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22/02/12 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 1/60 www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/95ab97e85d7a01ac802577450044f00« Acyrdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 806/03.TBMGR.C1.S1 Nº Convencional: 6ª SECÇÃO Relator: FONSECA RAMOS Descritores: MARCA IMITAÇÃO CONCORRÊNCIA DESLEAL RESPONSABILIDADE CIVIL PROCEDIMENTO CAUTELAR LITIGÂNCIA DE MÈ FÉ Nº do Documento: SJ Data do Acordão: 17-06-2010 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I) – “ Concorrência desleal´, como refere a Convenção da União de Paris, é o ³acto de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial´, desregulador do bom funcionamento do mercado, permitindo que terceiros se aproveitem dos investimentos e do trabalho efectuados por uma empresa. II) – Os agentes económicos no processo de captação de clientela, em competição com os seus concorrentes, devem agir com honestidade, correcção e consideração pelos interesses e direitos, não só dos seus concorrentes, como também dos consumidores, o que mais não é que agir de boa-fé. III) – A lealdade na concorrência implica a adopção de práticas honestas, já que a propriedade industrial deve considerar-se expressão da propriedade intelectual, por abranger elementos de cariz imaterial, que integram o estabelecimento comercial com as suas marcas, invenções, patentes, modelos, desenhos industriais, logótipos, etc.

22/02/12 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acyrdãos ... · início do processo de criação de tal cadeira ao ano de 1991 e havendo terminado em 5-8-1995; - Acabado o projecto

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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de JustiçaProcesso: 806/03.TBMGR.C1.S1

Nº Convencional: 6ª SECÇÃO

Relator: FONSECA RAMOS

Descritores: MARCA

IMITAÇÃO

CONCORRÊNCIA DESLEAL

RESPONSABILIDADE CIVIL

PROCEDIMENTO CAUTELARLITIGÂNCIA DE MÁ FÉ

Nº do Documento: SJ

Data do Acordão: 17-06-2010

Votação: UNANIMIDADE

Texto Integral: S

Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA

Decisão: NEGADA A REVISTA

Sumário :

I) – “Concorrência desleal”, como refere a Convençãoda União de Paris, é o “acto de concorrênciacontrário aos usos honestos em matéria industrial oucomercial”, desregulador do bom funcionamento domercado, permitindo que terceiros se aproveitem dosinvestimentos e do trabalho efectuados por umaempresa.

II) – Os agentes económicos no processo de captaçãode clientela, em competição com os seus concorrentes,devem agir com honestidade, correcção e consideraçãopelos interesses e direitos, não só dos seusconcorrentes, como também dos consumidores, o quemais não é que agir de boa-fé.

III) – A lealdade na concorrência implica a adopção depráticas honestas, já que a propriedade industrial deveconsiderar-se expressão da propriedade intelectual,por abranger elementos de cariz imaterial, queintegram o estabelecimento comercial com as suasmarcas, invenções, patentes, modelos, desenhosindustriais, logótipos, etc.

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IV) – A imitação ou a confundibilidade das marcaspressupõe, um “confronto”, de modo a que se possaconcluir, ou não, sobre se os produtos que as marcasassinalam são idênticos ou afins, ou despertam, pelasemelhança dos seus elementos, a possibilidade deassociação a outros produtos ou marcas já existentesno mercado propiciando efectiva confusão, ou criandoesse risco.

V) - A imitação de produtos ou marcas industriaisdeve ser apreciada casuisticamente e ter em conta umaimpressão de conjunto, na perspectiva do consumidormédio, sendo de ponderar que se há produtos e marcasem que o génio criativo, desde logo se evidencia, aoponto de comparadas, se poder imediatamente afirmaruma clara dissemelhança, outros há que pelas suascaracterísticas e finalidades, difícil é exigir umaevidente inovação que afaste qualquer risco deimitação ou de confusão.

VI) – Tendo sido decretada apreensão de “cadeiras deestádio” da 3ª Ré, no contexto de procedimentocautelar requerido pela Autora que consideravaimitado um seu modelo, não se provando que tivessesido temerário o recurso a esse meio de tutelapreventiva, o facto da Relação ter revogado a decisãoda 1ª Instância, não permite afirmar censurabilidadeseja ela substantiva – culpa in agendo – que seriapunível nos termos do art. 390º, nº1, do Código deProcesso Civil – ou litigância de má-fé, por não sedemonstrar que a Autora, enquanto requerentecautelar, tenha agido sem a prudência normal, peloque também não deve ser condenada a indemnizarpretensos prejuízos, a liquidar em execução desentença, emergentes da referida apreensão.

VII) – A ofensa ilícita do bom nome, reputação, oucrédito de pessoa colectiva constitui o agente no dever

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de indemnizar, verificados os requisitos do art. 483º,nº1, do Código Civil – aplicáveis à responsabilidadeextracontratual – e, não discriminando a lei entrepessoas colectivas de fim lucrativo (sociedades) ounão lucrativo (mormente, associações e fundações),descabido é considerar que só a violação do direitodestas importa ilicitude.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

D...2-Desenvolvimento e Engenharia de Moldes, Lda.intentou, em 8.3.2003, pelo Tribunal Judicial daComarca da Marinha Grande – 3ª Juízo Cível – acçãodeclarativa de condenação com processo ordinário,contra:

1ª- S... - Sociedade Industrial Metalúrgica, Lda;

2ª- P... - Plásticos e Testes, Lda;

3ª- C... - Tecnologia de Plásticos, Lda;

4ª- E...S...-Comercialização de EquipamentosDesportivos Representações, Lda.

Pedindo a condenação das Rés a:

"Abster-se, definitivamente, de utilizar, sob qualquerforma, fabricar ou comercializar o molde de cadeirasde estádio e as cadeiras de estádio fabricadas com omesmo, que constituem uma cópia servil das cadeirasde estádio modelo “Tejo”, da Autora; "Pagar à autora uma indemnização por danospatrimoniais que, neste momento, se computam em €25.530, devendo o montante final ser apuradomediante a análise da escrituração mercantil das 3ª e4ª rés, e danos não patrimoniais estimados, tambémneste momento, em € 25.000,00, devendo o Tribunal,

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no seu justo e alto critério, fixar a quantia definitiva,ao abrigo do disposto no artigo 496°, nº3, do CódigoCivil".

Em apoio das suas pretensões alegou, em síntese, que:

- A autora, no exercício da sua actividade comercial,após "elevados investimentos" e no culminar de um"árduo" e "meritório trabalho" de engenharia demoldes para o fabrico de cadeiras de estádio, criouuma determinada cadeira de estádio, que denominoude "cadeira Tejo";

- O modelo dessa cadeira foi fabricado pela autora, apartir de um molde que foi criado e desenvolvido, paraa mesma, pelos seus sócios e gerentes, remontando oinício do processo de criação de tal cadeira ao ano de1991 e havendo terminado em 5-8-1995;

- Acabado o projecto dessa cadeira, a autoraencomendou à 1ª ré o fabrico do seu molde, em 18-10-1995; para o efeito, forneceu-lhe os desenhos de artigoe o modelo da cadeira necessários ao fabrico doreferido molde, assim como as “especificaçõestécnicas” e “as normas a cumprir”;

- O fabrico do pretendido molde comportou váriosacertos, tendo sido concluído em 14.6.1996 e havendoo molde sido entregue, pela 1ª Ré à Autora, no dia 21desse mês;

- A cadeira “Tejo” apresenta um original ecaracterístico design, um particular, distinto e atraenteaspecto estético, comportando uma ranhura central epontos de fixação centrais, e constitui, do ponto devista estético, um original produto;

- Na posse do aludido molde, a autora iniciou acomercialização das mencionadas cadeiras, em

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4.9.1996, as quais tiveram enorme sucesso comercial,tendo passado a ser imediatamente associadas àautora, no âmbito do mercado das cadeiras paraequipamento de estádios e de pavilhões desportivos,pela originalidade do seu design;

- Em Junho de 2002, nas instalações da 1ª Ré, foiobservado um molde, já na sua fase final deconstrução, rigorosamente igual ao molde que a autoralhe tinha encomendado, em 1995; mais foi confirmadoque esse molde é uma cópia flagrante do molde criadoe desenvolvido pela autora para o fabrico da suacadeira Tejo;

- Foi, ainda, apurado que esse molde havia sidoencomendado pela 2ª Ré;

- Em Outubro de 2002, foi alertada para a existênciade cadeiras de estádio exactamente iguais às suascadeiras de estádio Tejo a equipar determinadas infra-estruturas desportivas, havendo apurado que taiscadeiras haviam sido fabricadas pela 3ª Ré, que tinhana sua posse o aludido molde;

- Mais sabe a autora que a 3ª Ré procurou outrasempresas e empresários de equipamentos desportivos,designadamente um cliente seu, para poder vender asreferidas cadeiras, as quais foram, ainda,comercializadas pela 4ª Ré.

Concluiu que o comportamento das rés consubstancia,em relação à autora, “manifesta concorrência desleal,consistindo a actuação daquelas na prática de actos deconfusão, que são proibidos pelo artigo 260°, alíneaa), do Código da Propriedade Industrial”.

Mais defendeu que a tal conclusão não obsta acircunstância de o modelo da cadeira “Tejo” não seencontrar patenteado, pois a verificação da

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concorrência desleal não depende da existência de umdireito privativo de propriedade industrial.

Disse, seguidamente, a autora pretender ser ressarcidados elevados prejuízos que as rés lhe causaram, comfundamento no mecanismo da responsabilidade civil –artigos 483°, nº 1, e 497°, nº 1, do Código Civil –,tendo para tal alegado, em suma, que:

- A actuação das rés, especialmente da 3ª e 4ª rés,acaba por comportar um desvio de clientela emrelação à autora, o que dificulta de forma grave odesenvolvimento da sua actividade no mercado;

- Em virtude da actuação das rés, a autora deixou devender, pelo menos, 2.993 cadeiras (aqui computando,designadamente, as que foram apreendidas no âmbitodo procedimento cautelar apenso e que "obviamentese destinavam a satisfazer uma encomenda da qual aautora foi afastada"), ao preço unitário de € 9,48,assim perfazendo tal prejuízo € 25.530,00;

- A tal acresce que a perda de clientela da autora,causada pelas rés, e o facto de estas terem dificultadode forma grave o desenvolvimento da sua actividadeno mercado, constituem danos não patrimoniais aindemnizar, computados parcimoniosamente em €25.000,00.

As rés contestaram.

As 1ª, 2ª e 3ª rés impugnaram parte dos factosalegados pela autora, quer dos referentes à criação econcepção do molde da cadeira "Tejo" – quedefenderam não serem àquela atribuíveis –, quer osatinentes à novidade do modelo dessa cadeira – quedefenderam não existir, pois o modelo de tal cadeirafoi copiado de outros, pré-existentes –; quer osrespeitantes às alegadas actuações desonestas das rés

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– que, motivadamente, defenderam não se haveremverificado. Referiram, ainda, serem diferentes ambasas cadeiras aqui em causa – a cadeira "Tejo",comercializada pela autora, e a cadeira "Elegance",comercializada pela ré C..., Lda. – diferenças essasque se verificam quer ao nível dos respectivos moldes,quer das próprias cadeiras – nos termos que melhordiscriminaram. Concluíram pela improcedência do seupedido.

Em sede de reconvenção, pediram o pagamento, pelaautora:

- À ré C..., de uma indemnização por danospatrimoniais que se computam em € 251.441,25 edanos não patrimoniais que se fixam em € 80.000";

-À ré C..., uma indemnização pelos prejuízos sofridosque se vier a liquidar;

- À ré S..., uma indemnização pelos prejuízos sofridosno montante de € 15.000;

- À ré P..., uma indemnização por prejuízos sofridosno montante de € 15.000.

