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SBDG – Caderno 40 O não-dito no processo grupal: a serviço do quê? 1 Curso de Formação Básica em Dinâmica dos Grupos Porto Alegre – RS Coordenação: Lídia Mancia e Neidí Schneider O não-dito no processo grupal: a serviço do quê? Análise da nossa vivência na dinâmica de grupo CRISTINA CARVALHO DA SILVA DARLENE LINS KÁTIA STEINER MÁRCIA DOLCI PONTES NEREIDA PRUDÊNCIO VIANNA TÂNIA GOMES BISCHOFF Todo ato de criação é, antes de tudo, um ato de destruição. Picasso INTRODUÇÃO “O vocábulo ‘texto’, etimologicamente, contém a antiga técnica feminina de tecer. E tal- vez o fato deste tricô de verbos e nomes, através do qual tentamos ter o sentido, ser de- signado por um termo quase têxtil não seja uma coincidência. A humanidade, espécie fa- lante, é também a raça que se veste. A roupa pacientemente tecida nos contém, nos deli- mita, forma uma interface colorida entre o calor de nossas peles e a rigidez do mundo” (Pierre Levy). Somos um grupo de mulheres que se conheceram há cerca de dois anos na For- mação em Dinâmica de Grupo. Reunidas para tecer o trabalho final do Curso, deparamo- nos com diferenças, desejos, modos de ser que ora se complementavam ora não; porém, todas juntas, tínhamos um objetivo em comum: construir o trabalho para a obtenção da titulação de Coordenadoras em Dinâmica de Grupo. Na busca de motivação, de desejo, de tesão para olhar, sentir e refletir sobre o processo, começamos a encontrar um fio na meada emaranhada: escrever sobre algo que tivesse contribuído para nossa formação como coordenadoras de grupo e que vamos aproveitar em nossos trabalhos. Um tema que fosse comum a todas nós, pelas diferenças, pelo momento pessoal, pela caminhada profissional. Decidimos então refletir sobre a comunicação não-verbal no processo grupal, tendo como ponto de referência as nossas vivências no decorrer do tempo de formação. Com o tema definido, nosso principal objetivo foi o de compreender os “não- ditos”, que permanecerão conosco e demais integrantes do grupo, mesmo com o seu fim.

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SBDG – Caderno 40 � O não-dito no processo grupal: a serviço do quê? 1

Curso de Formação Básica em Dinâmica dos Grupos Porto Alegre – RS Coordenação: Lídia Mancia e Neidí Schneider

O não-dito no processo grupal: a serviço do quê? Análise da nossa vivência na dinâmica de grupo

CRISTINA CARVALHO DA SILVA DARLENE LINS KÁTIA STEINER

MÁRCIA DOLCI PONTES NEREIDA PRUDÊNCIO VIANNA TÂNIA GOMES BISCHOFF

Todo ato de criação é, antes de tudo,

um ato de destruição.

Picasso

INTRODUÇÃO

“O vocábulo ‘texto’, etimologicamente, contém a antiga técnica feminina de tecer. E tal-vez o fato deste tricô de verbos e nomes, através do qual tentamos ter o sentido, ser de-signado por um termo quase têxtil não seja uma coincidência. A humanidade, espécie fa-lante, é também a raça que se veste. A roupa pacientemente tecida nos contém, nos deli-mita, forma uma interface colorida entre o calor de nossas peles e a rigidez do mundo” (Pierre Levy).

Somos um grupo de mulheres que se conheceram há cerca de dois anos na For-mação em Dinâmica de Grupo. Reunidas para tecer o trabalho final do Curso, deparamo-nos com diferenças, desejos, modos de ser que ora se complementavam ora não; porém, todas juntas, tínhamos um objetivo em comum: construir o trabalho para a obtenção da titulação de Coordenadoras em Dinâmica de Grupo.

Na busca de motivação, de desejo, de tesão para olhar, sentir e refletir sobre o processo, começamos a encontrar um fio na meada emaranhada: escrever sobre algo que tivesse contribuído para nossa formação como coordenadoras de grupo e que vamos aproveitar em nossos trabalhos. Um tema que fosse comum a todas nós, pelas diferenças, pelo momento pessoal, pela caminhada profissional. Decidimos então refletir sobre a comunicação não-verbal no processo grupal, tendo como ponto de referência as nossas vivências no decorrer do tempo de formação.

Com o tema definido, nosso principal objetivo foi o de compreender os “não-ditos”, que permanecerão conosco e demais integrantes do grupo, mesmo com o seu fim.

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O que não comunicamos, mas que comunicamos? Acreditamos que nossas relações no grupo foram atravessadas por aspectos (emoções, crenças, valores, relações de poder, etc.) que ficaram velados e que foram e são tão importantes quanto o que comunicamos verbalmente.

Pretendemos, enfim, tentar desvendar através do que nos é possível entender, de-vido a nossa subjetividade, o que o “não verbal” comunicou neste grupo “sem nome”.

Para sustentar nossas reflexões, apoiamo-nos na teoria sistêmica que tem como um dos principais teóricos Von Bertalanffy (apud Osório, 2000), na análise do processo grupal proposta por Bion (1961) e Schutz (1978), nos teóricos da comunicação humana como Watzlawick, Beavin e Jackson (1967), Clegg (1992), Beltrão (1977), Schnitman (1996), Andolfi (1996) dentre outros.

Para identificarmos o não-verbal do grupo nos apoiamos no brainstorming coleti-vo que fizemos a partir dos textos lidos, de alguns de nossos relatórios, nos depoimentos dos colegas que se propuseram, neste momento, a falar/escrever a partir de nossa solicita-ção.

Nos estudos realizados e na sistematização dos dados obtidos identificamos três grandes categorias de análise: (a) compreendendo a linguagem do corpo; (b) expressão do silêncio; e (c) o não-falar, falando. Procuramos conceituar estas categorias e estabelece-mos a serviço do que elas estiveram nas diversas fases do processo grupal, à luz dos estu-dos de Bion (1975) e Schutz (1978).

Enfim, nosso trabalho foi tecido a doze mãos, com seis corações, seis mentes fe-mininas, mães, mulheres apaixonadas, amadurecidas, fortes e frágeis, audaciosas, discre-tas, espiritualizadas, teimosas, falantes, com um eixo em comum: o desejo de serem au-tênticas, plenas e verdadeiras na relação com o outro.

Vamos então às nossas reflexões...

1 O PENSAMENTO SISTÊMICO NO PROCESSO GRUPAL

“[...] a função primária da linguagem é a construção de mundos humanos, não simples-mente a transmissão de mensagens de um lugar a outro. A comunicação torna-se assim um processo construtivo, não um mero trilho condutor de mensagens ou de idéias, nem tampouco um sinal indicador do mundo externo” (Pearce).

A teoria sistêmica e a teoria da comunicação humana andam de mãos dadas e con-tribuem fortemente para compreender a complexidade da relação grupal. A Teoria Sistê-mica está inserida na Teoria Geral dos Sistemas proposta por Bertrand Russel desde 1910. O autor afirma que não é possível uma classe (grupo) ser membro de si mesma, assim como um de seus membros não pode ser a classe (grupo). Tal conceito definiu a formulação do princípio da não-somatividade, ou seja, um sistema (um grupo) não pode ser entendido como a mera soma de suas partes e os resultados da análise dos segmentos isolados não podem se aplicar ao conjunto como um todo.

A teoria geral dos sistemas foi elaborada e sistematizada por Von Bertalanffy a partir da década de 20. Para tal autor, os acontecimentos já não seriam explicáveis pela referência causal ou em função de decisões, ações individuais, mas sim, em decorrência da ação de sistemas socioculturais em interação, sejam eles preconceitos, ideologias, gru-pos de pressão, tendências sociais, ciclos civilizatórios e o que mais for (Osório, 2000).

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A grande contribuição da teoria sistêmica foi o entendimento das relações huma-nas além do modelo linear do pensamento científico (causa-efeito), para o modelo circu-lar ou seja, o padrão interativo. Tal conceito implica no entendimento do comportamento humano sendo compreendido como partes em interação que são atravessadas por múlti-plos fatores, que ora se combinam, ora se contrapõem, ora se atravessam, ora articulam, num conjunto de forças dinâmicas que podem levar o grupo a outros estágios de trans-formação, à repetição de padrões de funcionamento, à estagnação e/ou à própria morte.

A Teoria Sistêmica permite ao coordenador de um grupo compreender as plurali-dades e multiplicidades de comportamentos e emoções que se dão no processo grupal.

