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Est udos F emi nist a s,  Fl ori anópoli s,  1 4(1): 336 ,  j a ne iro-ab ril  / 2006 263 Copyr  i g h t   2006 b y  R e v i s t a Est udos F e mi n ist a s An t e s de da r mo s i n í c i o a uma ap r e s en t ação do s dado s r e f e r en t e s à p r opagação da AI DS em Moçamb i que  ou do HIV  / Si da ,  como é denom i nado l o c a l men t e pe l o s m e i o s  de comun i cação e ó r g ã o s  gove r namen t a i s  a c r ed i t a mo s  s e r  i m p o r t an t e s a l i en t a r  a l guma s si ngu l a ri dade s de ss e pa í s. O t e x t o e st á ,  a ss i m ,  d i v i d i do em qua t r o g r ande s b l oco s: 1 ) num p ri me ir o b l oco ,  p r e t endemo s a p r e s en t a r a s t r an s f o r maçõe s  pe l a s  qua i s  pa ss ou o t e rr i t ó r i o ho j e conhec i do como Moçamb i qu e ,  p r i v i l e g i ando a s r e p r e s en t açõe s  do s  p r ó p ri o s  moçamb i cano s ; 2 )  num s egundo momen t o ,  p r ocur a mo s con t e xt u a li za r a s noçõe s d e r a ç a ,  s exua li dade  e doença  no ca s o e s pec í f i co moçamb i c ano; 3 ) no t e r ce iro i t em p r e t endemo s a p r e s en t a r a si t uaç ão a t ua l  da doenç a ne ss e p a í s,  a t en t ando pa r a o s i n d i cado r e s  e r eco r t e s  e x i st en t e s ; 4 )  po r f i m ,  t emo s  a Lu i z Hen ri que P a ss a do r Un i ve rsi dade Est adua l  de Camp i na s  /  Cen tr o Br a sil e i r o de Aná li s e e Pl ane j amen t o Oma r Ri be i r o Thomaz Un i ve rsi dade Est adua l  de Camp i na s  /  Cen tr o Br a sil e i r o de Aná li s e e Pl ane j amen t o R R R R a ç a ,  s exua l i dade e doe nça em a ç a ,  s exua l i dade e doe nça em aça ,  s exua l i dade e doença em aça ,  s exua l i dade e doença em a ç a ,  s exua li dade e doe a em Moçamb i que Moçamb i que Moçamb i que Moçamb i que Moçamb i que R R R R R e s u mo e s u m o e s u mo e s u m o e s umo: O ar  t i go procura  ,  a par  t i r de uma d  i s c u ss ã o s obre a comp  l e x i dade h  i s t ór i c a ,  s oc i a l , cu l t ur a l  e rac  i a l  de Moçamb  i q ue ,  apon  t ar para a nece  ss i dade de s e pen  s ar a ep  i d e m i a de H  I V  /  AI D S  no pa  í  s  com o um f  enômeno que t e m i m p li caçõe  s  e s p e c í  f  i c a s  de t erm i nada  s  por t a l  qua dro  . As  m e d i c i na s  t r a d i c i o na i s  e a s  concepçõe  s  de doença f  ormu  l a d a s  a par  t i r d e s e u s  pr e ss u p o s t o s , que e  s t ã o i n t i mamen  t e re l a c i onada  s  a o s  s i s t ema s  de paren  t e s c o ,  r e l açõe  s  de gênero e  co s m o l og i a s  l o c a i s ,  e operam na  s  i n t erpre  t açõe  s  que o  s  s u  j e i t o s  f  azem de s eu con  t e x t o e e x p er i ê n c i a s ,  devem s e r l evada  s  em con  s i deraçã o para s e compreender a  s  r e l açõe  s  que o  s moçamb  i cano  s  e s t a b e l ecem com a doença  ,  d e t erm i nando concepçõe  s  e e x p er i ê nc i a s p a r t i c u l a re s  de adoec  i m e n t o p e l o H I V  /  AI D S . P P P P P a l avra  s -chave  a l avra  s -chave  a l avra  s -chave  a l avra  s -chave  a l avra  s -chave: Moç amb  i q u e ,  H I V  /  AI D S ,  med i c i n a s  t r a d i c i o na i s .

2. Raça, Sexualidade e Doença Em Moçambique

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Texto sobre questões antropológicas em Moçambique

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7/18/2019 2. Raça, Sexualidade e Doença Em Moçambique

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Estud os Fem inistas, Flori anópo lis, 14(1): 336 , j a ne iro-abril / 2006  263

C o p y r  i g h t     2 0 0 6 b y   Re v ist aEstudos Fem inist as

An tes  d e d a rmos  iní c io a uma apresenta ç ã o d os

d a d os re ferentes à pro p a g a ç ã o d a AIDS em Moç amb ique–  ou do HIV / Sid a ,  como é denomin a d o lo c a lmente p e los

m e i os  d e c o m u n i c a ç ã o e ó rg ã os  g o v e rn a m e n t a is  –a c r e d i t a m os   s e r   i m p o r t a n t e s a l i e n t a r   a l g u m a s

singul a rid a d es  d esse p a í s.

O texto est á ,  assim ,  d ivi d i do em qua tro gra n d es

b lo c os: 1 ) num prime iro b lo c o, p re tendemos a presenta r as

tr a nsfo rm a ç õ e s   p e l a s  q u a is  p a ss ou o t e rr i tó r i o h o j ec o n h e c i d o c o m o M o ç a m b i q u e ,   p r i v i l e g i a n d o a s

re p res e n t a ç õ es  d os  p ró p ri os  m o ç a m b i c a n os; 2)  numsegundo momento ,  pro cura mos  c ontextu a liza r  as n o ç õ es

d e “ra ç a ”,  “sexua li d a d e ”  e “d o e n ç a ”  no caso esp e c í fic omo ç a mb ic ano; 3) no terc e iro item pre tendemos a presenta r

a situ a ç ã o a tu a l d a d o e n ç a n esse p a í s, a tentando pa ra os

in d i c a d ores  e re c or tes  exist e n tes; 4)  p or  f im ,  te mos  a

Luiz Henrique Passa dorUnive rsid a d e Est a d u a l d e C a m p in as  /   C entro Brasil e iro de Aná lise e

Pl a ne ja m e nto

O m a r Rib e iro ThomazUnive rsid a d e Est a d u a l d e C a m p in as  /   C entro Brasil e iro de Aná lise e

Pl a ne ja m e nto

RRRRRa ç a , sexua lid a d e e d o en ç a e ma ç a , sexua lid a d e e d o en ç a e ma ç a , sexua lid a d e e d o en ç a e ma ç a , sexua lid a d e e d o en ç a e ma ç a , sexua lid a d e e d o en ç a e mM o ç a m b iqu eM o ç a m b iqu eM o ç a m b iqu eM o ç a m b iqu eM o ç a m b i qu e

R R R R R e s umo e s umo e s umo e s umo e s umo: O ar t i go procura , a pa r  t i r de uma d i s cu ss ã o s obre a comp l e x i d a d e h  i s t ór i c a , s o c i a l ,cu l t ur a l  e r ac  i a l  de Moçamb i que , apon  t ar para a nec e  ss i d a d e d e s e pen s ar a ep i d em i a de H  I V  /  AI D S  no pa í  s  com o um f  enômeno que t em i mp li c a ç õ e  s  e s p e c í  f  i c a s  d e t erm i n a d a  s  por t a l  qua dro .As  me d i c i na s  t ra d i c i ona i s  e a s  concepçõe  s  de doença f  ormu l a d a s  a par  t i r d e s eu s  pr e ss upo s t o s ,que e  s t ã o i n t i m a m e n  t e re l a c i o n a d a  s   a o s   s i s t e m a s   de pa r en  t e s c o ,  re l a ç õ e  s   de gênero e  c o s mo l o g i a s   l o c a i s ,  e operam na  s   i n t erpre t a ç õ e  s   que o  s   s u  j e i t o s   f  azem de s eu con t e x t o e 

e x p er i ênc i a s , devem s er l evada  s  em con s i de r açã o pa r a s e compreender a  s  re l a ç õ e  s  que o  s m o ç a m b  i c a n o  s   e s t a b e l e c e m c o m a d o e n ç a  ,  d e t erm i n a n d o c o n c e p ç õ e  s   e e x p er i ê nc i a s p ar t i cu l are s  d e a d o e c  i men t o p e l o H I V  /  AI D S .

P P P P P a l avra s -chave  a l avra s -chave  a l avra s -chave  a l avra s -chave  a l avra s -chave : Moç amb i que , H I V  /  AI D S , m e d i c i n a s  t ra d i c i on a i s .

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264   Estudos Fem inistas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, ja ne iro-abril / 2006

LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ

inte n ç ã o d e a p o nta r  as limita ç õ es do que , n a a tu a li d a d e ,

se conhec e sobre a doenç a no pa í s e , sobre tud o, sobre as

d ist orç õ es  im p ost a s  p or  u m a a g e n d a d e in te rv e n ç ã og era lmente construí d a tendo em conta outros  c ontextos.

S

ubli

nhamos,

  assi

m,

  outr

os

  ei

xos

  que devem nort

e ar

  quer

os tra b a lhos  d e p esquisa ,  quer os  pro je tos  d e interv e n ç ã oe q u e d e v e m to m a r  os  t e rm os  d a p ró p ri a re a l i d a d emo ç a mb ic a n a c ontemporâne a : cosmo log i as e siste m a d ep a re n t e s c o ,   c l iv a g e m urb a n o / rur a l ,   p a rt i c u l a r i d a d e s

re g ion a is,  mob ili d a d e esp a c i a l  e migra ç ã o e ,  p or  fim,  as

c onseqüênc i as  d a g u erra .

IIIII

Qu a lquer  tenta tiv a d e introduzir  o le itor  n a históri a

d e Mo ç a mbi

que enfr

ent

a o des

afi

o de um cont

ext

o ondea históri a re c e nte é ob je to de d isputas a c irra d as. É e vid enteque qua lquer históri a n a c iona l é ob je to de múltip l as ve rsões;no enta nto, g era lmente e l as repousa m sobre a lguns p ontos

c onsensua is. No c aso d esse p a í s a fric a n o, a históri a re c e nteé m a rc a d a p or  múltip los  tra u mas  e p o d e mos  d izer  qu emuitas ferid as não fora m a in d a c ic a triz a d as.

So bre a históri a d a FRELIMO 1 e d a luta d e li b erta ç ã on a c ion a l ,  p or  e x e m p lo ,   t e mos  u m a v e rs ã o o f i c i a l; noenta nto, são muitas a s vozes que a questionam, nem semprena forma de uma c l ara o p ç ã o historiográ fic a , mas na form a

d e rumores ou de fra g me ntos n a rra tivos que surgem aqui ea c o l á .2

Pre t e n d e m os  a q u i   a p re s e n t a r  b re v e m e n t e u mc o n j u n t o d e n a rr a t iv a s   q u e d iz e m r e s p e i to à s

tr a nsf o rm a ç õ es ,   e a ss i m d e l i n e a r   u m a e s p é c i e d ee x p er i ênc i a comum   a tod os  os  m o ç a m b i c a n os  expressan as  re presenta ç õ es  d e a lguns  m a rc os  te mp ora is.  E se ad iversid a d e d os  homens  e mulh eres  c o mpre e n d i d a e mt e rmos  “ é tn i c os” ,   “ l in g ü í st i c os”   ou “re l i g i osos”   p a re c equestion a r  a p ossib ili d a d e d e se im a g in a r uma n a ç ã o e mMo ç a mb ique cujas fronte iras  esp a c i a is seri am o resulta dodo a rb í trio d as  p otênc i as  c o loni a is, m a is  de cem anos  d ehistóri a c o loni a l,  so c i a lista e pós-so c i a list a enre d a ra m os

mo ç a mb ic a n os  num con junto de re presenta ç õ es sobre otempo que , em ma ior ou menor m e d id a , p erc orrem o pa í s

de norte a sul.

1 .11 .11 .11 .11 .1 TTTTTempo co lôni aempo co lôni aempo co lôni aempo co lôni ae mp o c o lôn i a

As  re ferênc i as  a o t empo co l ôn i a   são de ta l  form are c orre ntes  que te mos  a impress ã o d e q u e p a ss a d o epresente se misturam no cotid i ano dos mo ç a mb i c a n os. As

sente n ç as  que tê m iní c io com “no tempo co loni a l.. .” sã oextre ma me nte d iversas, e um mesmo ind iví duo pode re ferir-

1  Fr e n t e d e L i b e r t a ç ã o d eM o ç a m b i q u e .  Mov im e n to q u eli d erou a luta contra o co loni a lis-m o p o rtu g u ê s ,   i n c o rp o rou oue lim inou os  d e m a is  movimentos

c ontest a t á rios  e tra nsformou-see m p a rtido úni c o a p ós  a inde -p e n d ê n c i a do pa í s.  C entra lizo uo p o d e r  a t é 1990 ,   q u a n d o omu ltip artid a rismo fo i instituc ion a li-z ado em Moçamb ique ,  a brindoas p ortas p a ra os a c ordos d e p a zde 1992.2  Um a d a s   p o u c a s   v e rsõ e s

p u b l ic a d a s  e m M o ç a m b i q u ere c e n te m e n te que quest io n a mfronta lmente a versã o ofic i a l  é ab i o g r a f i a d e Ur i a S i m a n g o :Ba rn a b é Luc as N C O M O , 2004. Op o u c o i m p a c to q u e t e v e n od e b a te m o ç a m b ica no é conse-q ü ê n c i a d o s   l im i te s   d e u mesp a ç o propri amen te púb li co nop a í s e , c e rta m e nte , d a h e g e m o-ni a a inda exerc id a p e l a FRELIMO.