Para alicerçar esses seus pedidos, alegaram as rés, emsíntese, que:

A ré C..., Lda. “investiu muito do seu tempo e dosmeios económico-financeiros de que dispunha parapoder fabricar as cadeiras de estádio “Elegance”;

- A “actuação ilícita da autora” – ao, através destaacção, visar manter “desleal e ilicitamente omonopólio do mercado”, sem que tenha qualquer“título privativo de propriedade industrial que lheconceda a exclusividade do direito” – causou e está acausar às rés “graves prejuízos”, de que as deve

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indemnizar, à luz do estatuído no artigo 483º doCódigo Civil;

- Assim, com a apreensão das suas 1.302 cadeiras, aré C... deixou de vender as mesmas, contabilizando-seo prejuízo patrimonial em € 8.463 (que resulta damultiplicação do número de cadeiras pelo seu preçode venda - € 6,50 - pois naquelas está gravado o nomedas empresas a que se destinavam, não podendo a révendê-las a qualquer outro cliente);

- A ré tinha uma encomenda de 42.500 cadeiras, quedeixou de vender, contabilizando-se o prejuízo em €129.625; uma outra encomenda de 37.000 cadeiras,que igualmente deixou de vender, computando esseseu prejuízo em € 112.850; uma encomenda de 165cadeiras, que também ficou por satisfazer, cujocorrespondente prejuízo ascendeu a € 503,25;

- A ré viu-se, ainda, impedida de concorrer a“inúmeros concursos”, o que era essencial pararentabilizar o seu investimento, sendo inevitável que,após o Euro 2004, a colocação de cadeiras seja emnúmero muito mais reduzido, sendo que os inerentesprejuízos ainda não são integralmente contabilizáveis,pelo que visa relegar o seu cálculo para liquidação emexecução de sentença;

- As rés têm sofrido danos não patrimoniaisdecorrentes da actuação da autora: a ré C... pordeterminadas oportunidades perdidas em termos dedivulgação do seu produto, visa ser ressarcida nosmontantes de € 15.000 e € 15.000; pelos danossofridos na sua imagem, visa ser indemnizada pelaquantia de € 20.000; cada uma das rés S... e P... viu-se igualmente afectada na sua imagem, visando assima indemnização no valor supra referido.

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A 4ª ré impugnou parte da factualidade alegada pelaautora, havendo, nomeadamente, defendido nunca tercomercializado as cadeiras referidas pela autora e quea cadeira da autora não constituiu um produto originale distinto, mas antes tem características idênticas aoutras cadeiras comercializadas no mercado. Concluiupedindo pela improcedência da acção.

A autora apresentou réplica, no âmbito da qualimpugnou parte do alegado pelas rés reconvintes epugnou, a final, pela improcedência dos seus pedidos.Defendeu, ainda, que a ré C... omitiu elementos a estetribunal e deduziu pretensão reconvencional cuja faltade fundamento não ignorava, dado que alegou terficado impossibilitada de concorrer a inúmerosconcursos para os estádios do Euro 2004, bemsabendo que a sua cadeira "Elegance", não rebatível,não podia concorrer aos mesmos e sendo que, emrelação aos Estádios de Guimarães e Coimbra, osrespectivos concursos foram adjudicados emDezembro de 2002, pelo que, nessa altura, a elespodia ter livremente concorrido. Daí ter litigado de máfé, devendo pagar indemnização à autora, a liquidarem execução.

As 1ª, 2ª e 3ª rés treplicaram.

Foi proferido despacho saneador, foram seleccionadosos factos assentes e elaborada base instrutória, que foialvo de reclamações, oportunamente decididas.

Por despacho proferido em 19 de Maio de 2008, noinício da audiência de julgamento, foi a reconvençãoda ré S... julgada sem efeito, em virtude de tercaducado o mandato que atribuíra aos IlustresSubscritores da sua contestação/reconvenção e de,notificada para o efeito, não haver constituído novomandatário.

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Realizou-se audiência de julgamento, que culminounas respostas à dita base, sem reclamação.

Foram apresentadas alegações de direito, pela autora epela ré C..., Lda.

***

A sentença concluiu, julgando improcedentes a acçãoe a reconvenção.

***

Inconformadas, a Autora e a 3ª Ré recorreram para oTribunal da Relação de Coimbra, que, por Acórdão de24.11.2009 – fls. 1148 a 1167 – sentenciou:

“Pelos fundamentos expostos, acordam nesta Relaçãono seguinte:

a) - Em julgar a apelação da autora improcedente,confirmando nessa parte a decisão recorrida.

b)- Em julgar a apelação da 3ª ré parcialmenteprocedente, com a correspondente revogação parcialda decisão recorrida, condenando-se a autorareconvinda, na parcial procedência da reconvenção, noseguinte: a pagar à 3ª ré apelante uma indemnizaçãopelos danos patrimoniais correspondente ao valor dascadeiras apreendidas no âmbito do procedimentocautelar e que por causa da apreensão não pôdevender, relegando-se para liquidação ulterior na 1ªinstância a sua quantificação.

c) - Em condenar a autora, como litigante de má fé, namulta de cinco UC, bem como na indemnização a fixarulteriormente no processo, pela 1ª instância e medianteprévia audição das partes nos termos do artigo 457º doCPC.

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– Em absolver a autora reconvinda da parte restantedo pedido reconvencional.

[…]”.***

Inconformadas, recorreram para este Supremo Tribunalde Justiça, a Autora e a 3ª Ré “C...”.

A Autora, alegando, formulou as seguintes conclusões:

a) O douto acórdão recorrido operou uma incorrectasubsunção dos factos ao instituto da concorrênciadesleal, laborando, com todo o respeito, em doisequívocos: o de que existiam no mercado,anteriormente à cadeira “TEJO”, cadeiras com asmesmas características e o de que os produtos emcausa nos presentes autos são suficientementedistintos de modo a evitar situações de confusão (taisprodutos são a cadeira denominada “TEJO”, daRecorrente, e a cadeira denominada “Elegance”, daRecorrida C..., LDA.).

b) Cumpre começar por assinalar que a cadeira deestádio “TEJO” resultou de uma criação em cujoprocesso estiveram envolvidos os sócios-gerentes daAutora (facto provado 13, página 8 do douto acórdãorecorrido).

c) Não ignora, naturalmente, a Recorrente que oTribunal a quo deu como provado (facto provado 40,página 9 do acórdão recorrido) que antes da cadeira“TEJO”, existiam, no mercado internacional, umaoutra cadeira e, no mercado nacional, um assento, quetambém ostentavam as características daquela.

d) Acontece que, com base naquele pressuposto, oTribunal a quo labora em incorrecta apreciação einterpretação da prova produzida nos autos, por

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referência à cadeira e ao assento que tinham asmesmas características da cadeira “TEJO”, apreciaçãoe interpretação essas que condicionam toda a decisãorecorrida.

e) Quanto à preexistência, no mercado internacional,de uma cadeira idêntica à cadeira “Tejo”, aquilo queverdadeiramente condiciona a sentença de 1ª instânciae o acórdão recorrido é o facto de se ter entendido quea cadeira denominada “Hampton” — da empresainglesa R... — é anterior àquela cadeira da Recorrente,assumindo o Tribunal a quo essa realidade partindo dofacto provado 47 (página 9 do acórdão) e assumindotambém que não foi a Recorrente quem lançou, pelaprimeira vez, no mercado uma cadeira com ascaracterísticas da cadeira “TEJO”, o que,consequentemente, não a legitimaria para a invocaçãoda concorrência desleal das Rés.

f) Não resulta de nenhum elemento da prova produzidanos autos que a cadeira da empresa inglesa R... tenhasido lançada anteriormente à cadeira “TEJO”, daRecorrente.

g) Razão pela qual a afirmação no sentido dapreexistência no mercado internacional, de uma outracadeira, que também ostentava uma ranhura centralpara permitir o escoamento das águas pluviais e daslavagens e que usavam o mesmo sistema de fixaçãonão permitia afastar, desde logo, a aplicabilidade doinstituto da concorrência desleal.

h) Quanto aos assentos anteriores à cadeira “TEJO”— o modelo LIS (da Recorrente) e o modelo TEDDY(da empresa israelita A...) — é mister assinalar que,na sua concepção, estiveram também envolvidossócios-gerentes da Recorrente, pelo que estáplenamente demonstrada a sua legitimidade criativa

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quanto a esses produtos.

i) Assim, o facto provado sob o n.° 40 (página 9 doacórdão) não foi devidamente enquadrado einterpretado pelo acórdão recorrido, uma vez que, porsi só, não tem a virtualidade de afastar o instituto daconcorrência desleal.

j) Por outro lado, o Tribunal a quo sustenta que “o queé certo face ao provado é que não foi a Autora quemcriou ou inventou as cadeiras para estádios:anteriormente já existiam cadeiras para estádios, cujomodelo a Autora conhecia”.

1) Não está em causa a criação ou invenção decadeiras para estádios, estando, sim, em causa, acadeira “TEJO”, que resultou de uma criação em cujoprocesso estiveram envolvidos os sócios-gerentes daAutora (facto provado 13, página 8 do douto acórdãorecorrido).

m) O Tribunal de 1ª instância deu como provado queas cadeiras de estádio ‘Tejo” tornaram-se um produtoconhecido dos demais comerciantes do sector (factoprovado 26, página 9 do acórdão recorrido),perguntando-se a que título se tornariam conhecidas —e por directa associação à Recorrente — se nãoconstituíssem um produto com “eficácia distintiva” emrelação aos demais?

n) As questões sub judice eram muito objectivas:

• A Recorrente — através dos seus sócios-gerentes —criou um modelo de cadeira de estádio (quedenominou de “TEJO”) que se revelou (e aindarevela) um sucesso comercial.• Essa cadeira, não obstante resultar de um processode desenvolvimento de produtos anteriores em queestiveram também envolvidos os mesmos sócios-

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gerentes, marcou claramente uma posição no mercado,por directa associação à Recorrente.• A Ré C..., LDA., conhecendo essa realidade — ecom a participação das 1ª e 2ª e 3ª Rés — encomendaum molde que permitiu o fabrico de uma cadeira que épraticamente idêntica à cadeira “TEJO”.• E, em seguida, contacta clientes da Apelante (factosprovados 33 e 35, página 9 do acórdão) para vendertal cadeira (que denominou de “Elegance”).

o) A devida subsunção destes factos ao instituto daconcorrência desleal tanto bastaria para a procedênciada demanda, mas o Tribunal a quo não operou essacorrecta abordagem, quer pelas questões já referidas,quer pela (suposta e suficiente) dissemelhança entre osprodutos em causa.

p) Quanto a este último aspecto — a dissemelhançaentre os produtos em causa — constata-se que adecisão recorrida, assenta, basicamente, nas diferençasentre os moldes das cadeiras “TEJO” e “Elegance” eas próprias cadeiras, plasmadas nos factos provados49 a 58.

q) Foi produzida prova pericial e, no respectivorelatório pericial, junto aos autos, são, de facto,elencadas diferenças entre os moldes e as cadeiras,como, aliás, não podia deixar de ser: trata-se de umaperícia, elaborada por técnicos especialistas, a quemessas diferenças não podiam — passe o pleonasmo —ficar indiferentes.

r) Mas, o que aqui releva é a aparência global dosprodutos em causa, porque é essa a correctaabordagem que subjaz ao exame comparativo entredesenhos ou modelos (ainda que não exista nenhum),recordando-se aqui duas conclusões daquele relatóriopericial:

