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8/11/2019 2 DURKHEIM, mile. Solidariedade Mecnica e Solidariedade Orgnica.pdf
1/41
mile
Durkheini
a
iviso
do
Trabalho Social
raduo
EDUARDO BRANDO
Martins
ontes
So aulo
999
8/11/2019 2 DURKHEIM, mile. Solidariedade Mecnica e Solidariedade Orgnica.pdf
2/41
C PTULO
II
SOLID RIED DE MECNIC
U
POR
SIMILITUDES
O vnculo de solidariedade social a que corresponde
o direito repressivo aquele cuja ruptura constitui o cri
me. Chamamos por esse nome todo ato que num grau
qualquer determina contra seu autor essa reao caracte
rstica a
que
chamamos pena. Procurar qual esse vncu
lo
portanto perguntar- se qual a causa da
pena
ou
mais claramente em que consiste essencialmente o crime.
H se m dvida crimes de espcies diferentes mas
entre todas essas espcies existe
no
menos seguramen
te algo em comum. O que o prova que a reao que
eles determinam
de
parte da sociedade a saber a pena
salvo diferenas de graus sempre e em toda parte a
mesma. A unidade do efeito revela a unidade da causa.
No s entre todos os crimes previstos pela legislao de
uma nica e mesma sociedade mas entre todos os
que
foram ou que
so
reconhecidos e punidos nos diferentes
tipos sociais existem seguramente semelhanas essenciais.
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40
DA DIVISO O TRABALHO SOCIAL
Por mais diferentes que possam parecer
primeira vista
os atos assim qualificados impossvel
no
terem algum
fundo
comum. Porque em
toda
parte eles afetam da
mesma maneira a conscincia moral das naes e produ
zem
a
mesma conseqncia.
So
todos
crimes isto
atos reprimidos por castigos definidos. Ora as proprieda
des essenciais de
uma
coisa so as
que
observamos
em
toda parte em
que
essa coisa existe e
que s
a ela per
tencem. Portanto se quisermos saber
em que
consiste es
sencialmente o crime ser necessrio pr em evidncia
as caractersticas que
se
revelam idnticas
em
todas as
variedades
criminolgicas
dos
diferentes tipos sociais.
No h uma s que possa ser desprezada. As
concepes
jurdicas
das
sociedades mais inferiores no so menos
dignas
de
interesse
do que
as das mais elevadas; elas
so
fatos no menos instrutivos. Fazer abstrao delas seria
expor-nos
a
ver
a essncia
do
crime
onde
ela
no
est.
Assim o bilogo teria dado
dos
fenmenos vitais
uma
definio inexata se houvesse
desprezado
a observao
dos
seres unicelulares pois da contemplao
apenas dos
organismos e sobretudo
dos
organismos superiores ele
teria concludo erradamente que a vida consiste essencial
mente na organizao.
O
meio de
encontrar esse
elemento permanente
e
geral
no
evidentemente enumerar
os
atos
que
foram
em todos os tempos e em todos os lugares qualificados
de
crimes
para
observar as caractersticas
que
eles apre
sentam. Porque se
no obstante se
tenha dito h aes
que foram universalmente considerada s criminosas essas
aes constituem uma nfima minoria e por conseguinte
tal mtodo s
poderia nos proporcionar
do fenmeno
uma noo
singularmente truncada visto que
s se
apli
caria a excees
1
Essas variaes do direito repressivo
provam ao mesmo
tempo
que
esse
carter
constante
A FUNO DA DIVISO O TRABALHO
41
no
se
poderia encontrar entre as propriedades intrnse
~ a s dos atos impostos
ou
proibidos pelas regras penais
que
esses atos
apresentam
tamanha diversidade mas
sim
nas
relaes que
mantm com uma
c o n d i ~ que
lhes exterior.
Pensou-se encontrar
tal relao
numa
espcie
de
an
t g ~ n i s m o entre essas aes e os interesses sociais gerais
e afirmou-se que as regras penais enunciavam para cada
tipo social as condies fundamentais da vida coletiva.
Sua autoridade viria por conseguinte
de
sua necessida
de; por
outro
lado
como
essas necessidades variam
com
as sociedades seria assim explicada a variabilidade do
direito repressivo. Mas j nos explicamos sobre esse pon
to. Alm de uma tal teoria
dar
ao clculo e reflexo
uma
importncia
demasiado
grande
na
direo
da
evolu
o social
h
uma multido
de
atos que foram e ainda
so considerados criminosos sem que
por
si mesmos se
jam prejudiciais sociedade. Em
que medida
o
f t ~
de
tocar
um
objeto tabu
um
animal ou
um homem
impuro
ou consagrado de deixar apagar-se o fogo sagrado de
comer certas carnes de no imolar no tmulo dos paren
tes o sacrifcio tradicional de no pronunciar exatamente
a frmula ritual de
no
celebrar certas festas etc. pde
~ d i ~ constituir um perigo social? Sabe-se porm que
1mportancia
tem
no
direito repressivo
de
uma
multido
de
povos a regulamentao do rito da etiqueta do ceri
monial das prticas religiosas. Basta abrir o Pentateuco
para se
convencer.
E como
esses
fatos se encontram
normalmente em certas espcies sociais impossvel ver
neles simples anomalias e casos patolgicos que se tem o
direito
de
desprezar.
Embora o ato criminoso seja certamente prejudicial
sociedade nem
por
isso o grau de nocividade que ele
apresenta regularmente proporcional
intensidade
da
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4
D DIVISO DO TR B LHO SOCI L
represso que recebe. No direito
penal
dos
povos
mais
civilizados o assassinato universalmente considerado o
maior dos crimes. No entanto uma crise econmica uma
. jogada na
Bolsa at mesmo uma falncia
podem
desor
ganizar o
corpo
social
de
maneira muito mais grave
do
que um homicdio isolado. Sem dvida o assassinato
sempre um mal mas nada prova que seja o mal maior. O
que um homem a
menos na
sociedade? O que
uma
clula a menos no organismo? Diz-se
que
a segurana
geral seria
ameaada
no futuro
se
o
ato permanecesse
impune. Mas compare-se a magnitude desse perigo
por
mais real
que
seja com a
da
pena: a desproporo salta
aos olhos. Enfim os exemplos que acabamos
de
citar
mostram que um ato pode ser desastroso para uma socie
dade sem
incorrer
na menor
represso. Essa definio
do
crime pois de qualquer modo inadequada.
Dir-se- modificando-a que os atos criminosos so
aqueles que
parecem
prejudiciais
sociedade
que
e-
prime; que as regras penais no exprimem as cond1oes
essenciais da vida social mas as
que parecem
s-lo para
o grupo que as observa? Essa explicao porm no ex
plica nada porque no nos faz compreender por que ra
zo num nmero to grande de casos as sociedades se
enganaram e impuseram prticas que por si mesmas se
quer eram
teis. No fim
das
contas essa pretensa soluo
do
problema se reduz a
um
verdadeiro trusmo porquan-
to se as sociedades obrigam assim cada indivduo a obe
decer a essas regras evidentemente por estimarem
com ou sem razo que essa obedincia regular e pontual
lhes indispensvel
por
fazerem energicamente ques
to dela. Portanto como se se dissesse que as socieda
des julgam as regras necessrias porque as julgam neces
srias. o
que
precisaramos dizer
por que
as julgam as
sim. Se esse sentimento tivesse sua causa na necessidade
FUNO D DIVISO
DO
TR B LHO
43
objetiva das prescries penais ou pelo menos
em
sua
utilidade seria uma explicao. Mas ela contradita pe-
los fatos. A
questo permanece
intacta.
No entanto essa ltima teoria no deixa de ter
seu
fundamento;
com
razo
que
ela
busca em
certos esta
dos
do
sujeito as condies constitutivas
da
criminalida
de.
De
fato a nica caracterstica comum a todos
os
cri
mes que eles consistem - salvo algumas excees apa
rentes
que
sero examinadas mais abaixo -
em
atos uni
versalmente reprovados pelos membros de cada socieda
de. Muitos se perguntam hoje se essa reprovao racio
nal e se no seria mais sensato considerar o crime
apenas
uma doena ou
um
erro. No temos porm de entrar
nessas discusses; procuramos determinar o que
ou
foi
no o que deve ser. Ora a realidade do fato que acaba
mos
de
estabelecer no contestvel; isso significa
que
o
crime melindra sentimentos
que
se encontram em todas
as conscincias sadias de um mesmo tipo social.