No processo que vivemos, encontramos em Bion (1975) e Schutz (1978) aporte teórico que sustenta as reflexões que fizemos para compreender a serviço do quê a comu-nicação não-verbal fez-se presente nas diversas fases que vivemos no grupo.

Bion (1975) afirma que o grupo tem significados terapêuticos pois oportuniza a catarse da confissão pública e possibilita ao sujeito adquirir conhecimento dos fatores que contribuem para o que chamou de “bom espírito de grupo”. Para tal, é necessário que o grupo tenha um propósito comum (nutrir um ideal) e reconheça o lugar desejado, tendo em vista os grupos maiores.

O grupo deve ter a noção de identidade grupal; reconhecer o valor dos subgrupos e os limites destes; e, valorizar os sujeitos que o compõem, considerando que a mobilida-de de cada um é limitada pelas condições dadas pelo próprio grupo. Bion (1975) nos seus estudos verificou que as pessoas fazem estimativas das atitudes do grupo em relação a si mesmas, logo isso é um fenômeno existente na vida mental do sujeito e um grupo depen-de dos juízos que os indivíduos fazem do mesmo.

Bion (1975) desenvolveu uma série de conceitos que permitiram compreender o grupo e sua dinâmica. O mesmo compreendia que o grupo funciona em muitas oportuni-dades como uma unidade, ainda que seus membros a isto não se proponham, nem disto tenham consciência, isto é, existe uma atividade mental coletiva que se produz quando as pessoas se reúnem em grupos.

A este funcionamento Bion denominou de Mentalidade Grupal ou Cultura do Grupo. A Mentalidade Grupal está formada pela opinião, vontade ou desejos unânimes do grupo em um momento dado, ou seja, a Cultura do Grupo é a organização do grupo resultante do interjogo da Mentalidade Grupal e dos desejos do indivíduo.

Bion (1975) identificou que nos grupos estão configuradas as emoções intensas e de origem primitiva, consideradas como básicas. Sua existência determina, em parte, a organização que o grupo adota, e o modo pelo qual encara a tarefa que deve realizar. As emoções são inconscientes, e muitas vezes opostas às opiniões conscientes e racionais dos membros que compõem o grupo.

Os grupos de supostos básicos, tem certas formas típicas de organizarem-se, em particular no que se refere a comportamento e liderança: a cultura chamada grupo de de-pendência se organiza em busca de um líder que cumpra a função de promover a necessi-dade do grupo; a cultura chamada grupo de ataque-fuga encontra seu líder em personali-dades paranóides; a cultura chamada grupo de acasalamento a liderança está relacionada com um par que promete um filho, ou alguma idéia relacionada com o futuro, o líder é algo ou alguém que ainda não tenha nascido.

Os supostos básicos estão a serviço das fantasias onipotentes a respeito do modo pelo qual serão resolvidas as dificuldades do grupo. Todos são estados emocionais que buscam evitar a frustração inerente ao aprendizado por experiência, o que implica esfor-ço, dor e contato com a realidade.

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A participação em um suposto básico não exige de seus integrantes nenhuma ca-pacidade de cooperação, capacidade que é um requisito fundamental para a participação na atividade mental que Bion (1975) chama de grupo de trabalho.

Uma característica comum a todos os grupos de suposto básico é a hostilidade com que se opõem a qualquer estímulo no sentido do crescimento ou desenvolvimento (insight). Outra característica se refere a linguagem, que não aparece desenvolvida como uma forma de pensamento, mas utilizada como uma forma de ação.

Estas situações estão relacionadas com a incapacidade do grupo para desenvolver uma linguagem simbólica que seja um prelúdio à ação, ou linguagem de êxito, como a chama Bion (1975).

É importante salientar que a forma aberrante de cultura aparece sempre que o grupo tem que enfrentar uma idéia nova que promove evolução e que não pode manipular numa cultura de grupo de trabalho, nem neutralizar numa cultura de suposto básico. A idéia nova, em sua evolução, ameaça a estrutura do grupo básico, trazendo associada à idéia da situação denominada por Bion (1975) de mudança catastrófica.

Tal mudança ocorreu no grupo quando uma das coordenadoras adoeceu, exigindo então uma nova forma de interação com a mesma e dela com o grupo.

Acreditamos que a mudança catastrófica (Bion, 1975) fez-se presente nas nossas expressões faciais, no silêncio quando a vimos no congresso da SBDG. Levantamos a hipótese de que o suposto básico de acasalamento esteve presente neste momento, quan-do parte do grupo reuniu-se para falar da situação da coordenadora, na casa de uma das integrantes do grupo, dias após o encontro.

O não-verbal se fez presente, pois não conseguimos falar a ela como a estávamos percebendo. No fundo ficamos com muita raiva do que aconteceu com ela, pois a mãe idealizada não tinha mais como nos suprir.

O Grupo de Trabalho requer de seus membros capacidade de cooperação e esfor-ço; isso não se dá por valência e sim por um certo amadurecimento e treinamento para participar dele. É um estado mental que implica contato com a realidade, tolerância a frustração, controle de emoções.

Bion (1975) destaca o conceito de protomentalidade grupal, que é o terreno onde os anseios se encontram, e neste grande caldeirão, as pessoas vivem no “aqui e agora” as experiências do “lá e então”. O imaginário grupal, que retrata a realidade interna, e as demandas individuais.

Acreditamos que o exercício realizado para simbolizarmos o grupo como se fosse uma casa, é um exemplo do caldeirão referido por Bion (1975).

Quando cada integrante escolheu que peça ou móvel seria na casa, a mesma não teve banheiro. Nosso grupo compreendeu o banheiro como um código que dizia: não te-mos intimidade, não podermos dar “cagadas”.

Supomos que vivemos no “aqui e agora” um “lá e então”, internalizado, que exige de nós o fazermos bem feito, não mostrando nossas intimidades, nossas fragilidades.

Schutz (1978) é o teórico de grupo que permite o entendimento do indivíduo ao conceituar as necessidades interpessoais que se manifestam em comportamentos e senti-mentos para com outras pessoas e estão arraigadas em nosso autoconceito, quais sejam: inclusão, controle e afeição. Ao referir as necessidades interpessoais especifica que “os membros de um grupo não consentem em integrar-se senão a partir do momento em que certas necessidades fundamentais sejam satisfeitas pelo grupo”. Segundo Schutz (1978), “todo ser humano que se reúne em grupo, apresenta em maior ou menor grau, estas ne-cessidades; e é somente no grupo e pelo grupo que estas necessidades serão satisfeitas”.

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A inclusão refere-se a sentimentos quanto a ser importante, ter significado ou mé-rito. A fase de inclusão caracteriza-se pela necessidade de todo novo participante de um grupo sentir-se parte do mesmo, sentindo-se aceito, valorizado e respeitado. Nesta fase, os membros procuram evidências no comportamento do grupo, de que não são rejeitados pelo mesmo. A inclusão se processa na integralidade quando o indivíduo sente-se fazen-do parte nos processos decisórios do grupo.

O controle relaciona-se a sentimentos de competência (inteligência, aparência, praticabilidade e habilidade para enfrentar o mundo). Na fase de controle, os indivíduos já incluídos pelo grupo, sentem-se responsáveis por tudo aquilo que constitui o grupo: sua estrutura, atividades, objetivos, progressos, etc. Por isso, torna-se uma fase onde o jogo de forças assume caráter importante, uma vez que os membros, ao procurarem firmar seu lugar no grupo, tentam também mostrar seu poder de influência, liderança e realização.

A afeição está relacionada com o fato de uma pessoa sentir-se amada, isto é, de sentir que, se for revelada a totalidade de sua essência pessoal, será vista como plena de amor. Na fase de afeição, os indivíduos buscam provas no grupo de que sua presença é fundamental. Isto mostra um desejo grande de interação emocional. Nesta fase, o grupo sente confiança de expressar sentimentos de qualquer natureza na busca do crescimento individual e grupal. Recentemente, esse autor tem utilizado para aplicação em organiza-ções a palavra “abertura” em lugar de afeição, uma vez que, independente da existência ou não de afeto, as pessoas podem atuar eficazmente em suas relações na medida em que estiverem abertas à interação. Afirma que “a facilitação para um ambiente de alto desem-penho está diretamente relacionada com a abertura e confiança entre as pessoas” (Schutz, 1978).

