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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN 1808-8716 Silva. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 1(gt18):1-16 O naturalismo científico e as confluências nas relações entre arte e ciência GT-18 Representações visuais e as fronteiras da prática científica Alessandra da Silva Resumo: Considerando as confluências das relações entre arte e ciência no decorrer da história, o presente trabalho tece algumas considerações sobre o naturalismo científico a partir da análise do papel desempenhado pelas imagens nas ciências naturais e suas relações com a arte. O naturalismo científico, movimento surgido no Renascimento, acompanhou a arte e a ciência cruzando territórios e tempos, chegando até a contemporaneidade onde ainda apresenta-se como um campo de exploração para artistas visuais e ilustradores. Atualmente o desenho de caráter naturalista se faz presente na ciência principalmente na ilustração botânica, zoológica, paleontológica, arqueológica, geológica e médica. Os movimentos artísticos da modernidade acabaram por afastar o desenho naturalista do campo das artes, no entanto alguns artistas contemporâneos buscam referencias nas vertentes do naturalismo científico para o desenvolvimento de suas poéticas. As ideias aqui expostas são fundamentais em um cenário onde se discutem formas de preservar o meio ambiente, sendo a arte utilizada como meio facilitador e provocador de percepções despertando olhares e interesses. Palavras-chave: Arte, Ciência, Naturalismo Científico, Contemporaneidade.

O naturalismo científico e as confluências nas ...esocite2017.com.br/anais/beta/trabalhoscompletos/gt/18/esocite2017... · Esse livro foi bastante influente na área botânica,

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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN∕ 1808-8716 Silva. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 1(gt18):1-16

O naturalismo científico e as confluências nasrelações entre arte e ciência

GT-18 Representações visuais e as fronteiras da prática científica

Alessandra da Silva

Resumo: Considerando as confluências das relações entre arte e ciência no decorrer da história, opresente trabalho tece algumas considerações sobre o naturalismo científico a partir da análise dopapel desempenhado pelas imagens nas ciências naturais e suas relações com a arte. O naturalismocientífico, movimento surgido no Renascimento, acompanhou a arte e a ciência cruzando territórios etempos, chegando até a contemporaneidade onde ainda apresenta-se como um campo de exploraçãopara artistas visuais e ilustradores. Atualmente o desenho de caráter naturalista se faz presente naciência principalmente na ilustração botânica, zoológica, paleontológica, arqueológica, geológica emédica. Os movimentos artísticos da modernidade acabaram por afastar o desenho naturalista docampo das artes, no entanto alguns artistas contemporâneos buscam referencias nas vertentes donaturalismo científico para o desenvolvimento de suas poéticas. As ideias aqui expostas sãofundamentais em um cenário onde se discutem formas de preservar o meio ambiente, sendo a arteutilizada como meio facilitador e provocador de percepções despertando olhares e interesses.

Palavras-chave: Arte, Ciência, Naturalismo Científico, Contemporaneidade.

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Introdução

Ao propor uma reflexão sobre as relações entre arte e ciência encontramos como ponto

comum a representação naturalista que acompanhou o homem no decorrer da história com

funções diferenciadas. É comum o emprego de recursos das artes visuais na documentação e

estudos de espécies vegetais, animais ou a paisagem, assim como no campo das artes, artistas

em diferentes épocas e com diferentes olhares utilizaram-se de conhecimentos científicos

como base para em seus processos criativos.

A pesquisa teve como base a revisão bibliográfica através da análise de publicações

dos autores: Gombrich (1995), Catlin (1997), Capra (2011), Rix (2012), Carneiro (2011),

Correia (2009), Bredekamp (2015) paralelo aos textos realizou-se a análise de imagens. A

pesquisa documental e a recolha de bibliográfica especializada relativa ao tema permitiu

analisar as dualidades e confluências dessas áreas e sugerir reflexões sobre esses

atravessamentos na contemporaneidade.

Naturalismo Científico: a arte de ilustrar a ciência

O desenho é a forma de expressão mais antiga que acompanha as civilizações, com um

forte potencial comunicativo se fez presente desde as suas primeiras manifestações na arte

rupestre, e posteriormente entre egípcios, gregos e romanos chegando até a atualidade.

Mesmo que inicialmente as representações naturalistas não apresentassem uma função

científica, tonaram-se importantes para a identificação de espécies já extintas.

As erupções vulcânicas e terremotos que destruíram a civilização minóica na cidade de

Creta, Acrotíri e Pompéia, preservaram restos de pinturas e afrescos que nos permitem

identificar plantas como o açafrão, usados como aromatizantes e corantes, rosas, lírios,

papoulas dentre outras. Entretanto, no Antigo Egito e em Roma as plantas aparecem

representadas em murais com finalidade decorativa.

