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DICAS PARA SER FELIZ, SEGUNDO O DALAI LAMA A ARTE DA FELICIDADE CORPO MARCADO Psicólogo explica por que as pessoas usam tatuagens FARDA DE AÇO Soldados serão quase invulneráveis FEMINISMO MUÇULMANO O que minha religião realmente diz sobre mulheres #234 EDIÇÃO OÁSIS

#234 OÁSIS - Brasil 24/7 · Foi na cidadezinha de Daramsala, no noroeste da Índia, que é a maior comunidade de tibetanos que vivem no exílio desde a invasão do seu país, o Tibete,

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DICAS PARA SER FELIZ, SEGUNDO O DALAI LAMA

A ARTE DA FELICIDADE

CORPO MARCADO Psicólogo explica por que

as pessoas usam tatuagens

FARDA DE AÇOSoldados serão

quase invulneráveis

FEMINISMO MUÇULMANO O que minha religião

realmente diz sobre mulheres

#234

EDIÇÃO OÁSIS

OÁSIS . EDITORIAL

POR

EDITOR

PELLEGRINILUIS

A inda bem que, na face da terra, aparecem seres como o Dalai Lama. Aos 80 anos recém completa-dos, o líder espiritual dos budistas tibetanos não para

de nos presentear com lições de sabedoria.

Tive a sorte de conhece-lo pessoalmente e privar de bons momentos em sua companhia nos idos da década de 1970. Foi na cidadezinha de Daramsala, no noroeste da Índia, que é a maior comunidade de tibetanos que vivem no exílio desde a invasão do seu país, o Tibete, em 1959, pelos chineses. Eu estava lá para uma reportagem sobre a vida desses refugia-dos, mas acabei ficando tão fascinado pelo que vi que acabei

O QUE MAIS SURPREENDE NA HUMANIDADE?, PERGUNTARAM AO DALAI LAMA. E ELE RESPONDEU: “OS HOMENS... PORQUE PERDEM A SAÚDE PARA JUNTAR DINHEIRO. DEPOIS PERDEM O DINHEIRO PARA

RECUPERAR A SAÚDE. E POR PENSAREM ANSIOSAMENTE NO FUTURO ESQUECEM DO PRESENTE, DE TAL FORMA QUE ACABAM POR NÃO

VIVER NEM O PRESENTE NEM O FUTURO. E VIVEM COMO SE NUNCA FOSSEM MORRER... E MORREM SEM NUNCA TER VIVIDO”

OÁSIS . EDITORIAL

POR

EDITOR

PELLEGRINILUIS

permanecendo lá quase todo o ano de 1973. Certo entar-decer, quando dialogava com ele, perguntei se uma viagem à Europa que ele estava prestes a fazer estava relacionada com alguma intenção de divulgar o budismo tibetano no mun-do ocidental. Ele disse que não. Afirmou que isso não era conveniente e nem muito correto, “pois, da mesma forma que uma mesma comida não serve para todos os estômagos, uma mesma religião não serve para todas as mentes e todos os corações”. E, ato contínuo, completou olhando-me fundo nos olhos: “Para dizer a verdade, o ideal mesmo seria que cada mente e cada coração criassem a sua própria religião”.

Esse encontro com o Dalai Lama influenciou profundamente minha vida, e conto mais algumas coisas de minha experiên-cia com os tibetanos exilados em meu livro “Os pés alados de Mercúrio” (Editora Axis Mundi). É com satisfação que ago-ra transmito aos leitores de Oásis, na matéria de capa deste número, algumas dicas fundamentais desse grande sábio con-temporâneo para aqueles que realmente ambicionam viver alguma felicidade. Bom proveito!