No penúltimo encontro, quando uma integrante do grupo, que se caracterizou por ser uma pessoa confiável, mas estava vivendo um momento de crise pessoal com a possi-bilidade de um diagnóstico de câncer, ao realizar uma leitura no grupo sobre a emoção de vida e morte possibilitou ao mesmo compreender o que estava acontecendo. Tal momen-to contribuiu para contatarmos com um estado emocional de plenitude, permeado pelo afeto e tranqüilidade.

Levantamos a hipótese que neste momento o grupo vivenciou a afeição, a emoção de abertura proposta por Schutz (1978).

Consideramos relevante sistematizar os conceitos de Bion (1975) e Schutz (1978), pois acreditamos que a comunicação verbal e não-verbal esteve a serviço das diversas fases que o grupo vivenciou, utilizando os supostos básicos e grupo de trabalho proposto por Bion (1975), bem como as necessidades interpessoais analisadas por Schutz (1978).

2 MAPEANDO A COMUNICAÇÃO

“O homem é para o mundo, isto é, todo o seu ser é para ser aproveitado no mundo, reali-zado no mundo. O que o homem possui não é para ser armazenado nele e para ele... é pa-ra ser distribuído, intercambiado, existencializado... posto em comum” (Beltrão).

Comunicação envolve uma gama de conceitos que dificilmente se esgotam devido às multiplicidades de vertentes teóricas e campos da ciência que a estudam. Não temos a pretensão de darmos conta do tema em sua essência. Nossa preocupação neste trabalho foi definir alguns conceitos relacionados ao processo de comunicação, a fim de termos

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um nivelamento conceitual. Realizamos um estudo da comunicação, para focarmos na comunicação não-verbal.

Beltrão (1977), ao estudar a comunicação, compreendeu a expressão como a fun-ção biológica pela qual o indivíduo traduz exteriormente o seu estado interior. É um fe-nômeno natural, em harmonia com os estados internos.

Hoffmann (1996), por sua vez, considera que a construção social se dá através de conceitos e recordações que surgem do intercâmbio social e são mediatizados pela lin-guagem.

Assim, a expressão, apesar de se referir a um indivíduo como tal, é também uni-versal e uniforme: homens de distintos idiomas riem e choram da mesma maneira e seus gestos espontâneos não apresentam diferenças.

A linguagem pode ser considerada como qualquer sistema de signos (formas físi-cas cuja função é identificar alguma coisa-objeto, qualidade, situação) empregados pelos seres vivos do reino animal para expressão e/ou o intercâmbio de informações.

A comunicação é o processo de transmissão da informação enriquecida pela re-flexão e posta em símbolo (mensagem) com o propósito de provocar uma reação. É uma função social. O diálogo, por sua vez, refere-se ao conhecimento a dois.

A comunicação não-verbal envolve as comunicações “silenciosas” que não ne-cessitam de palavras porque encontram o seu canal mais autêntico de expressão nas per-cepções corporais, nos sentimentos e atitudes que nem sempre são claros como a lingua-gem, mas têm a vantagem de possuir aquele valor experiencial que é fundamental para compreender (Beltrão, 1977).

2.1 Reflexões sobre alguns axiomas conjeturais de comunicação

Nas leituras realizadas em Watzlawick e outros (1967), encontramos conceitos que sustentam as análises realizadas pelo não-verbal no grupo.

1º axioma:

A impossibilidade de não comunicar

Todo comportamento, numa situação interacional, tem valor de mensagem, isto é, é comunicação. É impossível não comunicar. Atividade ou inatividade, palavras ou silên-cio, tudo possui um valor de mensagem.

Tampouco podemos dizer que a “comunicação” só acontece quando é intencional, consciente ou bem sucedida, isto é, quando ocorre uma compreensão mútua. Se a mensa-gem enviada iguala.

Uma unidade comunicacional isolada é chamada mensagem ou, uma série de mensagens trocadas entre pessoas denomina-se interação.

A impossibilidade de não comunicar é um fenômeno de interesse mais do que simplesmente teórico. Por exemplo, faz parte do “dilema” esquizofrênico.

Em resumo, podemos postular um axioma metacomunicacional da pragmática da comunicação: não se pode não comunicar (Watzlawick e outros, 1967).

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2º axioma:

O conteúdo e níveis de relação da comunicação

Uma comunicação não só transmite informação mas, ao mesmo tempo, impõe comportamento. Na comunição humana, verifica-se que existe a mesma relação entre os aspectos de relato e ordem: o primeiro transmite os “dados” da comunicação; o segundo, como essa comunição deve ser entendida. A relação também pode ser expressa não-verbalmente, por um grito, um sorriso ou muitos outros meios.

A capacidade de metacomunicar adequadamente é a condição sine qua non da comunicação bem sucedida, mas está intimamente ligada ao problema da consciência do eu e dos outros.

Toda comunicação tem um aspecto de conteúdo e um aspecto de comunicação tais que o segundo classifica o primeiro e é, portanto, uma metacomunicação.

3º axioma:

A pontuação da seqüência de eventos

Não está aqui em pauta se a pontuação da seqüência comunicacional é, de um modo geral, boa ou má, como deve ser imediatamente óbvio que a pontuação organiza os eventos comportamentais e, portanto, é vital para as interações em curso.

É muitas vezes difícil acreditar que os dois indivíduos pudessem ter opiniões tão divergentes sobre tantos elementos de uma experiência conjunta. No entanto, o problema reside, primordialmente, numa área já freqüentemente mencionada: a incapacidade de ambos metacomunicarem sobre os padrões respectivos de sua interação.

A natureza de uma relação está na contingência da pontuação das seqüências co-municacionais entre os comunicantes.

4º axioma:

Comunicação digital e analógica

Para Watzlawick e outros (1967), a linguagem digital é uma sintaxe lógica suma-mente complexa e poderosa mas carente de adequada semântica no campo das relações. A linguagem analógica possui a semântica, mas não tem uma sintaxe adequada para a definição não ambígua da natureza das relações.

Na comunicação analógica, existe algo particularmente “como coisa” naquilo que é usado para expressar “a coisa”. A comunicação analógica pode referir-se mais facil-mente a coisa que representa.

A comunicação analógica tem suas raízes em períodos muito mais arcaicos da evolução e, portanto, é de maior validade geral do que o relativamente recente e muito mais abstrato modo digital de comunicação verbal (Watzlawick e outros, 1967).

O que é, pois, a comunicação analógica? É virtualmente toda a comunicação não-verbal. Esse termo, entretanto, é equívoco, porque está freqüentemente restringido aos movimentos corporais, ao comportamento conhecido como cinético. Os autores susten-tam que o termo deve abranger postura, gestos, expressão facial, inflexão de voz, seqüên-cia, ritmo e cadência das próprias palavras assim como, as pistas comunicacionais infali-velmente presentes em qualquer contexto em que uma interação ocorra.

O homem é o único organismo conhecido que usa os modos analógico e digital de comunicação. Em resumo, se nos lembrarmos de que toda a comunicação tem um conte-údo e uma relação, podemos esperar concluir que os dois modos de comunicação não só existem lado a lado mas complementam-se em todas as mensagens. Também podemos concluir que o aspecto de conteúdo tem toda a probalidade de ser transmitido digitalmen-

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te, ao passo que o aspecto relacional será predominantemente analógico em sua natureza (Watzlawick e outros, 1967).

5º axioma:

Interação simétrica e complementar

Todas as permutas comunicacionais ou são simétricas ou complementares, segun-do se baseiem na igualdade ou na diferença.

Birdwhistell (apud Watzlawick e outros, 1967) vai mais longe, ao sugerir que um indivíduo não comunica; ele se envolve em comunicação ou torna-se parte da comunica-ção. Pode movimentar-se ou fazer ruídos, mas não comunica. De um modo paralelo, ele pode ver, ouvir, cheirar, aprovar ou sentir – mas não comunica. Por outras palavras, ele não origina a comunicação; participa dela. Portanto, a comunicação como sistema não deve ser entendida como um simples modelo de ação e reação, por mais complexamente que seja descrito. Como sistema, tem de ser compreendido no nível transacional.

3 ANALISANDO A NOSSA VIVÊNCIA NO GRUPO

Na sistematização dos dados coletados, identificamos três grandes categorias que analisaremos. A primeira delas é “Compreendendo a linguagem do corpo”, a segunda “A expressão do silêncio”, e a terceira categoria é “Não falar, falando”. Em cada uma delas, destacamos os momentos no grupo em que se manifestaram e o aporte teórico que a ex-plica.

