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Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação - Asphe Anais do 18º Encontro da Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação Jean-Jacques Rousseau (1712-2012) modernidade, história e educação 26 a 28 de setembro de 2012 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Porto Alegre - RS

18 Asphe - Anais

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  • Associao Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao - Asphe

    Anais do 18 Encontro da Associao Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao

    Jean-Jacques Rousseau (1712-2012) modernidade, histria e educao

    26 a 28 de setembro de 2012 Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    Porto Alegre - RS

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    PUCRS - Porto Alegre - RS

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    Associao Sul-Rio-Grandende de

    Pesquisadores em Histria da Educao - Asphe/RS

    Associao criada em 11 de dezembro de 1995, em So Leopoldo/RS, que tem por finalidade promover estudos e disseminao de

    informaes relacionadas histria da educao. http://asphers.blogspot.com

    Diretoria (2011-2013) Claudemir de Quadros - presidente - UFSM Luciane Sgarbi Santos Grazziotin - Unisinos

    Carla Gastaud - secretrio geral - UFPel

    Conselho Fiscal (2009-2011) Maria Helena Cmara Bastos - PUCRS

    Elomar Antonio Callegaro Tambara - UFPel Beatriz Teresinha Daudt Fischer - Unisinos

    Revista Histria da Educao

    http://seer.ufrgs.br/asphe

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    18 Encontro da Associao Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao

    JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-2012) MODERNIDADE, HISTRIA E EDUCAO

    26 a 28 de setembro de 2012 Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    Porto Alegre - RS

    Apresentao

    A Associao Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao -

    Asphe - tem procurado, desde a sua criao em 1995, contribuir para com o

    desenvolvimento de estudos acerca da histria da educao brasileira. Para tanto, desde

    1997, edita a Revista Histria da Educao - RHE/Asphe - e promove de forma contnua,

    encontros anuais.

    Tanto a revista, quanto os encontros tm se constitudo em espaos de socializao

    das pesquisas, de dinamizao da produo historiogrfica e de debates no campo da

    investigao histrica.

    A Asphe j realizou dezessete encontros, com o apoio institucional das

    universidades do Rio Grande do Sul representadas por seus associados e, em alguns

    casos, com financiamentos das agncias de fomento, como Fapergs, Capes e CNPq.

    Para cada evento so publicados Anais com os resumos e os trabalhos completos

    apresentados nas sesses de comunicao de pesquisas.

    Em 2012, realizar-se- o 18 Encontro Sul-Rio-grandense de Pesquisadores em

    Histria da Educao. O foco temtico do encontro ser Jean-Jacques Rousseau (1712-

    2012): modernidade, histria e educao. A programao abranger uma conferncia de

    abertura e outra de encerramento, duas mesas redondas, mini-curso e sesses de

    comunicao de pesquisas.

    Temtica

    Jean-Jacques Rousseau (1712-2012): modernidade, histria e educao

    Data

    26 a 28 de setembro de 2012

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    Local

    Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul - PUCRS

    Avenida Ipiranga, 6681

    Prdio 15 - sala 240

    Objetivos

    a) Refletir acerca da produo em histria da educao, tendo a Asphe como

    espao de referncia;

    b) acompanhar a produo do conhecimento na rea, considerando o tema

    modernidade e educao como objeto de estudo e reflexo;

    c) promover a formao continuada de pesquisadores em histria da educao;

    d) congregar e oportunizar espaos de relacionamento entre professores,

    estudantes e pesquisadores em histria da educao.

    Pblico alvo

    Associados da Asphe, professores, pesquisadores e estudantes de graduao e de

    ps-graduao das reas de educao e de histria.

    Programao

    Dia 26 de setembro

    8h30min. - Credenciamento

    9h - Sesso de abertura

    9h30min. - Conferncia de abertura

    Jean-Jacques Rousseau: trs sculos de histria e educao

    Claudio Almir Dalbosco - UPF

    12h - Intervalo

    14h - Apresentao de comunicaes

    17h30-18h30 - Mini-curso:

    Las publicaciones peridicas y su relacin con la cultura

    material de la escuela.

    Silvia Finocchio - UNLP e Flacso, Argentina

    Dia 27 de setembro

    8h30min - Mesa redonda

    Emlio e Nova Helosa: a revoluo das sensibilidades

    Antonio Gomes Ferreira - UC, Portugal

    Nadja Mara Amilibia Hermann - PUCRS

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    10h - Intervalo

    10h15min - Mesa redonda

    Histria e histria da educao: dilogos possveis

    Eduardo Arriada - UFPel

    Silvia Finocchio - UNLP e Flacso, Argentina

    Dris Bittencourt Almeida - Ufrgs

    14h - Apresentao de comunicaes

    17h30-18h30min. - Mini-curso

    Las publicaciones peridicas y su relacin con la cultura

    material de la escuela

    Silvia Finocchio - UNLP e Flacso, Argentina

    18h30min. - Assemblia geral ordinria da Asphe

    Dia 28 de setembro

    9 h - Conferncia de encerramento

    Jean-Jacques Rousseau e a moral laica

    Luiz Carlos Bombassaro - Ufrgs

    11h - Encerramento

    Promoo

    - Associao Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao

    - Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul - Faculdade de Educao e

    Programa de Ps-Graduao em Educao

    Apoio

    Universidade Federal de Santa Maria - UFSM

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Ufrgs

    Universidade Federal de Pelotas - UFPel

    Universidade de Caxias do Sul - UCS

    Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos

    Fundao Universidade do Rio Grande - Furg

    Comisso organizadora local

    Maria Helena Camara Bastos, coordenadora

    Alice Rigoni Jacques

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    Carina Vasconcelos Abreu

    Dilza Porto Gonalves

    Marcos Villela Pereira

    Patrcia Augusto Rodrigues Carra

    Raphael Castanheira Scholl

    Comisso cientfica

    Beatriz Teresinha Daudt Fischer - Unisinos

    Dris Bittencourt Almeida - Ufrgs

    Eduardo Arriada - UFPel

    Giana Lange do Amaral - UFPel

    Giani Rabelo - Unesc

    Jorge Luiz da Cunha - UFSM

    Luciane Sgarbi Grazziotin - Unisinos

    Marcos Villela Pereira - PUCRS

    Maria Stephanou - Ufrgs

    Maria Teresa Santos Cunha - Udesc

    Terciane ngela Luchese - UCS

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    18 Encontro da Associao Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao

    Jean-Jacques Rousseau (1712-2012) modernidade, histria e educao

    Anais

    ISBN 978-85-88667-68-6

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    SUMRIO

    A construo da civilidade na infncia: a srie fontes nas escolas

    pblicas de Santa Catarina (1925-1950)

    Marli de Oliveira Costa ............................................................................ 16

    A construo do discurso pedaggico de Jean-Jacques Rousseau:

    algumas reflexes histricas

    Dnis Wagner Machado

    Berenice Corsetti ..................................................................................... 25

    A dcada de 1950 e as mltiplas relaes entre os museus e a educao: um estudo sobre o curso de organizao de museus escolares do Museu Histrico Nacional (1958) Ana Carolina Gelmini de Faria ................................................................ 34

    A educao de adultos em pginas de jornais do Rio Grande do Sul

    (1950-1970)

    Greicimara Vogt Ferrari

    Beatriz Daudt Fischer .............................................................................. 45

    A formao de professores em Santa Catarina e No Rio Grande do

    Sul: consideraes de Joo Roberto Moreira nos anos 1950

    Elaine Aparecida Teixeira Pereira

    Maria das Dores Daros ............................................................................ 57

    A formao de professores em So Paulo na primeira repblica: um olhar a partir dos peridicos normalistas (1906-1927) urea Esteves Serra ............................................................................... 69 A formatao de um perfil discente nas Deutsche Schulen urbanas de Rio Grande e Pelotas (1933-1938) Maria Angela Peter da Fonseca Elomar Antonio Callegaro Tambara ........................................................ 79 A instalao dos colgios elementares e dos grupos escolares nos

    reltrios do Estado do Rio Grande do Sul

    Tatiane de Freitas Ermel ......................................................................... 90

    A participao da Escola Municipal de Belas Artes de Caxias

    do Sul na fundao da Universidade de Caxias do Sul

    Liliane Maria Viero Costa ........................................................................ 104

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    A produo da srie de livros didticos linguagem e estudos

    sociais: primeiras impresses

    Mnica Maciel Vahl ................................................................................. 114

    A reforma do ensino tcnico segundo os professores: estudo em

    duas escolas tcnicas industriais gachas

    Elisabete Zardo Brigo ............................................................................ 127

    lbuns de beb dos anos 40 e 50 do sculo XX: representaes de

    infncia e famlia

    Roberta Barbosa dos Santos ................................................................... 137

    Anlise da trajetria social de dois trnsfugas do Curso Clssico do

    Colgio Estadual Dias Velho Florianpolis/SC (1951-1960)

    Juliana Maus Silva Clarino

    Norberto Dallabrida ................................................................................. 145

    As culturas escolares em uma instituio de assistncia infncia

    pobre e abandonada (Curitiba, 1948-1956)

    Joseane de Ftima Machado da Silva .................................................... 154

    As prticas de escrita retratadas nos manuais de caligrafia e ensino

    da escrita

    Patrcia Machado Vieira .......................................................................... 163

    Aspectos terico-metodolgicos da pesquisa sobre a escola de

    Belas Artes de Pelotas: uma contribuio para a historiografia das

    instituies educativas

    Clarice Rego Magalhes ......................................................................... 171

