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Texto sobre questões antropológicas em Moçambique
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7/18/2019 2. Raça, Sexualidade e Doença Em Moçambique
http://slidepdf.com/reader/full/2-raca-sexualidade-e-doenca-em-mocambique 1/24
Estud os Fem inistas, Flori anópo lis, 14(1): 336 , j a ne iro-abril / 2006 263
C o p y r i g h t 2 0 0 6 b y Re v ist aEstudos Fem inist as
An tes d e d a rmos iní c io a uma apresenta ç ã o d os
d a d os re ferentes à pro p a g a ç ã o d a AIDS em Moç amb ique– ou do HIV / Sid a , como é denomin a d o lo c a lmente p e los
m e i os d e c o m u n i c a ç ã o e ó rg ã os g o v e rn a m e n t a is –a c r e d i t a m os s e r i m p o r t a n t e s a l i e n t a r a l g u m a s
singul a rid a d es d esse p a í s.
O texto est á , assim , d ivi d i do em qua tro gra n d es
b lo c os: 1 ) num prime iro b lo c o, p re tendemos a presenta r as
tr a nsfo rm a ç õ e s p e l a s q u a is p a ss ou o t e rr i tó r i o h o j ec o n h e c i d o c o m o M o ç a m b i q u e , p r i v i l e g i a n d o a s
re p res e n t a ç õ es d os p ró p ri os m o ç a m b i c a n os; 2) numsegundo momento , pro cura mos c ontextu a liza r as n o ç õ es
d e “ra ç a ”, “sexua li d a d e ” e “d o e n ç a ” no caso esp e c í fic omo ç a mb ic ano; 3) no terc e iro item pre tendemos a presenta r
a situ a ç ã o a tu a l d a d o e n ç a n esse p a í s, a tentando pa ra os
in d i c a d ores e re c or tes exist e n tes; 4) p or f im , te mos a
Luiz Henrique Passa dorUnive rsid a d e Est a d u a l d e C a m p in as / C entro Brasil e iro de Aná lise e
Pl a ne ja m e nto
O m a r Rib e iro ThomazUnive rsid a d e Est a d u a l d e C a m p in as / C entro Brasil e iro de Aná lise e
Pl a ne ja m e nto
RRRRRa ç a , sexua lid a d e e d o en ç a e ma ç a , sexua lid a d e e d o en ç a e ma ç a , sexua lid a d e e d o en ç a e ma ç a , sexua lid a d e e d o en ç a e ma ç a , sexua lid a d e e d o en ç a e mM o ç a m b iqu eM o ç a m b iqu eM o ç a m b iqu eM o ç a m b iqu eM o ç a m b i qu e
R R R R R e s umo e s umo e s umo e s umo e s umo: O ar t i go procura , a pa r t i r de uma d i s cu ss ã o s obre a comp l e x i d a d e h i s t ór i c a , s o c i a l ,cu l t ur a l e r ac i a l de Moçamb i que , apon t ar para a nec e ss i d a d e d e s e pen s ar a ep i d em i a de H I V / AI D S no pa í s com o um f enômeno que t em i mp li c a ç õ e s e s p e c í f i c a s d e t erm i n a d a s por t a l qua dro .As me d i c i na s t ra d i c i ona i s e a s concepçõe s de doença f ormu l a d a s a par t i r d e s eu s pr e ss upo s t o s ,que e s t ã o i n t i m a m e n t e re l a c i o n a d a s a o s s i s t e m a s de pa r en t e s c o , re l a ç õ e s de gênero e c o s mo l o g i a s l o c a i s , e operam na s i n t erpre t a ç õ e s que o s s u j e i t o s f azem de s eu con t e x t o e
e x p er i ênc i a s , devem s er l evada s em con s i de r açã o pa r a s e compreender a s re l a ç õ e s que o s m o ç a m b i c a n o s e s t a b e l e c e m c o m a d o e n ç a , d e t erm i n a n d o c o n c e p ç õ e s e e x p er i ê nc i a s p ar t i cu l are s d e a d o e c i men t o p e l o H I V / AI D S .
P P P P P a l avra s -chave a l avra s -chave a l avra s -chave a l avra s -chave a l avra s -chave : Moç amb i que , H I V / AI D S , m e d i c i n a s t ra d i c i on a i s .
7/18/2019 2. Raça, Sexualidade e Doença Em Moçambique
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264 Estudos Fem inistas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, ja ne iro-abril / 2006
LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ
inte n ç ã o d e a p o nta r as limita ç õ es do que , n a a tu a li d a d e ,
se conhec e sobre a doenç a no pa í s e , sobre tud o, sobre as
d ist orç õ es im p ost a s p or u m a a g e n d a d e in te rv e n ç ã og era lmente construí d a tendo em conta outros c ontextos.
S
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nhamos,
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que devem nort
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os tra b a lhos d e p esquisa , quer os pro je tos d e interv e n ç ã oe q u e d e v e m to m a r os t e rm os d a p ró p ri a re a l i d a d emo ç a mb ic a n a c ontemporâne a : cosmo log i as e siste m a d ep a re n t e s c o , c l iv a g e m urb a n o / rur a l , p a rt i c u l a r i d a d e s
re g ion a is, mob ili d a d e esp a c i a l e migra ç ã o e , p or fim, as
c onseqüênc i as d a g u erra .
IIIII
Qu a lquer tenta tiv a d e introduzir o le itor n a históri a
d e Mo ç a mbi
que enfr
ent
a o des
afi
o de um cont
ext
o ondea históri a re c e nte é ob je to de d isputas a c irra d as. É e vid enteque qua lquer históri a n a c iona l é ob je to de múltip l as ve rsões;no enta nto, g era lmente e l as repousa m sobre a lguns p ontos
c onsensua is. No c aso d esse p a í s a fric a n o, a históri a re c e nteé m a rc a d a p or múltip los tra u mas e p o d e mos d izer qu emuitas ferid as não fora m a in d a c ic a triz a d as.
So bre a históri a d a FRELIMO 1 e d a luta d e li b erta ç ã on a c ion a l , p or e x e m p lo , t e mos u m a v e rs ã o o f i c i a l; noenta nto, são muitas a s vozes que a questionam, nem semprena forma de uma c l ara o p ç ã o historiográ fic a , mas na form a
d e rumores ou de fra g me ntos n a rra tivos que surgem aqui ea c o l á .2
Pre t e n d e m os a q u i a p re s e n t a r b re v e m e n t e u mc o n j u n t o d e n a rr a t iv a s q u e d iz e m r e s p e i to à s
tr a nsf o rm a ç õ es , e a ss i m d e l i n e a r u m a e s p é c i e d ee x p er i ênc i a comum a tod os os m o ç a m b i c a n os expressan as re presenta ç õ es d e a lguns m a rc os te mp ora is. E se ad iversid a d e d os homens e mulh eres c o mpre e n d i d a e mt e rmos “ é tn i c os” , “ l in g ü í st i c os” ou “re l i g i osos” p a re c equestion a r a p ossib ili d a d e d e se im a g in a r uma n a ç ã o e mMo ç a mb ique cujas fronte iras esp a c i a is seri am o resulta dodo a rb í trio d as p otênc i as c o loni a is, m a is de cem anos d ehistóri a c o loni a l, so c i a lista e pós-so c i a list a enre d a ra m os
mo ç a mb ic a n os num con junto de re presenta ç õ es sobre otempo que , em ma ior ou menor m e d id a , p erc orrem o pa í s
de norte a sul.
1 .11 .11 .11 .11 .1 TTTTTempo co lôni aempo co lôni aempo co lôni aempo co lôni ae mp o c o lôn i a
As re ferênc i as a o t empo co l ôn i a são de ta l form are c orre ntes que te mos a impress ã o d e q u e p a ss a d o epresente se misturam no cotid i ano dos mo ç a mb i c a n os. As
sente n ç as que tê m iní c io com “no tempo co loni a l.. .” sã oextre ma me nte d iversas, e um mesmo ind iví duo pode re ferir-
1 Fr e n t e d e L i b e r t a ç ã o d eM o ç a m b i q u e . Mov im e n to q u eli d erou a luta contra o co loni a lis-m o p o rtu g u ê s , i n c o rp o rou oue lim inou os d e m a is movimentos
c ontest a t á rios e tra nsformou-see m p a rtido úni c o a p ós a inde -p e n d ê n c i a do pa í s. C entra lizo uo p o d e r a t é 1990 , q u a n d o omu ltip artid a rismo fo i instituc ion a li-z ado em Moçamb ique , a brindoas p ortas p a ra os a c ordos d e p a zde 1992.2 Um a d a s p o u c a s v e rsõ e s
p u b l ic a d a s e m M o ç a m b i q u ere c e n te m e n te que quest io n a mfronta lmente a versã o ofic i a l é ab i o g r a f i a d e Ur i a S i m a n g o :Ba rn a b é Luc as N C O M O , 2004. Op o u c o i m p a c to q u e t e v e n od e b a te m o ç a m b ica no é conse-q ü ê n c i a d o s l im i te s d e u mesp a ç o propri amen te púb li co nop a í s e , c e rta m e nte , d a h e g e m o-ni a a inda exerc id a p e l a FRELIMO.
7/18/2019 2. Raça, Sexualidade e Doença Em Moçambique
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Estudos Fe ministas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, j a ne iro-abril / 2006 265
RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE
se ao t empo co l ôn i a ora com saudosismo, ora com repúd io .
T e mp o c o l ôn i a se est e n d e d e fins d o sé cu lo XIX a té ain d e p e n d ê n c i a do pa í s e m 1975 . N a me d ida em que nos
a fast a mos em d ire ç ã o a os eventos o c orrid os no fin a l dos
é cul
o XIX ou
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zan a figura d os a nte p assa dos. N as re g iõ es c entro e sul d eMo ç a mb ique , re ferênc i as a d esc e n d ê n c i a d e a ntig os ep o d erosos ré gulos são consta ntes, a ssim como re l a tos sobrea resistênc i a à o c u p a ç ã o p ortuguesa e a li a n ç as com al e g e n d á ri a f i g ura d o G u g u n h a n a . N ess a s h ist óri a s , op assado se faz presente n as figuras d e esp í ritos e a lm as
p e n a d as – os m f u k u a s – que anse i am por vin g a n ç as d ec rim es p assa d os. O t e mp o a qui surg e n as históri as d as
guerras d e o c u p a ç ã o q u e insta ura m c ic los d e fe iti ç os ec ontra fe itiç os, vin g a n ç as e tra iç õ es.
Se os re l a tos d as guerras do Gugunhana povoama s n a rr a t iv a s d os “ a fri c a n os l e g í t imos” , u m a m e m ó ri ac osm o p o li t a é re iv in d i c a d a p e l os re m a n es c e n t es d ef a m íl i as q u e h á mu ito h a b it a m c e n tros urb a n os c o moLourenço Ma rques (ho je Ma p uto), Inhambane e a Be ira .
Aqui os a nte p assa dos sã o , muitas vezes, p ortugueses, m as
não só: é qua ndo surg e m n a c e n a os Alb asini e os Pott , e mMa p uto , e os Forn asini, e m In h a mb a n e , figuras m asculin as
orig inárias d a Itá li a e d a Hol anda responsáve is por linhagens
crioul as que encontram na mestiç a g e m su a singul a rid a d e ,
m a s t a m b é m a s m a rc a s d a su a v u l n e r a b i l i d a d e . As
le mbra n ç as evoca m ora um passado a le gre com a vid a ase d esenro l a r n os c lub es e asso c i a ç õ es, o ra a expe ri ênc i ad a se gre g a ç ã o promovi d a p e lo mo d e rno co lon i a lismop ortuguês em Moç amb ique .
[.. .] nós não pod í amos entrar onde os brancos entravam .
