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FABÍOLA XOCHILT VALDEZ DOMINGOS BIOMARCADORES DE CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL EM PEIXES E OSTRAS DE TRÊS ESTUÁRIOS BRASILEIROS E CINÉTICA DE DERIVADOS SOLÚVEIS DO PETRÓLEO EM PEIXES Tese apresentada ao programa de Pós- Graduação em Biologia Celular e Molecular, Setor de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Ciências Biológicas com Área de Concentração em Biologia Celular e Molecular. Orientador: Prof. Dr. Ciro A. Oliveira Ribeiro Co-orientora: Prof a . Dra. Helena C. Silva de Assis Colaboração: Dr. Émilien Pelletier Dr. Claude Rouleau CURITIBA 2006

20 Biomarcadores de Contaminação Ambiental Em Peixes e Ostras de Três Estuários Brasileiros e Cinética de Derivados Solúveis Do Petróleo Em Peixes

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  • FABOLA XOCHILT VALDEZ DOMINGOS

    BIOMARCADORES DE CONTAMINAO AMBIENTAL

    EM PEIXES E OSTRAS DE TRS ESTURIOS BRASILEIROS

    E CINTICA DE DERIVADOS SOLVEIS DO PETRLEO

    EM PEIXES Tese apresentada ao programa de Ps-Graduao em Biologia Celular e Molecular, Setor de Cincias Biolgicas da Universidade Federal do Paran, como requisito parcial para obteno do grau de Doutor em Cincias Biolgicas com rea de Concentrao em Biologia Celular e Molecular. Orientador: Prof. Dr. Ciro A. Oliveira Ribeiro Co-orientora: Profa. Dra. Helena C. Silva de Assis Colaborao: Dr. milien Pelletier Dr. Claude Rouleau

    CURITIBA 2006

  • i

    Esta tese dedicada meus pais Ailton (in memoriam) e Maria Luisa e minha

    filha Bianca por todo seu auxlio, incentivo e

    dedicao incondicionais.

  • ii

    AGRADECIMENTOS

    Ao meu orientador Prof. Dr. Ciro Alberto de Oliveira Ribeiro a quem considero meu Pai

    Cientfico, pelos 9 anos de orientao, confiana e apoio nos momentos difceis.

    A minha Co-Orientadora Prof. Dr. Helena Cristina da Silva de Assis por sua orientao,

    pacincia e confiana.

    Aos meus Orientadores na Universit do Quebc a Rimouski Prof. Dr. Emilien Pelletier

    (Institut des Sciences de la Mer de Rimouski - ISMER, Universit du Qubec Rimouski) e Dr.

    Claude Rouleau (IML Institut Maurice Lamontagne), pela acolhida pessoal e profissional e por

    sua contribuio significativa na minha formao durante os 7 meses em que estive no

    Canad.

    A meus pais Ailton (in memoriam) e Maria Luisa, sem seus ensinamentos, incentivo e

    auxlio eu no estaria concludo esta tese.

    A minha filha Bianca, por ter me privado de sua companhia em diversos momentos de

    minha formao, por pacincia, motivao e esperana.

    A minha famlia pelo incentivo, entusiasmo, e confiana.

    A meus amigos, pessoas maravilhosas, com quem compartilho vitrias e tropeos.

    A Manuela da Silva Dreyer, Nara Bobko, Patcia de Souza Diogo, Michele da Cunha

    Torres, pelo auxlio na preparao das amostras.

    Aos colegas do Laboratrio de Toxicologia Celular em especial a Francisco Filipak Neto

    pelo auxlio imediato nas mais diversas tarefas, especialmente quelas relacionadas a

    informtica.

    A Gislaine Canuel, Stephane, Coraline, Isabelle Desbiens pelo auxlio na preparao dos

    experimentos, coleta de amostras e manuseio de equipamentos.

    A Irene Sloss, Gustavo, Antnio Curtosi, Emilie Doussantouse e Stephane pela calorosa

    acolhida no Canad e auxlio nos mais diversos momentos.

    Ao Centro de Estudos do Mar CEM, professores Henry Louis Spach, Paulo Lana e suas

    equipes pela disponibilidade e auxlio logstico nas coletas realizadas em Paranagu.

    A todos os pesquisadores e suas respectivas equipes pelo auxlio nas coletas e no

    processamento inicial das amostras nas universidades: UFPE, UFRPE e UFES.

    Ao Programa de Ps-Graduao em Biologia Celular e Molecular da UFPR.

    A Marlene Camargo, por sua ateno e eficincia.

    Aos professores desta academia especialmente Cloris Faraco, Clia Franco, Marco

    Randi, Lus Fernando Favaro, Slvio Sanches Veiga, Stnio que tanto contriburam para a minha

    formao.

    A finalmente a UFPR, instituio na qual passei grande parte dos ltimos 11 anos de

    minha vida.

  • iii

    Ao PROJETO RECOS INSTITUTO DO MILNIO Ministrio da Cincia e Tecnolgia pelo

    financiamneto do projeto (www.mileniodomar.org.br).

    Ao Centro de Microscopia Eletrnica (CME) UFPR, especialmente a Regina, Rosngela,

    Srgio e Matilde.

    A CAPES pela bolsa de doutorado no pas e pela bolsa sanduche no exterior.

  • iv

    O que seria da cincia sem a curiosidade?

  • v

    SUMRIO LISTA DE FIGURAS..................................................................................................................................vii LISTA DE TABELAS..................................................................................................................................viii RESUMO..................................................................................................................................................ix ABSTRACT................................................................................................................................................x INTRODUO GERAL ............................................................................................................................ 1 1. CONTAMINAO EM AMBIENTES AQUTICOS .............................................................................. 1 1.1. METAIS PESADOS ..................................................................................................................................2 1.2. HIDROCARBONETOS POLICCLICOS AROMTICOS ........................................................................3 1.3. PESTICIDAS ORGANOCLORADOS ......................................................................................................5 1.4. PESTICIDAS ORGANOFOSFORADOS E CARBAMATOS.....................................................................7 1.5. ORGANOESTANHOS: TRIBUTIL-ESTANHO (TBT) E DIBUTIL-ESTANHO (DBT) .....................................7 2. PEIXES E MOLUSCOS COMO BIOINDICADORES DE QUALIDADE AMBIENTAL.............................. 10 3. BIOMONITORAMENTO..................................................................................................................... 12 4. BIOMARCADORES ........................................................................................................................... 14 5. CINTICA DE CONTAMINANTES EM ORGANISMOS AQUTICOS COMO FERRAMENTA PRVIA A ESTUDOS DE BIOMONITORAMENTO.................................................................................................... 16 CAPTULO I: BIOMARCADORES DE CONTAMINAO AMBIENTAL EM PEIXES NOS ESTURIOS BRASILEIROS DE PARANAGU (PR), PIRAQU-A (ES) E ITAMARAC (PE)....................................18 I. 1. INTRODUO................................................................................................................................ 19 I.2. MATERIAIS E MTODOS ................................................................................................................. 21 I.2.1. ESPCIES BIOINDICADORAS ...........................................................................................................21 I.2.2. REAS DE ESTUDO E ESTRATGIA AMOSTRAL................................................................................21 I.2.2.1. Itamarac - Complexo Estuarino Canal de Santa Cruz - PE.................................................23 I.2.2.2. Piraqu - Sistema Estuarino dos rios PiraquAu e Piraqu-Mirim - ES .............................24 I.2.2.3. Paran - Complexo Estuarino Baa de Paranagu.................................................................25 I.2.3. PROCEDIMENTOS INICIAIS ..............................................................................................................26 I.2.4. BIOMARCADORES SOMTICOS .....................................................................................................26 I.2.5. BIOMARCADORES MORFOLGICOS.............................................................................................27 I.2.5.1. Avaliao Histopatolgica .........................................................................................................27 I.2.5.2. Microscopia Eletrnica de Transmisso ...................................................................................28 I.2.5.3. Microscopia Eletrnica de Varredura.......................................................................................28 I.2.6. BIOMARCADOR BIOQUMICO - AVALIAO DA COLINESTERASE ...........................................28 I.2.7. TRATAMENTO ESTATSTICO DOS DADOS........................................................................................29 I.3. RESULTADOS .........................................................................................................................................30 I.3.1. INDICES SOMTICOS........................................................................................................................30 I.3.2. HISTOPATOLOGIA DE BRNQUIAS .................................................................................................32 I.3.3. HISTOPATOLOGIA DE FGADO .......................................................................................................32 I.3.4. ATIVIDADE DA COLINESTERASE ......................................................................................................37 I.4. DISCUSSO .................................................................................................................................... 38 CAPTULO II: BIOMARCADORES DE CONTAMINAO AMBIENTAL EM OSTRAS NOS ESTURIOS BRASILEIROS DE PARANAGU (PR), PIRAQU-A (ES) E ITAMARAC (PE)........................ ........... 45 II. 1. INTRODUO............................................................................................................................... 46 II.2. MATERIAIS E MTODOS ................................................................................................................ 48 II.2.1. ESPCIE BIOINDICADORA...............................................................................................................48 II.2.2. REAS DE ESTUDO E ESTRATGIA AMOSTRAL..............................................................................48 II.2.2.1. Itamarac - Complexo Estuarino Canal de Santa Cruz - PE................................................50 II.2.2.2. Piraqu - Sistema Estuarino dos rios PiraquAu e Piraqu-Mirim - ES ............................51 II.2.2.3. Paran - Complexo Estuarino Baa de Paranagu................................................................52 II.2.3. PROCEDIMENTOS INICIAIS..............................................................................................................53 II.2.4. BIOMARCADOR SOMTICO..........................................................................................................54II.2.5. BIOMARCADORES MORFOLGICOS ...........................................................................................54

  • vi

    II.2.5.1.Avaliao Histopatolgica .........................................................................................................54 II.2.5.2. Microscopia Eletrnica de Transmisso .................................................................................55 II.2.5.3. Microscopia Eletrnica de Varredura.....................................................................................55 II.2.6. BIOMARCADOR BIOQUMICO - AVALIAO DA COLINESTERASE..........................................55 II.2.7. TRATAMENTO ESTATSTICO DOS DADOS ......................................................................................56 II. 3. RESULTADOS................................................................................................................................. 57 II.3.1. PARMETROS FSICO-QUMICOS DA GUA................................................................................57 II.3.2. NDICE SOMTICO ..........................................................................................................................57 II.3.3. HISTOPATOLOGIA.........................................................................................................................59 II.3.3.1. Leses Detectadas ......................................................................................................................59 II.3.3.2. Ocorrncia de Leses ................................................................................................................63 II.3.4. ATIVIDADE DA COLINESTERASE .....................................................................................................65 II. 4. DISCUSSO .................................................................................................................................. 66

