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Revista de Geografia. Recife: UFPE DCG/NAPA, v. 27, n. 1, jan/abr. 2010 40 AS COMUNIDADES DE FUNDO E FECHO DE PASTO NA BAHIA: LUTA NA TERRA E SUAS ESPACIALIZAÇÕES Denilson Moreira de ALCÂNTARA 1 Guiomar Inez GERMANI 2 RESUMO As comunidades de Fundos e Fechos de Pasto existentes na Bahia vêm sofrendo pressão expropriatória, desde 1970, o que resultou na organização da luta para manter-se na terra. Este artigo se propõe identificar a espacialização das comunidades de Fundo e Fechos de Pasto existentes no estado da Bahia, buscando entender como se configurou sua organização espacial, entendo-as enquanto construções históricas marcada pelo conflito. Os instrumentos metodológicos partem dos relatórios produzidos pelas instituições que trabalhavam com a questão governamentais, eclesiais, associações dos próprios trabalhadores e coleta direta de informações em encontros estaduais, identificando os critérios utilizados no processo de espacialização e o que isso significou para a discussão da questão agrária. Os resultados e discussões explicitam que: a) é impossível dissociar a luta na terra destas comunidades da questão agrária; b) a identidade das comunidades de Fundos e Fechos de Pasto é fruto, também e principalmente, de uma construção política; c) é a luta na terra que dá visibilidade ao Movimento, sendo neste processo, que passam de tutelado pelo Estado à sujeitos de sua própria história; d) o processo de criminalização é um dos elementos que compõe a reação da classe de proprietários de terra. PALAVRAS-CHAVE: Fundo e Fecho de Pasto, luta pela terra, questão agrária, espacialização, identidade política ABSTRACT The communities of bottoms and pasture closures in Bahia have been suffering expropriation pressure since 1970, and it resulted in the organization of struggling to stay in the land. This article proposes to identify the spacing of bottom and pasture closure communities in Bahia, trying to comprehend how the space organization was configured, considering them as historical constructions marked by the conflict. The methodological instruments arises from written reports produced by the institutions that work with this issue - governmental, ecclesial, workers associations and direct collect of information in state meetings, identifying the rules used in the process of spacing and what it represented to the discussion about agrarian issue. The results and discussions show that: a) it is impossible to dissociate the communities land struggle from the agrarian issue; b) the community identity of bottom and pasture closure is also the result of a political construction; c) the land struggle confers visibility to the Movement, it is in this process that they pass from state tutelage to agents of 1 Mestrando em Geografia/UFBA, pesquisador do Projeto GeografAR [email protected]. 2 Doutora em Geografia, Professora do Mestrado em Geografia/ UFBA e coord. do Projeto GeografAR/IGEO/ UFBA. [email protected]. Endereço: Universidade Federal da Bahia - Campus Universitário de Ondina, Instituto de Geociências (IGEO/ UFBA) - Sala 210 B, CEP.: 40.170.290 Salvador Bahia.

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AS COMUNIDADES DE FUNDO E FECHO DE PASTO NA BAHIA:

LUTA NA TERRA E SUAS ESPACIALIZAÇÕES

Denilson Moreira de ALCÂNTARA1

Guiomar Inez GERMANI2

RESUMO

As comunidades de Fundos e Fechos de Pasto existentes na Bahia vêm sofrendo pressão

expropriatória, desde 1970, o que resultou na organização da luta para manter-se na terra. Este

artigo se propõe identificar a espacialização das comunidades de Fundo e Fechos de Pasto

existentes no estado da Bahia, buscando entender como se configurou sua organização

espacial, entendo-as enquanto construções históricas marcada pelo conflito. Os instrumentos

metodológicos partem dos relatórios produzidos pelas instituições que trabalhavam com a

questão – governamentais, eclesiais, associações dos próprios trabalhadores – e coleta direta

de informações em encontros estaduais, identificando os critérios utilizados no processo de

espacialização e o que isso significou para a discussão da questão agrária. Os resultados e

discussões explicitam que: a) é impossível dissociar a luta na terra destas comunidades da

questão agrária; b) a identidade das comunidades de Fundos e Fechos de Pasto é fruto,

também e principalmente, de uma construção política; c) é a luta na terra que dá visibilidade

ao Movimento, sendo neste processo, que passam de tutelado pelo Estado à sujeitos de sua

própria história; d) o processo de criminalização é um dos elementos que compõe a reação da

classe de proprietários de terra.