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“Apesar de as cadeiras apresentadas no processoserem inconfundíveis por serem de cores diferentes,podem ser realmente confundíveis se forem feitas namesma cor e com brilho semelhante”.“A impressão geral das cadeiras é semelhante, masnão igual. As cadeiras poderão ser confundíveis, poiso utilizador, em princípio, não estará atento aospormenores que as distinguem, principalmente se nãoas vir em simultâneo”.

s) Pela matéria de facto elencada na decisão recorrida,não é afastada a semelhança do conjunto das cadeirasem causa, não obstante as diferenças que foram dadascomo provadas.

t) E, neste particular, cumpre sublinhar que épacificamente entendido pela doutrina e jurisprudênciaque a análise comparativa entre sinais distintivos (ouobjectos) — estejam ou não protegidos como direitosprivativos de propriedade industrial — deve serorientada numa perspectiva de conjunto e nãoatendendo aos pormenores ou pequenasdissemelhanças.

u) No que toca à condenação da Recorrente, peloacórdão recorrido, no pagamento, à 3ª Ré C..., LDA.de “uma indemnização pelos danos patrimoniaiscorrespondente ao valor das cadeiras apreendidas noâmbito do procedimento cautelar e que por causa daapreensão não pôde vender, relegando-se paraliquidação ulterior na instância a sua quantificação”, e,ainda, na condenação da Recorrente “como litigante demá-fé, na multa de cinco UC, bem como naindemnização a fixar ulteriormente no processo, pela1ª instância e mediante prévia audição das partes nostermos do art. 457.° do C.P.C”, torna-se, desde logo,mister assinalar que o Tribunal de 1ª instância —

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nesta parte, com inteiro acerto — entendeu que aRecorrente nunca incorreria em litigância de má-fé,porquanto: “o simples facto de a providência da aquiautora ter vindo a improceder, por decisão do TribunalSuperior, não legitima concluir que, culposamente,aquela causou danos às rés, por não ter tido com aprudência normal.E tanto mais se impõe essa conclusão em face daprimitiva decisão desse procedimento. em que foireconhecida procedência à pretensão da Autora, o queevidencia que a solução de direito a adoptar passívelde entendimentos diversos” (sublinhado nosso).

v) Na verdade, recorda-se que os presentes autoscomeçaram com uma douta sentença do mesmoTribunal a quo que decretou as providênciascautelares requeridas pela Autora, sendo que odecretamento das providências cautelares proveio,naturalmente, de um Tribunal, que decidiu no seu altocritério e perfilhou o entendimento jurídico daRecorrente.

x) E, como é evidente, a Recorrente mais não fez doque recorrer à sede própria para tentar fazer valer osseus direitos, com fundamento no instituto daconcorrência desleal, daqui não se podendo retirarquaisquer ilações quanto a uma suposta actuaçãoilícita da mesma.

z) Como assinalou, ainda, o Tribunal de 1ª instância, osimples facto de não se reconhecer à autora o direitode que se arrogava titular e, nomeadamente, de seentender que não existe motivo para impedir as rés —mais precisamente, a C..., Lda. — de continuar aproduzir e a comercializar a cadeira “Elegance” bemcomo usar o respectivo molde, não leva a que orecurso da autora a esta acção e ao procedimentocautelar apenso se reconduza à prática de um acto

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ilícito, porquanto violador de direitos das rés.

aa) Raciocínio este que se perfilha, inteiramente, ecom o qual se contestam as aludidas condenações daRecorrente.

bb) Em face do exposto, entende a Recorrente que odouto acórdão recorrido, ao confirmar a decisão de 1ªinstância, que julgou improcedente a presente acção,fê-lo com uma incorrecta subsunção dos factos aoDireito e violação de lei — em concreto, o art. 317.°,alínea a) do Código da Propriedade Industrial e o art.10, bis, n°s 2 e 3 - 10 - da Convenção da União deParis, de 20 de Março de 1883— pelo que deve serrevogado.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve serconcedido provimento ao presente recurso de revista,revogando-se o douto acórdão do Tribunal a quo, coma consequente condenação da 3ª Ré C..., LDA., oraRecorrida, nos pedidos formulados na demanda pelaAutora, ora Recorrente.

***

A CSM, alegando, formulou as seguintes conclusões(fls. 1246 a 1252):

a) O douto Acórdão de que ora se recorre julgouimprocedente, por não provados, os pedidosreconvencionais deduzidos pela recorrente,nomeadamente:

- Pagar à ora Recorrente uma indemnização por danospatrimoniais, que, à data, se computaram em €251.441,25;- Pagar ainda uma indemnização por danos nãopatrimoniais que se fixaram em € 80.000,00.

b) Entende o douto Acórdão recorrido que a

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indemnização pedida pela recorrente no que respeitaas cadeiras não vendidas referidas nos pontos de facto71/72, 73/74 e 75 não procede na medida em queexorbitam do âmbito do cautelar e em relação à suavenda não está provado, nem resulta do provado, onexo de causalidade adequada entre a conduta da A. eessa não venda. É de entender que, se a 3 Ré as nãovendeu com receio da sorte do litígio, foi por seuinteiro risco.

c) Refere ainda o douto Acórdão recorrido que nadase provou quanto a danos não patrimoniais da 3ª ré,designadamente em termos de imagem.

d) Entende a ora Recorrente que o Acórdão não fez amais correcta interpretação e aplicação dos artigos483° do Código Civil e 457º do Código de ProcessoCivil ao caso sub judice.

e) Na parte respeitante ao pedido reconvencionaldeduzido pela Ré, ora Recorrente, ficaram provados osartigos 115º, 129º, 131º, 132º, 133°, 134º, 135° e 136°da Base Instrutória, ou seja, os pontos 70, 71, 72, 73,74 e 75 dos factos assentes.

e) Ora à data das encomendas das cadeiras aqui emcausa – de Março a Abril de 2003 – o molde dacadeira “Elegance” da recorrente ainda se encontravaapreendido (o molde foi apreendido em 26/3/2003), nasequência do decretamento da providência cautelar.

f) Com efeito, o Acórdão do Tribunal da Relação deCoimbra que revogou a decisão proferida no âmbitodo procedimento cautelar, indeferindo as providênciassolicitadas, nomeadamente a de apreensão do molde,foi proferido em 18/05/2004.

g) Assim, se atentarmos nas datas em causa –encomendas de Março a Maio de 2003 e entrega do

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molde à Recorrente em 3 de Dezembro de 2004 –verifica-se que a recorrente se viu impossibilitada defabricar e, consequentemente, de fornecer as cadeirasem causa.

h) Não pode pois, salvo melhor opinião, concluir-se,como fez o Acórdão recorrido, que se a “Ré as nãovendeu com receio da sorte do litígio, foi por seuinteiro risco”.

i) A recorrente não as vendeu porque tinha o moldeque fabricava as cadeiras em causa apreendido. Omolde esteve apreendido desde o dia 26 de Março de2003 até 3 de Dezembro de 2004, ou seja, 21 meses.

j) Ora, o mercado actualmente não se compadece comtais demoras e o largo período de tempo em que aRecorrente não pode fabricar as cadeiras implicou quea Recorrente se visse impossibilitada de cumprir oscompromissos e as encomendas assumidas.

1) Foi pois a actuação da Recorrida ao actuarilicitamente e litigar de má fé, induzindo o tribunal emerro quando o mesmo ordenou a apreensão do molde,que levou a que a recorrente deixasse de vender ascadeiras para as quais já tinha as encomendas emcausa.

m) O acima exposto significa que, no caso em apreço,se verifica um nexo de causalidade entre a conduta daRecorrida e o facto de a Recorrente ter deixado devendar as cadeiras, cujo montante se computa em €251.441,25.

n) Analisando a pretensão da ora recorrente à luz doregime da responsabilidade civil por factos ilícitos etranspondo os respectivos requisitos para a situaçãoem apreço, entende a recorrente que ficam provadosos factos essenciais nos quais alicerça os seus pedidos

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reconvencionais.

o) A convicção criada no mercado de que aRecorrente era uma “copiadora” de cadeiras, o factode não poder satisfazer encomendas a clientes com osquais se tinha comprometido e tendo em atenção queno sector e meio em causa todos os agentes seconhecem, provocou uma lesão na imagem daRecorrente, empresa existente no mercado há mais de20 anos, e que tem sido difícil de inverter no mercadonacional.

p) A litigância de má fé pode levar a aplicação aolitigante de duas sanções: multa e uma indemnização àparte contrária.

No que se reporta à indemnização, ela pode sersimples ou agravada.

A indemnização simples é aquela que se encontraprevista na al. a) do n° 1 do art. 457.° do Código deProcesso Civil, e engloba todas as despesas que a máfé do litigante haja obrigado a parte contrária asuportar, incluindo os honorários ao seu mandatário ouaos técnico, ou seja, e no dizer do Prof. Lebre deFreitas (pág. 200), apenas os danos emergentesdirectamente causados à parte contrária pela actuaçãodo litigante de má fé.Já a indemnização agravada é aquela que se encontraprevista na al. b) do n°2 do citado art. 457°, eabrangerá todas aquelas despesas e ainda todos osdemais prejuízos sofridos pela parte contrária comoconsequência directa ou indirecta da má fé dolitigante.Ora, a tal propósito, duas correntes de opinião temsurgido: uma defendendo que a parte contráriaprejudicada com a litigância de má fé deve não sóindicar as despesas e os prejuízos sofridos (e seus

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montantes), como ainda fazer prova dos mesmos, sobpena de não lhe ser arbitrada a indemnização pedida; eoutra defendendo que não obstante tal alegação eprova das despesas e prejuízos sofridos não ter sidofeita pela parte alegadamente prejudicada com alitigância de má fé, sempre mesmo assim o tribunal lhedeverá fixar uma indemnização de acordo com umprudente arbítrio (vide, a propósito, Rui Correia deSousa, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbrade 30-10-2007, alcançável em www.dgsi.pt).

q) Acresce que as regras da experiência fazempresumir que, tendo em atenção o sector de actividadeem causa, onde todos os agentes se conhecem, o meioonde as partes estão inseridas, localizando-se aRecorrente e a Recorrida no mesmo concelho, o“aparato” na apreensão do molde na sede da Ré, comintervenção do tribunal e policia, a situação em causalesou a imagem da recorrente.

r) Deve assim a Recorrida indemnizar a ora Recorrentenos prejuízos que lhe causou e que se traduziram naimpossibilidade de a Recorrente comercializar as suascadeiras no ano de 2003 e na imagem fortementenegativa criada por esta situação.

s) Ao julgar improcedente os pedidos reconvencionaisacima mencionados, o douto Acórdão recorrido nãofez a mais correcta interpretação e aplicação dodisposto nos artigos 483° do Civil e 457° do Códigode Processo Civil ao caso em apreço — deveria terinterpretado e aplicado correctamente tais preceitos,no sentido de considerar os referidos pedidosreconvencionais procedentes, porquanto provados.

Nestes termos, deve ser revogado o douto Acórdão naparte ora recorrida.

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Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo emconta que a Relação considerou provados os seguintesfactos:

1. A presente acção é intentada como acção principal,na sequência das providências cautelares decretadascontra as ora rés, no procedimento cautelar comum aesta apenso.

2. A autora constituiu-se em 1991, tendo por objectosocial a "engenharia de moldes para plásticos"(documento 1 do requerimento inicial do procedimentocautelar).

3. No âmbito do seu objecto social, a autora dedica-seà engenharia de moldes, bem como ao fabrico ecomercialização dos produtos fabricados com osmesmos moldes, designadamente, cadeiras paraestádios e pavilhões desportivos, as denominadas"cadeiras de estádio".