[.. .] não se i se o senhor j á re p a rou que em uma mesm afa m íli a h á irm ã os m a is c l a ros, outros m a is escuros, u ns
sa em ao avô , ou tros à avó, temos d escendênc ia n egra ,
temos a d escen d ên c i a bra n c a , não sa í mos todos d amesm a c or. E o que su c e d i a? Havi a a í sí tios onde eu
pod i a entra r p orque era muito c l a rinh a , quando eram a is nova a in d a era m a is c l a ra , m as um dos meus
irm ã os, [.. .] m a is escuro, já n ão p o d i a entra r. [.. .][Uma vez, um novo gove rn a d or] ve io a Moça mb ique eachou que aquilo era um d isp a ra te: bran cos p ra aq ui,
mul a tos pra a li , pre tos pra a li , a Asso c i a ç ã o Afric a n aera só pra mul a tos, o Centro dos N e grófilos era só prane gros.. . En tã o esse govern a d or p e d iu o nome de dezc asa is m istos. Eu lembro-me b em: est ava a té senta d acom a m inha filha ao co lo, e ve jo uma da que l as motas
d a presid ên c i a e d isse “Ai meu Deus que j á nos vempren d er meu ma rido ou a m im”, porque aqui prisõ es
era m freq ü entes. Na verd a d e , o senhor d a mo ta ve iotrazer-nos um conv ite p a ra irmos j a nta r no pa l á c io. E
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266 Estudos Fem inistas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, ja ne iro-abril / 2006
LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ
nós fomos. Est avam ma is três ou qua tro c asa is b ran cos
p a ra fazer número, nós no me io d e les e a a ten ção erat o d a p r a n ó s , c o m o n ó s f a l á v a m o s , c o m o n o s
comportávamos à mesa .. . Fo i um esc â n d a lo e o ta l
govern a d or foi tra nsferido pa ra Portug a l.
A entra d a n os lug a res não era pro ib ida como na Áfric ado Sul.. . m as h avi a lug a res p a ra pre tos, e lug a res p a rabran cos. Um a uto c a rro gran d e tinha um banc o corrid oa trás, só pra pre tos. O pre to queri a entra r, não havi alug a r a li , não pod i a entra r, fic a v a n a ru a . Tinha que ter
lug a r n aq u e le b an co corrido. Nós sentávamos com os
bran cos, m as se fosse o cobra d or a a rrum a r, c o lo c a v aum mul a to ao l a do de um mul a to, não i a p ôr a o l a d odo bran co .
Lourenço Ma rques e Be ira surgem como c id a d es
o n d e a se g re g a ç ã o e ra p ro fu n d a m e nte m a rc a d a n o
espaço ; à no ite , os ne gros tinham que porta r um passep ara poder c ircul ar p e l a c id a d e “bra n c a ”; a os ne gros c a b i atodo tipo de tra b a lho manua l. Os bra n c os m o ç a m b ic a n os
reve l avam surpresa quando , v isitando Portug a l, a prime irac o isa que vi am no ca is do porto de Lisb o a era m bra n c os
tr a b a lh a n d o , c a rr e g a n d o e d e sc a rr e g a n d o , p o is e mMo ç a mb ique “os bra n c os não tra b a lh a v a m”. D a mesm aform a , os tra b a lh a d ores n e gros q u e m i gra v a m p a ra otra b a lho na Áfri ca do Sul m a nifest avam su a surpresa d i a nted os b o e r s que tra b a lh a v a m n a a g ri c u ltura .3 No t e m p o
c o l ô n i a , os
br
a n c os
c ui
d a v a m d os
n e g ó ci
os
e d aburo cra c i a , assim como os c a n e c o s , ind i a nos c a tó li c os d eori g e m g o esa ; os monhê s , ind i a nos m a o m e t a nos, e os
b a n e a n e s , hindus, d e d icavam-se ao comérc io; 4 os chineses
est avam no comé rc io e n a a g ri cu ltura , c ontro l a n d o os
c inturõ es v erd es d e Lourenço Ma rques e d a Be ira .
Se as le mbra n ç as são muito d iferentes e m fu n ç ã od a origem so c i a l d os ind iví duos, uma ima g e m é re c orrente:o tra b a lho forç a d o d a q u eles c l assific a d os como ind í g e n as,
re gul ado pe lo re g ime do ind ig e n a to que vigorou na co lôni aa té 1961. T odo s fazem re ferênc i a a os ne gros que passa v a m
a c orrenta dos e se d irig i a m p a ra o tra b a lho nas ferrovi as,p a ra a limp e za d as vi as púb li c as, p a ra as p l a nta ç õ es d ea lg o d ã o.
O rd e m e h i e ra rq u i a o rg a n iz a v a m a so c i e d a d emo ç a mb i ca na no t empo co l ôn i a . A re a li d a d e “crioul a ” d eLourenço Ma rques d as prime iras d é c a d as d o sé culo XXre p o us a v a n u m a o p osi ç ã o b á si c a e n tre “b r a n c os” e“pre tos”, a qua l informava uma so c i e d a d e form a d a p or
b r a n c os m e tro p o l i t a n os , b r a n c os d a t e rr a , m u l a tos
a ss i m i l a d os , m o n h é s , b a n e a n e s e c a n e c o s e mc ontra p osiç ã o à massa a fricana ; nos a nos 1950 e 1960,
p erí odo de grande fluxo de co lonos bra n c os d e orig e m
3 A figura do boer é const a nte e mM o ç a m b i q u e , p a rt i c u l a rm e n teno sul. Tra ta-se do branco de fa l aa fric â n er, g e ra lm ente asso c i a doa uma origem ho l a n d esa . Se , p or
um l a d o, to d os re c o n h e c e m aim p ort â nc i a d esse contin g e n tep a r a a i nst i tu c i o n a l iz a ç ã o ere p ro d u ç ã o d o a p a r t h e i d , p or
outro, todos são unânimes quantoa su a d isp o n i b i li d a d e p a r a otra b a lho manua l, e sp e c i a lmenten a a gricultura .4 D e f in i ç õ e s c o m o m o n h ê s ,b a n e a n e s e c a n e c o s são pe jora-tiv as e não constituem uma a uto-a t r i b u i ç ã o . C f. V a l d e m ir
ZAMPARONI, 1998.
7/18/2019 2. Raça, Sexualidade e Doença Em Moçambique
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Estudos Fe ministas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, j a ne iro-abril / 2006 267
RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE
portuguesa , observamos o a c irra me nto da tensão existenteentre estes e os d e m a is grupos urb a n os (bra n c os d a terra ,
assimil a d os, mest iç os, e tc .). Ao longo do t empo co l ôn i a te mos a form a ç ã o d e asso c i a ç õ es que da rão a “c a ra ” d a
cena públi
c a d eL
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um aprofunda hi era rqui a em fu nç ã o d a r a ç a e d a or i g e m . Os
a nos 1960 sã o le mbra d os, assim, a p a rtir d e um conjun tod e p a radoxos: tra ta-se do iní c io da gue rra d e li b erta ç ã o,
d o a c irr a m e nto d os c onf li tos e , a o m esmo te m p o , d op erí odo de m a i or d e s envo l v i men t o da co l ôn i a (c onstru ç ã oc iv il , su p ost o f im do in d i g e n a to , g ra n d es o b ra s c o m oC a h ora-Bassa , e tc .).
1 .2 T1 .2 T1 .2 T1 .2 T1 .2 Tempo Sa moraempo Sa moraempo Sa moraempo Sa moraempo Sa mora
So b re o f im do t e mp o c o l ôn i a c orre m inúme ras
históri as. Esta mos d i a nte de um dos te m as pre ferid os d emuitos mo ç a mb i c a n os, formul ado ora em tom jo c oso , orae m tom de que ixa ou revo lta . Sã o históri as entra d as n afu g a d os p ortugueses q u e a b a n d on a ram em massa o pa í s
entre os a nos d e 1974 e 1977, muitos d e l es inconform a d os
c o m u m g o v e rn o d e m a i o ri a n e g ra e c o m o f im d ahierarqui a coloni a l traduzida na democra tizaç ão do esp a ç osentida como desord e m. Algumas d a tas fazem pa rte d amemóri a dos h a b ita ntes d e Ma p uto: o 7 de se te mbro e o21 de outubro de 1974. Tra ta-se de um pe rí odo de gra n d e
inc erteza , p a ra bra n c os e n e gros, expresso nos c onflitosd e se te m b ro e outu b ro , c o m ma t a n ç a s su c ess iv a s d en e g ros e b r a n c o s . P a r a m u i tos p o r tu g u e s e s elusod esc e n d e ntes, os c onflitos que ma rc a ra m essas d a tas
são a reve l a ç ã o do c a os que se anunc i ava ; pa ra muitos
m o ç a m b i c a n os, tra tou-se quase d e ritu a is que , n a su avio l ênc i a , sin a lizavam a mudanç a do pa í s.
O c a os , a v i o l ê n c i a e a fu g a d e p o r tu g u e ses ,
lusod esc e n d e ntes, gre g os e chineses, mas não só , ta mb é mo e ntusi asmo da revo lu ç ã o , m a rcam o iní c io do t e mp o S amora . As le mbra n ç as d esse p erí odo são ma rc a d as por
p a r a d o x os e c o n tr a d i ç õ e s ; mu i tos l e m b r a m-s e c o mentusi asmo do lí d er c a rism á tic o e d a c h e g a d a d e Sa moraàs d iferentes c id a d es do pa í s, e d o hero í smo e vo lun ta rismoc a ra c terí stico dos prime iros a nos d a revo lu ç ã o.5
N o e n t a n to , o f i m d a s e g re g a ç ã o r a c i a l e ac onstruç ão de um re g ime soc i a lista vieram ac ompanhados
d a cresc ente fa lta d e b e ns de consumo, d a cri a ç ã o d eum novo e bruta l a p a ra to re pressivo e do in í c io de umconjun to de conflitos que da ri a m origem a uma guerra entreirm ã os, a FRELIMO ver s u s os c a ra c teriz a d os ini c i a lme nte
c o m o b a n d i d o s
a r m a d o s
o u m a c h a n g a s ,
l
o g otra nsform a d os em so ld a d os d a RENAMO .6 À memóri a d e
5 A b ib li ogra fi a so bre o perí o dorevo luoná rio é bast a nte razoáve l,
m a s p o l a r iz a d a e n t r e o s
entusi ast as d a revo lução e seus
d e tr a to r e s . Est a m os à e sp e r aa inda d e uma sí ntese .6 C o m o f i c o u c o n h e c i d a aresist ênc i a a rm a d a à FRELIMO ap a rtir d os a nos 1980, Resistênc i aN a c i o n a l M o ç a m b i c a n a , n a
at
u ali
d a d etr
a nsf
or
m a d a n u mp a rti do po lí ti c o, o prin c i p a l d aoposiç ã o.
7/18/2019 2. Raça, Sexualidade e Doença Em Moçambique
http://slidepdf.com/reader/full/2-raca-sexualidade-e-doenca-em-mocambique 6/24
268 Estudos Fem inistas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, ja ne iro-abril / 2006
LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ
uma guerra bruta l, some-se a a tu a ç ã o d o Est ado so c i a listaq u e , d e fo rm a d e s i g u a l , a f e to u a v i d a d e to d os os
m o ç a m b i c a n os: as n a c ion a liz a ç õ es e a form a ç ã o d as
gra n d es m a c h a m b a s comuna is, c o o p era tiv as a grí c o l as
q u e d e v eri
a m c o n c e ntr
ar
a es
m a g a d or
a m ai
ori
a d apopul a ç ã o c a mp o n esa do pa í s; a nec essid a d e dos gui as
d e ma rc h a p a ra qua lquer tipo de deslo c a m e nto interno,
a utoriza ç ã o c o nse guid a junto a os grupo s d i n a m i zadore s d a r e v o l u ç ã o ; a i nst i tu c i o n a l iz a ç ã o d os c a m p os d ere e d u c a ç ã o, p a ra onde e ram envi a d os os comprome tidos
com o re g ime anterior, os susp e itos de contra-revo lu ç ã o eos a cusa dos e a c usa d as d e c ostumes in a d e q u a d os.