Todavia, o uso da ilustração de forma descritiva aparece representada nos primeiros

livros que retratavam plantas medicinais, visando ajudar o leitor a identificá-las e a usá-las.

Obras datadas de 2.000 anos atrás, levando-nos a crer que a produção de estudos mais

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detalhados sobre as propriedades medicinais com desenhos e descrições foram produzidos na

Grécia, Ásia Menor e Babilônia, dando origens aos primeiros livros nessa área.

O nome de um dos mais famosos botânicos do século I a.C foi Cratevus, cujo trabalho

foi base para o livro Aniciai Iulianae Codex. Escrito grande parte por Dioscórides, por volta

de 40 d.C., o material dessa obra possui ilustrações de plantas em pergaminho circundadas por

escritas gregas. Esse livro foi bastante influente na área botânica, sendo restaurado e copiado

inúmeras vezes.

Figura 1 - Página em pergaminho do Aniciai Iulianae Codex Escrito por Dioscórides em Anazarbo, atualCesareia, Turquia, por volta de 40 d.C.

Fonte: RIX, 2014, p. 15

No oriente ilustrações de plantas foram produzidas no século XIII, geralmente sobre

pergaminhos com representações de frutas, flores e pássaros, podemos destacar a existência

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de vários registros de ervas medicinais usadas a cerca de 4.500 anos na China. Por outro lado

na europa, no século XV, a ilustração de plantas aparece de forma simbólica ou decorativa em

pinturas religiosas.

Figura 2 - Detalhe de uma representação de pombas e flor de pêra, tinta e lavagem de cor no papel, produzido nadinastia Yuan por Quian Xuan.

Fonte: RIX, 2014, p. 10

Durante a Idade Média, a ilustração botânica não demonstra evolução significativa,

sendo reproduzida para a transmissão dos saberes nos mosteiros acaba perdendo qualidade

por falta de conhecimento e domínio técnico. No entanto, a sobreposição da razão à dogmas e

crenças, alavancou a sistematização do conhecimento a partir da observação, experimentação,

descrição e classificação.

Os séculos XVI e XVII são marcados por um novo olhar para as relações entre a arte e

a ciência, através da retomada dos estudos de observação da natureza, associados ao

surgimento da imprensa e da invenção do microscópio que permitiu um maior rigor científico.

Nesse período destaca-se o artista Leonardo da Vinci que realizou inúmeros estudos através

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da observação sistemática, inicialmente realizava estudos no âmbito das investigações visuais

de forma, cor e luz, como processo para a pintura, porém tais experimentos adquirem rigor

científico.

A sua habilidade nos desenhos botânicos atingiu o ápice em torno de 1508-10, e sódepois de 1510, com Leonardo já sexagenário, foi que seus experimentos botânicosse tornaram pesquisas puramente científicas distintas das pinturas. (CAPRA, 2011,p. 19).

O estudo Lírio Branco de Leonardo da Vinci é considerado uma obra prima para a

botânica, com a representação precisa dos seis estames do lírio, o invólucro floral dividido em

seis pétalas e a disposição das folhas no caule. Segundo Gombrich (1999) é possível que a

exploração da natureza com rigor científico fosse para Da Vinci um meio de adquirir

conhecimento para a sua arte.

Figura 3 - Lírio Branco, Leonardo da Vinci, 1472, desenho, coleção windsor, dimensões desconhecidas.

Fonte: CAPRA, 2011, p. 67

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Contemporâneo de Da Vinci, Albrecht Dürer foi outro artista de grande destaque no

campo da ilustração, ganhando notoriedade pelo alto grau de fidelidade com que captou

meticulosamente os detalhes de seus temas vegetais, conferindo aos seus desenhos, pinturas e

gravuras uma sofisticada e mimética representação da realidade. Neste sentido evidencia

Gombrich:

Dürer esforçou-se em atingir a perfeição em imitar a natureza, não só como umobjetivo em si, mas como uma melhor maneira de apresentar uma visão convincentedas histórias sagradas, as quais iriam ilustrar em suas pinturas, estampas exilogravuras. (GOMBRICH,1999, p.345)

No entanto, muitas vezes as ilustrações de espécies exóticas, eram feitas a partir de

relatos, o que originou a famosa xilogravura feita por Dürer a partir de relatos sobre um

rinoceronte indiano. A ilustração datada de 1515 não condiz com a espécie, no entanto,

circulou em manuais científicos nos três séculos seguintes.