4. A 1ª ré, S..., é uma sociedade matriculada naConservatória do Registo Comercial da MarinhaGrande, que se dedica ao fabrico de moldes paramatérias plásticas.

5. A 2ª ré, P..., é uma sociedade matriculada naConservatória do Registo Comercial da MarinhaGrande, que se dedica, designadamente, a experiênciade moldes.

6. A 3ª ré, C..., é uma sociedade matriculada naConservatória do Registo Comercial de Leiria, que sededica, designadamente, ao fabrico de plásticos.

7. A 4ª ré, E...S..., é uma sociedade que se dedica àcomercialização de equipamentos desportivos, tendosido constituída em Março de 2002.

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8. Na diligência de apreensão deprecada ao Tribunalde Leiria, relativamente às instalações da C..., Lda., 3ªré, foi apreendido um molde em aço para fabricaçãode cadeiras em plástico idênticas ao modelo Tejo darequerente e um lote de várias cadeiras novas, numtotal de 1.302 cadeiras que ali se encontravam, eidênticas ao modelo imediatamente atrás referido (istosegundo o teor do doc. nº 2 junto com a petiçãoinicial).

9. O INPI informou que “após pesquisa ao acervodocumental do Departamento de Desenhos ou Moldesnão foi encontrado qualquer registo de ModeloIndustrial susceptível de confundibilidade com a figurada Cadeira Elegance - ref. 121 apresentada”.

10. A ré chegou ainda a pedir junto do RegistoNacional de Pessoas Colectivas uma denominaçãosocial para a sociedade que pretendia constituir com oobjectivo de comercializar as cadeiras por sifabricadas.

11. A autora tem-se dedicado ao fabrico ecomercialização de cadeiras de estádios.

12. Os sócios gerentes da autora, AA e BB, têmtrabalhado no desenvolvimento de moldes de cadeirasde estádio.

13. A autora fabricou um modelo de cadeiras deestádio, que denominou de cadeira "Tejo", em cujoprocesso estiveram envolvidos os seus identificadossócios gerentes.

14. O processo de desenvolvimento da cadeira "Tejo"e do respectivo molde comportou o trabalho a talnecessário e importou o custo do fabrico do molde.

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15. Em 18-10-1995, a autora encomendou à 1ª ré, S...-Sociedade Industrial Metalúrgica, Lda., o fabrico domolde da cadeira "Tejo".

16. O que foi aceite pela mesma, mediante opagamento de Esc. 6.000.000$, acrescido de IVA.

17. Para o efeito, a autora forneceu à primeira rédesenhos de artigo e um modelo da pretendida cadeira"Tejo".

18. A autora forneceu à primeira ré as especificaçõestécnicas e as normas a cumprir que entendeunecessárias para a criação e desenvolvimento dopretendido molde.

19. A primeira ré, durante o processo de execução domolde, tomou conhecimento dos elementos necessáriospara o produzir com as características pretendidas pelaautora.

20. O processo de fabrico do molde da cadeira "Tejo"comportou vários acertos. 21. Foi concluído em data próxima a 14 de Junho de1996.

22. A autora procedeu ao pagamento do fabrico domolde, relativamente ao qual foi emitida a facturanº281, datada de 14 de Junho de 1996.

23. A cadeira "Tejo" comporta uma ranhura central,que permite o escoamento de água da chuva e dalavagem da mesma, e pontos de fixação central.

24. Após estar na posse do referido molde, a autora,em data não concretamente apurada ainda do ano de1996, iniciou o fabrico das cadeiras de estádio "Tejo".

25. A sociedade A...F... & Filhos, Lda., mediante

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documento datado de 22/08/1996, encomendou àautora cadeiras do modelo “Tejo”, com vista a equiparum pavilhão desportivo em Vendas Novas.

26. As cadeiras de estádio “Tejo” tornaram-se umproduto conhecido dos demais comerciantes do sector.

27. Em 1997, a autora equipou, com as cadeiras"Tejo", o estádio José de Alvalade.

28. Em data não apurada do ano de 2002, umempregado da autora, de nome CC viu, nas instalaçõesda 1ª ré, um molde que lhe pareceu idêntico ao que aautora lhe havia encomendado em 1995.

29. Esse empregado da Autora deu conhecimentodesse facto aos seus sócios gerentes.

30. O molde referido em 28. havia sido encomendadopela 2ª ré, P..., Lda.

31. Existem cadeiras de estádio, fabricadas pela 3ª ré,C..., na bancada de suplentes do campo do CentroPopular e Recreativo da Pocariça, em Oliveirinhas,Maceira Lis, e no Pavilhão do Centro de Convívio eRecreio do Telheiro, em Leiria.

32. A 3ª ré tinha nas suas instalações o molde aludidoem 28., fabricado pela 1ª ré.

33. O sócio gerente da terceira ré contactou DD, naqualidade de sócio gerente da empresa J... Sport-Comércio e Indústria de Artigos Desportivos, Lda.,propondo-lhe a comercialização de cadeiras fabricadaspor aquela ré.

34. O que veio a concretizar-se através de umatransacção de 350 cadeiras, titulada por factura.

35. A terceira ré contactou a empresa “A...O...-

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Representações de Equipamentos Desportivos”, quefoi cliente da autora, para lhe apresentar a cadeira"Elegance".

36. A ré S..., Lda. fabricou o molde da cadeira"Elegance".

37. A ré P..., Lda. encomendou esse molde e forneceu-o à ré C..., Lda.

38. A 3ª ré utilizou o referido molde para fabricarcadeiras, algumas das quais vendeu.

39. A inscrição do nome da 4ª ré (E...S...) não fazparte do molde da cadeira, sendo um postiço que ofabricante pode integrar no molde e substituir,conforme o cliente, para, dessa forma, personalizar ascadeiras.

40. Antes da cadeira “Tejo”, existiam, no mercadointernacional, uma outra cadeira e, no mercadonacional, um assento, que também ostentavam umaranhura central para permitir o escoamento das águaspluviais e das lavagens e que usavam o mesmosistema de fixação.

41. Cujos modelos a Autora já conhecia, quandodecidiu produzir o modelo “Tejo”.

42. Em 07/12/1995, foi facturado a autora o retoquede um modelo de uma cadeira em plástico.

43. A Autora e a empresa G... têm um sócio emcomum, BB.

44. Parte dos desenhos entregues, pela G... à Pr...,para que esta fabricasse o molde para a cadeirareferida em 40., haviam sido enviados pela A....

45. Em 1991, a empresa Pr... fabricou um molde para

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uma cadeira, a qual tinha, como características, aexistência de uma ranhura central e fixação central; naparte de trás dessa cadeira, era gravado o nome daempresa A....

46. A Autora passou a conhecer esse modelo decadeira.

47. Em 1993, a Autora encomendou à Pr... o fabricode um molde com características idênticas às doanterior [molde], para uso da sociedade R....

48. Tendo a Pr... facturada tal serviço à autora.

49. Os moldes usados pela autora e pela ré C... (paraprodução, respectivamente, da cadeira “Tejo” e dacadeira “Elegance”) são tecnologicamente, a nível daconcepção, bem distintos.

50. A extracção das cadeiras, no molde da ré éefectuada por hidráulicos e, no molde da autora, porKO da máquina; a posição do injector, no molde dacadeira da ré, tem 10° de inclinação e 518 mm decomprimento e, no molde da cadeira da autora, 0° deinclinação e 460 mm de comprimento.

51. A extracção é efectuada, no molde da ré, do ladoda injecção e, no molde da autora, do lado daextracção; a extracção é controlada por limita dores decurso no molde da ré e, no molde da autora, oslimitadores são sensores da máquina.

52. O molde da ré é constituído por duas peças, omolde da cadeira e o molde das tampas, enquanto omolde da autora é constituído por uma só peça.

53. Nas cadeiras “Elegance”, o ponto de injecção é naparte interior do assento, estando oculto.

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54. As cadeiras da autora apresentam um pontosaliente no assento, dado a injecção ser efectuada pelaparte da frente.

55. A largura das abas traseiras das cadeiras é visívele apreensível, permitindo a distinção entre as referidascadeiras.

56. A diferença de forma na estrutura das cadeiras évisível e permite distingui-las.

57. A zona de numeração das cadeiras é visível eapreensível, quer no referente à sua localização, quer àsua forma, permitindo distinguir ambas as cadeiras.

58. A diferença da abertura da ranhura central évisível e apreensível, permitindo distinguir as cadeiras.

59. Existem, actualmente, no mercado outros modelos,que não pertencem à autora, que possuem essacaracterística.

60. A ré C... adquiriu à 2ª ré – P... –, para o exercícioda sua actividade, o molde já acima referido e, a partirdo mesmo, fabricou as cadeiras em causa, com ascaracterísticas acima mencionadas.

61. À data da propositura da acção (08/04/2003),estavam anunciados concursos para fornecimento decadeiras a alguns pavilhões desportivos.

62. A Autora não é a única empresa, no mercadoportuguês, a vender cadeiras para estádios.

63. De entre as 1.302 cadeiras apreendidas à ré C...[no cautelar], cerca de 400 cadeiras destinavam-se aser vendidas à empresa J... Sport.

64. A empresa J... Sport encomendou cadeiras a umaempresa espanhola de nome Daplast.

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65. A ré E...S... comercializa, designadamente,cadeiras para equipar recintos desportivos.

66. As empresas A... e R... contêm nos respectivoscatálogos modelos de cadeiras com característicassemelhantes às da cadeira “Tejo”.

67. Os moldes para fabrico dessas cadeiras foramexecutados pela empresa Pr..., nos termos queresultam de respostas anteriores.

68. A ré C... é uma empresa que se dedica, entreoutras actividades, à fabricação de produtos eequipamentos em plástico.

69. No âmbito dessa sua actividade, a ré dedica-se aofabrico de cadeiras para estádios, nomeadamente, dareferida cadeira “Elegance”.

70. Na sequência da apreensão, a ré C... deixou devender as cadeiras acima referidas (em 63., ou seja,400) à ré E...S....

71. Mediante missiva datada de 28/04/2003 (posterior,pois, à apreensão das referidas cadeiras, ocorrida em26/03/2003), a empresa S... - Importação eExportação, Lda. encomendou à ré C... 42.500cadeiras “Elegance”, destinadas ao mercado angolano.

72. A 3ª ré não vendeu essas cadeiras à identificadasociedade.

73. A sociedade A...F... & Filhos, AFF EquipamentosDesportivos, Lda. efectuou um pedido de encomendaà ré C... de 37.000 cadeiras "Elegance", sendo essepedido datado de 21 de Maio de 2003.

74. A 3ª ré não vendeu essas cadeiras à aludidasociedade.

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75. A 3ª ré tinha, ainda, acordado com a sociedade E...fornecer 165 cadeiras "Elegance" para o ComplexoDesportivo do Estádio Nacional do Jamor, destinando-se tais cadeiras aos "campos do campeonato depaintball", o que, igualmente, não pôde cumprir.

76. O concurso para o Estádio de Braga previa acolocação de cadeiras tipo "grossfilex-space",colocadas por meio de apoios metálicos.

77. Empresas do sector foram convidadas, por L...,E.M., a apresentar propostas para o "fornecimento emontagem das cadeiras do Estádio Municipal deLeiria".

78. A autora foi convidada.

79. O Estádio de Leiria veio a ser equipado comcadeiras do tipo rebatíveis.

80. Parte dos demais estádios de futebol em que foramrealizados jogos do Euro 2004 foram equipados comcadeiras rebatíveis.