3.1 Compreendendo a linguagem do corpo

“A origem do corpo que concerne ao pertencer tem em si grandes potencialidades cogni-tivas para quem se interessa por relações, pois é, sobretudo, o vínculo que une entre si os membros que caracteriza o próprio grupo” (Andolfi).

O corpo

Andolfi (1996) destaca que no dicionário a palavra corpo indica uma parte de ma-téria que ocupa o espaço, que possui uma forma, com propriedades químicas e físicas constantes. Porém, ao percorrer-se todas as definições e possíveis explicações deste vo-cabulário, descobre-se que ele é empregado, também, para indicar pessoas e coisas que pertencem a um grupo, a uma classe, que “fazem parte de”.

A origem do corpo que concerne ao pertencer tem em si grandes potencialidades cognitivas pois é, sobretudo, o vínculo que une entre si os membros de um grupo que caracteriza o próprio grupo. De fato, tais vínculos formam-se da intersecção de interesses e objetivos que as pessoas têm e de uma coerente distribuição de papéis e funções.

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A linguagem

Quando se fala em linguagem normalmente se faz referência a um sistema de sig-nificados (sinais) que permitem alguma forma de comunicação.

A linguagem do corpo

A linguagem do corpo é a modalidade com a qual as pessoas se posicionam e se movimentam no espaço.

Cada indivíduo tende a exprimir com o próprio corpo como se representa em rela-ção ao outro em um determinado momento ou período da sua vida. Quando os indivíduos se encontram no mesmo espaço, a complexidade das informações não-verbais aumenta consideravelmente. Portanto, será possível observar semelhanças e diferenças nos com-portamentos e nas reações da mesma pessoa de acordo com o contexto onde interagirá.

A linguagem corporal é uma linguagem de referência para o coordenador de gru-po. Por meio destes gestos e sinais ele pode perceber e avaliar aquilo que acontece na interação entre seus membros. É evidente que aquilo que interessa é, sobretudo, a carga emocional que reveste uma configuração específica dos gestos, posturas e movimentos, por isso, é importante conectar-se àquilo que se “sente” em relação a estes para ser possí-vel um real encontro com a experiência alheia.

No processo vivido, identificamos momentos em que as expressões dos membros do grupo foram dispositivos para assinalar o que estava acontecendo. Por exemplo, quan-do uma das coordenadoras verbalizou para uma integrante que sua expressão estava indi-cando algo, tipo “Estás com uma carinha de gato no armazém procurando onde vomitar”, a integrante do grupo se fez de desentendida e não respondeu para a coordenadora.

Acreditamos que o comportamento da integrante, como emergente do grupo, na-quele momento, assinalava a dificuldade que tínhamos de contatar com nossos sentimen-tos, caracterizando o suposto básico de luta e fuga (Bion, 1975).

Uma correta codificação e elaboração das mensagens corporais oportuniza melho-rar a adequação das intervenções e, portanto, a possibilidade de responder favoravelmen-te ao pedido de ajuda. Aperfeiçoando a sensibilidade para a leitura da comunicação não-verbal o coordenador poderá compreender como são acolhidas suas intervenções. É dese-jável que aproveitando as potencialidades da linguagem do corpo, esta se torne uma refe-rência também, para os membros do grupo.

Ficar atento à comunicação (comportamento) não-verbal significa se deixar al-cançar continuamente pelas informações implicitamente enviadas levando o indivíduo a interagir de um modo autêntico e produtivo sem cair em definições de relação, ou seja, em uma situação de rigidez perceptiva que bloqueia cada possibilidade de mudança.

Em diferentes momentos, integrantes do grupo identificavam, pelos movimentos do colega, que o mesmo estava comunicando algo. Por exemplo: uma integrante assinala para outra que “ela já está batendo com os pezinhos”, como sinal de impaciência. Por outro lado, era um movimento de controle sobre a possibilidade da manifestação de afeto ou até de um possível descontrole, de certa maneira, o que era temido neste grupo.

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Sinais do corpo

Segundo Argyle (apud Andolfi, 1996), por sinal do corpo entende-se um elemento do comportamento, do aspecto exterior de um organismo que, agindo além disso, à dis-tância é recebido pelos órgãos do sentido de um segundo sujeito, o qual por sua vez, é influenciado com base no significado que este assume por ambos. Os sinais, que possuem o objetivo de comunicar e são dirigidos a um fim, são chamados de comunicação, en-quanto as respostas comportamentais ou fisiológicas incluem-se entre os sinais e são, portanto, a expressão involuntária de estados emocionais (por exemplo, a palidez pode ser sinal de medo).

Às vezes já é difícil decidir se um sinal não-verbal pretende comunicar ou não, pois um mesmo sinal pode ser utilizado tanto como comunicação quanto como indicador ou ainda ser parcialmente comunicação, parcialmente indicador.

Como sustenta Scheflen (apud Andolfi, 1996), a intenção de comunicar e a função que um comportamento possui, efetivamente, em um processo de grupo devem ser con-ceitualmente distintos. O comportamento humano, definitivamente pode ser comunicati-vo seja qual for a intenção de quem age, por isso, em uma acepção mais ampla do termo, qualquer movimento ou expressão pode provocar uma circulação de significados.

Identificamos diversas manifestações dos integrantes do grupo ao referirem-se es-tar com dor de cabeça, dores nas costas, úlceras, faltas de ar, nos momentos do processo grupal de intensa carga afetiva. Supomos que assinalar a dor foi um comportamento para fugir do essencial, do entrar em contato com o sentimento, por outro lado a intenção de comunicar foi de alguma forma registrar: “não estou agüentando isto”.

Supomos tratar-se de uma “defesa histérica” do grupo, que, para não contatar com o afeto, somatiza, pede ajuda, é ajudado no sintoma, mas não nas causas. Talvez pudés-semos neste momento, contatar com esta dor – para que ela está se fazendo presente? o que ela pode estar significando – indo mais além.

Os sinais do corpo e as relações interpessoais

Segundo Argyle (apud Andolfi, 1996), os sinais emitidos pelo corpo podem ser subdivididos em (1) emocionais, (2) os que exprimem comportamentos interpessois e (3) os de personalidade.

Sinais emocionais O rosto é a área mais imediata deste tipo de sinalização. As expressões faciais re-

lacionam-se com as mudanças de posição dos olhos, da boca, das sobrancelhas, dos mús-culos faciais, o que torna esta área especializada na manifestação de comportamentos emocionais.

Através das expressões faciais podemos distinguir as emoções fundamentais de felicidade, surpresa, medo, tristeza, raiva, desgosto, desprezo e interesse.

No grupo, foram vários os momentos em que, através das expressões faciais, os integrantes manifestavam suas emoções de aceitação, de raiva, de ironia, de deboche. As situações mais marcantes caracterizaram-se pela atitude de uma integrante em dizer que não estava brava, mas sua expressão era tensa, crispada, com o olhar fuzilante.

Acreditamos que se a integrante do grupo utilizasse, através de um código de lin-guagem, suas emoções de raiva e agressividade, talvez o grupo não a aceitasse. A inte-grante cala-se pelo temor de ser retaliada, de não ser incluída no grupo (Schutz, 1978).

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Outra hipótese que realizamos é que o grupo, ao evitar entrar em contato com a possibilidade de mudança de comportamento da integrante, teme as suas próprias mudan-ças, sua reconfiguração.

Como refere Argyle (apud Andolfi, 1996), “a expressão da emoção é freqüente-mente o resultado do conflito entre o modelo de expressão com base biológica e as tenta-tivas racionais de controlá-la”; por isso as emoções são decodificadas por meio de todo complexo de sinais não-verbais e da expectativa criada pelo contexto. Porém, quando sinais verbais e não-verbais aparecem em conflito, é provável que predominantemente seja levado em consideração o componente analógico demonstrando que, em caso de incongruência das mensagens, as corporais são consideradas de qualquer forma mais au-tênticas.

A pele também é especializada em refletir mais diretamente os estados psicológi-cos, de maneira que uma vermelhidão de raiva ou uma palidez de medo, dificilmente, podem ser mascaradas.

Identificamos, no grupo, no momento que demos o feedback para uma das coor-denadoras, sobre a maneira como ela se desqualificava. Ela aceitou o feedback, mas seu pescoço e suas faces ficaram avermelhados.

A hipótese que levantamos é que a coordenadora pode ter entrado em contato com algo íntimo do seu modo de ser, que é a sua desqualificação, sentindo-se exposta perante o grupo. Nos questionamos de que talvez a coordenadora tenha sentido raiva do grupo, pois seus “filhos” dizem à “mãe idealizada” que ela tem “segredos”; e neste grupo, tem que “ser fodão”, não dá para dar “cagadas”.