Impulsionada pelo forte desejo de conhecimento científico em um cenário de novas

descobertas da biologia, da ciência e do domínio de técnicas de impressão, a ilustração

científica tomou um rumo próprio. Entre os séculos XVIII e XIX, artistas habilidosos

cruzaram continentes, desenvolvendo estudos, coletando e ilustrando espécies desconhecidas

do continente europeu.

No Brasil várias expedições, realizaram registros e coletaram materiais que foram

levados para a Europa para estudo. Carneiro (2011), ao descrever a história da ilustração

botânica brasileira, pontua várias expedições realizadas na extensão territorial desde a época

da colonização até hoje, todas atraídas pela diversidade de seus inúmeros ecossistemas. Essas

descrições vão desde os primeiros registros produzidos ainda no século XVI como a famosa

Carta do Descobrimento, os relatos de padres jesuítas e todas as obras seguintes, das inúmeras

expedições europeias na saga da exploração. Constam ainda obras pontuais, minuciosamente

ilustradas ao longo de anos, tais como História dos animais e árvores do Maranhão, que

reúne os relatos do naturalista Frei Cristovão de Lisboa, o Libri Principis de autoria

desconhecida e Desenhos de história natural: zoologia e botânica do Brasil de Magalhães

Bastos.

Dentre os artistas viajantes dedicados a temas naturalistas brasileiros podemos citar

Johann Moritz Rugendas, Nicolas Antoine Taunay, Jean Baptiste Debret, Manuel de Araújo

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Porto Alegre. O Rio Grande do Sul também esteve no trajeto de artistas viajantes que

registraram cenários e tradições culturais, alem de plantas, animais com precisão. Dentre eles

podemos destacar Augustin François César Prouvençal de Saint-Hilaire, importante botânico

naturalista escritor do livro Viagem a Rio Grande do Sul, Nicolau Dreys, viajante observador

de rigor científico que escreveu Notícia descritiva da província do Rio Grande de São Pedro

do Sul, Louis-Frédéric Arsène Isabelle escritor e naturalista amador que escreveu o livro

Viagem ao Rio Grande do Sul, Aimé Bonpland médico e botânico francês reconhecido por

seus escritos e descrições de plantas classificadas como “úteis” dando ênfase as suas

finalidades.

Enquanto os demais coletavam elementos que eram estudados posteriormente na

Europa, Bonpland se diferencia ao realizar estudos, enquanto residente estabelece viagens por

um longo período, observando mais detalhadamente, principalmente plantas e suas utilidades,

sendo responsável pela catalogação de diferentes espécies de erva-mate, araucárias e plantas

medicinais. A convivência com colonizadores imigrantes e índios favorecia o

desenvolvimento de seus estudos, através da troca de informações com as pessoas da região

sobre as plantas. Mesmo que, ocupando-se com a comercialização, Bonpland dedicava boa

parte do seu tempo a estudos detalhados de espécies de plantas e animais.

Em um momento em que a produção científica voltava olhares para áreas da medicina

e da agronomia, o trabalho de campo envolvendo descrição anatômica e fisiológica

desempenhava importante papel, muitas espécies eram coletadas em organizadas nos Jardins

Botânicos, transformando-se em importantes materiais de pesquisa e experimentos. Assim os

Jardins Botânicos transformaram-se em locais para instruções de boticários, de médicos, de

cirurgiões, de agricultores e, ainda, de grupos de amadores interessados em desenvolver

estudos de História Natural.

Ao analisarmos o uso de desenhos manuais pela ciência como forma de estruturação e

divulgação do conhecimento, percebemos a imagem científica desempenha uma relação

mimética com o real tornando-se um signo que ao ser observado remete ao referente

representado.

Figura 4- Galileu Galilei, Fases lunares, aquarela 1610.

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Fonte: Disponível em http://www.ufo.com.br/noticias/cientistas-encontram-desenhos-de-galileu. Acesso em 26 de jun. 2017.

Os desenhos lunares por Galileu Galilei estão entre as primeiras representações de

caráter científico, desde então, a as imagens passam a ter grande importância na pesquisa.

Para Bredenkamp (2015) o artista não pode pensar sem olho e mão em movimento,

mostrando o desenho como um dos meios centrais de nossa apropriação mundo, ele descreve

Galileu como um desenhista notável, um artista treinado, que usa a arte do desenho como

instrumento de sua pesquisa.

A arte de ilustrar é vista como um veículo de comunicação que faz uso da imagem para

descrever e divulgar fenômenos biológicos, arqueológicos e paleontológicos. Enquanto

linguagem visual a ilustração científica se tece com três linhas, a história da arte, da ciência e

dos meios de reprodução de imagem.

