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1930 Revolução de 30, Silvio Back A Revolução de 1930, Boris Fausto Os Bestializados, José Murilo de Carvalho A formação da Classe operária, Claudio batalha

1930 - Documentário e Historiografia

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Análise historiográfica da revolução de 1930 comparada ao documentário de Silvio Back

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1930

Revolução de 30, Silvio Back

A Revolução de 1930, Boris Fausto

Os Bestializados, José Murilo de Carvalho

A formação da Classe operária, Claudio batalha

Guilherme Berriel Cardoso Silva

INTRODUÇÃO

O ponto em que termina a interpretação e inicia-se o factual de uma obra histórica talvez

fique perdido no documentário e em todos os textos considerados, assim como fica na construção

da própria história, já que é feita por homens suscetíveis à humanidade de memórias e pontos de

vista, assim como trabalhado em sala de aula. Partir desse pré-suposto é compreender que

qualquer explicação sobre a “revolução de 1930” que se diga satisfatória é, na verdade,

incompleta, se não assume sua limitação natural.

Neste trabalho são utilizados os textos de Boris Fausto, “A Revolução de 1930”, de José

Murilo de Carvalho, “Os Bestializados” e “A Formação da Classe Operária”, de Cláudio Batalha, a

fim de promover a discussão do documentário de Sylvio Back, “Revolução de 30”. Utilizando-se

dos comentários presentes no filme, dos historiadores Edgar Carone, Paulo Sério Pinheiro e Boris

Fausto, que são ora contraditórios entre si e ora complementares, o trabalho pretende tratar,

entre outros, da primeira república, da desmistificação do termo “revolução”, do tenentismo, do

operariado, dos acontecimentos de 30 e da mobilização popular.

O trabalho parte de alguns temas centrais na história da revolução de 1930 e

se abstém de explicar os acontecimentos históricos em si para buscar conectá-los às mais

diferentes opiniões dos autores utilizados. Outros textos constados na bibliografia fazem parte do

estudo do documentário.

“Façamos a revolução 

antes que o povo a faça 

antes que o povo à praça 

antes que o povo a massa 

antes que o povo na raça 

antes que o povo: A FARSA”

Affonso Ávila

PRIMEIRA REPÚBLICA – Como e para quem funcionava

As oligarquias cafeeiras eram a principal força político-econômica desse período. Decidiam

os rumos do país a partir de seus interesses, economicamente ligados à manutenção da

especialização econômica e endividamento externo, valorizando sucessivas vezes o café, o

principal produto de exportação brasileiro. Politicamente, como assegura Edgar Carone em fala

no documentário, através da “política do café com leite” e a “política dos governadores”, as

oligarquias de São Paulo e de Minas Gerais revezavam a presidência do país, seguindo o modelo

político de fraudes eleitorais e manipulação das eleições. Favoreciam-nas um panorama de

estabilidade política, portanto o fim desse conchavo entre as oligarquias foi uma das principais

causas da revolução em 30. Apesar de, segundo Boris Fausto, em “A revolução de 1930”, a tal

“revolução” ter funcionado mais como um rearranjo das elites do que propriamente uma perda de

poder por parte delas.

O exército, por sua vez, desempenhou papel fundamental na manutenção da ordem,

garantindo que não se alterassem as relações sociais desse período. Exemplos disso são as

intervenções militares na Guerra de Canudos, Guerra do Contestado, Revolta de Juazeiro,

Revolta da Vacina, Revolta da Chibata, Coluna Prestes, Revoluções Tenentistas de 22 e 24, etc.

Fosse contra a população sertaneja, favelada ou contra os tenentes, as tropas “legalistas”

estavam sempre lá para defender os interesses das elites. Assim, quando em 1930 mais uma vez

os tenentes tentam o golpe militar, o conseguem “derrubando” um dos pilares da Primeira

República: o exército. Essa característica belicista é uma tocante em todo o documentário.

Talvez, uma das grandes contribuições da primeira república, não para o desencadeamento,

mas para os rumos e a consolidação da revolução da forma como aconteceu, tenha sido o

isolamento das massas populares da política. José Murilo de Carvalho, em “Os Bestializados”,

destaca que não existia por parte da massa a observância do Estado como responsabilidade

coletiva, não era algo que lhe pertencesse, pois fora imposto de cima para baixo, excluindo

qualquer participação popular na sua formação. Como observado por Paulo Sérgio Pinheiro e

Boris Fausto, no documentário, é justamente no fim da década de 20 e início da década de 30

que ainda timidamente a massa passa a participar politicamente da sociedade.

