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  O GÊNERO  N OIR NO E  NSI NO A DISTÂNCIA  Márcio Henrique Melo de Andrade 1 , Marizete Silva Santos 2  __ __ 1. Márcio Henrique Melo de Andrade é graduando do curso de Comunicação Social – Radialismo e Televisão pela Universidade Federal de Pernambuco (UPE) e bolsista do Departamento de Ensino à Distância na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manuel de Medeiros s/n, Dois Irmãos, Recife , P E, CEP 52171 -900. E-mail: marcio h.andr ade@bo l.com.br 2. Marizete Silva Santos é professora adjunta do Departamento de Estatística e Informática, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manuel de Medeiros s/n, Dois Irmãos, Recife, PE, CEP 52171-900. E-mail: [email protected] Apoio financeiro: SEED - MEC  Introdução Este artigo tem por objetivo analisar os elementos do gênero cinematográfico noir  que auxiliam na criação  para o ensino a distânc ia. O objeto de análise é a animação produzida no curso de Licenciatura em Física A Distância, fruto de uma parceria entre a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e Universidade do Estado da Bahia (UESB). O programa foi produzido em 2007 e tem como  per son age ns princ ipais o detetive particu lar Paiva e sua secretária Sílvia, que resolvem casos que envolvam o uso da matemática no seu próprio cotidiano e, por sua vez, dos alunos. Resgatando elementos clássicos do gênero noir , esta animação se tornou um dos destaques do projeto, promovendo o uso da narrativa seriada para dar continuidade aos mistérios resolvidos  pelo detetive . Materiais e Métodos E lem ent os d o G ê nero Noir  A.   Enre do O estilo do gênero noir  nasceu na Hollywood dos anos 30 e se desenvolveu trazendo o submundo urbano à tona, a fim de realizar uma crítica aos Estados Unidos  tematizando “o conflito entre a lei e o arbítrio, a inocência e a corrupção”. [1] Essa denominação tem origem f rancesa e abrange os roteiros que procuram relatar atos criminosos com um clima acentuado de suspe nse – “sobre o sucesso da ação crimi nosa, sobre a descoberta do culpado, sobre a motivação do delito”. [1]  B.   Per sona gen s O detetive particular é um dos personagens  pred omin ante s nest e gênero. Em ger al, é re pres entad o como um ser “honesto, não conformista, sedutor e soli tári o” [2]. Apresentando uma silhueta estereotipada (chapéu e impermeável), ele se mostra como mais uma figura ambígua dentre o mundo criminoso das cidades – aos olhos da polícia parece um gângster camuflado; e,  para os criminosos, representa um aliado da polícia. Investigadores como Sam Spade (criado por Dashiel Hammet no livro O Falcão Maltês) e Philip Marlowe (por Raymond Chandler em  À Beira do Abismo ) trazem na fisionomia e nas vozes um “trejeito amargo” [1], um “melancólico distanciamento das ações em que se vê implicado” [1]. Já as mulheres neste gênero ganham a alcunha de  femme fatales, numa alusão à malícia e à duplicidade da beleza feminina. Elas representam a reação masculina à emancipação recentemente conquistada pelo surgimento do feminismo. C.  Imagem Para construir a ambientação, “a fotografia contrastada em preto-e-branco, ambientes pouco iluminados e muitas sombras” [3] dentro de um espaço  predominan temente u rbano são os ingr edie ntes bási cos que compõem a receita deste gênero.  D.  Trilha Sonora Em geral, para caracterizar o noir  musicalmente, se utilizam o blues ou o jazz, ritmos marcantes d a época em que o gênero foi desenvolvido pelo cinema hollywoodiano. C onstru ção da N arr at i va Ser i ad a do D et et i ve P aiva  A.   Estr utur a do En redo  Numa narrativa curta como est a, em geral , utilizamos a seguinte estrutura: 1.  “Explicar a situação 2.  Introduzir um conflito ou ponto de virada 3.  Desenvolver a ação 4.  Resolver o conflito”. [4] Em primeiro lugar, apresentamos as personagens ao espectador e, logo depois, se estabelece um conflito  a inser ção de um caso a se resol ver, por exemplo -, que será desenvolvido e resolvido ao longo do enredo. (Ver Tabela 1)  B.   Nar rati va Se riada