M a ss a c res p e rp e tra d os p e l a RENAMO , v io l ê n c i as ist e m á t i c a d o Est a d o c o n t r a a p o p u l a ç ã o : e ss a s
l e mbra n ç as comb inam-se com aque l as que enfa tizam a
re l a tiv a igu a ld a d e e ntre to d os os ind iví duos, a a usênc i ad e c orru p ç ã o e mesmo a inexistê nc i a d a crimin a li d a d ecomum nos c entros urb a n os n a a tu a li d a d e .
1 .3 T1 .3 T1 .3 T1 .3 T1 .3 Tempo a tu a lempo a tu a lempo a tu a lempo a tu a lempo a tu a l
O iní c io d este p erí odo não é consensu a l: muitos oasso c i am à morte de Sa mora Ma c h e l e ao Progra m a d eRe a b ili taç ão Econômic a (PRE); outros a os tra ta dos d e p a ze ntre a FRELIMO e a RENAMO em 1992 , ou às prime iras
e l e iç õ es d e mo crá tic as e m 1994. Tudo ind i ca que a morte
d e Sa mora em 1986 re presenta o iní c io de um con junto d etra nsform a ç õ es q u e a c a b a ri am por l eva r Mo ç a mb ique aum pro c esso de “tra nsiç ã o d e mo crá tic a ”, a uma ec onomi ad e merc a d o e à p a z.
Tra ta-se també m do fim d as utop i as: abandona-seo uso d o t e rm o “ c a m a ra d a ” e a s v e lh a s h i e r a rq u i a s
p a re c e m ressurg ir no uso do termo “p a trã o”; o fra c asso d arevo lu ç ã o , a vo lta de muitos portugueses e as novid a d es
do merc a d o livre , d o c a p ita lismo se lv a g e m e d a c orru p ç ã ofazem com que mu itos d os a ntigos comporta me ntos dop erí odo co loni a l re tomem seu lug a r.
O fim da guerra é ce le bra do com alí vio e entusi asmopor uma popul a ç ç ã o e x a ust a . À inserç ã o d a RENAMO n avid a p o lí tic a e p a rtid á ri a do pa í s c orrespondera m os ritu a is
de purific a ç ã o q u e p e rmitiram o re torno de milh a res d ejovens as su as a ld e i as e comun id a d es a pós m a is de umad é c a d a d e b a rb á ri e . O fim do re g im e a utorit á rio n ã oimp li c a a c o nso li d a ç ã o d e um esp a ç o pú b li c o re a lmented e mo crá tic o, e a re c o nfigura ç ã o hierá rquic a d o p a í s v e ioa c o m p a nh a d a d a pro lifera ç ã o d e rumores em torno das
guerras p assa d as, do enriq u e c imento súb ito de muitos e
d e d o e n ç as
e m al
efí
ci
os.
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RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE
IIIIIIIIII
2 .1 R2 .1 R2 .1 R2 .1 R2 .1 Ra ç aa ç aa ç aa ç aa ç a
A i d é i a d e “ra ç a ” p o d e ri a se r, nos d i a s a tu a is ,a bso luta me nte irre le v a nte em Moçamb ique . Dific ilmentep o d e r í a m os f a l a r, a ss i m , d e “ r e l a ç õ e s r a c i a is” e mM o ç a m b iq u e p a rtin d o d e a n a lo g i as com as re a li d a d es
b ra si l e ira o u a m e ri c a n a . Às d if e re n ç a s re g i on a is e àevid ente re l a ç ã o d e tensão entre o “urb a n o” e o “rura l”,
impõe-se o fa to de est a rmos num pa í s d e esm a g a d oram a iori a n e gra . Os c ontin g e ntes bra n c o , misto e ind i a nop o r t a d o r e s d a n a c i o n a l i d a d e m o ç a m b i c a n a n ã oa l c a n ç a m 1 % d o t o t a l d a p o p u l a ç ã o 7 e e st ã oconcen tra dos n as á re as urb a n as de um pa í s onde ma is
de 70% dos ind iví duos encontra m-se no campo .8 Qu a l osentido que , nesse contexto , g a n h a a id é i a d a e xistênc i ad e “re l a ç õ e s r a c i a is”? Po d e m os f a l a r re a l m e n t e d e“re l a ç õ es”?
Essa prime ira advertênc i a não pod e nub l a r a lguns
e l e m e n tos c ru c i a is: d e m o g ra f i c a m e nt e in e x p ress ivos,
so c i a lm e nte , os ind iví duos c l assifi c a d os como b ra n c os,
mistos ou ind i a nos (e m a is um sem fim de c l assifi c a ç õ es
q u e n ã o p o d e re mos exp lora r a q u i) o c u p a m e sp a ç os
d e c isivos no func ionamen to do pa í s. Os b ra n c os, d ivid id os
entr
e n a t ur a i s , n a t ur a li z a d o
s
e e s t range i ro
s
est
a b ele c
ido
s
no pa í s, c ontro l am pa rte dos p ostos estra té g ic os no mundoe mpresa ri a l e n as org a niz a ç õ es nã o-govern a me nta is e d ec o o p era ç ã o. Há um d iminuto contin g e nte de “bra n c os”
que ostenta m a n a c ion a li d a d e m o ç a m b ic a n a , entre os
q u a is e n c o n tra mos os q u e s ã o n a t ur a i s – g e ra lm e n tel us o d e s c e n d e n t e s q u e o p t a r a m , a o c o n t r á r i o d aesm a g a d ora m a iori a , por p erm a n e c e r no pa í s nos a nos
que su c e d e ram à in d e p e n d ê n c i a – e os q ue , n asc idos e moutras terras, a c a b a ram por se n a t ur a li z ar mo ç a mb ic a n os.
Os bra n c os v incul a dos a o mundo emp resa ri a l encontra m-se concentra dos e m gra n d e me d id a n a c id a d e d e Ma p utoe , e m me n or esc a l a , n a Be ira e e m N a mp u l a ; os q u etra b a lham em “pro je tos d e c o o p e ra ç ã o”, a inda que emg ra n d e n ú m e ro n a c a p it a l , d ist ri b u e m-se p or c e n tros
urb a n os c omo o Xa i-Xa i, o Chimo io, Pe mb a , Te te e Liching a ,
e c o nst i tu e m u m c o m p l e x o m u n d o g e n e r i c a m e n t easso c i ado à “c o o p era ç ã o intern a c ion a l” e a os “d o a d ores”.
N a c a p it a l d o p a í s , a s e l it es b r a n c a , n e g r a e m ist ac o m p a rt il ham um un iv e rso d e c o nsumo esp a lh a f a tosom e d i a d o p or c onst a n tes v i a g e ns à Áfri c a d o Su l e àS
u azil
â ndi
a p ar
a compr
as
ou par
a otr
at
a me nt
o médi
c oou dentá rio . Re presenta ntes de ONGs e coopera ntes sã o
7 Emili ano de C astro CACC IA-BAVAe Oma r Rib e iro THOMAZ, 2001: c f.
Ta b e l a 5 so b r e “D istr i b u i ç ã op e rc e n tu a l d a p o p u l a ç ã o , p or
á re a d e re s i d ê n c i a , s e g u n d ogrupo som á tico e origem (1997)”,p . 33 . “Bra n c o”, “misto”, “ne gro”
e “ in d i a no ” s ã o a s c a t e g o ri a s
utiliz a d as p e lo Instituto N a c ion a l
d e Est a tí sti c a d e M o ç a m b ique .8 C f. C A C C IA-BAVA e THOMAZ ,
2001: Quadro 3, p . 4 3.
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LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ
i d e n t i f i c á v e is p o r s e us v e í c u l os a tr a ç ã o e , e m b o r aa presentem um estil o à prime ira vist a m a is d esp o j a do , seupotenc i a l de consumo é evid e nte a os o lhos d a p o p ul a ç ã oloc a l. C o o p era ntes d as ma is d iversas orig ens – p ortugueses,
br
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os,
r
e m a n es
c e nt
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d ol
est
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o p e u,
es
p a n h óis,
a l e m ã es, su e c os, ho l a n d eses – formam um ve rd a d e iroc lube intern a c ion a l com firmes op iniõ es sobre o pa í s, su ahistóri a , seus h a b ita ntes e seus f r a c a ss o s , e com um n í ve l
d e v ida expresso em su as vivendas e na grande quantid a d ed e e mpre g a d os doméstic os.
En tre os c a rgos interme d i á rios govern a me nta is e n as
un iv e rsi d a d es e c e n tros d e e nsin o e n c o n tra mos um aquantid a d e signific a tiv a d e bra n c os mo ç a mb i c a n os. Esses
ind iví duos tê m sid o a fast a d os p rogressiv a me nte dos p ostos
d e p o d er ou visib ili d a d e e m função de su a c or , m as su a
cresc ente inv isib ili d a d e n ã o po d e ser c onfund ida c om su ai ne x i s t ên c i a .
Os ass im il a d os c onst itu e m , e m c o n junto com os
mistos, ta lvez uma d as c o le tivid a d es menos conhec id as e mMo ç a mb ique . C o n c e ntra dos em centros como Maputo ouBe ira , in d iv í d uos e f a m íl i a s a sso c i a d os a ess a a n t i g ac a te gori a coloni a l encontra m-se d istribuí dos por todo o pa í s,
fu n d a m e n t a lm e n te nos p e q u e n os c e n tros urb a n os. Nop erí odo ime d i a ta me nte posterior à in d e p e n d ê n c i a , fora mo lh a d os com desc onfi a n ç a p e lo novo núc leo de um pode r
forma d o n a luta a rma d a ; su a prese n ç a , c ontud o, fez-sesentir entre os q u a dros interme d i á rios tã o n e c essá rios a ofunc ionamen to do Est a do , na buro cra c i a e nas esc o l as.
Devemos l e mbra r que a ca te g ori a “assimil a d o” ép ro b l e m á t i c a n os d i a s a tu a is . Tr a t a -s e d e u m t e rm oa ss o c i a d o d ir e t a m e n t e a o p e r í o d o c o l o n i a l , e s ã ofreqüentes frases que se re ferem aos assimil a dos no passa do– “eu era assimil a d o”, “meus p a is era m assimil a dos”, e tc .
I n d í g e n a s q u e t e r i a m p a ss a d o p o r u m p ro c e ss o d ea ss i m i l a ç ã o à c u ltur a , l í n g u a e re l i g i ã o p o r tu g u es a s
c onst ituí a m fo c o d e ime nsa te nsão outrora e , d e c e rta
form a , ta l tensã o se re produz na a tu a li d a d e . Seu esta tutoest ava d ire ta me nte li g a d o à su a situ a ç ã o privil e g i a d a n ointerior d o siste m a c o lon i a l – c onst ituí a m u ma p e q u e n a“burguesi a a fric a n a ”, c l a ra me nte d iferenc i a d a d a m assaind í g e n a . No enta nto , p ortavam uma contra d iç ã o inerentea o s e u e st a tu to : a ss i m i l a d os , m a s j a m a is i g u a is a os
portugueses, seu cotid i ano era m a rc a d o p or hu milh a ç õ es
c ontí nu as, que os l embrava consta ntemente sua d ifere n ç a ,
e q u e a c a b a r i a p o r a l im e n t a r u m p r i m e iroproto n a c ion a lismo moçamb ic a n o.9 C ruc i a is no pro c essod e c o nstru ç ã o d os id e a is n a c ion a list as, su a orig e m d e
c l asse os m a rcou ao longo do pe rí odo revo luc ion á rio e ,
na contempora ne id a d e , vo ltam a ostenta r sin a is d i a crí tic os
9 C f. Jo sé MOREIRA, 1997.
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RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE
que os d est a c a m e m me io à massa a fri c a n a a lhe i a a oun iverso urb a n o .