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  Estudos Fe ministas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, j a ne iro-abril / 2006 265

RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE

se ao t empo co l ôn i a  ora com saudosismo, ora com repúd io .

T  e mp o c o  l ôn i a se est e n d e d e fins  d o sé cu lo XIX a té ain d e p e n d ê n c i a do pa í s e m 1975 . N a me d ida em que nos

a fast a mos  em d ire ç ã o a os  eventos  o c orrid os  no fin a l  dos

é cul

o XIX ou

i

ní 

ci

o d o XX,

 ot empo co  

l ôn 

i a  

s

e m at

eri

ali

zan a figura d os  a nte p assa dos.  N as  re g iõ es  c entro e sul  d eMo ç a mb ique ,  re ferênc i as  a d esc e n d ê n c i a d e a ntig os  ep o d erosos ré gulos são consta ntes, a ssim como re l a tos sobrea resistênc i a à o c u p a ç ã o p ortuguesa e a li a n ç as  com al e g e n d á ri a f i g ura d o G u g u n h a n a .   N ess a s  h ist óri a s ,   op assado se faz presente n as  figuras  d e esp í ritos  e a lm as

p e n a d as –  os  m f  u k u a s  –  que anse i am por  vin g a n ç as  d ec rim es  p assa d os.  O t e mp o    a qui  surg e n as  históri as  d as

guerras  d e o c u p a ç ã o q u e insta ura m c ic los  d e fe iti ç os  ec ontra fe itiç os, vin g a n ç as  e tra iç õ es.

Se os  re l a tos  d as  guerras  do Gugunhana povoama s  n a rr a t iv a s  d os  “ a fri c a n os  l e g í t imos” ,   u m a m e m ó ri ac osm o p o li t a é re iv in d i c a d a p e l os  re m a n es c e n t es  d ef a m íl i as  q u e h á mu ito h a b it a m c e n tros  urb a n os  c o moLourenço Ma rques  (ho je Ma p uto),  Inhambane e a Be ira .

Aqui os a nte p assa dos sã o , muitas vezes, p ortugueses, m as

não só: é qua ndo surg e m n a c e n a os Alb asini e os Pott , e mMa p uto , e os Forn asini, e m In h a mb a n e , figuras m asculin as

orig inárias d a Itá li a e d a Hol anda responsáve is por linhagens

crioul as que encontram na mestiç a g e m su a singul a rid a d e ,

m a s  t a m b é m a s  m a rc a s  d a su a v u l n e r a b i l i d a d e .   As

le mbra n ç as evoca m ora um passado a le gre com a vid a ase d esenro l a r n os c lub es e asso c i a ç õ es, o ra a expe ri ênc i ad a se gre g a ç ã o promovi d a p e lo mo d e rno co lon i a lismop ortuguês em Moç amb ique .

[.. .] nós não pod í amos entrar onde os brancos entravam .

[.. .] não se i se o senhor j á re p a rou que em uma mesm afa m íli a h á irm ã os m a is c l a ros, outros m a is  escuros, u ns

sa em ao avô , ou tros à avó, temos d escendênc ia n egra ,

temos  a d escen d ên c i a bra n c a , não sa í mos todos  d amesm a c or.  E o que su c e d i a? Havi a a í  sí tios  onde eu

pod i a entra r  p orque era muito c l a rinh a ,  quando eram a is  nova a in d a era m a is  c l a ra ,  m as  um dos  meus

irm ã os, [.. .] m a is  escuro, já n ão p o d i a entra r. [.. .][Uma vez, um novo gove rn a d or] ve io a Moça mb ique eachou que aquilo era um d isp a ra te: bran cos p ra aq ui,

mul a tos  pra a li ,  pre tos  pra a li ,  a Asso c i a ç ã o Afric a n aera só pra mul a tos, o Centro dos N e grófilos era só prane gros.. . En tã o esse govern a d or p e d iu o nome de dezc asa is m istos. Eu lembro-me b em: est ava a té senta d acom a m inha filha ao co lo, e ve jo uma da que l as motas

d a presid ên c i a e d isse “Ai  meu Deus  que j á nos  vempren d er  meu ma rido ou a m im”,  porque aqui  prisõ es

era m freq ü entes. Na verd a d e , o senhor d a mo ta ve iotrazer-nos  um conv ite p a ra irmos  j a nta r  no pa l á c io. E

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266   Estudos Fem inistas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, ja ne iro-abril / 2006

LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ

nós fomos. Est avam ma is três ou qua tro c asa is b ran cos

p a ra fazer número, nós no me io d e les e a a ten ção erat o d a p r a n ó s ,   c o m o n ó s   f a l á v a m o s ,   c o m o n o s

comportávamos  à mesa .. .  Fo i  um esc â n d a lo e o ta l

govern a d or foi tra nsferido pa ra Portug a l.

A entra d a n os lug a res não era pro ib ida como na Áfric ado Sul.. . m as h avi a lug a res p a ra pre tos, e lug a res p a rabran cos. Um a uto c a rro gran d e tinha um banc o corrid oa trás, só pra pre tos.  O pre to queri a entra r,  não havi alug a r a li , não pod i a entra r, fic a v a n a ru a . Tinha que ter

lug a r n aq u e le b an co corrido. Nós sentávamos com os

bran cos, m as se fosse o cobra d or a a rrum a r, c o lo c a v aum mul a to ao l a do de um mul a to, não i a p ôr  a o l a d odo bran co .

Lourenço Ma rques  e Be ira surgem como c id a d es

o n d e a se g re g a ç ã o e ra p ro fu n d a m e nte m a rc a d a n o

espaço ; à no ite ,  os  ne gros  tinham que porta r  um passep ara poder c ircul ar p e l a c id a d e “bra n c a ”; a os ne gros c a b i atodo tipo de tra b a lho manua l. Os bra n c os m o ç a m b ic a n os

reve l avam surpresa quando , v isitando Portug a l,  a prime irac o isa que vi am no ca is  do porto de Lisb o a era m bra n c os

tr a b a lh a n d o ,   c a rr e g a n d o e d e sc a rr e g a n d o ,   p o is  e mMo ç a mb ique “os  bra n c os  não tra b a lh a v a m”.  D a mesm aform a ,  os  tra b a lh a d ores  n e gros  q u e m i gra v a m p a ra otra b a lho na Áfri ca do Sul m a nifest avam su a surpresa d i a nted os  b o e r  s   que tra b a lh a v a m n a a g ri c u ltura .3  No t e m p o  

c o l ô n i a ,   os

  br

a n c os

  c ui

d a v a m d os

  n e g ó ci

os

  e d aburo cra c i a , assim como os c a n e c o  s , ind i a nos c a tó li c os d eori g e m g o esa ; os  monhê s ,  ind i a nos  m a o m e t a nos,  e os

b a n e a n e  s , hindus, d e d icavam-se ao comérc io; 4 os chineses

est avam no comé rc io e n a a g ri cu ltura ,  c ontro l a n d o os

c inturõ es v erd es  d e Lourenço Ma rques  e d a Be ira .

Se as  le mbra n ç as são muito d iferentes  e m fu n ç ã od a origem so c i a l d os ind iví duos, uma ima g e m é re c orrente:o tra b a lho forç a d o d a q u eles c l assific a d os como ind í g e n as,

re gul ado pe lo re g ime do ind ig e n a to que vigorou na co lôni aa té 1961. T  odo s  fazem re ferênc i a a os ne gros que passa v a m

a c orrenta dos  e se d irig i a m p a ra o tra b a lho nas  ferrovi as,p a ra a limp e za d as vi as  púb li c as,  p a ra as  p l a nta ç õ es  d ea lg o d ã o.

O rd e m e h i e ra rq u i a o rg a n iz a v a m a so c i e d a d emo ç a mb i ca na no t empo co  l ôn i a . A re a li d a d e “crioul a ” d eLourenço Ma rques  d as  prime iras  d é c a d as  d o sé culo XXre p o us a v a n u m a o p osi ç ã o b á si c a e n tre “b r a n c os”   e“pre tos”,  a qua l  informava uma so c i e d a d e form a d a p or

b r a n c os   m e tro p o l i t a n os ,   b r a n c os   d a t e rr a ,   m u l a tos

a ss i m i l a d os ,   m o n h é  s ,   b a n e a n e  s   e c a n e c o  s   e mc ontra p osiç ã o à massa a fricana ; nos  a nos  1950 e 1960,

p erí odo de grande fluxo de co lonos  bra n c os  d e orig e m

3 A figura do boer   é const a nte e mM o ç a m b i q u e ,  p a rt i c u l a rm e n teno sul. Tra ta-se do branco de fa l aa fric â n er, g e ra lm ente asso c i a doa uma origem ho l a n d esa . Se , p or

um l a d o,  to d os  re c o n h e c e m aim p ort â nc i a d esse contin g e n tep a r a a i nst i tu c i o n a l iz a ç ã o ere p ro d u ç ã o d o a p a r  t h e i d ,  p or

outro, todos são unânimes quantoa su a d isp o n i b i li d a d e p a r a otra b a lho manua l, e sp e c i a lmenten a a gricultura .4  D e f in i ç õ e s   c o m o m o n h ê  s ,b a n e a n e  s  e c a n e c o  s  são pe jora-tiv as e não constituem uma a uto-a t r i b u i ç ã o .   C f.   V a l d e m ir

ZAMPARONI, 1998.

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  Estudos Fe ministas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, j a ne iro-abril / 2006 267

RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE

portuguesa , observamos o a c irra me nto da tensão existenteentre estes  e os d e m a is grupos urb a n os (bra n c os d a terra ,

assimil a d os,  mest iç os,  e tc .).  Ao longo do t empo co  l ôn i a te mos a form a ç ã o d e asso c i a ç õ es que da rão a “c a ra ” d a

cena públi

c a d eL

our

enço Mar

ques,

 c ar

a ct

eri

za d a p or

 um aprofunda hi era rqui a em fu nç ã o d a r a ç a    e d a or i g e m .  Os

a nos 1960 sã o le mbra d os,  assim,  a p a rtir  d e um conjun tod e p a radoxos: tra ta-se do iní c io da gue rra d e li b erta ç ã o,

d o a c irr a m e nto d os  c onf li tos  e ,  a o m esmo te m p o ,  d op erí odo de m a i or d e s envo l v i men t o da co  l ôn i a  (c onstru ç ã oc iv il ,  su p ost o f im do in d i g e n a to ,  g ra n d es  o b ra s  c o m oC a h ora-Bassa , e tc .).

1 .2 T1 .2 T1 .2 T1 .2 T1 .2 Tempo Sa moraempo Sa moraempo Sa moraempo Sa moraempo Sa mora

So b re o f im do t e mp o c o  l ôn i a   c orre m inúme ras

históri as.  Esta mos  d i a nte de um dos  te m as  pre ferid os  d emuitos mo ç a mb i c a n os, formul ado ora em tom jo c oso , orae m tom de que ixa ou revo lta .  Sã o históri as  entra d as  n afu g a d os p ortugueses q u e a b a n d on a ram em massa o pa í s

entre os a nos d e 1974 e 1977, muitos d e l es inconform a d os

c o m u m g o v e rn o d e m a i o ri a n e g ra e c o m o f im d ahierarqui a coloni a l traduzida na democra tizaç ão do esp a ç osentida como desord e m.  Algumas  d a tas  fazem pa rte d amemóri a dos h a b ita ntes d e Ma p uto: o 7 de se te mbro e o21 de outubro de 1974. Tra ta-se de um pe rí odo de gra n d e

inc erteza ,  p a ra bra n c os  e n e gros,  expresso nos  c onflitosd e se te m b ro e outu b ro ,  c o m ma t a n ç a s  su c ess iv a s  d en e g ros   e b r a n c o s .   P a r a m u i tos   p o r tu g u e s e s   elusod esc e n d e ntes, os  c onflitos que ma rc a ra m essas d a tas

são a reve l a ç ã o do c a os  que se anunc i ava ; pa ra muitos

m o ç a m b i c a n os,  tra tou-se quase d e ritu a is  que ,  n a su avio l ênc i a , sin a lizavam a mudanç a do pa í s.