2007 - Resumo de Artigo - O Gênero Noir No Ensino a Distância

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  • O GNERO NOIR NO ENSINO A DISTNCIA

    Mrcio Henrique Melo de Andrade1, Marizete Silva Santos2

    ________________ 1. Mrcio Henrique Melo de Andrade graduando do curso de Comunicao Social Radialismo e Televiso pela Universidade Federal de Pernambuco (UPE) e bolsista do Departamento de Ensino Distncia na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manuel de Medeiros s/n, Dois Irmos, Recife, PE, CEP 52171-900. E-mail: [email protected] 2. Marizete Silva Santos professora adjunta do Departamento de Estatstica e Informtica, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manuel de Medeiros s/n, Dois Irmos, Recife, PE, CEP 52171-900. E-mail: [email protected] Apoio financeiro: SEED - MEC

    Introduo Este artigo tem por objetivo analisar os elementos do gnero cinematogrfico noir que auxiliam na criao para o ensino a distncia. O objeto de anlise a animao produzida no curso de Licenciatura em Fsica A Distncia, fruto de uma parceria entre a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e Universidade do Estado da Bahia (UESB). O programa foi produzido em 2007 e tem como personagens principais o detetive particular Paiva e sua secretria Slvia, que resolvem casos que envolvam o uso da matemtica no seu prprio cotidiano e, por sua vez, dos alunos. Resgatando elementos clssicos do gnero noir, esta animao se tornou um dos destaques do projeto, promovendo o uso da narrativa seriada para dar continuidade aos mistrios resolvidos pelo detetive.

    Materiais e Mtodos Elementos do Gnero Noir

    A. Enredo O estilo do gnero noir nasceu na Hollywood dos

    anos 30 e se desenvolveu trazendo o submundo urbano tona, a fim de realizar uma crtica aos Estados Unidos tematizando o conflito entre a lei e o arbtrio, a inocncia e a corrupo. [1] Essa denominao tem origem francesa e abrange os roteiros que procuram relatar atos criminosos com um clima acentuado de suspense sobre o sucesso da ao criminosa, sobre a descoberta do culpado, sobre a motivao do delito. [1]

    B. Personagens

    O detetive particular um dos personagens predominantes neste gnero. Em geral, representado como um ser honesto, no conformista, sedutor e solitrio [2]. Apresentando uma silhueta estereotipada (chapu e impermevel), ele se mostra como mais uma figura ambgua dentre o mundo criminoso das cidades aos olhos da polcia parece um gngster camuflado; e,

    para os criminosos, representa um aliado da polcia. Investigadores como Sam Spade (criado por Dashiel Hammet no livro O Falco Malts) e Philip Marlowe (por Raymond Chandler em Beira do Abismo) trazem na fisionomia e nas vozes um trejeito amargo [1], um melanclico distanciamento das aes em que se v implicado [1]. J as mulheres neste gnero ganham a alcunha de femme fatales, numa aluso malcia e duplicidade da beleza feminina. Elas representam a reao masculina emancipao recentemente conquistada pelo surgimento do feminismo.

    C. Imagem Para construir a ambientao, a fotografia contrastada em preto-e-branco, ambientes pouco iluminados e muitas sombras [3] dentro de um espao predominantemente urbano so os ingredientes bsicos que compem a receita deste gnero.

    D. Trilha Sonora Em geral, para caracterizar o noir musicalmente, se utilizam o blues ou o jazz, ritmos marcantes da poca em que o gnero foi desenvolvido pelo cinema hollywoodiano. Construo da Narrativa Seriada do Detetive Paiva

    A. Estrutura do Enredo Numa narrativa curta como esta, em geral, utilizamos a seguinte estrutura:

    1. Explicar a situao 2. Introduzir um conflito ou ponto de virada 3. Desenvolver a ao 4. Resolver o conflito. [4]

    Em primeiro lugar, apresentamos as personagens ao espectador e, logo depois, se estabelece um conflito a insero de um caso a se resolver, por exemplo -, que ser desenvolvido e resolvido ao longo do enredo. (Ver Tabela 1)