PALAVRAS-CHAVE: Fundo e Fecho de Pasto, luta pela terra, questão agrária,

espacialização, identidade política

ABSTRACT

The communities of bottoms and pasture closures in Bahia have been suffering expropriation

pressure since 1970, and it resulted in the organization of struggling to stay in the land. This

article proposes to identify the spacing of bottom and pasture closure communities in Bahia,

trying to comprehend how the space organization was configured, considering them as

historical constructions marked by the conflict. The methodological instruments arises from

written reports produced by the institutions that work with this issue - governmental,

ecclesial, workers associations – and direct collect of information in state meetings,

identifying the rules used in the process of spacing and what it represented to the discussion

about agrarian issue. The results and discussions show that: a) it is impossible to dissociate

the communities land struggle from the agrarian issue; b) the community identity of bottom

and pasture closure is also the result of a political construction; c) the land struggle confers

visibility to the Movement, it is in this process that they pass from state tutelage to agents of

1 Mestrando em Geografia/UFBA, pesquisador do Projeto GeografAR [email protected].

2 Doutora em Geografia, Professora do Mestrado em Geografia/ UFBA e coord. do Projeto GeografAR/IGEO/

UFBA. [email protected]. Endereço: Universidade Federal da Bahia - Campus Universitário de Ondina, Instituto

de Geociências (IGEO/ UFBA) - Sala 210 B, CEP.: 40.170.290 Salvador – Bahia.

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their won history; d) the process of criminalization is one of the elements that composes the

reaction of the land owners class.

KEYWORDS: bottom and pasture closure, land struggle, agrarian issue, spacing, political identity.

1. INTRODUÇÃO

Para entender o Fundo e o Fecho de Pasto e sua espacialização na Bahia é necessário

distinguir primeiro em que escala de abordagem este objeto possui visibilidade, pois a

articulação do conhecimento em escala é de suma importância para apreender o mundo por

parte dos geógrafos. Um olhar que não articula escalarmente os fenômenos espaciais tende a

negligenciar a dinâmica do movimento da realidade. Castro (2003, p. 127) lembra que o

problema da escala é importante, pois “na realidade todo fenômeno tem uma dimensão de

ocorrência, de observação e análise apropriada”, logo a função da escala é dar visibilidade ao

fenômeno estudado.

Compreendendo isto, faz-se necessário definir as duas escalas utilizadas neste artigo.

Uma, considerando o Fundo e Fecho de Pasto enquanto uma unidade produtiva, constituída

por grupos de famílias, estabelecidas em áreas com dimensões pequenas, que leva a trabalhar

em uma escala de maior detalhe que permita visualizar e entender a organização desta

unidade produtiva. Entretanto, a partir do final da década de 1970, esta unidade produtiva

passou a ter que defender seu território para não serem expropriados da terra e esta defesa

resultou na organização, a nível estadual, que se constitui como a outra escala utilizada para

entender as Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto em suas articulações.

Este artigo se propõe, a partir dos relatórios produzidos pelas instituições que

trabalhavam com a questão – tantos governamentais, com eclesiais, assim como associações

dos próprios trabalhadores –, identificar a espacialização que foi se configurando ao longo do

tempo e como esta, por ser uma construção histórica, foi marcada pelo conflito e teve critérios

diferentes a depender da intencionalidade de quem os definia

2. DUAS PALAVRINHAS SOBRE AS COMUNIDADES DE FUNDO E FECHO DE

PASTO

Definir um período exato de surgimento das Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto,

bem como a forma exata de apropriação por estes grupos sociais de uma fração da natureza é

algo complexo. Os estudiosos apontam para a sua existência a partir da crise da cana de

açúcar no litoral, no período colonial, resultando no abandono das terras por parte dos

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sesmeiros, possibilitando, nas fronteiras do gado solto no sertão e na expansão para os Gerais,

o surgimento destas comunidades. Entretanto, não se pode dizer que todas as Comunidades de

Fundo e Fecho de Pasto existentes na atualidade são contemporâneas a este período. Pode-se

afirmar que esta forma de organização social tem sua inspiração neste período, entretanto ela

não se explica só por este fato. Várias comunidades são formadas ao longo do tempo

histórico, bem como tantas outras foram destruídas, pois o processo que possibilita a

permanência ou determina o seu desaparecimento é a dinâmica da produção do espaço. O

espaço a que me refiro é o espaço socialmente construído, definido por Santos como sendo:

(...) um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e

do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão

acontecendo diante dos nossos olhos e que se manifestam através de

processos e funções. O espaço é, então, um verdadeiro campo de forças cuja

aceleração é desigual (SANTOS, 1990, p. 122).

Assim sendo, o primeiro elemento a compreender é o processo dinâmico destas

comunidades ao longo do tempo/espaço vinculadas à sociedade total, pois nenhum ponto está

desvinculado da produção do espaço total, mas em função do processo seletivo da produção,

este se manifesta diferenciadamente em cada lugar. 3

Um segundo elemento importante é que se trata de garimpar a história dos “sem

história”. É o esforço de registrar o movimento de um grupo que passou anos despercebidos e

invisíveis, de um grupo social que como diz Martins (2008, p. 10 e 11), possui a “linguagem

do silêncio e dos silenciados, (...) dos que fazem história a margem e das idéias dominantes.”