A ARTE DA FELICIDADEDicas para ser feliz, segundo o Dalai Lama

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SA

BED

OR

IA

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mbora seja possível atingir a felicidade, ela não é uma coisa simples. Existem muitos ní-veis de felicidade. O budismo, por exemplo, refere-se a qua-tro fatores de contentamento

ou felicidade: os bens materiais, a satisfação mundana, a espiritualidade e a iluminação. O conjunto desses fatores abarca a totalidade da busca pessoal de felicidade. Deixemos de lado, por ora, as aspirações últimas a nível religioso ou espiritual, como a perfeição e a iluminação, e concentremo-nos unicamente sobre a alegria e a felicidade, tal como as con-cebemos a nível mundano. A este nível, exis-tem certos elementos-chave que nós reconhe-cemos convencionalmente como contribuindo para o bem-estar e a felicidade. A saúde, por exemplo, é considerada como um fator neces-sário para o bem-estar. Um outro fator são as condições materiais ou os bens que pos-suímos. Ter amigos e companheiros, é outro. Todos nós concordamos que para termos uma vida feliz precisamos de um círculo de amigos com quem nos possamos relacionar emocio-nalmente e em quem possamos confiar.

Portanto, todos estes fatores são causas de felicidade. Mas para que um indivíduo possa utilizá-los plenamente e gozar de uma vida feliz e preenchida, a chave é o estado de es-pírito. É crucial. Se utilizarmos as condições favoráveis que possuímos, tais como a saúde ou a riqueza, com fins positivos, para ajudar os outros, esses fatores contribuem para uma vida mais feliz.

Claro que, pessoalmente, também tiramos partido dessas coisas - facilidades materiais, E

O que mais surpreende na Humanidade?, perguntaram ao Dalai Lama. E ele respondeu: “Os homens... Porque perdem a saúde para juntar dinheiro. Depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro esquecem do presente, de tal forma que acabam por não viver nem o presente nem o futuro. E vivem como se nunca fossem morrer... e morrem sem nunca ter vivido”

Atingir a felicidade

Por: Dalai Lama, em seu livro “A arte da felicidade” (Editora Saraiva)Ilustrações: Mandalas do Kalachacra, arte budista tibetana

sucesso, etc -, mas se não tivermos a atitude mental cor-reta, se não cuidarmos do fator mental, essas coisas aca-bam por ter pouca incidência sobre o sentimento geral de felicidade. Por exemplo, se guardarmos ódio ou rancor no fundo de nós mesmos, isso acabará por destruir a nossa saúde, destruindo assim um dos fatores. Por outro lado, se nos sentirmos infelizes ou frustrados, o conforto material não chegará para nos compensar. Mas se mantivermos um

estado de espírito calmo e sereno, poderemos sentir-nos felizes mesmo se a nossa saúde não for das melhores. Em contrapartida, mesmo se possuirmos objetos raros ou pre-ciosos, podemos querer jogá-los fora ou destruí-los num momento de grande cólera ou ódio. Nesse momento, os bens não significam nada para nós.

Existem atualmente sociedades com um grande grau de desenvolvimento material e no seio das quais muitos in-divíduos não se sentem felizes. A nível superficial, essa abundância é muito atraente, mas por trás existe um de-sassossego mental que leva à frustração, a discórdias des-necessárias, à dependência das drogas ou do álcool e, no pior dos casos, ao suicídio. Não existe portanto nenhuma garantia de que a riqueza por si só possa trazer-nos a ale-gria ou a satisfação que procuramos. O mesmo se pode di-zer dos amigos. Quando estamos muito zangados, mesmo um amigo muito próximo pode parecer-nos glacial, frio, distante e muito irritante.

Tudo isto indica a enorme influência que o estado de es-pírito, o fator mental, pode ter na nossa vivência de todos os dias. Portanto, temos de ter esse fator seriamente em linha de conta. Independentemente de uma prática espiri-tual, mesmo em termos mundanos, a nossa capacidade de desfrutar de uma vida agradável e feliz depende da nossa serenidade mental.

Talvez devesse acrescentar que quando falamos de um es-tado de espírito calmo ou de paz de espírito não devemos confundir isso com um estado de insensibilidade ou de apatia. Possuir um estado de espírito calmo não significa

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estar completamente alheado ou amorfo. A paz de espírito, esse estado de serenidade, tem de estar enraizado na afei-ção e na compaixão, o que implica um grande nível de sen-sibilidade e de sentimento.