Próx imos a os assimil a dos do ponto de vist a de seuest a tuto so c i a l – c onst itu e m u ma p e q u e n a c o l e tivid a d e
es
p al
h a d a p el
os
estr
at
os
m é di
os
ur
b a n os
que poss
u e ma c esso a um un iv e rso c u ltura l m a rc a d o p e l a h e ra n ç ap ortuguesa –, os mistos sã o, muitas vezes, asso c i a dos àid é i a do mul a to existente no Brasil. As d ifere n ç as entre os
mul a tos no Brasil e os mistos em Moç amb ique sã o , c ontud o,
grita ntes. No pa í s a fric a n o , ao contrá rio do que ocorre noBrasil , são uma esp é c i e d e a v esso d a pró pri a i d é i a d an a c iona li d a d e e , e m grande med id a , c onstituem um grupofe c h a d o, que se a uto-re produz. Est a mos d i a nte de fa míli as
mistas d e lo n g a d a ta que promovem tro c as m a trimoni a is
entre si e sobre quem pesa a consta nte susp e ita de uma
n ã o -a d esão comp l e ta à n a ç ã o a fri c a n a .Uma nota c a b e c o m re l a ç ã o a os assimil a d os, às
antig as fa míli as tra d ic iona is mestiç as e à e lite urb a n a n e gra:sã o c l assific a d os p e los c a mp o neses, os i nd í g e n a s , com omesmo termo usa d o p a ra fazer re ferênc i a a os branco s :mu l ungo s (tra ta-se do termo usa do no sul d e Mo ç a mb iquee q u e , e v i d e n te m e n te , so fre v a ri a ç õ es n a s d ife re n tes
re g i õ es d o p a í s) . À p e rc e p ç ã o d e q u e t e m os r a ç a s
d iferentes, so brepõe-se a q u e l a cri a d a a o longo do pró priop erí odo co loni a l e que opõe do is g rup os fundamen ta is: d eum l a do , a q u e les que ostenta m form as d e vid a e uro p é i as,
se expressam em português e h a b itam nos c entros urb a n os,
do outro , a m a iori a c a mp o nesa – c i v il i z a d o s e i nd í g e n a s ,e m sum a .
Por fim , a os ind i a nos p o d e mos a tribuir n ã o a p e n as
o d esc o n h e c im e n to g e n e ra liz a d o m as, so bre tu d o , umc onjunto de re presenta ç õ es tensas e conflita ntes, o quenos faz pensa r p a ra Mo ç a mb ique , e p a ra to d a essa re g i ã od a Áfri c a A ustra l e Ori enta l, em uma “quest ã o ind i a n a ”
a n á lo g a à “questã o jud a ic a ” de muitos p erí odos d a históri acontemporânea europ é i a . Na figura dos ind i a nos – d ivid idos
e m inúmeras su b c a te g ori as p e l a p o p u l a ç ã o lo c a l, t a iscomo b a n e a n e s (termo pe jora tivo p a ra os hindus), monhê s (seu corresp o n d e nte p a ra os muçu lm a n os) e c a n e c o s (te rm o b a st a nte o fe nsivo que se re f e re a os c a tó li c os,
g e r a l m e n t e o r i g i n á r i os d e G o a ) – e n c o n tr a m os u mverd a d e iro prin c í p io de d e s ordem num sist ema que nop e rí o d o c o lon i a l opunha c i v il i z a d o s e i n d í g e n a s , e nop erí o d o n a c ion a l opõe os c i t a d i no s a os c a mp o n e s e s .
Antes d e se g u irmos a d i a nte , c re mos im p ort a n tesub li nh a r qu e , e m Mo ç a mb i que , est a mos li d a n d o c o mp o p u l a ç õ es m a rc a d a s p or u m p a d rã o d e c irc u l a ç ã o
esp a c i a l b asta nte signific a tivo. Assim, embora a popul a ç ã ob r a n c a s e j a , c o m o j á d iss e m o s , i ns i g n i f i c a n t e
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LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ
d e mo gra fi c a m e nte (o que faz com que e m muitas re g iõ es
o conta to entre bra n c os e negros se j a mí nimo), a m a iori ados ind iví duos tem na sua memóri a ind ividu a l ou co le tiv auma re l a ç ã o signific a tiva com ou t ro s a ssenta dos d e orig em
eur
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A mi
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popul
a ç õ es
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ec entro do pa í s p a ra os tra b a lhos n as min as ou nas f arme s d a Áfric a d o Sul e do Zimb á b u e faz com que as conversas
c otid i a n as se ja m p o vo a d as p or um se m-fim de h istóri as e mtorno dos boer s e d os rode s i a no s .
2 .2 Sexua li d a d e2 .2 Sexua li d a d e2 .2 Sexua li d a d e2 .2 Sexua li d a d e2 .2 Sexua li d a d e
S ã o mu i to fre q ü e nt e s a f irm a ç õ e s p e re m p tó ri a s
q u a n t o à e x p e r i ê n c i a d a s e x u a l i d a d e e n tr e o s
mo ç a mb i c a n os, em pa rti cul a r, ou os a fric a n os n e gros, e mg e ra l. N a impre nsa ou em documentos produzi d os p or
org a niz a ç õ es nã o-govern a me nta is, assim como nos textos
dos mission á rios c a tó li c os e protesta ntes d e fins do sé culoXIX e iní c io do sé culo XX, a sexua li d a d e a fric a n a p a re c eest a r fa d a d a a ser asso c i ada a um un iverso excessivo ed esre gra d o. Nunca é de ma is l embra r que os a ntro pó log os,
d esde o iní c io da d isc ip lin a , p ro cura ram demonstra r que oque é ge ra lmente asso c i ado à promiscuid a d e c onstitui, n averd a d e , um un iverso re grado e a lta me nte contro l ado por
u ma sé ri e d e c o nstra n g im e ntos so c i a is. Em to d o c aso ,
p a drõ es d e c o mp orta me nto sexua l m asculino li g a d os à
v i d a d os m i n e iros m o ç a m b i c a n os n a Á fr i c a d o Su ld i f i c i l m e n t e p o d e r i a m su p o r t a r a d e f in i ç ã o d e“promiscuid a d e ”, e aqu i a a n a log i a deveri a ser re a liz a d acom outros tipos de ocupaç ão que , como os c a minhone iros
ou os p ira tas, d ist a n c i am o e l e me nto m asculino de seuentorno so c i a l ou fa mili a r, cri ando assim novas form as d evivênc i a d a sexua li d ad e: um universo a ser d esv e n d a d o , en ã o p a ss í v e l d e s e r d e f in i d o c o m o d e so rd e n a d o d ee ntra d a .
Asso c i a r a expa nsã o d a e p id e mi a de AIDS à s form as
“tra d i c ion a is” d e c o mp orta me nto sexua l, ou às re l a ç õ es
d e g ê n ero, c onstitui, no mí nimo , a firm a ç õ es g e n era liza ntes
d a q u e les que desconhecem , e fe tiv a me nte , essa esfera d avi d a so c i a l e m M o ç a m b i q u e , e n a v e rd a d e c o n fi guraimposiç ã o d e u ma a g e n d a intern a c ion a l a uma re a li d a d eque lhe é estranha . Q ua l o sentido de fa l a rmos d e “re l a ç õ es
de gênero” sem uma comp re ensã o esp e c í fic a d essa noçã oem Moça mb ique? Como inc orp ora r a id é i a d e g ê n e ro e mpo lí ti c as púb li c as a b d ic a n d o d e a lgo tã o g e n era liza ntecomo a const a ta ç ã o d a existênc i a d e homens e mulheres
e m M o ç a m b i q u e , n o rm a l m e n t e e n t e n d i d o s p e l os
f
or
mul
a d or
es
d ess
as
p ol í ti
c as
c o m o c or
p os
bi
o m e -d i c a m e n t e d e f in i d os p o r s e x os o p o st os? A r á p i d a
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RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE
asso c i a ç ã o q u e se f az entre “re l a ç õ es d e g ê n e ro” ou“m a s c u l i n i d a d e s” ( d e n tro d e u m m o d e l o n o rm a t iv oo c id enta l) e a expansã o d a e p id e mi a constitui, m a is doq u e n u n c a , o resu l t a d o d e u m a v is ã o e tn o c ê ntri c a ,
pr
e c o n c eit
uos
a e ess
enci
alist
a comr
el
a ç ã o a ess
as
esf
er
as
d a vid a so c i a l mo ç a mb i c a n a e , em menor me d id a , um aforma d e se asso c i a r com a d iminuta e lite urb a n a e xistenteno pa í s e que , e m gra n d e me d id a , ta mb é m d esconheceo universo “rura l” ou aque le que povoa as p eriferi as d as
c id a d es m o ç a m b i c a n as. Ju d ith Butl er10 a p o nta p a ra os
pro b l e m as d e u ma v isão un iversa liza nte e esse n c i a list aso bre re l a ç õ es d e g ê n ero e sexua li d a d e proposta p or um ac e r t a p e rs p e c t i v a f e m i n ist a c a l c a d a n a c r í t i c a a op a tri a rc a lismo, que a in d a p erme i a as a ç õ es d a m a iori ad as a g ê n c i as e a g e ntes n o tra to com a ep id emi a no pa í s,
visã o essa que não l eva em conta universos cultura is n ã oo c id enta is. A resp e ito do c a rá ter c o loni a list a e “orienta lista ”
d e ta l p ersp e c tiv a , a a utora a firm a:
Th a t form o f feminist the orizing has come under c ritic ismfor its e fforts to c olonize and appropri a te non-Westerncultures to support highly We stern notions of op pression,
but b e c a use they tend as we ll to construc t a “Third World”
or even an “Orient” in which gender o p pression is sub tlyexp l a ined as symp tom a tic of a n essenti a l, non-Westernb arb a rism .11
Inc orre-se , d essa ma n e ira , no risco de as a ç õ es q uevisam ao contro l e d a e p id emi a serem interpre ta d as comouma esp é c i e d e n e o c o loni a lismo promovido por p a rte d ea g e ntes estra n g e iros – o que de fa to tem ocorrido – e veremsua e fic á c i a comprome tid a p e l a resistênc i a d a p o p u l a ç ã om o ç a m b i c a n a e m i d e n t if i c a r-se c o m su a s p ro p ost a s,
d evido à incompre ensão do universo lo c a l por p a rte d os
interve ntores.
2 .3 Doença2 .3 Do e n ç a2 .3 Doença2 .3 Do e n ç a2 .3 Do e n ç a
P
or
fi
m , a exist
ênci
a d e d o e n ç as
que af
et
am emgrande número a popul a ç ã o mo ç a m b i cana não é umanovid a d e . Ma l á ri a e tub erculose , pneumoni a e d o e n ç as
infa ntis. Id as e vind as às min as sul-a fri c a n as tra nsform a mjovens em ve lhos a d o e nta d os h á p e lo menos um sé culo;as mov im e nt a ç õ es p o p u l a c ion a is e ntre o c a m p o e ac id a d e , p a rti cul a rmente n as últim as d é c a d as, esp a lh a ra mv a ri a ntes resistentes d e ma l á ri a , num momento em que oEst ado e su as instituiç õ es se esf a c e l ava m em me io a umaguerra c ivil, e os pro je tos d e saúde púb li c a ou guerra a os
mosquitos se vi a m im p e d idos p e l a limita ç ã o d e re cursos e
mesmo pe l a d esorg a niz a ç ã o q u ase que tota l de um j ápre c á rio siste ma d e sa ú d e . A situ a ç ã o só v e io a p iora r c om
11 BUTLER, 1990, p . 3 .
10 BUTLER, 1990.
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LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ
a vo lta dos d eslo c a d os e re fug i a d os: nã o é por n a d a q u eos í nd i c es d e inc i d ê n c i a e prev a l ên c i a do HIV / AIDS sã om a iores nos c orre d ores p or onde c ircul a ram em gra n d eme d id a os re fug i a d os n a últim a d é c a d a , e por onde ho je
cir
cul
a m pr
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do Chi
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B
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ae Te te , na re g i ã o c e ntra l, ou o corre dor d e Na c a l a , no nortedo pa í s.