    B. Narrativa Seriada

  • Dentro dos gneros radiofnicos e televisivos, encontramos a narrativa seriada, que se caracteriza principalmente pela diviso em captulos ou episdios podendo ser dirios, semanais etc. Um tipo particular de serialidade foi usado para a criao deste programa: uma narrativa em que cada emisso uma histria completa e autnoma, com comeo, meio e fim, e o que se repete no episdio seguinte so apenas os mesmos personagens principais e uma mesma situao narrativa [5]. Este tipo de construo permite a fidelidade do espectador aos personagens, j que sempre uma voz familiar que entra em contato com o aluno para lhe explicar determinado assunto.

    Resultados

    1. Caracterizao das Personagens

    Foi possvel construir de maneira mais positiva a personalidade do Detetive Paiva e Slvia, j que nosso objetivo no a crtica social, mas a identificao dos alunos com a busca do protagonista em resolver casos misteriosos de matemtica e, desta maneira, tambm procurar faz-lo no seu cotidiano. A mulher ganha um ar diferente do noir original, sendo semp re parceira para a resoluo de mistrios, e, em alguns momentos, se tornando pea-chave na investigao.

    2. Cenrio e Planos de Cmera

    O uso de contraste entre luz e sombra, alm do posicionamento da cmera que, ao nunca revelar os rostos dos personagens, traz certo mistrio e suspense tornaram a ambientao convincente. Paiva e Slvia em nenhum momento aparecem fora do escritrio do detetive, o que permite o controle da luz e a criao de um ambiente adequado para a estria. (Ver Figuras 1 e 2)

    3. Dilogos Um dos elementos mais importantes para caracterizar os personagens o dilogo, pois precisam demonstrar a intimidade dos personagens e funcionarem para a compreenso do assunto tratado. Paiva, em geral, revela atravs de suas falas um sujeito galante, convencido e esperto, que se refere sempre a Slvia como honey (querida), nenm, baby (beb, amor), my dear (minha querida). Esta, por sua vez, no hesita em expressar seu prazer em trabalhar para ele e mostra certa experincia com as investigaes que tem acompanhado com seu chefe. (Ver Tabela 1)

    4. Atores Para interpretar as personagens, tivemos a colaborao de Gustavo Amorim para criar o tom rasgado da voz de Paiva, assim como a de Fabiane Amorim para a esganiada voz de Slvia, que ajudou a

    construir o tom de homenagem parodiada a que se propem estes programas.

    5. Efeitos Sonoros Nos filmes do noir original, os efeitos sonoros geralmente remetiam chuva, tiroteios, perseguies de carro etc, mas, dentro da nossa proposta, nos resumimos ao comp romisso de ensinar e educar de maneira positiva. Desta maneira, procuramos ambientar o espectador atravs de batidas de porta, som de telefone, passos de homem e de mulher e de relgio para passagem de tempo elementos bastante significativos para a construo da narrativa. (Ver Tabela 1) Discusso Os elementos do gnero noir como a investigao particular se destacaram dentro do EAD por levarem em considerao esteretipos consagrados pela cultura mundial e por tornar a busca destes personagens identificvel com os alunos, que anseiam ver os casos do Detetive Paiva resolvidos de maneira satisfatria. Este uso nos permite expandir os limites dos roteiros tanto para animao como para radioweb aplicados a educao a distncia, que podem tambm incluir gneros como fico cientfica (como um dos outros enredos radiofnicos produzidos tambm para este projeto, que envolvem a busca de dois extraterrestres por aplicaes da matemtica no cotidiano nos seres humanos) e o pico (uma histria em quadrinhos que resgata elementos das estrias de gladiador para trabalhar a superfcie em geometria). Ou seja, os limites para a criao de materiais didticos para educao a distncia ainda precisam ser constantemente revistos e ultrapassados por experincias como esta.