    Cadernos escolares como documentos para a histria da educao:

    o acervo do professor catarinense Victor Mrcio Konder (1920-2005)

    Maria Teresa Santos Cunha .................................................................... 183

    Colgio Regina Coeli e a histria da educao no municpio de

    Veranpolis

    Marina Matiello ........................................................................................ 192

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    Com a palavra dom Joo Becker: a revista Unitas como

    possibilidade de difuso dos ideais catlicos sobre a educao

    Cludia Regina Costa Pacheco ............................................................... 203

    Contrastando indcios: cenas de escrita na escola

    Carolina Monteiro

    Maria Stephanou ..................................................................................... 214

    Dirios de classe de professoras alfabetizadoras: a recorncia de

    exerccios com slabas (1973 -2010)

    Gisele Ramos Lima ................................................................................. 228

    Dirios de professoras e cadernos de alunos: um estudo acerca da

    permanncia dos textos de cartilhas no perodo de 1983 a 2010

    Ccera Marcelina Vieira

    Fernanda Noguez Vieira

    Joseane Cruz Monks ............................................................................... 239

    Do Schler-Zeitung ao O Ateneu, marcas da cultura escolar nas

    pginas dos peridicos (1964 a 1973)

    Luciane Sgargi Graziottin

    Joana Frank ............................................................................................ 252

    Educao e regulao poltica: a legislao estadonovista para as

    obras didticas

    Dilmar kistemacher .................................................................................. 265

    Entre o pblico e o privado: a instruo na provncia de So Pedro

    do Rio Grande do Sul do sc. XIX (1822-1889)

    Hardalla do Valle

    Eduardo Arriada ...................................................................................... 273

    Escrevendo e desenhando no lbum de composies de 1939

    Alice Rigoni Jacques ............................................................................... 284

    Formao de professores no contexto da colonizao de Tangar

    Da Serra - MT nos anos 1970

    Regiane Custdio

    Carlos Edinei de Oliveira ......................................................................... 296

    Histria da educao rural: professoras e suas representaes

    (1950-1980) Santiago-RS

    Cinara Dalla Costa Velasquez

    Fabiana Regina da Silva

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    Jorge Luiz da Cunha

    Josiane Caroline Machado Carr ............................................................ 308

    Histrias de educao em uma comunidade de extrema vulnerabilidade social em Pelotas/RS: primeiras aproximaes Jeane dos Santos Caldeira Giana Lange do Amaral ........................................................................... 319

    Imagens de 1 comunho, recortes de um rito: uma anlise a partir

    do acervo fotogrfico do Colgio Farroupilha de Porto Alegre/RS

    Raphael Castanheira Scholl .................................................................... 331

    Impresses, ideias e memrias escolares construdas a partir de um

    exerccio de ver e olhar imagens, recordar e evocar lembranas:

    mediao com memrias pintadas de Flvio Scholles

    Andra Cristina Baum Schneck ............................................................... 343

    L, na ltima pgina do caderno escolar: prticas de letramento no

    autorizadas: pensando a historicidade dos usos deste artefato

    Mariana Venafre Pereira de Souza ......................................................... 355

    Letra de professora: a educao brasileira oitocentista nos escritos

    de Nisia Floresta e nas cartas de Ina Von Binzer

    Tafnes do Canto ...................................................................................... 367

    Lugares de memria e esquecimento: museu na escola

    Maria Beatriz Vieira Branco Ozorio ......................................................... 375

    Memria e educao confessional catlica: 100 anos de histria na

    sociedade gabrielense

    Carlos Alberto Xavier Garcia ................................................................... 379

    Memria Faced: implicaes da ditadura-civil-militar no cotidiano da

    faculdade

    Fbio Freitas Moreira

    Thaise Mazzei da Silva

    Valeska Alessandra de Lima ................................................................... 386

    Memorial Do Deutscher Hilfsverein ao Colgio Farroupilha: um lugar

    de memrias da escola (2002-2012)

    Lucas Costa Grimaldi .............................................................................. 398

    Memrias de formao e prtica em horizontes rurais: o professor

    Paulo Plentz (Novo Hamburgo/RS, 1965-1995)

    Jos Edimar de Souza ............................................................................ 408

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    Memrias de professoras: a formao e a atuao docente no

    contexto da italianidade, 1927-1932

    Jordana Wruck Timm

    Lcio Kreutz ............................................................................................ 420

    Modernidade e educao: indcios da educao moderna no Grupo

    Escolar Lauro Mller - 1946 a 1951

    Carolina Ribeiro Cardoso da Silva

    Suzane Cardoso Gonalves Madruga ..................................................... 428

    Mveis Cimo S/A: notas iniciais acerca do mobilirio em escolas

    primrias catarinenses

    Luiza Pinheiro Ferber

    Ana Paula de Souza Kinchescki

    Gustavo Rugoni de Sousa ....................................................................... 438

    Mulheres policiais e as relaes de gnero: um estudo sobre a

    formao das primeiras alunas da academia da Polcia Civil de

    Santa Catarina (1967 a 1977)

    Maria Aparecida Casagrande .................................................................. 449

    Na minha casa eu cuidava de crianas: memrias e histrias da

    educao infantil em Francisco Beltro/PR na transio do sec XX

    para sec XXI

    Caroline M. Cortelini Conceio

    Beatriz T. Daudt Fischer .......................................................................... 459

    Nos arquivos da escola: as lnguas vivas no Ginsio Feminino Nossa

    Senhora Auxiliadora (1931-1961)

    Marta Banducci Rahe .............................................................................. 473

    O Colgio So Carlos e a presena da congregao das irms de

    So Carlos Borromeo em Caxias do sul, RS (1936 1971)

    Valria Alves Paz

    Terciane ngela Luchese ........................................................................ 484

    O Colgio Unio Esprita De Pelotas: primeiras descobertas

    Marcelo Freitas Gil .................................................................................. 494

    O Curso Tcnico de Comrcio no Colgio Farroupilha (Porto Alegre

    RS 1949/ 1962)

    Pietro Gabriel dos Santos Pacheco ......................................................... 504

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    O ensino de matemtica no curso complementar do Instituto Jlio de

    Castilhos

    Antonio Cesar dos Santos Esperana ..................................................... 513

    O ensino profissionalizante de viticultura e enologia no municpio de

    Bento Gonalves

    Sergio Ricardo Pereira Cardoso .............................................................. 525

    O jornal escolar O Estudante Orleanense e o seu lugar na construo da cultura escolar (1951-1973) Giani Rabelo ............................................................................................ 535

    O jornal O Mensageiro e a instruo na Provncia de So Pedro do

    Rio Grande do sul (1835 1836)

    Itamaragiba Chaves Xavier ..................................................................... 546

    O Kindergarten do Deutscher Hilfsverein: o jardim de infncia da

    Associao Beneficente Alem de Porto Alegre/RS (1911 1929)

    Milene Moraes de Figueiredo .................................................................. 558

    O mtodo intuitivo e os museus escolares em circulao na revista O

    estudo (1922-1931)

    Andra Silva de Fraga ............................................................................. 566

    O paradoxo da perfectibilidade sobre a formao do homem

    segundo os pressupostos de Rousseau

    Cleudio Marques Ferreira ........................................................................ 574

    O perfil da rede municipal de ensino de Caxias do Sul (1937 a 1945):

    as escolas e seus personagens

    Paula Cristina Mincato Roso

    Lcio Kreutz ............................................................................................ 581

    O regime de ctedra no ensino superior: os primeiros professores da

    escola de engenharia industrial da cidade do Rio Grande

    Vanessa Barrozo Teixeira

    Elomar Antonio Callegaro Tambara ........................................................ 593

    Os acervos autorreferenciais e sua patrimonializao: fontes para a

    histria da educao no ambiente clerical

    Cristile Santos de Souza

    Carla Rodrigues Gastaud ........................................................................ 603

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    Os caminhos metodolgicos do historiador na pesquisa em histria

    da educao

    Alessandro Carvalho Bica

    Berenice Corsetti ..................................................................................... 611

    Os carimbos como indcio de circulao de livros didticos nas

    escolas: um estudo de caso da Coleo Tapete Verde

    Chris de Azevedo Ramil .......................................................................... 622

    Os ciclos do ensino privado em Pelotas-RS: sculos XIX, XX, XXI

    Helena de Araujo Neves .......................................................................... 634

    Os jardins de infncia de Gisela Schmeling (Porto Alegre/RS - 1948-

    1971)

    Maria Helena Camara Bastos ................................................................. 646

    Prticas de arquivamento do eu: o dirio de Malvina Tavares (1891 -

    1930)

    Dris Bittencourt Almeida

    Luciane Sgargi Graziottin ........................................................................ 660

    Prticas de leitura de professoras: contribuies para uma histria

    da leitura

    Carine Winck Lopes ................................................................................ 672

    Prticas de correspondncias de mulheres entre 1890 e 1950 Carla Gastaud ......................................................................................... 683

    Refletindo a insero masculina no curso de Pedagogia da UFSM

    (1974-2011): representaes discentes

    Cinara Dalla Costa Velasquez

    Fabiana Regina da Silva

    Josiane Caroline Machado Carr

    Jorge Luiz da Cunha ............................................................................... 690

    Revista O Pequeno Luterano: uso pedaggico no testemunho de

    professores e redatores

    Patrcia Weiduschadt .............................................................................. 700