É no qua dro m a is a mp lo d as p erc e p ç õ es d a d o e n ç ae d a d e c a d ê n c i a fí si c a q u e a e p id emi a d o HIV / AIDS deveser inc orpora d a e interpre ta d a . D e n a d a , ou quase n a d a ,
servem as c a mp a n h as que não levem em conta de queform a as p esso as interpre tam aquil o que entra ou sa i doc orp o , d e flu í d os c orp ora is – suor, sa n g u e , sê me n – aprofil axi as. É muito fre q ü e nte em Moç amb ique escuta rmos
que os ind iví duos a firmam a inexistênc i a d o HIV / AIDS quando
c onfronta dos com narra tivas heg emônic as sobre a doença :e ss a d e s c r e n ç a n ã o d e v e s e r tr a t a d a c o m o m e r aignorâ nc i a d a p o p ul a ç ã o, m as a ntes como a ine fic á c i ad o a p a ra to p ro p a g a n d í st i c o e p e d a g ó g i c o p ost o e mm a rc h a n os ú l t im os a nos . To d a v i a , a a ss o c i a ç ã o d ad e g ra d a ç ã o f í si c a e d a d o e n ç a c o m a c us a ç õ es d efe iti ç a ri a , longe de ser residu a l, p a re c e ser sistê mi c a . Ap erc e p ç ã o d a d o en ç a est a ri a li g a d a , assim , às re l a ç õ es
c osmo lóg i c as, d e vizin h a n ç a e d e p a rentesc o, un iversos
d ifí c e is d e p e n e tra ç ã o por p a rte de ind iví duos e ONGs q uetê m a c a b e ç a pré-mo ld a d a q ua nto ao que deve ser fe iton a luta contra a d o e n ç a .
IIIIIIIIIIIIIII
O que se segue sã o d a d os re l a tivos à e p id e mi a d eHIV / AIDS na Áfric a e , ma is esp e c ific a m e nte , na África Austra l
e Ori enta l, onde est ã o lo c a liza d os Mo ç a mb ique e Áfri c ad o Su l . M a is d o q u e e x p o r d a d os e x a ust ivos , o q u epre tendemos é d a r subsí d ios p a ra uma prob l em a tiz a ç ã od a e p id emi a n a á re a , pro curando mostra r que a Áfric aAustra l deve ser entend id a d e form a sistêmic a , uma vezque as fronte iras e ntre p a í ses são bastante p erme á v e is, c omc ircul a ç ã o p o pul a c ion a l historic a m e nte signific a tiva entreos p a í ses, o que resulta num desenho ep id emio ló g ico quenão se d e fine pe l as fronte iras n a c ion a is.
O continente a fricano concentra o ma ior númerod e p esso as vivend o com o HIV / AIDS no p l a ne ta . D e a c ordoc o m d a d os d a O MS e UNA IDS, a té 2003 a Áfric a d e tinh am a is d a m e t a d e d os c asos mund i a lm e n te re g istra d os,
v a r i a n d o d e 2 5 m i lh õ e s a 28 ,2 m i l h õ e s d e p e ss o a s
infe c ta d as num tota l d e 34 milhõ es a 46 m ilhõ es d e c asos
e m todo o mundo .A re g i ã o subsa a ri ana re g istra , d entro do continente
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RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE
a fric a n o, os m a iores í nd ic es d e inc idênc i a e preva lênc i ado HIV / AIDS. D entro da á re a subsa a ri a n a , as re g iões austra l
e o r i e n t a l a p re s e n t a m os í n d i c e s m a is e l e v a d os d epreva lênc ia d e HIV / AIDS, con forme dados d a UNAIDS d e 2002.
Esses í nd ic es che ga m a 38% em Botswana , e stã o a c ima d e30% em Zimb a b w e (33,7%), n a Su azil â n i a (33 ,4%) e noLesotho (31,0%), a c ima de 20% na Nam í b i a (22,5%), n aZâ mb i a (21 ,5%) e na África do Sul (20 ,1%) e não são menores
que 13%, como re g istra d o e m Mo ç a mb ique (Q u ê ni a eMa l awi, re g istram ambos uma preva lênc i a d e 15%).
E mb ora e m 2 0 0 2 M o ç a m b i q u e a p rese n t a ss e omenor í nd i c e d e pre v a l ê n c i a e ntre os p a í ses d a Áfri c aAustra l e O ri e nt a l, se us in d i c a d o res so c i a is (Q u a dro 1)
a p o ntavam um quadro b ast a nte prob le m á tio e pro p í c iop a ra a e x p a ns ã o d a e p i d e m i a , q u e est á int im a m e nte
asso c i a d a à p o breza : b a ixo IDH, a ltos í nd ic es de pobreza ,f o m e e i n c i d ê n i a d e m a l á r i a ( d o e n ç a o p o r tu n ist aresp onsá ve l p or g rand e número de ób itos e ntre p orta dores
d o HIV / AIDS e d o e n tes d e AIDS), a l é m d e u m g ra n d ec ontingente d e d eslo c a d os, re torn a d os e d esa lo ja dos p e l agu e rra c ivil , que p roduziu pro b l e m as d e infra-estrutura ,
a t in g i n d o a r e d e d e s a ú d e p ú b l i c a e a ss ist ê n c i agovern a m e nta l.
Um estudo ep id e mio ló g i c o re a liza d o n o p a í s p or
órg ã os govern a me nta is em con junto com a Universid a d eEdua rdo Mond l a ne 12 mostra que não há uma d istribuiç ã oh o m o g ê n e a d a p re v a l ê n c i a d o HIV / AIDS no t e rr itó ri omo ç a mb ic a n o , concentrando-se n as re g iõ es c entra l e sul,
e m esp e c i a l n as proví ni as que fazem fronte ira c om Áfric ad o Sul e Zimb a b w e , tod as com í nd ic es a c im a d a m é d i an a c ion a l – Te te (19 ,8%), M a ni c a (21,1%) e Gaza (16,0%),a l ém de Sofa l a (18,7%), onde se encontra o corre dor d aBe ira (Q u a dro 2). Essa d istri bui ç ã o d a prev a l ê n c i a est áintim a m e nte asso c i a d a à c ircul a ç ã o p o p ul a c ion a l entrefronte iras nesses p a í ses, d evido ao tra b a lh a lho migra tório
QUADRO 1 – IND ICADORES SOBRE MO ÇAMBIQUE (2002)
IDH (2003): 170° lug a r entre 175 p a í ses p esquisa dos
N a proví nc i a d e Sofa l a , 8 7,9% da popu l a ç ã o vive em situ a ç ã o d e p obreza26 anos de guerra (sendo 16 de guerra c ivil) provoca ram a morte d e ma is de um
milh ã o d e p esso as e o número de desa lo j a dos che gou a 3 milhõ es
Fome : 600 mil p esso as e m risco de ób itoMa l á ri a é o ma ior prob l e ma d e sa ú d e e d e c a usa d e ó b itos na popu l a ç ã o
FFFFFontes:ontes:ontes:ontes:ontes: MOL – Mozamb ique On-Line – e UNDP – United Na tions Deve lopment Progra mm
12 Av ertino BARRETO e t a l., 2002.
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LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ
e a os c orre d ores d e esc o a me n to de pro d u ç ã o .
O a lto í nd ic e d e infe c ç õ es (estima do em 500 c asos /
d i a ) mostra que o pa í s tem um a lto potenc i a l de expansã od a e p id e mi a . A tra nsmissão ma terno- infa ntil (resp onsá ve l
por
10% d as
i
nf
e c ç õ es
) e o alt
o númer
o de órf
ã os
c ol
o c a ma quest ã o d a AIDS infa ntil c omo um prob le ma d e gra n d eesc a l a , a in d a m a is p e l a b a ixa d isp onib ili da de d e HAART –H i gh l y A c t i ve An t i - R e t rov i ra l T herapy 13 – p a ra a popu l a ç ã o.
Esse q u a dro resultou numa queda brusc a d a e x p e c ta tic ad e vid a , que terá séri as c onseqüênc i as n a produtivid a d ee situ a ç ã o so c ioeconômica e m curto e mé d io prazos.
As est a tí stic as govern a me nta is mostra m, c onformeo Quadro 3, que a gra n d e ma iori a dos c asos d e HIV / AIDS
se concentra na popul a ç ã o jovem e adulta entre 15 e 39a nos, ou se ja , e m id a d e pro dutiva e re produtiv a , o quec orrob ora a expe c ta tiva d e um a lto im p a c to ne g a tivo dae p i d e m i a n a e c o n o m i a m o ç a m b i c a n a . S e g u i n d otendênc i a observad a nos d e ma is p a í ses a fricanos, os d a d os
est a t í st i c os t a m b é m d e m o nstra m u ma fe m in iz a ç ã o d ae p id e mi a em Moçamb ique na fa ixa e tá ri a entre 15 e 39a nos (o que não ocorre entre a popul a ç ã o a c ima d e 39a nos). Esse d a d o, no enta nto , deve ser entend ido dentrod e u m q u a d ro d a s i tu a ç ã o d a m u l h e r q u e t e mc a ra c terí stic as p a rticul a res no pa í s, e nã o como uma me rare pro d u ç ã o d e re l a ç õ es de gêne ro universa liz a d as, comoserá d iscutido ma is a d i a nte .
Q u a dro 2 – D a d os so bre HIV / Aids e m Mo ç a mb ique (2000)Q u a dro 2 – D a d os so bre HIV / Aids e m Mo ç a mb ique (2000)Q u a dro 2 – D a d os so bre HIV / Aids e m Mo ç a mb ique (2000)Q u a dro 2 – D a d os so bre HIV / Aids e m Mo ç a mb ique (2000)Q u a dro 2 – D a d os so bre HIV / Aids e m Mo ç a mb ique (2000)
Prev a l ênc i a entre adultos (15-39 anos) por re g i ão e tota l n a c ion a l:
Re g i ão Norte: 5,7%Re g i ã o C e ntra l: 16,5%Re g i ã o Sul: 13,2%N a c ion a l: 12,2%o Norte: 5,7%
M a is d e 1,1 milh ã o d e p esso as infe c ta d as p e lo HIV / AIDS, send o 10% por v i a m a terno-infa ntil
Número de órfã os: 223 m il
Em 2000 , estima v a -se que 500 pesso as se infe c tavam por d i a A té 2000 , não havi a HAART d isp oní ve l
Expe c ta tiva de vid a p a ra 2010:Sem a ep id e mi a d e HIV / AIDS: 50 ,3 anos
Com a ep id e mi a do HIV / AIDS: 36,5 anos
FFFFFonte:onte:onte:onte:onte: Im p a c to Demográ fico do HIV / SIDA em Moç amb ique (Av ertino BARRETO e t a l., 2002).
13 Comumente conhec ida como“coque te l”, é a comb in a ç ã o d ea n t i-r e t ro v i r a is u t i l iz a d o s n otra ta m e nto de porta dores d o HIV / AIDS.
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RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE
Um a q u e st ã o q u e f i c a e v i d e n t e e m p e s q u is apub li c a d a p e lo Instituto N a c ion a l d e Est a tí sti c a d e 2002,14
cujos d a d os est ão expostos nos Q u a dros 4 e 5 aba ixo , éq u e h á u ma d ivisã o estrutura l e ntre os esp a ç os rura l eurb a n o e m M o ç a m b i q u e , re p roduzin d o u m a situ a ç ã oe st ru tu r a l q u e M a h m o o d M a n d a n i r e c l a m a s e r
c a ra c terí stic a n os Esta dos-n a ç õ es a fric a n os, como le g a d od a c o l o n iz a ç ã o . 1 5 Ess a d i v is ã o o p e r a t a m b é m n ad e t e rm i n a ç ã o d e vu l n e r a b i l i d a d e s d i v e rs a s e e st áre l a c io n a d a a c o n d i ç õ es so c io e c o n ô m i c as, p o lí ti c as e
cult
ur
ais
es
p e cí fi
c as
ness
es
dois
uni
vers
os,
r
es
ult
ando emní ve is d esigu a is d e inform a ç ã o sobre o HIV / AIDS.