É um esforço de olhar o caminho feito pelos homens e mulheres de “tempos lentos”, como

sinaliza Santos (2002).

Um terceiro ponto importante é que não se pode generalizar a organização das

comunidades de Fundo e o Fecho de Pasto. Ela é diversa na sua forma, pois responde as

necessidades que a sociedade lhe imputa enquanto função. É forma-conteúdo, como nos

ensina Santos (2002). Ao tentar generalizaras comunidades de Fundo e Fecho de Pasto

incorre-se no erro de enrijecer o que sempre foi flexível para responde aos desafios que o

movimento da produção do espaço propõe e exige. Desta foram, toda tentativa de definição é,

3 Se a geografia deseja interpretar o espaço humano como um fator histórico que ele é, somente a historia da

sociedade mundial, aliada à da sociedade local, pode servir como fundamento à compreensão da realidade

espacial e permitir a sua transformação a serviço do homem. Pois a história não se escreve fora do espaço e não

há sociedade a-espacial (SANTOS, 1979, p. 09-10).

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ao mesmo tempo, um esforço e um limite que só serve para um dado momento da história,

pois o real supera o que foi posto, necessitando ser reformulado. Diante disso é importante

evidenciar o que se entende por Fundo e Fecho de Pasto com base das comunidades

estudadas:

P o d e - s e e n t e n d e r o F u n d o d e P a s t o c o m o u m a e x p e r i ê n c i a d e a p r o p r i a ç ã o d e t e r r i t ó r i o t í p i c o d o s e m i - á r i d o b a i a n o c a r a c t e r i z a d o p e l o c r i a t ó r i o d e a n i m a i s e m t e r r a s d e u s o c o m u m , a r t i c u l a d o c o m a s á r e a s d e n o m i n a d a s d e l o t e s i n d i v i d u a i s . O s g r u p o s q u e c o m p õ e m e s t a m o d a l i d a d e d e u s o d a t e r r a c r i a m b o d e s , o v e l h a s o u g a d o n a á r e a c o m u n a l , c u l t i v a m l a v o u r a s d e s u b s i s t ê n c i a n a s á r e a s i n d i v i d u a i s e p r a t i c a m o e x t r a t i v i s m o v e g e t a l n a s á r e a s d e r e f r i g é r i o e d e u s o c o m u m . S ã o p a s t o r e s , l a v r a d o r e s e e x t r a t i v i s t a s . S ã o c o m u n i d a d e s t r a d i c i o n a i s , r e g u l a m e n t a d o s i n t e r n a m e n t e p e l o d i r e i t o c o n s u e t u d i n á r i o , l i g a d o s p o r l a ç o s d e s a n g u e ( p a r e n t e s c o ) o u d e a l i a n ç a ( c o m p a d r i o ) f o r m a n d o p e q u e n a s c o m u n i d a d e s e s p a l h a d a s p e l o s e m i -á r i d o b a i a n o (ALCANTARA e GERMANI, 2009, p. 13).

Esta definição em si, pelo próprio movimento das comunidades de Fundo e Fecho de

Pasto, já apresenta necessidade de reformulação uma vez que, além do semi-árido baiano,

encontram-se no oeste da Bahia comunidades que tem no uso de terras comuns a base de suas

organizações, denominadas de Fecho de Pasto4.

Por fim, tanto a identidade de Fundo de Pasto como a de Fecho de Pasto é, também,

uma identidade política, que possui o seu fundamento na história, mas que se firma no

cotidiano da luta pela terra. É uma identidade marcada pelo sujeito histórico que alimenta e

põe em evidencia o sujeito de direito. O sujeito histórico investido de poder por uma

identidade cidadã que os une e passa a disputar com um agente exógeno a base da sua

4 “As Comunidades de Fundo e Fechos de Pastos estão localizadas, em sua totalidade, no semi-árido baiano no

ecossistema caatinga com grande escassez de água. (...). As Comunidades de Fecho de Pasto estão localizadas

em regiões mais úmidas, com vegetação nativa mais densa e com presença marcante de água.” (GERMANI,

2009, p.138). Além do elemento espacial, outros elementos sociais estabelecem a diferença a exemplo do manejo

do sistema produtivo.

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reprodução e reivindica o poder de decidir sobre a terra, enquanto meio de produção e de

vida, evidenciando as contradições, os enfrentamentos e a correlação de forças desiguais

existentes na produção do espaço. Nesta perspectiva, no discurso das comunidades

tradicionais, a questão agrária se apresenta enquanto central, pois como afirma Germani:

A questão agrária vai buscar entender a complexidade deste contexto e a

maneira como os diferentes grupos sociais se insere nele. E esta inserção

remete, obrigatoriamente, a uma questão territorial. Ou melhor, vai ser a

questão territorial que perpassa e articula a questão agrária com os grupos

sociais em sua luta para “entrar” ou “permanecer” na terra, ou melhor, para

garantir a conquista ou manutenção dos seus espaços de vida (GERMANI,

2009, p. 353).