Portanto, instaurados alguns dos principais pilares de manutenção da Primeira República,

segundo abordados nos textos e documentário, observá-los se torna uma tarefa de grande

importância para a compreensão dos fatos ocorridos em 1930.

MILITARISMO E TENENTISMO - A manutenção da ordem através da desordem

Durante a crise do Império e na transição para a República, o exército brasileiro foi uma das

únicas instituições que estavam organizadas, pois a Guerra do Paraguai promovera sua

modernização e seu grande fortalecimento institucional. Ao longo da república no século XX, as

forças armadas estiveram politicamente envolvidas em praticamente todas as reviravoltas

políticas do país, tornou-se comum o uso das armas para promover ou debelar uma revolução.

Não sendo diferente em 1930, o documentário de Silvio Back concede destaque especial aos

acontecimentos armados, como as batalhas, as movimentações de tropas e o tenentismo.

Boris Fausto, em seu texto, desmistifica o termo “revolução” para os acontecimentos de

1930, considerando que “as relações de produção e de classe não são tocadas”. Trata os

tenentes como uma força de oposição pioneira e “sintoma gravíssimo de uma crise que se instala

no aparelho do Estado”, pois representava uma contestação dentro do próprio exército, um dos

pilares da República, mas que, assim como corrobora, Paulo Sérgio Pinheiro reiteradas vezes em

comentários no filme, não propunham um ideal social, mas sim um enorme “paternalismo e

autoritarismo”. Também segundo Edgar Carone e Paulo Sério Pinheiro, a história não ressalta

esse aspecto dos tenentes, por vezes conferindo-lhes um papel social descabido, já que a eles

não interessava alterar as relações de produção e de classe.

Os tenentes promoveram levantes armados durante toda a década de 20, na tentativa de

tomar o poder. Consolidou-se assim na sociedade da época o aspecto bélico para resoluções

político-sociais, preterindo-se o jogo partidário. Tanto por parte dos tenentes revoltosos, quanto

do Estado, a resolução armada de um conflito sempre foi preferida, deixando o ambiente propício

a tentativa de golpes de estado.

Porém, no documentário afirma-se que as revoluções de 22 e 24 não desembocam em 30.

A Revolta Paulista de 1924, “consolidação do movimento espontaneísta de 1922”, segundo Edgar

Carone, tem objetivos mais definidos, mas assim como a primeira sofre dura derrota. De 25 a 27,

“o histórico feito militar” da Coluna Prestes, nas palavras de Fausto, apesar da invencibilidade

teve efeito praticamente “nulo” para a revolução ao dar-se isoladamente. Dessa maneira, Fausto

em texto e no filme afirma que os movimentos revolucionários de 22, 24 e 25 a 27 são

exclusivamente tenentistas e não prelúdios da revolução de 1930, que foi muito mais complexa.

Sylvio Back, no filme de 1980, permite uma nova visão histórica do movimento

revolucionário tenentista dos anos 20, retirando da reputação dos tenentes qualquer

representação popular e social mais revolucionária. Edgar Carone considera “antidemocrático” o

projeto dos tenentes e Paulo Sérgio Pinheiro destaca o projeto antipopular das declarações de

Juarez Távora e o seu temor que o chamado “populacho” se mobilizasse.

MOBILIZAÇÃO POPULAR – onde estava o povo?

Claudio Batalha, em “A Formação da Classe Operária”, cuida de esclarecer que a “classe

operária” não surge com o início da república, mas sim quando o interesse coletivo dela

sobrepuja os individuais. Boris Fausto também afirma no documentário que o operariado vivia em

situação de não reconhecimento, de poucas concessões, era “frágil” na sociedade da Primeira

República, afinal ela é agrária, e o setor industrial não é decisivo, apesar de todos os movimentos

reivindicatórios (greves, comícios, etc) dos anos 10 e 20.

Neste momento é que, afirma Cláudio Batalha, os operários ensaiam sua formação e se

consolidam como classe. Mesmo assim, Paulo Sério Pinheiro, no documentário, acredita que não

houve ruptura considerável dos anos 20 para os anos 30 no “tratamento repressor do estado para

com os operários”, que sempre se viram na tentativa de “organização autônoma em relação ao

estado”, como demonstra Jose Murilo de carvalho, em seu texto, através de gráfico sobre as

crescentes associações populares - paralelas ao estado - durante a Primeira República.

