uma reflexo quanto ao tema abordado no trecho especifico.

    29Este personagem chama-se Inali.30Steve Rogers o nome verdadeiro do Capito Amrica.

  • 7/23/2019 14 Rodrigo

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    Revista Historiador Nmero 05. Ano 05. Dezembro de 2012Disponvel em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador

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    Nos dilogos apresentados acima, se pode avaliar que a crtica, o fazer pensar,

    continua, mesmo depois da sada de Rieber do titulo. Porm, com Austen esta crtica

    infinitamente menor, ela existente logo quando ele inicia a parceria com Rieber, nesta fase

    v-se a interveno editorial, pois esta claro que Austen faz os trechos pr-EUA. No entanto,a crtica altera-se para a mesma linha que estava sendo desenvolvida por Rieber, isto ocorre

    nos nmeros finais do arco de aventuras de luta contra o terror, compreendidos pelos

    nmeros 10 e 11 da publicao norte-americana. Entretanto, estas crticas foram diminuindo

    drasticamente e fugindo do tpico principal, mais uma interveno editorial.

    Como os nimos estavam muito tensos, isto , no mbito internacional a crtica s

    intervenes militares norte-americanas estavam muito fortes e a Marvelno queria perder

    mercado, ou seja, diante de um mercado globalizado a editora no queria desagradar

    consumidores mundo afora, tendo em vista que no estavam mais no perodo da SegundaGuerra onde a maioria esmagadora do publico consumidor das HQs eram estadunidenses,

    assim, achou-se melhor tirar suas revistas31de qualquer relao com o mais novo conflito

    americano. Nota-se isso nas publicaes subsequentes aos arcos descritos acima bem

    como o contnuo descontentamento por parte dos profissionais da indstria dos quadrinhos,

    aos quais, em sua maioria, eram contra as invases perpetradas pelo governo Americano.

    Mas 70%32da populao eram a favor da guerra. Perante estes fatos, pesaram mais o fator

    econmico, assim, os editores acharam melhor no publicar nada que criticasse ou

    apoiasse a ao. Porm, para boa parte de uma populao de exaltados, o sumio do

    Capito Amrica tenha sido entendido como traio33.

    Os arcos subsequentes so de roteiristas e artistas diferentes dos que vinham

    trabalhando no titulo at ento. Mas, sobretudo operam com histrias desconexas com a

    atualidade. Por fim, o poder econmico falou mais alto que o artstico. A linha editorial que

    se formara no inicio deste novo ciclo do Capito Amrica era empolgante e emblemtica,

    mas foras superiores as vontades dos artistas que queriam liberdade para criar foram

    superados, de inicio pela presso em alinharem-se as aes governistas, posteriormente ao

    abandonarem por completo toda e qualquer forma de posicionamento, clara evidncia de

    deixar o publico no vazio, pois a arte a comunicao para os mais desprovidos de

    informao.

    Partindo deste conceito, avalia-se que ocorreu uma tentativa, por parte de elementos

    superiores dentro da Marvel Comics como a atuao de Joe Quesada diante do que era

    produzido por Rieber e Cassaday, de gerar uma propaganda ideolgica nas aventuras do

    31Veja bem, a Marvel desvinculou por completo todas as suas revistas de crticas ou apoio Guerra ao Terror.

    32 Disponvel em: Acessados em 28/11/11.33 Disponvel em: Acessados em 29/11/11.

  • 7/23/2019 14 Rodrigo

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    Revista Historiador Nmero 05. Ano 05. Dezembro de 2012Disponvel em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador

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    Capito Amrica, que foi reformulado com a inteno de adquirir mais leitores e

    consequentemente acumular lucros, em um primeiro momento. Contudo, diante da sada de

    Cassaday, a partir do stimo numero (ficando apenas com o desenho das capas), e de

    Rieber, nono nmero, sendo substitudo por Chuck Austen, em protesto contra as censurasque estes vinham sofrendo por parte do editor-chefe. Mesmo Austen deu continuidade s

    criticas que Rieber vinha fazendo, claro que com menor intensidade. Entretanto, com o

    constante repdio s invases por parte da comunidade especializada aliadas s crticas

    internacionais frente s aes unilaterais dos EUA, verifica-se que no ocorreu uma larga

    campanha propagandstica pr-governo norte-americano nos quadrinhos do Capito

    Amrica.

    Bibliografia

    AUSTEN, Chuck. Marvel 2003. N 11. So Paulo. Panini Comics Brasil, 2003.

    CHOMSKY, Noam. Poder e Terrorismo. So Cristvo, RJ, 2005.

    RIEBER, John Ney e John Cassaday. Marvel 2002. N 09. So Paulo. Panini Comics Brasil,2002.

    RIEBER, John Ney e Chuck Austen. Marvel 2003. N 07. So Paulo. Panini Comics Brasil,2003.

    RIEBER, Jhon Ney e Chuck Austen. Marvel 2003. N08. So Paulo. Panini Comics Brasil,2003.

    RIEBER, Jhon Ney e Chuck Austen. Marvel 2003. N09. So Paulo. Panini Comics Brasil,2003.

    RIEBER, Jhon Ney e Chuck Austen. Marvel 2003. N10. So Paulo. Panini Comics Brasil,2003.

    RODRIGUES. Lei antiterrorista vai permitir criminalizao de movimentos sociais. Disponvelem: Acessado em 25 denovembro de 2011.

    THOMPSON, John B. A Mdia e a Modernidade: uma teoria social da mdia. Petrpolis:Vozes, 1998.

    THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social critica na era dos meios decomunicao de massa. 5. Ed. Petrpolis: Vozes, 2000.