Q u a dro 3 – Número d e c asos d ivid id os p or id a d e e sexo (2000)Q u a dro 3 – Número d e c asos d ivid id os p or id a d e e sexo (2000)Q u a dro 3 – Número d e c asos d ivid id os p or id a d e e sexo (2000)Q u a dro 3 – Número d e c asos d ivid id os p or id a d e e sexo (2000)Q u a dro 3 – Núme ro d e c asos d ivid id os p or id a d e e sexo (2000)
Id a d e Masculino Fe min ino %
0-14 34.466 33.396 6,1215-39 315.178 482.386 72,02> 39 126.960 115.019 21,85
(28 ,46%) (43 ,56%)
Tota l 476.604 630.801 1.107.405(43 ,04%) (56 ,96%) (100%)
FFFFFonte:onte:onte:onte:onte: Im p a c to Demográ fico d o HIV / SIDA em Moç amb ique (Av ertino BARRETO e t a l., 2002 ,
p . 30).
Q u a dro 4 – Núme ro d e p esso a s q u e re l a t a m j á te r ouv i d o f a l a r d oQ u a dro 4 – Núme ro d e p esso a s q u e re l a t a m j á te r ouv i d o f a l a r d oQ u a dro 4 – Núme ro d e p esso a s q u e re l a t a m j á te r ouv i d o f a l a r d oQ u a dro 4 – Núme ro d e p esso a s q u e re l a t a m j á te r ouv i d o f a l a r d oQ u a d ro 4 – Núme ro d e p esso a s q u e re l a t a m j á te r ouv i d o f a l a r d oSid a , p or sexo e á re a d e o cu p a ç ã o (%)Sid a , p or sexo e á re a d e o cu p a ç ã o (%)Sid a , p or sexo e á re a d e o cu p a ç ã o (%)Sid a , p or sexo e á re a d e o cu p a ç ã o (%)Sid a , p or sexo e á re a d e o cu p a ç ã o (%)
Áre as Urb a n as Áre as Rura is
Homens 97 ,9 93 ,0Mulheres 96 ,1 86 ,7
FFFFFonte:onte:onte:onte:onte: Inquérito Na c ion a l sobre Saúde Re produtiva e Comporta me nto Sexua l d os Jovens
Ad o lesc entes (INE, 2002).
Q u a droQ u a droQ u a droQ u a droQ u a dro 55555 – Número de pesso as que re l a ta m sa b er que um por– Número de pesso as que re l a ta m sa b er que um por– Número de pesso as que re l a ta m sa b er que um por– Número de pesso as que re l a ta m sa b er que um por– Número de pesso as que re l a ta m sa b er que um porta dor dota dor dota dor dota dor dota dor doHIV pode ter a p a rênc i a saudáve l, por sexo e á re a d e residênc i a (%)HIV pode ter a p a rênc i a saudáve l, por sexo e á re a d e resid ê n c i a (%)HIV pode ter a p a rênc i a saudáve l, por sexo e á re a d e residênc i a (%)HIV pode ter a p a rênc i a saudáve l, por sexo e á re a d e resid ê n c i a (%)HIV pode ter a p a rênc i a saudáve l, por sexo e á re a d e resid ê n c i a (%)
Áre as Urb a n as Áre as Rura is
Homens 86 ,6 74 ,0Mulheres 79 ,6 67 ,8
FFFFFonte:onte:onte:onte:onte: Inquérito Na c ion a l sobre Saúde Re produtiva e Comporta me nto Sexua l d os Jovens
Ad o lesc entes (INE, 2002).
15 MANDANI, 1996.
14 INE, 2002.
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LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ
Pode-se o bserv a r q ue , enquanto n as á re as urb a n as
pra tic a m e nte não há d ifere n ç a e ntre o núme ro de homens
e mulheres que j á “ouv ira m fa l a r” d a AIDS, n as á re as rura is
essa d ifere n ç a é b asta nte signifi c a tiva , o que demonstra
h a v er
u m a di f
er
e n ç a n ar
el
a ç ã o e ntr
e g ê n er
os
n os
d iferentes un iversos, a o menos no que d iz resp e ito ao ac essoa i n f o rm a ç õ e s – o s h o m e ns u r b a n o s e ru r a is t ê mpra tic a m e nte o mesmo ní ve l de conhec imento , o que nã oo c orre entre as mulheres dos d iferentes universos.
No enta nto, os números tota is d a q ue les que re l a ta mjá tere m “ouv id o fa l a r” d a AIDS sã o a ltos p a ra um pa í s e mq u e se o bse rv a , c onform e a p o nt a d o a nte riorm e n te , of e n ô m e n o d a d esc re n ç a d e p a rc e l a si g n if i c a t iv a d apopul a ç ã o, que não a cre d ita existir a d o e n ç a . Ou se ja , of a t o d e “ o u v ir f a l a r ” d a d o e n ç a n ã o r e su l t a ,
a utom a tic a m e nte , num reconhec imento ou crença em su aexistênc i a , nem num conhec imento m a is profundo so bresu a s c a ra c t e rí st i c a s . Iss o p a re c e e x p l i c a r a re d u ç ã osignifi c a tiva do número de pesso as que re l a ta m sa b er d ec a ra c te rí st i c as m a is esp e c í fi c as e c o n h e c im e ntos m a is
a pro fu n d a d os d a d o e n ç a , como o f a to d e p ort a d ores
poderem ter a p a rênc i a saudáve l: no universo rura l, a qued aé de pra tic a m e nte 20% e , mesmo no universo urb a n o , aq u e d a é d e ma is d e 10%.
O u tro d a d o s i g n if i c a t iv o é q u e , s e to m a m os os e g u n d o d a d o i n v e st i g a d o so b r e a d o e n ç a c o m oconhec imento m a is a profu n d a d o, a d ifere n ç a d e a c essod if e re n c i a d o p a ra h o m e ns e mu lh e res a p a re c e m a is
c l a ra me nte , mesmo no universo urb a n o, o que aponta p a rau m a m a ior vu ln e ra b il i d a d e d a s mu lh e res q u e p o d e ri aexp li c a r – a o menos em pa rte – a feminiz a ç ã o d a e p id emi aem Moçamb ique .
C ontudo , o que se quer c h a m a r a a te n ç ã o a q ui é ad ife re n c i a ç ã o d e c o n h e c im e nto so b re a d o e n ç a q u ea p a re c e n o Q u a dro 5 , re ferente a um conhec imento m a is
profundo so bre a AIDS: não a pena s a d ifere n ç a d e g ê n e ro,
m as també m a d ifere n ç a e ntre os universos urba no e rura lfic a e vid ente no que d iz resp e ito a uma ma ior fa mili a rid a d ecom o conhe c imento b ioméd ico sobre a doença . Se , comoa p o n t a m os , h á u m a i n e f i c á c i a d o a p a r e l h opro p a g a n dí stic o e p e d a g ó g ic o , e l a é ma ior no universorura l, e isso a fe ta as p erc e p ç õ es e c o nc e p ç õ es d a d o e n ç a– te oric a m e nte a brindo ma is esp a ç o p a ra as c on c e p ç õ es
lo c a is e “tra d ic ion a is” so bre d o e n ç as.
Um a c o m p a r a ç ã o d os d a d o s r e l a t iv os aMo ç a mb ique e Áfric a d o Sul p ermite p erc e b e r a situ a ç ã osistêmic a q u e a e p id emi a d e HIV / AIDS a presenta n a Áfric a
A ust r a l , a i n d a q u e c a d a p a í s a p r e s e n t e t a m b é m
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Estudos Fe ministas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, j a ne iro-abril / 2006 279
RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE
c a ra c terí sti c as esp e c í fi c as. Os d a d os sobre a Áfric a d o Sul
(Q u a dro 6) que se seguem fora m re tira dos e re produzid os
d o S ou t h Af r i ca n Hea l t h R ev i ew d e 2003 / 2004 (SAHR 2003 / 2004), b o l e t im e p i d e m io ló g i c o p roduz i d o p e lo Human S
c i ence
R e s e arch Counc
il d a Ne
l s on Mande
l a
F
ounda t i
on (NM / HSRC ).16
De iní c io, p erc e b e -se se me lh a n ç as com a situ a ç ã om o ç a m b i c a n a , c o m u m a e p i d e m i a f e m i n iz a d a ,
c o n c e n tr a d a n a f a ix a e t á ri a e n tre os 2 0 e 5 0 a n os ,
prob lem as re l a tivos a um a lto número de órfã os e a lto í nd ic ed e tra nsmissão ma terno-infa ntil. Tudo isso está asso c i ado àd ificuld a d e d e a c esso à HAART n a red e púb li c a .
Um da do que chama a a tenç ão é a concen tra ç ã od a e p id emi a n as re g iõ es fronte iriç as d a África do Sul c omMo ç a mb ique , Su azil â nd i a , Zimba bwe e Botsw a n a – sendoos três ú ltimos a q u e les que apresentam ma iores í nd ic es d eprev a l ênc i a n a re g i ã o , c onforme ind ic a d o a nteriormente .
As m a iores p orc e nta g e ns de mortes c a usa d as p e lo HIV / AIDS em 2002 sã o re g istra d as n as proví nc i as d e Kwazu lu-N a ta l (51,7%), Mpuma l a n g a (50 ,5%), North-West (40,7%) eLimpopo (34,2%), que fazem fronte ira com os p a í ses a c im a
ind i c a d os – junta m e nte com as proví n c i as d e G a ute ng(4 3 ,6%) e Fr e e -St a t e (4 3 ,1%) , n ã o fro n t e ir i ç a s , m a s
compondo a re g i ão nord este do pa í s, onde essas fronte iras
n a c ion a is se d esenha m e o tra b a lho migra tório de mine iros
se concentra .17
O que esses d a d os c orrob ora m, p orta nto, é a teseque vimos d e fendendo aqui, q u a l se j a , que a Áfric a Austra l
deve ser to ma d a d e form a sistêmic a p a ra compre e n d ermos
a e p id e mi a nos p a í ses d a re g i ã o. A m a ior inc id ê n c i a eprev a l ênc i a d o HIV / AIDS em á re as fronte iriç as se deve aos
d eslo c a m e ntos popul a c ion a is históri c os e contí nu os entre
p a í ses, que resu lta m t a mb é m e m tro c as c u ltura is e d esa b eres “tra d ic ion a is” re l a tivos às d o e n ç as.
17 C f. NM / HSRC 2004, p . 362 .
16 NM / HSRC , 2004.
Q u a dro 6 – D a d os so bre a Áfric a d o Sul (2003 / 2004)Q u a dro 6 – D a d os so bre a Áfric a d o Sul (2003 / 2004)Q u a dro 6 – D a d os so bre a Áfric a d o Sul (2003 / 2004)Q u a dro 6 – D a d os so bre a Áfric a d o Sul (2003 / 2004)Q u a dro 6 – D a d os so bre a Áfric a d o Sul (2003 / 2004)
Em torno de 5 m ilhõ es d e p esso as v ivend o com o HIV a té o fin a l d e 2002 Em torno d e 400 mil órfã os a té 2002 Preva lênc i a estim a d a entre mulheres grá vid as era d e 26,5% em 2002 Ac esso à HAART era limitado na red e púb li c a a té 2003. De em torno d e 500 mil p a c ientes
em potenc i a l, somente entre 20 mil e 40 m il re c e b i am o tra ta me nto , a m a iori a p or re d epriv a d a . O s a nti-re trovira is e st avam limita dos à prevençã o de tra nsmissão ma terno- infa ntil
e à profil axi a p ós-conta to
FFFFFonte:onte:onte:onte:onte: SAHR 2003 / 2004 (NM / HSRC , 2004).