Para Paulo Sério Pinheiro, a política de manipulação do operariado garantiu que fosse

extremamente reduzida a legislação social, mais tarde tornando-a uma concessão e não um

direito, afinal “a questão social era caso de polícia”. Diz ainda, que o empresariado paulista tinha

suas listas negras de operários possivelmente envolvidos com protestos e greves (o DOPS

assume esse papel em 27) e a sempre presente atitude “paternalista” segue de 30 em diante.

Daí, afirma ele, surgem os sindicatos “amarelos”, que mais tarde se chamam os “pelegos”, os

quais se tornaram parte importante do “corporativismo” de Getúlio Vargas.

Segundo Boris Fausto, de mobilização popular na virada da década de 20 para 30 temos o

público que vai a comícios, o que se interessa em votar, o que demonstra interesse nos

fenômenos políticos. Mas que “participa muito pouco” da revolução de 1930, apesar de o

documentário elencar inúmeras imagens de população nas ruas – que na verdade eram as

classes médias. “O povo assiste a revolução como uma parada”, diz Paulo Sérgio Pinheiro.

Tendo em vista este panorama, afirma José Murilo de Carvalho, “não havia caminhos de

participação, a República não era para valer” e “quem apenas assistia, como fazia o povo do Rio

por ocasião das grandes transformações realizadas a sua revelia, estava longe de ser

bestializado. Era bilontra.” Portanto, não cabe avaliar o povo como “alienado” sendo sempre

guiado e gerido por interesse pequenos grupos devido à sua desmotivação política. Já que a

república recém-criada nada lhes tinha de participativa, que caísse ou não em 30. Assim

destacam os textos de Boris Fausto e José Murilo de Carvalho, contrariando parte das imagens

de multidões nas ruas selecionadas para o documentário, pois as pessoas que ali aparecem são,

segundo os comentaristas, “as classes médias”.

1930 – movimentação política e papel das oligarquias

Apesar de toda a crise estrutural do sistema político-oligárquico, econômico e social da

Primeira República, as causas conjunturais daquele fim de década é que teriam propiciado a

consolidação da revolução. A Crise de 29, a formação da ANL, a morte de João Pessoa, a eleição

de Julio Prestes e o retorno dos tenentes são pontos fundamentais para a revolução de 1930,

como destacam todos os três comentaristas do filme.

Mesmo que Boris Fausto considere que a república cairia sem a crise de 1929, ainda a

concede papel catalisador, que sucumbiu as bases de sustentação da economia, que só resiste à

quebra através das queimas de café. No campo social, os tenentes agradavam os setores médios

da população com seus discursos de voto secreto e voto feminino, mas só voltaram à cena

política graças às dissidências oligárquicas que os trouxeram para apoia-las. A reação à

formação da ANL, grupo de oposição dos descontentes com a situação de nomeação de Julio

Prestes, é elucidada no documentário através da marchinha carnavalesca “Comendo Bola”, onde

se debocha desta nova frente partidária, derrotada nas eleições.

Boris Fausto, no filme, diz que num primeiro momento, acata-se o resultado pelos

derrotados, mas logo se atam aos tenentistas - que haviam sido retirados do jogo político - para

formar um movimento revolucionário. Somou-se a isso a morte de João Pessoa, que, mesmo sem

ter ligação direta com o fato de ser candidato à vice-presidência na chapa de Vargas, dá força à

revolução.

Edgar Carone, sobre a revolução, diz que os revolucionários de 30 não tem um programa

diferente do das oligarquias, talvez mesmo por compô-las, e mesmo que nas propostas haja

alguma reivindicação social, na verdade, tudo se faz mais tarde de modo a sempre parecer

“concessão” do governo, e nunca conquistas advindas de qualquer reivindicação.

A força política das oligarquias era tamanha que o texto de Boris Fausto e o documentário

cuidam de concedê-la papel primordial nos acontecimentos políticos da revolução. Não sendo por

sua dissidência, sua adesão ao movimento armado, ou sua tentativa de se manter no poder nas

eleições, nenhum movimento “revolucionário” lograria êxito. Comandavam desde a esfera política,

através da “política dos governadores”, até a esfera econômica, com a manutenção de um

modelo de seu interesse, e tratando sempre de conter as mobilizações sociais com grande

repressão armada. Assim, com tanto poder angariado ao longo de toda Primeira República, as

oligarquias (dissidentes) puderam ser o principal vetor nessa chamada “revolução”.