81. A cadeira "Tejo" difere do assento "Lis" apenaspor ter costas.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões do recorrente que, emregra, se delimita o objecto do recurso – afora asquestões de conhecimento oficioso – importa, no querespeita ao recurso da Autora, saber se existiuconcorrência desleal por parte das RR., no querespeita ao modelo de uma “cadeira de estádios”desportivos da marca “Tejo”, e ainda se deve serrevogada a condenação a indemnizar a 3ª Ré C... e acondenação como litigante de má-fé.

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O recurso da 3ª Ré C..., tem por objecto saber sedeveriam ser julgados procedentes os seus pedidosreconvencionais que visavam a condenação da Autoraa pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais,que, à data, se computaram em € 251.441,25 e apagar-lhe, ainda, uma indemnização por danos nãopatrimoniais que se fixaram em € 80.000,00.

A pedra angular dos recursos prende-se com oinstituto da concorrência desleal no contexto dasrelações de concorrência entre empresas. A Autorasustenta que as RR., mormente a 3ª Ré, não concorreulealmente consigo no que respeita ao fabrico daquiloque denomina “cadeiras de estádio”, ao imitar, com oseu modelo “Elegance”, aqueloutro fabricado e criadopela demandante e por si denominado “Tejo”.

A Autora invocou, destarte, como causa de pedir aprática pelas Rés de factos que, no seu entender,evidenciam “concorrência desleal servil” [e não aviolação de direitos exclusivos, uma vez que oproduto que considera objecto de imitação não estavapatenteado], já que, tendo criado um modelo decadeira denominado “Tejo” cuja concepção findou em5.8.1995, a 1ª Ré “S...”, a quem incumbiu de fabricaro molde passou a usá-lo abusivamente a partir de1996, apresentando tal cadeira como um modelo seuexclusivo, original.

Por sua vez, a 3ª Ré C... passou a fabricar aquelacadeira que comercializou, tal como a 4ª Ré.

A questão, largos traços, inscreve-se no contexto dapropriedade industrial.

O Código da Propriedade Industrial de 1995, dispõeno seu artigo lº - “A propriedade industrialdesempenha a função social de garantir a lealdade

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de concorrência pela atribuição de direitos privativosno âmbito do presente diploma, bem como pelarepressão da concorrência desleal”.

Propriedade Industrial, de acordo com a definição daConvenção de Paris de 1883 (art. 1,2), é o conjuntode direitos que compreende as patentes de invenção,os modelos de utilidade, os desenhos ou modelosindustriais, as marcas de fábrica ou de comércio, asmarcas de serviço, o nome comercial e as indicaçõesde proveniência ou denominações de origem, bemcomo a repressão da concorrência desleal.

Concorrência desleal, como refere a Convenção daUnião de Paris, é o “acto de concorrência contrárioaos usos honestos em matéria industrial oucomercial”, desregulador do bom funcionamento domercado, permitindo que terceiros se aproveitem dosinvestimentos e do trabalho efectuados por umaempresa.

Hoje, com a facilidade de divulgação dos produtos àescala mundial, e a severa competição comercial a quenão é alheia a facilidade de comunicação e circulação,a disputa do mercado faz-se, sobretudo, através dainovação e de competitividade que são induzidas portécnicas de marketing e de publicidade, sendo damaior relevância a afirmação da individualidade decerto produto ou marca de modo a gerar nosconsumidores uma impressão inovadora, distintiva,que afaste a confusão ou risco de confusão com outroproduto ou marca, que, virtualmente, com ele compita,sendo relevantes, entre outros factores distintivos, oaspecto gráfico ou visual, a concepção, os materiaisusados, as formas e o design dos produtos.

Os agentes económicos no processo de captação declientela, em competição com os seus concorrentes,

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devem agir com honestidade, correcção econsideração, não só pelos seus competidores, comotambém com os consumidores, o que mais não é queagir com boa-fé.

O art.317º do Código da Propriedade Industrial –DL.36/2003, de 5 de Março [doravante CPI] – define:

“Constitui concorrência desleal todo o acto deconcorrência contrário às normas e usos honestos dequalquer ramo de actividade económica…”.

A lealdade na concorrência implica, desde logo, aadopção de práticas industriais honestas, uma vez quea propriedade industrial deve, de certa forma,considerar-se expressão da propriedade intelectual, jáque abrange elementos de cariz imaterial, que integramo estabelecimento comercial com as suas marcas,invenções, patentes, modelos, desenhos industriais,logótipos, etc.

Daí que a preservação e não infracção dos sinaisdistintivos do comércio constitua um dos núcleos maisimportantes do carácter incorpóreo sobre que incidemmuitos dos direitos de propriedade industrial.

O mencionado artigo 317º do CPI (1) refere, nãotaxativamente, actos que constituem concorrênciadesleal:

“a) Os actos susceptíveis de criar confusão com aempresa, o estabelecimento, os produtos ou osserviços dos concorrentes, qualquer que seja o meioempregue; b) As falsas afirmações feitas no exercício de umaactividade económica, com o fim de desacreditar osconcorrentes; c) As invocações ou referências não autorizadas feitascom o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de

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um nome, estabelecimento ou marca alheios; d) As falsas indicações de crédito ou reputaçãopróprios, respeitantes ao capital ou situação financeirada empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbitodas suas actividades e negócios e à qualidade ouquantidade da clientela; e) As falsas descrições ou indicações sobre anatureza, qualidade ou utilidade dos produtos ouserviços, bem como as falsas indicações deproveniência, de localidade, região ou território, defábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, sejaqual for o modo adoptado; f) A supressão, ocultação ou alteração, por parte dovendedor ou de qualquer intermediário, dadenominação de origem ou indicação geográfica dosprodutos ou da marca registada do produtor oufabricante em produtos destinados à venda e que nãotenham sofrido modificação no seuacondicionamento”.

No caso, a Autora sustenta que a Ré, copia, imitaservilmente, o modelo que utiliza na cadeira “Tejo”,afirmando que a 3ª Ré fabricou um modelo de cadeiradenominado “Elegance” que é cópia daquele modelo“Tejo”, o que propicia risco de confusão e traduz aprática de concorrência desleal, já que esse modelo foiproduzido e comercializado pelas 3ª e 4ª Rés, estainduzida por actuação censurável da 3ª Ré, que, combase no molde daquela cadeira da Autora, fabricou ecomercializou a cadeira concorrente como se fosse umproduto original de sua concepção.

Essa imitação está patente, diz a Autora, porque a Récopia o seu produto que é original e tem umcaracterístico design, um particular, distinto e atraenteaspecto estético, comportando uma ranhura central epontos de fixação centrais, e constitui, do ponto devista estético, produto inovador no mercado, que foi

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sua árdua criação.

Temos, assim, que a cadeira “Elegance” seriasusceptível de criar confusão com o concorrenteproduto da Autora, o que infringe a al. a) do citado art.317º do CPI.

Os tratadistas consideram existir várias modalidadesde actos de concorrência desleal: actos de confusão,actos de apropriação, actos de descrédito e actos dedesorganização, aos quais acresce ainda, para alguns,a concorrência parasitária.

No caso em análise está em causa a prática de actosde confusão – ou indutores de confundibilidade –reveladores de concorrência servil na perspectiva daAutora.

O art. 317º do actual CPI, em confronto com o art.260º do CPI de 1995, em função da eliminação dareferência ao “dolo específico”, consagrou umamudança de paradigma; o ilícito de concorrênciadesleal deixou de ser qualificado como crime, parapassar a constituir ilícito de mera ordenação social.

Pressuposto elementar da concorrência desleal (2) é aexistência de acto de concorrência.

No estudo, “Concorrência Desleal e Direito doConsumidor”, da autoria do Dr. Jorge Patrício Paul,na “Revista da Ordem dos Advogados”, 2005, Ano 65- Vol. I – Junho de 2005, pode ler-se:

“O acto de concorrência é aquele que é idóneo aatribuir, em termos de clientela, posições vantajosasno mercado…A concorrência não é susceptível de serdefinida em abstracto e só pode ser apreciada emconcreto, pois o que interessa saber é se a actividadede um agente económico atinge ou não a actividade de

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outro, através da disputa da mesma clientela…Oconceito de concorrência é, pois, um conceito relativo,que não pode ser aprioristicamente definido masapenas casuisticamente apreciado, tendo em conta aactuação concreta dos diversos agentes económicos ea realidade da vida económica actual...No próprioconceito de acto de concorrência está ínsita a suasusceptibilidade de causar prejuízos a terceiros, aindaque tais prejuízos possam efectivamente não ocorrer…o acto de concorrência, para verdadeiramente o ser,tem como seu elemento conatural, implícito na próprianoção, o perigo de dano, ou seja, a sua idoneidade ouaptidão para provocar danos a terceiros”.

Como é sabido, os produtos industriais não podem“confundir” o destinatário do processo de produção –o consumidor.

Existe um dever de não apropriação de obras daconcepção de terceiros por representarem produtosque revelam investimento criativo que, em últimaanálise visam, pela sua originalidade e característicasdistintivas, concorrer com produtos disponíveis nomercado, superando-os e assim conseguir clientela.

Os actos de concorrência entre empresas e as regrasque visam defender a concorrência leal, como é aqui ocaso, além de protegerem os criadores visam aprotecção do consumidor, pelo que as marcas devemter eficácia distintiva.

Estão em causa salutares regras da concorrênciaempresarial, a par da protecção dos consumidores,num mundo em que a oferta atinge uma inimaginávelvariedade, tornando, paradoxalmente, por isso, maisdifícil o estabelecimento de padrões ou elementosdiferenciadores.

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Muitas das considerações da doutrina, a propósito daconfundibilidade das marcas e dos produtos, sãopertinentes e aplicáveis quando se trata de saber se umproduto copia ou imita um outro concorrente; emsuma, se é susceptível de induzir em confusão oconsumidor pela semelhança do seu aspectocromático, de forma ou apresentação física.

Nas expressivas palavras de Pinto Coelho, in “Liçõesde Direito Comercial”, pág. 396: Sendo “a imitação a mais perigosa das fraudes, oimitador pretende aproveitar-se ilicitamente docrédito e da notoriedade de uma marca de outrem,mas para poder defender-se, não a reproduzperfeitamente, limita-se a imitá-la para poder semprealegar que a sua marca é diferente daquela de que sediz ser a imitação”.

A imitação ou a confundibilidade das marcaspressupõe, um “confronto”, de modo a que se possaconcluir, ou não, sobre se os produtos que as marcasassinalam são idênticos ou afins, ou despertam, pelasemelhança dos seus elementos, a possibilidade deassociação a outros produtos ou marcas já existentesno mercado propiciando efectiva confusão, ou criandoesse risco.

Importa, então, indagar se, no âmbito da previsão doart. 193º, nº1, c) do CPI pode, para o consumidorcomum, haver o risco de associação.

Coutinho de Abreu, in “Boletim da Faculdade deDireito”, Vol. LXXIII, 1997, pág.145, em estudo sobreas “Marcas (Noções, Espécies, Funções, PrincípiosConstituintes)” escreve:

“ […] O risco de confusão deve ser entendido emsentido lato, de modo a abarcar tanto o risco de

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confusão em sentido estrito ou próprio como o riscode associação. Verifica-se o primeiro quando os consumidores podemser induzidos a tomar uma marca por outra e,consequentemente, um produto por outro (osconsumidores crêem erroneamente tratar-se da mesmamarca e do mesmo produto).Verifica-se o segundo quando os consumidores,distinguindo embora os sinais, ligam um ao outro e, emconsequência, um produto ao outro (crêemerroneamente tratar-se de marcas e produtosimputáveis a sujeitos com relações de coligação oulicença, ou tratar-se de marcas comunicando análogasqualidades dos produtos)”.