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280 Estudos Fem inistas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, ja ne iro-abril / 2006
LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ
Por fim, julg a m os importa nte ressa lta r o componentera c i a l insc rito n a situ a ç ã o su l- a fri c a n a , q u e resu lt a d ol e g a d o d o a p a r t he i d com o qua l o p a í s tem de li d a r a tého je . Se como d ito a nteriormente , não faz muito sentidof
al
ar
e mr
el
a ç õ es
r
a ci
ais
em Moçambi
que,
n a Áfri
c a d oSul a situ a ç ã o se inv erte drastic a m e nte . E ta l situ a ç ã o inc id esobre o d e b a te e tra to d a e p id emi a d e HIV / AIDS no pa í s, oque fic a exp lí c ito na tenta tiv a d e d esc onstruç ão do estigm ara c i a l d a AIDS – a sso c i a d a n u m p rim e iro mo me nto àpopu l a ç ã o ne gra n a Áfri c a d o Sul, d e rivando no te rmob l a c k d i s e a s e (d o e n ç a d e n e g ros) p a ra c a ra c te rizá -l ara c i a lmente . O trecho c itado a se guir (traduzido livre me ntee extra í do do S AH R 2003 / 2004 ), re v e l a a te nt a tiv a d ed esc onstru ç ã o d e ta l estig ma :
Preva lênc i a d o HIV por ra ç a :De man e ira importa nte , o estudo do NM / HSRC d issipouo mito de que o HIV / AIDS é uma “d o en ça d e n egros”
[“b l a c k d i s e a s e ”] com a desco b e rta de que 6,2% dapopul a ç ã o bra n c a est á infe c ta d a p e lo HIV. Essa a ltaporc entagem ind ica u ma ep id emia genera liz ad a e n ãop o d e ser to mad a co mo iso l a d a e m sub-se ç õ es d acomunid a d e ta is como os homossexua is e os usu á rios
d e dro g as inje táve is. Deve-se nota r que n enhum ní ve l
sim il a r d e infe c ç ã o fo i m e d i do em nenhuma outracomunid a d e pred o min a ntemente branc a em nenhumoutro lu g a r do mundo . A p rev a l ê n c i a do HIV e ntre
a fric a n os era d e 12,9% .18
Po r é m , c o n t r a st a n d o c o m a t e n t a t iv a d ed esc onstrução do est ig ma ra c i a l re l a c ionado à AIDS n aÁfri ca do Sul, p o d e mos encontra r no mesmo bo l e tim19 um ata b e l a de prev a lênc i a d o HIV / AIDS que demonstra ser a ind ao p e r a c i o n a l n a s p o l í t i c a s p ú b l i c a s e n os e stu d o s
e p id e m io ló g i c os produzid os no pa í s a c l assific a ç ã o p or
ra ç a / c or ( a f r i c a n , c o l oured , i nd i a n / a s i a n e wh i t e ). Ess ac l assific a ç ã o era utiliz a d a d ura nte o re g ime do a p a r t he i d e se u l e g a d o a in d a m a rc a a so c i e d a d e su l-a fri c a n a ,
compondo a problem á t
ic a d a e p
id em
ia no pa
í s.A p a rtir da exposi ç ã o sum á ri a dos d a d os a c im a ,
a cre d ita mos ser p ossí ve l a g ora pro b le m a tiza rmos d e form am a is re a list a a q u est ã o d o HIV / AIDS e m M o ç a m b i q u e ,
a p o ntando a lgumas d ire ç õ es a sere m se gui d as p a ra acompre ensã o d a e p id e mi a n a q u e l e p a í s.
IVIVIVIVIV
Est a mos c o n v i c tos d e q u e q u a l q u e r p ro j e to d ein te r fe rê n c i a n a re a li d a d e mo ç a m b i c a n a n o q u e d izr
es
p eit
o à quest
ão da expans
ã o d a e pid em
ia p a
ss
a por
um ponto: escuta r a quil o que os mo ç a mb ic a n os têm a nos
18 C f. NM / HSRC 2004, p . 198
19 C f. NM / HSRC 2004, p . 362.
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RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE
d i z e r. N o ç õ e s t a is c o m o r e l a ç õ e s d e g ê n e ro o um asculinid a d es, a o serem produzid as em outros c ontextos
e p a rtirem de pressupostos tão genera liza ntes ta is como od e q u e a s so c i e d a d es s ã o c o m p ost a s p or h o m e ns e
m ul
h er
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q u es
u p ost
a m e nt
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o d u z e m a m at r i
zh e t e ross e x u a l o c i d e n t a l , i n fo rm a m m u i to p o u c o d are a lida de do pa í s. A c a b a m a ntes por re produzir estere ótipos
j á h ist óri c os c o m re l a ç ã o à s p o p u l a ç õ es a fri c a n a s: osuposto ma c hismo c ara c terí stico das soc ie d a d es a fric a n as,
a v i o l ê n c i a e stru tu r a l d e g ê n e ro , a p ro m is c u i d a d ec ara c terí stic a d os c ostum es tra d ic ion a is, como a po lig a mi a ,
e tc . E m a is, a c a b a m por trazer p a ra o centro do deba teu ma c a te gori a com to d a a c erteza exógena à re a li d a d edo pa í s: a id é i a de sexua li d a d e g era lmente pensa d a ap a rtir de mode los b io mé d ic os e psic o ló g ic os o c id enta is.
C a m p a n h a s c e n t r a d a s n o p r e ssu p ost o d a“mud a n ç a d e c o mp orta me nto”, tão ao gosto de mode los
preventivos d isse min a d os p e l as a g ê n c i as intern a c ion a is d efin a n c i a m e nto e coope ra ç ã o e p e l as O NGs, tendem atra b a lh a r com interpre ta ç õ es a priorí sti c as e genera liza ntes
so bre o “comporta me nto sexua l” mo ç a mb ic a n o. Com isso ,
impõem mode los comporta me nta is p reventivos exógenos,
sem uma prévi a compre ensã o e a d e q u a ç ã o a o u niversolo c a l, chegando ao ponto de produzirem e fe itos inv ersos
à q u e l es pre te nd id os p e l as c a m p a n h as que promovem .
Exemp lo d isso é o ca so re l a tado e ana lisado por James
Pfe iffer20 sobre a intervenção desastrosa do ma rke ting soc i a l
d o prese rv a tivo Je i t o no Chimo io, n a d é c a d a d e 1 9 9 0 ,
segundo o autor fin a n c i a d a p e l a USAID – U n i t e d S t a t e s A g e n c y f o r I n t e r n a t i o n a l D e v e l o p m e n t – a m a i o r
f in a n c i a d o r a d a s p o l í t i c a s d e c o n tro l e d a e p i d e m i aimp l a nta d as em Moç amb ique . D e a c ordo com Pfe iff er, os
formul a dores d a c a mp a n h a d e promoçã o do preserv a tivonão consulta ra m p revi amente as igre jas p ente c osta is e seus
a d e p tos (m a jorita ri a me nte pobres e mora d ores d a á re a“rura l”), a fim de compre e n d er su as visõ es e a d e q u a r a
ca mpa nha ao universo d a q u e les suje itos, que somam umc ontin g e nte sign ifi c a tivo da popu l a ç ã o m o ç a m b i c a n a .
Utilizando s l o g a n s a mb í guos, com conteúdo sexua lizado eerotizante , a promoção do preserva tivo ac abou por produzir
rumores, d iss e m in a d os p or p a st ores e f i é is d as i g re j a s
p e nte c ost a is, sobre uma asso c i a ç ã o e ntre a intro d u ç ã od os p r e s e rv a t iv os c o m a e x p a ns ã o d a e p i d e m i a ,
re l a c io n a d a à prostitui ç ã o e à “promiscuid a d e ”, g era d as
p e l a crise econômica no pós-guerra c ivil (resulta nte d os
a justes estrutura is e conômi c os promovidos p e lo Progra m ad e Re a b il it a ç ã o E c o nô mi c a a p a rt ir de 1987 , fruto d e
a c ordo com o Banco Mund i a l e o FMI). O resultado fo i ad isse min a ç ã o d a id é i a , i nc l u s i ve en t re não pen t e c o s t a i s ,
20 PFEIFFER, 2004.
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LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ
d e q u e a c a mp a n h a e m fa vor do uso de prese rv a tivos
in c e ntivou a promiscuid a d e e a prostituiç ã o, a judando aintroduzir o HIV / AIDS e m território moça mb i c a n o . O que sese guiu fo i uma verd a d e ira inv ersã o prá tic a d a prop ost ai
ni
ci
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d a c a mp a n h a : ar
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ç ã o a o us
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es
er
v ati
vos
Je i t o e ntre uma p a rc e l a signifi c a tiv a d a p o p ul a ç ã o , sendoo nã o-uso visto como uma forma d e prevenção contra atra nsmissão d o HIV. Pfe iff er c h a ma a a te n ç ã o p a ra o fa tode a re je iç ã o ter sido d ire c io n a d a a p e n as a os preserv a tivos
d a m a rc a Je i t o , e não aos preserva tivos g e n éric os, quec ontinu a ram a ser pro cura d os e utiliza d os. Porta nto , n ã oc onst a tou uma re je i ç ã o a o uso de p rese rv a tivos comomé todo de prevenção às DST / AIDS, m as esp e c i a lmente àm a rc a p romov i d a p e l a c a m p a n h a , o que re forç a su ai n t e rp re t a ç ã o so b re a in a d e q u a ç ã o d a s m e ns a g e ns
ve icul a d as n a c a mp a n h a . Dessa form a , id entific a c o mopro b lema o fa to d e a c a mp a n h a ter d esc onsid erado oenvo lvimento d as comunid a d es lo c a is, c ri ando ba rre iras àpromoçã o do preserva tivo e a profundando a desc onfi a n ç ad essas comunid a d es e m re l a ç ã o a os c o o p era ntes e seus
d iscursos.
Va l e l e m b r a r q u e a USAID , ó rg ã o d o g o v e rn oe st a d u n i d e ns e , v e m h o j e f i n a n c i a n d o tr a b a l h os d eprevenção no pa í s que se fundam no mode lo que fi c ouconhec ido como AB C ,21 d e fe nd ido pe los c onserv a d ores
li g a d os à a d ministra ç ã o d e G e org e W. Bush, e que promovea a bstinênc i a e a fid e li d a d e c o mo mé tod os d e pre v e n ç ã opre ferenc i a is e m a is e fic a zes que o uso de preserva tivos.
A b st in ê n c i a e f i d e l i d a d e – e n t e n d i d a s p o r s e us
p ro p u g n a d ore s c o m o fo rm a s c o n tr á ri a s à in i c i a ç ã o“pre c o c e” d a vid a sexua l e a d esão à monogam i a – sec ontra p õ e m, nesse sentid o, à re a li d a d e d e u m p a í s e mque os ma trimônios sã o “pre c o c es” e a po li g a mi a é prá tic acomum. O c o m b a te à in i c i a ç ã o sexua l “pre c o c e ” e àp o l i g a m i a (m a l e n t e n d i d a p o r a g e n t e s l i g a d os a os
org a nismos intern a c ion a is como uma prá tic a promí scu a )
re m e te à me móri a d os te m p os c o lon i a is e a o d isc ursomission á rio que também comba ti a a po li g a mi a , produzindoresistênc i a a ta is pro post as entre os mo ç a mb ic a n os, queas i d e ntif i c a m c o mo u ma esp é c i e d e n e o c o lon i a lismopromovido por c o o p era ntes estra n g e iros.