O c a os ,   a v i o l ê n c i a e a fu g a d e p o r tu g u e ses ,

lusod esc e n d e ntes, gre g os e chineses, mas não só , ta mb é mo e ntusi asmo da revo lu ç ã o ,  m a rcam o iní c io do t e mp o  S amora . As  le mbra n ç as  d esse p erí odo são ma rc a d as  por

p a r a d o x os  e c o n tr a d i ç õ e s ; mu i tos  l e m b r a m-s e c o mentusi asmo do lí d er c a rism á tic o e d a c h e g a d a d e Sa moraàs d iferentes c id a d es do pa í s, e d o hero í smo e vo lun ta rismoc a ra c terí stico dos  prime iros  a nos  d a revo lu ç ã o.5

N o e n t a n to ,   o f i m d a s e g re g a ç ã o r a c i a l   e ac onstruç ão de um re g ime soc i a lista vieram ac ompanhados

d a cresc ente fa lta d e b e ns  de consumo,  d a cri a ç ã o d eum novo e bruta l  a p a ra to re pressivo e do in í c io de umconjun to de conflitos que da ri a m origem a uma guerra entreirm ã os,  a FRELIMO ver s u s   os  c a ra c teriz a d os  ini c i a lme nte

c o m o b a n d  i d o s 

  a r m a d o  s 

  o u m a c h a n g a  s ,  

l

o g otra nsform a d os  em so ld a d os  d a RENAMO .6  À memóri a d e

5  A b ib li ogra fi a so bre o perí o dorevo luoná rio é bast a nte razoáve l,

m a s   p o l a r iz a d a e n t r e o s

entusi ast as  d a revo lução e seus

d e tr a to r e s .   Est a m os  à e sp e r aa inda d e uma sí ntese .6   C o m o f i c o u c o n h e c i d a aresist ênc i a a rm a d a à FRELIMO ap a rtir d os  a nos 1980, Resistênc i aN a c i o n a l   M o ç a m b i c a n a ,   n a

at

u ali

d a d etr

a nsf

or

m a d a n u mp a rti do po lí ti c o,  o prin c i p a l  d aoposiç ã o.

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268   Estudos Fem inistas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, ja ne iro-abril / 2006

LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ

uma guerra bruta l, some-se a a tu a ç ã o d o Est ado so c i a listaq u e ,   d e fo rm a d e s i g u a l ,   a f e to u a v i d a d e to d os  os

m o ç a m b i c a n os: as  n a c ion a liz a ç õ es  e a form a ç ã o d as

gra n d es  m a c h a m b a  s   comuna is,  c o o p era tiv as  a grí c o l as

q u e d e v eri

a m c o n c e ntr

ar

  a es

m a g a d or

a m ai

ori

a d apopul a ç ã o c a mp o n esa do pa í s; a nec essid a d e dos gui as

d e ma rc h a p a ra qua lquer  tipo de deslo c a m e nto interno,

a utoriza ç ã o c o nse guid a junto a os  grupo s   d i n a m i zadore  s d a r e v o  l u ç ã o  ; a i nst i tu c i o n a l iz a ç ã o d os  c a m p os  d ere e d u c a ç ã o, p a ra onde e ram envi a d os os comprome tidos

com o re g ime anterior, os susp e itos de contra-revo lu ç ã o eos  a cusa dos  e a c usa d as  d e c ostumes in a d e q u a d os.

M a ss a c res  p e rp e tra d os  p e l a RENAMO ,  v io l ê n c i as ist e m á t i c a d o Est a d o c o n t r a a p o p u l a ç ã o : e ss a s

l e mbra n ç as  comb inam-se com aque l as  que enfa tizam a

re l a tiv a igu a ld a d e e ntre to d os  os  ind iví duos,  a a usênc i ad e c orru p ç ã o e mesmo a inexistê nc i a d a crimin a li d a d ecomum nos  c entros urb a n os n a a tu a li d a d e .

1 .3 T1 .3 T1 .3 T1 .3 T1 .3 Tempo a tu a lempo a tu a lempo a tu a lempo a tu a lempo a tu a l

O iní c io d este p erí odo não é consensu a l: muitos  oasso c i am à morte de Sa mora Ma c h e l  e ao Progra m a d eRe a b ili taç ão Econômic a (PRE); outros  a os  tra ta dos  d e p a ze ntre a FRELIMO e a RENAMO em 1992 ,  ou às  prime iras

e l e iç õ es d e mo crá tic as e m 1994. Tudo ind i ca que a morte

d e Sa mora em 1986 re presenta o iní c io de um con junto d etra nsform a ç õ es  q u e a c a b a ri am por  l eva r  Mo ç a mb ique aum pro c esso de “tra nsiç ã o d e mo crá tic a ”, a uma ec onomi ad e merc a d o e à p a z.

Tra ta-se també m do fim d as  utop i as: abandona-seo uso d o t e rm o “ c a m a ra d a ”   e a s  v e lh a s  h i e r a rq u i a s

p a re c e m ressurg ir no uso do termo “p a trã o”; o fra c asso d arevo lu ç ã o ,  a vo lta de muitos  portugueses  e as  novid a d es

do merc a d o livre , d o c a p ita lismo se lv a g e m e d a c orru p ç ã ofazem com que mu itos  d os  a ntigos  comporta me ntos  dop erí odo co loni a l re tomem seu lug a r.

O fim da guerra é ce le bra do com alí vio e entusi asmopor uma popul a ç ç ã o e x a ust a . À inserç ã o d a RENAMO n avid a p o lí tic a e p a rtid á ri a do pa í s c orrespondera m os ritu a is

de purific a ç ã o q u e p e rmitiram o re torno de milh a res  d ejovens  as su as  a ld e i as  e comun id a d es  a pós m a is de umad é c a d a d e b a rb á ri e .  O fim do re g im e a utorit á rio n ã oimp li c a a c o nso li d a ç ã o d e um esp a ç o pú b li c o re a lmented e mo crá tic o, e a re c o nfigura ç ã o hierá rquic a d o p a í s v e ioa c o m p a nh a d a d a pro lifera ç ã o d e rumores  em torno das

guerras  p assa d as,  do enriq u e c imento súb ito de muitos  e

d e d o e n ç as

  e m al

efí 

ci

os.

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RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE

IIIIIIIIII

2 .1 R2 .1 R2 .1 R2 .1 R2 .1 Ra ç aa ç aa ç aa ç aa ç a

A i d é i a d e “ra ç a ”   p o d e ri a se r,   nos  d i a s  a tu a is ,a bso luta me nte irre le v a nte em Moçamb ique .  Dific ilmentep o d e r í a m os   f a l a r,   a ss i m ,   d e “ r e l a ç õ e s   r a c i a is”   e mM o ç a m b iq u e p a rtin d o d e a n a lo g i as  com as  re a li d a d es

b ra si l e ira o u a m e ri c a n a .   Às  d if e re n ç a s  re g i on a is  e àevid ente re l a ç ã o d e tensão entre o “urb a n o”  e o “rura l”,

impõe-se o fa to de est a rmos  num pa í s  d e esm a g a d oram a iori a n e gra .  Os  c ontin g e ntes  bra n c o ,  misto e ind i a nop o r t a d o r e s   d a n a c i o n a l i d a d e m o ç a m b i c a n a n ã oa l c a n ç a m 1 % d o t o t a l   d a p o p u l a ç ã o 7  e e st ã oconcen tra dos  n as  á re as  urb a n as  de um pa í s  onde ma is

de 70% dos  ind iví duos  encontra m-se no campo .8  Qu a l  osentido que , nesse contexto ,  g a n h a a id é i a d a e xistênc i ad e “re l a ç õ e s  r a c i a is”?  Po d e m os  f a l a r  re a l m e n t e d e“re l a ç õ es”?

Essa prime ira advertênc i a não pod e nub l a r  a lguns

e l e m e n tos  c ru c i a is: d e m o g ra f i c a m e nt e in e x p ress ivos,

so c i a lm e nte ,  os  ind iví duos  c l assifi c a d os  como b ra n c os,

mistos  ou ind i a nos  (e m a is  um sem fim de c l assifi c a ç õ es

q u e n ã o p o d e re mos  exp lora r  a q u i)  o c u p a m e sp a ç os

d e c isivos no func ionamen to do pa í s. Os b ra n c os, d ivid id os

entr

e n a t ur a i s , n a t ur a li z a d o  

  e e s t range  i ro 

  est

a b ele c

ido

s

no pa í s, c ontro l am pa rte dos p ostos estra té g ic os no mundoe mpresa ri a l e n as org a niz a ç õ es nã o-govern a me nta is e d ec o o p era ç ã o.  Há um d iminuto contin g e nte de “bra n c os”

que ostenta m a n a c ion a li d a d e m o ç a m b ic a n a ,  entre os

q u a is  e n c o n tra mos  os  q u e s ã o n a t ur a i s   –  g e ra lm e n tel us o d e s c e n d e n t e s   q u e o p t a r a m ,   a o c o n t r á r i o d aesm a g a d ora m a iori a ,  por  p erm a n e c e r  no pa í s  nos  a nos

que su c e d e ram à in d e p e n d ê n c i a – e os q ue , n asc idos e moutras terras, a c a b a ram por se n a t ur a li z ar  mo ç a mb ic a n os.

Os bra n c os v incul a dos a o mundo emp resa ri a l encontra m-se concentra dos e m gra n d e me d id a n a c id a d e d e Ma p utoe ,  e m me n or  esc a l a ,  n a Be ira e e m N a mp u l a ; os  q u etra b a lham em “pro je tos  d e c o o p e ra ç ã o”,  a inda que emg ra n d e n ú m e ro n a c a p it a l ,   d ist ri b u e m-se p or  c e n tros

urb a n os c omo o Xa i-Xa i, o Chimo io, Pe mb a , Te te e Liching a ,

e c o nst i tu e m u m c o m p l e x o m u n d o g e n e r i c a m e n t easso c i ado à “c o o p era ç ã o intern a c ion a l” e a os “d o a d ores”.

N a c a p it a l   d o p a í s ,   a s  e l it es  b r a n c a ,   n e g r a e m ist ac o m p a rt il ham um un iv e rso d e c o nsumo esp a lh a f a tosom e d i a d o p or  c onst a n tes  v i a g e ns  à Áfri c a d o Su l  e àS

u azil

â ndi

a p ar

a compr

as

  ou par

a otr

at

a me nt

o médi

c oou dentá rio . Re presenta ntes  de ONGs  e coopera ntes sã o

7 Emili ano de C astro CACC IA-BAVAe Oma r Rib e iro THOMAZ, 2001: c f.

Ta b e l a 5 so b r e “D istr i b u i ç ã op e rc e n tu a l  d a p o p u l a ç ã o ,  p or

á re a d e re s i d ê n c i a ,   s e g u n d ogrupo som á tico e origem (1997)”,p .  33 .  “Bra n c o”,  “misto”,  “ne gro”

e “ in d i a no ”   s ã o a s  c a t e g o ri a s

utiliz a d as  p e lo Instituto N a c ion a l

d e Est a tí sti c a d e M o ç a m b ique .8  C f.   C A C C IA-BAVA e THOMAZ ,

2001: Quadro 3, p . 4 3.

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270   Estudos Fem inistas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, ja ne iro-abril / 2006

LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ

i d e n t i f i c á v e is  p o r  s e us  v e í c u l os  a tr a ç ã o e ,   e m b o r aa presentem um estil o à prime ira vist a m a is d esp o j a do , seupotenc i a l de consumo é evid e nte a os o lhos d a p o p ul a ç ã oloc a l. C o o p era ntes d as ma is d iversas orig ens – p ortugueses,

br

asil

eir

os,

 r

e m a n es

c e nt

es

  d ol

est

e e ur

o p e u,

  es

p a n h óis,

a l e m ã es,  su e c os,  ho l a n d eses  –  formam um ve rd a d e iroc lube intern a c ion a l  com firmes  op iniõ es sobre o pa í s, su ahistóri a , seus  h a b ita ntes  e seus  f  r a c a  ss o s ,  e com um n í ve l

d e v ida expresso em su as vivendas e na grande quantid a d ed e e mpre g a d os  doméstic os.

En tre os c a rgos interme d i á rios govern a me nta is e n as

un iv e rsi d a d es  e c e n tros  d e e nsin o e n c o n tra mos  um aquantid a d e signific a tiv a d e bra n c os mo ç a mb i c a n os. Esses

ind iví duos tê m sid o a fast a d os p rogressiv a me nte dos p ostos

d e p o d er  ou visib ili d a d e e m função de su a c or ,  m as su a

cresc ente inv isib ili d a d e n ã o po d e ser c onfund ida c om su ai ne x i s t ên c i a .

Os  ass im il a d os  c onst itu e m ,  e m c o n junto com os

mistos, ta lvez uma d as c o le tivid a d es menos conhec id as e mMo ç a mb ique . C o n c e ntra dos em centros como Maputo ouBe ira ,   in d iv í d uos  e f a m íl i a s  a sso c i a d os  a ess a a n t i g ac a te gori a coloni a l encontra m-se d istribuí dos por todo o pa í s,

fu n d a m e n t a lm e n te nos  p e q u e n os  c e n tros  urb a n os.  Nop erí odo ime d i a ta me nte posterior  à in d e p e n d ê n c i a , fora mo lh a d os com desc onfi a n ç a p e lo novo núc leo de um pode r

forma d o n a luta a rma d a ; su a prese n ç a ,  c ontud o,  fez-sesentir  entre os  q u a dros  interme d i á rios  tã o n e c essá rios  a ofunc ionamen to do Est a do , na buro cra c i a e nas  esc o l as.

Devemos  l e mbra r  que a ca te g ori a “assimil a d o”  ép ro b l e m á t i c a n os  d i a s  a tu a is .   Tr a t a -s e d e u m t e rm oa ss o c i a d o d ir e t a m e n t e a o p e r í o d o c o l o n i a l ,  e s ã ofreqüentes frases que se re ferem aos assimil a dos no passa do–  “eu era assimil a d o”,  “meus  p a is  era m assimil a dos”,  e tc .