Assim sendo a questão agrária é a base da discussão onde se pautam as comunidades

que se definem a partir da terra de uso comum. É em função da disputa pela terra enquanto

meio de produção e base da manutenção do seu modo de vida é que se organizam estes

grupos sociais.

3. AS COMUNIDADES DE FUNDO DE PASTO E O SURGIMENTO DOS

CONFLITOS

Nas comunidades de Fundo e Fecho de Pasto durante muito tempo não havia

necessidade de definição de limites tão claros. A terra era livre para a cabra ou o gado correr

solto (na solta), a produção do espaço não se dava engendrada por forças externas à

comunidade, esta se organiza a partir das necessidades de sobrevivência. Isto não significa

dizer que estas comunidades estavam isoladas no seu processo produtivo e social. Havia e há

constantes trocas, como a venda de produtos na cidade, a troca de serviços em momentos de

seca, os constantes fluxos de pessoas indo e vindo para os centros urbanos buscando garantir a

sobrevivência. Diante das adversidades, foram gestando o seu modo de vida, pautado na

convivência com a caatinga e o cerrado, de forma que a sua experiência de apropriação do

bem natural não tivesse um caráter de transformação total da natureza a ponto de criar um

desequilíbrio. O meio natural que era modificado, possuía uma relativa harmonia com o

grupo social que o modificava. A convivência construída com base no que a própria caatinga

possuía não se constituía enquanto ação predatória. Nesta relação, a seca passou a ser

entendida não como catástrofe, mas como ciclo natural. Isso não quer dizer que não sofriam

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com a seca, significa dizer que encontraram um caminho de convivência e criavam

estratégias, dentre as quais a migração.

A relação de poder que se expressa na valorização do espaço é que irá definir quem

exerce controle sobre uma dada área. Durante o período da colonização, a rota do capital que

iniciou o desbravamento do sertão ao longo do Rio São Francisco, descobriu outros interesses

econômicos na mineração nas áreas da Chapada Diamantina, em Minas Gerais, ampliando o

eixo de ação do capital que já sentia o declínio da produção açucareira. Naquela época, estas

áreas onde hoje estão assentados um grande número de Fundos e Fecho de Pasto, pertenciam

às famílias dos Guedes de Brito e aos Garcia D’Ávila e tinham como função o criatório de

gado extensivo para abastecer o litoral e os centros comercias, denominados currais. Com o

declínio da lavoura açucareira a rota do gado se voltou para abastecer a mineração, que ao

entrar em crise torna a atividade do gado pouco rentável. Assim sendo, os grandes sesmeiros

foram abandonando as grandes áreas existentes. O povo foi ocupando a área sem haver uma

preocupação com o processo legal que definia a propriedade. As terras então foram ocupadas

sem uma documentação, porém o seu respaldo foi e é unicamente o seu uso pela comunidade

que ali habitava e habita. Cada unidade, ou grupo de família no sentido lato senso, se

apropriava desta fração do espaço através do uso, portanto é o uso para a manutenção da vida

que define a posse da terra. 5

Entretanto, a relação de posse é relativa, esta não tem um caráter

privado, pois não existe a delimitação da área pertencendo a um indivíduo sem possibilidade

de uso por parte de outros. O uso se dá de forma comunal e até mesmo nas áreas ditas

particulares não se pode apropriar um bem como a água ou o pasto. O que é apropriado de

forma individual é a produção, não os meios de produção.

Foi necessário fazer adaptações que possibilitasse ao vaqueiro garantir a sua

reprodução, o que levou a substituição do animal nas áreas mais secas, passando-se a criar

caprino, suínos e ovinos, animais de pequeno porte ao invés de gado. Isso se deu em função

do tempo necessário para a produção alcançar a maturidade e poder ser consumida.

Mais tarde, com o desenvolvimento da técnica de irrigação somada as ações do

governo militar inicia-se no território brasileiro um processo de expansão territorial através do

alargamento das fronteiras agrícolas do país. Este processo levou a uma intensificação do

capital no campo brasileiro, outrora esquecido e o espaço que era tido como espaço de

5 Isto não exclui o fato de se encontrar pessoas que possuem documento de compra em algumas áreas.

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“atraso” e antagônico à modernidade do capital passa a ser “espaço onde as almas brilham”,

como diz Santos “espaços luminosos” e desejados pelo capital.

A valorização da terra vai se dar através da adição de técnica ao espaço,

implementando uma lógica de reprodução diferenciada da local. A política de incentivo fiscal

desenvolvida pelo governo federal no Nordeste representado pela Superintendência do

Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e Departamento Nacional de Obras Contras as

Secas (DNOCS), buscaram desenvolver projetos que facilitasse a expansão do capital no

campo com obras de infra-estrutura e financiamentos.