No possvel determinar
de
outro modo a natureza
desses sentimentos defini-los
em
funo
de
seus objetos
particulares pois esses objetos variaram infinitamente e
ainda
podem
variar2. Hoje so os sentimentos altrustas
que
apresentam essa caracterstica da maneira mais acen
tuada; mas
houve
um
tempo muito prximo
de
ns
em
que
os
sentiment os religiosos domsticos e mil outros
sentimentos tradicionais tinham exatamente
os mesmos
efeitos. Ainda agora a simpatia
por
outrem est longe
de
ser
como
quer Garofalo a nica a produzir esse resulta
do. Acaso
mesmo
em tempo de paz no temos pelo
ho-
mem
que
trai a sua ptria
no
mnimo tanta averso quan
ta
pelo
ladro e o vigarista? Acaso
nos
pases em que o
sentimento monrquico ainda vivo os crimes de lesa
majestade no provocam uma indignao geral? Acaso
nos
pases democrticos
as
injrias dirigidas ao povo
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44 D DIVISO O TR B LHO SOCI L
no
deflagram as mesmas cleras? Logo,
no
seria poss
vel fazer
uma
lista
dos
sentimentos cuja violao constitui
o ato criminoso; eles s se distinguem dos outros pores-
. ta caracterstica: a de que
so comuns
grande
mdia
dos indivduos
da
mesma sociedade. Por isso, as regras
que probem esses atos e que o direito penal sanciona
so as nicas a que o famoso axioma jurdico
ningum
pode ignor r lei se aplica sem fico. Como esto gra
vadas em todas as conscincias,
todo
o mundo as conhe
ce e sente que so fundamentadas. Pelo menos, isso
verdade no caso do estado normal. Se
h
adultos que ig
noram essas regras fundamentais ou no
reconhecem
sua
autoridade, tal ignorncia ou tal indocilidade so sinto
mas irrefutveis de perverso patolgica; ou, se
uma
dis
posio
penal
se
mantm por
algum tempo,
embora
seja
contestada por
todo
o
mundo
graas a
um
concurso
de circunstncias excepcionais, por
conseguinte anor
mais, e tal estado de coisas
nunca
pode durar.
isso que explica a maneira particular como o direi
penal se codifica. Todo direito escrito tem um duplo
objeto: impor certas obrigaes, definir as sanes liga
das a estas. No direito civil e, mais geralmente, em toda
espcie de direito
com
sanes restitutivas, o legislador
aborda e resolve separadamente
os dois problemas. Em
primeiro lugar, ele determina a obrigao,
com
a maior
preciso possvel, e s depois diz a maneira como ela
deve ser sancionada.
Por exemplo,
no
captulo
do
nosso
cdigo civil consagrado aos deveres respectivos dos es
posos, esses direitos e essas obrigaes so enunciados
de uma
maneira positiva; mas no se diz o que acontece
quando esses deveres so violados por uma
ou
outra
parte. Devemos procurar a sano em outro lugar. s ve
zes at ela se acha totalmente subentendida . Assim, o
art.' 214, do Cdigo Ci .'il ? ~ n d a a m ~ l ~ e r h_abit_ar com o
FUNO D DIVISO O TR B LHO
45
marido,
do
que se deduz
que
o marido pode for-la a
retornar ao domiclio conjugal, mas essa sano no est
f o r m a l m ~ t e i ~ d i c a ~ a em parte alguma. o direito penal,
contrario, so edita sanes, mas nada diz das obriga
oes a
~ u e
elas
se
referem. Ele
no manda
respeitar a vi
da
alheia, mas
condenar
morte o assassino. Ele
no
diz
em primeiro lugar, como faz o dire ito civil, eis
0
dever '
mas. de i;nediato: eis a pena . Sem dvida, se a ao
pumda, e por
ser
contrria a uma regra obrigatria. mas
essa regra no expressamente formulada. S p o d ~ ha
ver um motivo para isso: o
de que
a regra conhecida e
aceita
por todos.
Quando um
direito
consuetudinrio
passa_ao ~ s ~ de direito escrito e se codifica, porque
questoes litigiosas reclamam uma soluo mais definida
se
o
costume
continuasse a funcionar silenciosamente'
sem provocar discusso nem dificuldades no h a v e r i ~
motivo para ele se transformar. J
que
o d i ~ e i t o penal s
se ca_difica para estabelecer uma escala graduada de pe
nas, e porque apenas essa escala
pode
se prestar
dvi
da. Inversamente, se as regras cuja violao
punida
pe
la
pena
no precisam receber uma expres so jurdica
porque no so objeto de
nenhuma
contestao, p ~ r -
q4e todo o mundo sente a sua autoridade3
verdade que
por
vezes, o P e n t a t ~ u c o
no
edita
sanes, muito embora,
como
veremos,
s contenha
dis
posies penais. o caso dos
dez
mandamentos, tal co
mo
se acham formulados no captulo
XX
do xodo e no
captulo V do Deuteronmio. Isso
porque
o Pentateuco,
e.1bora tenha servido de cdigo, no um cdigo pro
priamente dito. Ele
no tem
por
objeto reunir num siste
ma nico e precisar,
tendo
em vista a prtica, as regras
penais seguidas pelo povo hebreu; tanto no uma codi
ficao,
que
as diferentes partes de
que
composto pa
recem
n o t r
sjdo redisidar
A8 M@SMtl l C El
a
e e. an
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8
DA DIVISO O TRABALHO SOCIAL
superficiais, mas emoes e tendncias fortemente arrai
gadas em ns. O que o prova
a extrema lentido com a
qual o direito penal evolui. No s ele se modifica mais
dificilmente do que os costumes, mas a parte do direito
positivo mais refratria
mudana. Observe-se
por
exemplo, o que fez o legislador desde o comeo
do
s
culo nas diferentes esferas da vida jurdica: as inovaes
nas matrias de direito penal so extremamente raras e
restritas, enquanto, ao contrrio, uma multido de novas
disposies introduziu-se no direito civil, no direito co
mercial, no direito administrativo e constitucional. Com
pare-se o direito penal, tal como a lei das
XII
Tbuas fi-
xou-o em Roma, com o estado em que se encontra na
poca
clssica; as mudanas que
se
podem constatar
so
pouqussimas, se comparadas com as que o direito civil
sofreu durante o mesmo tempo. Desde a
poca
das
XII
Tbuas, diz Mainz, os principais crimes e delitos esto
constitudos: Durante dez geraes, o rol dos crimes p
blicos s foi aumentado por algumas leis que punem o
peculato, a associao para conseguir vantagens mereci
das e, talvez, o plagium. Quanto aos delitos privados,
s foram reconhecidos dois novos: a rapina
(actio bono-
rum vi raptorum) e o dano injustamente causado (dam-
num
injuria datum). Encontramos o mesmo fato por to
da parte. Nas sociedades inferiores, o direito, como vere
mos, quase exclusivamente penal; por isso, sobremo
do estacionrio. De modo geral, o direito religioso sem
pre repressivo:
essencialmente conservador. Essa fixi
dez do direito penal atesta a fora de resistncia dos sen
timentos coletivos a que corresponde. Inversamente, a
maior plasticidade das regras puramente morais e a rapi
dez
relativa de sua evoluo demonstram a
menor
ener
gia dos sentimentos que so sua base: ou eles so mais
recentemente adquiridos e ainda no tm tempo de pe-
A FUNO DA DIVISO O TRABALHO
9
netrar profundamente nas conscincias, ou esto se arrai
gando e sobem do fundo para a superfcie.
Uma ltima adio ainda necessria para que nos
sa definio seja exata. Embora, em geral,
os
sentimentos
protegidos
por
sanes simplesmente morais, isto , difu
sas, sejam menos intensos e
menos
solidamente organi
zados do que os protegidos pelas penas propriamente di
tas, h excees. Assim, no h motivo algum para se ad
mitir que a piedade filial mdia ou mesmo as formas ele
mentares da compaixo para com as misrias mais apa
rentes sejam hoje sentimentos mais superficiais
do
que o
respeito pela propriedade ou pela autoridade pblica;
no
entanto, o mau filho e mesmo o egosta mais empederni
do
no
so
tratados
como
criminosos. No basta, pois,
que os sentimentos sejam fortes, necessrio que sejam
precisos. De fato, cada um deles relativo a uma prtica
bem definida. Essa prtica
pode
ser simples
ou
comple
xa, positiva ou negativa, isto , consistir numa ao ou
numa absteno, mas sempre determinada. Trata-se
de
fazer
ou
no fazer isto ou aquilo, no matar, no ferir,
pronunciar determinada frmula, cumprir determinado ri
to, etc. Ao contrrio, sentimentos como o amor filial ou a
caridade
so
aspiraes vagas por objetos bastante gerais.
Por isso as regras penais so notveis por sua nitidez e
preiso, enquanto as regras puramente morais tm, em
geral, algo de impreciso. Sua natureza indecisa faz at
que, com freqncia, seja difcil dar-lhes uma frmula ta
xativa. Podemos dizer, decerto, de maneira bastante ge
ral, que deve-se trabalhar, deve-se ter piedade de ou
trem, etc., mas
no podemos
determinar de que maneira
nem em que medida. Por conseguinte, h espao aqui
para variaes e nuances.
Ao
contrrio, por serem deter
minados, os sentimentos que encarnam as regras penais
tm uma uniformidade muito maior; como no podem
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5 DA DIVISO O TRABALHO SOCIAL
ser entendidos
de
maneiras diferentes so os mesmos
em
toda parte.
Agora estamos em condio de concluir.
O conjunto das crenas e
dos
sentimentos
comuns
mdia dos membros de uma mesma sociedade forma um
sistema determinado que
tem
vida prpria; podemos cha
m-lo de conscincia coletiva
ou
comum Sem dvida
ela no tem por substrato um rgo nico; ela por de-
finio difusa
em
toda a extenso da
sociedade
mas
tem ainda assim caractersticas especficas que fazem
dela uma realidade distinta. De fato ela independente
das condies particulares em que os indivduos se en
contram:
eles passam ela permanece.
a
mesma
no
Norte e
no
Sul nas grandes e
nas
pequenas
cidades nas
diferentes profisses.
Do
mesmo modo ela no
muda
a
cada gerao mas liga umas s outras as geraes suces
sivas. Ela pois bem diferente das conscincias particu
lares conquanto s seja realizada nos indivduos. Ela o
tipo psquico da sociedade tipo que tem suas proprieda
des suas condies de existncia seu modo de desen
volvimento do mesmo modo que os tipos individuais
muito embora de outra maneira. A esse ttulo ela tem
pois o direito de ser designada por uma palavra especial.