    CAPTULO III: CINTICA DE DERIVADOS DE PETRLEO EM Fundulus heteroclitus E Salvelinus alpinus APS EXPOSIO HDRICA........................................................................................ ........... 73 III.1. INTRODUO............................................................................................................................... 74 III.2. MATERIAIS E MTODOS ............................................................................................................... 75 III.2.1. ESPCIES BIOINDICADORAS........................................................................................................75 III.2.1. EXPERIMENTO COM RADIOISTOPOS.......................................................................................76 III.2.1.2. Autoradiografia (WBARG Whole-body Autoradiography)............................................77 III.2.2. SIMULAO DE DERRAMAMENTO DE PETRLEO....................................................................77 III.2.2.1.Anlise de HPAs na gua ........................................................................................................ 79 III.2.2.2.Anlise de HPAs na bile ........................................................................................................... 80 III.3. RESULTADOS................................................................................................................................. 81 III.3.1. Experimento com radioistopos................................................................................................81 III.3.1.1. Anlise Qualitativa................................................................................................................... 81 III.3.1.2. Anlise Quantitativa................................................................................................................ 83 III.3.2. SIMULAO DE DERRAMAMENTO DE PETRLEO....................................................................84 III.3.2.1.Anlise de HPAs na gua ........................................................................................................ 85 III.3.2.2. Anlise de HPAs na bile .......................................................................................................... 86 III.4. DISCUSSO .................................................................................................................................. 87 CONSIDERAES FINAIS .................................................................................................................... 91 CONCLUSES ...................................................................................................................................... 93 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................................................................... 94

  • vii

    LISTA DE FIGURAS

    CAPTULO I Figura 1. Localizao geogrfica dos pontos referncia (R) e contaminado (C) nas trs regies

    estuarinas avaliadas na costa brasileira...................................................................................23 Figura 2. ndice hepatossomtico (IHS), e fator de condio (FC) de peixes coletados em trs

    esturios brasileiros.......................................................................................................................31 Figura 3. Histopatologia de brnquias de peixes das reas

    estuarinas avaliadas....................................................................................................................34 Figura 4. ndice histopatolgico de leses branquiais de indivduos coletados nas reas estuarinas

    estudadas.....................................................................................................................................34 Figura 5. Histopatologia de fgado em indivduos coletados nas reas estuarinas

    avaliadas...................................................................................................................................35 Figura 6. ndice histopatolgico de leses hepticas de indivduos coletados nas reas

    estuarinas estudadas...................................................................................................................37 Figura 7. Ocorrncia de centros de melanomacrfagos (CMM) e melanomacrfagos livres (MM)

    no fgado de indivduos coletados nas reas estuarinas estudadas....................................37 Figura 8. Atividade da colinesterase no msculo de indivduos coletados nas reas

    estuarinas estudadas...................................................................................................................36 CAPTULO II Figura 1. Localizao geogrfica dos pontos referncia (R) e contaminados (C1 e C2) nas trs

    regies estuarinas avaliadas na costa brasileira.....................................................................48 Figura 2. ndice de condio (IC) de Crassostrea rhizophora coletada no inverno e vero em trs

    esturios brasileiros......................................................................................................................57 Figura 3. Leses histopatolgicas observadas nas brnquias de

    Crassostrea rhizophorae.............................................................................................................57 Figura 4. Organizao ultraestrutural e leses detectadas nos filamentos branquiais de

    Crassostrea rhizophorae..........................................................................................................59 Figura 5. Microscopia eletrnica de varredura das brnquias de

    Crassostrea rhizophorae.............................................................................................................60 Figura 6. Ocorrncia comparativa de leses histopatolgicas nas brnquias de Crassostrea

    rhizophorae entre trs regies estuarinas da costa brasileira.............................................62 CAPTULO III Figura 1. Recipiente de conteno de petrleo.....................................................................................48 Figura 2. Autoradiogramas de Fundulus heteroclitus aps exposio de 24h. ..................................79 Figura 3. ndice de concentrao (IC) de Naftaleno, Naftol e Fenantreno em Fundulus heteroclitus

    durante 21 dias de experimento...............................................................................................81 Figura 4. Eliminao de Naftaleno, Naftol e Fenantreno durante o perodo de depurao em

    Fundulus heteroclitus durante 21 dias de experimento..........................................................81 Figura 5. Presena de HPAs na gua durante o experimento de simulao de derramamento de

    petrleo em Salvelinus alpinus...................................................................................................82 Figura 6. Cromatogramas de bile obtidos por HPLC-FL. ........................................................................83

  • viii

    LISTA DE TABELAS

    CAPTULO I Tabela 1. Exemplos de fatores de importncia utilizados no clculo do ndice de leses segundo

    Bernet et al. (1999)....................................................................................................................27 Tabela 2. Parmetros fsico-qumicos da gua nos trs esturios avaliados.......................................30 Tabela 3. Parmetros fsico-qumicos da gua nos trs esturios avaliados. .....................................30 CAPTULO II Tabela 1. Parmetros fsico-qumicos da gua nos trs esturios avaliados. .....................................56 Tabela 2. Alteraes histopatolgicas relacionadas a exposio contaminantes observadas por

    alguns autores nas brnquias de bivalves................................................................................66 CAPTULO III Tabela 1. Caractersticas dos contaminantes testados..........................................................................74 Tabela 2. Estimativa da concentrao de HPAs metilados em amostras provenientes da

    simulao de derramamento de petrleo...........................................................................83

    Tabela 3. Caractersticas dos metablitos naftol, fenantrol e pirenol..................................................83

  • ix

    RESUMO

    Ambientes aquticos, particularmente regies estuarinas, constituem o destino final de diversos tipos de contaminantes. Este estudo apresenta duas abordagens diferentes: a avaliao comparativa de biomarcadores em trs regies estuarinas brasileiras e avaliao da cintica de derivados do petrleo atravs de bioensaios. Para o biomonitoramento dos esturios de Paranagu (PR), Piraqu (ES) e Itamarac (PE) foram utilizados trs organismos bioindicadores: peixes (Cathorops spixii e Lutjanus synagris) e ostras (Crassostrea rizophorae). Biomarcadores somticos, histopatolgicos (brnquias e fgado) e bioqumico (atividade da acetilcolinesterase) foram avaliados em ambas as espcies. Diferenas nos ndices somticos e atividade da colinesterase, bem como a ocorrncia de leses histopatolgicas foram detectadas nos peixes. As ostras apresentaram ndices de condio e atividade da colinesterase similar entre as reas avaliadas, alm disso, leses histopatolgicas foram observadas nestes organismos. Em todas as reas amostradas os peixes apresentaram diferenas no fator de condio, nas leses histopatolgicas hepticas e branquiais, bem como na atividade da colinesterase nos diferentes pontos de coleta. A avaliao cintica e toxicolgica de derivados de petrleo foi realizada atravs de dois experimentos (1) exposio a derivados de petrleo (naftaleno, naftol e fenantreno) marcados com 14C e (2) simulao de derramamento de petrleo. Atravs do experimento (1) foi possvel observar a cintica dos compostos avaliados na espcie de peixe Fundulus heteroclitus. Os principais rgos alvo destes compostos foram vescula biliar, intestino e fgado. Atravs da simulao de derramamento de petrleo foi possvel detectar a presena de derivados de HPAs na gua atravs de espectofotometria e de HPLC-FL, porm estes compostos no foram detectados na bile de Salvelinus alpinus atravs da anlise ao HPLC-FL. Os resultados obtidos nos esturios brasileiros revelam que todas as reas avaliadas esto impactadas, bem como a importncia da abordagem de mltiplos biomarcadores em estudos de biomonitoramento. Os estudos relativos cintica contribuem para uma melhor compreenso dos mecanismos de disperso, biocumulao e distribuio de HPAs leves em peixes.

    Palavras-chave: atividade da acetilcolinesterase, biomarcadores, biomonitoramento, cintica de derivados de petrleo, fenantreno, hidrocarbonetos policclicos aromticos, histopatologia, naftaleno, naftol.

  • x

    ABSTRACT

    Aquatic environments, particularly estuarine regions, receive a expressive load of contaminants. This study presents two different approaches: a comparative biomarker evaluation in three Brazilian estuarine areas and a kinetic evaluation of petroleum derivatives through bioassays. The biomonitoring of Paranagu (PR), Piraqu (ES) and Itamarac (PE) estuaries were carried out on three bioindicator species: fishes (Cathorops spxii and Lutjanus synagris) and oysters (Crassostrea rizophorae). Somatic, histopathologic (gills and liver) and biochemical biomarkers (cholinesterase activity) were evaluated on these species. Differences on somatic indexes and cholinesterase activity as well as the occurrence of histopathologic lesions were detected on fishes. Oysters presented somatic indexes and cholinesterase activity values similar between evaluated areas, besides that, histopathologic lesions were observed on these organisms. Fishes presented differences on condition factor, histopathologic lesions on liver and gills, as well on cholinesterase activity. In order to evaluate the kinetic parameters of petroleum derivatives two experiments were done: (1) a waterborne exposition to selected petroleum derivatives (naphthalene, naphtol and phenantrene) radiollabeled with 14C and (2) a simulation of an oil spill. The results of the first experiment showed that the main target organs for naphthalene, naphtol and phenantrene in Fundulus heteroclitus, were gall blader, intestine and liver. The presence of petroleum derivatives was detected on the aquaria water trhough spectophotometry and HPLC-FL after the oil spill simulation. However these compounds were not detected on the bile of evaluated animals anlysed through HPLC-FL. The results obtained on the Brazilian estuaries suggest that all evaluated areas are impacted, as well the relevance of a multibiomarker approach on biomonitoring studies. The kinetic results contribute to a better understanding of dispersion, bioaccumulation and distribution of light PAHs on fishes.

    Key-words: acetilcholinesterase activity, biomarkers, biomonitoring, histopathology, kinetic of petroleum derivatives, naphtalene, naphtol, phenentrene, polycyclic aromatic hidrocarbons.

  • INTRODUO GERAL

    1. CONTAMINAO EM AMBIENTES AQUTICOS

    Os ecossistemas aquticos so considerados receptores finais de

    contaminantes liberados no ambiente, estando susceptveis a ao de

    contaminantes areos, que chegam aos corpos dgua por deposio

    atmosfrica e contaminantes terrestres que atingem os ambientes aquticos

    atravs do escoamento destes pelas chuvas.

    Os esturios so ambientes aquticos de transio entre ecossistemas

    dulccolas e marinhos. So regies parcialmente fechadas nas quais a gua do

    mar bastante diluda pelo aporte de gua doce do continente (Thurman e

    Trujillo, 1999). As regies estuarinas so extremamente importantes do ponto de

    vista biolgico, pois apresentam alta riqueza de espcies e podem ser

    consideradas como berrio para diversas espcies marinhas, tanto pela

    proteo quanto pela grande disponibilidade de nutrientes (Thurman e Trujillo,

    1999).