Na Bahia, os pontos de expansão foram o Oeste Baiano com a entrada da soja e o Vale

do São Francisco, no Baixo e Médio curso do Rio São Francisco, com a entrada da

fruticultura e canaviais irrigados. São pontos específicos onde as condições naturais que

outrora se apresentavam como inaptas para o desenvolvimento da agricultura, agora, com o

avanço da tecnologia, somado ao desejo político, se constituem enquanto espaço de desejo da

ação do capital, materializada nas agroindústrias que ali se estabelecem com uma produção

voltada para o mercado externo. A construção das rodovias abre caminho para a valorização e

o estabelecimento do conflito em toda sua extensão.

As terras de uso comum passaram a ser ameaçadas pela valorização que ocorreu no

lugar. Começa assim a luta pela resistência na terra e pelo direito de se reproduzir enquanto

camponês.

4. AS COMUNIDADES DE FUNDO DE PASTO NA BAHIA: LUTA PELA TERRA

SUAS ESPACIALIZAÇÕES E REGIONALIZAÇÕES

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Em primeiro momento, no início da década de 1980, a resistência se deu de forma

isolada. Cada Fundo Fecho de Pasto é um ponto porque neste momento a dimensão da luta,

por ser nova ainda, não estava articulada como um processo coletivo. É a Igreja Católica o

elemento que irá, através da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e das Pastorais Rurais, junto

com os sindicatos rurais, “costurar” esta história, organizando uma luta conjunta. São estas

comunidades na sua teia de

relações que se

articularam/articulam na defesa

do seu espaço apropriado de

forma comunal ao longo da

história.

Na busca de entender o

que se passa nestas áreas, o

Estado começa a desenvolver

estudos sobre as comunidades

em questão. Em 1982, foi

realizado pela Companhia de

Desenvolvimento e Ação

Regional (CAR), pelo Instituto

de Terras da Bahia

(INTERBA) e a Comissão

Estadual de Planejamento

Agrícola (CEPA), o trabalho

Projeto “Fundo de Pasto”

Aspectos Jurídicos e Sócio-

Economicos”(CAR, 1982) .

Este Projeto tinha como objetivo identificar e caracterizar as áreas de pastagens utilizadas de

forma comunitária. Analisa a viabilidade sócio-econômica do Fundo de Pasto e busca

alternativas jurídicas, com vista a regularização fundiária, com a intenção de controlar as

tensões sociais nas áreas onde se desenvolve o Fundo de Pasto. Para este estudo a área de

abrangência considerada forma os municípios de Abaré, Curaçá, Chorrochó, Macururé,

Euclides da Cunha, Uauá, Jeremoabo, Santa Brígida, Senhor do Bonfim, Juazeiro, Rodelas,

Monte Santo, Glória, Paulo Afonso, Jaguarari. (Figura 1).

Figura 1

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Não há uma tipologia que diferencie as áreas. Estas são o local da existência do

fenômeno e do conflito, faz-se apenas uma espacialização, sem, contudo identificar uma

lógica específica.

No ano seguinte, em 1983, é realizado um trabalho intitulado “Fundo de Pasto: Uma

Prática de Trabalho Comunitário na Pequena Produção – um estudo de caso no município de

Uauá” (CAR, 1983). Trata-se de um estudo de caso na fazenda São Bento. Por ser um

trabalho que buscava entender com se dava a organização interna do Fundo de Pasto, este não

discute a questão da espacialização em relação a outras comunidades.

Durante quatro anos não se elaborou mais nenhum documento técnico oficial sobre o

tema e, aparentemente, o assunto saiu de pauta de preocupações e interesses do Estado.

Entretanto, as tensões não desapareceram e a organização da luta continuava. É importante

ressaltar que o Brasil estava vivendo um momento de abertura e democratização, com o

processo da Constituinte em curso, a nível nacional e estadual, sendo constantes as

manifestações populares na disputa pela aquisição/manutenção de direitos. Este movimento

constitui-se propicio a emergência das organizações populares. As Comunidades de Fundo e

Fecho de Pasto na Bahia também se inserem no processo de pressão junto com os setores da

Igreja Católica progressista que enfrentaram a luta contra a Lei dos Quatros Fios e o perigo do

cercamento.6

Em 1987, são publicados três estudos, sendo que apenas dois dão um tratamento a

questão tendo como escala o Estado da Bahia. O primeiro é realizado pela SEPLANTEC e

CAR denominado “Avaliação da Intervenção Produtiva Fundo de Pasto” (CAR, 1987). Neste

estudo o Estado faz uma divisão territorial das comunidades de Fundo de Pasto com o

objetivo de estudar a organização da produção, tendo como base o movimento do capital e os

conflitos gerados por este. Com isso, o Estado reconhece que há uma relação de disputa por

uma fração especifica do espaço em um dado lugar, por um determinado grupo, que se

articula resistindo a outro. Para tanto, dividiram em três grupos distintos orientados pela

situação de conflito: a) o primeiro grupo compreende os municípios de Uauá, Curaçá e