A que empregamos acima verdade tem alguma ambi
gidade. Como
os
termos coletivo e social muitas vezes
so empregados
um
pelo outro -se induzido a crer
que
a conscincia coletiva toda a conscincia social isto
se estende to longe quanto a vida psquica da socieda
de ao
passo
que
sobretudo
nas sociedades superiores
no seno uma parte bastante restrita desta.
As
funes
judiciais governamentais cientficas industriais numa
palavra todas as funes especiais
so
de ordem psqui
ca pois consistem em sistemas de representaes e de
A FUNO DA DIVISO O TRABALHO
51
aes; no entanto elas esto evidentemente fora da cons
cincia comum. Para evitar uma confuso9 que j foi co
metida o melhor talvez seria criar uma expresso tcni
ca
que
designasse especialmente o conjunto das similitu
des
sociais. Todavia
como
o
emprego de uma
palavra
nova
quando
ela no absolutamente necessria
tem os
seus inconvenientes manteremos a expres so mais usada
de
conscincia coletiva
ou
comum mas lembrando sem
pre
o sentido estrito em que a empregamos.
Portanto
resumindo
a anlise que
precede
pode-
mos dizer que um
ato
criminoso quando
ofende
os es
tados fortes e definidos da conscincia coletiva
10.
A letra dessa proposio no contestada mas cos
tuma-se dar-lhe um sentido muito diferente do que deve
ter. Costuma-se entend-la como se ela exprimisse no a
propriedade
essencial do crime mas
uma
das suas reper
cusses. Sabe-se muito bem que o crime
ofende
senti
mentos bastante gerais e enrgicos mas cr-se que essa
generalidade e essa energia
provm
da natureza crimino
sa do ato que por conseguinte est inteiramente por
ser
definido. No se contesta que
todo
delito seja universal
mente reprovado mas d-se
por
admitido
que
a reprova
o
de
que objeto resulta da sua delituosidade. No en
tanto fica-se em seguida
em grande embarao
para di
zer
em
que essa delituosidade consiste. Numa imoralida
de
particularmente grave? Admitamos. Mas isso seria res
pnder pergunta
com
outra pergunta e pr uma pala
vra no lugar de outra porque se trata precisamente de
saber
o que a imoralidade e
sobretudo
essa imoralida
de particular que a sociedade reprime por meio de penas
organizadas e
que
constitui a criminalidade. Evidente
mente ela
s
pode provir de uma ou vrias caractersti
cas
comuns
a todas as variedades criminolgicas; ora a
nica que satisfaz essa condio essa oposio existen-
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5
D DIVISO O TR B LHO SOCI L
te entre o crime,
qualquer
que seja, e certos sentimentos
coletivos. Portanto essa
oposio que
faz o crime,
estando muito longe de derivar dele. Em outras palavras,
no se
deve
dizer que
um
ato
ofenda
a conscincia co
mum por ser
criminoso,
mas que
criminoso
porque
ofende
a conscincia comum. No o reprovamos por ser
um
crime, mas
um
crime porque o reprovamos. Quan-
to natureza intrnseca desses sentimentos, impossvel
especific-la; eles tm os mais diversos objetos e no se
poderia dar, deles, uma frmula nica. No se pode dizer
que eles
se
relacionam
nem
aos interesses vitais
da
socie
dade, nem a
um
mnimo de justia; todas essas definies
so inadequadas. Mas, pelo simples fato
de
um sentimen
to, quaisquer que sejam sua origem e
seu
fim,
se
encon-
trar
em
todas as conscincias
com
certo grau
de
fora e
preciso, todo ato que o ofende um crime. A psicologia
contempornea retoma
cada vez mais idia de Spinoza,
segundo a qual as coisas so boas porque as amamos,
no que as amamos por serem boas. O que primitivo
a tendncia, a inclinao; o prazer e a dor so apenas
fatos derivados. O
mesmo
acontece
na
vida social. Um
ato socialmente ruim por ser rejeitado pela sociedade.
Mas, dir-se-, acaso
no h
sentimentos coletivos que re
sultam do prazer
ou
da dor que a sociedade
sente
em
contato
com os
objetos
de
tais sentimentos? Sem dvida,
mas nem todos tm essa origem. Muitos, se no a maio
ria, derivam de outras causas. Tudo o que determina a
atividade a tomar uma forma definida pode dar origem a
hbitos de que resultam tendncias que preciso, a par
tir de ento, satisfazer. Alm disso,
apenas
essas ltimas
tendncias so verdadeiramente fundamentais. As outras
no so
mais que formas especiais e melhor determina
das;
porque
para
achar
encantador este ou aquele obje
to, preciso que a sensibilidade coletiva j esteja consti-
FUNO D DIVISO O TR B LHO
53
tuda de maneira a poder apreci-lo. Se os sentimentos
correspondentes
so abolidos, o ato mais funesto socie
dade poder ser no apenas tolerado, mas estimado e
proposto
como exemplo. O prazer incapaz de criar in
tegralmente
uma
propenso; ele
apenas pode
vincular as
que
existem a determinada finalidade particular, contanto
que esta esteja relacionada
sua natureza inicial.
H, no entanto, casos em que a explicao precedente
no parece se explicar. Existem atos que so mais severa
mente reprimidos do que fortemente reprovados pela opi
nio pblica. Assim, a coligao dos funcionrios, a inva
so das competncias das autoridades administrativas pelas
autoridades judicirias, das funes civis pelas autoridades
religiosas so objeto
de
uma represso desproporcional
indignao que provocam nas conscincias. O
roubo
de
peas pblicas nos deixa indiferentes, e
no
entanto recebe
punies bastante elevadas. s vezes at acontece
que
o
ato
punido
no ofende diretamente nenhum sentimento
coletivo; nada
h
em ns contra o fato de pescar e caar
em poca proibida ou contra veculos demasiado pesados
trafegarem numa via pblica. No entanto, no h razo al
guma para separar completamente esses delitos dos outros;
toda distino radicalll seria arbitrria, pois todos eles apre
sentam, em diversos graus, o mesmo critrio exterior. Sem
dvida, em nenhum desses exemplos, a pena parece injus
ta; se ela no for repelida pela opinio pblica, esta, entre
gue a si mesma, ou no a reclamaria, ou se mostraria me
nos exigente. Portanto, isso se
d
porque,
em
todos
os
ca
sos desse gnero, a delituosidade no deriva, ou no deri
va integralmente, da vivacidade dos sentimentos coletivos
ofendidos, mas reconhece outra causa.
De fato, certo que,
uma
vez que um poder gover
namental institudo, ele tem
por
si mesmo fora bastan-
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54
D DIVISO
O
TR B IHO SOCI L
te para ligar espontaneamente a certas regras de conduta
uma sano penal. Ele capaz por sua ao prpria de
criar certos delitos ou de agravar o valor criminolgico
de
alguns outros. Por isso todos
os
atos que acabamos
de
citar apresentam a caracterstica
comum de
serem diri
gidos contra algum dos rgos diretores da vida social.
Deve-se ento admitir que h dois gneros de crimes
decorrentes
de
duas causas diferentes? No poderamos
nos deter
em
semelhante hiptese. Por numerosas
que
sejam suas variedades o crime em toda parte essencial
mente o mesmo pois determina
em
toda parte o mesmo
efeito a saber a pena que se
pode
ser mais ou menos
intensa
nem por
isso muda
de
natureza. Ora
um
mesmo
fato no
pode
ter duas causas a menos
que
essa dualida
de seja apenas aparente e
que
no fundo ambas sejam
uma s
coisa. O poder de reao que
prprio
do Esta
do
deve pois ser da mesma natureza
do que
aquele que
difuso na sociedade.
E
com efeito
de onde
ele viria? Da gravidade dos
interesses que o Estado gere e que precisam ser protegi
dos de uma maneira de todo particular? Mas ns sabe
mos que apenas a leso de interesses mesmo que estes
sejam considerveis
no basta para determinar a reao
penal; alm disso ela precisa ser sentida
de
uma certa
maneira. Por que alis o menor dano ao rgo governa
mental punido ao
passo
que desordens muito mais te
mveis em outros rgos sociais so reparadas civilmente?
A
menor
infrao ao cdigo de trnsito multada; a vio
lao mesmo se repetida dos contratos e a constante fal
ta
de
delicadeza nas relaes econmicas obrigam ape
nas reparao do prejuzo. Sem dvida o
aparelho
de
direo desempenha um papel eminente
na
vida social
mas h outros cujo interesse no deixa de ser vital e cujo
funcionamento no no entanto garantido dessa manei-
FUNO D DIVISO O TR B IHO
55
ra. O crebro tem sua importncia mas o estmago tam
bm um rgo essencial e as doenas de um so to
ameaadoras para a vida como as
do
outro. Por que esse
privilgio concedido ao que s vezes chamado de cre
bro
social?
A dificuldade se resolve facilmente se observarmos
que onde quer que um poder diretor
se
estabelea sua
primeira e principal funo fazer respeitar as crenas
as tradies as prticas coletivas isto defender a cons
cincia comum contra todos os inimigos
de
dentro como
de fora. Torna-se assim
um
smbolo a expresso viva
aos olhos de todos.