    Situados em regies costeiras, os esturios freqentemente encontram-se

    localizados em reas de grande atividade antropognica, sendo, portanto

    susceptveis aos impactos decorrentes destas atividades. As principais fontes de

    impacto ambiental em esturios seriam o escoamento de esgoto proveniente de

    reas urbanas, a liberao de diversos produtos qumicos (orgnicos e

    inorgnicos) pela atividade industrial, a agricultura e o fluxo de embarcaes,

    atividade a partir da qual podem ocorrer vazamentos acidentais de petrleo e

    derivados, combustveis e outros produtos transportados por via martima (Kennish,

    1991).

    Atravs das diversas fontes acima citadas, os poluentes mais comumente

    encontrados em esturios so: metais pesados (em especial os compostos

  • 2

    organoestanhos); hidrocarbonetos policclicos aromticos (HPAs); pesticidas como

    bifenilas policloradas(PCBs), organoclorados (OC) e organofosforados; dioxinas e

    furanos; detergentes e outros componentes do esgoto urbano e da ocupao

    humana.

    1.1. METAIS PESADOS

    Os metais pesados correspondem a um grupo de elementos qumicos que

    apresenta massa atmica variando entre 63,54 a 200,59 (Viarengo, 1989). A

    maioria dos metais pesados apresenta potencial txico comprovado, ou seja,

    so capazes de induzir efeitos deletrios aos organismos vivos expostos (Dallinger

    e Raimbow, 1993). Alguns metais pesados como ferro, cobre, zinco e cobalto, so

    considerados elementos essenciais aos processos biolgicos, mas podem ser

    txicos quando em concentraes mais elevadas (Kennish, 1991; Heath, 1995).

    A atividade industrial de minerao, processamento de metais e gerao

    de despejos industriais e domsticos vem contribuindo para o aumento da

    concentrao de diversos metais pesados nos ambientes naturais (Abel, 1989).

    Os organismos vivos podem bioacumular metais pesados, incorporando-os na

    cadeia trfica e atingindo grande parte dos diferentes estratos que constituem os

    ecossistemas aquticos (Viarengo, 1989).

    Experimentos agudos com peixes atravs de estudos de laboratrio

    mostraram que o mercrio capaz de induzir alteraes branquiais como a

    fuso de lamelas secundrias nas espcies Trichomycterus zonatus e Salvelinus

    alpinus (Oliveira Ribeiro et al., 1996; Oliveira Ribeiro et al., 2000). No entanto

  • 3

    existem relatos de que outros metais pesados, como o chumbo, tambm podem

    afetar a estrutura das brnquias em peixes (Alves Costa, 2001).

    Alteraes hepticas em peixes expostos a metais tambm foram

    relatadas em nosso grupo de pesquisa. reas de necrose, danos nucleares e

    morte celular foram relatados por Rabitto et al (2005) em Hoplias malabaricus

    aps exposio crnica a chumbo inorgnico. Oliveira Ribeiro et al. (2002)

    observaram desorganizao citoplasmtica e reas de necrose aps exposio

    trfica ao metil-mercrio.

    1.2. HIDROCARBONETOS POLICCLICOS AROMTICOS

    Os hidrocarbonetos policclicos aromticos (HPAs), so compostos

    orgnicos que apresentam dois ou mais anis carbnicos fundidos. Alguns HPAs

    como o benzo[a]pireno, so formados atravs da combusto incompleta de

    compostos orgnicos e subseqente recombinao com outras partculas

    orgnicas, constituindo portanto uma fonte importante destes compostos

    (Harvey,1991).

    HPAs podem ser introduzidos naturalmente no ambiente atravs de

    queimadas de florestas, pastagens e atividades vulcnicas. Como fontes

    antropognicas de HPAs possvel destacar: descargas e derramamentos de

    petrleo, gerao de energia eltrica, esgotos urbanos e industriais, incinerao

    de lixo e madeira, aquecimento de casas alm da produo de carvo e asfalto

    (Albers, 1995).

    A presena de HPAs em ambientes aquticos contaminados pode ser

    detectada tanto nos componentes biticos quanto nos componentes abiticos

  • 4

    do ecossistema. Mamferos, aves, peixes e vrios macroinvertebrados so

    capazes de metabolizar os hidrocarbonetos ingeridos, porm, organismos que

    vivem muito prximos fonte de contaminao ou que no possuem sistemas

    de detoxificao bem desenvolvidos, como os bivalves, tendem a bioacumular

    estes compostos mais intensamente (Albers, 1995).

    Em invertebrados tem-se registrado que os HPAs so capazes de causar a

    induo de danos celulares, presena de tumores, prejuzos na reproduo,

    reduo das taxas de crescimento e desenvolvimento, e em casos de

    contaminao muito severa, a morte dos organismos (Hsu e Deng, 1996 e Ueno

    et al, 1995). Alm dos efeitos descritos, em peixes os HPAs freqentemente esto

    associados a mutaes, malformaes, tumores e cncer (Collier et al. 1998), e

    ainda a alteraes fisiolgicas e morfolgicas nos rins e fgado, hiperplasia nas

    brnquias e eroso em nadadeiras observadas por Hsu e Deng (1996).

    Dados mostram que os hidrocarbonetos derivados do petrleo provocam

    danos estruturais nas lamelas respiratrias das brnquias (DiMichele e Taylor, 1978;

    Engelhardt et al., 1981; Poirier et al.,1989; Correa e Garcia, 1990; Prasad, 1991,

    Nero et al., 2006), comprometendo as trocas gasosas do organismo com o meio

    e resultando em hipxia, sendo esta a principal causa de morte em massa de

    peixes. Alm disso, Spiers et al. (1996) identificaram leses hiperplsicas em

    clulas mucosas e de cloreto nas brnquias de peixes expostos a HPAs.

    Hidrocarbonetos podem se acumular em ovos de peixes e so

    transferidos para as larvas aps a ecloso dos ovos (Goksoyr et al., 1991). Spiers et

    al. (1996) observaram necroses mltiplas e um varivel nmero de macrfagos e

    linfcitos no fgado de organismos expostos em um derramamento de petrleo

  • 5

    no canal de Santa Brbara. Segundo estudos de diversos autores os

    hidrocarbonetos provenientes do petrleo elevam as concentraes de cortisol

    no plasma (Di Michele eTaylor, 1978; Levitan e Taylor, 1979; Engelhardt et al., 1981;

    Leloup-Hatey e Hardy, 1985). O aumento na concentrao deste hormnio

    deprime a funo da tireide (Redding et al., 1986; Brown et al., 1991), podendo

    apresentar como conseqncia alteraes no comportamento reprodutivo e

    alimentar dos organismos expostos.

    Estudos recentes realizados em nosso laboratrio mostraram que a frao

    solvel do petrleo capaz de causar inibio na atividade da

    acetilcolinesterase (AChE) em Astyanax sp aps exposio aguda, bem como

    vrias das leses mencionadas acima (Akaishi et al., 2004).

    1.3. PESTICIDAS ORGANOCLORADOS

    Aps a Segunda Guerra Mundial, ocorreu um sbito aumento no uso dos

    inseticidas. Logo aps o seu uso comeou-se a observar que tais compostos eram

    encontrados com freqncia no ambiente natural, principalmente em

    organismos que no constituam seu alvo inicial. Sua toxicidade, persistncia e

    caractersticas lipoflicas, causavam o acmulo de resduos em tecidos,

    mortalidade, efeitos na reproduo e declnio de populaes selvagens. Estudos

    sobre os efeitos de pesticidas em peixes tiveram incio logo aps a introduo do

    DDT (dimetil-difenil-tricloroetano) em 1943 (Blus,1995).

    Alm da vasta utilizao na agricultura, como pesticidas, outros

    organoclorados (PCBs - bifenilas policloradas, DDT, dioxinas e furanos),

    principalmente os PCBs tm sido extensivamente utilizados nas indstrias

  • 6

    eletrnicas, manufatura de adesivos, aditivos de leo hidrulico, tintas, extintores,

    plsticos e em copiadoras de papel (Tam e Yao, 2002).

    Assim como os HPAs, vrios dos compostos organoclorados pertencem a

    classe dos poluentes orgnicos persistentes (POPs), os quais so compostos que

    apresentam resistncia degradao e, portanto, encontram-se por perodos

    de tempo prolongados no ambiente (Ali e Sreekrishnan, 2001; Fillman et al., 2002).

    Os POPs podem ser transportados por longas distncias, pois tem sido detectados

    em amostras biolgicas coletadas em locais distantes das fontes de

    contaminao (Simonich e Hites, 1995 apud Vives e Grimalt, 2002) e podem

    participar de diversos ciclos biogeoqumicos sem sofrerem degradao (Vives e

    Grimalt, 2002).

    Por sua toxicidade e persistncia no ambiente, os POPs tem sido o alvo

    principal de atuao dos rgos de proteo ambiental no Canad (Canadian

    Environmental Protection) e Estados Unidos (United States Protection Agency -

    EPA) (Ali e Sreekrishnan, 2001). Os POPs, por serem de difcil degradao, tendem

    a se concentrar no ambiente e serem bioacumulados pelos organismos vivos

    afetando a sade dos ecossistemas e da mesma forma colocando em risco a

    sade humana (Fillman et al., 2002). Os compostos organoclorados persistem por

    longos perodos no ambiente, com isso atuam cronicamente sobre os organismos

    vivos sendo capazes de induzir alteraes genticas nos organismos expostos,

    podendo levar a alteraes congnitas e neoplasias diversas (Ali e Sreekrishnan,

    2001). Sendo assim, estes compostos esto associados a graves efeitos

    ambientais, atuando sobre uma ampla variedade de espcies e atingindo todos

    os nveis trficos (Blus,1995). A exposio a organoclorados tem sido associada ao

  • 7

    declnio de populaes de animais marinhos (Tanabe et al,. 1994 apud Fillman et

    al., 2002).

    1.4. PESTICIDAS ORGANOFOSFORADOS E CARBAMATOS

    Os organofosforados e carbamatos so pesticidas que tem sido utilizados

    no controle de insetos e outros invertebrados (Hill, 1995). Esta classe de pesticidas

    rapidamente metabolizada ou excretada pela maioria dos organismos vivos,

    no havendo bioconcentrao nas cadeias trficas. Portanto, os

    organofosforados e carbamatos apresentam um tempo relativamente curto de

    permanncia no ambiente. Esses fatores, associados sua eficincia tem

    favorecido a substituio dos organoclorados pelos organofosforados e

    carbamatos.

    Os organismos podem ser afetados pelos organofosforados e carbamatos

    atravs do contato direto, que pode ocorrer na aplicao do pesticida, na

    ingesto de gua, solo, presas ou alimentos contaminados. Vrios estudos

    mostram que organismos aquticos expostos organofosforados e carbamatos

    afetam a atividade das colinesterases (De la Torre et al., 2002; Rofriguez-Fuentes e

    Gold-Bouchot, 2000; Tortelli et al., 2006).