Chorrochó, justificando que nestes se observava uma maior concentração de Fundos de Pasto,

porém com certa estabilidade no que se refere ao conflito por questões de terra; b) o segundo

grupo composto pelos municípios de Senhor do Bonfim, Canudos, Monte Santo, Euclides da

Cunha e Itiúba, que vinham sofrendo o cercamento das áreas pelos pecuáristas de outra região

6 A este respeito ver SANTOS e GERMANI (2006).

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e c) o terceiro grupo considerado foi o do município de Juazeiro onde o capital agro-industrial

espalhou-se com maior força e violência, gerando repercussões e transformações sócio-

econômicas e produtiva da região. O critério para esta divisão, como pode ser visto, tem como

fundamentação as diversas formas que o capital tem se instalado na área gerando conflitos.

(Figura 2).

No mesmo ano de 1987,

o INTERBA realizou um

estudo que foi publicado por

Angelina Rolim Garcez

denominado “Fundo de Pasto:

Um Projeto de Vida Sertanejo”

(GARCEZ, 1987). O livro, que

foi sua dissertação de mestrado

pela Faculdade de Economia

da UFBA, apresenta outra

espacialização. A primeira

diferença é que aumenta,

significativamente, o número

de municípios onde se

identifica a existência de

comunidades de Fundo de

Pasto. Chama a atenção o fato

de que na relação dos conflitos

apontados neste trabalho

alguns se arrastam até hoje sem

solução a exemplo de Fazenda Torres, em Canudos; Caldeirãozinho em Uauá e a todos os

Fechos de Pasto localizados ao longo do Rio Arrojado, áreas do oeste do estado. A segunda, é

que as áreas com agrupamento de comunidades Fundo e Fechos de Pasto acompanham o eixo

de desenvolvimento da época no tocante a expansão da fronteira agrícola e a implantação de

aparelhos técnicos o que gera a capitalização da área, resultando na valorização do/no espaço

e, conseqüentemente em sua disputa. À medida que estes processos vão se intensificando se

verifica a valorização e disputa do espaço e as comunidades se revelam através da resistência

e dos conflitos.

Figura 2

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O critério utilizado foi o da localização, resultando na formação de três agrupamentos:

Nordeste, Serra Geral e Oeste.

(Figura 3). O Nordeste

agrupava todos os Fundos e

Fechos de Pasto situados a

norte e nordeste do estado7 que

passam por processos

expropriatórios em função da

instalação de equipamentos

técnicos como as hidrelétricas

de Paulo Afonso e Sobradinho.

Isto resultou em uma mudança

nas formas e nas funções

demandando um novo

momento deste ato de produzir

espaço da sociedade brasileira.

O agrupamento

denominado Serra Geral, que

abrange os Fundos de Pasto

dos municípios de Oliveira dos

Brejinhos, Brotas de Macaúbas

e Ibititá foi marcadas pelo

processo de interligação do Estado através da construção de rodovias, no caso a BR 242. Esta

intervenção estatal tem como saldo concreto a divisão da comunidade de Várzea Alegre e

Várzea Grande, a agudização dos conflitos e o cercamento do perímetro externo desses

Fundos de Pasto como estratégia de defesa de suas áreas8.

Por fim, os Fechos de Pasto do Oeste que compreende os municípios de Correntina,

Coribe, Santa Maria da Vitória e Canópolis, passaram a sofrer com o alargamento da fronteira

agrícola. As transformações ocorridas a noroeste do estado no entorno do município de

Barreiras com a chegada dos gaúchos plantadores de soja alterou completamente a paisagem

7 Os Fechos de Pasto existentes no nordeste estão localizados majoritariamente na Serra de Cana Brava, nos

municípios de Antonio Gonçalves e Pindobaçu. 8 Ver a respeito SANTOS e GERMANI (2006) e CARVALHO (2008)

Figura 3

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criando uma dinâmica nova e conflitava para as comunidades de Fecho de Pasto. Na área de

Santa Maria, Cocos e Coribe o agro negócio se insere, investindo, pesadamente, na aquisição

de grande propriedade. A configuração espacial para as Comunidades de Fundo e Fecho de

Pasto no estado da Bahia mudou completamente. Elas se tornam visíveis a partir do conflito

estabelecido para se manter na terra e sua identidade é (re)afirmada na resistência e na luta

contra a expropriação e a manutenção do seu modo de vida.

Naquele momento as

organizações populares não

haviam feito nenhuma proposta

para pensar o seu agrupamento.