Por
isso a vida que existe nela
se
comunica a ele
do
mesmo
modo que
as afinidades das
idias se comunicam s palavras que as representam e
assim que ele adquire um carter que o torna mpar. No
mais uma funo social mais
ou
menos importante o
tipo coletivo encarnado. Portanto ele participa da autori
dade que este ltimo exerce
sobre
as conscincias e
da que vem sua fora. Mas uma vez constituda sem se
libertar da fonte de que mana e em que continua a se ali
mentar esta autoridade se toma
um
fator autnomo da
vida social capaz de produzir espontaneamente movi
mentos prprios que nenhum impulso externo determi
na precisamente
por
causa dessa supremacia
que
ela
conquistou. Como
por
outro lado ela nada mais que
uma derivao da fora imanente conscincia comum
ela tem necessariamente as mesmas propriedades e reage
da mesma maneira ao passo que esta ltima no reage
totalmente
em
unssono. Portanto ela repele toda fora
antagnica como a alma difusa da sociedade faria mes
mo
que
esta
no
sinta esse antagonismo
ou no
o sinta
de maneira to viva isto mesmo
que
a autoridade taxe
de crimes atos
que
a ofendem sem
no
entanto ofende
rem no mesmo grau
os
sentimentos coletivos. Mas des-
8/11/2019 2 DURKHEIM, mile. Solidariedade Mecnica e Solidariedade Orgnica.pdf
11/41
56
D DIVISO DO TR B LHO SOCI L
tes ltimos
que
ela recebe toda a energia que lhe permite
criar crimes e delitos. Alm de no poderem provir de
outra fonte e de no obstante no poderem provir do
.nada os fatos seguintes que sero amplamente desen
volvidos
em
toda a seqncia desta obra confirmam essa
explicao. A amplitude
da
ao que o rgo governa
mental exerce sobre o nmero e sobre a qualificao dos
atos criminosos depende da fora que ele contm. Esta
por
sua vez pode
ser
medida seja pela extenso
da
auto
ridade que exerce sobre os cidados seja pelo grau de
gravidade reconhecido aos crimes dirigidos contra ele.
Ora veremos
que
nas sociedades inferiores
que
essa
autoridade maior e essa gravidade mais elevada e
de
outro lado
que
nesses mesmos tipos sociais que a
conscincia coletiva tem mais
fora12
Portanto sempre a essa ltima que convm tornar.
dela que direta ou indiretamente decorre toda crimi
nalidade. O crime no
apenas
a leso de interesses in
clusive considerveis uma ofensa a uma autoridade de
certa forma transcendente. Ora experimentalmente no h
fora moral superior
ao
indivduo salvo a fora coletiva.
Existe por sinal uma maneira de verificar o resulta
do a que acabamos de chegar. O que caracteriza o crime
o fato de ele determinar a pena. Portanto se nossa defi
nio do crime for exata ela dever explicar todas as ca
ractersticas
da
pena. Vamos proceder a essa verificao.
Antes porm precisamos estabelecer quais so es
sas caractersticas.
Em primeiro lugar a pena consiste numa reao
passional. Essa caracterstica tanto mais aparente quan-
FUNOD DIVISO
DO
TR B LHO
57
to menos cultas so as sociedades. De fato os povos
primitivos punem
por
punir fazem o culpado sofrer uni
camente para faz-lo sofrer e sem esperar para si ne
nhuma vantagem do sofrimento que lhe impem. Prova-o
o fato
de no
procurarem
punir de
maneira justa
ou
til
mas apenas
punir. Assim castigam os animais que co
meteram o
ato reprovado
e
at
os
seres inanimados
que foram o instrumento passivo desse ato14 Mesmo que
a pena seja aplicada apenas a pessoas muitas vezes ela
vai bem alm do
culpado
e atinge inocentes:
sua
mu
lher seus filhos seus vizinhos etc.
1
5 Porque a paixo
que
a alma da pena s se detm uma vez esgotada.
Portanto se depois de ter destrudo aquele que a susci
tou de maneira mais imediata lhe restarem foras ela se
estender mais longe de
uma
maneira totalmente mec
nica. Mesmo quando
moderada
o bastante para
se
ater
ao culpado faz sentir sua presena pela tendncia que
possui a superar em gravidade o ato contra o qual reage.
da que vm os requintes de dor acrescentados
ao
lti
mo suplcio. Em Roma mais
uma
vez o ladro devia
no apenas restituir o objeto roubado mas pagar alm
disso uma multa equivalente ao
duplo ou
ao
qudruplo
do valor deste16. Alis a pena to generalizada de talio
porventura
no
uma
satisfao
dada
paixo
da
vin
gana?
Mas
hoje dizem a natureza
da pena
mudou;
no
mais. para se vingar que a sociedade pune para se de
fender. A dor que ela inflige no mais em suas mos
seno um instrumento metdico de proteo. Ela pune
no
porque
o castigo lhe oferece por si mesmo alguma
satisfao mas para que o temor da pena paralise as ms
vontades malignas. No mais a clera mas a previdn
cia refletida que determina a represso. As observaes
precedentes no poderiam pois ser generalizadas; elas
8/11/2019 2 DURKHEIM, mile. Solidariedade Mecnica e Solidariedade Orgnica.pdf
12/41
58
D
DIVISODO TR B LHO SOCI L
diriam respeito apenas forma primitiva da pena e no
poderiam
ser estendidas sua forma atual.
Mas para
que
tenhamos o direito
de
distinguir
de
maneira to radical essas duas espcies de penas
no basta constatar que so empregadas tendo em vista
fins diferentes. A natureza
de uma
prtica
no muda
ne
cessariamente porque as intenes conscientes dos que a
aplicam se modificam. Ela j podia
com
efeito
desempe-
nhar
o
mesmo
papel outrora mas sem que isso fosse
percebido.
Nesse caso por que se transformaria pelo
simples fato de que se percebem melhor os efeitos que
ela produz? Ela se adapta s novas condies de existn
cia que lhe so assim criadas
sem
mudanas essenciais.
o que acontece com a pena.
Com efeito um
erro
crer que a vingana seja ape
nas
uma
crueldade intil.
bem
possvel que
em
si mes
ma ela consista numa reao mecnica e sem objetivo
num movimento passional e ininteligente numa necessi
dade irracional de destruir; mas de fato o que ela tende
a destruir era uma ameaa para ns. Ela constitui pois
na realidade um verdadeiro ato
de
defesa conquanto
instintivo e irrefletido. S nos vingamos
do que
nos fez
mal e o
que nos
fez mal sempre
um
perigo. O instinto
da vingana nada mais
em
suma
do que
o instinto de
conservao
exasperado pelo
perigo. Assim a vingana
est longe
de
ter tido
na
histria
da
humanidade o pa
pel negativo e estril que
lhe
atribudo. uma arma
defensiva que tem seu preo; mas uma arma grosseira.
Como ela no
tem
conscincia dos servios que presta
automaticamente
no
pode regular-se em conseqncia
deles; em vez disso difunde-se um pouco ao acaso ao
sabor das causas cegas que a impelem e
sem
que
nada
modere seus arrebatamentos. Hoje como conhecemos
melhor o objetivo a alcanar sabemos utilizar melhor os
FUNO
D
DIVISODO TR B LHO
59
meios de que dispomos; protegemo-nos com mais mtodo
e por conseguinte com maior eficcia. Mas desde o prin
cpio esse resultado era obtido conquanto
de
maneira
mais imperfeita. Entre a
pena
de hoje e a
de
outrora no
h portanto
um
abismo;
por
conseguinte
no
era neces
srio
que
a primeira se tornasse outra coisa
que no
ela
mesma para se acomodar
ao
papel
que
desempenha
em
nossas sociedades civilizadas. Toda a diferena
vem
do fato
de
que
ela produz seus efeitos com maior conscincia do
que faz. Ora ainda que exera uma certa influncia sobre a
realidade
que ilumina a conscincia individual
ou
social
no tem o poder de mudar sua natureza. A estrutura inter
na dos fenmenos permanece a mesma sejam eles cons
cientes ou no. Portanto podemos esperar que os elemen
tos essenciais
da pena
sejam
os
mesmos
de
outrora.
E
de
fato a
pena
permaneceu
pelo menos
em
par
te
uma obra
de vingana. Diz-se que no fazemos o cul
pado sofrer por sofrer; no menos verdade porm que
achamos justo que sofra. Talvez estejamos errados; mas
no isso
que
est
em
questo.
Procuramos por
en-
quanto definir a pena tal como ou foi no tal como
deve ser. Ora certo que essa expresso de vindita
p-
blica que retorna sem cessar na linguagem dos tribunais
no uma palavra v. Supondo-se que a pena possa real
mente servir para nos proteger futuramente estimamos
que
ela
deve
ser antes
de
mais nada uma
expiao
do
passado. Prova disso so as minuciosas precaues que
tomamos para proporcion-la com a maior exatido pos
svl gravidade do crime; tais precaues seriam inex
plicveis se no acreditssemos que o culpado deve so
frer por ter cometido o mal e
na
mesma medida. De fato
essa graduao no necessria
se
a pena
no
for mais
que um meio de defesa. Sem dvida seria perigoso para
a sociedade
se os
atentados mais graves fossem assimila-
8/11/2019 2 DURKHEIM, mile. Solidariedade Mecnica e Solidariedade Orgnica.pdf
13/41
6
D
DIVISO DO TR B LHO SOCI L
dos
a simples delitos; mas s poderia haver vantagem na
maioria
dos
casos
em que os
segundos fossem assimila
dos aos primeiros. Contra
um
inimigo
no se
poderiam
tomar demasiadas precaues. Algum dir que os auto-
res dos malefcios menores tm naturezas menos perver
sas e
que para
neutralizar
seus
maus instintos bastam
penas menos
fortes? Mas se suas tendncias
so menos
perversas
nem
por isso
so menos
intensas.