    Sobre a tica do docente matemtico moderno: um processo de

    conservao

    Wagner Pinto Bonneau ........................................................................... 712

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    Sociedade Unio Operria e a educao em Rio Grande/RS

    Francisco Furtado Gomes Riet Vargas

    Rita de Cssia Grecco dos Santos .......................................................... 725

    Trabalhos manuais na primeira repblica: representaes da

    educao feminina por meio de imagens

    Maria Augusta Martiarena de Oliveira ..................................................... 737

    Uma abordagem histrica sobre o ensino da Sociologia na educao

    brasileira: 1882-1942

    Marcelo Pinheiro Cigales

    Eduardo Arriada ...................................................................................... 749

    Valorizao parental e concentrao de investimentos: trajetrias

    sociais de trnsfugas egressas do ensino secundrio de um colgio

    pblico de Florianpolis (dc. 1950)

    Letcia Vieira

    Norberto Dallabrida ................................................................................. 760

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    A CONSTRUO DA CIVILIDADE NA INFNCIA: A SRIE FONTES

    NAS ESCOLAS PBLICAS DE SANTA CATARINA (1925-1950)

    Marli de Oliveira Costa

    Universidade do Extremo Sul Catarinense

    [email protected]

    Resumo

    Os livros de leitura da Coleo Srie Fontes alcanaram as escolas pblicas de

    Santa Catarina entre os anos de 1920 a 1950. A Srie foi idealizada pelo Inspetor da

    Instruo Pblica do Estado, Henrique Fontes. composta por uma cartilha, chamada

    Cartilha Popular e mais quatro livros de leitura. O documento Livro de Leitura permite

    perceber tentativas de disseminao de um perfil de criana considerado ideal para esse

    perodo e visualizar estratgias de construo de hbitos de civilidade nas crianas. As

    noes de civilidade aparecem associadas a prticas de higiene, a postura do corpo, ao

    amor da ptria e da famlia.

    Palavras-chave: livro de leitura, civilidade, projeto pedaggico.

    Introduo

    Um dos poucos livros de leitura que alcanou as escolas cidades de Santa Catarina

    entre os anos de 1920 a 1950 foi a Coleo Srie Fontes, publicada durante o governo de

    Herclio Pedro da Luz (1928-1924). Essa Srie idealizada pelo inspetor da Instruo

    Pblica do Estado, Henrique Fontes, marcou durante dcadas o projeto educacional das

    escolas pblicas do Estado (VENERA, 2007. p. 121). E, foi composta por uma cartilha,

    chamada Cartilha Popular1 e mais quatro livros de leitura.

    Encontrei alguns volumes desses livros com a professora aposentada Carmela

    Milanez, na cidade de Cricima. A professora os guardou, pois foram livros usados por ela

    e sua famlia quando eram alunos e tambm quando a mesma lecionou. Esses

    dispositivos pedaggicos, ao serem distribudos a praticamente todas as crianas que

    freqentavam a escola em Santa Catarina, marcou, de forma indelvel, as experincias

    de leitura dessas crianas.

    A fora da impresso da leitura fez com que, muitas crianas decorassem seus

    textos, pois preciso lembrar que a leitura, tambm ela, tem uma histria (e uma

    sociologia) e que a significao dos textos depende das capacidades, dos cdigos e das

    convenes de leitura prprios s diferentes comunidades que constituem, na sincronia

    ou na diacronia, seus diferentes pblicos (CHARTIER, 1995, p. 257).

    Como por exemplo, o Sr Aldo Pavan2, que recorda principalmente o primeiro livro de

    leitura. Esse senhor teve contato com os livros em torno de 1945 quando entrou na

    1 As pessoas entrevistadas reportam a essa cartilha como Cartilha do Boi, devido a primeira lio, que

    tinha como palavra BOI como estmulo , seguido das slabas formadas pela letra B. 2 Acervo Grupo de Pesquisa Histria e Memria da Educao em Santa Catarina-GRUPEHME-SC.

    Cricima, 04/11/2005.

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    escola. Lembra que iniciavam os estudos em uma cartilha e depois com um livrinho que

    ele denomina de O Trabalho. Em seguida, vinha o Segundo e o Terceiro Livro. A

    denominao do primeiro livro como O Trabalho est relacionada com o primeiro texto

    do livro que se chama O Trabalho. O trabalho foi um dos temas que aparece na srie

    como texto que direciona pelo exemplo e convida ao trabalho. Carla Lourdes

    Nascimento diz que Henrique Fontes buscava mostrar as crianas a importncia do

    trabalho e a necessidade da criana usar sua energia em algo til. (2003, p. 88)

    Dessa forma, de 1920 a 1950, todas as pessoas que foram crianas em Santa

    Catarina e que passaram pelos bancos escolares estudaram nos mesmos livros de

    leitura. Assim, geraes receberam os mesmos textos, junto com eles as lies de como

    ser no futuro um bom cidado, ou como reflete Venera, um homem til. Boa parte

    desses textos apresentam a moral crist, evidenciando a aliana entre Estado, Igreja e

    Escola na formao daqueles que apontam como futuro da nao.

    Esse artigo busca discutir o documento Srie Fontes como um dispositivo

    pedaggico preocupado em instaurar modelos de adultos, para as crianas, ou seja,

    modelos de bons cidados, modelos de civilidade.

    Para tanto, a incorporao de saberes morais e higinicos eram lies inscritas

    nesse dispositivo pedaggico, neles,

    o aluno convocado atravs das lies de leitura a internalizar o o sentido que

    est, diretamente , relacionado a uma demarcao da realidade, ser analisada

    enquanto dispositivo disciplinar. Este, por sua vez, demarca prticas normativas,

    distribuindo e hierarquizando conhecimentos que se desdobram em poder sobre o

    corpo e a mente. (VENERA, 2007. p. 131)

    O Primeiro Livro de Leitura da Srie Fontes, apresenta diversos textos construdos

    com um linguajar simples e curto, alguns em forma de versos que deveriam ser

    decorados diziam que todo menino devia ser desde criana trabalhador, obediente,

    educado, corajoso, honesto, prudente e caridoso. Devia evitar as brigas e no podia

    chorar. Fica evidente a relao de gnero expressa nesses textos, quem estava sendo

    preparado para exercer uma possvel cidadania, nos moldes aceitos pela sociedade

    eram os meninos, podemos nos perguntar, que papis, que conselhos eram dirigidos s

    meninas? Para as meninas, coloca Carla de Lourdes do Nascimento, o idealizador da

    Srie julgava necessrio educar para a vida domstica, pois acreditava que a unidade

    familiar levaria felicidade nacional (2003, p. 29.) Para tanto, os textos exprimem trs

    comportamentos que se esperava das meninas, futuras mulheres companhia e auxlio,

    especialmente aos pais, e coragem, isto , energia moral diante do perigo e da dor.

    (Idem, p, 92).

    Destaquei dos textos, o que segue, porque acredito que eles fazem uma sntese do

    que podemos chamar de preocupao com a alma da criana. Com o ttulo Boas

    qualidades e defeitos das crianas, o texto discorre que

    O menino aplicado ouve tudo o que diz o professor e por isso aprende com

    facilidade. O menino leviano e vadio nunca presta ateno s palavras do

    professor; cuida mais de observar as moscas do que de estudar as lies; ficar

    por isso ignorante. O menino delicado sabe agradecer s pessoas que lhe fazem

    algum favor ou lhe do algum presente; cumprimenta as pessoas mais velhas;

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    um menino amvel. O menino grosseiro no agradece os favores que recebe, nem

    cumprimenta as pessoas de espeito; um menino desagradvel. O menino

    servial gosta de ajudar os outros; o menino egosta cuida s de si. O menino

    discreto no fala a torto e a direito e sabe guardar segredos. O menino agradecido

    lembra-se sempre do favor que lhe fizeram e amigo da pessoa que lhe fez bem.

    O menino ingrato esquece-se dos benefcios que recebe e no gosta do seu

    benfeitor. O menino que chega escola hora certa, pontual. O menino

    descuidado chega sempre atrasado escola e no prepara as suas lies3.

    Percebe-se ento, que de um lado o autor apresenta as conseqncias de prticas

    de maldades e em outro as honras das prticas bondosas e ainda, em um terceiro,

    compara as duas prticas. O objetivo dessas narrativas poderia ser o de levar os

    meninos a praticarem o bem, pois, o bem era sempre recompensado.