    1.5. ORGANOESTANHOS: TRIBUTIL-ESTANHO (TBT) E DIBUTIL-ESTANHO (DBT)

    O TBT (tributil-estanho) um composto organometlico que tem sido

    amplamente utilizado como biocida em tintas de embarcaes desde a

    dcada de 70, e talvez seja o agente qumico mais txico que tem sido

    introduzido deliberadamente nos ecossistemas aquticos (Pelletier, 1995). Alm

  • 8

    disso, este composto utilizado tambm na indstria de PVC como estabilizador,

    na proteo de madeira contra fungos e bactrias, como agente desinfetante e

    como pesticida na agricultura. Apesar de regulamentado o uso do TBT em vrios

    pases, a contaminao ainda persiste em nveis txicos crnicos, havendo

    registros da presena deste composto nos organismos aquticos e sedimento

    (Fent e Hunn, 1995).

    Em vrios animais (como mamferos, peixes e invertebrados) foi

    demonstrado que o TBT metabolizado em produtos intermedirios hidroxilados

    como o dibutil-estanho (DBT) e monobutil-estanho (MBT) (Fent, 1996).

    Experimentos in vivo e in vitro tm demonstrado que xenobiontes como o TBT

    podem inibir o sistema enzimtico citocromo P450 em peixes, atravs da

    inativao de algumas enzimas deste complexo, alterando-as e inibindo o seu

    funcionamento (Fent e Stegman, 1993; Fent e BucheliI, 1994). Desta forma, o TBT

    pode alterar tanto o seu prprio metabolismo quanto o de outros poluentes que

    so biotransformados pelo sistema P450. Alm disso pode interferir em outras vias

    metablicas do organismo como a biosntese de hormnios, processo do qual

    este complexo multienzimtico participa (Pdros et al., 2000).

    Segundo Fent e Meier (1992), a presena de TBT na gua leva a um alto

    ndice de mortalidade de larvas de Phoxinus phoxinus, alm de deformao no

    eixo do corpo, paralisia e presena de olhos opacos. Tambm foi observado

    nesta mesma espcie degenerao na pele, msculo esqueltico, rim e epitlio

    da crnea, com algumas clulas apresentando vacuolizao do citoplasma e

    picnose. Dados recentes e ainda no publicados pelo nosso grupo, mostram que

    o TBT quando dissolvido na gua, leva mortalidade de 100% da populao de

  • 9

    alevinos de Phaloceros caudimaculatus, em concentraes consideradas

    subletais para outros organismos de clima nrdico. Estes resultados mostram que

    alevinos de Phaloceros caudimaculatus so mais sensveis do que peixes de clima

    temperado. A sensibilidade e suscetibilidade mais acentuada em organismos

    tropicais do que nrdicos foi demonstrada no estudo realizado por Oliveira

    Ribeiro et al. 2000, neste trabalho a espcie brasileira Trichomycterus zonatus foi

    capaz de acumular maiores concentraes de Hg do que espcie nrdica

    Salvelinus alpinus em condies experimentais similares. Estes resultados reforam

    ainda mais o argumento de que a legislao referente a nveis mximos

    permissveis da presena de contaminantes na gua deveria ser estabelecida a

    partir de resultados obtidos com espcies nativas, dados esses que ainda so

    escassos na literatura.

    Trabalhos desenvolvidos no nosso laboratrio demonstraram ainda que

    exemplares de Salvelinus alpinus submetidos a injees intraperitoneais de 0,3 mg

    TBT/kg apresentaram necroses hepticas e alteraes na organizao da

    cromatina em hepatcitos (Valdez Domingos, 1999). A presena de necroses

    associada exposio ao TBT tambm foi relatada por outros autores (Holm et

    al., 1991; Schwaiger et al., 1992; Ueno et al., 1994 e Ueno et al., 1995 e Oliveira

    Ribeiro et al, 2002), evidenciando este tipo de alterao como um importante

    elemento na identificao do potencial txico do TBT em fgado de peixes. O

    fgado um importante rgo-alvo para o TBT e seus derivados, onde a ao

    deletria deste composto pode comprometer as condies de vida do

    organismo tanto pela importncia do rgo, quanto pela gravidade das

    alteraes diagnosticadas.

  • 10

    Dada sua toxicidade faz-se necessria a quantificao e discusso dos

    nveis de TBT e DBT na costa brasileira, bem como estudos para diagnosticar de

    forma mais ampla seus reais efeitos sobre os organismos aquticos tropicais

    brasileiros. A utilizao de espcies nativas nestes estudos, mesmo quando

    realizados em condies de laboratrio, constituem dados importantes

    auxiliando na escolha de espcies bioindicadoras em estudos de

    biomonitoramento e diagnstico de reas impactadas por estes contaminantes.

    Diante das mltiplas fontes de impacto antropognico sobre as regies

    costeiras, principalmente nas reas estuarinas, faz-se necessrio o

    desenvolvimento e a padronizao de metodologias e de biomarcadores que

    possam contribuir para a avaliao e diagnstico dos impactos a que esto

    sujeitas estas regies no Brasil.

    2. PEIXES E MOLUSCOS COMO BIOINDICADORES DE QUALIDADE AMBIENTAL

    Bioindicadores so espcies de organismos vivos cujas caractersticas

    favorecem sua utilizao na avaliao da sade de um determinado

    ecossistema. Alguns fatores devem ser considerados na escolha de espcies

    bioindicadoras em estudos de biomonitoramento: (1) a espcie deve ser

    representativa da rea de estudo; (2) deve possuir hbito preferencialmente

    sedentrio ou de baixa mobilidade, constituindo assim populaes fixas a fim de

    que sua exposio aos contaminantes possa refletir as condies da regio em

    estudo (Radtke, 1979); (3) os organismos bioindicadores devem ser de fcil

    identificao e coleta em todas as estaes do ano; (4) o tamanho do animal

    um fator importante, pois deve possibilitar a obteno de material biolgico

  • 11

    suficiente para garantir a realizao das anlises propostas no estudo (Stewart e

    Malley, 1997); e (5) o nvel trfico da espcie a ser utilizada tambm deve ser

    avaliado, pois espcies que ocupam nveis trficos superiores geralmente so

    mais representativas, uma vez que podem fornecer informaes relacionadas

    aos fenmenos de bioacumulao e biomagnificao (Oliveira Ribeiro et al.,

    1999; Vives e Grimalt ,2002).

    A utilizao de espcies de vertebrados e de invertebrados em um mesmo

    estudo de biomonitoramento ambiental gera resultados que possibilitam uma

    anlise mais ampla das condies de impacto do ambiente, visto que existem

    diferenas na fisiologia e complexidade de respostas que estes organismos

    podem apresentar. Desta forma o uso de um nmero variado de biomarcadores

    como avaliaes somticas, moleculares, bioqumicas, genticas, imunolgicas

    e morfolgicas torna o estudo mais representativo. No entanto, dependendo do

    biomarcador selecionado, os protocolos para estes parmetros diferem,

    podendo ser especficos para grandes grupos taxonmicos ou mesmo para

    famlias, gneros e espcies, fazendo-se necessria uma padronizao prvia

    dos protocolos antes do incio das amostragens definitivas.

    Peixes e moluscos apresentam vrias das caractersticas acima citadas e

    tm sido considerados excelentes bioindicadores. Estes organismos vm sendo

    amplamente utilizados em estudos de toxicologia e monitoramento ambiental, na

    avaliao da sade dos ecossistemas aquticos tanto com relao presena

    quanto aos efeitos de poluentes (Carajaville et al., 2000; Silva et al., 2001; Nasci et

    al., 2002; Svrdh, 2003; Amado et al., 2003 e 2006; Joyeux et al., 2004; Medeiros et

  • 12

    al., 2005; Oliveira Ribeiro et al., 2005; Binelli et al., 2006; Rabitto et al., 2005; Nigro et

    al., 2006; Teles et al., 2006; Zanette et al., 2006).

    3. BIOMONITORAMENTO

    Atravs de programas de monitoramento possvel identificar e

    acompanhar impactos antropognicos em determinadas reas ao longo do

    tempo (Lange, 1996). Inicialmente os estudos de monitoramento enfocavam a

    deteco de contaminantes no compartimento abitico de ambientes

    aquticos (coluna dgua e sedimento) (Van der Oost et al., 1996; Rainbow et al.,

    1995; Silva et al., 2001), posteriormente comeou-se a avaliar a presena de

    xenobiontes nos componentes biticos desses contaminantes (Kehrig et al., 1998;

    Schmitt et al., 1999; Watanabe et al., 1999). Alguns autores como Meyer et al.

    (1998), Silva et al. (2001), Joyeux et al. (2004), Pereira e Kuch (2005) e Silva et al.

    (2006) relatam a presena de contaminantes em guas costeiras brasileiras.

    Estudos de biomonitoramento direcionados a deteco e avaliao de

    efeitos em organismos vivos so bem mais recentes (Doran et al., 2001; Barreiro et

    al., 2002; Nasci et al., 2002; Monteiro et al., 2005; Munteanu e Munteanu, 2006) e

    vm sendo bastante utilizados em ambientes estuarinos e marinhos na Europa e

    Amrica do Norte (Nasci et al., 2002; Petrovic et al., 2004; Munteanu and

    Munteanu, 2006; Nigro et al., 2006). Na costa brasileira ainda so escassos os

    dados relativos biomonitoramento, estes estudos foram recentemente inciados

    e vm sendo realizados mais intensamente nos ltimos anos (Ventura et al., 2002;

    Lemos et al., 2005; Martins et al., 2005; Amado et al., 2006; Camargo and

    Martinez, 2006; Zanette et al., 2006), como o projeto RECOS financiado pelo

  • 13

    Ministrio da Cincia e Tecnologia atravs do Instituto do Milnio, do qual faz

    parte o presente trabalho.

    O Projeto Instituto do Milnio - RECOS - Uso e Apropriao dos Recursos

    Costeiros, um projeto amplo, aprovado pelo Ministrio da Cincia e Tecnologia

    (Dez/2001), e financiado pelo Banco Mundial, no qual esto envolvidas diversas

    instituies brasileiras: FURG, CECO (UFRGS); UNISUL, CLIMERH/EPAGRI (SC), UFSC,

    UFPR, IAG (USP), UFFL, UFES, UFRPE, UFPE, UFMA, UFPA e Museu Goeldi.

    Quatro grandes reas temticas constituram o Projeto Instituto do Milnio:

    (1) Modelo Gerencial da Pesca, (2) Maricultura Sustentvel, (3) Monitoramento,

    Modelagem, Eroso e Ocupao Costeira e (4) Qualidade Ambiental e

    Biodiversidade. Na rea temtica Qualidade Ambiental e Biodiversidade do

    Projeto Instituto do Milnio est inserido o programa Qualidade Ambiental

    Biomarcadores, que realizou estudos em 5 regies da costa brasileira nos estados

    do Par (PA), Pernambuco (PE), Esprito Santo (ES), Paran (PR) e Rio Grande do

    Sul (RS).

    O presente trabalho est inserido no programa acima citado, que objetivou

    avaliar e comparar cinco diferentes regies da costa brasileira impactadas por

    atividades antropognicas, atravs da utilizao de diferentes classes de

    biomarcadores, bem como estabelecer e padronizar metodologias que possam

    ser efetivamente aplicadas em estudos de biomonitoramento em regies

    costeiras do Brasil.