Os
ladres
so to fortemente propensos ao
roubo quanto
os assas
sinos
ao
homicdio; a resistncia que os primeiros ofere
cem no
inferior
dos
segundos; por conseguinte
para
venc-las deveramos recorrer aos
mesmos
meios. Se
como foi dito se tratasse unicamente de reprimir uma
fora nociva mediante uma fora contrria a intensidade
da
segunda deveria ser medida unicamente
segundo
a in
tensidade da primeira
sem
que a qualidade desta fosse
levada
em
conta. A escala
penal
deveria compreender
pois apenas
um pequeno nmero de
graus; a
pena
s
deveria variar conforme o criminoso fosse mais ou me
nos empedernido e no segundo a natureza do ato cri
minoso. Um lad ro incorrigvel seria tratado
como
um as
sassino incorrigvel. Ora
na
verdade
mesmo se
ficasse
patente que um
culpado definitivamente incurvel ain
da nos sentiramos obrigados a no lhe aplicar
um
castigo
excessivo. a prova
de que permanecemos
fiis
ao
prin
cpio
de
talio
embora
o
entendamos
num
sentido mais
elevado
do que
outrora.
J no
medimos
de
uma maneira
to material e grosseira
nem
a extenso do erro
nem
a
do castigo; mas pensamos sempre que deve haver uma
equao entre esses dois termos tenhamos
ou no
vanta
gem em estabelecer esse equilbrio. Portanto a pena per
maneceu
para
ns o
que
era
para
nossos pais: ainda
um
ato
de
vingana j
que
uma expiao. O
que
vinga
mos o
que
o criminoso expia o ultraje moral.
FUNO D DIVISODO TR B LHO
61
H sobretudo
uma pena
em
que
esse carter passio
nal mais manifesto do
que
em outras: a vergonha
que dobra a maioria das
penas
e que cresce
com
elas. Na
maioria
dos
casos a
nada
serve. Para
que
estigmatizar
um homem que no
deve mais viver na companhia
de
seus semelhantes e que provou abundantemente
por sua
conduta que as mais temveis ameaas no bastam para
intimid-lo? Compreende-se o estigma quando no h
outra pena ou
como
complemento de uma
pena
material
bastante fraca; caso contrrio ela suprflua. Pode-se
mesmo dizer que a sociedade s recorre aos castigos le
gais
quando os
outros
so
insuficientes; mas ento por
que mant-los? Eles
so uma
espcie de suplcio suple
mentar e sem finalidade ou que no pode ter outra cau
sa alm
da
necessidade de compensar o mal
pelo
mal.
a tal
ponto um produto de
sentimentos instintivos e irre
sistveis
que
eles
se estendem com
freqncia a inocen
tes; assim o local do crime os instrumentos
que
serviram
a ele ou os parentes do culpado por vezes participam do
oprbrio
com que
marcamos este ltimo. Ora as causas
que determinam essa represso difusa tambm so as
da
represso organizada
que
acompanha a primeira. Basta
alis ver nos tribunais
como
a
pena
funciona para reco
nhecer que seu mvel totalmente passional; porque a
paixes que se dirigem tanto o magistrado
que
acusa co
mo
o
advogado
que
defende. Este procura suscitar a sim
patia pelo culpado aquele despertar os sentimentos sociais
que
o ato criminoso ofendeu e
sob
a influncia dessas
paixes contrrias
que
o juiz pronuncia
sua
sentena.
Assim a natu reza
da pena no mudou
essencialmen
te. Tudo o
que se
pode dizer
que
a necessidade
de
vin
gana est mais
bem
dirigida hoje do que ontem. O esp
rito de previdncia que
se
despertou
no
deixa mais o
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8/11/2019 2 DURKHEIM, mile. Solidariedade Mecnica e Solidariedade Orgnica.pdf
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64 DA DIVISO DO TRABAIHO SOCIAL
Grcia a justia era considerada uma emanao
de
Jpi
ter e o sentimento uma vingana do deus
24
Em Roma
as origens religiosas
do
direito penal
so
evidenciadas
tanto
por
velhas tradieszs
como por
prticas arcaicas
que subsistiram at
bem
tarde e como pela prpria termi
nologia jurdica
2
6.
Ora a religio coisa essencia lmente
social. Longe
de
perseguir fins individuais ela exerce so
bre o indivduo uma coero permanente. Ela o obriga a
prticas
que
o incomodam a sacrifcios
pequenos
ou
grandes
que
lhe custam. Ele deve tirar
de
seus
bens
as
oferendas
com que
deve presentear a divindade; deve ti
rar
do
tempo
de
seu trabalho ou
de
suas distraes os
momentos necessrios consumao dos ritos; deve se
impor toda sorte
de
privaes
que
lhe forem ordenadas
at mesmo renunciar vida se
os
deuses ordenarem. A
vida religiosa toda ela feita
de
abnegao e desinteres
se. Portanto se o direito criminal primitivamente
um
direito religioso
podemos
estar certos
de que
os interes
ses a
que
serve so sociais. So as ofensas a eles prprios
que
os deuses vingam com a pena
no
as dos particula
res; ora as ofensas contra os deuses so ofensas contra
a sociedade.
Por isso nas sociedades inferiores os delitos mais
numerosos so os
que
lesam a coisa pblica: delitos con
tra a religio contra os costumes contra a autoridade etc.
Basta ver
na
Bblia nas leis
de
Manu nos monumentos
que nos
restam
do
velho direito egpcio a importncia
relativamente
pequena que
tm as prescries protetoras
dos
indivduos e
ao
contrrio o luxuriante desenvolvi
mento da legislao repressiva das diferentes formas
do
sacrilgio das faltas aos diversos deveres religiosos s
exigncias
do
cerimonial etc.
27
. Ao mesmo tempo esses
crimes
so os
mais
severamente
punidos. Entre
os
ju
deus os atentados mais abominveis
so os
cometidos
A FUNO
D
DIVISODO TRABAIHO
65
contra
a religio2s. Entre
os
antigos germanos
apenas
dois crimes eram punidos
com
a morte
segundo
Tcito:
a traio e a desero
2
9. Segundo Confcio e Meng-Tseu
a impiedade falta maior
que
o assassinato3. No Egito o
menor
sacrilgio punido com a morte3
1
. Em Roma
no
topo da
escala da criminalidade se encontra o crimen
perduellionis3
2
Mas
ento
que
so essas penas privadas cujos exem
plos relatvamos mais acima? Elas tm uma natureza mis
ta e esto ligadas
ao
mesmo tempo sano repressiva
e sano restitutiva. Assim o delito privado
do
direito
romano representa
uma
espcie
de
intermedirio entre o
crime propriamente dito e a leso puramente civil. Ele
possui traos
de
ambos e flutua sobre os confins dos dois
domnios.
um
delito
no
sentido
de que
a sano fixada
pela lei
no
consiste simplesmente
em
restaurar as coi
sas; o
delinqente no
apenas obrigado
a reparar o
prejuzo
que
causou mas deve algo mais uma expiao.
No entanto
no
exatamente
um
delito pois
se
a so
ciedade
que
pronuncia a pena
no
ela
que
deve apli
c-la. um direito que ela confere parte lesada que
a nica a dispor livremente
dele33.
o mesmo modo a
vendetta
evidentemente
um
castigo
que
a sociedade
reconhece
como
legtimo mas
que
deixa aos cuidados
dos particulares infligir. Portanto esses fatos apenas con
firmam o
que
dissemos sobre a natureza da penalidade.
Se
essa espcie
de
sano intermediria
em
parte uma
coisa privada na mesma medida
no
uma pena. Seu
carter penal tanto
menos
pronunciado
quanto
mais
apagado o carter social e vice-versa. Portanto a vin
gana privada est longe de ser o prottipo da pena;
ao
contrrio ela
nada
mais
que uma pena
imperfeita. Lon
ge dos
atentados contra as pessoas terem sido os primei
ros a ser reprimidos a princpio eles se encontram ape-
8/11/2019 2 DURKHEIM, mile. Solidariedade Mecnica e Solidariedade Orgnica.pdf
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66
D
DIVISODO TRABALHO SOCIAL
nas no limiar do direito penal. S se elevaram na escala
da criminalidade na medida
em que
a sociedade se apos
sou
mais completamente deles, e essa operao,
que no
nos cabe descrever, decerto
no
se reduziu a uma sim
ples transferncia. Muito
ao
contrrio, a histria dessa
pe-
nalidade nada mais
que
uma srie contnua
de
intro
misses
da
sociedade nas atribuies
do
indivduo, ou,
antes, dos grupos elementares que ela encerra
em
seu
seio, e o resultado dessas intromisses colocar cada vez
mais
no
lugar do direito dos particulares aquele da socie
dade34.
Mas as caractersticas precedentes pertencem tanto
represso difusa, que sucede s aes simplesmente imo
rais,
quanto
represso legal. O
que
distingue esta lti
ma ,
como
dissemos, o fato
de
ser organizada; mas
em
que consiste essa organizao?