Por este viés a ilustração científica torna-se um veículo de comunicação fundamental,

presente nos mais diversos campos, possibilitando não apenas apoio as publicações

científicas, mas apresentando-se também como meio de sensibilizar e despertar olhares.

Na passagem do século XIX para o século XX, as imagens do mundo natural,sobretudo botânico, passam a ser incorporadas também ao design e estampas

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decorativas de movimento como o Art Nouveau e o Jugendstil, que pregam uma voltaa natureza num momento já bastante dominado pelas máquinas oriundas da revoluçãoindustrial. As imagens de plantas e animais produzidas pelos artistas destesmovimentos, entretanto, nem sempre seguem à risca a objetividade da representaçãocientífica, mas muitas vezes apresentam estilizações e distorções. (FORTES, 2014, p.81)

De modo geral, o desenvolvimento dos meios de comunicação, além de apresentar

novos recursos para a representação, possibilitou a popularização das imagens. No século

XIX com surgimento da fotografia, a arte perde a sua função representativa e torna-se

autônoma passando a explora novas potencialidades, por conseguinte a fotografia também

passa a ser utilizada para a documentação das espécies, porém na área científica a ilustração

nunca deixou de existir, pois apresenta a possibilidade de isolar características e salientar

detalhes dando maior clareza para a identificação das espécies.

Os movimentos artísticos da modernidade acabaram por afastar o desenho naturalista

do campo das artes, ficando esse a cargo da ciência, no entanto, artistas contemporâneos

buscam referencias nas vertentes do naturalismo científico para o desenvolvimento de suas

poéticas. Isto é, pode-se aferir que há uma retomada das ideias exploradas por Leonardo da

Vinci.

Frijot Capra ao definir Leonardo como um pensador sistêmico nos faz refletir sobre a

possibilidade de tecer relações entre áreas afins:

Compreender um fenômeno da natureza significava para ele relacioná-lo com outrosfenômenos por meio de uma afinidade de esquemas. Essa excepcional capacidade deestabelecer relações entre observações e ideias de disciplinas diferentes está nocerne da visão de Leonardo sobre a aprendizagem e a pesquisa. (CAPRA, 2011,p.16).

Nesse sentido torna-se indispensável desenvolver o conhecimento científico a partir de

uma visão sistêmica e abrangente, ou seja, uma nova forma de ver e pensar a realidade. É

nesse contexto que se inserem os artistas contemporâneos que buscam através de suas

poéticas artísticas abordar as relações entre arte e ciência, suas obras evidenciam

procedimentos científicos a partir de uma nova forma de se enxergar o mundo natural.

Arte e ciência: atravessamentos na contemporaneidade

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Em relação aos referenciais visuais contemporâneos é importante ressaltar o artista

Herman de Vries que incorporar em suas obras elementos da natureza em forma de colagens,

o artista se utiliza de folhas, galhos, flores, pedras e os reorganiza de forma que lembram

coleções científicas, em uma de suas obras ele reúne diferentes tipos de terra e cria

composições através da organização das amostragens de cores.

Figura 5 – Herman de Vries, “da terra: em todos os lugares”, fricção sobre papel, dimensões desconhecidas,2015.

Fonte: Disponíivel em https://www.designboom.com/art/herman-de-vries-dutch-pavilion-venice-art-biennale-05-13-2015/ Acesso em 05 de set. de 2017.

O colecionismo, típico dos sistemas catalográficos dos antigos cientistas, faz tambémparte do trabalho de herman de vries, A coleção não tem objetivos científicos, maspretende ser apenas um compêndio das variedades colorísticas e estéticas da terra,celebrando a variedade do mundo natural no planeta terrestre. [...] Através de umprocedimento simples e classificatório, o artista procura demonstrar poeticamente avariedade e beleza do mundo natural e a pequenez do indivíduo perante a magnitudedo cosmos. Nos inúmeros livros publicados pelo artista, a apresentação de espéciesbotânicas isoladas ou em composições aparecem por vezes acompanhadas de textospoéticos, que refletem sobre o mundo transcendental da natureza. (FORTES, 2014, p.85)

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Outro artista bastante expoente no cenário contemporâneo por abordar em sua poética

as relações entre arte e ciência é o norte-americano Mark Dion, nascido em 1961. O artista

organiza instalações, onde ele recria ambientes que lembram os gabinetes de curiosidades,

reunindo animais empalhados, pedras, plantas e outros objetos. Sua abordagem apresenta um

deslocamento, através da inserção de objetos que perturbam a ideia do racionalismo

científico.

Figura 6 – Mark Dion. Instalação, out. 2015 à fev. 2016.