Oliveira Ascensão, in “Concorrência Desleal” –edição de Março de 2002 – págs. 422/423 –relativamente ao art. 260º a) do revogado Código daPropriedade Industrial, de 1995 que, tal como o § 1ºdo Código de 1940 considerava que a concorrênciadesleal se manifesta “qualquer que seja o meioempregue” (expressão igual à da al. a) do art. 317º dovigente CPI), acerca dos conceitos de confusão eimitação, no âmbito de lesão dos interesses dosconcorrentes (e não de consumidores) escreve,lapidarmente:

“A imitação é um grande princípio da vida social, quepermite que as inovações vantajosas se expandamrapidamente. É natural que as empresas de ponta,capazes de maior inovação, tragam os progressos navida empresarial e que esses progressos segeneralizem subsequentemente. A concorrência exige evolução incessante, e não amultiplicação de monopólios que estancam a expansãodas práticas e permitem ganhos parasitários […].Há que ter bem presente que a grande directriz queencontrámos nesse domínio não foi a do repúdio da

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cópia ou da imitação, mas reacção contra o risco deconfusão. E apenas por trazer (e se trouxer) este risco que o actode cópia é rejeitado…é necessário que a confusãoactue no espírito do público de maneira a fazê-lotomar um operador ou os seus produtos ou serviçospor outros. Só assim funciona no sentido de uma eventualdeslocação de clientela…O que é importante acentuaré que há um certo grau, mesmo de confundibilidade,que é socialmente adequado. Todos os operadores económicos se imitam. Toda a imitação traz alguma confusão.Mas esta só é repelida como concorrência desleal seatingir um certo grau de intolerabilidade. Temos aqui uma das mais importantes manifestaçõesdo princípio, atrás enunciado, de que a liberdade deconcorrência prima sobre a concorrência desleal...É necessário assegurar essa liberdade perante aameaça da multiplicação dos entraves. Por isso, um certo nível de confundibilidade é aindaadmissível – ou se quisermos, é ainda compatível comas normas e usos honestos.”(3) (destaque esublinhados nossos).

Como se pode ler, in “Código da PropriedadeIndustrial Anotado” – Almedina -Janeiro 2010 – deAntónio Campinos e Luís Couto Gonçalves, págs. 554e 555:

“Segundo Luís Couto Gonçalves, “Manual de DireitoIndustrial”, 2008, págs. 412 e ss) o acto deconcorrência tem subjacentes quatro requisitos:relação de concorrência; acto relacional no mercado;- finalidade concorrencial; - concorrente (autor doacto)”.

Mais adiante, citando o Professor Couto Gonçalves,

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pode ler-se:

“Faz todo o sentido, num mercado cada vez maisabrangente, dinâmico, complexo, interrelacionado emediatizado, que se não feche a porta à possibilidadede uma apreciação casuística bem fundamentada quenão seja condicionada à aplicação rígida dosprincípios gerais. Do mesmo modo, também deve haver abertura para aaceitação de uma concorrência objectiva potencial,isto e, iminente de outro concorrente. […]”. […] Luís Couto Gonçalves defende que um acto deconcorrência é também caracterizado pela “finalidadeconcorrencial”, a qual se consubstancia nasusceptibilidade de um acto ter interferência naposição concorrencial dos agentes económicos e/ounas escolhas dos consumidores, tendo como objecto odesvio de clientela. Finalmente, o acto de concorrência tem de ter comoautor um concorrente: “Para ser concorrente econdição necessária e suficiente tratar-se de um agenteeconómico susceptível de influenciar o mercado,independentemente, quer da sua natureza jurídica, querda dimensão ou natureza empresarial da sua unidadeeconómica.”

A imitação de produtos ou marcas industriais deve serapreciada casuisticamente e ter em conta umaimpressão de conjunto, na perspectiva do consumidormédio, sendo de ponderar que se há produtos e marcasem que o génio criativo, desde logo se evidencia, aoponto de comparadas, se poder imediatamente afirmaruma clara dissemelhança, outros há que pelas suascaracterísticas e finalidades, difícil é exigir umaevidente inovação que afaste qualquer risco deimitação ou de confusão.

Pense-se, como exemplo do primeiro caso, nas

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embalagens de reputados produtos de cosmética,mormente, perfumes, onde a apresentação tem umaspecto visual tão original e inovador que uma outraque com ela se pareça, surgida posteriormente, logoapela à impressão marcante deixada pela forma queprimeiramente surgiu no mercado, possibilitando umaclara diferenciação.

A concorrência assume aqui, como noutros domínios,como por exemplo o design de automóveis, um factoressencial, tornando remota a possibilidade de imitaçãosob pena de severa concorrência desleal com gravosasconsequências para os fabricantes.

Outros produtos há, e aqui incluímos as denominadas“cadeiras de estádio”, em que, tirando o aspectocromático e a impressão provocada pelo todo queconstitui, por exemplo, uma bancada num recintodesportivo, bem difícil é conceber um produto que demodo algum seja confundível com outro (não estamosaqui a pensar na imitação servil ou parasitária queconstitui, sobretudo esta, despudorada apropriação doproduto ou marca de terceiro).

Mas, se pensarmos na dimensão que a cadeira deve terpara rentabilizar o espaço, o que se relaciona com alotação do recinto e o facto de dever apresentarrequisitos de segurança, facilidade de limpeza e,sobretudo, escoamento da água em caso de equiparemrecintos desportivos ao ar livre, o que poderá serdiferente é o facto de terem ou não espaldar, seremrebatíveis ou não, já que a matéria prima com que sãofeitas – aspecto que nos autos se não discute – é amesma, plástico.

Não está em causa, como resulta dos factos provados,que as cadeiras se destinem a equipar camarotes oulugares vip de estádios, mas das comuns cadeiras

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plásticas coloridas ou não, que se vêem nas bancadasdos estádios, sobretudo nos construídos para o Euro2004, competição desportivo/futebolística quedecorreu em Portugal.

Actos de confusão, ou seja, “todos os actossusceptíveis de criar confusão com o estabelecimento,os produtos, os serviços ou o crédito dosconcorrentes, qualquer que seja o meio empregado”,são expressamente proibidos pelo nºl do art. 212.2 doCPI de 1940 e pelo art. 10º-bis da Convenção daUnião de Paris (art. 212º a) do CPI de 1940 e pelo art.10-bis da Convenção da União de Paris.

“O critério para aferir essa confusão há-de radicar-sena reacção normal do consumidor médio, no seucomportamento face a uma dada actuação; umdeterminado acto de um empresário integrará o critériode concorrência desleal a partir do momento em que oconsumidor médio não for capaz de distinguir entreuma actividade e outra actividade empresarial” -Carlos Olavo, C.J, Ano XII, Tomo IV.

“Todos os operadores económicos se imitam. Toda a imitação traz alguma confusão.Mas esta só é repelida como concorrência desleal seatingir um certo grau de intolerabilidade”.

Nesta feliz síntese de Oliveira Ascensão está, a nossover e ponderando quanto se disse sobre a índole dosprodutos em competição, em concorrência, o critériorector para saber se existe ou não concorrênciadesleal, que mais não é que um comportamentoviolador das regras da boa-fé e da lisura, no âmbitoconcorrencial, de modo a não lesar interesses doscompetidores que possam contender com a clientela e,logo, com o fim último da actividade industrial –abastecer os consumidores e obter lucros.

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Repetimos que estamos num domínio em que difícil éapresentar produtos insusceptíveis de imitação ouconfusão, como sejam as “cadeiras de estádio”.

As instâncias julgaram a acção improcedente porconsideraram que as cadeiras “Tejo” da Autora, e a“Elegance”, em cujo processo de fabrico ecomercialização estão envolvidas as demais Rés,sobretudo a 3ª Ré, nem sequer eram iguais na suaconcepção e aspecto visual, como não representavamum produto da criação da Autora, através da inventivados seus sócios-gerentes.

Convocados os pertinentes factos, também assimconcluímos à luz do seguinte:

39. A inscrição do nome da 4ª ré (E...S...) não fazparte do molde da cadeira, sendo um postiço que ofabricante pode integrar no molde e substituir,conforme o cliente, para, dessa forma, personalizaras cadeiras. 40. Antes da cadeira "Tejo", existiam, no mercadointernacional, uma outra cadeira e, no mercadonacional, um assento, que também ostentavam umaranhura central para permitir o escoamento daságuas pluviais e das lavagens e que usavam o mesmosistema de fixação. 41. Cujos modelos a Autora já conhecia, quandodecidiu produzir o modelo "Tejo". 43. A Autora e a empresa G... têm um sócio emcomum, BB. 44. Parte dos desenhos entregues, pela G... à Pr...,para que esta fabricasse o molde para a cadeirareferida em 40., haviam sido enviados pela A.... 45. Em 1991, a empresa Pr... fabricou um moldepara uma cadeira, a qual tinha, como características,a existência de uma ranhura central e fixação

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central; na parte de trás dessa cadeira, era gravadoo nome da empresa A.... 46. A Autora passou a conhecer esse modelo decadeira. 47. Em 1993, a Autora encomendou à Pr... o fabricode um molde com características idênticas às doanterior [molde], para uso da sociedade R.... 48. Tendo a Pr... facturada tal serviço à autora. 49. Os moldes usados pela autora e pela ré C... (paraprodução, respectivamente, da cadeira "Tejo" e dacadeira “Elegance”) são tecnologicamente, a nível daconcepção, bem distintos. 50. A extracção das cadeiras, no molde da ré éefectuada por hidráulicos e, no molde da autora, porKO da máquina; a posição do injector, no molde dacadeira da ré, tem 10° de inclinação e 518 mm decomprimento e, no molde da cadeira da autora, 0° deinclinação e 460 mm de comprimento. 51. A extracção é efectuada, no molde da ré, do ladoda injecção e, no molde da autora, do lado daextracção; a extracção é controlada por limita doresde curso no molde da ré e, no molde da autora, oslimitadores são sensores da máquina. 52. O molde da ré é constituído por duas peças, omolde da cadeira e o molde das tampas, enquanto omolde da autora é constituído por uma só peça. 53. Nas cadeiras “Elegance”, o ponto de injecção éna parte interior do assento, estando oculto. 54. As cadeiras da autora apresentam um pontosaliente no assento, dado a injecção ser efectuadapela parte da frente. 55. A largura das abas traseiras das cadeiras évisível e apreensível, permitindo a distinção entre asreferidas cadeiras. 56. A diferença de forma na estrutura das cadeiras évisível e permite distingui-las. 57. A zona de numeração das cadeiras é visível e

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apreensível, quer no referente à sua localização,quer à sua forma, permitindo distinguir ambas ascadeiras. 58. A diferença da abertura da ranhura central évisível e apreensível, permitindo distinguir ascadeiras. 59. Existem, actualmente, no mercado outrosmodelos, que não pertencem à autora, que possuemessa característica.”

Concluímos, assim, que não existe imitação e muitomenos imitação servil entre os modelos “Tejo” e“Elegance”, desde logo, pelas patentes diferenças deforma e dimensão e concepção, não sendo ousadoafirmar que a cadeira concebida pela Autora foi, até,inspirada em modelo de origem estrangeira ao tempoexistente no mercado.

Refira-se que, não se tratando de direito exclusivo daAutora, que nem sequer tem patente registada domodelo de cadeira em questão, essa circunstância nãoposterga a possibilidade de concorrência desleal.