    Estamos diante da dicotomia das idias bem e mal, belo e feio; nica verdade, idias

    crists. A presena forte das idias crists na Srie pode ter sido, talvez, pela formao

    do autor Henrique Fontes. Embora ele no assine a Srie, foi seu idealizador e

    organizador, selecionando os textos que comporam a obra. Suas convices polticas,

    religiosas, ideolgicas aparecem nos volumes. Ele era um homem catlico praticante e

    buscou orientar as crianas e os jovens nos princpios da moral crist. (NASCIMENTO,

    2003, p. 28)

    Para Jos Isaias Venera, a escrita da coleo Srie Fontes deveria produzir o

    homem til, que seria dcil para obedecer norma que pode ser entendida como regra

    de conduta. (2007, p. 134). Penso que para alm do homem til, esse material tenta

    construir um homem civilizado, junto com a idia de civilizado traz as virtudes que

    deveriam ser inscritas nas crianas desde cedo. Poderamos dizer que trata-se de

    recursos para o bom adestramento (FOUCAULT, 1998,p.143). Os textos desse modo

    foram utilizados para garantir a disciplina no intuito de fabricar indivduos , a disciplina

    nesse sentido seria a tcnica especfica de um poder que toma os indivduos ao mesmo

    tempo como objetos e como instrumentos de seu exerccio (idem)

    Carlota Boto (2002), ao referir-se aos educadores da Renascena, enfatiza que a

    criana, naquele contexto,

    percebida pelo que lhe falta, pelas carncias que apenas a maturao da idade e da

    educao poderiam suprir. Frgil na constituio fsica, na conduta pblica e na

    moralidade, a criana um ser que dever ser regulado, adestrado, normalizado para o

    convvio scia.l (Boto, 2002. p. 17)

    A preocupao em construir tratados, cdigos de civilidade especialmente voltados

    para a formao de jovens datam, segundo Norbert Elias (1990), do segundo quartel do

    sculo XVI com o clssico De civilitate morum puerilium (da civilidade em crianas) de

    Erasmo de Rotterdam. Pode-se inferir que os enunciados dos livros da Srie Fontes,

    fazem parte de um programa pedaggico que busca tambm a construo da

    civilidade, desencadeada a partir do sculo XVI.

    O segundo livro de Leitura da Srie Fontes traz 87 textos. O livro mede 13 cm de

    largura por 18 de altura e foi impresso tambm em papel jornal. Dos 87 textos para a

    3 Primeiro Livro de Leitura (Srie Fontes) adotado nas escolas pblicas do Estado de Santa Catarina/

    Fornecido gratuitamente pelo Departamento de Educao) Imprensa Oficial do Estado/ Florianpolis- 1945.

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    leitura das crianas que deveriam estar na antiga 2 srie primria, encontram-se

    narrativas, cartas, poesias, ditados, provrbios, hinos, e outros. Sobre o contedo desses

    textos encontramos religio, cincias, histria, civismo e diria tambm contedos de tica.

    O livro abre com o texto Nossa Ptria seguido pelo poema Meu Brasil,

    marcando a lio de civismo que deveria ser construda nas crianas. No final do livro

    uma propaganda de venda de mapas do Estado de Santa Catarina. Para construir um

    cidado brasileiro era preciso encaminhar discursos que ressaltassem a ptria, assim os

    poemas de Antonio Gonalves Magalhes (Cano do Exlio), Olavo Bilac (A Ptria) e os

    hinos da bandeira nacional e do Brasil fazem parte do corpo discursivo desse livro que

    alcanava crianas entre 8 e 12 anos em todo o Estado de Santa Catarina.

    Como no primeiro livro, esse tambm traz muitas lies de civilidade, associados

    s prticas de higiene, como por exemplo, o texto nmero 26, intitulado Do Nariz, de D

    Antonio de Macedo Costa, que fala das regras de civilidade quanto ao nariz:

    -Devem-se observar vrias regras bem importantes:

    1 Assoar-se sempre com um leno, com todo o asseio, volvendo o rosto um

    pouco para o lado, e sem estrondo.

    2 No conservar o leno na mo, nem gesticular com le, nem traze-lo debaixo

    do brao, nem p-lo sbre a mesa ou na cadeira, mas dentro da algibeira, que o

    seu lugar.

    3 Levar a mo ao nariz, ou introduzir o dedo nas fossas nasais desasseio e

    grosseria imperdoveis, e alm disso costume perigoso pelos incmodos que

    pode acarretar e de que nos podemos ressentir muito tempo depois. Devem, pois,

    os pais tratar com desvelo de fazer evitar isto aos meninos.

    4 H de se espirrar sem estrondo e guardando o asseio e modstia conveniente4.

    Regras de civilidade que podem ser compreendidas como uma manobra para

    limitar e at mesmo negar a vida privada. (REVEL, 1991, p. 169)

    Em vrios outros textos como os textos de nmero 12 e 13 ( A cabea e da cabea

    e das orelhas), 20 ( Os olhos), 30 e 31 ( A Boca e A Boca), 36 e 37( O tronco e Atitude

    erecta), 42 (As pernas e os ps), 57 e 58 ( Os braos e Dos braos); o corpo humano

    apresentado de forma muito simples, expondo a funo de cada parte. Seguindo a

    descrio de alguns, geralmente feita por Trindade Coelho (escritor portugus) aparecem

    noes de cuidados com parte do corpo ali enfocada, revelando a importncia da higiene

    na sade e no convvio social. Ao investirem no corpo, com suas especificidades para o

    livro de leitura, focando a forma como esse corpo deveria se apresentar na sociedade,

    os idealizadores do recurso pedaggico Srie Fontes, aproximam-se do que Michel

    Foucault, 1987, coloca sobre uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder, no

    sculo XVIII. Michel Foucault apresenta a manipulao dos corpos em uma discusso

    acerca da disciplina e da fabricao de soldados. No entanto, os discursos que envolvem

    a docilidade dos corpos proliferam e alcanam outros corpos, no caso dos livros da srie

    Fontes. Podemos inferir que a forma como ofereceu ateno aos cuidados com a postura

    e apresentao do corpo, seria mais um investimento da sociedade para construir corpos

    dceis. Parece que, embora em outro contexto, h uma repetio de desejos nos

    discursos que circulam pelo ocidente, pois, dcil um corpo que pode ser submetido, ou 4 Segundo Livro de Leitura. Srie Fontes. Adotado nas escolas pblicas do Estado de Santa Catarina.

    Florianpolis: Tip. Livraria Central de Alberto Entres, 1933.

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    pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeioado (FOUCAULT, 1998, p.

    118.)

    O adulto do futuro precisa saber se comportar na sociedade. O 2 livro traz alguns

    conselhos associados ao uso do corpo em pblico no texto No fica bem: assobiar na

    rua, rir com estrondo, sorrir ou fazer trejeitos a propsito de qualquer coisa, deixar descair

    o lbio inferior(p. 50); [...] Ou, a forma como deveriam expressar-se em Fica mal:

    interromper uma pessoa que est falando, discutir calorosamente, pormenorizar demais

    durante uma narrativa, falar coisas que no interessam os outros, fazer trocadilhos de

    mau gosto, falar mais alto que os outros, ridicularizar algum, ouvir com impacincia as

    outras pessoas[...] Ou ainda, Defeitos que se devem evitar na sociedade .

    Essas indicaes de modos para se viver em sociedade vm, principalmente, do

    sculo XVI, tempo de um intenso esforo de codificao e controle dos comportamentos

    (REVEL, 1991. p 169). Pois, durante toda a modernidade percebe-se que se investiu em

    procedimentos de controle sociais mais severos, atravs das formas educativas, da

    gesto das almas e dos corpos que visavam encerrar o indivduo numa rede de

    vigilncia cada vez mais compacta (REVEL, 1991. p. 170) Tratam-se, pois, do que

    Norberto Elias coloca como o desenvolvimento do conceito de civilidade na sociedade

    ocidental. (ELIAS, 1990).

    No terceiro livro de leitura da Srie Fontes, os textos parecem seqncia do

    segundo livro, apresentando a regularidade dos discursos para imprimir um desejo de

    verdade. H alguns textos que se referem ao funcionamento dos rgos do corpo

    humano, bem como algumas regras de higiene e bom comportamento social. Apresentam

    tambm ditados, provrbios, poemas e fbulas. Os provrbios trazem sempre uma lio

    moral. Mas, as idias da valorizao da famlia e da ptria parecem ser uma marca muito

    presente nesse livro.

    As referncias ao valor da famlia abordam o Amor filial, as relaes entre os

    irmos, a comparao entre o amor de Deus e de nossos pais e tambm uma aluso

    queles que no possuem famlia, aos desamparados. (Terceiro Livro de Leitura, 1948.

    p. 10, 74, 75, 98, 99)

    A maioria dos textos refere-se ao fortalecimento do amor Ptria. Esses variam

    desde indicativos s datas comemorativas, como o Sete de Setembro, s aluses aos

    heris nacionais e aos smbolos nacionais, principalmente a Bandeira que aparecem em

    03 textos, o primeiro A nossa bandeira, trata de uma apresentao da mesma, o

    significado de suas cores e desenho, o segundo, na pgina 36 o Juramento a

    Bandeira e por ltimo na pgina 14, a Saudao a bandeira. Ensinar as crianas a

    respeitar e honrar os smbolos nacionais, no sentido de construo de uma identidade

    nacional, tem sido uma das funes empreendidas pelas escolas.(CHAU, 2004).

    Alm de reconhecer datas comemorativas, heris nacionais e os smbolos da

    ptria, era necessrio tambm mostrar a importncia de ser patriota. No texto O Patriota

    coloca que ser patriota no significa apenas servir o pas em tempo de guerra, mas

    colaborar para o rpido crescimento das riquezas nacionais, para o aperfeioamento

    intelectual e moral de sua Ptria, um patriota, e pratica o verdadeiro, o so patriotismo (

    p. 56). Mas, como todo o livro, a presena do pacto com a igreja um atenuante, foi

    necessrio repassar de Luiz Guimares Jnior a Orao pela Ptria. (p. 62) e,

    associando a Ptria idia de famlia, o texto Ordem e Progresso, de Rita M Barreto,

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    ressalta que A Ptria uma grande famlia. Ora, em uma famlia preciso que todos de

    casa e, principalmente os chefes, tenham energia e carter para que tudo corra bem.