I n d í  g e n a  s   q u e t e r i a m p a ss a d o p o r  u m p ro c e ss o d ea ss i m i l a ç ã o à c u ltur a ,   l í n g u a e re l i g i ã o p o r tu g u es a s

c onst ituí a m fo c o d e ime nsa te nsão outrora e ,  d e c e rta

form a ,  ta l  tensã o se re produz na a tu a li d a d e . Seu esta tutoest ava d ire ta me nte li g a d o à su a situ a ç ã o privil e g i a d a n ointerior  d o siste m a c o lon i a l  –  c onst ituí a m u ma p e q u e n a“burguesi a a fric a n a ”,  c l a ra me nte d iferenc i a d a d a m assaind í g e n a . No enta nto , p ortavam uma contra d iç ã o inerentea o s e u e st a tu to : a ss i m i l a d os ,   m a s  j a m a is  i g u a is  a os

portugueses, seu cotid i ano era m a rc a d o p or hu milh a ç õ es

c ontí nu as, que os l embrava consta ntemente sua d ifere n ç a ,

e q u e a c a b a r i a p o r   a l im e n t a r   u m p r i m e iroproto n a c ion a lismo moçamb ic a n o.9  C ruc i a is  no pro c essod e c o nstru ç ã o d os  id e a is  n a c ion a list as,  su a orig e m d e

c l asse os  m a rcou ao longo do pe rí odo revo luc ion á rio e ,

na contempora ne id a d e , vo ltam a ostenta r sin a is d i a crí tic os

9 C f. Jo sé MOREIRA, 1997.

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7/18/2019 2. Raça, Sexualidade e Doença Em Moçambique

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  Estudos Fe ministas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, j a ne iro-abril / 2006 271

RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE

que os  d est a c a m e m me io à massa a fri c a n a a lhe i a a oun iverso urb a n o .

Próx imos  a os  assimil a dos  do ponto de vist a de seuest a tuto so c i a l  –  c onst itu e m u ma p e q u e n a c o l e tivid a d e

es

p al

h a d a p el

os

  estr

at

os

  m é di

os

  ur

b a n os

  que poss

u e ma c esso a um un iv e rso c u ltura l  m a rc a d o p e l a h e ra n ç ap ortuguesa –,  os  mistos  sã o,  muitas  vezes,  asso c i a dos  àid é i a do mul a to existente no Brasil. As  d ifere n ç as  entre os

mul a tos no Brasil e os mistos em Moç amb ique sã o , c ontud o,

grita ntes. No pa í s  a fric a n o ,  ao contrá rio do que ocorre noBrasil ,  são uma esp é c i e d e a v esso d a pró pri a i d é i a d an a c iona li d a d e e , e m grande med id a , c onstituem um grupofe c h a d o, que se a uto-re produz. Est a mos d i a nte de fa míli as

mistas  d e lo n g a d a ta que promovem tro c as  m a trimoni a is

entre si  e sobre quem pesa a consta nte susp e ita de uma

n ã o -a d esão comp l e ta à n a ç ã o a fri c a n a .Uma nota c a b e c o m re l a ç ã o a os  assimil a d os,  às

antig as fa míli as tra d ic iona is mestiç as e à e lite urb a n a n e gra:sã o c l assific a d os  p e los  c a mp o neses, os  i nd í  g e n a  s ,  com omesmo termo usa d o p a ra fazer  re ferênc i a a os  branco  s :mu l ungo s  (tra ta-se do termo usa do no sul d e Mo ç a mb iquee q u e ,   e v i d e n te m e n te ,   so fre v a ri a ç õ es  n a s  d ife re n tes

re g i õ es  d o p a í s) .   À p e rc e p ç ã o d e q u e t e m os  r a ç a s

d iferentes, so brepõe-se a q u e l a cri a d a a o longo do pró priop erí odo co loni a l e que opõe do is g rup os fundamen ta is: d eum l a do , a q u e les que ostenta m form as d e vid a e uro p é i as,

se expressam em português e h a b itam nos c entros urb a n os,

do outro ,  a m a iori a c a mp o nesa –  c i v il i z a d o  s   e i nd í  g e n a  s ,e m sum a .

Por  fim ,  a os  ind i a nos  p o d e mos  a tribuir  n ã o a p e n as

o d esc o n h e c im e n to g e n e ra liz a d o m as,  so bre tu d o ,  umc onjunto de re presenta ç õ es  tensas  e conflita ntes,  o quenos faz pensa r p a ra Mo ç a mb ique , e p a ra to d a essa re g i ã od a Áfri c a A ustra l  e Ori enta l,  em uma “quest ã o ind i a n a ”

a n á lo g a à “questã o jud a ic a ” de muitos p erí odos d a históri acontemporânea europ é i a . Na figura dos ind i a nos – d ivid idos

e m inúmeras  su b c a te g ori as  p e l a p o p u l a ç ã o lo c a l,  t a iscomo b a n e a n e  s  (termo pe jora tivo p a ra os hindus), monhê s (seu corresp o n d e nte p a ra os  muçu lm a n os)  e c a n e c o  s (te rm o b a st a nte o fe nsivo que se re f e re a os  c a tó li c os,

g e r a l m e n t e o r i g i n á r i os   d e G o a )  –  e n c o n tr a m os   u mverd a d e iro prin c í p io de d e s ordem   num sist ema que nop e rí o d o c o lon i a l  opunha c i v il i z a d o  s   e i n d í  g e n a  s ,  e nop erí o d o n a c ion a l opõe os  c i t a d i no s   a os  c a mp o n e  s e s .

Antes  d e se g u irmos  a d i a nte ,  c re mos  im p ort a n tesub li nh a r  qu e ,  e m Mo ç a mb i que ,  est a mos  li d a n d o c o mp o p u l a ç õ es  m a rc a d a s  p or  u m p a d rã o d e c irc u l a ç ã o

esp a c i a l b asta nte signific a tivo. Assim, embora a popul a ç ã ob r a n c a s e j a ,   c o m o j á d iss e m o s ,   i ns i g n i f i c a n t e

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7/18/2019 2. Raça, Sexualidade e Doença Em Moçambique

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272   Estudos Fem inistas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, ja ne iro-abril / 2006

LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ

d e mo gra fi c a m e nte (o que faz com que e m muitas re g iõ es

o conta to entre bra n c os  e negros se j a mí nimo),  a m a iori ados  ind iví duos  tem na sua memóri a ind ividu a l  ou co le tiv auma re l a ç ã o signific a tiva com ou t ro s  a ssenta dos d e orig em

eur

o p éi

a.

  A mi

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a ç ã o d as

  popul

a ç õ es

  d as

 r

e gi

õ es

 s

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  ec entro do pa í s p a ra os tra b a lhos n as min as ou nas f  arme s d a Áfric a d o Sul e do Zimb á b u e faz com que as conversas

c otid i a n as se ja m p o vo a d as p or um se m-fim de h istóri as e mtorno dos boer  s   e d os rode s i a no s .

2 .2 Sexua li d a d e2 .2 Sexua li d a d e2 .2 Sexua li d a d e2 .2 Sexua li d a d e2 .2 Sexua li d a d e

S ã o mu i to fre q ü e nt e s  a f irm a ç õ e s  p e re m p tó ri a s

q u a n t o à e x p e r i ê n c i a d a s e x u a l i d a d e e n tr e o s

mo ç a mb i c a n os, em pa rti cul a r, ou os  a fric a n os n e gros, e mg e ra l.  N a impre nsa ou em documentos  produzi d os  p or

org a niz a ç õ es nã o-govern a me nta is,  assim como nos textos

dos mission á rios  c a tó li c os  e protesta ntes  d e fins  do sé culoXIX e iní c io do sé culo XX,  a sexua li d a d e a fric a n a p a re c eest a r  fa d a d a a ser  asso c i ada a um un iverso excessivo ed esre gra d o. Nunca é de ma is l embra r que os a ntro pó log os,

d esde o iní c io da d isc ip lin a , p ro cura ram demonstra r que oque é ge ra lmente asso c i ado à promiscuid a d e c onstitui, n averd a d e , um un iverso re grado e a lta me nte contro l ado por

u ma sé ri e d e c o nstra n g im e ntos  so c i a is.  Em to d o c aso ,

p a drõ es  d e c o mp orta me nto sexua l  m asculino li g a d os  à

v i d a d os   m i n e iros   m o ç a m b i c a n os   n a Á fr i c a d o Su ld i f i c i l m e n t e p o d e r i a m su p o r t a r   a d e f in i ç ã o d e“promiscuid a d e ”,  e aqu i  a a n a log i a deveri a ser re a liz a d acom outros tipos de ocupaç ão que , como os c a minhone iros

ou os  p ira tas,  d ist a n c i am o e l e me nto m asculino de seuentorno so c i a l  ou fa mili a r,  cri ando assim novas  form as  d evivênc i a d a sexua li d ad e: um universo a ser d esv e n d a d o , en ã o p a ss í v e l   d e s e r  d e f in i d o c o m o d e so rd e n a d o d ee ntra d a .

Asso c i a r a expa nsã o d a e p id e mi a de AIDS à s form as

“tra d i c ion a is”  d e c o mp orta me nto sexua l,  ou às  re l a ç õ es

d e g ê n ero, c onstitui, no mí nimo , a firm a ç õ es g e n era liza ntes

d a q u e les que desconhecem , e fe tiv a me nte , essa esfera d avi d a so c i a l  e m M o ç a m b i q u e ,  e n a v e rd a d e c o n fi guraimposiç ã o d e u ma a g e n d a intern a c ion a l a uma re a li d a d eque lhe é estranha . Q ua l o sentido de fa l a rmos d e “re l a ç õ es

de gênero” sem uma comp re ensã o esp e c í fic a d essa noçã oem Moça mb ique? Como inc orp ora r a id é i a d e g ê n e ro e mpo lí ti c as  púb li c as  a b d ic a n d o d e a lgo tã o g e n era liza ntecomo a const a ta ç ã o d a existênc i a d e homens e mulheres

e m M o ç a m b i q u e ,   n o rm a l m e n t e e n t e n d i d o s   p e l os

f

or

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a d or

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as

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p os

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o m e -d i c a m e n t e d e f in i d os   p o r   s e x os   o p o st os?   A r á p i d a

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7/18/2019 2. Raça, Sexualidade e Doença Em Moçambique

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  Estudos Fe ministas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, j a ne iro-abril / 2006 273

RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE

asso c i a ç ã o q u e se f az entre “re l a ç õ es  d e g ê n e ro”  ou“m a s c u l i n i d a d e s”   ( d e n tro d e u m m o d e l o n o rm a t iv oo c id enta l)  e a expansã o d a e p id e mi a constitui,  m a is  doq u e n u n c a ,   o resu l t a d o d e u m a v is ã o e tn o c ê ntri c a ,

pr

e c o n c eit

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a comr

el

a ç ã o a ess

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 esf

er

as

d a vid a so c i a l  mo ç a mb i c a n a e ,  em menor me d id a , um aforma d e se asso c i a r com a d iminuta e lite urb a n a e xistenteno pa í s  e que ,  e m gra n d e me d id a , ta mb é m d esconheceo universo “rura l”  ou aque le que povoa as  p eriferi as  d as

c id a d es  m o ç a m b i c a n as.  Ju d ith Butl er10   a p o nta p a ra os

pro b l e m as  d e u ma v isão un iversa liza nte e esse n c i a list aso bre re l a ç õ es d e g ê n ero e sexua li d a d e proposta p or um ac e r t a p e rs p e c t i v a f e m i n ist a c a l c a d a n a c r í t i c a a op a tri a rc a lismo,  que a in d a p erme i a as  a ç õ es  d a m a iori ad as a g ê n c i as e a g e ntes n o tra to com a ep id emi a no pa í s,

visã o essa que não l eva em conta universos  cultura is n ã oo c id enta is. A resp e ito do c a rá ter c o loni a list a e “orienta lista ”

d e ta l p ersp e c tiv a ,  a a utora a firm a:

Th a t form o f feminist the orizing has come under c ritic ismfor  its  e fforts  to c olonize and appropri a te non-Westerncultures to support highly We stern notions of op pression,

but b e c a use they tend as we ll to construc t a “Third World”

or even an “Orient” in which gender o p pression is sub tlyexp l a ined as symp tom a tic of a n essenti a l, non-Westernb arb a rism .11

Inc orre-se , d essa ma n e ira , no risco de as a ç õ es q uevisam ao contro l e d a e p id emi a serem interpre ta d as comouma esp é c i e d e n e o c o loni a lismo promovido por p a rte d ea g e ntes estra n g e iros – o que de fa to tem ocorrido – e veremsua e fic á c i a comprome tid a p e l a resistênc i a d a p o p u l a ç ã om o ç a m b i c a n a e m i d e n t if i c a r-se c o m su a s  p ro p ost a s,

d evido à incompre ensão do universo lo c a l  por  p a rte d os

interve ntores.