Quando
pensamos
no
direito penal tal
como
funcio
na em nossas sociedades atuais, imaginamos um cdigo
em
que
penas
bem definidas
so
atribudas a crimes
igualmente definidos. O juiz dispe, sim,
de
certa latitude
para aplicar a cada caso particular essas disposies ge
rais; mas, em suas linhas essenciais, a pena predetermi
nada para cada categoria de atos defeituosos. No entan
to, essa sbia organizao no constitutiva da pena
pois h muitas sociedades
em que
esta existe sem ser
fi-
xada de antemo. H na Bblia inmeras proibies que
no poderiam
ser mais imperativas e que,
no
entanto,
no
so
sancionadas
por nenhum
castigo expressamente
formulado. No obstante, seu carter penal no d mar
gem a dvidas, pois, se os textos so mudos sobre a pe-
na,
ao
mesmo tempo exprimem tamanho horror pelo ato
proibido que no se
pode
suspeitar um s instante que
ele permanecesse impune35. Temos, pois, razo de crer
A FUNO DA DIVISO DO TRABAIHO
67
que
esse silncio
da
lei se deve simplesmente a
que
a re
presso
no
era determinada.
De
fato, muitos relatos
do
Pentateuco nos ensinam
que
havia atos cujo valor crimi
noso era inconteste e cuja
pena
s era estabelecida pelo
juiz que a aplicava. A sociedade sabia muito
bem que
se
encontrava
em
presena
de um
crime; mas a sano
pe-
nal
que
devia
ser
vinculada a ele ainda
no
era defini
da36.
Alm disso, mesmo entre as
penas que
so enuncia
das
pelo
legislador, muitas h
que no so
especificadas
com preciso. Assim, sabemos
que
havia diferentes sortes
de suplcios que no eram postos
em
p de igualdade;
no entanto,
num
grande nmero
de
casos, os textos fa
lam apenas
da
morte
de
maneira geral, sem dizerem
que
gnero
de morte devia ser infligido. Segundo Sumner
Maine, o mesmo acontecia na Roma primitiva; os
crimi-
na
eram perseguidos diante da assemblia
do
povo,
que
fixava
soberanamente
a
pena por uma
lei,
ao mesmo
tempo
que
estabelecia a realidade do fato incriminado37.
De resto, mesmo at o sculo XVI, o princpio geral da
penalidade
que
sua aplicao era deixada
ao
arbtrio
do
juiz, arbtrio et officio judieis Mas no permitido
ao juiz inventar penas diversas das que so de uso 3B.
Outro efeito desse
poder do
juiz era fazer depender intei
ramente
de
sua apreciao at mesmo a qualificao
do
ato criminoso, que,
por
conseguinte, era ela mesma inde
terminada39.
Portanto
no
na regulamentao da pena que
consiste a organizao distintiva desse gnero
de
repres
so. Tampouco
na
instituio
de um
procedimento cri
minal: os fatos
que
acabamos
de
citar demonstram bas
tante claramente que ela faltou por muito tempo. A nica
organizao
que se
encontra
onde quer que
haja
pena
propriamente dita reduz-se, pois,
ao
estabelecimento de
um tribunal. Como quer que este seja composto, quer com-
8/11/2019 2 DURKHEIM, mile. Solidariedade Mecnica e Solidariedade Orgnica.pdf
17/41
8
DA DIVISO
O
RABALHO SOCIAL
preenda todo o povo ou apenas uma elite quer siga ou
no um
procedimento regular tanto na instruo
da
cau
sa
como
na aplicao da pena pelo simples fato
de que
a infrao
em
vez
de
ser julgada
por
cada um subme
tida apreciao
de
um
corpo constitudo pelo simples
fato
de
ter
como
intermedirio
um
rgo definido a rea
o coletiva deixa de ser difusa: passa a ser organizada.
A organizao poder ser mais completa mas
desde
esse
momento existe.
A
pena
consiste pois essencialmente numa reao
passional
de
intensidade graduada
que
a sociedade exer
ce por intermdio de um corpo constitudo contra aqueles
de
seus membros
que
violaram certas regras
de
conduta.
Ora a definio
que
demos
do
crime explica facil
mente todas essas caractersticas da pena.
Todo
estado forte da conscincia uma fonte
de
vi
da
um
fator essencial
de
nossa vitalidade geral. Por con
seguinte tudo o
que
tende a enfraquec-lo nos diminui e
nos deprime; resulta da uma impresso
de
confuso e de
mal-estar anloga
que
sentimos quando uma funo im
portante suspensa ou retardada. inevitvel pois
que
reajamos energicamente contra a causa
que
nos ameaa
com tal diminuio
que
nos esforcemos
por
afast-la a
fim
de
mantermos a integridade
de
nossa conscincia.
No primeiro
plano
das causas
que produzem
esse
resultado devemos colocar a representao de
um
esta
do
contrrio. Uma representao
no
com
efeito uma
simples imagem da realidade uma sombra inerte projeta
da em
ns pelas coisas mas uma fora
que
ergue a seu
redor
todo um
turbilho
de
fenmenos orgnicos e ps-
A FUNO DA DIVISO
O
TRABALHO
9
quicos. No somente a corrente nervosa
que
acompanha
a ideao
se
irradia nos centros corticais
em torno do
ponto
em que
se originou e passa de
um
plexo a outro
mas ressoa nos centros motores
onde
determina movi
mentos nos centros sensoriais
onde
desperta imagens
excita
por
vezes comeos de iluses e
pode
at afetar as
funes vegetativas4; esse ressoar tanto mais conside
rvel
quanto
mais intensa for a prpria representao
quanto mais desenvolvido for o seu elemento emocional.
Assim a representao
de um
sentimento contrrio
ao
nosso age
em
ns
no
mesmo sentido e da mesma manei
ra
que
o sentimento
que
ela substitui; como
se
ele mes
mo
tivesse entrad o
em
nossa conscincia. Ela tem
de
fa
to as mesmas afinidades embora menos vivas; ela tende
a despertar as mesmas idias os mesmos movimentos as
mesmas emoes. Ela ope pois uma resistncia
ao
jo
go de
nosso sentimento pessoal e
por
conseguinte o de
bilita atraindo numa direo contrria toda uma parte
de
nossa energia. como se uma fora estranha se houves
se
introduzido
em
ns
de modo
a desconcertar o livre
funcionamento
de
nossa vida psquica. Eis
por que
uma
convico
oposta
nossa
no pode se
manifestar
em
nossa presena
sem
nos perturbar: que
ao
mesmo tem
po ela penetra
em
ns e encontrando-se
em
antagonis
mo com tudo o
que
em ns encontra determina verda
deiras desordens. Sem dvida enquanto o conflito s se
manifesta entre idias abstratas nada h
de
muito dolo
roso pois nada h de muito profundo. A regio dessas
idias
ao
mesmo tempo a mais elevada e a mais su
perficial da conscincia e as mudanas
que
nela sobre
vm
no
tendo repercusses extensas afetam-nos ape
nas
debilmente. No entanto quando
se
trata de uma
crena
que
nos cara no permitimos e no podemos
permitir
que
seja impunemente ofendida. Toda ofensa di-
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70
D
DIVISODO TR B LHO SOCI L
rigida contra ela suscita uma reao emocional mais
ou
menos violenta
que
se volta contra o ofensor. Ns nos
arrebatamos nos indignamos contra ele ficamos com rai
va e os sentimentos assim provocados no podem deixar
de se traduzir por atos; fugimos dele mantemo-lo dis
tncia banimo-lo de nossa companhia etc.
Sem dvida
no
pretendemos
que
toda convico
forte seja necessariamente intolerante; a observao cor
rente basta para demonstrar o contrrio. Mas isso porque
as causas externas neutralizam ento aquelas cujos efei
tos acabamos
de
analisar. Por exemplo
pode
haver entre
os adversrios uma simpatia geral que
contenha
seu anta
gonismo e o atenue. Mas preciso que essa simpatia seja
mais forte do que esse antagonismo de outro modo no
sobrevive a ele. Ou ento as duas partes em presena
renunciam
luta
quando
fic claro
que
esta incapaz
de
levar ao que quer que seja e se contentam com manter suas
respectivas situaes toleram-se mutuamente no poden
do entredestruir-se. A tolerncia recproca que por vezes
encerra as guerras religiosas costuma ser dessa natureza.
Em
todos esses
casos
se
o conflito
dos sentimentos
no
engendra suas conseqncias naturais
no
porque
no as contenha porque impedido de produzi-las.
Alis elas so teis
ao
mesmo tempo que necessrias.
Alm de derivarem forosamente das causas que as pro
duzem elas contribuem para mant-las. Todas essas
emoes violentas constituem na realidade uma convo
cao de foras suplementares que
vm
restituir ao senti
mento atacado a energia que a contradio lhe retira. Foi
dito algumas vezes que a clera era intil por ser to
s uma paixo destrutiva mas isso v-la apenas sob
um de seus aspectos.
De
fato ela consiste numa sobreex
citao
de
foras latentes e disponveis
que
vm ajudar
nosso sentimento pessoal a encarar os perigos reforan-
FUNO
D
DIVISO DO TR B LHO
7
do-as. No estado de paz se assim
podemos
falar esse sen
timento no se encontra suficientemente armado para a lu
ta e poderia portanto sucumbir se reservas passionais
no entrassem em ao
no
momento necessrio; a clera
nada mais que uma mobilizao dessas reservas. Pode
at acontecer que se o socorro assim evocado supera as
necessidades a discusso tenha por efeito fortalecer-nos
ainda mais em nossas convices longe de nos abalar.