    A obedincia e o papel dos lderes se apresentam nesses discursos como

    elementos essenciais na construo do adulto futuro, pois o menino obediente, talvez seja

    o empregado que trabalhar com afinco, sem reivindicar; os lderes devem conduzir

    outras pessoas, mas, desde que no questione o modelo de sociedade que os textos

    apresentam, seguindo a ordem e o progresso.

    Associado preparao do patriota, o que considero ponto alto desse livro so os

    textos aconselhando as crianas (meninos) ao escotismo. Ao todo so cinco textos, os

    dois primeiros so bastante sutis, pois aparecem no rodap de outros textos que

    apresentam tambm a idia do valor da Ptria, como que completando a idia veiculada

    no texto precedente. Por exemplo, depois do texto Amor filial, que fala dos sentimentos

    fraternais aparece o enunciado do Cdigo dos Escoteiros O escoteiro generoso e

    valente, sempre pronto a auxiliar os fracos, mesmo com perigo da prpria vida. (p. 10). E,

    na pgina seguinte aps o texto A Criana e o Dever, que procura mostrar as crianas

    seu dever para com a ptria, outro enunciado do Cdigo dos Escoteiros: O escoteiro

    sabe obedecer, compreende que a disciplina necessidade de interesse geral (p. 11).

    No final do poema A Ptria, um outro recorte do mesmo Cdigo: O escoteiro considera

    todos os outros escoteiros como seus irmos, sem distino de classes sociais. (p. 21)

    Depois desses pequenos anncios sobre os escoteiros, na pgina 45, eis o convite

    em forma de indagao Queres ser escoteiro?. O pequeno texto apresenta uma srie de

    prazeres para quem desejar experimentar a prtica do escotismo como gozar das

    delcias do campo, como se as crianas daquela poca no tivessem sido criados entre

    rios, matas virgens, beiras de lagoas, mares e at as montanhas. O texto mostra que os

    escoteiros seriam soldados pequenos Com quatro companheiros forma uma patrulha,

    que ser comandada por um dles, que se chamar monitor (p. 45) e ainda no mesmo

    texto [...] e assim moo, sers feliz, forte, alegre, honesto, ciente de teus deveres e,

    quando homem, sers o escoteiro da Ptria, o defensor da tua amada Bandeira. (46). Eis

    a criana como futuro patriota, eis a educao cvica num livro de leitura.

    O ltimo texto, mais no final do livro traz o ttulo de O escotismo. Nele a viso de

    como os educadores ou aqueles que pensavam as polticas de educao no Estado viam

    as crianas:

    na infncia que se prepara o homem. [...] os exemplos so moldes nos quais se

    deve formar a alma da criana. O que se adquire na infncia -virtude ou vcio-

    integra-se, no carter e nle desenvolve-se, tornando-se, com o tempo, hbito ou

    feio moral. [...] O escoteiro, assim como se robustece nos exerccios ao ar livre,

    apura os sentidos, desenvolve as faculdades e aprimora os sentimentos; torna-se

    socivel, fraternizando com os companheiros no convvio que os liga intimamente

    pela cadeia da solidariedade. [...] Assim essa instituio herica e generosa a

    escola primaria do civismo, na qual se devem matricular todos os meninos

    brasileiros que, amando o seu Pas, queiram aprender a vem servi-lo e honra-lo. (

    p. 92, 93, 94)

    A Srie Fontes desse modo se apresenta dentro de um modelo de dispositivo

    pedaggico, disseminado a partir da obra de Erasmo no sculo XVI, pois alm da

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    literatura erudita ou semi-erudita, Erasmo recorre a sabedoria das naes -aos

    provrbios, mximas, fbulas [...] (REVEL, 1991. p. 171).

    A organizao do livro, seu contedo, mostra a forma lenta com que as orientaes

    pedaggicas para a educao das crianas modificam-se na histria. Anterior ao tratado

    de Erasmo para a civilidade das crianas, a histria reconhece na Idade Antiga e Mdia,

    outras manifestaes nesse sentido, como os tratados de educao e fisognomias, de

    Aristteles a Ccero, de Plutarco a Quintiliano. E, tambm a produo que houve a partir

    do sculo XII, textos que se apresentam como instrues aos prncipes, tratados de

    cortesia e conselhos aos jovens. (REVEL, 1991. p. 171).

    Consideraes finais

    No contexto de um suposto desejo de modernidade, em que certas prticas

    cotidianas deveriam ser substitudas por atitudes civilizadas, que envolviam desde a

    higiene do corpo s regras de portar-se em sociedade, ainda marcadas por um projeto de

    nao, e fortalecimento da identidade nacional, a Srie Fontes parece ter cumprido seu

    papel de educadora da infncia por dcadas no Estado de Santa Catarina. No entanto,

    embora possamos pensar nas intenes dos editores ou do idealizador, por meio dos

    contedos dessa Srie, difcil alcanar as possveis leituras realizadas pelas

    comunidades de leitores que eram basicamente as crianas.

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    A CONSTRUO DO DISCURSO PEDAGGICO DE JEAN-JACQUES

    ROUSSEAU: ALGUMAS REFLEXES HISTRICAS

    Dnis Wagner Machado

    Universidade do Vale do Rio dos Sinos

    [email protected]

    Berenice Corsetti

    Universidade do Vale do Rio dos Sinos

    [email protected]

    Resumo

    Esta comunicao tem como principal objetivo compreender como se deu a histrica

    construo do discurso pedaggico de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Articulando

    texto e contexto, relativizamos a vida do filsofo genebrino as suas obras de maior

    preponderncia, conectando-as as conjunturas espao-temporais. Para tanto, adotamos

    como fundamento terico-metodolgico de nosso trabalho a metodologia histrico-crtica.

    Percebemos que a proposta rousseauniana de educao defendia a construo de uma

    sociedade emancipadora. O discurso conscientizador de Rousseau sugeria uma ao

    contra a servido intelectual e moral, propagada pela soberania francesa. Rousseau

    proclamava em seus escritos uma educao fundamentada na emancipao dos povos

    com o desgnio de edificar uma sociedade mais justa, democrtica e cidad.

    Prembulo

    Esta comunicao tem como principal objetivo compreender como se deu a histrica

    construo do discurso pedaggico do filsofo, terico poltico e compositor autodidata,

    Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Para tanto, investigaremos suas obras de maior

    relevncia internacional, alm de outros trabalhos desenvolvidos acerca do mesmo.

    Conectando autor e produo ao espao e tempo histrico, delimitamos nossa pesquisa

    ao perodo de vida do filsofo. Para tanto, adotamos como fundamento terico-

    metodolgico do nosso trabalho a metodologia histrico-crtica. Deste modo, articulando

    texto e contexto, tratando as obras como fontes histricas, pretendemos perceber como

    se deu a construo da proposta rousseauniana de educao. Sabendo que o autor

    assinou todas as obras que escreveu, no se valendo de pseudnimos, por acreditar que

    estaria fazendo o melhor como cidado de seu tempo. Em seus escritos, Rousseau

    divulgava uma educao fundamentada na emancipao dos povos com o desgnio de

    edificar uma sociedade mais justa, democrtica e cidad. Sugerindo aes contra a

    servido intelectual e moral, propagada pela soberania francesa, Rousseau vai construir

    discursos de conscientizao, defendendo a retomada de uma sociedade livre, fraterna e

    igualitria.

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    Empenhei-me em expor a origem e o progresso da desigualdade, o

    estabelecimento e o abuso das sociedades polticas, na medida em que essas

    coisas podem ser deduzidas da natureza do homem pelas simples luzes da razo

    e independentemente dos dogmas sagrados que conferem autoridade soberana

    a sano do direito divino. Conclui-se desta exposio que a desigualdade, sendo

    quase nula no estado de natureza, extrai sua fora e seu crescimento do

    desenvolvimento de nossas faculdades e dos progressos do esprito humano e

    torna-se enfim estvel e legtima pelo estabelecimento da propriedade e das leis.

    Conclui-se ainda que a desigualdade moral, autorizada unicamente pelo direito

    positivo, contrria ao direito natural todas s vezes em que no coexiste, na

    mesma proporo, com a desigualdade fsica; distino que determina

    suficientemente o que se deve pensar a esse respeito da espcie de desigualdade

    que reina contra a lei da natureza, seja qual for a maneira por que a definamos,

    uma criana mandar num velho, um imbecil conduzir um homem sbio e um

    punhado de gente regurgitar de superfluidades enquanto a multido esfaimada

    carece do necessrio. Jean-Jacques Rousseau. Discurso sobre a origem e os

    fundamentos da desigualdade entre os homens. Martins fontes, 1999, p.243

    Jean-Jacques Rousseau: Vida e obras

    Para auxiliar a narrativa que transcorrer recorremos a dois trabalhos, e para

    aqueles interessados, recomendamos duas obras de grande valia utilizadas por ns:

    Compreender Rousseau, de Matthew Simpson (Vozes, 2009) e Discurso Sobre a Origem

    e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens (Martins Fontes, 1999). O segundo

    livro citado tem traduo de Maria Ermantina Galvo e traz uma cronologia da vida de

    Rousseau, distribuda em seis momentos distintos, assinada por Jacques Roger. Matthew

    Simpson, autor do primeiro livro mencionado, mais enxuto, divide-a em apenas trs

    momentos. Coincidentemente, ambos os escritores mencionados so condizentes em

    demarcar a primeira fase da vida de Rousseau entre os anos de 1712 e 1742.