No que concerne aos gestos, é preciso evidenciar que com bastante freqüência es-tes podem exprimir emoções que verbalmente não se consegue transmitir, pois são mais genuínos e espontâneos que as simples palavras. Assim, de uma comunicação aparente-mente forte, às vezes basta um simples movimento de uma região corporal para fazer com que apareçam conteúdos emotivos bastante importantes para que se consiga uma real compreensão.

Em uma dinâmica que envolvia mexer nas bolsas, uma integrante, de modo in-tempestivo, esvazia sua bolsa no meio da sala, a partir do questionamento da coordenado-ra sobre as nossas dificuldades em conhecermo-nos com intimidade.

Em outra situação, uma integrante levanta o dedo para outra, indicando que ela deveria silenciar-se.

Em vários momentos no grupo um integrante falava colocando a mão na boca e, mesmo com o assinalamento das colegas, ele continuou com esta atitude.

O uso de gestos nestas situações foi a forma que os integrantes tiveram para mani-festar espontaneamente emoções que não estavam conseguindo verbalizar: perda do con-trole de uma integrante; uma integrante controlando a outra, porque estava sendo insupor-tável ouvi-la; um integrante autocontrolando-se. Então, o que poderia acontecer, no ima-ginário do grupo se alguém perdesse o controle?

O modo como o indivíduo se apresenta pode ser um indicador de disposições in-ternas psicológicas, sobretudo quando estes não dependem de fatores que ditam regras socialmente aceitas, tais como a moda ou as sugestões de boa educação. De fato, o modo como vestir-se, quando predomina um particular estado de ânimo, acaba por responder majoritariamente a esta propensão interna antes que às expectativas sociais. Portanto, uma transformação no aspecto exterior de alguém durante uma série de encontros de gru-po pode ser representativa dos processos de elaboração da própria história, a qual neces-

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sariamente correspondem a variações nos estados afetivos das pessoas, além de sinais de um novo modo de colocar-se na relação.

As várias transformações visuais que ocorreram com as pessoas durante os nossos encontros, que iniciaram com a colocação de silicone, procedimentos de lipoaspiração, mudanças no corte de cabelo (após assinalamento das integrantes do grupo), mudanças no modo de vestir de integrantes e coordenadora do grupo, o ganhar e perder peso, colo-car “butox”, redução mamária de outra integrante... Têm muitos significados aqui?

Supomos que os movimentos do grupo envolveram processo de identificação, de dependência das coordenadoras; se elas colocam silicone, mudam o modo de vestir, as integrantes também podem.

Acreditamos que é uma forma de competição, de inveja. Pode ser um sinal de aceitação do outro (Schutz, 1978).

Sinais que exprimem comportamentos interpessoais Muitos dos sinais incluídos neste grupo podem ser especificados no olhar, no con-

tato físico, na postura e naqueles gestos relacionados ao encontro, tais como a aproxima-ção, o cumprimento e os gestos de exploração.

Os nossos olhos não se limitam a observar o outro, mas dão-nos também uma medida da distância ou da intimidade desejada do encontro. Os olhos são também expres-sivos do poder.

O contato físico, tão importante para a infância, permanece uma forma relevante de comunicação para toda a vida. Trata-se, quase sempre, de contato externo. O autocon-tato, que consiste em pequenos gestos de toque por parte do próprio corpo (rosto, cabelos, mãos, pernas, etc.) que, especialmente em momentos de tensão interpessoal, são repetidos na busca inconsciente de conforto, de auto-segurança.

O cumprimento é um elemento comum dos encontros, sejam eles ocasionais, ca-suais ou cheios de expectativas, requerem sempre tal comportamento. Mas nem todos os cumprimentos são expressos do mesmo modo, e a recusa do cumprimento deixa transpa-recer a história de duas pessoas.

Segundo Argyle (apud Andolfi, 1996), as dimensões gerais dos comportamentos interpessoais, especificadas no domínio contraposto à submissão, na hostilidade contra-posta à amizade (afiliação), podem ser ligadas a alguns sinais do corpo. A relação pode ser negociada, em nível não-verbal, por meio de uma seqüência rápida e sutil de mensa-gens. É isto que se verifica no cortejamento, onde os sinais (olhar, sorriso, contato) tor-nam-se uma variante dos comportamentos de afiliação, realmente graças à temporalidade que o caracteriza.

Na decodificação dos sinais que exprimem comportamentos interpessoais, a ori-entação dos corpos possui um papel importantíssimo. O ângulo segundo a qual as pessoas se situam no espaço, em pé ou sentadas, uma em relação à outra, realmente parece indicar as relações de colaboração, de intimidade ou de hierarquia (superioridade-inferioridade) que podem estabelecer entre os integrantes, em relação às diferenças de status (Andolfi, 1996).

Identificamos em vários encontros que as cadeiras ao lado das coordenadoras fi-cavam vazias bem como os integrantes dos subgrupos geralmente sentavam-se próximos e parcerias mais íntimas trocavam idéias e olhares durante as atividades. Supomos que este distanciamento confirma a idealização, o respeito à figura de autoridade, temor de sermos próximos e íntimos das coordenadoras.

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As duplas sentavam juntas para se fortalecerem, acasalarem-se perante o grupo (Bion, 1975).

Sinais de personalidade Argyle (apud Andolfi, 1996) afirma que os termos da codificação e da decodifica-

ção dos principais sinais não-verbais podem incluir, também, os aspectos relativamente mais estáveis de um indivíduo, ou seja, a sua personalidade. Os sinais utilizados para comunicar qualidades pessoais são constituídos, principalmente, pelo aspecto exterior, pelo estilo de comportamento social e pelas expressões verbais.

É necessário apontar que as pessoas não estão constantemente empenhadas em enviar estes sinais sobre si, pois isto é útil somente nas situações nas quais se sentem ob-servadas ao invés de observarem, por isto fazem o seu melhor para fornecer os aspectos da própria imagem mais desejável.

Houve preocupação em destacarmos, no início da formação, que éramos bons, o quanto trabalhávamos, entre outras coisas. Em vários momentos as coordenadoras assina-lavam a nossa preocupação em dizermos que éramos “fodões”, que conseguíamos supor-tar e obter sucesso em situações de pressão.

Supomos que este movimento significa o processo de identificação com as coor-denadoras “fodonas”. Lançamos a hipótese de que ao sermos “fodões” estamos dizendo que somos “páreo para elas”, caracterizando um funcionamento de “controle” (Schutz, 1978).

Acreditamos que também fizeram-se presentes três mecanismos: o de identifica-ção com as coordenadoras (“preciso ser tão boa como elas”; o de “me aceitem, pois sou tão boa quanto vocês”; e, o terceiro mecanismo, de valorização e confirmação dos mem-bros do grupo.

O elemento mais comunicativo da personalidade de um indivíduo residiria, por-tanto, no aspecto físico tanto em repouso quanto em movimento. É isto que Lowen (apud Andolfi, 1996) salienta quando afirma que a definição da personalidade (agradável, forte, deprimente, etc.) descreve sempre uma resposta emotiva a um outro ser que não pode prescindir de ações e comportamentos, tais como, a solenidade, as aparências, as posições assumidas e a maneira de falar que reconhecemos em uma pessoa.

A expressão que diz “nós não temos um corpo, nós somos um corpo” refere-se à idéia de que no corpo estão memorizadas as informações sobre a nossa história. Desta forma, devemos considerar as palavras de Steer (apud Andolfi, 1996), que aconselha: “Fechemos os ouvidos para ver claramente aquilo que as pessoas fazem no seu corpo”.

Uma vez que a linguagem do corpo é uma comunicação silenciosa que se expres-sa através de percepções corporais e sentimentos, é realmente a observação destes movi-mentos e da mímica de quem esta à nossa frente que possui um grande papel no fazer reviver a experiência dos outros.

3.2 A expressão do silêncio

“O silêncio é sempre uma das mais ricas fontes de comunicação não verbal que o grupo usa para expor uma faceta diferente ou para encobrir um determinado momento, algo que não está conseguindo enfrentar. [...] Estar à vontade dentro dele ajudará o grupo a aliviar-se de grande parte da tensão ansiosa” (Castilho).

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O silêncio é uma expressão não-verbal do grupo, que nos comunica às vezes mui-to mais do que as palavras. Para Castilho (1962), o silêncio é o “espinho na garganta de muitos facilitadores de grupo”. A autora acredita que é um desafio “trabalhar, enfrentar, como e o quê fazer” com o silêncio.