  • 14

    4. BIOMARCADORES

    Biomarcadores so respostas bioqumicas, fisiolgicas ou parmetros

    morfolgicos alterados, causados pela exposio de um organismo a um

    determinado xenobionte (Melancon, 1995). Os biomarcadores tambm podem ser

    definidos como alteraes biolgicas em nvel molecular, celular e fisiolgico, as

    quais expressam a exposio e os efeitos txicos causados pelos poluentes (Walker

    et al., 1996).

    Alguns critrios devem ser avaliados na definio de biomarcadores a

    serem utilizados em um estudo: especificidade, o biomarcador deve demonstrar

    o efeito especfico de um determinado contaminante no funcionamento de um

    determinado rgo alvo e/ou de estrutura vital; fcil reprodutibilidade

    (metodologia e logstica acessvel) e ainda, clareza na interpretao dos

    resultados, de forma que seja possvel diferenciar resultados devidos exposio

    aos contaminantes de oscilaes fisiolgicas normais (Stegeman et al., 1992;

    Bainy, 1993).

    A utilizao de biomarcadores em estudos de toxicologia apresenta

    vrias vantagens, pois permite: (1) detectar precocemente a existncia de

    contaminao por substncias txicas biologicamente significativas, (2)

    identificar espcies ou populaes em risco de contaminao, (3) avaliar a

    magnitude da contaminao, e (4) determinar o grau de severidade dos efeitos

    causados pelos contaminantes (Stegeman et al., 1992).

    Segundo Oost et al. (2003), biomarcadores podem ser classificados como:

    (1) Biomarcadores de efeito, constituem parmetros mensurveis em

    compartimentos celulares que permitem inferir efeitos prejudiciais ou adversos

  • 15

    aos organismos; como a induo das enzimas CYP1A1 e CYP1A2 do citocromo

    P450 na presena de hidrocarbonetos policclicos aromticos. (2) Biomarcadores

    de exposio, atravs dos quais possvel detectar e/ou quantificar a presena

    do xenobionte, seus metablitos ou sua associao a componentes celulares ou

    moleculares do organismo; como a deteco de metblitos na bile em animais

    expostos a HPAs. H ainda biomarcadores inespecficos, que respondem a vrios

    contaminantes e podem ser utilizados como indicadores gerais de exposio. Os

    biomarcadores inespecficos, como avaliao de leses histopatolgicas e

    ndices somticos, auxiliam na deteco da presena e efeito de xenobiontes

    em ambientes aquticos, sendo altamente recomendada sua utilizao em

    estudos de biomonitoramento ambiental e diagnstico de reas impactadas.

    Neste estudo os biomarcadores sero classificados, segundo Adams et al (1989),

    de acordo com nvel de organizao biolgica em biomarcadores somticos,

    bioqumicos e morfolgicos.

    A avaliao de contaminao de ambientes aquticos atravs de

    biomarcadores tem sido bastante utilizada em estudos de biomonioramento,

    porm a maioria dos estudos tem avaliado apenas um nico nvel de

    organizao biolgica (Sturm et al., 1999; Coughlan et al., 2002; Lionetto et al,

    2003; Galloway et al., 2004; Binelli et al., 2006; Zanette et al., 2006). A utilizao de

    biomarcadores pertencentes a dois ou mais nveis de organizao biolgica

    como realizado por Noaksson et al., 2005; Amado et al. 2006, Camargo e

    Martinez (2006) e no presente estudo, possibilita a obteno de diferentes tipos

    de respostas que podem ser comparadas e confrontadas. Este tipo de

    abordagem proporciona um diagnstico mais preciso e confivel da situao da

  • 16

    rea estudada e representa a tendncia atual em estudos de

    biomonitoramento.

    5. CINTICA DE CONTAMINANTES EM ORGANISMOS AQUTICOS COMO

    FERRAMENTA PRVIA A ESTUDOS DE BIOMONITORAMENTO

    Organismos aquticos so capazes de absorver, e bioacumular

    contaminantes presentes na gua ou alimento (Akaishi et al. 2004).

    Atravs da cintica de contaminantes possvel compreender as vias de

    absoro e distribuio de contaminantes em organismos aquticos (Arukwe et

    al., 1999; Rouleau et al., 1999; Inza et al., 2001; Fowler et al., 2004; Bianchini et al.,

    2005; Edginton and Rouleau, 2005; Wood et al., 2002). Este tipo de estudo fornece

    subsdios aos estudos de biomonitoramento, pois identifica de forma mais precisa

    tecidos e rgos alvos.

    A autoradiografia (WBARG - whole-body autoradiography) uma

    metodologia que vem sendo muito utilizada em estudos de cintica, pois permite

    quantificar e qualificar a presena e distribuio de contaminantes atravs de

    organismos expostos a xenobiontes radioativamente marcados. A cintica de

    alguns contaminantes como zinco, cdmio (Inza et al., 2001; Rouleau et al., 1998

    e 2001; Fowler et al., 2004), mercrio (Rouleau et al., 1998 e 1999), mercrio

    inorgnico e metilmercrio (Oliveira Ribeiro et al., 1999), prata (Wood et al., 2002;

    Fowler et al., 2004; Bianchini et al., 2005), nonilfenol (Arukwe et al., 1999), tributil-

    estanho (Rouleau et al., 1999 e 2003) e bifenilas policloradas (PCBs) (Fowler et al.,

    2004) em peixes j foram avaliadas atravs de WBARG. No entanto h uma

  • 17

    grande quantidade de contaminantes que ainda no tiveram seus potenciais de

    absoro, bioacumulao e eliminao elucidados.

    Esta tese foi estruturada em 3 captulos, os captulos I e II trazem os resultados

    obtidos em um estudo de biomonitoramento em trs regies da costa brasileira

    utlizando trs organismos biondicadores e um abordagem de mltiplos

    biomarcadores, o captulo III traz uma abordagem cintica de alguns derivados

    de baixa massa molecular de petrleo e tambm apresenta uma simulao de

    derramamento de petrleo em laboratrio como uma nova abordagem para

    estudo dos efeitos da frao solvel do petrleo na gua.

  • 18

    CAPTULO I

    BIOMARCADORES DE CONTAMINAO AMBIENTAL EM

    PEIXES NOS ESTURIOS BRASILEIROS DE PARANAGU

    (PR), PIRAQU-A (ES) E ITAMARAC (PE)

    COLABORAO:

    Patrcia de Souza Diogo

    Michelle da Cunha Torres

    Manuela Dreyer da Silva

    Prof. Dra. Helena Cristina da Silva de Assis

    Publicao relacionada:

    Valdez Domingos, F.X.; Silva de Assis, H.C.; Silva, M.D.; Damian, R.C.; Almeida, A.I. M.; Cestari, M.M.; Randi, M.A.F.; Oliveira Ribeiro, C.A. Biomonitoring of Estuarine Areas in the Brazilian Coast: a Multi-Biomarker Approach. Manuscrito submetido a revista Ecotoxicology and Environmental Safety.

  • 19

    I. 1. INTRODUO

    Despejos urbanos, agrcolas e industriais representam as principais fontes de

    contaminao em rios, esturios e oceanos (De la Torre et al. 2005; Nigro et al.

    2006). Poluentes como hidrocarbonetos policclicos aromticos (HPAs), bifenilas

    policloradas (PCBs), compostos organoclorados (OCs) e metais pesados esto

    entre as principais classes de contaminantes que so frequentemente

    encontrados nestes ecossistemas (Oliveira Ribeiro et al., 2005; Munteanu e

    Munteanu, 2006; Nigro et al. 2006).

    Para medir efeitos agudos e crnicos de contaminantes no ambiente

    alguns parmetros como crescimento, fator de condio, ndice

    gonadossomtico e hepatossomtico podem ser avaliados (Deviller et al., 2005;

    Teles e Santos, 2006).

    Leses histopatolgicas e alteraes em atividades enzimticas so alguns

    dos efeitos relatados em estudos prvios em organismos aquticos em reas

    impactadas (Akaishi et al., 2004; Mouchet et al. 2006). A ocorrncia de danos

    celulares e teciduais em fgado e brnquias de peixes ambientalmente expostos

    a HPAs, PCBs, metais pesados, esgoto, efluentes porturios e industriais tem sido

    descrita por vrios autores (Stentiford et al., 2003; Norena-Barroso et al., 2004;

    Oliveira Ribeiro et al., 2005). Alm desses efeitos, a avaliao da atividade da

    colinesterase (Dellali et al., 2001; Tortelli et al., 2006; Quintaneiro et al. 2006)

    representa um parmetro bastante utilizado em programas de monitoramento

    ambiental.

  • 20

    Estudos que avaliam o impacto das atividades humanas em reas costeiras

    brasileiras tem aumentado recentemente principalmente nas regies sul e

    sudeste (Joyeux et al., 2004; Medeiros et al., 2005; Pereira e Kuch, 2005; Lemos et

    al., 2005; Martins et al., 2005; Amado et al., 2006; Camargo e Martinez, 2006; Silva

    et al., 2006; Umbuzeiro et al., 2006; Zanette et al., 2006), mas no h registros de

    estudos comparativos entre reas costeiras brasileiras nem investigaes que

    utilizem diferentes classes de biomarcadores. Aqui no Brasil, assim como em outros

    pases, os impactos ambientais em reas costeiras representam causa de

    preocupao no que se refere aos efeitos de poluentes na sade dos organismos

    aquticos e na qualidade dos alimentos de origem marinha e estuarina.

    O Projeto Instituto do Milnio - RECOS - Uso e Apropriao dos Recursos

    Costeiros (vide introduo geral) objetivou avaliar e comparar cinco diferentes

    regies da costa brasileira impactadas por atividades antropognicas, atravs da

    utilizao de diferentes classes de biomarcadores, bem como estabelecer e

    padronizar metodologias que possam ser efetivamente aplicadas em estudos de

    biomonitoramento em regies costeiras do Brasil.

    O objetivo deste captulo foi avaliar comparativamente trs regies

    estuarinas impactadas por ocupao humana devido liberao de efluentes

    industriais e urbanos e tambm por atividades porturias que ocorrem ao longo

    da costa brasileira, empregando-se diferentes classes de biomarcadores como

    ndices somticos, histopatologia e neurotoxicidade em duas espcies de peixes.

  • 21

    I.2. MATERIAIS E MTODOS

    I.2.1. ESPCIES BIOINDICADORAS

    O bagre amarelo, Cathorops spixii (Siluriformes, Ariidae) habita reas

    costeiras marinhas, esturios, lagoas e desembocaduras de rios, podendo ser

    encontrado at em guas hipersalinas. Esta espcie distribui-se desde Belize

    (Amrica Central) at o sul do Brasil, podendo ser encontrado em profundidades

    de at 50 m (Figueiredo e Menezes, 1978). Os adultos podem apresentar

    comprimento total mximo de 30 centmetros (Fishbase, 2006). Esta espcie de

    bagre abundante na Baa de Paranagu (Fvaro et al. 2005), e

    economicamente importante na pesca artesanal da regio sul do Brasil. C. spixii

    apresenta hbito carnvoro e utiliza invertebrados e pequenos peixes como itens

    principais de sua dieta (Fishbase, 2006).