2 .3 Doença2 .3 Do e n ç a2 .3 Doença2 .3 Do e n ç a2 .3 Do e n ç a

P

or

 fi

m ,  a exist

ênci

a d e d o e n ç as

  que af

et

am emgrande número a popul a ç ã o mo ç a m b i cana não é umanovid a d e .  Ma l á ri a e tub erculose ,  pneumoni a e d o e n ç as

infa ntis.  Id as  e vind as  às  min as sul-a fri c a n as  tra nsform a mjovens  em ve lhos  a d o e nta d os  h á p e lo menos  um sé culo;as  mov im e nt a ç õ es  p o p u l a c ion a is  e ntre o c a m p o e ac id a d e , p a rti cul a rmente n as últim as d é c a d as, esp a lh a ra mv a ri a ntes resistentes  d e ma l á ri a , num momento em que oEst ado e su as  instituiç õ es se esf a c e l ava m em me io a umaguerra c ivil,  e os pro je tos d e saúde púb li c a ou guerra a os

mosquitos se vi a m im p e d idos p e l a limita ç ã o d e re cursos e

mesmo pe l a d esorg a niz a ç ã o q u ase que tota l  de um j ápre c á rio siste ma d e sa ú d e . A situ a ç ã o só v e io a p iora r c om

11  BUTLER, 1990, p . 3 .

10  BUTLER, 1990.

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274   Estudos Fem inistas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, ja ne iro-abril / 2006

LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ

a vo lta dos d eslo c a d os e re fug i a d os: nã o é por n a d a q u eos  í nd i c es  d e inc i d ê n c i a e prev a l ên c i a do HIV / AIDS  sã om a iores  nos  c orre d ores  p or  onde c ircul a ram em gra n d eme d id a os re fug i a d os n a últim a d é c a d a ,  e por onde ho je

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 do Chi

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o,

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ae Te te , na re g i ã o c e ntra l, ou o corre dor d e Na c a l a , no nortedo pa í s.

É no qua dro m a is a mp lo d as p erc e p ç õ es d a d o e n ç ae d a d e c a d ê n c i a fí si c a q u e a e p id emi a d o HIV / AIDS  deveser inc orpora d a e interpre ta d a . D e n a d a , ou quase n a d a ,

servem as  c a mp a n h as  que não levem em conta de queform a as  p esso as  interpre tam aquil o que entra ou sa i  doc orp o ,  d e flu í d os  c orp ora is  –  suor,  sa n g u e ,  sê me n –  aprofil axi as. É muito fre q ü e nte em Moç amb ique escuta rmos

que os ind iví duos a firmam a inexistênc i a d o HIV / AIDS quando

c onfronta dos com narra tivas heg emônic as sobre a doença :e ss a d e s c r e n ç a n ã o d e v e s e r   tr a t a d a c o m o m e r aignorâ nc i a d a p o p ul a ç ã o,  m as  a ntes  como a ine fic á c i ad o a p a ra to p ro p a g a n d í st i c o e p e d a g ó g i c o p ost o e mm a rc h a n os  ú l t im os  a nos .   To d a v i a ,   a a ss o c i a ç ã o d ad e g ra d a ç ã o f í si c a e d a d o e n ç a c o m a c us a ç õ es  d efe iti ç a ri a ,  longe de ser  residu a l,  p a re c e ser  sistê mi c a .  Ap erc e p ç ã o d a d o en ç a est a ri a li g a d a ,  assim ,  às re l a ç õ es

c osmo lóg i c as,  d e vizin h a n ç a e d e p a rentesc o,  un iversos

d ifí c e is d e p e n e tra ç ã o por p a rte de ind iví duos e ONGs q uetê m a c a b e ç a pré-mo ld a d a q ua nto ao que deve ser fe iton a luta contra a d o e n ç a .

IIIIIIIIIIIIIII

O que se segue sã o d a d os re l a tivos  à e p id e mi a d eHIV / AIDS na Áfric a e , ma is esp e c ific a m e nte , na África Austra l

e Ori enta l,  onde est ã o lo c a liza d os  Mo ç a mb ique e Áfri c ad o Su l .   M a is  d o q u e e x p o r  d a d os  e x a ust ivos ,   o q u epre tendemos  é d a r subsí d ios  p a ra uma prob l em a tiz a ç ã od a e p id emi a n a á re a ,  pro curando mostra r  que a Áfric aAustra l  deve ser  entend id a d e form a sistêmic a ,  uma vezque as fronte iras e ntre p a í ses são bastante p erme á v e is, c omc ircul a ç ã o p o pul a c ion a l historic a m e nte signific a tiva entreos p a í ses, o que resulta num desenho ep id emio ló g ico quenão se d e fine pe l as fronte iras n a c ion a is.

O continente a fricano concentra o ma ior  númerod e p esso as vivend o com o HIV / AIDS no p l a ne ta . D e a c ordoc o m d a d os  d a O MS  e UNA IDS,  a té 2003 a Áfric a d e tinh am a is  d a m e t a d e d os  c asos  mund i a lm e n te re g istra d os,

v a r i a n d o d e 2 5 m i lh õ e s  a 28 ,2 m i l h õ e s  d e p e ss o a s

infe c ta d as num tota l d e 34 milhõ es a 46 m ilhõ es d e c asos

e m todo o mundo .A re g i ã o subsa a ri ana re g istra ,  d entro do continente

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7/18/2019 2. Raça, Sexualidade e Doença Em Moçambique

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  Estudos Fe ministas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, j a ne iro-abril / 2006 275

RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE

a fric a n o,  os  m a iores  í nd ic es  d e inc idênc i a e preva lênc i ado HIV / AIDS. D entro da á re a subsa a ri a n a ,  as re g iões  austra l

e o r i e n t a l   a p re s e n t a m os  í n d i c e s  m a is  e l e v a d os  d epreva lênc ia d e HIV / AIDS, con forme dados d a UNAIDS d e 2002.

Esses í nd ic es che ga m a 38% em Botswana , e stã o a c ima d e30% em Zimb a b w e (33,7%),  n a Su azil â n i a (33 ,4%)  e noLesotho (31,0%),  a c ima de 20% na Nam í b i a (22,5%),  n aZâ mb i a (21 ,5%) e na África do Sul (20 ,1%) e não são menores

que 13%,  como re g istra d o e m Mo ç a mb ique (Q u ê ni a eMa l awi, re g istram ambos uma preva lênc i a d e 15%).

E mb ora e m 2 0 0 2 M o ç a m b i q u e a p rese n t a ss e omenor  í nd i c e d e pre v a l ê n c i a e ntre os  p a í ses  d a Áfri c aAustra l  e O ri e nt a l,  se us  in d i c a d o res  so c i a is  (Q u a dro 1)

a p o ntavam um quadro b ast a nte prob le m á tio e pro p í c iop a ra a e x p a ns ã o d a e p i d e m i a ,  q u e est á int im a m e nte

asso c i a d a à p o breza : b a ixo IDH, a ltos í nd ic es de pobreza ,f o m e e i n c i d ê n i a d e m a l á r i a ( d o e n ç a o p o r tu n ist aresp onsá ve l p or g rand e número de ób itos e ntre p orta dores

d o HIV / AIDS  e d o e n tes  d e AIDS),   a l é m d e u m g ra n d ec ontingente d e d eslo c a d os, re torn a d os e d esa lo ja dos p e l agu e rra c ivil ,  que p roduziu pro b l e m as  d e infra-estrutura ,

a t in g i n d o a r e d e d e s a ú d e p ú b l i c a e a ss ist ê n c i agovern a m e nta l.

Um estudo ep id e mio ló g i c o re a liza d o n o p a í s  p or

órg ã os  govern a me nta is  em con junto com a Universid a d eEdua rdo Mond l a ne 12  mostra que não há uma d istribuiç ã oh o m o g ê n e a d a p re v a l ê n c i a d o HIV / AIDS  no t e rr itó ri omo ç a mb ic a n o , concentrando-se n as re g iõ es c entra l e sul,

e m esp e c i a l n as  proví ni as  que fazem fronte ira c om Áfric ad o Sul  e Zimb a b w e ,  tod as  com í nd ic es  a c im a d a m é d i an a c ion a l – Te te (19 ,8%),  M a ni c a (21,1%)  e Gaza (16,0%),a l ém de Sofa l a (18,7%),  onde se encontra o corre dor  d aBe ira (Q u a dro 2).  Essa d istri bui ç ã o d a prev a l ê n c i a est áintim a m e nte asso c i a d a à c ircul a ç ã o p o p ul a c ion a l  entrefronte iras  nesses  p a í ses,  d evido ao tra b a lh a lho migra tório

QUADRO 1 – IND ICADORES SOBRE MO ÇAMBIQUE (2002)

 IDH (2003): 170° lug a r entre 175 p a í ses p esquisa dos

N a proví nc i a d e Sofa l a , 8 7,9% da popu l a ç ã o vive em situ a ç ã o d e p obreza26 anos  de guerra (sendo 16 de guerra c ivil)  provoca ram a morte d e ma is  de um

milh ã o d e p esso as e o número de desa lo j a dos che gou a 3 milhõ es

Fome : 600 mil p esso as  e m risco de ób itoMa l á ri a é o ma ior prob l e ma d e sa ú d e e d e c a usa d e ó b itos na popu l a ç ã o

FFFFFontes:ontes:ontes:ontes:ontes: MOL – Mozamb ique On-Line –  e UNDP – United Na tions Deve lopment Progra mm

12  Av ertino BARRETO e t  a l.,  2002.

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7/18/2019 2. Raça, Sexualidade e Doença Em Moçambique

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276   Estudos Fem inistas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, ja ne iro-abril / 2006

LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ

e a os  c orre d ores  d e esc o a me n to de pro d u ç ã o .

O a lto í nd ic e d e infe c ç õ es (estima do em 500 c asos / 

d i a ) mostra que o pa í s tem um a lto potenc i a l de expansã od a e p id e mi a .  A tra nsmissão ma terno- infa ntil  (resp onsá ve l

por

 10% d as

 i

nf

e c ç õ es

) e o alt

o númer

o de órf

ã os

 c ol

o c a ma quest ã o d a AIDS  infa ntil c omo um prob le ma d e gra n d eesc a l a ,  a in d a m a is p e l a b a ixa d isp onib ili da de d e HAART –H i gh l  y A c t i ve An t i - R e t rov i ra l  T  herapy 13  – p a ra a popu l a ç ã o.

Esse q u a dro resultou numa queda brusc a d a e x p e c ta tic ad e vid a ,  que terá séri as  c onseqüênc i as  n a produtivid a d ee situ a ç ã o so c ioeconômica e m curto e mé d io prazos.

As  est a tí stic as  govern a me nta is  mostra m,  c onformeo Quadro 3,  que a gra n d e ma iori a dos  c asos  d e HIV / AIDS

se concentra na popul a ç ã o jovem e adulta entre 15 e 39a nos,  ou se ja ,  e m id a d e pro dutiva e re produtiv a ,  o quec orrob ora a expe c ta tiva d e um a lto im p a c to ne g a tivo dae p i d e m i a n a e c o n o m i a m o ç a m b i c a n a .   S e g u i n d otendênc i a observad a nos d e ma is p a í ses a fricanos, os d a d os

est a t í st i c os  t a m b é m d e m o nstra m u ma fe m in iz a ç ã o d ae p id e mi a em Moçamb ique na fa ixa e tá ri a entre 15 e 39a nos (o que não ocorre entre a popul a ç ã o a c ima d e 39a nos). Esse d a d o,  no enta nto ,  deve ser  entend ido dentrod e u m q u a d ro d a s i tu a ç ã o d a m u l h e r   q u e t e mc a ra c terí stic as p a rticul a res no pa í s, e nã o como uma me rare pro d u ç ã o d e re l a ç õ es de gêne ro universa liz a d as, comoserá d iscutido ma is  a d i a nte .

Q u a dro 2 –  D a d os  so bre HIV / Aids  e m Mo ç a mb ique (2000)Q u a dro 2 –  D a d os  so bre HIV / Aids  e m Mo ç a mb ique (2000)Q u a dro 2 –  D a d os  so bre HIV / Aids  e m Mo ç a mb ique (2000)Q u a dro 2 –  D a d os  so bre HIV / Aids  e m Mo ç a mb ique (2000)Q u a dro 2 –  D a d os  so bre HIV / Aids  e m Mo ç a mb ique (2000)

 Prev a l ênc i a entre adultos (15-39 anos) por re g i ão e tota l n a c ion a l:

Re g i ão Norte: 5,7%Re g i ã o C e ntra l: 16,5%Re g i ã o Sul: 13,2%N a c ion a l: 12,2%o Norte: 5,7%

 M a is d e 1,1 milh ã o d e p esso as infe c ta d as p e lo HIV / AIDS, send o 10% por v i a m a terno-infa ntil

 Número de órfã os: 223 m il

 Em 2000 , estima v a -se que 500 pesso as se infe c tavam por d i a A té 2000 , não havi a HAART d isp oní ve l

 Expe c ta tiva de vid a p a ra 2010:Sem a ep id e mi a d e HIV / AIDS: 50 ,3 anos

Com a ep id e mi a do HIV / AIDS: 36,5 anos

FFFFFonte:onte:onte:onte:onte: Im p a c to Demográ fico do HIV / SIDA em Moç amb ique (Av ertino BARRETO e t a l.,  2002).

13  Comumente conhec ida como“coque te l”,  é a comb in a ç ã o d ea n t i-r e t ro v i r a is   u t i l iz a d o s   n otra ta m e nto de porta dores d o HIV / AIDS.