Enquanto nos faltar a disciplina interior que conduz à se-renidade, sejam quais forem as facilidades ou as condições exteriores que nos rodeiam, elas nunca nos trarão esse

sentimento de alegria e de felicidade que procuramos. Por outro lado, se possuirmos as qualidades interiores de sere-nidade e de estabilidade, mesmo que os fatores exteriores de conforto normalmente considerados como indispensá-veis à felicidade não estejam em nossa posse, podemos ter uma vida alegre e feliz.

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20 DICAS DO DALAI LAMA PARA O BEM VIVER

Tenzin Gyatso, o atual Dalai Lama, é o 14o de uma linha-gem de líderes religiosos da escola Gelugpa do budismo tibetano. Ele é, ao mesmo tempo, um monge reconhecido por todas as escolas do budismo tibetano, e o líder político oficial no exílio desde que seu país, o Tibete, foi invadido pela China no ano de 1959.

Dalai significa “oceano” em mongol e “lama” é a palavra tibetana para mestre de sabedoria, ou guru. Por essa razão os tibetanos referem-se a ele como “Oceano de Sabedoria”. Como todos os seus antecessores, desde o século 14 os dalai lamas são mostrados como sendo a manifestação de Avalokiteshvara (em sânscrito), o Bodhisattva da Compai-xão, cujo nome é Chenrezig em tibetano.

Na virada do milênio, o Dalai Lama ofereceu ao mundo uma lista de 20 reflexões, todas elas relacionadas à con-quista da felicidade. Vale a pena tomar conhecimento de-las, e meditar a respeito. Aqui estão:

1 – Leve em consideração que grandes amores e grandes realizações envolvem grandes riscos.2 – Quando você perder, não deixe de tirar uma lição da experiência.

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3 – Siga os três Rs: Respeito por si próprio, respeito pelos outros, responsabilidade por todas as suas ações.4 – Lembre-se que não conseguir o que você quer é algu-mas vezes um lance de sorte.5 – Aprenda as regras para que você saiba como infringi--las corretamente.6 – Não deixe uma pequena disputa ferir uma grande ami-zade.7 - Quando você perceber que cometeu um erro, tome pro-vidências imediatas para corrigi-lo.8 – Passe algum tempo sozinho todos os dias.9 – Abra seus braços para mudanças, mas não abra mão de seus valores.10 – Lembre-se que o silêncio às vezes é a melhor resposta.11 – Viva uma vida honrada. Então, quando você ficar mais velho e pensar no passado, você vai ser capaz de apreciá-lo uma segunda vez.12 – Uma atmosfera de amor em sua casa é o fundamento

para sua vida.13 – Em discordâncias com entes queridos, trate apenas da situação atual. Não fale do passado.14 – Compartilhe o seu conhecimento. É uma maneira de alcançar a imortalidade.15 – Seja gentil com a Terra.16 – Uma vez por ano, vá a algum lugar onde nunca esteve antes.17 – Lembre-se que o melhor relacionamento é aquele em que o amor um pelo outro excede a sua necessidade pelo outro.18 – Julgue seu sucesso pelo que você teve que renunciar para consegui-lo.19 – Aproxime-se do amor e cultive-o despreocupadamen-te.20 – Se você quer ver a si mesmo e o outro feliz, pratique a compaixão.

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CORPO MARCADOPsicólogo explica por que as pessoas usam tatuagens

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or todo lado, vemos gente os-tentando sobre a pele marcas clichês, citações, nomes de ex--namoradas, frases em outras línguas e até, em certos casos bizarros, horríveis tatuagens faciais.

Existem casos em que a tatuagem, executada com bom gosto e senso estético, pode até ser considerada uma forma de arte. Os japoneses e chineses, por exemplo, há séculos são exí-mios tatuadores, capazes de imprimir sobre a pele humana verdadeiras obras-primas do desenho e da combinação de cores. Da mes-ma forma, várias culturas ao redor do mundo também usam tatuagens como marca tribal distintiva, ou então como sinais de iniciações mágicas e religiosas.

Por outro lado, e sobretudo nos países ociden-tais, cada vez mais pessoas se deixam tatuar sem nenhuma outra preocupação que a de marcar o próprio corpo. E os resultados mui-tas vezes são esteticamente desastrosos. Essa prática se alastrou de tal forma, que obrigou os estudiosos a investigaram suas causas e razões.