    Em 28 de junho de 1712, em Genebra, na Sua, nasceu Jean-Jacques Rousseau.

    A morte da me durante o parto, o distanciamento crescente do pai e o caos da sua vida

    pessoal levaram-no a dezenas de viagens, afetos e querelas. Fugido de casa ainda muito

    jovem, viver um perodo rico de autoeducao com ajuda da Baronesa de Warens,

    Franoise-Louise de la Tour (1699-1762). Em 1728, meses depois da morte Isaac Newton

    (1643-1727), Rousseau rejeitou sua f protestante e tornou-se catlico. Mais tarde,

    quando adulto, voltaria a converte-se ao calvinismo. Valeu-se das duas maiores religies

    da histria moderna, teve pouco apreo por ambas e foi perseguido pelas duas. As

    discusses filosficas, muitas sobre Voltaire (1694-1778) inclinara-o para o cultivo de

    seus talentos literrios. Coincide com este momento, a leitura de competentes filsofos e

    pensadores franceses do sculo anterior.

    Alguns anos mais adiante no tempo, a comunidade onde Rousseau estava inserido

    envolveu-se com o amparo das opinies de um bispo catlico chamado Cornelius Otto

    Jansen (1585-1638). Este enfatizava a doutrina do pecado original e a incapacidade de

    uma pessoa alcanar a salvao sem a graa divina (SIMPSON, 2009, p. 23). Embebido

    das ideias de Santo Agostinho (354-430), professava que toda alma humana advinda

    depois do pecado original seria corrupta e incapaz de obter salvao por seu prprio

    mrito (SIMPSON, 2009, p. 23). Ainda vale mencionar que nesse primeiro perodo

    demarcado por Simpson e Roger, Rousseau, em Lyon, exercer o trabalho de tutor para

    os filhos de um nobre local. Essa precursora experincia como professor substanciou ao

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    genebrino as formulaes acerca de educao que o distinguiriam para o resto de sua

    vida.

    Matthew Simpson chamar o prximo perodo da vida de Rousseau (1742-1762)

    de Ascendncia. Jacques Roger divide-o em dois momentos distintos, Os anos

    parisienses (1742-1756) e A solido de Montmorency (1756-1762). De fato, em Paris,

    diante de tantos e cobiosos jovens, a chegada de Rousseau, num primeiro momento,

    no teve grande alarde. O que lhe ajudou imensamente com certeza foi a rede de

    relacionamentos do perodo anterior, que lhe geriu as recomendaes que precisava para

    ter acesso aos crculos sociais mais altos da cidade.

    Data desse momento tambm, o nascimento dos filhos de Rousseau com Thrse

    Levassier (1721-1801), motivo de grandes controvrsias at os dias atuais, pois, que

    educao poderia propor algum cujos filhos foram abandonados nas rodas de

    enjeitados? Datado desse perodo temos a publicao de O esprito das leis, de Charles

    de Montesquieu (1689-1755), considerando que O contrato social de Rousseau levou

    cerca de vinte anos para ser escrito, possvel que esse trabalho tenha tido alguma

    influncia nas obras subsequentes do genebrino. Mas, segundo Simpson, o evento mais

    significativo da vida de Rousseau durante esta fase da sua vida foi o insight que teve em

    julho 1749 ao percorrer a estrada para Vincennes a fim de visitar seu amigo Denis Diderot

    (1713-1784), preso por defender no livro Carta sobre os cegos uma variante radicalista da

    tese de John Locke (1632-1704) acerca da tela em branco.

    Diderot argumentou que todas as ideias e as muitas emoes derivam da

    experincia e da reflexo, ao invs de ser algo inato na alma. Essa teoria parecia

    desafiar a crena ortodoxa de que os humanos so, por natureza, pecadores e

    minar as muitas provas da existncia de Deus, que se baseiam na tese de que a

    ideia de Deus inata mente (SIMPSON, 2009, p. 30).

    O insight de Rousseau recaiu sobre a confiana implcita de que so os vcios que

    corrompem o carter das pessoas, as injustias que permeiam seus arranjos sociais e as

    infelicidades das quais sofrem vem das escolhas humanas, e no de Deus ou da

    natureza (SIMPSON, 2009, p. 183). Este pensamento o impregnou de uma maneira que

    acabou marcando profundamente sua filosofia e suas obras dali em diante, a saber,

    destacam-se: O Discurso sobre as cincias e as artes (1751), O Discurso sobre a origem

    e os fundamentos da desigualdade (1753), e por fim, O contrato social (Do contrato social,

    ou princpios do direito Poltico) e Emlio (ambos de 1762).

    Em janeiro de 1751 foi lanado O Discurso sobre as cincias e as artes, neste

    trabalho, premiado pela Academia de Dijon, Rousseau refletiu sobre a natureza da

    sociedade, opondo o progresso da cincia e da arte ao progresso da moral,

    argumentando que o admirvel desenvolvimento da Renascena no estaria conectado

    ao alargamento da cultura e da felicidade humana. A vida e os seus arranjos sociais

    estaria ameaada pela corrupo da moral e dos costumes. Para explicar seu ponto de

    vista, Rousseau recorreu a uma reconstruo histrica apresentando a ascenso e queda

    de grandes civilizaes do passado (Egito, Constantinopla, Grcia, Roma, entre outras). A

    estas, associou a contemplao das artes e cincias a manuteno do luxo e das

    riquezas materiais. Amplas geradoras de opresso e tiranias institucionais, seriam elas as

    portadoras e divulgadoras do egosmo, da mesquinharia e da desonestidade entre os

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    homens. A despreocupao com a moral e a com felicidade humana seriam, portanto,

    resultado dos avanos de outros setores da vida concreta. Para ilustrar esse processo de

    degenerao (moral, social e poltico), Rousseau recorreu a um delineamento da

    passagem do homem do estado de natureza, marcado especialmente por um sentimento

    de igualdade para com o prximo, para um estado de civilidade, caracterizado pelas

    injustias e desigualdades de sua sociedade.

    No ano de 1753 o Rei Lus XV (1710-1774) da Frana dissolveu o parlamento

    parisiense por conta de uma polmica envolvendo a doutrina de Cornelius Jansen. A

    revolta s no foi maior, pois data desse perodo o primeiro desagrado coletivo acerca de

    Rousseau, que acabou chamando para si as discusses que ocorriam em torno da

    msica francesa, outro palco a qual Rousseau se dedicar. Lus XV bisneto de Lus XIV,

    ascendeu ao trono com apenas cinco anos. O reino teve dois regentes antes de o

    soberano atingir a maioridade, quando tal, Lus XV governou sem Primeiro-Ministro,

    dirigindo, sobretudo as relaes exteriores. Mas o incio de seu governo marcado

    principalmente pela persistente campanha de perseguio aos protestantes que

    promoveu. Mais tarde, conhecido por seus caprichos, seu governo destacar-se-ia

    principalmente no plano da intelectualidade e das artes. Justamente os principais

    domnios das crticas de Rousseau.

    Em meio aos tumultos sobre Jansenismo de 1753, a Academia de Dijon anunciou

    um novo concurso, desta vez questionando qual era a origem da desigualdade entre os

    homens, e se tal desigualdade era justificada pelas leis naturais. Rousseau retirou-se ao

    campo e produziu sua resposta, impactante e demasiadamente radical, envio-a a tempo,

    mas sabia que ela no teria a mesma aceitao que o primeiro Discurso. Veio a chama-la

    de O Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade. No venceu o prmio,

    mesmo assim, publicou seu contedo em 1755.

    Colocado de maneira mais simples, ele argumentou que a desigualdade est

    enraizada na vaidade e na ganncia, o que faz com que as pessoas sintam uma

    alegria secreta diante da pobreza e da misria dos outros. Essa tese, contudo, no

    era to original, pois, como o prprio Rousseau sabia, j havia sido defendida no

    sculo anterior pelo filsofo ingls Thomas Hobbes. A parte revolucionria da

    teoria de Rousseau era sua reivindicao de que a vaidade e a ganancia no

    eram partes essenciais da natureza humana, mas sim produtos de arranjos sociais

    injustos. Consequentemente, foi capaz de ratificar sua teoria da bondade natural

    dos homens, at mesmo diante das bvias crueldades e injustias do mundo ao

    seu redor. Ele as interpretou como um tipo de corrupo de uma condio humana

    original. Quando desenvolveu esse insight, ele no somente influenciou as

    cincias da sociologia e psicologia social, mas tambm estabeleceu a fundao

    para uma nova filosofia poltica e teoria educacional (SIMPSON, 2009, p. 35).

    A Frana se encontrava amarrada ao seu passado medieval e embora se dividisse

    em trs estamentos bsicos (clero, nobreza e plebe), outros grupos e categorias sociais

    tornavam a sociedade demasiadamente estratificada, demandando atenes

    concentradas, caso dos latifndios. O contexto social que Rousseau descreve tem

    espelho nos aspectos scio-polticos de sua contemporaneidade. Todavia, os pensadores

    mais conservadores se opuseram ao seu trabalho. A doutrina rousseauniana expressa

    nesse Discurso pretendia recuperar a conscincia de liberdade individual originria. Um

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    dos meios para se buscar isso era demonstrar como o surgimento da desigualdade entre

    os homens estava atrelado ao juzo de propriedade e das leis de regimento. Como nos

    assegura Streck, a ideia de propriedade vista por ele como fator principal para a

    criao das desigualdades (STRECK, 2008, p. 28). Destarte, tambm as distines

    polticas levam necessariamente s distines civis. A desigualdade, ao crescer entre o

    povo e seus chefes, logo se faz sentir entre os particulares (ROUSSEAU, 1999, p. 235).