    O vermelho arioco, Lutjanus synagris (Perciformes, Lutjanidae) apresenta

    registros de ocorrncia desde o atlntico oeste (Carolina do Norte, USA) at o

    sudeste do Brasil, incluindo o golfo do Mxico e o Caribe. Esta espcie pode

    encontrar-se associada a diferentes tipos de substrato, desde reas de recifes de

    coral at reas lodosas; alimenta-se em geral a noite de invertebrados

    bentnicos e pequenos peixes e pode atingir at 60 cm de comprimento total na

    fase adulta (Fishbase, 2005).

    I.2.2. REAS DE ESTUDO E ESTRATGIA AMOSTRAL

    O projeto foi desenvolvido em trs regies da costa brasileira: nos estados

    de PE, ES e PR (Figura 1). As coletas foram realizadas atravs de rede de arrasto

    pelos integrantes da rea temtica de Biodiversidade, pertencentes ao Projeto

  • 22

    Instituto do Milnio RECOS, nas universidades envolvidas em cada regio (UFPR-

    CEM em Paranagu, UFES em Piraqu-Au, UFPE e UFRPE em Itamarac).

    Para as amostragens foram escolhidas duas reas em cada esturio (Figura

    1). A rea contaminanda (C) representa a rea mais prxima as fontes de

    impacto antrpico e rea referncia (R) constitui uma rea afastada da

    influncia de atividades humanas. Em cada uma dessas reas foram coletados

    dez indivduos de cada espcie nas duas estaes amostrais: inverno (agosto de

    2003) e vero (fevereiro de 2004). Alguns parmetros fisico-qumicos (salinidade,

    temperatura e pH) foram coletados durante as amostragens.

  • 23

    Figura 1. Localizao geogrfica dos pontos referncia (R) e contaminado (C) nas trs regies estuarinas avaliadas na costa brasileira. Adaptado de Zanette et al. 2006.

    I.2.2.1. Itamarac - Complexo Estuarino Canal de Santa Cruz - PE

    A Baa de Itamarac onde est localizado o Complexo Estuarino Canal de

    Santa Cruz (Figura 1) est situada no nordeste do Brasil, 40 km ao norte de Recife,

    Pernambuco (734-755S; 3449-3452W, Meyer et al., 1998). Existem duas

    estaes bem definidas na regio: a estao seca, compreendida entre

    setembro a janeiro, e a estao chuvosa, que ocorre entre fevereiro e agosto. O

    rio Botafogo o principal rio que desemboca no Canal de Santa Cruz, e segundo

    Meyer et al. (1998), at 1991 recebeu grande aporte de mercrio proveniente de

    uma fbrica de soda custica na regio (Cavalcanti, 2003).

    Atualmente ainda existem fbricas de soda custica operando na regio

    do canal de Santa Cruz, tambm h fbricas de cloro e papel bem como de

    plantaes de cana-de-acar (Manuel de Jesus Flores Montes, membro da

    UFPE e participante do Projeto do Milnio-RECOS, comunicao pessoal). Alm

    do aporte de efluentes industriais e agrcolas muito provvel que esgotos

    urbanos estejam chegando ao Canal de Santa Cruz.

    O ponto C no Complexo Estuarino Canal de Santa Cruz localiza-se no rio

    Botafogo (740047S; 3451486W). No rio Carrapicho, considerado isento de

    impacto antropognico, foi determinanda a rea R (743042S; 3453383W). A

    precipitao mdia mensal de chuvas em agosto permaneceu na faixa de 100 a

    150mm enquanto que em fevereiro atingiu a faixa de 150 a 200mm (CPTEC,

    2005).

  • 24

    I.2.2.2. Piraqu - Sistema Estuarino dos rios PiraquAu e Piraqu-Mirim - ES

    Situado no distrito de Santa Cruz em Aracruz, Esprito Santo encontra-se o

    Sistema Estuarino dos rios PiraquAu e Piraqu-Mirim (Figura 1). Este esturio

    apresenta 65 km de extenso e rea de 73,38 km2, estando apenas 2,25% de sua

    rea protegida pela Reserva Biolgica de Manguezais dos rios Piraqua e

    Piraqu-mirim (Luiz Fernando Loureiro Fernandes, membro da UFES e participante

    do Projeto do Milnio-RECOS, comunicao pessoal). Segundo Luiz Fernando

    Loureiro Fernandes (comunicao pessoal), o manguezal do rio Piraqu-mirim

    avana aproximadamente 9 km em direo ao continente, enquanto o rio

    Piraqua avana cerca de 13 km, representando o maior avano de mar

    do Esprito Santo. As pocas de maior ocorrncia de precipitao esto

    compreendidas entre outubro e maio nesta regio, no havendo estao seca

    pronunciada na regio (Cuzzuol e Lima, 2003).

    No municpio de Aracruz h uma indstria de fabricao de celulose de

    fibra curta e branqueada de eucalipto (que utilizada como matria prima para

    produo de papel) que reconhecida como a maior do mundo no gnero, e

    que est em plena atividade desde 1978. Associado a esta indstria existe um

    terminal porturio privativo especializado no transporte da celulose exportada,

    que embarca 2 milhes de toneladas que vo para os Estados Unidos, Europa e

    sia e 900 mil toneladas produzidas por outra indstria localizada em Minas

    Gerais, que concentra suas vendas para o Japo e sia. Ainda nesta regio

    existem indstrias de produo de perxido de hidrognio, metal-mecnicas e

    eletrnicas (Prefeitura de Aracruz, 2005). Alm das atividades industriais existe

    ainda atividade agrcola expressiva (IBGE, 2005) e aporte de esgoto da cidade

  • 25

    de Aracruz. De acordo com as atividades acima descritas espera-se que os

    principais contaminantes presentes no Sistema Estuarino dos rios Piraqua,

    onde est localizada a rea C (1955'20,22"S; 4011'31,24"W), sejam metais,

    organoclorados, pesticidas e esgoto domstico. O ponto R est situado no rio

    Piraqu-mirim (1956'14,67"S; 4012'42,33"W).

    I.2.2.3. Paran - Complexo Estuarino Baa de Paranagu

    O Complexo Estuarino Baa de Paranagu (251634S; 481742W, Figura

    1) constitui o maior esturio do Paran, estendendo-se aproximadamente 50 km

    para o interior do continente (Kolm et al., 2002). s margens deste esturio

    localiza-se a cidade de Paranagu, cuja populao estimada em mais de

    140.000 pessoas (IBGE, 2005). Kolm et al. (2002), citam que a regio ainda no

    possui tratamento de esgotos adequado, sendo a maior parte do esgoto urbano

    lanado em dois rios da regio: Itiber e Embogua. Alm do esgoto urbano,

    existe ainda o aporte de fertilizantes, pesticidas e efluentes industriais gerados

    pelas atividades agropecurias e industriais da regio, respectivamente.

    O Porto de Paranagu considerado o maior porto do Sul do Brasil e possui

    expressiva participao na exportao de granis slidos, principalmente de

    soja, na Amrica Latina. Em 2002 e 2003, os principais produtos exportados foram

    gros e as principais importaes foram fertilizantes (Portos do Paran, 2005).

    Alm de resduos dos produtos importados e exportados, a regio do porto est

    diretamente exposta presena de combustveis devido ao fluxo de

    embarcaes. As influncias antrpicas regionais sugerem a presena de metais,

  • 26

    hidrocarbonetos, pesticidas e grande aporte orgnico no Complexo Estuarino

    Baa de Paranagu.

    No complexo Estuarino Baa de Paranagu o ponto C (2519430 S;

    4829690 W) situa-se na regio prxima ao terminal de carga/descarga

    porturia de fertilizantes de Paranagu (Fospar), onde h o aporte de efluentes

    industriais, resduos de combustveis (devido ao intenso trfego de navios) e

    resduos de mercadorias carregadas/descarregadas no Porto de Paranagu. O

    ponto R est situado na Baa de Laranjeiras (2531271 S; 4829690 W; Figura1).

    I.2.3. PROCEDIMENTOS INICIAIS

    Imediatamente aps a coleta os peixes foram acondicionados em caixas

    isotrmicas (contendo gua do local de captura) providas de aerao

    constante e transportados ao laboratrio.

    Os peixes foram anestesiados com cido-etil ster-3-aminobenzico (MS

    222) 0,02% e as medidas de peso total (g), comprimento total (cm) e peso do

    fgado foram tomadas, previamente disseco.

    I.2.4. BIOMARCADORES SOMTICOS

    Os fgados coletados foram pesados (P) e os ndices somticos calculados

    segundo as seguintes frmulas: IHS = ndice hepatossomtico [(Pfgado/Ppeixe)] x 100

    e o fator de condio, FC = Ppeixe /Cb, onde b o coeficiente angular da relao

    peso-comprimento (C = comprimento total).

  • 27

    I.2.5. BIOMARCADORES MORFOLGICOS

    I.2.5.1. Avaliao Histopatolgica

    Fgado e brnquias dos animais coletados foram fixados em Alfac (Etanol,

    formol e cido actico), desidratados e includos em Paraplast (Sigma). O ndice de leses utilizado na avaliao do material foi descrito por Bernet et al.

    (1999), para a aplicao deste ndice necessrio atribuir um valor nmerico a

    cada leso observada (0, 2, 4 ou 6), esse valor deve ser multiplicado por um valor

    de fator de importncia apresentado por Bernet et al. (1999) e exemplificado na

    tabela 1 (1, 2 ou 3), dessa forma obtido um ndice para cada tipo de leso em

    cada rgo avaliado, todos os ndices de cada rgo so somados obtendo-se

    assim um ndice por rgo. A ocorrncia de melanomacrfagos foi avaliada de

    acordo com Rabitto et al. (2005), de acordo com esta metodologia centros de

    melanomacrfagos e melanomacrfagos livres so contados em 15 campos de

    cada lmina.

    Tabela 1. Exemplos de fatores de importncia utilizados no clculo do ndice de leses segundo Bernet et al. (1999).

    rgo

    Leso Fator de Importncia Brnquias descolamento de epitlio 1

    fuso de lamelas 2

    hiperplasia 2

    desorganizao de lamelas secundrias 1

    neoplasias 2

    Fgado Necrose 3

    infiltraes de leuccitos 2

    vacuolizao de hepatcitos 1

  • 28

    I.2.5.2. Microscopia Eletrnica de Transmisso

    As brnquias dos peixes e os fragmentos de fgado foram fixados em

    Glutaraldedo 2,5%, Paraformaldedo 2%, CaCl2 2,5 mM, NaCl em tampo

    cacodilato 0,1 M pH 7,2-7,4 por duas horas, emblocados em resina PoliEMBED 812

    (Electron Microscopy Sciences) e analisados no microscpio eletrnico de transmisso (MET) JEOL 1200.