Como ensina Pupo Correia em “Direito Comercial-Direito da Empresa” – 2007 – pág. 379:

“É de distinguir a concorrência desleal da concorrênciailícita, proibida ou não autorizada. A concorrência desleal pressupõe um uso excessivo eantiético da liberdade da concorrência…Visam-se naal. a) do art. 317°, fundamentalmente, os actos pelosquais o concorrente procura captar a clientela doconcorrenciado procurando lograr os clientes,induzindo-os em erro de modo a levá-los a crer que,ao negociar com a empresa ou estabelecimentodaquele ou ao adquirir os seus produtos ou serviços,estão a fazê-lo com o concorrenciado.Note-se, porém, que, como resulta do que já dissemos

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em sede geral, não é necessária a ocorrência de umaefectiva confusão dos clientes (ou outros terceiros)visados para que exista acto qualificável como deconcorrência desleal, mas apenas que haja o perigo deela se verificar.A confundibilidade deverá avaliar-se de acordo com oaspecto geral dos bens em presença e segundo critérioidêntico ao preconizado por consumidor médio. Poroutro lado, a confundibilidade reporta-se aos própriosbens referidos nesta al. a) (empresa, estabelecimento,produtos ou serviços), e não só aos sinais distintivosque sobre eles incidam. Uma das formas maisimportantes dos actos de confusão consiste naimitação servil, que se traduz na reprodução dosprodutos de um concorrente, quanto às suascaracterísticas de formato, confecção ou apresentação.Porém, a imitação servil só é proibida se forsusceptível de criar confusão entre os produtos, a qualnão se verificará marcas distintas. Além disso, podenão haver imitação servil ilícita quanto às formas dosprodutos tornadas gerais pelo uso comum, ourespeitante à própria natureza do produto, quanto à suacomposição intrínseca ou função característica”.(destaque e sublinhado nossos).Sobre o conceito e problemática da imitação servil, demuito interesse é o Estudo de Adelaide MenezesLeitão, “Imitação Servil, Concorrência Parasitária eConcorrência Desleal”, in “Direito Industrial”, vol. I,APDI, Almedina, Coimbra, 2001, págs.119 e ss.

Analisando os factos provados podemos concluir queo consumidor médio poderia distinguir os doismodelos de cadeiras, não podendo afirmar-se que acadeira modelo “Tejo” da Autora foi objecto deimitação servil, ou alvo de concorrência parasitária,desde logo pelo facto de os produtos em questãoterem características que os distinguem e nem sequer

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constituírem inovação da Autora/recorrente.

Pretende, ainda, a Autora ser absolvida da condenaçãocomo litigante de má-fé na multa de 5 Uc`s, bem comoindemnização a fixar ulteriormente nos termos do art.457º do Código de Processo Civil.

Entende a recorrente que o facto de ter requerido umaprovidência cautelar contras as RR., que foi decretadaem 1ª Instância mas revogada pela Relação, nãoexprime litigância de má-fé.

Com o devido respeito, a Relação não ancorou essacondenação nesse facto.

Assistiria razão à Autora se o fundamento dacondenação tivesse sido esse.

Na verdade, a defesa de posições jurídicas alvo dedíspares decisões judiciais não implica litigar de má-fé.

O art. 456º do Código de Processo Civil definelitigância de má-fé nos seguintes termos:

1 – Tendo litigado de má fé, a parte será condenadaem multa e numa indemnização à parte contrária, seesta a pedir.2 – Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ounegligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta defundamento não devia ignorar;b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitidofactos relevantes para a decisão da causa;c) Tiver praticado omissão grave do dever decooperação;d) Tiver feito do processo ou dos meios processuaisum uso manifestamente reprovável, com o fim de

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conseguir um objectivo ilegal, impedir a descobertada verdade, entorpecer a acção da justiça ouprotelar, sem fundamento sério, o trânsito emjulgado da decisão.

3. (omissis.)”

As partes, recorrendo a Juízo para defesa dos seusinteresses, estão sujeitas ao dever de cooperação como Tribunal, visando a obtenção de decisões conformesà Verdade e ao Direito, sob pena de a protecçãojurídica que reclamam não corresponder à realidade,no que muito saem desacreditadas a Justiça e osTribunais.

Daí que o legislador, no art. 265º, nº1, do Código deProcesso Civil, imponha aos magistrados, partes emandatários o dever de cooperarem com vista à justacomposição do litígio.

O art. 266º-A reafirma tal princípio ao aludir ao deverde actuação de boa-fé inerente ao dever decooperação.

A actuação processual do litigante de boa-fé postulauma actuação verdadeira, no tempo e modoprocessuais próprios, não se compadecendo comsubterfúgios e “meias-verdades”, que mais não visamsenão uma egoísta defesa de posições próprias, queprejudicando o opositor, acabam por não conduzir oTribunal à correcta percepção da realidade e, logo, acorrer o risco de decidir mal.

A litigância de má-fé releva se a parte viola osdeveres de probidade em aspectos cruciais do pleito,em relação aos quais não pode razoavelmente invocardesconhecimento, sobretudo se se tratar de factospessoais.

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Como ensina o Conselheiro Rodrigues Bastos, in“Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. II, 3ªEdição – 2000 – pág.221/222:

“ A má fé processual tinha, entre nós, como requisitoessencial o dolo, não bastando a culpa, por mais graveque fosse. A reforma processual de 95/96 mudou esseestado de coisas, considerando reveladora da má fé nolitígio tanto o dolo, como a culpa grave, que designapor negligência grave. A parte tem o dever de não deduzir pretensão ouoposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;de não alterar a verdade dos factos ou de não omitirfactos relevantes para a decisão da causa; de não fazerdo processo ou dos meios processuais um usomanifestamente reprovável com o fim de conseguir umobjectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade,entorpecer a acção da justiça ou protelar, semfundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; denão praticar omissão grave do dever de cooperação,tal como ele resulta do disposto nos arts. 266.° e 266º-A. Se intencionalmente, ou por falta da diligência exigívela qualquer litigante, a parte violar qualquer dessesdeveres, a sua conduta fá-lo incorrer em multa, ficandoainda sujeito a uma pretensão indemnizatória destinadaa ressarcir a parte contrária dos danos resultantes damá fé. A doutrina tem classificado a má fé de que trata opreceito em duas variantes: a má fé material e a má féinstrumental, abrangendo a primeira os casos dasalíneas a) e b) do nº2, e a segunda, os das alíneas c) ed) do mesmo número”.

Com o devido respeito, o modo como a Autora litigourevela negligência grave ou até dolo, do ponto emque, recorrendo a juízo com os fundamentos que nasua tese evidenciavam violação do direito que se

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arrogava, evidencia que agiu com falta de lisura, deboa-fé, visando um objectivo condenável – acondenação sem fundamento das RR.

Por outro lado, importa ponderar que a Autora lançoumão de um procedimento cautelar que lhe reconheceuo direito, alvo de tutela provisória e que conduziu àapreensão de cadeiras da 3ª Ré.

Todavia essa decisão veio a ser revogada pelaRelação.

A imitação de produtos ou marcas industriais deve serapreciada casuisticamente e ter em conta umaimpressão de conjunto, na perspectiva do consumidormédio, sendo de ponderar que se há produtos e marcasem que o génio criativo, desde logo se evidencia, aoponto de comparadas, se poder imediatamente afirmaruma clara dissemelhança, outros há que pelas suascaracterísticas e finalidades, difícil é exigir umaevidente inovação que afaste qualquer risco deimitação ou de confusão.

Assim sendo, tal condenação é de manter, porquanto aRecorrente persistiu, até no recurso de apelação, emsustentar factos que sabia não serem verdadeiros, e,por isso, a sua conduta é subsumível à previsão do nº2a) do art. 456º do Código de Processo Civil.

Todavia, entendemos que na indemnização a liquidar,não podem ser englobados os pretensos prejuízosadvenientes da apreensão das cadeiras.

A apreensão foi decretada no contexto deprocedimento cautelar e não se provou que tivessesido temerário o recurso a esse meio de tutelapreventiva; o facto de a Relação ter revogado adecisão, não permite afirmar qualquer censurabilidadeseja ela substantiva - culpa in agendo - que seria

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punível nos termos do art. 390º, nº1, do Código deProcesso Civil – ou litigância de má-fé.

O princípio da boa-fé não é exclusivo do direitosubstantivo, também pode ser violado numaperspectiva da actuação processual, mormente, pelorecurso a juízo através de acções ou procedimentoscautelares (4) .

Todavia, nada demonstra que a Autora, enquantorequerente cautelar, tenha agido sem a prudêncianormal, daí que não possa ser condenada a indemnizarno que se liquidar em execução de sentença, no querespeita a pretensos prejuízos emergentes daapreensão das cadeiras em sede cautelar.

Assim, e pese embora a pouca clareza do Acórdão,que parece incluir, num primeiro momento, esseaspecto na condenação no contexto da litigância demá-fé, decreta-se a revogação do Acórdão na parte emque condena a Autora reconvinda “a pagar à 3ª Réapelante uma indemnização pelos danos patrimoniaiscorrespondente ao valor das cadeiras apreendidas noâmbito do procedimento cautelar e que por causa daapreensão não pôde vender, relegando-se paraliquidação ulterior na 1ª instância a suaquantificação”

No entanto, reafirma-se, mantém-se a sua condenaçãocomo litigante de má-fé com a fundamentação agoraaduzida.

Quanto ao recurso da 3ª Ré “C...”.

Pretende a Ré/recorrente que a Relação deveria tercondenado a Autora nos demais pedidosreconvencionais de indemnização:

- por danos patrimoniais que computou em €

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251.441,25 e danos não patrimoniais - € 80.000;

- numa indemnização pelos prejuízos sofridos que sevier a liquidar;

Os pedidos radicam num facto ilícito de naturezaextracontratual – art. 483º, nº1, do Código Civil – queancoram no facto de a Autora, com a acção e oprocedimento cautelar visando a apreensão dascadeiras por si fabricadas e comercializadas, tercausado danos patrimoniais e não patrimoniais.

Os danos patrimoniais adviriam do facto de não terconcretizado negócios que estavam em curso para avenda da cadeira “Elegance” e, em danos nãopatrimoniais, relacionados com a afectação do seuprestígio pelo facto de ter sido alvejada judicialmentepela Autora com a imputação de concorrência desleal.

Quer a responsabilidade civil contratual, quer aextracontratual são fontes do direito de indemnizar severificados os requisitos do art. 483º do Código Civil:facto voluntário, ilícito e culposo, danos e nexo decausalidade entre a conduta do agente e os danossofridos pelo lesado.

“ (...) Constituem pressupostos da responsabilidadecivil, nos termos dos artigos 483º e 487º, nº2, doCódigo Civil, a prática de um acto ilícito, a existênciade um nexo de causalidade entre este e determinadodano e a imputação do acto ao agente em termos deculpa, apreciada como regra em abstracto, segundo adiligência de um “bom pai de família”. (...)”- cfr.inter alia o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de10.3.1998, BMJ 475-635.

Nos termos do art. 342º, nº1, do Código Civilcompetia à 3ª Ré o ónus da prova dos factosconstitutivos do seu direito.

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Tal normativo estatui:

“1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a provados factos constitutivos do direito alegado.2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ouextintivos do direito invocado compete àquele contraquem a invocação é feita.3. Em caso de dúvida, os factos devem serconsiderados como constitutivos do direito.”

Segundo a lição de Menezes Cordeiro – “Tratado deDireito Civil Português – Parte Geral – Tomo IV –págs. 466 e sgs:

“A regra básica está predisposta no artigo 342.°/l: aquem invocar um direito cabe fazer a prova dos factosconstitutivos (5) do direito em causa. [“Factosconstitutivos são os factos idóneos, segundo a leisubstantiva, para fazer nascer o direito que o autor searroga contra o réu, isto é, os factos de que depende oêxito da pretensão que o autor se propõe fazer valerou, por outras palavras, de que depende a procedênciada acção]”.