    Por desigualdades preciso ter em mente que a questo no se pretendia limitar

    as razes econmicas. Rousseau por sua vez, vai entender que as questes monetrias

    eram paralelas a outras questes, como as polticas, e que unidas, constituam o

    verdadeiro pice da cadeia hierrquica. Como professou Rousseau a riqueza, a nobreza

    ou a posio, o poder e o mrito pessoal so em geral as principais distines pelas quais

    os homens se medem na sociedade (ROUSSEAU, 1999, p. 237). O direito divino, por

    exemplo, to providencial aos monarcas, seria apenas uma das possibilidades de origem

    das desigualdades. Ao negar veemente que Deus concedeu a estes o direito de governar

    sob os outros, portanto, o direito de uns poucos de mandar e o dever submisso de outros

    tantos de obedecer, Rousseau concebeu que as instituies estavam formando o tipo de

    pessoa que mantinha o status quo. No a atoa que mais tarde, no Emlio, Rousseau

    afirmar que no poderia encarar as instituies pblicas como colgios. Rousseau

    colocar tambm que os cidados s se deixam oprimir na medida em que, arrastados

    por uma cega ambio e olhando mais para baixo do que para cima de si, passam a

    apreciar mais a dominao que a independncia (ROUSSEAU, 1999, p. 236).

    Rousseau, na verdade, reformulou a pergunta feita pela Academia propondo-se

    assim a responder por que existem pessoas de diferentes posies polticas, sociais e

    econmicas e essas desigualdades so moralmente justificveis? (SIMPSON, 2009, p.

    88). No difcil imaginar a recepo da resposta de Rousseau, principalmente entre as

    classes mais abastadas, sobretudo na corte de Lus XV. A desigualdade no era nada

    mais do que uma vaidade, uma construo humana, este era o ponto nefrlgico para o

    genebrino. Conforme Simpson, Rousseau conseguiu explicar a origem da desigualdade

    atravs de uma teoria de como a humanidade se movia (ou deveria ter se movido) do

    estado da natureza, no qual no havia desigualdade, para os arranjos atuais das coisas

    em que a desigualdade difusa (SIMPSON, 2009, p. 95). Usando uma analogia retirada

    das cincias fsicas o estado da natureza de Rousseau era bastante parecido com o

    mbito do fsico das entidades reais e interaes. Isto uma abstrao que nunca poderia

    existir como tal, mas que ajuda a explicar o que realmente existe (SIMPSON, 2009, p.

    105).

    Concluindo, a uno dos dois Discursos produzidos por Rousseau procurou

    demonstrar a gradativa corrupo da natureza humana enquanto parte de uma

    sociedade. Contudo, Rousseau teve presente tambm um outro pensamento, a de que

    os indivduos mudam medida que suas sociedades mudam, e que a sociedade muda

    medida que seus membros mudam, tudo numa relao causal complicada com o clima,

    agricultura e o mundo material de um modo geral (SIMPSON, 2009, p. 99).

    No muito distante no tempo e no espao (1755), Portugal foi abalada por um

    assombroso terremoto, onde morreram, segundo registros histricos, milhares de

    pessoas. Inclume, Voltaire escreveu a sua famigerada Carta sobre o terremoto de Lisboa

    onde argumentou que tal evento prova que no existe um Deus providencial cuidando da

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    vida humana (SIMPSON, 2009, p. 37). Impvido, Rousseau respondeu escrevendo a

    Carta a Voltaire sobre a Providncia, argumentando que os seres humanos, e no Deus,

    decidiram que as pessoas deveriam morar em prdios altos e em cidades densamente

    povoadas, at mesmo onde os terremotos so ocorrncias comuns (SIMPSON, 2009, p.

    38). Deste modo, Rousseau questionava se um terremoto ento destri a cidade e as

    pessoas so feridas por causa das suas prprias escolhas, como isso pode deixar de

    provar a existncia de Deus? (SIMPSON, 2009, p. 38). A carta veio a pblico em 1759,

    respondendo esse questionamento, Voltaire escreveu a obra Cndido, ou o Otimismo.

    Pensando em encontrar um meio para exerccio da bondade natural do homem,

    Rousseau escreveu duas prolas: O contrato social e Emlio. Publicados com apenas dias

    de diferena um do outro, em 1762, ambos foram sumariamente banidos da Frana. O

    primeiro um reforo ao debate em torno da natureza e dos limites das obrigaes de

    ordem poltica e legitimidade dos domnios de opresso, iniciado em seu segundo

    Discurso. Neste novo escrito, oferece uma alternativa ideal a um sistema poltico, no qual

    todos os cidados seriam tratados como iguais e livres, um sistema que mereceria a

    fidelidade de seus cidados, pois expressaria seus desejos e promoveria o bem de todos

    (SIMPSON, 2009, p. 40). Emlio foi obra mxima que Rousseau destinou ao tema da

    educao. Neste, apresentou uma plano detalhado dos princpios a serem seguidos em

    cada etapa do desenvolvimento infantil e juvenil com vistas a formar um cidado ao

    mesmo tempo disciplinado e livre (ROUSSEAU, 2011, p. 7). Tentando provar um ponto,

    que tudo que se origina da natureza bom, mas degenera nas mos do homem,

    Rousseau questionava a validade de se depositar nas mos dos homens o problema da

    educao. Deste modo, propunha que as crianas tivessem a oportunidade de serem

    educadas livre e espontaneamente.

    A educao - segundo Rousseau - no deve ter por objectivo a preparao da

    criana com vista ao futuro ou model-la de determinado modo; deve ser a prpria

    vida da criana. preciso ter em conta a criana, no s porque ela o objecto da

    educao - a pedagogia da essncia estava pronta a fazer certas concesses

    neste sentido -, mas, primordialmente, porque a criana a prpria fonte da

    educao. a partir do desenvolvimento concreto da criana, das suas

    necessidades e dos seus impulsos, dos seus sentimentos e dos seus

    pensamentos, que se forma o que ela h-de vir a ser, graas ao auxlio inteligente

    do mestre. Os educadores no podem ter outras pretenses; seriam

    absolutamente nocivas. A existncia do homem tornou-se o fulcro da sua

    educao (SUCHODOLSKI, 1984, p. 39-40).

    Se em O contrato social Rousseau pretendeu descrever uma organizao poltica

    ideal, no Emlio que o genebrino se esfora em mostrar as formas de se projetar uma

    emancipao por intermdio da educao. Como nos apontar Streck o contrato social

    est colado educao [...] e toda educao do Emlio conduzida para que ele possa,

    no fim, viver numa sociedade regida pelo contrato (STRECK, 2008, p. 27). Comparando

    o segundo Discurso de Rousseau e o Emlio, a principal diferena que se obtm na

    escala, como nos aponta Simpson, ambos descrevem um processo de mudana e

    desenvolvimento do carter humano, o Discurso explica em termos da humanidade em

    geral e Emlio sobre o desenvolvimento de um nico jovem (SIMPSON, 2009, p. 149).

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    A liberdade do estado de natureza, sistematizada no Discurso da desigualdade, ou

    a liberdade da infncia de Emlio, caracteriza-se pela total independncia do

    homem em relao aos semelhantes. A liberdade moral ou civil, conquista de

    Emlio na adolescncia e do homem social por ocasio do pacto social legtimo,

    representa uma mudana qualitativa na medida em que a simples independncia

    da vida solitria substituda pela autonomia no convvio social. Rousseau

    articula, portanto, a liberdade natural como significando independncia e a

    liberdade moral ou civil como autonomia (HARTAMANN, 2001).

    Com o lanamento de O contrato social e Emlio, em 1762, Rousseau tornou-se

    inimigo pblico. Suas obras foram proibidas, apreendidas e queimadas, pois incitavam a

    falta de respeito para com os reis ao mesmo tempo em que lanava crticas demolidoras

    religio crist. Errante, em 1766, temendo pela vida, refugiou-se na Inglaterra a convite de

    David Hume (1711-1776). A parceria no foi benfica e o genebrino voltou Frana. Nos

    seus ltimos anos de vida tornara-se testemunha da histria: em 1773 foi suprimida a

    ordem dos Jesutas; em 1774 faleceu o rei Lus XV da Frana e em 1776 foi declarada a

    independncia das colnias inglesas da Amrica. Jean-Jacques Rousseau vem a falecer

    em 1778 e por muito pouco no testemunhou a queda da bastilha, em 1789.

    O sculo de Rousseau o mesmo em que a responsabilizao pela educao se

    deslocou da Igreja para o Estado. Tambm o sculo das luzes, do enciclopedismo, do

    esfacelamento da razo, da revoluo industrial, da produo em larga escala e do

    liberalismo econmico professado pelo economista e filsofo escocs Adam Smith (1723-

    1790). Mas o genebrino, como Diderot e Voltaire, no falava para reis, nobres ou mesmo

    para o clero, estes comeam a falar em nome de uma nova categoria social que surge

    naquele momento histrico: o povo (STRECK, 2008, p. 19).

    Originalidade de pensamento

    Numa primeira leitura, Rousseau aparenta continuar a pedagogia idealizada por

    Comenius (1592-1670), pois ambos empregaram a noo de natureza da criana.