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  Estudos Fe ministas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, j a ne iro-abril / 2006 277

RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE

Um a q u e st ã o q u e f i c a e v i d e n t e e m p e s q u is apub li c a d a p e lo Instituto N a c ion a l  d e Est a tí sti c a d e 2002,14

cujos  d a d os  est ão expostos  nos  Q u a dros  4 e 5 aba ixo ,  éq u e h á u ma d ivisã o estrutura l  e ntre os  esp a ç os  rura l  eurb a n o e m M o ç a m b i q u e ,   re p roduzin d o u m a situ a ç ã oe st ru tu r a l   q u e M a h m o o d M a n d a n i   r e c l a m a s e r

c a ra c terí stic a n os Esta dos-n a ç õ es a fric a n os, como le g a d od a c o l o n iz a ç ã o . 1 5   Ess a d i v is ã o o p e r a t a m b é m n ad e t e rm i n a ç ã o d e vu l n e r a b i l i d a d e s   d i v e rs a s   e e st áre l a c io n a d a a c o n d i ç õ es  so c io e c o n ô m i c as,  p o lí ti c as  e

cult

ur

ais

  es

p e cí fi

c as

  ness

es

  dois

  uni

vers

os,

 r

es

ult

ando emní ve is  d esigu a is  d e inform a ç ã o sobre o HIV / AIDS.

Q u a dro 3 –  Número d e c asos  d ivid id os  p or  id a d e e sexo (2000)Q u a dro 3 –  Número d e c asos  d ivid id os  p or  id a d e e sexo (2000)Q u a dro 3 –  Número d e c asos  d ivid id os  p or  id a d e e sexo (2000)Q u a dro 3 –  Número d e c asos  d ivid id os  p or  id a d e e sexo (2000)Q u a dro 3 –  Núme ro d e c asos  d ivid id os  p or  id a d e e sexo (2000)

Id a d e Masculino   Fe min ino %

0-14 34.466 33.396 6,1215-39 315.178 482.386 72,02> 39 126.960 115.019 21,85

(28 ,46%) (43 ,56%)

Tota l 476.604 630.801 1.107.405(43 ,04%) (56 ,96%) (100%)

FFFFFonte:onte:onte:onte:onte: Im p a c to Demográ fico d o HIV / SIDA em Moç amb ique (Av ertino BARRETO e t a l.,  2002 ,

p . 30).

Q u a dro 4 –  Núme ro d e p esso a s  q u e re l a t a m j á te r  ouv i d o f a l a r  d oQ u a dro 4 –  Núme ro d e p esso a s  q u e re l a t a m j á te r  ouv i d o f a l a r  d oQ u a dro 4 –  Núme ro d e p esso a s  q u e re l a t a m j á te r  ouv i d o f a l a r  d oQ u a dro 4 –  Núme ro d e p esso a s  q u e re l a t a m j á te r  ouv i d o f a l a r  d oQ u a d ro 4 –  Núme ro d e p esso a s  q u e re l a t a m j á te r  ouv i d o f a l a r  d oSid a ,  p or  sexo e á re a d e o cu p a ç ã o (%)Sid a ,  p or  sexo e á re a d e o cu p a ç ã o (%)Sid a ,  p or  sexo e á re a d e o cu p a ç ã o (%)Sid a ,  p or  sexo e á re a d e o cu p a ç ã o (%)Sid a ,  p or  sexo e á re a d e o cu p a ç ã o (%)

Áre as Urb a n as Áre as Rura is

Homens 97 ,9 93 ,0Mulheres 96 ,1 86 ,7

FFFFFonte:onte:onte:onte:onte: Inquérito Na c ion a l sobre Saúde Re produtiva e Comporta me nto Sexua l d os Jovens

Ad o lesc entes (INE, 2002).

Q u a droQ u a droQ u a droQ u a droQ u a dro 55555 – Número de pesso as  que re l a ta m sa b er  que um por– Número de pesso as  que re l a ta m sa b er  que um por– Número de pesso as  que re l a ta m sa b er  que um por– Número de pesso as  que re l a ta m sa b er  que um por– Número de pesso as  que re l a ta m sa b er  que um porta dor  dota dor  dota dor  dota dor  dota dor  doHIV pode ter  a p a rênc i a saudáve l,  por  sexo e á re a d e residênc i a (%)HIV pode ter  a p a rênc i a saudáve l,  por  sexo e á re a d e resid ê n c i a (%)HIV pode ter  a p a rênc i a saudáve l,  por  sexo e á re a d e residênc i a (%)HIV pode ter  a p a rênc i a saudáve l,  por  sexo e á re a d e resid ê n c i a (%)HIV pode ter  a p a rênc i a saudáve l,  por  sexo e á re a d e resid ê n c i a (%)

Áre as Urb a n as Áre as Rura is

Homens 86 ,6 74 ,0Mulheres 79 ,6 67 ,8

FFFFFonte:onte:onte:onte:onte: Inquérito Na c ion a l sobre Saúde Re produtiva e Comporta me nto Sexua l d os Jovens

Ad o lesc entes (INE, 2002).

15  MANDANI, 1996.

14  INE, 2002.

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278   Estudos Fem inistas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, ja ne iro-abril / 2006

LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ

Pode-se o bserv a r q ue , enquanto n as á re as urb a n as

pra tic a m e nte não há d ifere n ç a e ntre o núme ro de homens

e mulheres que j á “ouv ira m fa l a r” d a AIDS, n as á re as rura is

essa d ifere n ç a é b asta nte signifi c a tiva ,  o que demonstra

h a v er

  u m a di f

er

e n ç a n ar

el

a ç ã o e ntr

e g ê n er

os

  n os

d iferentes un iversos, a o menos no que d iz resp e ito ao ac essoa i n f o rm a ç õ e s   –   o s   h o m e ns   u r b a n o s   e ru r a is   t ê mpra tic a m e nte o mesmo ní ve l de conhec imento , o que nã oo c orre entre as mulheres  dos  d iferentes universos.

No enta nto, os números tota is d a q ue les que re l a ta mjá tere m “ouv id o fa l a r” d a AIDS sã o a ltos p a ra um pa í s  e mq u e se o bse rv a ,  c onform e a p o nt a d o a nte riorm e n te ,  of e n ô m e n o d a d esc re n ç a d e p a rc e l a si g n if i c a t iv a d apopul a ç ã o, que não a cre d ita existir  a d o e n ç a . Ou se ja , of a t o d e “ o u v ir   f a l a r ”   d a d o e n ç a n ã o r e su l t a ,

a utom a tic a m e nte , num reconhec imento ou crença em su aexistênc i a ,  nem num conhec imento m a is  profundo so bresu a s  c a ra c t e rí st i c a s .   Iss o p a re c e e x p l i c a r  a re d u ç ã osignifi c a tiva do número de pesso as  que re l a ta m sa b er  d ec a ra c te rí st i c as  m a is  esp e c í fi c as  e c o n h e c im e ntos  m a is

a pro fu n d a d os  d a d o e n ç a ,  como o f a to d e p ort a d ores

poderem ter a p a rênc i a saudáve l: no universo rura l, a qued aé de pra tic a m e nte 20% e ,  mesmo no universo urb a n o ,  aq u e d a é d e ma is d e 10%.

O u tro d a d o s i g n if i c a t iv o é q u e ,   s e to m a m os  os e g u n d o d a d o i n v e st i g a d o so b r e a d o e n ç a c o m oconhec imento m a is  a profu n d a d o,  a d ifere n ç a d e a c essod if e re n c i a d o p a ra h o m e ns  e mu lh e res  a p a re c e m a is

c l a ra me nte , mesmo no universo urb a n o, o que aponta p a rau m a m a ior  vu ln e ra b il i d a d e d a s  mu lh e res  q u e p o d e ri aexp li c a r – a o menos em pa rte – a feminiz a ç ã o d a e p id emi aem Moçamb ique .

C ontudo , o que se quer c h a m a r a a te n ç ã o a q ui é ad ife re n c i a ç ã o d e c o n h e c im e nto so b re a d o e n ç a q u ea p a re c e n o Q u a dro 5 , re ferente a um conhec imento m a is

profundo so bre a AIDS: não a pena s a d ifere n ç a d e g ê n e ro,

m as també m a d ifere n ç a e ntre os universos urba no e rura lfic a e vid ente no que d iz resp e ito a uma ma ior fa mili a rid a d ecom o conhe c imento b ioméd ico sobre a doença . Se , comoa p o n t a m os ,   h á u m a i n e f i c á c i a d o a p a r e l h opro p a g a n dí stic o e p e d a g ó g ic o ,  e l a é ma ior  no universorura l, e isso a fe ta as p erc e p ç õ es e c o nc e p ç õ es d a d o e n ç a– te oric a m e nte a brindo ma is esp a ç o p a ra as  c on c e p ç õ es

lo c a is  e “tra d ic ion a is” so bre d o e n ç as.

Um a c o m p a r a ç ã o d os   d a d o s   r e l a t iv os   aMo ç a mb ique e Áfric a d o Sul  p ermite p erc e b e r  a situ a ç ã osistêmic a q u e a e p id emi a d e HIV / AIDS  a presenta n a Áfric a

A ust r a l ,  a i n d a q u e c a d a p a í s   a p r e s e n t e t a m b é m

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  Estudos Fe ministas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, j a ne iro-abril / 2006 279

RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE

c a ra c terí sti c as esp e c í fi c as. Os d a d os sobre a Áfric a d o Sul

(Q u a dro 6)  que se seguem fora m re tira dos  e re produzid os

d o S ou t h Af  r i ca n Hea  l t h R ev i ew  d e 2003 / 2004 (SAHR 2003 / 2004),  b o l e t im e p i d e m io ló g i c o p roduz i d o p e lo Human S 

c i ence

R e s e arch Counc 

il  d a Ne 

l s on Mande  

l a

F  

ounda t i 

on (NM / HSRC ).16

De iní c io, p erc e b e -se se me lh a n ç as com a situ a ç ã om o ç a m b i c a n a ,   c o m u m a e p i d e m i a f e m i n iz a d a ,

c o n c e n tr a d a n a f a ix a e t á ri a e n tre os  2 0 e 5 0 a n os ,

prob lem as re l a tivos a um a lto número de órfã os e a lto í nd ic ed e tra nsmissão ma terno-infa ntil. Tudo isso está asso c i ado àd ificuld a d e d e a c esso à HAART n a red e púb li c a .

Um da do que chama a a tenç ão é a concen tra ç ã od a e p id emi a n as re g iõ es fronte iriç as d a África do Sul c omMo ç a mb ique , Su azil â nd i a , Zimba bwe e Botsw a n a – sendoos três ú ltimos a q u e les que apresentam ma iores í nd ic es d eprev a l ênc i a n a re g i ã o ,  c onforme ind ic a d o a nteriormente .

As  m a iores  p orc e nta g e ns  de mortes  c a usa d as  p e lo HIV / AIDS  em 2002 sã o re g istra d as  n as  proví nc i as  d e Kwazu lu-N a ta l (51,7%), Mpuma l a n g a (50 ,5%), North-West (40,7%) eLimpopo (34,2%), que fazem fronte ira com os p a í ses a c im a

ind i c a d os  –  junta m e nte com as  proví n c i as  d e G a ute ng(4 3 ,6%)  e Fr e e -St a t e (4 3 ,1%) ,   n ã o fro n t e ir i ç a s ,   m a s

compondo a re g i ão nord este do pa í s, onde essas fronte iras

n a c ion a is se d esenha m e o tra b a lho migra tório de mine iros

se concentra .17

O que esses  d a d os  c orrob ora m,  p orta nto,  é a teseque vimos d e fendendo aqui, q u a l se j a , que a Áfric a Austra l

deve ser to ma d a d e form a sistêmic a p a ra compre e n d ermos

a e p id e mi a nos  p a í ses  d a re g i ã o.  A m a ior  inc id ê n c i a eprev a l ênc i a d o HIV / AIDS  em á re as fronte iriç as se deve aos

d eslo c a m e ntos  popul a c ion a is  históri c os  e contí nu os  entre

p a í ses,  que resu lta m t a mb é m e m tro c as  c u ltura is  e d esa b eres “tra d ic ion a is” re l a tivos  às  d o e n ç as.

17  C f. NM / HSRC 2004, p . 362 .

16  NM / HSRC , 2004.

Q u a dro 6 –  D a d os  so bre a Áfric a d o Sul  (2003 / 2004)Q u a dro 6 –  D a d os  so bre a Áfric a d o Sul  (2003 / 2004)Q u a dro 6 –  D a d os  so bre a Áfric a d o Sul  (2003 / 2004)Q u a dro 6 –  D a d os  so bre a Áfric a d o Sul  (2003 / 2004)Q u a dro 6 –  D a d os  so bre a Áfric a d o Sul  (2003 / 2004)

  Em torno de 5 m ilhõ es d e p esso as v ivend o com o HIV a té o fin a l d e 2002  Em torno d e 400 mil órfã os  a té 2002 Preva lênc i a estim a d a entre mulheres grá vid as era d e 26,5% em 2002 Ac esso à HAART era limitado na red e púb li c a a té 2003. De em torno d e 500 mil p a c ientes

em potenc i a l, somente entre 20 mil e 40 m il re c e b i am o tra ta me nto ,  a m a iori a p or re d epriv a d a . O s a nti-re trovira is e st avam limita dos à prevençã o de tra nsmissão ma terno- infa ntil

e à profil axi a p ós-conta to

FFFFFonte:onte:onte:onte:onte: SAHR 2003 / 2004 (NM / HSRC , 2004).