    Agradecimentos A Secretaria de Educao Distncia (SEED) / MEC pelo apoio financeiro concedendo a bolsa de iniciao pesquisa que tornou factvel o desenvolvimento desta pesquisa e Universidade Federal de Pernambuco pela construo do conhecimento de ensino a distncia. Referncias

    [1] COSTA, Antnio. Compreender o cinema. So Paulo: Ed. Globo, 1985. p. 100

    [2] PARAIRE, Philippe. O Cinema de Hollywood. So Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 63

    [3] RIZZO, Srgio. O cinema rende-se ao lado negro in Revista SET. Ed. Peixes. So Paulo, Ano 16, n. 177, maro 2002, p. 51. [4] MCLEISH, Robert. Produo de Rdio: um guia abrangente de produo radiofnica. So Paulo: Summus, 2001. p. 180.

  • [5] MACHADO, Arlindo Machado. Pode-se falar em gneros na televiso? in Revista Famecos, Porto Alegre, n 10, junho de 1999. p. 152

  • Tabela 1 - Primeiro roteiro do Detetive Paiva. A primeira coluna refere-se s imagens; a segunda, s locues. IMAGEM UDIO Tela preta com o letreiro "Funes. LOC 1: Funes Imagem da porta do escritrio do Detetive Paiva (Detetive Paiva Investigador Particular). A cmera se aproxima da porta e entra na fechadura.

    TCNICA: Efeito Sonoro de Porta fechando

    PAIVA: O que voc tem hoje pra mim, Slvia? SILVIA: Ora, um caso muito importante, senhor Paiva. PAIVA: Do que se trata agora, Slvia? Papis em cima da mesa de Paiva, com letreiro Funes no dia-a-dia.

    SILVIA: Se trata de descobrir onde podemos usar as funes no dia-a-dia.

    PAIVA: Esse um caso difcil, hein? Quais as evidncias? Corta para as mos da secretria Slvia escrevendo num bloquinho. SILVIA: Bom, ainda no temos nenhuma... Temos de correr um

    pouco mais Corta para os ps de Paiva andando pela sala em direo porta e ela fechando.

    PAIVA: No se preocupe, nenm. Ns vamos conseguir essas evidncias.

    Imagem de um relgio, com as horas passando. No fim, marca 8h. A imagem se mantm.

    TCNICA: Efeito Sonoro de Relgio seguido de Efeito de Porta fechando

    V-se o chapu de Paiva passando em frente ao relgio. SILVIA: E a, chefe? Conseguiu alguma coisa? Aparece a imagem de uma loja de mveis, como num flashback, com as bordas esfumaadas.

    PAIVA: Claro que consegui, nenm! Voc est falando com o melhor detetive da cidade. Fui a uma loja de mveis e descobri algo muito interessante!

    SILVIA: E o que foi, chefe? Aparece a imagem de vrios armrios misturados com imagens de cifres.

    PAIVA: Eu vi que vrios fatores influenciam no preo de um armrio.

    SILVIA: Mas que fatores so esses, Paiva? Aparece o letreiro Tamanho e um dos armrios estica e encolhe. PAIVA: Como disse, eles so muitos, e um deles o tamanho

    do armrio ... Aparece o letreiro Funo. Vai sumindo a poucos.

    SILVIA: Ou seja, se os preos variam em funo do tamanho, eles so funo da rea que ocupam, no isso?

    PAIVA: Isso mesmo, Slvia! SILVIA: Qual vai ser o prximo passo, honey? Vai-se, ao poucos, desenhando uma tabela. PAIVA: Podemos construir uma tabelinha pra ver como

    construir essa funo, ok? SILVIA: Vamos, chefe! Os dados vo aparecendo de acordo com a fala das personagens.

    Volume 5m3 7m3 9m3 Preo 200,00 400,00 600,00

    PAIVA: Observe: o primeiro armrio tinha o volume de 5 metros cbicos e custava duzentos reais.

    SILVIA: Sei, anotado. PAIVA: O segundo, 7 metros cbicos e custava quatrocentos. SILVIA: Sim? PAIVA: E o terceiro, 9 metros cbicos e custava seiscentos. SILVIA: Pronto, e agora? Aparece uns desenhos de grficos de diversos tipos entrando e saindo em fade.

    PAIVA: Bom, no nosso prximo encontro, vamos aprender a construir um grfico com os dados que encontramos.

    SILVIA: Claro, chefinho! Ficarei aqui, a postos Fade out TCNICA: Trilha sonora do programa