Nas fases iniciais do grupo o silêncio é altamente evitado. O grupo aprende a de-pender de determinados membros que sempre vêm preencher os espaços vazios, por exemplo quando integrantes do grupo falam sem parar. Normalmente são os membros do grupo mais ansiosos que não suportam o silêncio, evitando com suas brincadeiras e con-versas, qualquer nível de tensão.

Quando o silêncio surge, o integrante do grupo pode manifestar uma reação ao mesmo, tais como: evitando o olhar, olhares cúmplices, aumento dos movimentos corpo-rais, rasgar papéis, balançar com os pés, mexer com os cabelos, tomar café ou água, riso frouxo e nervoso, bocejar ou dormitar.

O silêncio marca freqüentemente o fim ou início de uma nova etapa do grupo. É como se as pessoas estivessem procurando recuperar energias para uma nova fase e no-vamente se repete o ciclo do comportamento que com outro enfoque e objetivo, quebra resistências.

O silêncio é um fenômeno de grupo dos mais expressivos. O respeito ao silêncio e a reflexão sobre o mesmo deve ser considerado para analisar o grupo.

Segundo Castilho (1962), são várias as modalidades de silêncio que com freqüên-cia se fazem presentes no processo grupal. Destacamos então, as que consideramos mais freqüentes no nosso grupo:

Silêncio de conflito – é permeado pelo sentimento de ódio, medo, rejeição, hosti-lidade. As partes envolvidas permanecem caladas.

Pode ser observado em três circunstâncias diferentes: (1) reação de contestação à figura do facilitador; (2) ressentimento latente entre um ou mais participantes como for-ma de protesto; (3) silêncio que precede a uma explosão emocional que acontecerá.

� O grupo permanece em silêncio com o choro da colega, quando a mesma questiona a outra por ter desistido dela, sem avisá-la.

� Acreditamos que os integrantes do grupo silenciaram pelo temor de também não serem aceitos pelos pares.

� Por outro lado, o silêncio do grupo naquele momento, poderia estar a serviço de não perder o controle confrontando-se ou tomando partido.

Silêncio de medo – manifesta-se com mudança de postura física e psicológica das pessoas. Traz muita tensão, traz muita descarga psicossomática.

Dor e perda – caracteriza-se pelo recolhimento ante sua própria dor e de tercei-ros. O não falar. Este silêncio é vivido por perda real, dano muito sério.

� No jornal, quando uma integrante relata a perda do bebê. � Choro da coordenadora quando verbaliza seu sofrimento devido aos proble-

mas de saúde. � Nestes momentos fizeram-se presentes as dificuldades do grupo em entrar em

contato com as suas fragilidades. O silêncio foi uma forma de proteção.

Reflexão: acontece depois de uma intervenção do facilitador, um feedback. � Quando as coordenadoras, em diversos momentos, perguntavam ao grupo o

que estavam fazendo ali, a serviço do quê tinham determinadas ações.

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� A coordenadora assinala que o grupo não está estudando, e que, com isso, não está contribuindo para a formação. Supomos que este silêncio representava o sentimento de vergonha em admitir que o grupo não estava cumprindo com o combinado gerando a idéia de não-aceitação por parte das coordenadoras.

Silêncio de expectativa – o que vai acontecer, pelo que o outro vai falar para o grupo. Misto de tensão e curiosidade. Pode ser uma cobrança ou um estímulo.

� O silêncio do grupo quando uma integrante fala para o outro integrante que é melhor do que ele não considerando-o uma pessoa com a qual seria páreo para competir.

� O silêncio diante de relatos emocionais muito fortes. � Quando uma integrante conta o processo de adoção de sua filha.

Silêncio de solidão – sentimento de estar só, a experiência de contato com a soli-dão varia muito de pessoa para pessoa. É o encontro com o seu próprio ser. Solidão a dois, quando não se comunicam mais. Vivenciam profundos silêncios de solidão.

Silêncio de desinteresse – pode estar camuflando uma resistência, é o desinteres-se pelo que ocorre na situação externa.

Silêncio por dificuldade de comunicação – é um comportamento de inibição, di-ficuldade de se falar e se manifestar.

Silêncio de adeus – está relacionado com a perda definitiva ou temporária de al-guém. É um silêncio profundo e está impregnado de muitos sentimentos ao mesmo tem-po, tal como saudade, amor, ternura, medo e afeto. Presente quando da saída de alguém ou término de um grupo.

� Reação do grupo quando se deu a saída de uma integrante do grupo. Nossa hi-pótese é que este silêncio simboliza o pânico da própria desistência e o que ela significa.

Silêncio de mágoa – o sentimento presente é de mágoa, de dor psicológica, de perda, de decepção, da perda de confiança em alguém. É também uma fuga ao confronto, de grande dor e quando alguém se coloca com um dilema pessoal de muita intensidade.

Silêncio de desconfiança – surge no início dos grupos e também durante o pro-cesso grupal quando há quebra de sigilo do grupo. No final também pode ocorrer. De modo geral o que esse sentimento de confiança está encobrindo é o temor e o medo da separação.

Outros silêncios são e foram significativos no grupo como o silêncio de depres-são, no momento em que foi visível a ausência de interesse pelo que ocorre e falta de expectativa pelo que há de vir.

Destacamos o silêncio de dependência transferencial, que para nós é muito complexo, pois se relaciona ao jogo da dependência, da decisão, diante de situações ini-ciais. As pessoas vivenciam situações de silêncio. Consciente ou não se espera que o mesmo resolva, decida, faça, até por padrões aprendidos; pode ocorrer em momentos de crise.

Fizeram-se presentes outros silêncios como o de respeito caracterizado pela pos-tura do indivíduo que permanece em silêncio por não saber o que dizer, pelo respeito ao outro; ou o silêncio de amor e de paz; relacionado à plenitude de um encontro existen-cial, nos quais as palavras são desnecessárias.

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3.3 Não falar, falando

“[...] todo o comportamento, não só a fala, é comunicação; e toda a comunicação – mes-mo as pistas. Referências comunicacionais num contexto impessoal – afeta o comporta-mento” (Watzlawick).

A impossibilidade de não comunicar

Como já citamos anteriormente, não há comportamento que não possa ser comu-nicado. Mas quando há um contexto em que o compromisso de comunicar queira ser evi-tado é concebível às pessoas a tentativa de não querer comunicar-se.

E, pensando num contexto onde exista duas ou mais pessoas que, fisicamente, não podem abandonar o campo e também não podendo comportar-se de forma a não comu-nicar; poderemos entender, segundo Watzlawick e outros autores (1967), que quatro rea-ções são possíveis de acontecer por parte do locutor devido sua vontade de não querer se comunicar, são elas:

A rejeição da comunicação caracteriza-se pelo não desejo de comunicar. Exigin-do coragem no qual poderá criar um clima silencioso, tenso e embaraçoso, afinal a rejei-ção à comunicação é censurada pelas regras do bom comportamento.

No grupo, esta situação fez-se presente em vários momentos. Um deles foi quan-do dois integrantes recusaram-se a apresentar-se no primeiro encontro, quando todos já tinham se apresentado.

Acreditamos que a atitude dos integrantes é reflexo do funcionamento do grupo que estava com dificuldade de contatar com emoções que poderiam estar (no plano da fantasia) relacionadas com sentimentos de entrega, de contato afetivo, de controle sobre suas emoções.

A aceitação de comunicação, caracteriza-se pela interação entre as pessoas sobre determinado assunto, na qual há uma tendência a responder o necessário, a fim de evitar maiores informações sobre o fato.

No grupo identificamos este movimento quando uma integrante é questionada so-bre seu relacionamento com outro integrante, a mesma respondeu somente que eram mui-to próximos.

Nossa hipótese é que a integrante decidiu manter sua privacidade. O grupo não se permitiu aprofundar esta questão, pois implicaria maior intimidade, por ser um assunto velado. O grupo optou ficar na fantasia, na cultura de supostos básicos (falando fora do grupo, no cafezinho, nos subgrupos) não entrando em contato com seus preconceitos, crenças e valores.

Supomos que se aprofundássemos estes temas, o que estava no imaginário do grupo iria de encontro às normas convencionadas e crenças do grupo. Acreditamos que o grupo não aprofundou por medo de ressignificar suas relações.