Porém, no momento pós-

constituinte, há uma mudança

em sua organização. As

associações de Fundos e

Fechos de Pasto, organizadas

como Movimento, enquanto

agrupamentos por municípios

denominados de Pólos. A

regionalização anterior e as

espacializações efetuadas pelo

Estado não corresponderam às

necessidades do Movimento de

Fundo e Fecho de Pasto em sua

busca por uma articulação

coletiva da luta pela

regularização fundiária.

Inicialmente, esta se deu pela

organização da estrutura eclesial. Os agrupamentos formados dependeram muito da assessoria

que receberam. Como esta estava vinculado às dioceses da Igreja Católica, a sua organização

vai ser muito semelhante à organização sócio-espacial da Igreja. (Figura 4)

A diocese de Barra junto com a Fundação do Desenvolvimento do São Francisco

(FUNDEFRAN) foi quem auxiliou na luta campesina e na organização do povo de Oliveira

dos Brejinhos e Brotas de Macaúbas.

Figura 4

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Já na região de Senhor do Bonfim é a CPT, da diocese de Senhor do Bonfim, quem

assessora este agrupamento, enquanto a CPT de Juazeiro, junto com os sindicatos de

trabalhadores rurais, assessoram a região que se estende de Curaçá até Pilão Arcado. A partir

da luta conjunta fundam-se, na década de 1990, as Centrais de Fundo de Pasto e estas então

definem seu campo de ação. Inicialmente, se mantêm como está, mas depois vai se adaptando

a lógica de circulação de

informações que possibilita a

articulação, necessitando

pensar outra configuração

espacial.

No IIº Encontro

Estadual de Fundo de Pasto

realizado em Oliveira dos

Brejinhos, em julho de 2004,

esta organização territorial foi

reconfigurada com base nas

frentes de resistência da luta

pela terra e se constituiu em

quatro pólos: a) manteve-se o

Pólo de Oliveira dos Brejinhos

com uma Central de Fundo de

Pasto, coordenando a luta deste

município e o de Brotas de

Macaúbas; b) No Pólo Bonfim,

a Central de Fundo de Pasto

incorpora os municípios de

Jaguarari, Andorinha, Monte Santo, Itiúba, Campo Formoso, Antonio Gonçalves, Pindobaçu,

Mirangaba e Umburanas; c) o pólo de Juazeiro com o município de Juazeiro, Sobradinho,

Casa Nova, Sento Sé, Remanso, Campo Alegre de Lourdes e Pilão Arcado. É importante

observar que o pólo Juazeiro não possui central de articulação, esta ainda acontece através da

articulação da base da Igreja; d) o novo pólo que foi criado – Pólo CUC – situa-se no

Nordeste do estado compreendendo os municípios de Canudos, Uauá e Curaçá (Figura 5).

Figura 5

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A lógica que envolve a dinâmica da regionalização pelo movimento popular de luta

pela terra das Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto tem como objetivo a articulação da

luta coletiva. Neste sentido, o território do Fundo e Fecho de Pasto é um território

descontínuo, articulado em rede, onde cada Fundo de Pasto é um nó da rede que se articula

em uma malha maior dentro do Estado. Como diz Germani (2001, p. 130) acerca da luta dos

trabalhadores rurais sem terra: “Uma rede de estrutura aberta, mas tecida com nó cego, que

seguramente, será difícil desfazer”.

No contexto atual da organização, a partir do Encontro Estadual que ocorreu no

município de Feira de

Santana/BA, em 2009,

constitui-se um novo Pólo de

organização, ainda em fase de

formação chamado Oeste e será

assessorado pela CPT de Santa

Maria da Vitória. (Figura 6).

É interessante observar

que as áreas localizadas no

oeste do estado, e agora

organizadas no Pólo Oeste

constavam, nos estudos

desenvolvidos por Garcez, em

1987, (Figura 3) e,

posteriormente, desapareceram.

Desapareceram dos registros,

mas não da realidade. Voltam a

constar no mapa a partir dos

conflitos estabelecidos pela

nova investida do agro-

negócio; pela construção de

pequenas centrais hidroelétricas (PCHs) e pela ação das mineradoras no oeste baiano.

Outro aspecto importante a observar é que o reconhecimento oficial de uma área como

Fundo e Fecho de Pasto só acontece quando a Comunidade se auto identifica a partir de um

conjunto de elementos que o possibilita lutar pelo acesso a terra e dá entrada ao processo de

Figura 6

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regularização fundiária junto a Coordenação de Desenvolvimento Agrário do Estado da Bahia

(CDA). Isto só acontece num estágio de estabelecimento do conflito e da organização da

resistência. O que leva a acreditar que a existência, das 427 Comunidades de Fundos e

Fechos de Pasto (GeografAR, 2010) é inferior a realidade, pois este valor refere-se apenas as

Comunidades identificadas e cadastradas junto a CDA.