CONSEQUÊNCIAS – mudanças essenciais na sociedade e na política

A Revolução de 1930, como assim é conhecida na história, não significou – como evento

histórico de conquista de poder por outro grupo – uma revolução. Mas, sim, uma nova

composição do Estado aliando novos interesses aos antigos.

O “Estado de compromisso”, defendido por Francisco Weffort e citado no texto de Boris

Fausto como uma múltipla constituição social e ideológica desse novo governo após 30, fica

evidente, entre outros motivos, pela Revolução constitucionalista de 32, o integralismo de 34 e a

quartelada comunista de 35, várias frentes ideológicas que contestam o governo instaurado.

Mostrando que com muitas forças formando o governo, fosse natural que muitas forças de

oposição se revelassem. Contudo, tal “compromisso” rendeu crescente concentração de poder

nas mãos do novo governo de Getúlio Vargas, que era atacado por várias frentes políticas

(conservadoras ou revolucionárias), o que serviu para debelar cada uma dessas revoltas.

O rompimento do modelo de especialização econômica, até então recorrente em

praticamente toda a história brasileira (da cana-de-açúcar ao café), foi um dos desdobramentos

mais relevantes e “revolucionários” dos acontecimentos de 1930. Para Fausto, a revolução

representou um crescimento enorme do estado. E mesmo que tenha se tornado um movimento

representativo do fortalecimento da burguesia, não foi incentivado por ela, já que a burguesia,

paulista, não apoia os revoltosos e sim o presidente Washington Luis.

Da virada da década em diante, também se observa maior envolvimento das massas nas

questões políticas referentes ao país e às questões trabalhistas e sociais (o que não representa

menor alienação ou maior cidadania, como reitera José Murilo de Carvalho). Para Cláudio

Batalha, a classe operária aos poucos vai deixando de ser uma ‘classe para si’ e tornando-se

uma ‘classe em si’, assim, no governo de Vargas consegue expressivos ganhos sociais e

trabalhistas, se comparado com os avanços durante a Primeira República.

A revolução que não aconteceu, segundo textos e documentário, serviu como reorganizar

de poder nas mãos dos militares, oligarquias e burguesia. “Não alterando as relações sociais de

produção ou de trabalho”. Portanto, a “República Velha”, como fazia questão de reiterar Getúlio

Vargas, na verdade não era tão velha, estava desorganizada, e para manter-se se reformulou,

agregando novos aliados.

CONCLUSÃO

O trabalho buscou percorrer a bibliografia, a fim de explicitar as opiniões dos autores e

compará-las com as do documentário, a respeito do que ficou conhecido como a “revolução de

1930”. As versões dos historiadores convergiram em alguns momentos e divergiram em outros,

assim como foi o propósito do trabalho. Desse modo, os fatos históricos em si receberam menor

destaque frente às posições, interpretações e julgamentos dos autores. Pois, buscou-se tratar de

alguns temas principais para tangenciar e contemplar de forma mais abrangente e elucidativa a

revolução de 1930.

O historiador Boris Fausto é autor de um dos textos trabalhados e também está presente no

documentário, por isso é o nome mais citado durante o trabalho. Cláudio Batalha e José Murilo de

Carvalho nos dão em seus textos um panorama maior do que foi a participação popular durante a

Primeira República, servindo de base para a compreensão dos fatos de 30, além de ajudarem a

desconstruir alguns aspectos pregados pelo filme. Outros nomes citados na bibliografia são

resultado de pesquisa acerca do documentário e auxiliaram no desenvolvimento e compreensão

do trabalho.

BIBLIOGRAFIA

A REVOLUÇÃO DE 1930 – Historiografia e História

Boris Fausto

OS BESTIALIZADOS – O Rio de Janeiro e a República Que Não Foi

José Murilo de Carvalho

A FORMAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA e Projetos de Identidade Coletiva

Claudio H. M. Batalha

A CONSTRUÇÃO FÍLMICA DO PASSADO: imagens e narrativas do movimento belicista de 1930

André Luiz dos Santos Franco, Mestre em História - UFPR

A ARTE E A HISTÓRIA NO DOCUMENTÁRIO “A REVOLUÇÃO DE 1930”

Noé Freire Sandes, Universidade Federal de Goiás – UFG

Vera Bergerot, Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás – IFITEG