A desqualificação da comunicação dá-se quando o indivíduo comunica de modo que invalida a sua própria comunicação ou a do outro. A desqualificação abrange uma gama de fenômenos da comunicação, sendo eles: declarações contraditórias, incoerên-cias, mudanças bruscas de assunto, tangencializações, frases incompletas, interpretações errôneas, estilo obscuro, maneirismos de fala, interpretações literais de metáforas.

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Uma integrante do grupo ao relatar suas atividades profissionais de maneira joco-sa, oculta a sua verdadeira qualificação e conhecimento diante do cargo o qual era de nível elevado.

Levantamos a hipótese de que ter sucesso naquele grupo tinha um peso, implica em sofrimento, ou desqualificação. Não dá para ter prazer. O nosso prazer passa por um viés “sado-masoquista”.

O sintoma como comunicação poderá ser usado para defender-se da loquacidade do outro. Observa-se nas situações: fingimento do sono, surdez, embriaguez, ignorância do idioma, a própria ansiedade ou qualquer outro defeito, ou ainda a incapacidade que torne a comunicação, justificadamente, impossível.

A comunicação concebe um sintoma como uma mensagem não-verbal: “não sou eu que não quero fazer isto; é algo fora do meu controle”.

Nota-se a seguinte mensagem: “Eu não me importaria de falar com você, mas al-go mais forte do que eu, pelo qual não posso ser responsabilizado, impede-me”.

O indivíduo poderá ter consciência que está “trapaceando” e pode, de fato, se convencer de que está à mercê de forças acima do seu controle e, por conseguinte, se li-bertou tanto da censura dos outros significantes como dos seus próprios rebates de cons-ciência.

Uma participante sentiu-se asfixiada, outra passou mal (tontura), várias pessoas do grupo sentiram dor de cabeça e outro dormiu.

A estrutura dos níveis de comunicação

Conteúdo e relação

Muitas vezes, ao tentar resolver o desacordo na comunicação, as pessoas come-tem o equívoco de discordar no nível metacomunicacional (relação), mas resolver o desa-cordo no nível de conteúdo, onde ele não existe, levando-os a pseudodesacordos.

Os pseudodesacordos reforçam a confusão na comunicação, pois enquanto as pes-soas vêem-se resolvendo situações do dia-a-dia (compromissos dos filhos, programa de TV, creme dental, etc.) ou seja, disputando quem tem razão, deixam de olhar, justamente, para essa disputa e, conseqüentemente, para a relação.

O fenômeno de desacordo fornece um bom quadro de referência para o estudo dos distúrbios de comunicação por causa da confusão entre conteúdo e relação.

Quando existe concordância no nível de conteúdo, o desacordo deverá ser exami-nado no nível de relação, para o domínio da metacomunicação; isto é mais importante do que a discordância, aparente no nível de conteúdo. “O buraco é mais em baixo”!

As pessoas, no nível de relação, não comunicam sobre fatos situados fora de suas relações mas oferecem-se mutuamente definições dessa relação e, por implicação, delas próprias. Assim sendo, ao comunicar no nível de conteúdo, o protótipo da metacomuni-cação será: “Isto é como eu vejo a mim próprio”.

E poderá obter três respostas a sua auto-definição, são elas:

Confirmação

Implica a aceitação da definição do eu. Essa confirmação do conceito de eu é, provavelmente, o maior fator que, por si só, assegura o desenvolvimento e a estabilidade mental do sujeito.

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Pressupõe-se que o conceito de eu tenha de ser, continuamente, reconstruído se quisermos existir como pessoas e não como objetos; e, principalmente, o conceito de eu é reconstruído em atividade comunicativa.

Rejeição

Por rejeição entende-se: lançar de si, expelir, desprezar, repelir, afastar. Para Wat-zlawick e outros (1967), a rejeição não nega, necessariamente, a realidade do conceito de eu, podendo em certas situações ser construtiva.

Desconfirmação

É uma punição muito forte, pois o indivíduo experimenta uma indiferença pelas pessoas sentindo-se ignorado. Tal situação levaria à “perda do eu”. Enquanto que a rejei-ção eqüivale à mensagem: “você está errado”, a desconfirmação diz, com efeito: “você não existe”!

A conseqüência básica disso é que quando não interessa como uma pessoa sente ou como atua, quando não interessa que significado ela dá à sua situação, os seus senti-mentos ficam privados de validade, os seus atos despojados de motivos, intenções e con-seqüências. A situação fica destituída de significado para ela, de modo que a pessoa é totalmente mistificada e alienada.

Entendendo que, o mecanismo de Confirmação constrói a identidade do eu, por analogia, também constrói a identidade do “eu grupal”. A identidade do grupo é construí-da por meio das confirmações que originam-se desde os primeiros contatos, primeiras relações. Nos questionamos, que tipo de confirmações construíram a identidade deste grupo? Talvez: “Vocês gostam de mim?” “Vocês acham que sou competente?” “Vocês sentem a minha falta?”

A história deste grupo revela necessidades de confirmação constantes, com alto nível de desconfiança e sensibilidade (ofensa).

Assim, supomos que o processo que se instalou como característico do funciona-mento deste grupo foi: “Faço tudo para ser confirmado. Sendo confirmado, sou muito feliz e querido. Caso desconfirmado, reajo e mostro como sou forte, poderoso e não pre-ciso desta confirmação.”

Podemos destacar como exemplo, a situaçãos em que, uma coordenação que tra-tava de competicação, uma integrante diz para outra que nem sabe no que as duas pode-riam estar competindo. A primeira desconfirma a segunda, enquanto nem mesmo a con-sidera.

4 MERGULHANDO NA COMUNICAÇÃO NÃO-VERBAL NA DINÂMICA DO NOSSO GRUPO

“Mas se eu compreender para aceitar as coisas – nunca o ato de entrega se fará. Tenho que dar o mergulho de uma só vez, mergulho que abrange a compreensão e sobretudo a incompreensão. E quem sou eu para ousar a pensar? Devo é entregar-me. Como se faz? Sei porém que só andando é que se sabe andar e – milagre – se anda” (Clarice Lispector).

Estamos cientes que fizemos vários recortes nas nossas vivências buscando com-preender o que o não-verbal comunicou em nosso grupo. Temos consciência que deve-

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mos agora costurar estes textos/tecidos, recortados, e fazermos uma colcha de “patch-work” que nos envolve, nos constrói, nos subjetiva.

A costura foi prazerosa e dolorida, pois revisitar a nossa caminhada com a lente mais potente, possibilitou-nos enxergar as nuânces do caminho realizado e o que estáva-mos não– verbalizando e vivendo. A dificuldade de verbalização, do “dar-se conta”,que permeou nos encontros de formação também, neste subgrupo, ocorreu. Então, não foi à toa que o tema escolhido tenha sido este. Seria nossa tentativa de resgate do não-dito?

Quando fizemos a técnica: “Com quem eu compito no grupo”, as pessoas de-monstraram dificuldades para identificar e verbalizar seus sentimentos em relação ao colega. Dar-se conta ¨com o quê do outro¨ cada um sentia-se competindo, foi um proces-so que exigiu muito a ajuda tanto das coordenadoras como dos demais integrantes do grupo. A competição, freqüentemente, era um tema tangencializado.

Na leitura do grupo, apoiadas em Bion (1975), acreditamos que nossa cultura gru-pal foi marcada pelos supostos básicos de dependência, luta e fuga e de acasalamento o que dificultou-nos, em alguns momentos, sermos um grupo de trabalho. Podemos enten-der tais atitudes como movimentos de resistência a contatar com as nossas emoções, com o nosso eu.

Pensamos que a constituição do grupo já criou em nós uma elevada expectativa, pois fomos as “escolhidas”, entre tantas, para compormos o grupo das coordenadoras “medalhonas” (como são denominadas por pessoas do meio). Nos sentimos certamente as filhas preferidas e amadas.

Desde os primeiros encontros várias verbalizações de poder, competência e co-nhecimento foram feitas pelo grupo levando à autoenominação de “fodão”, a qual não foi aceita e reconhecida até o último encontro.

O fato de termos nos dirigido à formação com as duas coordenadoras, que poste-riormente, denominamos também, de “fodonas” – que, segundo Aurélio (1986) é um termo chulo, que significa a cópula, que também pode ser uma coisa desagradável, ou difícil de executar ou suportar – certamente permeou todo o nosso grupo: as idealizamos do início ao fim.

Quando nos deparávamos com líderes afetivas, atrapalhadas com suas questões pessoais, com falhas e, principalmente, com emoções, nos atrapalhávamos. Faz-nos pen-sar na seguinte hipótese: demonstrar, neste grupo, os estados internos emocionados, con-correria para uma situação de vulnerabilidade, de descontrole, e de fragilidade portanto, quebraria o padrão “fodão”.