Percebe-se, ao longo do tempo, que o movimento de Fundo de Pasto vem ganhado

fôlego no processo de luta pela terra, cada dia que passa aumenta o número de comunidades

solicitando a regularização fundiária junto a CDA, forçando o Estado a estabelecer um

processo de reconhecimento.9 Entretanto, à medida que o movimento se fortalece também se

articulam os setores que se encontram a serviço do capital (no próprio Estado, empresas

rurais, proprietários/grileiros) para impedir o processo de democratização do meio de

produção terra. Para alcançar este fim, usam os mais diferentes instrumentos legais e ilegais,

criando o processo de criminalização e violência contra os moradores e as assessorias dos

Fundos e Fechos de Pastos. Um exemplo disso é o caso da Comunidade de Fundo de Pasto

Areia Grande, município de Casa Nova, onde a situação de conflito culmina com o

assassinato de José Campos Braga, liderança da comunidade, no dia 30 de janeiro de 2009.10

Esta caso ainda se arrasta e teve continuidade, recentemente, com a invasão das áreas

tradicionalmente ocupadas pelo Juiz de Direito, Dr. Eduardo Padilha, da comarca de Casa

Nova, numa clara manifestação de desrespeito as leis que amparam as comunidades

tradicionais. 11

Esta ações se estendem por todo estado a exemplo da prisão de João Cerrano

Sodré, presidente do Sindicato dos Trabalhadores rurais de Santa Maria da Vitória e São Felix

do Coribe, e de Marilene de Jesus Cardoso Matos, integrante da Comissão Pastoral da Terra

(CPT) da Bahia, ordenada por Eduardo Pedro Nostrani Simão, magistrado do Juizado

Especial Cível da Comarca de Santa Maria da Vitória, acusados de formação de quadrilha por

defenderam o direito as suas terras, base para a manutenção do seu modo de vida. 12

5. CONCLUSÃO

9 Para acompanhar o Movimento de Fundo e Fecho de Pasto na Bahia consulte a página eletrônica do Projeto

GeografAR: www.geografar.ufba.br 10

Para entender o contexto deste assassinato, ver o vídeo "Areia Grande: construção intencional da miséria",

editado por Luiz Ferraro Júnior (UEFS), http://www.youtube.com/watch?v=CHLfMSe1gIc , 11

Este texto pode ser lido nos seguintes sites/blog: www.aatr.org.br - http://twitter.com/aatrba, -

http://blogdaaatr.wordpress.com/ 12

http://racismoambie ntal.net. br/2010/03/ criminalizacao- representantes- dos-trabalhadore s-rurais- sao-

presos- na-bahia/ #more-748 e http://www.adital. com.br/site/ noticia.asp? lang=PT&cat=23&cod=46426

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Diante do exposto, percebe-se que a questão das comunidades tradicionais de Fundo e

Fecho de Pasto está centrada na questão agrária. A questão agrária é um elemento

imprescindível para compreender a luta na terra na contemporaneidade. É na defesa do seu

modo de vida que esta se torna visível. Esta visibilidade é deflagrada na resistência contra o

processo de (re)ordenação espacial imposto pelos agentes do capital, acirrando os conflitos

latentes.

Como entender a questão das comunidades tradicionais sem olhar a questão agrária? É

impossível desvincular a identidade de Fundo e Fechos de Pasto da luta pelo acesso a terra.

Sua identidade é marcada pela necessidade de defender e auto afirmar-se, logo é uma

construção, também, política. Não há identidade sem este traço nas Comunidades de Fundos e

Fechos de Pasto. Auto afirmar-se enquanto membro de comunidade tradicional é sair da

condição de posseiro e reivindicar a condição de cidadão de direito, é reconhecer na,

caminhada histórica, o direito a reproduzir-se e manter seu modo de vida.

Os Fundos e Fechos de Pasto, a partir, da luta pela terra passam da invisibilidade a

evidência. É através da organização da luta pela terra que se tornam reconhecidos pela

sociedade. A resistência ao processo expropriatório resulta no embate que tem uma dimensão

espacial. A construção da luta necessita de interlocutores diferenciados e, se no inicio é o

Estado que espacializa e regionaliza, na atualidade é o Movimento de Comunidades de Fundo

e Fecho de Pasto que assume a sua história se constituído enquanto sujeitos do processo de

autonomia e de reconhecimento enquanto camponeses.

O processo de criminalização que vem sofrendo os movimentos sociais de luta pela

terra no campo atinge diretamente as comunidades de Fundo e Fecho de Pasto. Este, por sua

vez, deve ser entendido enquanto reação dos grupos dominantes que resistem a

democratização do acesso ao meio de produção terra.

6. REFERÊNCIAS

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estudo de caso no município de Uauá. Salvador: CAR/ SEPLANTEC. 1983

CAR. Avaliação da Intervenção Governamental no Sistema Produtivo Fundo de Pasto.

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