    I.2.5.3. Microscopia Eletrnica de Varredura

    As brnquias foram fixadas em 3% glutaraldedo, 0,1 M cacodilato de sdio,

    pH 7,2 - 7,4 desidratadas com etanol (Merck) submetidas ao ponto crtico (CO2),

    e observadas no microscpio eletrnico de varredura JEOL JSM-6360LV.

    I.2.6. BIOMARCADOR BIOQUMICO - AVALIAO DA COLINESTERASE

    Fragmentos de msculo branco sem pele e sem sangue foram coletados

    da regio dorsal dos peixes e congelados. No laboratrio as amostras de msculo

    foram homogenizadas (5% p/v) em tampo fosfato (0,05 M 4 C ) com 20% de glicerol pH 7,0 e centrifugados a 850 x g (4 C) por 15 min. O sobrenadante foi centrifugado novamente a 12.800 x g (4 C) por 15 min e utlizado como fonte de enzima. 9mM de iodeto de acetiltiocolina (AcSCh) foram utilizados na realizao

    dos ensaios. A atividade colinestersica foi analisada de acordo com Ellman et al.

    (1961), com adaptaes para microplaca, e a concentrao de protenas foi

    determinada segundo o mtodo de Bradford (1976).

  • 29

    I.2.7. TRATAMENTO ESTATSTICO DOS DADOS

    Dois tipos de comparao foram realizadas. A avaliao de

    contaminao foi feita atravs da comparao da rea contaminada e

    referncia em cada esturio, exceto para Itamarac que foi comparada com a

    rea de referncia de Paranagu. Comparaes sazonais tambm foram

    realizadas em cada um dos esturios avaliados. Os dados de histopatologia

    foram comparados atravs do teste Mann-Whitney. Os parmetros cinticos

    enzimticos (Vmax e Km) foram estimados pela equao de Michaelis-Menten; e

    a atividade enzimtica foi avaliada atravs de teste T de student. ndices

    somticos e ocorrncia de melanomacrfagos foram avaliados atravs de teste

    T. A correlao entre peso, comprimento dos peixes e atividade da colinesterase

    foi analisado atravs da correlao de Pearson. O teste Kruskal-Wallis foi utilizado

    nas comparaes sazonais (Zar, 1984). O nvel de significncia considerado foi de

    0,05.

  • 30

    I.3. RESULTADOS

    Nos esturios de Paranagu e Itamarac foi coletada a espcie Cathorops

    spixii, como esta espcie no ocorre no complexo estuarino Piraqu-A, foi

    necessrio definir outro bioindicador para esta rea. Por apresentar hbito

    alimentar carnvoro e ser abundante na rea de interesse, Lutjanus synagris foi a

    espcie selecionada como bioindicadora para amostragem no complexo

    estuarino Piraqu-A.

    Os parmetros fsico-qumicos obtidos durante as amostragens so

    apresentados na Tabela 2. Diferenas expressivas de temperatura entre vero e

    inverno foram detectadas apenas em Paranagu. Itamarac apresenta uma

    estao seca e uma estao chuvosa bem definida em fevereiro e agosto,

    respectivamente.

    Tabela 2. Parmetros fsico-qumicos da gua nos trs esturios avaliados.

    reas Estudadas Pontos Inverno Vero

    T (C) S (ppm) pH T (C) S (ppm) pH Itamarac Contaminado 28 21,7 7,8 29.9 13,7 8,1

    Piraqu Referncia 23,9 35 6,1 29,7 20,8 10,1

    Contaminado 24,1 33,5 7,1 28,7 17,6 11,3

    Paranagu Referncia 20 25 8,0 28 20 8,2

    Contaminado 22 23 7,9 28 17 8,4

    T = Temperatura; S = Salinidade

    I.3.1. INDICES SOMTICOS

    Os ndices IHS e FC so apresentados na Tabela 3. Comparando-se as reas

    referncia e contaminada de cada esturio durante o inverno ou vero

    observou-se fator de condio similar nos indivduos entre as reas referncia (R)

  • 31

    e contaminada (C) em Paranagu no inverno, enquanto o IHS apresentou

    valores mais altos na rea contaminada no vero. Em Piraqu valores mais altos

    no FC foram encontrados na rea contaminada durante o inverno. Tanto o IHS

    quanto o CF foram similares em Piraqu durante o vero. Quando comparado

    com a rea referncia de Paranagu os valores de IHS de Itamarac

    apresentaram-se menores no inverno e maiores no vero.

    Atravs de comparaes sazonais em cada esturio, foi observado que no

    ponto R de Paranagu o IHS apresentou valores maiores no inverno e o FC foi

    similar. Na rea referncia de Piraqu o FC foi maior no vero e o IHS no variou

    sazonalmente. Todos os ndices apresentaram valores similares nas reas

    Paranagu C e Piraqu C entre as estaes. Em Itamarac C o IHS foi mais alto

    no vero enquanto o FC foi similar entre as estaes.

    Figura 2. ndice hepatossomtico (IHS), e fator de condio (FC) de peixes coletados em trs esturios brasileiros, n=10. * Indica diferena entre referncia e contaminado, **indica dferena na mesma rea amostral entre inverno e vero (p

  • 32

    I.3.2. HISTOPATOLOGIA DE BRNQUIAS

    Descolamento de epitlio, fuso de lamelas, hiperplasia, desorganizao

    de lamelas secundrias e neoplasias foram as leses mais relevantes observadas

    nas brnquias (Figura 3). O descolamento de epitlio caracterizado pelo

    descolamento de clulas epiteliais na lamela secundria (Figura 3C). reas de

    fuso de lamelas esto frequentemente associadas com hipertrofia e

    proliferao de clulas mucosas (Figura 3D). A fuso integral e parcial base das

    lamelas secundrias identificada atravs de microscopia de luz foi confirmada

    pela anlise ao MEV (Figura 3F e G).

    As leses histopatolgicas nas brnquias apresentaram ocorrncia similar

    entre os pontos R e C de Paranagu, Piraqu e Itamarac no inverno e em

    Piraqu no vero (Figura 4). Os peixes coletados nas reas contaminadas de

    Paranagu e Itamarac no vero que apresentaram ndices de leso menores

    do que na rea referncia de Paranagu (Figura 4).

    I.3.3. HISTOPATOLOGIA DE FGADO

    Necroses, infiltraes de leuccitos e vacuolizao de hepatcitos foram

    as leses mais expressivas identificadas no fgado das espcies estudadas (Figura

    5). Proliferao do retculo endoplasmtico (Figura 5B) e a presena de

    numerosos grnulos eltron densos nos hepatcitos (Figura 5C e E) foram

    observados atravs de MET. As necroses observadas atravs de microscopia de

    luz tambm foram visualizadas atravs de MET como focos de necrose (Figura 5D,

    E, F). Na coleta de inverno os animais amostrados no ponto R de Paranagu

    apresentaram ndice de leses hepticas maior que as reas C de Paranagu e

  • 33

    Itamarac, enquanto a ocorrncia de leses hepticas foi similar entre os pontos

    R e C em Piraqu (Figura 6). No vero os indivduos coletados em Paranagu

    apresentaram ndices de leses similares entre os pontos R e C, enquanto em

    Piraqu foi detectado maior ndice de leses no ponto R. As leses hepticas

    detectadas nos animais coletados em Itamarac foram similares as do ponto R

    de Paranagu no vero (Figura 6).

    Melanomacrfagos (MM) podem ser visualizados como clulas

    pigmentadas ou grupos de clulas pigmentadas que so denominados centros

    de melanomacrfagos (CMM) em rgos como fgado, rim anterior e intestino de

    peixes. Seu material granular apresenta colorao que oscila entre amarelo e

    preto quando corado com hematoxilina e eosina. Os indivduos coletados no

    esturio de Piraqu no apresentaram CMM nem MM hepticos em ambas as

    reas amostradas (R e C). A ocorrncia de CMM foi similar entre os pontos R e C

    nos indivduos amostrados em Paranagu tanto no inverno quanto no vero,

    enquanto a ocorrncia de MM foi maior em Paranagu R apenas no inverno

    (Figura 7). Itamarac apresentou valores menores de MMC e MM quando

    comparadas com Paranagu R no inverno e ocorrncia de MM similar

    Paranagu no vero (Figura 7).

  • 34

    Figura 3. Histopatologia de brnquias de peixes das reas estuarinas avaliadas. (A) Estrutura normal das brnquias. (B) Dilatao de vasos nas extremidades das lamelas secundrias e inchao das clulas de cloreto. (C) Descolamento de epitlio nas lamelas secundrias. (D) Fuso de lamelas secundrias, hipertrofia e proliferao de clulas de muco (mc). (E) Estrutura normal das brnquias em MEV. Barra = 100m. (F) Fuso na base das lamelas secundrias. Barra = 100m. (G) Fuso completa de lamelas secundrias. Barra = 200m. pl= lamela primria, sl= lamela secundria, cc=clula de cloreto, el=descolamento de epitlio, f=fuso de lamelas secundrias. Barra A, B, C, D = 50m. Cathorops spixii: B, C, D, F; Lutijanus synagris: A, E, G.

    Figura 4. ndice histopatolgico de leses branquiais de indivduos coletados nas reas estuarinas estudadas (medianas). Diferenas entre as reas estudadas so indicadas por letras (p

  • 35

    Figura 5. Histopatologia de fgado em indivduos coletados nas reas estuarinas avaliadas. (A) Estrutura caracterstica do fgado. (B) Vacuolizao do citosol dos hepatcitos; (C) Presena de diversos grnulos eltron densos (g) e vacolos (seta) no citosol dos hepatcitos; (D) Desorganizao citoslica indicativa de necrose; (E) rea de necrose focal e presena de grnulos eltron densos; (F) Detalhe da desorganizao do citosol (setas); (G) Espao de Disse (d). Barra = 50m. Cathorops spixii: A, B, C, E, F; Lutijanus synagris: D, G.

  • 36

  • 37

    I.3.4. ATIVIDADE DA COLINESTERASE

    As espcies estudadas no apresentaram correlao entre os parmetros:

    peso, comprimento e a atividade colinestersica nas reas avaliadas. A

    atividade enzimtica foi mais alta nas reas C de Paranagu, Piraqu e

    Itamarac quando comparadas com as respectivas reas R no inverno (Figura

    8A). Durante o vero Piraqu e Paranagu apresentaram atividade da

    colinesterase similar, enquanto Itamarac C apresentou maior atividade se

    comparado com Paranagu R (Figura 8B). A atividade da colinesterase

    apresentou-se mais elevada nos indivduos coletados no inverno se comparados

    aos coletados no vero em todas as reas estudadas (Figura 8A e B).