Urg e assim compre e n d e r a d o e n ç a n os termos e mq u e e l a se exp ress a e é e x p e ri m e n t a d a n o c o n te xtomo ç a mb ic a n o, as m a nifesta ç õ es asso c i a d as à expansã odo HIV / AIDS com a de outras d o e n ç as, como as DSTs, atub erculose , a pneumon i a e a ma l á ri a . A compre ensã odos termos n a tivos é ta nto m a is imp orta nte se te mos e m
c onta q u e b o a p a rte d a p o p ul a ç ã o n ã o se expressa e mp o r tu g u ês , l í n g u a o f i c i a l d o p a í s e q u e d o m i n a n a s
21 A sig l a é form a d a p e l as inic i a is
d as p a l avras ing lesas Ab s t i nence ,
B e f a i t h f u l e C ondom u s e .
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RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE
c a m p a n h as e m p a p e l impresso e mesmo nos me ios d ecomun ic a ç ã o .
Pa ra a lém de sup ormos que devemos re a liza r umc on jun to infinito de pesquisas so bre os grup os é tnic os eli
n güí st i
c os
es
p al
h a d os
p el
o p aí s,
p o d es
er
il
umi
n a d or
re a liza r p esquisas nos subúrb ios d e c id a d es como Maputo ,
B e i r a e N a m p u l a , In h a m b a n e o u Q u e l i m a n e : a l i
encontra mos p esso as d as m a is d ist intas re g iõ es d o p a í s
que , longe de uma supost a tra d iç ã o, m a ntê m fortes l a ç os
c o m o u n iv e rso rura l e c o m a q u e l es e l e m e n tos q u easso c i a mos à tra d iç ã o, ta is como as re d es d e vizin h a n ç a ,
p a re ntesco e o un ive rso d e a c usa ç õ es d e fe iti ç a ri a . Oc onta to com as form as d e org a niz a ç ã o d essas p eriferi as –t ã o p e rto d os c e ntros urb a n os g e o g ra f i c a m e n te , m a s
a bso luta me nte d esconhec id as p e l as própri as e lites do pa í s
– pod e nos a brir p ortas p a ra a compre ensã o d a d in â mic ade expa nsã o d a e p id emi a .
Por fim, g ost a rí a mos d e to c a r numa quest ão ho jecruc i a l n o d e b a te so bre o HIV / AIDS n a Áfri c a O ri enta l eAustra l, e que é um dos fo c os d a p esquisa que est a mos
p re t e n d e n d o re a l iz a r e m M o ç a m b i q u e : os usos d a s
me d ic in as tra d i c ion a is no tra to com o HIV / AIDS. Uma vezq u e a A IDS e st á a ss o c i a d a à m o b i l i d a d e ( d o e n ç atra nsmissí ve l que se d esenhou como uma p and em i a ), e l ac a rre g a c o nsigo um te or d e a lterid a d e : é a d o e n ç a d ooutro por exce l ênc i a , n ã o a p e n as nos c ontextos a fric a n os.
É p re c iso l e m b ra r q u e a e p i d e m i a e m M o ç a m b i q u ere crud esc eu com o fim da gue rra , o re torno dos re fug i a d os
e a c ircul a ç ã o d e p esso as p e los c orre dores e fronte iras.
Porta nto , a re l a ç ã o c o m a d o e n ç a está p erm e a d a p e l aa lterid a d e , p e l a mob ili d a d e e p e l as c a te g ori as c o loni a is ep ós-c o lon i a is, n ã o se reduzin d o a q u estõ es d e ra ç a esexua li d a d e .
Como j á ind ic a v a M a ry Doug l as,22 há uma estre itare l a ç ã o e ntre a lterid a d e e impureza , e as d o e n ç as, um avez asso c i a d as a esses e le me ntos (um ou outro ou amb os),
t e n d e m a m o b i l iz a r a s “ tr a d i ç õ e s” c o m o fo rm a d epurifi c a ç ã o e re ord e n a ç ã o . No caso de Moç amb ique , as
d esord ens c a usa d as p e l a guerra mob iliza ra m os usos d as
“tra d i ç õ es” , e ntre e l as as m é d i c as. Al c in d a Ho nw a n a 23
c h a ma a a te n ç ã o p a ra o te or d e “mode rnid a d e ” c ontid on a s p r á t i c a s d a s m e d i c i n a s tr a d i c i o n a is n o Su l d eM o ç a m b i q u e , a sso c i a d a s à r e c o nst ru ç ã o d a v i d acomunitá ri a com o re torno dos so ld a d os e à constru ç ã od a n a ç ã o , e x i g i n d o u m r e e n c o n tro c o m u m e t h o s tr a d i c i o n a l e “v e rd a d e iro ” d e M o ç a m b i q u e . A c ur a“tra d ic ion a l”, nesse contexto , c onstituiu-se em uma form a
d e re inte gra ç ã o so c i a l e e l a bora ç ã o d o pro je to n a c ion a l
p ós-guerra . Pe ter Fry24 a p o nta p a ra o ca rá ter onto lóg ic o ,
22 D OUGLAS, 1966.
23 HO NWANA, 2002.
24 FRY, 2000.
7/18/2019 2. Raça, Sexualidade e Doença Em Moçambique
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284 Estudos Fem inistas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, ja ne iro-abril / 2006
LUIZ HENRIQUE PASSAD OR E OMAR RIBEIRO THOMAZ
n ã o a p e n as func ion a l, d as curas e exorc ismos pra tic a d os
e m sist e m as re li g iosos q u e se a p roxima m d o u n iv e rso“tra d i c ion a l” d os g ru p os m o ç a m b i c a n os: n ã o o p e ra ma p e n as como re inte gra ç ã o , m as como re formul a ç ã o er
e e n c o ntr
o com aquil
o que defi
ne os
er
m o ç a m bi
c a n o,
uma vez que ope ram como ca te g ori as de entend imentod a re a li d a d e e d a c o nstru ç ã o d os suje itos nessa re a li d a d e .
Porta nto , se em torno de 90% da p opul a ç ã o “já ouviu fa l a r
no Sid a ”, é pre c iso ente n d er que escuta é essa e por q u a is
mo d e los interpre ta tivos a d o e n ç a é c o n c e b id a , como su ae t i o l o g i a é p e ns a d a e d e q u e m a n e ira a s p ro p ost a s
preventiv as e as tera p i as fazem sentido pa ra a popul a ç ã o.
Algumas d as princ ip a is d o e n ç as o portunistas asso c i a d as
a o HIV / AIDS, como tub erculose e pneumoni a , p or exemp lo,
h á mu ito est ã o prese ntes n a h ist óri a d e M o ç a m b i q u e ,
asso c i a d as, como a AIDS, a e l ementos reconhec id os comove í culos d e tra nsmissão do HIV e a prá tic as e c a te g ori as
d e p esso as c a ra c teriz a d as como ma is vu lnerá ve is: sangue ,
sê me m, le ite m a terno , tra b a lh a d ores migra ntes, so ld a d os
que re tornam de guerras, a dultério e promiscuid a d e . Nunc aé d e m a is l e mbra r que os sin a is e sintom as d a AIDS sã ocomuns a vá ri as outras d o e n ç as, como ma l á ri a e có lera ,
p o r e x e m p l o , t ã o c o m u ns e m M o ç a m b i q u e . Ass i m ,
p o d e mos nos question a r: o que de fa to há de novo naexperi ênc i a mo ç a mb ica na c om o HIV / AIDS? Por que nãofa ri a sentido l a n ç a r m ã o d as “tra d iç õ es” no enfrenta me ntode uma doença nova (enquanto nomenc l a tura ), m as a om esmo te m p o a n t i g a (e n q u a nto c o n jun to d e sin a is esintom as)? Que doença é essa p a ra as d iversas c a te g ori as
so c i a is a p o nta d as no iní c io d este texto?Nossa p ersp e c tiv a d e a n á lise propõe que a lóg i c a
d os usos d a s m e d i c i n a s tr a d i c i o n a is , d e st a c a d os ep ro b l e m a t iz a d os p o r v á ri os a u to res e inst i tu i ç õ e s d ec o o p e r a ç ã o i n t e rn a c i o n a l ( g o v e rn a m e n t a is e n ã o -g o v e rn a m e nt a is), d e v a se r c o m p re e n d i d a d e n tro d os
un iversos histórico e cosmológ ico e dos sistem as tra d ic ion a is
(p arentesco, polí tic a , ec onomi a , mo ra l, e tc .) que org a niza ma vid a , as re l a ç õ es e as c a te gori as d e e ntend imento d esignifi c a tiv as p a rc e l as d a p o p u l a ç ã o mo ç a m b i c a n a . N ã ose tra t a a q u i d e u ma p ro p ost a d e re c o n h e c im e nto d ae fic á c i a ou não d essas prá tic as, nem de uma “e tnic iz a ç ã o”
d a d o e n ç a e d as polí tic as d e saúde púb li c a – que inc orreri ae m e rr o s e m e lh a n t e a o su l- a fr i c a n o , q u e c h e g o u ara c i a liza r / e tni c iza r a doenç a como “ b l a c k d i s e a s e ” –, m as
sim do reconhec imento de que essas prá tic as, uma vezq u e s ã o o n t o l ó g i c a s ( c o m o p ro p õ e Pe t e r Fr y ) ehistori c a m e nte v a li d a d as, n ã o p o d e m se r simp l esme nte
d e s c a r t a d a s n a c o m p r e e ns ã o d a e p i d e m i a e mMo ç a mb ique e da experiênc i a dos m o ç a m b ic a n os c om
7/18/2019 2. Raça, Sexualidade e Doença Em Moçambique
http://slidepdf.com/reader/full/2-raca-sexualidade-e-doenca-em-mocambique 23/24
Estudos Fe ministas, Flori anópo lis, 1 4(1): 263-286, j a ne iro-abril / 2006 285
RAÇA, SEXUALIDADE E DOENÇ A EM M O ÇAMBIQUE
a d o e n ç a . As me d ic in as tra d ic ion a is não est ã o restritas ag ru p os é tn i c os iso l a d os, m as a prese nt a m u ma g ra n d ec a p il a rid a d e e “inv asã o” nos universos não asso c i a dos à“tra d iç ã o” e à popul a ç ã o rura l. Ou se ja , não podem ser
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ã op rese n tes nos se tores m a is “ a tra s a d os” d a so c i e d a d em o ç a m b i c a n a , m a s d e v e m s e r re c o n h e c i d a s c o m osistem as o p era ntes n as re l a ç õ es m a is a mp l as d entro d aestrutura so c i a l, num mome nto b asta nte p a rticul a r, inc lusivea rti c u l a n d o e d e fin in d o c a te g ori as d e e nte n d im e nto ere l a ç ã o c o m o r a ç a , g ê n e ro , s e x u a l i d a d e , p o d e r evu lnera b ili d a d e , a mp l a me nte utiliz a d as nos estud os sobreo HIV / AIDS no mundo todo .
Se do ponto de vista d as c iênc i as b io mé d ic as o HIV / AIDS é um dado a bso luto e un iversa l, do ponto de vist a d a
e p id e mio log i a e d a d e termin a ç ã o d e vulnera b ili d a d es e leé um conjun to de fa tos p lura is, fra g m e nta dos e re l a tivos. Aexperiênc i a soc i a l com a doença é sempre contextu a liz a d ae assim deve ser compre e n d id a . Se m isso , c orre mos o risc od e re ifi c a r e universa liza r c a te g ori as d e e ntend imento queexp li c a m d e termin a d os c ontextos, m as que não ope ra md a m esm a forma e com a mesm a imp ortâ nc i a em to dos.
A Áfric a Ori enta l e Austra l tem nos mostrado isso de umama n e ira muito c l a ra e dra m á tic a .
RRRRRe fe rê n c i as b ib li o grá fi c ase fe rê n c i as b ib li o grá fi c ase fe rê n c i as b ib li o grá fi c ase fe rê n c i as b ib li o grá fi c ase fe rê n c i as b ib li o grá fi c as
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K ey W K ey W K ey W K ey W K ey W ord s or d s ord s or d s ord s : Mozamb i que , H I V / AI D S , T ra d i t i on a l He a li ng .