    Entretanto, o genebrino diferencia-se por enxergar a mesma de forma emprica, sem

    imposies ao homem, onde este deveria estar liberto dos regimes que o trancafiariam,

    podendo ento retornar ao estado natural, pois a realidade que interessava a Rousseau

    era a de uma natureza boa, prtica e til ao homem, onde se prevalecesse

    independncia pessoal, onde a educao tivesse um papel preponderante dentro desse

    aspecto, e finalmente, onde se promulgasse a bondade das pessoas.

    Tendo como ideia central que na sociedade o nico lugar em que o homem

    natural poderia se tornar moral, o grande dilema de Rousseau girou em torno da questo:

    formar um homem ou formar um cidado para a sociedade?

    Segundo Bogdan Suchodolski a pedagogia de Rousseau foi primeira tentativa

    radical e apaixonada de oposio fundamental pedagogia da essncia e de criao de

    perspectivas para uma pedagogia da existncia (SUCHODOLSKI, 1984, p. 40). Influente,

    Rousseau concebeu as bases reflexivas deste novo posicionamento, contribuindo para os

    debates vindouros que adviriam da oposio das duas tendncias basilares uma

    pedagogia baseada na essncia do homem e uma pedagogia baseada na existncia do

    homem (SUCHODOLSKI, 1984, p. 8).

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    Passados trezentos anos do nascimento do genebrino, a pergunta de Danilo

    Streck, feita em 2004, parece ainda mais retumbante: onde est Rousseau hoje?

    Arriscamos supor que esteja onde o prprio Streck indicar, numa educao inconforme,

    numa educao que possa estar em toda parte, mas (tambm) nas margens (pois l

    que) ela parece ter o habitat original, porque a partir das necessidades concretas que a

    sociedade se reinventa (STRECK, 2008, p. 85).

    Talvez Rousseau esteja nos movimentos de protesto e ocupaes que tomaram as

    ruas do mundo de 2011 para c. Reunindo estudantes, artistas e ativistas, da Grcia ao

    Chile, todos reivindicando, de liberdade educao, todos se expressando com

    linguagens que ainda no foram completamente decifradas. Se as respostas de

    Rousseau j no respondem as nsias de nosso tempo, olhemos ento, como nos

    recomenda Streck, para suas perguntas e assim procuremos indcios que nos faam

    avanar. Qual ser o nosso insight?

    Rousseau pode no ter estado presente fisicamente, mas seu esprito de

    emancipao se fez sentir na Amrica Latina. No obstante, pontos de vista e graus de

    influencia podem variar, mas inegveis so as conexes possveis entre Rousseau e Jos

    Mart (1853-1895), ou ainda, entre Rousseau e Paulo Freire (1921-1997). O pargrafo-

    citao na primeira pgina, por exemplo, poderia muito bem ter sido escrito por Manoel

    Jos do Bomfim (1868-1932). Sabe-se que o sergipano, assim como Simn Bolvar

    (1783-1830), leram Montesquieu, Voltaire, Rousseau entre outros pensadores europeus.

    Boleslao Lewin em Rousseau en la independencia de latinoamerica se esmera em

    apresentar uma rica documentao que infelizmente no poder ser delineada aqui.

    Ademais, o livro Rousseau & a Educao de Danilo Streck tambm se dedica a tal

    empreendimento.

    Consideraes finais

    De modo geral, a voz de Jean-Jacques Rousseau compartilha semelhantes desafios

    ao dos professores e professoras da contemporaneidade. Salvas suas determinaes

    temporais, denunciar as sociedades as quais faziam parte, apontando as convenes, os

    formalismos e as legitimidades causadoras das desigualdades. Humanitrio, talvez

    proftico, Rousseau vislumbrava as possibilidades emancipadoras dos sujeitos ao

    acreditar que a autonomia destes provinha no da mera possibilidade, mas sim de uma

    vlida obrigao.

    A distino de Rousseau frente aos demais pensadores do seu perodo foi

    marcante. Enquanto estes viam o povo como classe emergente, mais especificamente,

    como burgueses, Rousseau privilegiar na sua compreenso o povo empobrecido

    (STRECK, 2008, p. 19). Rousseau foi e ainda um soberbo pensador utpico, pois para

    este, como bem colocou Danilo R. Streck, a possibilidade da utopia baseada no

    potencial humano de perfectibilidade que, por seu turno, deriva da capacidade de auto

    realizao (STRECK, 2008, p. 28).

    Rousseau acreditava que a mudana teria de vir do povo e que um dos caminhos

    essenciais para isso acontecer seria pela via da educao. A riqueza cultural da Europa

    proporcionou-lhe a uma incomum formao histrica e cultural que acabaram por

    transformar os marcos tericos de sua autoeducao, forjando para si, um pensamento

    com qualidades prprias.

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    Este trabalho buscou verificar as bases do discurso pedaggico de Jean-Jacques

    Rousseau, construindo uma narrativa permeada por um fio condutor que explicitasse as

    contribuies e ambivalncias deste pensador. A intencionalidade, o vis poltico, no

    poderia estar esvaziado, do contrrio, alimentou-se dos conflitos e tenses da vida

    contempornea de um Brasil, de um mundo, que continua abrigando enormes

    desigualdades entre ricos e pobres.

    Referencias

    HARTAMANN, Mauri. A liberdade enquanto tema central que unifica o pensamento

    de Rousseau. 2001. 106 p. Dissertao (Mestrado em Filosofia). Programa de Ps-

    Graduao em Filosofia. Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Porto

    Alegre, RS, 2001. Disponvel em: <

    http://capesdw.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=200115242005019004P0 >

    Acessado s 18h09min de 17/07/2012.

    ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da

    Desigualdade Entre os Homens. 2 Ed. So Paulo: Martins Fontes, 1999.

    ______. O contrato social. Porto Alegre: L&PM, 1762/2011.

    SIMPSON, Matthew. Compreender Rousseau. Petrpolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2009.

    STRECK, Danilo Romeu. Sobre permanncias, mudanas e cidadania (Pedagogia

    histrico-crtica). In: STRECK, Danilo Romeu. Correntes Pedaggicas - uma abordagem

    interdisciplinar. Petrpolis, RJ: Vozes / Rio Grande do Sul: Celadec, 2005. p. 87-106.

    ______. Rousseau & a educao. 2 Ed. Belo Horizonte: Autntica, 2008.

    SUCHODOLSKI, Bogdan. A pedagogia e as grandes correntes filosficas: a

    pedagogia da essncia e a pedagogia da existncia. 3. Ed. Lisboa: Horizonte, 1984.

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    A DCADA DE 1950 E AS MLTIPLAS RELAES ENTRE OS MUSEUS E A EDUCAO: UM ESTUDO SOBRE O CURSO DE ORGANIZAO DE MUSEUS

    ESCOLARES DO MUSEU HISTRICO NACIONAL (1958)

    Ana Carolina Gelmini de Faria Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    [email protected]

    Resumo

    O presente estudo tem por objetivo analisar a importncia da dcada de 1950, em

    especial no ano de 1958, para os estudos do campo dos museus sobre o potencial

    educativo destas instituies, apresentando publicaes - nacionais e internacionais - e

    evento realizado pela rea museolgica que contriburam para debates intelectuais sobre

    a relao museu e Educao, dando nfase nas visitaes escolares. Nesta perspectiva

    investigada uma experincia ocorrida no Museu Histrico Nacional em 1958 por

    solicitao do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP): o Curso de

    Organizao de Museus Escolares, atividade que envolveu tanto o desejo de profuso de

    museus escolares em diferentes Estados do pas, como o desafio do Curso de Museus de

    ministrar seus contedos a fim de aplic-los na perspectiva de museus escolares.

    MUSEU HISTRICO NACIONAL:

    A CONSTRUO DO PONTENCIAL EDUCATIVO DA CASA DO BRASIL

    Nos estudos sobre a histria dos museus, diversas cincias, alm da prpria

    Museologia, colaboram nas investigaes da prtica museal. Gonalves (2007) aponta

    que a Antropologia, a Sociologia e a Histria so algumas das abordagens que somam no

    processo de reflexo. Por ser um instrumento aplicado para usufruto da sociedade, o

    museu possibilita ilimitadas interfaces, e um campo de investigao que tem muito a

    contribuir a Histria da Educao.

    A Histria da Educao capaz de abranger estudos que vo do ensino

    institucionalizado aos processos de aprendizagem e socializao no-oficiais, tornando-se

    um campo de mltiplas pesquisas (STEPHANOU; BASTOS, 2005). Embora tenha como

    destaque a cultura escolar, a Histria da Educao permite ultrapassar este limite,

    explorando, como Dominique Julia aponta, modos de pensar e de agir largamente

    difundidos no interior de nossas sociedades, modos que concebem a aquisio de

    conhecimentos e habilidades (2001, p.11).

    Os dilogos entre a Museologia e a Educao tm um potencial inestimvel e as

    relaes entre ambos j se manifestam h tempos. No Brasil, por exemplo, o Museu Real

    - atual Museu Nacional de Histria Natural - alm de ser um apoiador e promovedor das

    atividades de ensino desde sua fundao, em 1818, declarou sua tendncia educativa em

    regulamento em 1916, desenvolvendo atendimentos escolares que culminaram na criao

    de um servio educativo especfico para os visitantes na dcada de 1930 (LOPES, 1997).

    Este apenas um exemplo da apropriao dos museu