  • 38

    I.4. DISCUSSO

    Estudos de biomonitoramento so geralmente focados em uma nica ou

    em poucas reas de rios, esturios ou lagoas, a utilizao de biomarcadores

    nestes estudos frequentemente restrita a uma ou poucas classes de

    biomarcadores (Shailaja e Silva, 2003; Petrovic et al., 2004; de la Torre et al., 2005;

    Oliveira Ribeiro et al., 2005; Munteanu e Munteanu, 2006; Nigro et al., 2006). Este

    trabalho apresenta respostas de trs classes de biomarcadores (somticos,

    histopatolgicos e bioqumicos) de trs diferentes reas estuarinas impactadas

    por atividades humanas ao longo da costa brasileira.

    Um dos parmetros de avaliao dos organismos neste estudo foi a

    aplicao de ndices somticos, como utlizado por outros autores (Khan et al.

    1994, Karels et al., 1998; Couillard et al., 1999; Oliveira Ribeiro et al., 2005). Segundo

    Huuskonen e Lindstrom Seppa (1995) e Teles et al. (2006) IHS pode indicar estado

    metablico alterado em peixes. Alguns estudos reportam que animais coletados

    em reas contaminadas frequentemente apresentam aumento no IHS e

    decrscimo no FC (Adams e Ryon, 1994; Karels et al., 1998; van der Oost et al.,

    1996), um aumento no IHS foi observado na rea C de Paranagu durante o

    vero, porm o FC permaneceu similar ao da rea referncia. Como Cathorops

    spixii apresenta hbito alimentar carnvoro possvel que esteja ocorrendo

    biomagnificao e bioacumulao de poluentes nesta espcie, estes fenmenos

    poderiam estar associados aos altos valores IHS observados em Paranagu e

    Itamarac durante o vero. Segundo Soimasuo et al. (1995), Felder et al. (1998) e

    de la Torre et al. (2005), indivduos expostos a contaminantes podem apresentar

    baixos valores de FC como tambm ndices similares entre os grupos avaliados,

  • 39

    como foi observado neste trabalho em Paranagu em ambas estaes sazonais

    e em Piraqu no vero. Incrementos no FC nos indivduos de Piraqu no inverno

    podem ser atribudos a uma maior disponibilidade de alimento que ocorre nesta

    estao, especialmente em ecossistemas tropicais (Townsend et al., 2006).

    Leses histopatolgicas tem sido frequentemente descritas como

    importantes ferramentas em estudos de biomonitoramento devido facilidade

    de interpretao tanto em situaes de exposio aguda quanto crnica

    (Wester et al., 1991; Couillard et al., 1999; Wester et al., 2002; Gl et al., 2004;

    Oliveira Ribeiro et al., 2005). Assim como relatado neste trabalho, a ocorrncia de

    leses branquiais e hepticas em animais expostos ambientalmente a

    contaminantes tem sido reportada em organismos aquticos por outros autores

    como Gl et al. (2004), Lyons et al. (2004), Norea-Barroso et al. (2004) e Oliveira

    Ribeiro et al. (2005).

    A presena de leses nas brnquias de peixes pode ser interpretada como

    resultado de efeitos agudos de xenobiontes (Zodrow et al. 2004). Neste estudo a

    ocorrncia de fuso de lamelas foi detectada em todas as reas avaliadas. A

    ocorrncia de fuso lamelar j foi relacionada por alguns autores fontes de

    contaminao especfica como: efluente de indstria de papel clorado

    (Pacheco e Santos, 2002; Valdez Domingos, 2001), cobre (Arellano et al., 1999) e

    efluente de esgoto com tratamento secundrio (Coutinho and Gokhale, 2000,

    Valdez Domingos, 2001). O descolamento de epitlio observado neste estudo

    tambm foi relatado por Arellano et al. (1999) e Fanta et al. (2003) em peixes

    expostos a cobre e organofosforados, respectivamente. Tanto o descolamento

    de epitlio quanto a fuso de lamelas aumenta a distncia entre as clulas

  • 40

    epiteliais e os capilares sanguneos causando prejuzo nas trocas gasosas e

    tambm pode levar distrbios na osmorregulao, mecanismos essenciais

    sobrevivncia de peixes. A ocorrncia de proliferao nas clulas de muco

    observada em indivduos de diferentes reas est relacionada a um mecanismo

    de proteo em situaes de injria causada por contaminantes aquticos ou

    respostas de estresse devido a exposies agudas e/ou crnicas, ocorre uma

    maior secreo de muco nestas situaes a fim de minimizar o contato do tecido

    afetado com a gua. Hipertrofia celular e tecidual podem ser indicativas de

    disfuno celular e podem levar ao desenvolvimento de neoplasias em situao

    de exposies crnicas a certos poluentes como HPAs, pesticidas clorados ou

    PCBs (Ali e Sreekrishnan, 2001; Shailaja e Silva, 2003).

    Devido aos processos de absoro e metabolizao as leses observadas

    no fgado esto relacionadas exposio crnica a poluentes. A ocorrncia de

    reas de necroses foi a leso heptica mais evidente neste estudo, este tipo de

    leso tem sido registrada em peixes de reas impactadas por mltiplos

    contaminantes (Simpson et al., 2000; Pacheco e Santos, 2002; Schmalz et al., 2002;

    Marty et al., 2003; Stehr et al., 2003; Stentiford et al., 2003; Oliveira Ribeiro et al.,

    2005). No presente trabalho a presena de necroses em indivduos das reas

    referncia e contaminadas representa um indicativo de que os esturios esto

    impactados, o que poderia ser confirmado atravs de anlises qumicas de biota,

    gua e sedimento nestas reas. Este tipo de leso causa prejuzos funcionais e

    estruturais no fgado de peixes (Stentiford et al., 2003), diminui a funcionalidade,

    podendo causar a falncia do rgo e consequentemente afetar maiores nveis

    de organizao biolgica (Rabitto et al., 2005). Embora a ocorrncia de reas

  • 41

    necrticas no tenha correlao especfica com um determinado

    contaminante, a ocorrncia de necrose tem sido frequentemente observada em

    reas estuarinas associadas presena de contaminantes como HPAs (Stentiford

    et al., 2003), pesticidas clorados (Oliveira Ribeiro et al. 2005), metais pesados

    (Schmalz et al., 2002), organofosforados (Fanta et al., 2003), efluente de indstria

    de papel clorado e cido dehidroabitico (Pacheco e Santos, 2002). A presena

    de vesculas lipdicas observada no fgado de indivduos das reas estudadas

    sugere um mecanismo de imobilizao de compostos lipoflicos como descrito

    por Oliveira Ribeiro et al. (2005) em Anguilla anguilla ambientalmente exposta a

    pesticidas clorados, HPAs e PCBs.

    A incidncia de melanomacrfagos (CMM ou MM) no fgado e outros

    tecidos est relacionada a um aumento na atividade fagoctica como resposta

    imune a leses em indivduos expostos a contaminantes (Couillard et al., 1999;

    Mondon et al., 2001; Oliveira Ribeiro et al., 2005; Rabitto et al., 2005). No presente

    trabalho a ocorrncia de CMM ou MM no apresentou resultados expressivos

    para o diagnstico das reas estudadas.

    Embora as leses histopatolgicas no apresentem relao especfica com

    os contaminantes este tipo de abordagem tem sido uma ferramenta bastante

    utilizada em biomonitoramento na avaliao da qualidade da gua de reas

    supostamente impactadas (Wester et al., 2002). As reas R e C de Paranagu,

    Piraqu e Itamarac apresentaram ndices de leso branquial e heptico

    similares durante o inverno e o vero, indicando que ambas as reas esto sendo

    afetadas pela liberao de compostos qumicos nestes esturios em

    conseqncia de atividades humanas.

  • 42

    A atividade da colinesterase em peixes e outros organismos aquticos tem

    sido utilizada globalmente como biomarcador de contaminao em peixes em

    programas de monitoramento por diferentes grupos (Sturm et al., 1999; Monserrat

    e Bianchini, 2001; Rodriguez-Fuentes e Gold-Bouchot, 2000; Monserrat et al., 2002;

    Ventura et al., 2002; Corsi et al., 2003; Monteiro et al., 2005; Binelli et al. 2006; Tortelli

    et al., 2006). A atividade da colinesterase representa um eficiente biomarcador

    para detectar efeitos subletais de xenobiontes, principalmente organofosforados,

    carbamatos e alguns metais pesados (Sturm et al., 1999; Monserrat e Bianchini,

    2001; Silva de Assis et al. 2005; Rabitto et al, 2005), compostos que so reportados

    na literatura como inibidores da colinesterase. Alm dos contaminantes acima

    citados, hidrocarbonetos tambm podem alterar a atividade da colinesterase

    em peixes, inibindo-a em diluies da frao solvel na gua de 15 e 33% na

    espcie Astyanax sp. (Akaishi et al., 2004), porm os mecanismos de ao dos

    hidrocarbonetos sobre a atividade da colinesterase ainda no foram

    esclarecidos. No presente estudo uma maior atividade da colinesterase foi

    observada na maioria das reas C estudadas durante o inverno. A induo da

    atividade desta enzima foi tambm descrita em Puntius conchonius aps

    exposio a endosulfano em msculo e fgado (Gill et al. 1990). O trabalho

    realizado por Tortelli et al. (2006) nas mesmas reas de estudo mostrou que as

    constantes de MichaelisMenten, Km e Vmax apresentaram diferentes padres

    no crebro de C. spixii coletado nas reas R e C de Paranagu, neste trabalho os

    autores sugerem que o complexo reversvel enzima-inibidor mais facilmente

    formado em peixes coletados na rea C, enquanto a formao do complexo

    irreversvel enzima-inibidor ocorre com maior facilidade nos animais das reas R.

  • 43

    Embora no tenham sido realizados em amostras de msculo, estes resultados

    poderiam ser atribudos como uma possvel hiptese para justificar os menores

    valores de atividade da colinesterase observados nestas reas.

    Dados que relacionam a atividade da acetilcolinesterase com variaes

    de temperatura esto disponveis apenas para peixes, nestes estudos os autores

    atribuem a temperatura como fator responsvel pelas diferenas sazonais

    observadas na atividade enzimtica, apresentando de forma geral maiores

    valores de atividade enzimtica nas estaes mais quentes e vice-versa

    (Bocquen e Galgani, 1991; Kirby et al. 2000).

    Os resultados apresentados sugerem que os maiores valores na atividade

    da colinesterase observada nos espcimens das reas estudadas no inverno

    possam estar relacionados a presena de compostos anticolinestersicos nas

    reas R, ou de compostos indutores da colinesterase nas reas C. Acredita-se que

    todos os resultados apresentados neste estudo estejam sendo influenciados por

    contaminantes como metais pesados, hidrocarbonetos, pesticidas, os quais

    infere-se que estejam presentes nas reas estudadas atravs da avaliao das

    influncias antrpicas de cada esturio (item I.2.2.).

    De acordo com os dados apresentados, as trs regies estuarinas esto

    seriamente impactadas por atividades antropognicas. Entre os biomarcadores

    utilizados a medida da atividade d