Fonte: Disponível em: http://www.tanyabonakdargallery.com/exhibitions/wayward-wilderness/5Acesso em 05 de set. de 2017

Sob outro enfoque apresento o artista Nunzio Paci, nascido em Bologna-Itália 1977,

que através do uso de técnicas de pintura e desenho, aborda questões científicas e ambientais,

com ênfase especial para a anatomia e a relação homem-natureza, criando analogias entre

animais e animais. O artista descreve seu trabalho como uma intenção de explorar as infinitas

possibilidades da vida, em busca de um equilíbrio entre realidade e imaginação. “Meu

trabalho inteiro trata da relação entre homem e natureza, em particular com animais e

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plantas. O foco da minha observação é corpo com suas mutações. Minha intenção é explorar

as infinitas possibilidades da vida, em busca de um equilíbrio entre realidade e imaginação.”

(2017)

Figura 7 - Nunzio Paci, O crescimento lento da carne, pintura, 2015.

Fonte: Disponível em https:// www.artsy.net/artwork/nunzio-paci-when-the-flesh-sleeps-everything-sleeps . Acesso em: maio de 2017.

Entre os artistas brasileiros que se destacam no cenário artístico atual, cabe ressaltar

Sergio Alevatto, nascido no Rio de Janeiro em 1971, com formação na área da ilustração

botânica e artes, suas obras fazem uma relação entre a arte e a ciência através do uso de

técnicas de ilustração botânica de forma não convencional. Seu trabalho remete a

representação naturalista, porém com um novo enfoque. Em uma primeira fase suas esse

hibridismo é tão tênue, que passa quase despercebido. Em uma segunda fase o artista compõe

os rostos desses personagens da cultura pop, estruturados a partir de plantas.

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Figura 8 - Sergio Alevatto, Flora Carioca, 2011, óleo sobre linho, 100 x 80 cm.

Fonte: Disponível em: http://www.sergioallevato.com.br/ Acesso em: 12/03/2016

Outro artista brasileiro que tem se destacado é Walmor Corrêa, natural de

Florianópolis, aos 17 anos passou a residir em Porto Alegre, Walmor busca através de suas

obras, confrontar os limites entre os dois campos de conhecimento ao fantasiar novas espécies

biológicas, improváveis dentro do processo evolutivo. O artista inspira-se nas técnicas de

ilustração científica, usadas na descrição de espécies, para criar ilustrações artísticas de

criaturas do folclore popular, ou seres híbridos de espécies que não existem na natureza. A

delicadeza de suas representações quase dá vida a espécies improváveis, o uso do fundo

branco com anotações explicativas, deixa o observador duvidoso sobre estar diante de um

trabalho de catalogação científica.

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Figura 9 – Walmor Corrêa. Série Super Heróis. 2005. Dimensões desconhecidas.

Disponível em: http://www.walmorcorrea.com.br/obras/. Acesso em 13 de jul. de 2017.

A partir dos artistas citados percebe-se que as relações entre arte e ciência atuam como

uma ponte dialética eficaz capaz de alavancar os discursos artísticos para outras dimensões.

Na sociedade atual a imagem tem um forte poder de perceptivo, e tais abordagens artísticas

evidenciam as relações estabelecidas entre ante e ciência no decorrer da história. A

valorização dos conhecimentos passados é apresentada de forma sensível e crítica.

Considerações Finais

Com esse trabalho evidencia-se que a arte e ciência possuem em comum o fato de

serem estratégias de comunicação de ideias, embora essa comunicação ocorra de maneira

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distinta, enquanto o artista busca transmitir suas impressões sobre o mundo de maneira

subjetiva, os cientistas esforçam-se ao máximo, para eliminar a subjetividade de suas criações,

buscando seguir padrões de regularidade em suas representações.

Sendo assim, ao mesmo tempo em que se diferenciam se complementam, pois, a arte

apropriou-se de conhecimentos de ordem científica com o intuito de aprimorar suas obras

enquanto que a ciência fez uso de técnicas usadas pelos artistas para documentar espécies e

divulgar conhecimentos de ordem científica. Essa proximidade entre as duas áreas faz c faz

com que, de certa forma, a arte e a ciência traçassem um percurso paralelo.

Conclui-se que relações entre arte e ciência atravessaram continentes e séculos

chegando até produções da atualidade, sendo que muitos trabalhos relacionam esses dois

campos de conhecimento, no contexto da Arte Contemporânea. As ideias aqui expostas são

fundamentais em um cenário onde se discutem formas de preservar o meio ambiente, sendo a

arte utilizada como meio facilitador e provocador de percepções despertando olhares e

interesses.

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