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280   Estudos Fem inistas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, ja ne iro-abril / 2006

LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ

Por fim, julg a m os importa nte ressa lta r o componentera c i a l  insc rito n a situ a ç ã o su l- a fri c a n a ,  q u e resu lt a d ol e g a d o d o a p a r  t he i d   com o qua l  o p a í s  tem de li d a r  a tého je .  Se como d ito a nteriormente ,  não faz muito sentidof

al

ar

  e mr

el

a ç õ es

 r

a ci

ais

  em Moçambi

que,

  n a Áfri

c a d oSul a situ a ç ã o se inv erte drastic a m e nte . E ta l situ a ç ã o inc id esobre o d e b a te e tra to d a e p id emi a d e HIV / AIDS no pa í s, oque fic a exp lí c ito na tenta tiv a d e d esc onstruç ão do estigm ara c i a l  d a AIDS  –  a sso c i a d a n u m p rim e iro mo me nto àpopu l a ç ã o ne gra n a Áfri c a d o Sul,  d e rivando no te rmob l a c k   d i s e a s e   (d o e n ç a d e n e g ros)  p a ra c a ra c te rizá -l ara c i a lmente . O trecho c itado a se guir (traduzido livre me ntee extra í do do S AH R   2003  /  2004 ),  re v e l a a te nt a tiv a d ed esc onstru ç ã o d e ta l  estig ma :

Preva lênc i a d o HIV por ra ç a :De man e ira importa nte , o estudo do NM / HSRC d issipouo mito de que o HIV / AIDS  é uma “d o en ça d e n egros”

[“b l a c k   d i s e a s e ”]  com a desco b e rta de que 6,2% dapopul a ç ã o bra n c a est á infe c ta d a p e lo HIV. Essa a ltaporc entagem ind ica u ma ep id emia genera liz ad a e n ãop o d e ser  to mad a co mo iso l a d a e m sub-se ç õ es  d acomunid a d e ta is como os homossexua is  e os usu á rios

d e dro g as  inje táve is. Deve-se nota r que n enhum ní ve l

sim il a r  d e infe c ç ã o fo i  m e d i do em nenhuma outracomunid a d e pred o min a ntemente branc a em nenhumoutro lu g a r  do mundo .  A p rev a l ê n c i a do HIV e ntre

a fric a n os era d e 12,9% .18

Po r é m ,   c o n t r a st a n d o c o m a t e n t a t iv a d ed esc onstrução do est ig ma ra c i a l  re l a c ionado à AIDS  n aÁfri ca do Sul, p o d e mos encontra r no mesmo bo l e tim19  um ata b e l a de prev a lênc i a d o HIV / AIDS que demonstra ser a ind ao p e r a c i o n a l   n a s   p o l í  t i c a s   p ú b l i c a s   e n os   e stu d o s

e p id e m io ló g i c os  produzid os  no pa í s  a c l assific a ç ã o p or

ra ç a / c or  ( a f  r i c a n ,  c o l oured ,  i nd i a n  /  a s i a n   e wh i t e ).  Ess ac l assific a ç ã o era utiliz a d a d ura nte o re g ime do a p a r  t he i d e   se u l e g a d o a in d a m a rc a a so c i e d a d e su l-a fri c a n a ,

compondo a problem á t

ic a d a e p

id em

ia no pa

í s.A p a rtir  da exposi ç ã o sum á ri a dos  d a d os  a c im a ,

a cre d ita mos ser p ossí ve l a g ora pro b le m a tiza rmos d e form am a is  re a list a a q u est ã o d o HIV / AIDS  e m M o ç a m b i q u e ,

a p o ntando a lgumas  d ire ç õ es  a sere m se gui d as  p a ra acompre ensã o d a e p id e mi a n a q u e l e p a í s.

IVIVIVIVIV

Est a mos  c o n v i c tos  d e q u e q u a l q u e r  p ro j e to d ein te r fe rê n c i a n a re a li d a d e mo ç a m b i c a n a n o q u e d izr

es

p eit

o à quest

ão da expans

ã o d a e pid em

ia p a

ss

a por

um ponto: escuta r a quil o que os mo ç a mb ic a n os têm a nos

18 C f. NM / HSRC 2004, p . 198

19 C f. NM / HSRC 2004, p . 362.

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  Estudos Fe ministas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, j a ne iro-abril / 2006 281

RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE

d i z e r.   N o ç õ e s   t a is   c o m o r e l a ç õ e s   d e g ê n e ro o um asculinid a d es,  a o serem produzid as em outros c ontextos

e p a rtirem de pressupostos tão genera liza ntes ta is como od e q u e a s  so c i e d a d es  s ã o c o m p ost a s  p or  h o m e ns  e

m ul

h er

es

  q u es

u p ost

a m e nt

er

e pr

o d u z e m a m at r i

zh e t e ross e x u a l   o c i d e n t a l ,   i n fo rm a m m u i to p o u c o d are a lida de do pa í s. A c a b a m a ntes por re produzir estere ótipos

j á h ist óri c os  c o m re l a ç ã o à s  p o p u l a ç õ es  a fri c a n a s: osuposto ma c hismo c ara c terí stico das soc ie d a d es a fric a n as,

a v i o l ê n c i a e stru tu r a l   d e g ê n e ro ,   a p ro m is c u i d a d ec ara c terí stic a d os c ostum es tra d ic ion a is, como a po lig a mi a ,

e tc . E m a is,  a c a b a m por  trazer  p a ra o centro do deba teu ma c a te gori a com to d a a c erteza exógena à re a li d a d edo pa í s: a id é i a de sexua li d a d e g era lmente pensa d a ap a rtir  de mode los  b io mé d ic os  e psic o ló g ic os o c id enta is.

C a m p a n h a s   c e n t r a d a s   n o p r e ssu p ost o d a“mud a n ç a d e c o mp orta me nto”, tão ao gosto de mode los

preventivos d isse min a d os p e l as a g ê n c i as intern a c ion a is d efin a n c i a m e nto e coope ra ç ã o e p e l as  O NGs,  tendem atra b a lh a r com interpre ta ç õ es a priorí sti c as e genera liza ntes

so bre o “comporta me nto sexua l” mo ç a mb ic a n o. Com isso ,

impõem mode los comporta me nta is p reventivos exógenos,

sem uma prévi a compre ensã o e a d e q u a ç ã o a o u niversolo c a l,  chegando ao ponto de produzirem e fe itos  inv ersos

à q u e l es  pre te nd id os  p e l as  c a m p a n h as  que promovem .

Exemp lo d isso é o ca so re l a tado e ana lisado por  James

Pfe iffer20  sobre a intervenção desastrosa do ma rke ting soc i a l

d o prese rv a tivo Je i t o   no Chimo io,  n a d é c a d a d e 1 9 9 0 ,

segundo o autor  fin a n c i a d a p e l a USAID –  U n i t e d S t a t e s A g e n c y f  o r I n t e r n a  t  i o n a l   D e v e  l o p m e n  t   –   a m a i o r

f in a n c i a d o r a d a s  p o l í t i c a s  d e c o n tro l e d a e p i d e m i aimp l a nta d as em Moç amb ique . D e a c ordo com Pfe iff er, os

formul a dores d a c a mp a n h a d e promoçã o do preserv a tivonão consulta ra m p revi amente as igre jas p ente c osta is e seus

a d e p tos  (m a jorita ri a me nte pobres  e mora d ores  d a á re a“rura l”),  a fim de compre e n d er  su as  visõ es  e a d e q u a r  a

ca mpa nha ao universo d a q u e les suje itos, que somam umc ontin g e nte sign ifi c a tivo da popu l a ç ã o m o ç a m b i c a n a .

Utilizando s l o g a n  s  a mb í guos, com conteúdo sexua lizado eerotizante , a promoção do preserva tivo ac abou por produzir

rumores,  d iss e m in a d os  p or  p a st ores  e f i é is  d as  i g re j a s

p e nte c ost a is,  sobre uma asso c i a ç ã o e ntre a intro d u ç ã od os   p r e s e rv a t iv os   c o m a e x p a ns ã o d a e p i d e m i a ,

re l a c io n a d a à prostitui ç ã o e à “promiscuid a d e ”,  g era d as

p e l a crise econômica no pós-guerra c ivil  (resulta nte d os

a justes  estrutura is  e conômi c os  promovidos  p e lo Progra m ad e Re a b il it a ç ã o E c o nô mi c a a p a rt ir  de 1987 ,  fruto d e

a c ordo com o Banco Mund i a l  e o FMI).  O resultado fo i  ad isse min a ç ã o d a id é i a ,  i nc l u s i ve en t re não pen  t e c o s t a i s ,

20  PFEIFFER, 2004.

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282   Estudos Fem inistas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, ja ne iro-abril / 2006

LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ

d e q u e a c a mp a n h a e m fa vor  do uso de prese rv a tivos

in c e ntivou a promiscuid a d e e a prostituiç ã o,  a judando aintroduzir  o HIV / AIDS  e m território moça mb i c a n o .  O que sese guiu fo i  uma verd a d e ira inv ersã o prá tic a d a prop ost ai

ni

ci

al

  d a c a mp a n h a : ar

ej

ei

ç ã o a o us

o de pr

es

er

v ati

vos

Je i t o  e ntre uma p a rc e l a signifi c a tiv a d a p o p ul a ç ã o , sendoo nã o-uso visto como uma forma d e prevenção contra atra nsmissão d o HIV. Pfe iff er  c h a ma a a te n ç ã o p a ra o fa tode a re je iç ã o ter sido d ire c io n a d a a p e n as a os preserv a tivos

d a m a rc a Je i t o ,  e não aos  preserva tivos  g e n éric os,  quec ontinu a ram a ser  pro cura d os  e utiliza d os. Porta nto ,  n ã oc onst a tou uma re je i ç ã o a o uso de p rese rv a tivos  comomé todo de prevenção às DST / AIDS,  m as  esp e c i a lmente àm a rc a p romov i d a p e l a c a m p a n h a ,  o que re forç a su ai n t e rp re t a ç ã o so b re a in a d e q u a ç ã o d a s  m e ns a g e ns

ve icul a d as  n a c a mp a n h a .  Dessa form a ,  id entific a c o mopro b lema o fa to d e a c a mp a n h a ter  d esc onsid erado oenvo lvimento d as comunid a d es lo c a is, c ri ando ba rre iras àpromoçã o do preserva tivo e a profundando a desc onfi a n ç ad essas  comunid a d es  e m re l a ç ã o a os  c o o p era ntes  e seus

d iscursos.

Va l e l e m b r a r  q u e a USAID ,   ó rg ã o d o g o v e rn oe st a d u n i d e ns e ,   v e m h o j e f i n a n c i a n d o tr a b a l h os   d eprevenção no pa í s  que se fundam no mode lo que fi c ouconhec ido como AB C ,21   d e fe nd ido pe los  c onserv a d ores

li g a d os à a d ministra ç ã o d e G e org e W. Bush, e que promovea a bstinênc i a e a fid e li d a d e c o mo mé tod os d e pre v e n ç ã opre ferenc i a is  e m a is  e fic a zes  que o uso de preserva tivos.

A b st in ê n c i a e f i d e l i d a d e –   e n t e n d i d a s   p o r   s e us

p ro p u g n a d ore s  c o m o fo rm a s  c o n tr á ri a s  à in i c i a ç ã o“pre c o c e”  d a vid a sexua l  e a d esão à monogam i a –  sec ontra p õ e m,  nesse sentid o,  à re a li d a d e d e u m p a í s  e mque os ma trimônios sã o “pre c o c es” e a po li g a mi a é prá tic acomum.  O c o m b a te à in i c i a ç ã o sexua l  “pre c o c e ”  e àp o l i g a m i a (m a l   e n t e n d i d a p o r  a g e n t e s  l i g a d os   a os

org a nismos  intern a c ion a is  como uma prá tic a promí scu a )

re m e te à me móri a d os  te m p os  c o lon i a is  e a o d isc ursomission á rio que também comba ti a a po li g a mi a , produzindoresistênc i a a ta is  pro post as  entre os  mo ç a mb ic a n os,  queas  i d e ntif i c a m c o mo u ma esp é c i e d e n e o c o lon i a lismopromovido por  c o o p era ntes  estra n g e iros.

Urg e assim compre e n d e r  a d o e n ç a n os  termos  e mq u e e l a se exp ress a e é e x p e ri m e n t a d a n o c o n te xtomo ç a mb ic a n o,  as m a nifesta ç õ es  asso c i a d as  à expansã odo HIV / AIDS  com a de outras  d o e n ç as,  como as  DSTs,  atub erculose ,  a pneumon i a e a ma l á ri a .  A compre ensã odos  termos  n a tivos  é ta nto m a is  imp orta nte se te mos  e m

c onta q u e b o a p a rte d a p o p ul a ç ã o n ã o se expressa e mp o r tu g u ês ,   l í n g u a o f i c i a l  d o p a í s  e q u e d o m i n a n a s

21 A sig l a é form a d a p e l as inic i a is

d as p a l avras ing lesas Ab s t i nence  ,

B e f  a i t h f  u l  e C ondom u s e .

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  Estudos Fe ministas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, j a ne iro-abril / 2006 283

RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE

c a m p a n h as  e m p a p e l  impresso e mesmo nos  me ios  d ecomun ic a ç ã o .