Ora sabe-se que grau
de
energia
pode
alcanar uma
crena
ou um
sentimento
pelo
simples fato
de serem
sentidos
por
uma comunidade
de
homens
em
relao
uns com
os
outros;
as
causas desse
fenmeno
so hoje
bem conhecidas4
1
. Do mesmo modo que estados de
conscincia contrrios se enfraquecem reciprocamente
estados
de
conscincia idnticos intercambiando-se for
talecem-se
uns
aos outros. Enquanto
os
primeiros
se
sub
traem os segundos se adicionam. Se algum exprime diante
de
ns uma idia
que
j era nossa a representao
que
fazemos dela vem se somar
nossa prpria idia super
por-se a ela confundir-se com ela comunica-lhe o
que
ela prpria tem
de
vitalidade; dessa fuso sai uma nova
idia que absorve as precedentes e em conseqncia
mais viva
do que
cada uma delas considerada isolada
mente. Eis
por que
nas assemblias numerosas uma
emoo pode adquirir tamanha violncia: que a vivaci
dade com
a qual ela
se produz em
cada conscincia res
soa em todas as demais. No sequer necessrio que j
sintamos por ns mesmos em virtude apenas de nossa
natureza individual um sentimento coletivo
para
que ele
adquira
em
ns tamanha intensidade; porque o
que
a ele
acrescentamos
em
suma bem pouca coisa. Basta que
no sejamos um terreno demasiado refratrio para que
penetrando
do exterior com a fora que traz de suas ori
gens imponha-se a ns. Portanto dado que
os
sentimen-
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72 D DIVISO
O
TR B LHO SOCI L
tos que o crime ofende so no seio de uma mesma socie
dade os mais universa lmente coletivos possvel por se
rem inclusive estados particularmente fortes da conscin
cia comum impossvel
que
tolerem a contradio. Se
sobretudo essa contradio no for puramente terica
se ela se afirmar
no
apenas
por
palavras mas tambm
por atos sendo ento levada a seu auge no poderemos
deixar de nos elevar apaixonadamente contra ela. Uma
simples restaurao
da
ordem perturbada
no
seria capaz
de nos bastar: precisamos de uma satisfao mais violen
ta. A fora contra a qual o crime vem se chocar demasia
do intensa para reagir com tanta moderao. Alis ela
no poderia faz-lo sem se enfraquecer porque graas
intensidade da reao
que
ela se recupera e se mantm
no mesmo grau de energia.
Pode-se
explicar assim
um
carter
dessa reao
que
foi freqentemente assinalado como
sendo
irracio
nal.
certo que
no
fundo
da
noo
de
expiao h a
idia de uma satisfao concedida a alguma fora real
ou ideal que nos superior.
Quando
reclamamos a re
presso
do
crime
no
a ns
que
queremos pessoal
mente vingar mas a algo sagrado que sentimos de ma
neira mais
ou
menos confusa fora e acima
de
ns. Esse
algo ns o concebemos
de
maneiras diferentes segundo
os tempos e os ambientes; s vezes uma simples
idia
como
a moral o dever; mais freqentemente re
presentamo-lo sob a forma de
um
ou vrios seres con
cretos: os ancestrais a divindade. A est por
que
o di
reito penal
no
s essencialmente religioso em sua
origem
como
tambm guarda sempre certa marca
de
re
ligiosidade: os atos que ele castiga parecem ser atenta
dos contra algo transcendental ser ou conceito.
por
essa mesma razo que explicamos a ns mesmos como
eles nos parecem reclamar uma sano superior sim-
FUNO D DIVIS O O TR B LHO
73
pies reparao com
que
nos contentamos na ordem dos
interesses puramente humanos.
Seguramente essa representao ilusria;
em
certo
sentido somos ns mesmos que nos vingamos ns que
nos satisfazemos pois
em
ns e apenas
em
ns que se
encontram os sentimentos ofendidos. Mas essa iluso
necessria. Como
em
conseqncia da sua origem coleti
va da sua universalidade da sua permanncia no tempo
d sua intensidade intrnseca esses sentimentos tm uma
fora excepcional eles se separam radicalmente do resto
da nossa conscincia cujos estados so muito mais fra
cos. Eles nos dominam tm por assim dizer algo de so
bre-humano e ao mesmo tempo nos prendem a objetos
que
se encontram fora da nossa vida temporal. Apresen
tam-se portanto a ns como o eco
em
ns
de
uma fora
que
nos estranha e que ademais superior
que
so
mos. Necessitamos assim projet-los fora de ns relacio
nar a algum objeto exterior o
que
lhes diz respeito; sabe
mos hoje
como
se fazem essas alienaes parciais
da
personalidade. Essa miragem to inevitvel que sob
uma forma ou outra ela se produzir enquanto houver
um sistema repressivo. Porque para que fosse
de
outro
modo seria necessrio que existissem em ns
apenas
sentimentos coletivos
de
uma intensidade medocre - e
nesse caso no haveria mais pena. Algum dir que o
erro
se
dissipar
por
si mesmo assim
que
os
homens
de
le tomarem conscincia. Mas a pesar de sabermos
que
o
sol um globo imenso sempre o vemos sob o aspecto
de um disco de algumas polegadas. O entendimento po
de
nos ensinar a interpretar nossas sensaes mas
no
pode mud-las. De resto o erro apenas parcial. Uma
vez que esses sentimentos so coletivos no a ns que
eles representam
em
ns mas sociedade. Portanto vin
gando-os ela e
no
ns mesmos
que
vingamos; e
por
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7 D DIVISO
DO
TR B LHO SOCI L
mente respeitados. Ora o crime s possvel se esse res
peito no for verdadeiramente universal; por conseguin
te ele implica que esses sentimentos no so absoluta
mente coletivos e compromete essa unanimidade fonte
de sua autoridade. Portanto se quando o crime
se
pro
duz as conscincias
que
ele ofende
no
se unissem para
se atestar que permanecem em comunho que esse caso
particular uma anomalia elas no poderiam deixar de
ser abaladas a longo prazo. Mas preciso que elas se re
confortem garantindo-se mutuamente
que
esto sempre
em unssono; o nico meio para isso reagirem em co
mum. Numa palavra j que a conscincia
comum
que
atingida cumpre tambm
que
seja ela
que
resista e
que por conseguinte a resistncia seja coletiva.
Falta dizer
por que
ela se organiza.
Explicar-nos-emos essa ltima caracterstica se obser
varmos
que
a represso organizada no se
ope
re
presso difusa mas distingue-se desta
apenas
por dife
renas de graus: na primeira a reao tem maior unidade.
Ora a maior intensidade e a natureza mais definida dos
sentimentos
que
a
pena
propriamente dita vinga expli
cam com facilidade essa unificao mais perfeita. De fato
se o estado negado for fraco ou negado apenas debil
mente s poder determinar uma fraca concentrao das
conscincias ultrajadas;
ao
contrrio
se
for forte
se
a
ofensa for grave todo o grupo atingido se contrai diante
do
perigo e se agrupa por assim dizer em si mesmo. J
no se contentam com trocar impresses
quando
tm
oportunidade de faz-lo com se aproximarem aqui e ali
segundo os acasos
ou
a maior comodidade dos encon
tros mas a emoo que foi crescendo pouco a pouco im
pele violentamente uns em direo aos outros todos os
que se assemelham e os rene
num
mesmo lugar. Essa
FUNO
D
DIVISO
DO
TR B LHO
77
concentrao material
do
agregado
ao
tomar mais ntima
a penetrao mtua dos espritos tambm toma mais
f
ceis todos os movimentos de conjunto; as reaes emocio
nais de que cada conscincia o teatro se encontram
pois nas condies mais favorveis para se unificar.
entanto, se elas fossem demasiado
diversas seja
em
quantidade seja em qualidade seria impossvel uma fu
so completa entre esses elementos parcialmente hetero
gneos
e irredutveis. Mas
ns sabemos
que os sentimen
tos
que
as determinam so muito definidos e
por
conse
guinte muito uniformes. Elas participam pois da mesma
uniformidade e
por
conseguinte vm naturalmente per
der-se umas nas outras confundir-se numa resultante
nica
que
lhes serve
de
substituta e
que
exercida no
por cada um isoladamente mas pelo corpo social assim
constitudo.
Muitos fatos
tendem
a provar que foi essa historica
mente a gnese da pena. Sabe-se
de
fato que originalmen
te era a assemblia de
todo
o povo que exercia a funo
de tribunal. Se o leitor se reportar aos exemplos que cit
vamos h pouco a partir do Pentateuco42 ver as coisas
acontecerem como acabamos
de
descrev-las. Desde que
a notcia do crime
se
difunde o povo
se
rene e muito
embora a pena no seja predeterminada a reao se faz
com unidade. Era inclusive em certos casos o prprio
povo que
executava coletivamente a sentena logo de
pois de t-la pronunciado43. Depois onde a assemblia
se encarnou
na
pessoa de um chefe este se tomou total
mente ou em parte rgo da reao penal e a organiza
o prosseguiu
em
conformidade com as leis gerais
de
todo desenvolvimento orgnico.