Foi com esta relação idealizada, narcíscica e onipotente que iniciamos o grupo, e, com o que nos deparamos? Com a técnica do Tavistock, que “tirou-nos o tapete”, expe-rimentamos sentimentos de raiva, ódio, pois as figuras parentais, naquele momento, não estavam nutrindo como desejávamos. Cada uma de nós deu os seus sinais de desconten-tamento e raiva: falando sem parar, com risos nervosos, tentando compor uma agenda e uma rotina de trabalho, fazer crachás, cantar, tentando conhecer as pessoas, agredindo as coordenadoras ou as próprias integrantes do grupo, chorando, silenciando ou simples-mente negando-se a falar.

Percebemos que mesmo após termos concluído a atividade, pessoas que já tinham vínculos com as coordenadoras estavam muito irritadas, não conseguindo aproximar-se das mesmas.

Uma das integrantes do grupo dizia “eu ainda não quero falar com vocês” e outra dizia “eu odeio vocês”.

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Pensamos que, como refere Bion (1975), estávamos vivendo no aqui e agora, al-go de lá, de acordo com as nossas subjetividades e com isso construíamos a mentalidade grupal, independente dos nossos eus. Acreditamos que o Tavistock tocou no eu primitivo de todos, do qual desconhecíamos a dimensão e o significado. Arriscamos supor que esta experiência foi a desencadeadora de alguns padrões de funcionamento do grupo.

Na relação de dependência, de objeto idealizado, reagimos somatizando, sentando de outros modos, dormindo, brincando e, até desistindo do grupo.

A primeira desistência de um membro de grupo, que verbalizou “não é isso que eu vim buscar”, foi uma forma de dizer que não queria contatar com este lado mais afeti-vo, manifestando seu desconforto, mas o nosso também. A saída de um segundo compo-nente que não conseguiu suportar os feedbacks, também foi uma forma de o grupo, atra-vés dele, avisar as coordenadoras: “peguem leve que nós não vamos agüentar”.

Quando outra integrante deixa o grupo imaginamos ter ido com ela uma parte que era vista como diferente: demonstrava fragilidade, ansiedade e misticismo; o que em mui-tos momentos nos chocava. O grupo pendia para não enxergar seu lado frágil. Isto assus-tava, não ia ao encontro da expectativa de ser “the best” pois expunha os “eus” carentes, amorosos, sofridos, dependentes.

O fato de um grande número de integrantes não seguir o que foi contratado no início – fazer os relatórios – além de ser mais um indicativo não-verbal de não querermos entrar em contato conosco, pode expressar também uma forma de “birra” para com as coordenadoras, pois queríamos ver o que elas fariam. Para nossa surpresa, não houve punição, o que gerou momentos de raiva nas pessoas que faziam e não eram “elogiadas pelas coordenadoras”.

O não comunicar a punição pelas ausências dos relatórios, acreditamos ter deixa-do a mensagem implícita, “depende somente de vocês”. Continuamos na nossa luta e fuga e, junto a esta, uma idéia messiânica de que alguma força superior, externa, chegaria e traria a luz, o conhecimento, o entendimento do que estava acontecendo conosco. Este modo fantasioso, onipotente e mágico permeou nossos encontros.

As coordenadoras, das mais diversas formas assinalavam o nosso funcionamento seja na fala, seja na postura, nos olhares, na tentativa de quebrar nosso padrão.

Na técnica em que montaram uma mesa de bar, colocaram cervejas e nos deixa-ram falar, simulando uma situação informal. Mesmo assim, não conseguimos “brincar”.

A tônica do nosso grupo foi, em repetidos momentos, a tangecialização das emo-ções, valores, crenças, sexualidade, competição, inveja, solidão, pois não sentimos/refle-timos sobre como estas relações afetavam o crescimento do grupo então, muito disso permaneceu na fantasia. Arriscamos afirmar que o grupo pouco permitia momentos para deprimir-se,ficar triste, gargalhar, brincar, relaxar, dançar, cantar.

Esta foi a nossa melodia: tivemos momentos de um ritmo gostoso, alegre, trans-gressor, feliz, transformador percebido nos peitos novos, na retirada de peitos, nos cortes de cabelos, no emagrecer, nas mudanças do estilo de vestir. Tivemos os momentos apáti-cos, de dormir, de debochar, de tentar imitar as coordenadoras, de competição para iden-tificar quem faria a leitura mais complexa e profunda.

Tivemos lutos, doenças e perdas, sendo o silêncio, os choros e os olhares de com-paixão a forma que encontramos de estar junto com a pessoa. Em contraponto, este grupo caracterizou-se pelo nascimento de “seis” crianças durante a formação. Entretanto, não ficou claro ou tivemos dificuldades para reconhecer como codificamos estas emoções. Não a integramos com o digital e analógico.

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Tentar ler o nosso grupo à luz de Schutz (1978) e da teoria de Bion (1975), foi a forma didática que escolhemos para costurarmos a nossa colcha. Estes conceitos não es-tão separados dentro de nós, eles andam juntos e integrá-los com a nossa vivência, neste momento, está possibilitando tocar em algumas feridas que não temos a pretensão de cu-rá-las, mas sim de saber que elas existem, que fazem parte da história deste grupo. Não há o certo e o errado. É o nosso entendimento.

Vivemos todas as fases das relações interpessoais que se dão no processo grupal proposto por Schutz (1978). Os momentos de inclusão foram vários, de aceitação dos diferentes eus.

O controle, dentre outras necessidades, apareceu no grupo, conforme nossa per-cepção, a serviço da competição, de sermos as “the best” de qualquer maneira. Quando tal era assinalado, por exemplo nos seminários, a atitude era a de calarmos e deixarmos as coordenadoras assumirem os temas propostos com os seus conhecimentos e leituras.

A afeição e abertura são tênues, formam um nó que ora faz a sua síntese, ora ele se afrouxa. Para alguns o espaço e reconhecimento existem, há afeição e abertura; para outros dá-se do tamanho que pode ser.

Em vários momentos desqualificamos a coordenadora que havia feito a formação com a outra coordenadora, que era mais afetiva e espontânea, que manifestava seu estado emocional ora chorando, ora ficando vermelha, ora verbalizando espontaneamente o que sentia. Com uma reclamávamos da outra, com uma trocávamos os horários combinados, misto de desrespeito e de espontaneidade.

5 DESVENDANDO O MISTÉRIO: NOSSAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Tudo o que importa é que em torno Pairam perigos, dores e trevas, Se na amplidão de nosso ser Não há um céu límpido e claro...”

Fazer este trabalho, da maneira como o fizemos, foi o exercício das nossas pró-prias possibilidades e potencialidades.

Inicialmente sentimos o corpo pesado, somatizando, onipotentes pelas várias lei-turas de grupo que fizemos. Aos poucos percebemos as armadilhas que continuamos nos fazendo de forma neurótica, pouco sadia, de acordo com os supostos básicos de Bion (1975) ou o controle proposto por Schutz (1978).

São várias as leituras possíveis, algumas certamente conseguimos fazer, outras vamos carregar conosco nas emoções que contatamos com o trabalho realizado. No de-correr do trabalho surgiram questionamentos que nos levaram a pensar: que respostas o nosso subgrupo foi procurar no não verbal? Quis ouvir e não ouviu, quis falar e não falou.

Muitos e muitos foram os momentos não-verbais do nosso grupo, nos quais fomos incapazes com as palavras, porém ricos em expressões que transbordavam nos rostos e nos gestos de todos os seus integrantes.

No nosso subgrupo, a comunicação não-verbal esteve presente o tempo todo nos nossos gestos, nos choros, nas dores de cabeça, nos abraços bem apertados e carinhosos, no bom humor, nas risadas frouxas, nas caras e bocas de aprovação e de desaprovação dos nossos conteúdos.

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Nossas tentativas, em muitos encontros, foram a de estabelecer uma comunicação analógica. Acreditamos que as relações e o que cada uma provocava na outra era sempre buscado para o verbal. Terá sido então nossa metacomunicação?

Nosso “sub” chega até aqui com uma percepção gostosa: permitimos umas às ou-tras o estímulo e o “ir mais além” com a ajuda do afeto que nutrimos, por isso crescemos juntas e estamos, daqui prá frente, além de colegas de formação muito, muito AMIGAS.

Referências bbibliográficas

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