O ónus da prova — “respeita aos factos da causa,distribuindo-se entre as partes segundo certoscritérios. Traduz-se para a parte a quem compete, no encargo defornecer a prova do facto visado, incorrendo nasdesvantajosas consequências de se ter como líquido ofacto contrário, quando omitiu ou não logrou realizaressa prova; ou na necessidade de, em todo o caso,sofrer tais consequências, se os autos não contiveremprova bastante desse facto — trazida ou não pelamesma parte” – Manuel de Andrade, “NoçõesElementares de Processo Civil”, 1979-196.

Como antes dissemos, não pode a recorrente

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considerar ilícita a actuação da Autora pelo facto de,no procedimento cautelar, ter visto aprendidas 1302cadeiras que poderia ter comercializado – item 8) dosfactos provados.

Todavia, e pese embora o afirmado pela recorrente,não se demonstraram danos de cariz patrimonial.

A Ré deixou de vender as cadeiras apreendidas, masessa apreensão tendo sido decretada pelo Tribunal, enão se tendo demonstrado falta de diligência daAutora ao requerer a apreensão cautelar – art. 390º,nº1, do Código de Processo Civil – não leva aconsiderar que a eventual perda de lucro, por não tervendido tais cadeiras, seja imputável à Autora, emtermos de nexo de causalidade.

Dos factos provados que poderiam evidenciar danospatrimoniais consta:

“63. De entre as 1.302 cadeiras apreendidas à RéC... [no cautelar], cerca de 400 cadeiras destinavam-se a ser vendidas à empresa J... Sport. 68. A Ré C... é uma empresa que se dedica, entreoutras actividades, à fabricação de produtos eequipamentos em plástico. 69. No âmbito dessa sua actividade, a Ré dedica-seao fabrico de cadeiras para estádios, nomeadamente,da referida cadeira "Elegance". 70. Na sequência da apreensão, a Ré C... deixou devender as cadeiras acima referidas (em 63., ou seja,400) à ré E...S.... 71. Mediante missiva datada de 28/04/2003(posterior, pois, à apreensão das referidas cadeiras,ocorrida em 26/03/2003), a empresa S... - Importaçãoe Exportação, Lda. encomendou à ré C... 42.500cadeiras "Elegance", destinadas ao mercadoangolano.

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72. A 3ª ré não vendeu essas cadeiras à identificadasociedade”. 73. A sociedade A...F... & Filhos, AFF EquipamentosDesportivos, Lda. efectuou um pedido de encomendaà ré C... de 37.000 cadeiras "Elegance", sendo essepedido datado de 21 de Maio de 2003. 74. A 3ª ré não vendeu essas cadeiras à aludidasociedade. 75. A 3ª ré tinha, ainda, acordado com a sociedadeE... fornecer 165 cadeiras “Elegance” para oComplexo Desportivo do Estádio Nacional do Jamor,destinando-se tais cadeiras aos “campos docampeonato de paintball”, o que, igualmente, nãopôde cumprir”.

Não demonstrou a Ré, a nosso ver, a existência denegócios firmes, encomendas que só não foramcumpridas pela actuação pretensamente ilícita daAutora e sem essa insofismável prova não se podeconsiderar que sofreu prejuízos.

A Ré, sem dúvida, que tinha a expectativa deconcretizar negócios vendendo as cadeiras “Elegance”;sofreu um revés por causa da apreensão judicialcautelar, mas não se provou que, por esse facto, tenhatido prejuízos e nem tão pouco o seu “quantum”.

Quanto a danos não patrimoniais que poderiam tersido causados ao seu bom-nome e prestígio, danosesses que a provarem-se seriam indemnizáveis, o certoé que não se provaram.

O art. 484° do Código Civil expressa:

“Quem afirmar ou difundir um facto capaz deprejudicar o crédito ou o bom-nome de qualquerpessoa, singular ou colectiva, responde pelos danoscausados.

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Do preceito citado decorre uma especial protecção aodireito de que gozam as pessoas colectivas sejam elasassociações, fundações ou sociedades.

No fundo trata-se de proteger direitos que poderíamosconsiderar semelhantes ao direito de personalidade,mesmo sabendo que as pessoas colectivas, atento oprincípio da especialidade, se não podem comparar a“indivíduos”, pessoas humanas – cfr. art. 70º, nº1, doCódigo Civil – e, por isso, não padecem, diríamos, desofrimento moral em sentido lato.

Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código CivilAnotado”, vol. I, pág. 486, escrevem:“ Exista ou não, por parte das pessoas singulares oucolectivas, um direito subjectivo ao crédito e ao bom-nome, considera-se expressamente como antijurídica aconduta que ameace lesá-los, nos termos prescritos. Pouco importa que o facto afirmado ou divulgadocorresponda ou não à verdade, contanto que sejasusceptível, dadas as circunstâncias do caso, dediminuir a confiança na capacidade e na vontade dapessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo docrédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa gozeou o bom conceito em que seja tida (prejuízo do bomnome) no meio social em que vive ou exerce a suaactividade”.

Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito CivilPortuguês” – Tomo III – 2004, pág. 105, escreve:

“A desonra de uma pessoa colectiva repercute-sesobre as pessoas que lhe sirvam de suporte ou que,para ela, trabalhem ou actuem.Reacções individuais seriam impensáveis; assim, háque reagir em modo colectivo. A pessoa colectiva ficará encartada nos direitoscompetentes, sendo certo que os bens em jogo são,

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sempre, verdadeiros bens de personalidade, atingidosde modo mediato.O artigo 484º do Código Civil, sensível àproblemática, tutela, com indemnização, a ofensa docrédito ou do bom-nome das pessoas colectivas.Naturalmente qualquer transposição da tutela depersonalidade para pessoas colectivas deve sempreser feita tendo em conta os fins a que elas se destineme a natureza da situação envolvida”.

A ofensa ilícita do bom nome, reputação, ou crédito depessoa colectiva constitui o agente no dever deindemnizar, verificados os requisitos do art. 483º, nº1,do Código Civil – aplicáveis à responsabilidadeextracontratual – e, não discriminando a lei entrepessoas colectivas de fim lucrativo (sociedades) ounão lucrativo (mormente, associações e fundações),descabido é considerar que só a violação do direitodestas importa ilicitude.

Questão de maior complexidade é saber se o danocausado por imputações violadoras do direitoacautelado, no citado normativo, é de naturezapatrimonial ou moral.

Os danos patrimoniais são lesões no patrimóniotangível de pessoas físicas ou colectivas, passíveis deindemnização, seja por restauração natural, ouindirectamente, por dinheiro; danos não patrimoniais,na clássica definição, são os que lesam interessesinsusceptíveis de avaliação pecuniária.

Em caso de sociedades comerciais, factor deverasrelevante para fixação do “quantum” compensatórioem caso de dano não patrimonial é a repercussão quea imputação maléfica tem na vida empresarial o que,desde logo, é aferível pela sua situação no mercadoantes e depois dos factos.

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Não se tendo provado que a Ré/recorrente sofreudanos, em sentido lato, não é credora de qualquerindemnização por banda da Autora.

Decisão:

Nestes termos, concede-se parcialmente a revista daAutora, revogando-se o Acórdão recorrido, apenas naparte em que condenou a Autora a indemnizar a 3ª Ré“C...” pelos danos patrimoniais correspondentes aovalor das cadeiras apreendidas no procedimentocautelar e que, por causa dessa apreensão, não pôdevender, confirmando-a no mais.

- Nega-se a revista da Ré.

Custas do recurso da Autora, neste Tribunal e nasInstâncias na proporção de 1/19 para si e 19/20 para aRé/recorrente.Custas do recurso da Ré a seu cargo.

Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Junho de 2010

Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Junho de 2010

Fonseca Ramos (Relator)Cardoso de Albuquerque Salazar Casanova

_____________________(1) “O disposto no artigo 317.° do Código de 2003, sobre a repressão daconcorrência desleal, é idêntico ao que estabelecia o artigo 260.° do Código de

1995, no que respeita à definição de concorrência desleal, e retomou, em

grande parte, o preceituado no artigo 212.° do Código de 1940, sob o título“Concorrência desleal. Definição. Actos proibidos”. […] “O disposto na alínea

a) do artigo 317.°…refere-se “aos actos susceptíveis de criar confusão com aempresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes,

qualquer que seja o meio empregue”, e é idêntico ao que estabelece o parágrafo

1.° do nº3 do artigo 10.° bis da Convenção de Paris, sendo, também, idênticoao que se preceituava na alínea a) do artigo 260.° do Código de 1995 e no

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parágrafo 1.° do artigo 212.° do Código de 1940”. – Código da Propriedade

Industrial – Vol. II. pág. 563, – José Mota Maia

(2) “Portugal foi, em 1894, o primeiro país do mundo a adoptar uma disciplina

legislativa global da concorrência desleal.” - Oliveira Ascensão, “ConcorrênciaDesleal”, 2002, pág. 8.

(3) Não resistimos à tentação de citar o que se lê no Prólogo da obra do

eminente Professor – “Na Natureza não há crueldade nem compaixão. Na

selva, toda a gazela termina os seus dias nos dentes do leão. Nenhuma morre demorte natural. Mas tudo acontece sem que o leão seja cruel, e sem que tenha

também piedade. Os sentimentos são alheios à vida da selva. Na concorrêncianão há crueldade nem compaixão. Tudo se passa de modo muito semelhante ao

da selva. Mata-se e morre-se com inocência. Em relação à vida da selva

aperfeiçoou-se espantosamente o engenho, mas há uma idêntica neutralidade emrelação a camadas superiores da vida do espírito. Os sentimentos humanos

estão tão longe da vida dos negócios como estão da vida da selva…”.

(4) O Professor Menezes Cordeiro na obra – “Litigância de Má Fé-Abuso do

Direito de Acção e “Culpa in Agendo” – Almedina 2006 – considera – pág. 91– que: “O instituto do abuso do direito traduz a aplicação, nas diversas situações

jurídicas, do princípio da boa fé. E o princípio da boa fé equivale à capacidade

que o sistema jurídico tem de, mesmo nas decisões mais periféricas, reproduziros seus valores fundamentais. A boa fé age através de dois princípios mediantes

já expostos: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.Ambos se concretizam numa constelação de situações típicas, acima

ponderadas: desde o venire ao desequilíbrio no exercício”.

E mais adiante na pág. 92:

“As acções judiciais intentadas em grave desequilíbrio de modo a provocar

danos máximos a troco de vantagens mínimas, são abusivas: há abuso do

direito”.

O Código de Processo Civil prevê, precisamente do domínio dosprocedimentos cautelares, a responsabilidade do requerente pelos danos que

culposamente causar ao requerido, quando não tenha agido com a prudência

normal – art. 390º, nº1, do Código de Processo Civil – acolhendo, no domínioprocessual, o abuso do direito de acção, lato sensu, impondo uma actuação

conforme ao agir de boa-fé quando faz apelo à prudência normal e sanciona aviolação culposa desse agir com a obrigação de ressarcir os danos causados.

(5) “Factos impeditivos são os que se opõem a que o direito do autor tenhaeficazmente surgido: v. g., incapacidade, simulação, erro, dolo, coacção. Factos

extintivos são os que determinam a extinção do direito do autor, pressupostoque este tenha surgido validamente: assim, o pagamento, a novação, a

compensação, a prescrição, a caducidade. Factos modificativos são os que

modificam o direito do autor, que validamente se tenha constituído: porexemplo, a mudança do local de uma servidão, a concentração do objecto da

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prestação, a moratória concedida ao devedor. Os factos modificativos

reconduzem-se aos factos extintivos, pois praticamente extinguem em parte odireito do autor e por vezes também aos factos impeditivos, como no caso da

moratória”. – Manuel de ANDRADE, “Noções Fundamentais de ProcessoCivil” nº 71.