Portanto bem a natureza dos sentimentos coleti
vos que explica a pena e por conseguinte o crime. Ade
mais v-se de novo
que
o
poder
de reao de
que
as
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8
D DIVISO
DO
TR B LHO SOCI L
funes governamentai s dispem uma vez que fizeram
sua apario nada mais
que
uma emanao
do poder
que est difuso
na
sociedade pois dele que nasce. Um
nada mais
que
o reflexo do outro; a extenso do pri
meiro varia de
acordo
com a do segundo. Acrescente
mos alis
que
a instituio desse
poder
serve para man
ter a prpria conscincia comum porque ela se debilita
ria se o
rgo
que a representa no compartilhasse o res
peito que ela inspira e a autoridade particular
que
ela
exerce. Ora ele
no
pode compartilhar
sem
que
todos
os
atos que o ofendem sejam reprimidos e combatidos as
sim como os que
ofendem
a conscincia coletiva e isso
mesmo
que
ela no seja diretamente afetada
por
eles.
IV
Assim a anlise
da
pena confirmou nossa definio
do
crime. Comeamos estabelecendo de forma indutiva
que este consistia essencialmente num
ato
contrrio aos
estados fortes e definidos da conscincia comum; acaba
mos de ver que todas as caractersticas da pena derivam
de fato dessa natureza
do
crime. Portanto isso acontece
porque as regras que ela sanciona exprimem as similitu
des sociais mais essenciais.
V-se assim
que
espcie
de
solidariedade o direito
penal simboliza. Todo o mundo sabe de fato que existe
uma coeso social cuja causa est numa certa conformi
dade
de
todas as conscincias particulares a um tipo co
mum
que no outro
seno
o tipo psquico da socieda
de. Com efeito nessas condies no s todos os mem
bros
do grupo so
individualmente atrados uns
pelos
outros por se assemelharem mas tambm so apegados
ao que a
condio
de existncia desse tipo coletivo is-
FUNO
D
DIVISODO TR B LHO
9
to a
sociedade
que formam por sua reunio. No
ape-
nas os cidados se amam e se procura m entre si prefe
rindo-se aos estrangeiros mas amam sua ptria. Eles a
querem como querem a si mesmos desejam que ela du-
re e prospere porque sem ela h toda uma parte da sua
vida psquica cujo funcionamento seria entravado. Inver
samente a
sociedade
deseja que eles apresentem todas
essas semelhanas fundamentais porque se trata
de
uma
condio de
sua
coeso. H em
ns duas
conscincias:
uma
contm
apenas estados que so pessoais a
cada
um
de
ns e nos caracterizam
ao
passo
que
os estados
que
a outra
compreende
so
comuns
a toda a sociedade44. A
primeira representa apenas nossa personalidade individual
e a constitui; a segunda representa o tipo coletivo e
por
conseguinte a sociedade sem a qual ele no existiria.
Quando
um
dos elementos desta ltima
que
determina
nossa conduta
no agimos tendo em vista o nosso inte
resse pessoal mas perseguimos finalidades coletivas. Ora
embora distintas essas duas conscincias
so
ligadas uma
outra pois em suma elas constituem
uma s
coisa ten
do
para as duas um s e mesmo substrato orgnico. Logo
elas so solidrias. Da resulta uma solidariedade
sui gene-
r s que nascida das semelhanas vincula diretamente o
indivduo
sociedade;
poderemos mostrar melhor no
prximo captulo por que propomos cham-la mecnica.
Essa solidariedade
no
consiste
apenas num apego
geral
e indeterminado do indivduo
ao
grupo mas tambm tor
na harmnico o detalhe dos movimentos. De fato como
so
os mesmos
em
toda parte esses mbiles coletivos
produzem
em toda parte
os
mesmos efeitos.
Por
conse
guinte cada vez que entram em jogo as vontades se mo
vem espontaneamente
e em conjunto no mesmo sentido.
essa solidariedade que o direito repressivo expri
me pelo menos
no que
ela tem
de
vital. De fato os atos
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80
D DIVISODO TRABA HO SOCIAL
que ele
probe e qualifica
de
crimes
so de
dois tipos:
ou
manifestam diretamente uma dessemelhana demasiado
violenta contra o agente que as realiza e o tipo coletivo
ou
ofendem
o rgo
da
conscincia comum. Num caso
como no
outro a fora
que
chocada pelo crime e
que
o reprime portanto a mesma; ela
um
produto das si
militudes sociais mais essenciais e tem por efeito manter
a
coeso
social
que
resulta dessas similitudes. essa for
a
que
o direito penal protege contra qualquer debilita
mento
ao mesmo
tempo exigindo de cada um de ns
um mnimo de semelhanas sem as quais o indivduo se
ria
uma ameaa
para a
unidade
do
corpo
social e im
pondo-nos
o respeito ao smbolo que exprime e resume
essas semelhanas
ao mesmo passo que
as garante.
Explica-se assim
porque
certos atos foram conside
rados criminosos e
punidos como
tais
sem que por
si
mesmos sejam malficos
para
a sociedade.
De
fato
do
mesmo modo que
o tipo individual o tipo coletivo for
mou-se
sob
o imprio
de
causas muito diversas e at
de
encontr os fortuitos. Produto do desenvolvimento histri
co
ele traz a marca
de
circunstncias de toda sorte que a
s o ~ i e d d e
atravessou em sua histria. Portanto seria mi
lagroso
se tudo
o
que
nela
se encontra
fosse ajustado a
algum fim til; mas no possvel
que no se tenham
in
troduzido nela elementos mais
ou
menos numerosos
que no
tm relao alguma
com
a utilidade social. Entre
as inclinaes as tendncias que o indivduo recebeu de
seus ancestrais ou que formou em
seu
percurso muitas
certamente ou no servem para nada ou custam mais do
que rendem. Sem dvida a maioria delas no poderia ser
prejudicial pois nessas condies o ser
no
poderia vi
ver;
mas algumas
h que
se
mantm sem ser teis e
aquelas mesmas cujos servios
so
os mais incontestes
muitas vezes tm uma intensidade desproporcional sua
A FUNO
D
DIVISO
DO
TRABALHO
81
utilidade porque essa intensidade provm em parte de
outras causas. O
mesmo
vale
para
as paixes coletivas.
Todos os atos que as
ofendem
no so portanto perigo
sos em si mesmos ou pelo menos
no
so to perigosos
quanto
reprovados.
No
entanto a reprovao de
que so
objeto no deixa de ter
uma
razo de ser porque qual
quer
que
seja a origem desses sentimentos
uma
vez que
fazem parte do tipo coletivo e sobretud o
se
so elemen
tos essenciais deste
tudo
o que contribui para abal-los
abala
com
isso a
coeso
social e compromete a socieda
de. No era em absoluto til
que
nascessem; mas
uma
vez que duraram toma-se necessrio que persistam ape
sar da sua irracionalidade. Eis por que bom
em
geral
que os
atos
que os
ofendem
no
sejam tolerados. Sem
dvida raciocinando no abstrato pode-se muito bem de
monstrar
que no h
motivo
para que uma sociedade
proba
comer
esta ou aquela carne por si mesma inofen
siva. Mas
uma
vez que
se tornou parte
integrante da
conscincia
comum
o horror a esse alimento
no pode
desaparecer
sem
que o vnculo social
se
distenda e is
so que as conscincias sadias
sentem
obscuramente
4
5
O mesmo
se
d
com
a pena. Muito
embora
proceda
de
uma
reao totalmente mecnica de movimentos pas
sionais e em grande part e irrefletidos ela no deixa de
desempenhar
um papel til. Mas esse papel no est on
de
costuma
ser
visto. A
pena no
serve
ou s
serve
de
maneira muito secundria para corrigir o culpado ou inti
midar
seus
possveis imitadores;
desse duplo ponto de
vista sua eficcia justamente duvidosa e em
todo
caso
medocre. Sua verdadeira funo manter intacta a coe
so
social
mantendo
toda a vitalidade
da
conscincia co
mum. Negada de maneira
to
categrica esta perderia ne
cessariamente parte
de
sua energia
se uma
reao emocio
nal da comunidade
no
viesse compensar essa perda e
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8
D DIVISO
DO
TR B LHO SOCI L
da resultaria
um
relaxamento da solidariedade social.
Portanto necessrio que ela
se
afirme com vigor no
momento
em que for contradita e o nico meio de se
afirmar exprimir a averso unnime que o crime conti
nua a inspirar mediante um ato autntico que
s
pode
consistir
numa dor
infligida
ao
agente. Assim
ao
mesmo
tempo
em que um produto necessrio das causas que a
geram essa
dor
no uma crueldade gratuita.
o sinal a
atestar que
os
sentimentos so sempre coletivos que a co
munho dos espritos na mesma f permanece ntegra e
com isso repara o mal que o crime fez
sociedade.
Eis
por
que
tem-se razo de dizer que o criminoso deve so
frer proporcionalm ente a seu crime eis por que as teorias
que recusam
pena qualquer carter expiatrio parecem
para tantos espritos subversivas
da ordem
social.
que
de
fato essas doutrinas
s
poderiam ser praticadas
numa
sociedade em que toda e
qualquer
conscincia
comum
fosse quase abolida. Sem essa satisfao necessria o
que
se chama conscincia moral
no
poderia ser conservado.
Pode-se dizer portanto
sem
paradoxo que o castigo
sobretudo destinado a agir sobre as pessoas honestas
pois visto que serve para curar os ferimentos provoca
dos nos sentimentos coletivos s pode ter esse papel on
de esses sentimentos existem e na medida em que so vi
vos. Sem dvida prevenindo nos espritos j abalados um
novo debilitamento da alma coletiva o castigo
pode
mui
to bem impedir que os atentados se multipliquem; mas
esse resultado til de resto nada mais
que
um