Pa ra a lém de sup ormos  que devemos  re a liza r  umc on jun to infinito de pesquisas  so bre os  grup os  é tnic os  eli

n güí st i

c os

  es

p al

h a d os

  p el

o p aí s,

  p o d es

er

 il

umi

n a d or

re a liza r p esquisas nos subúrb ios d e c id a d es como Maputo ,

B e i r a e N a m p u l a ,   In h a m b a n e o u Q u e l i m a n e : a l i

encontra mos  p esso as  d as  m a is  d ist intas  re g iõ es  d o p a í s

que , longe de uma supost a tra d iç ã o, m a ntê m fortes l a ç os

c o m o u n iv e rso rura l  e c o m a q u e l es  e l e m e n tos  q u easso c i a mos  à tra d iç ã o, ta is como as re d es d e vizin h a n ç a ,

p a re ntesco e o un ive rso d e a c usa ç õ es  d e fe iti ç a ri a .  Oc onta to com as form as d e org a niz a ç ã o d essas p eriferi as –t ã o p e rto d os  c e ntros  urb a n os  g e o g ra f i c a m e n te ,   m a s

a bso luta me nte d esconhec id as p e l as própri as e lites do pa í s

– pod e nos a brir p ortas p a ra a compre ensã o d a d in â mic ade expa nsã o d a e p id emi a .

Por  fim,  g ost a rí a mos  d e to c a r  numa quest ão ho jecruc i a l  n o d e b a te so bre o HIV / AIDS  n a Áfri c a O ri enta l  eAustra l,  e que é um dos  fo c os  d a p esquisa que est a mos

p re t e n d e n d o re a l iz a r  e m M o ç a m b i q u e : os  usos  d a s

me d ic in as  tra d i c ion a is  no tra to com o HIV / AIDS. Uma vezq u e a A IDS  e st á a ss o c i a d a à m o b i l i d a d e ( d o e n ç atra nsmissí ve l  que se d esenhou como uma p and em i a ),  e l ac a rre g a c o nsigo um te or  d e a lterid a d e : é a d o e n ç a d ooutro por exce l ênc i a , n ã o a p e n as nos c ontextos a fric a n os.

É p re c iso l e m b ra r  q u e a e p i d e m i a e m M o ç a m b i q u ere crud esc eu com o fim da gue rra , o re torno dos re fug i a d os

e a c ircul a ç ã o d e p esso as  p e los  c orre dores  e fronte iras.

Porta nto ,  a re l a ç ã o c o m a d o e n ç a está p erm e a d a p e l aa lterid a d e , p e l a mob ili d a d e e p e l as c a te g ori as c o loni a is ep ós-c o lon i a is,  n ã o se reduzin d o a q u estõ es  d e ra ç a esexua li d a d e .

Como j á ind ic a v a M a ry Doug l as,22   há uma estre itare l a ç ã o e ntre a lterid a d e e impureza ,  e as  d o e n ç as,  um avez asso c i a d as a esses e le me ntos (um ou outro ou amb os),

t e n d e m a m o b i l iz a r  a s   “ tr a d i ç õ e s”   c o m o fo rm a d epurifi c a ç ã o e re ord e n a ç ã o . No caso de Moç amb ique ,  as

d esord ens  c a usa d as  p e l a guerra mob iliza ra m os usos  d as

“tra d i ç õ es” ,  e ntre e l as  as  m é d i c as.  Al c in d a Ho nw a n a 23

c h a ma a a te n ç ã o p a ra o te or d e “mode rnid a d e ” c ontid on a s   p r á t i c a s   d a s   m e d i c i n a s   tr a d i c i o n a is   n o Su l   d eM o ç a m b i q u e ,   a sso c i a d a s   à r e c o nst ru ç ã o d a v i d acomunitá ri a com o re torno dos  so ld a d os  e à constru ç ã od a n a ç ã o ,   e x i g i n d o u m r e e n c o n tro c o m u m e t h o s tr a d i c i o n a l   e “v e rd a d e iro ”   d e M o ç a m b i q u e .   A c ur a“tra d ic ion a l”,  nesse contexto ,  c onstituiu-se em uma form a

d e re inte gra ç ã o so c i a l  e e l a bora ç ã o d o pro je to n a c ion a l

p ós-guerra . Pe ter Fry24   a p o nta p a ra o ca rá ter  onto lóg ic o ,

22  D OUGLAS, 1966.

23  HO NWANA, 2002.

24  FRY, 2000.

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284   Estudos Fem inistas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, ja ne iro-abril / 2006

LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ

n ã o a p e n as func ion a l,  d as  curas  e exorc ismos  pra tic a d os

e m sist e m as  re li g iosos  q u e se a p roxima m d o u n iv e rso“tra d i c ion a l”  d os  g ru p os  m o ç a m b i c a n os: n ã o o p e ra ma p e n as  como re inte gra ç ã o ,  m as  como re formul a ç ã o er

e e n c o ntr

o com aquil

o que defi

ne os

er

  m o ç a m bi

c a n o,

uma vez que ope ram como ca te g ori as  de entend imentod a re a li d a d e e d a c o nstru ç ã o d os suje itos nessa re a li d a d e .

Porta nto , se em torno de 90% da p opul a ç ã o “já ouviu fa l a r

no Sid a ”, é pre c iso ente n d er que escuta é essa e por q u a is

mo d e los interpre ta tivos a d o e n ç a é c o n c e b id a , como su ae t i o l o g i a é p e ns a d a e d e q u e m a n e ira a s  p ro p ost a s

preventiv as e as tera p i as fazem sentido pa ra a popul a ç ã o.

Algumas  d as  princ ip a is  d o e n ç as  o portunistas  asso c i a d as

a o HIV / AIDS, como tub erculose e pneumoni a , p or exemp lo,

h á mu ito est ã o prese ntes  n a h ist óri a d e M o ç a m b i q u e ,

asso c i a d as, como a AIDS, a e l ementos reconhec id os comove í culos  d e tra nsmissão do HIV e a prá tic as  e c a te g ori as

d e p esso as c a ra c teriz a d as como ma is vu lnerá ve is: sangue ,

sê me m,  le ite m a terno ,  tra b a lh a d ores  migra ntes, so ld a d os

que re tornam de guerras, a dultério e promiscuid a d e . Nunc aé d e m a is  l e mbra r  que os  sin a is  e sintom as  d a AIDS  sã ocomuns  a vá ri as  outras  d o e n ç as,  como ma l á ri a e có lera ,

p o r  e x e m p l o ,   t ã o c o m u ns   e m M o ç a m b i q u e .   Ass i m ,

p o d e mos  nos  question a r: o que de fa to há de novo naexperi ênc i a mo ç a mb ica na c om o HIV / AIDS? Por  que nãofa ri a sentido l a n ç a r m ã o d as “tra d iç õ es” no enfrenta me ntode uma doença nova (enquanto nomenc l a tura ),  m as  a om esmo te m p o a n t i g a (e n q u a nto c o n jun to d e sin a is  esintom as)? Que doença é essa p a ra as d iversas c a te g ori as

so c i a is  a p o nta d as no iní c io d este texto?Nossa p ersp e c tiv a d e a n á lise propõe que a lóg i c a

d os  usos  d a s  m e d i c i n a s  tr a d i c i o n a is ,   d e st a c a d os  ep ro b l e m a t iz a d os  p o r  v á ri os  a u to res  e inst i tu i ç õ e s  d ec o o p e r a ç ã o i n t e rn a c i o n a l   ( g o v e rn a m e n t a is   e n ã o -g o v e rn a m e nt a is),  d e v a se r  c o m p re e n d i d a d e n tro d os

un iversos histórico e cosmológ ico e dos sistem as tra d ic ion a is

(p arentesco, polí tic a , ec onomi a , mo ra l, e tc .) que org a niza ma vid a ,  as  re l a ç õ es  e as  c a te gori as  d e e ntend imento d esignifi c a tiv as p a rc e l as d a p o p u l a ç ã o mo ç a m b i c a n a . N ã ose tra t a a q u i  d e u ma p ro p ost a d e re c o n h e c im e nto d ae fic á c i a ou não d essas prá tic as, nem de uma “e tnic iz a ç ã o”

d a d o e n ç a e d as polí tic as d e saúde púb li c a – que inc orreri ae m e rr o s e m e lh a n t e a o su l- a fr i c a n o ,   q u e c h e g o u ara c i a liza r / e tni c iza r a doenç a como “   b l a c k  d i s e a s e ”     –, m as

sim do reconhec imento de que essas  prá tic as,  uma vezq u e s ã o o n t o l ó g i c a s   ( c o m o p ro p õ e Pe t e r   Fr y )   ehistori c a m e nte v a li d a d as,  n ã o p o d e m se r  simp l esme nte

d e s c a r t a d a s   n a c o m p r e e ns ã o d a e p i d e m i a e mMo ç a mb ique e da experiênc i a dos  m o ç a m b ic a n os  c om

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RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE

a d o e n ç a . As  me d ic in as  tra d ic ion a is  não est ã o restritas  ag ru p os  é tn i c os  iso l a d os,  m as  a prese nt a m u ma g ra n d ec a p il a rid a d e e “inv asã o”  nos  universos  não asso c i a dos  à“tra d iç ã o”  e à popul a ç ã o rura l.  Ou se ja ,  não podem ser

t

o m a d as

 como mer

as

 cr

endi

c es

 i

di

ossi

ncr

áti

c as

 que est

ã op rese n tes  nos  se tores  m a is  “ a tra s a d os”   d a so c i e d a d em o ç a m b i c a n a ,   m a s  d e v e m s e r  re c o n h e c i d a s  c o m osistem as  o p era ntes  n as  re l a ç õ es  m a is  a mp l as  d entro d aestrutura so c i a l, num mome nto b asta nte p a rticul a r, inc lusivea rti c u l a n d o e d e fin in d o c a te g ori as  d e e nte n d im e nto ere l a ç ã o c o m o r a ç a ,   g ê n e ro ,   s e x u a l i d a d e ,   p o d e r  evu lnera b ili d a d e ,  a mp l a me nte utiliz a d as nos  estud os sobreo HIV / AIDS no mundo todo .

Se do ponto de vista d as c iênc i as b io mé d ic as o HIV / AIDS é um dado a bso luto e un iversa l, do ponto de vist a d a

e p id e mio log i a e d a d e termin a ç ã o d e vulnera b ili d a d es e leé um conjun to de fa tos p lura is, fra g m e nta dos e re l a tivos. Aexperiênc i a soc i a l com a doença é sempre contextu a liz a d ae assim deve ser compre e n d id a . Se m isso , c orre mos o risc od e re ifi c a r e universa liza r c a te g ori as d e e ntend imento queexp li c a m d e termin a d os  c ontextos,  m as  que não ope ra md a m esm a forma e com a mesm a imp ortâ nc i a em to dos.

A Áfric a Ori enta l  e Austra l  tem nos  mostrado isso de umama n e ira muito c l a ra e dra m á tic a .

RRRRRe fe rê n c i as  b ib li o grá fi c ase fe rê n c i as  b ib li o grá fi c ase fe rê n c i as  b ib li o grá fi c ase fe rê n c i as  b ib li o grá fi c ase fe rê n c i as  b ib li o grá fi c as

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[Re c e b ido em a bril d e 2006 e a c e ito p a ra pub li c a ç ã o e m m a io de 2006]

R R R R R a c e ,  S e x u a li t  y a nd I ll ne ss   i n Mozamb i que a c e ,  S e x u a li t  y a nd I ll n e ss   i n Mozamb i qu e a c e ,  S e x u a li t  y a nd I ll ne ss   i n Mozamb i que a c e ,  S e x u a li t  y a nd I ll n e ss   i n Mozamb i qu e a c e ,  S e x u a li t  y a nd I ll n e ss   i n Mozamb i qu e Ab s t ra c t Ab s t ra c t Ab s t ra c t Ab s t ra c t Ab s t ra c t : T  h i s   ar t i c l e , t hrough an a na l  y s i s  o f   Mozamb i can h  i s t or i c a l , s o c i a l   cu l t ur a l  a nd r ac  i a l comp l e x i t  y , i n t end s  t o p o i n t  ou t  t he nece  ss i t  y o f   under  s t and i ng H I V  /  AI D S  e p i d em i c s  i n t ha t  coun t ry a s   a phenomenon w i t h s p e c i f  i c i mp li c a t i on s ,  d e t erm i ned by t ho s e pa r  t i cu l ar cond i t i on s . T  he t ra d i t i on a l  he a li ng s  y s t em s  and t he i r d i s e a s e concep  t i on s , wh i ch are i n t i m a t e l  y re l a t e d t o l o c a l k i n s h i p , g end er re  l a t i on s  and co  s mo l og i e s , and a  ff  e c t  t he i n t erpre t a t i on s  t h a t  s ub  j e c t s  produc e  a b o u  t   t h e i r con t e x t   and e  x p er i e n c e  s ,  s hou l d b e c o n  s i de r ed t o unde r  s t and t he re  l a t i on s Mozamb i c an s  e s t a b li s h w i t h t he d i s e a s e , de t erm i n i ng t he i r p ar t i cu l ar conc ep t i on s  and e x p er i ence  s w i t h H I V  /  AI D S .

K  ey W K  ey W K  ey W K  ey W K  ey W ord s or d s ord s or d s ord s : Mozamb i que , H I V  /  AI D S , T  ra d i t i on a l  He a li ng .