Por que as pessoas ainda estão tatuando ara-me farpado em volta dos bíceps, ratos e ba-ratas nas costas e borboletas no cóccix? Ten-tando entender melhor a questão, o jornalista norte-americano Jules Suzdaltsev entrevistou Kirby Farrel, professor da Universidade de Massachusetts especializado em antropologia, psicologia e história relacionadas ao compor-tamento humano. Seu último livro, Berserk Style in American Culture, discute o vocabu-lário da cultura pós-trauma da sociedade nor-te-americana.P

Tatuagens revelam muito sobre a sociedade na qual elas foram feitas. No Brasil, nos Estados Unidos, e em muitos outros lugares do mundo, vive-se uma verdadeira epidemia de tatuagens, muitas vezes de péssimo gosto. Em entrevista, o psicólogo comportamental Kirby Farrel explica por que as pessoas imprimem marcas no próprio corpo

ENTREVISTA DE KIRBY FARREL AO JORNALISTA JULES SUZDALTSEV

Jules Suzdaltsev: Qual é o seu interesse em tatuagens péssimas?

Kirby Farrel: Estou interessado principalmente no que você pode chamar de “a antropologia da autoestima e identidade”. Penso nas tatuagens como um método que as pessoas usam para tentar se sentir significantes no mundo. Trabalho muito com Ernest Becker – você já ouviu falar do livro dele? Acho que ele ganhou um prêmio Pulitzer com esse livro chamado A Negação da Morte.Sim, já ouvi falar.

Bom, ele argumenta que somos únicos entre os animais, porque somos sobrecarregados com a consciência do futu-

ro, da futilidade, da morte e assim por diante. Estamos constantemen-te inventando defesas. A cultura é uma defesa contra o sentimento de opressão, futilidade e perdição. Cul-turas estão cheias de valores e bele-zas que te fazem sentir que sua vida é significativa e que tem um signi-ficado duradouro, mesmo que li-mitado. Então, você pode dizer que tatuagens são expressões culturais de heroísmo e individualidade.

Logo, isso se traduz numa epide-mia de tatuagens idiotas?

Muitas pessoas dizem que fizeram uma tatuagem como uma lembrança de alguém ou algum evento. Por exemplo, tatuar a letra de uma música. As frases, claro, acabam sen-do os maiores clichês. Mas elas estão te exortando a ser um indivíduo forte, imitando todos os outros animais que também pintam clichês na própria pele.

E onde esses caminhos se cruzam? Por um lado, a pessoa quer algo que lhe dê a sensação de significância e autoex-pressão, mas acaba fazendo exatamente o oposto disso (o que consideramos uma “tatuagem ruim” ou uma “tatua-gem clichê?).

Acho que a fantasia de ser especial, único, importante e heroico, que é do que estamos falando, é complicada quando vivemos numa cultura que celebra esses valores. Estamos sempre bombardeando outros países para pre-

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Os japoneses alcançam altos niveis artísticos em suas tatuagens

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Na foto, o rosto tatuado de Tomika Te Mutu, chefe da tribo Ngai Te Rangi da Nova Zelândia. O retrato foi feito no final do século 19 e é uma pintura de Gottfried Lindauer

servar nossa “liberdade”, o que presumivelmente significa individualidade. Mas, ao mesmo tempo, nossa cultura é intensamente conformista. Temos empresas constante-mente tentando imprimir sua marca na consciência po-pular. Então, por exemplo, se você está tatuando algum clichê bobo de uma música pop, como “Vou te amar para sempre” ou “Não seja um imitador”, na verdade você está se marcando com entretenimento industrial, porque gru-pos de rock, como sabemos, são basicamente máquinas de fazer dinheiro, empregando modelos financiados pela in-dústria do entretenimento.

Então por que as pessoas fazem isso?

Uma resposta é que somos animais incrivelmente sociais. Você tem de ter em mente que o eu não é uma coisa. É um evento. Se você está em sono profundo, o eu realmente não existe. A neuroquímica do eu não está ali. Desse ponto de vista, nos sentimos mais reais quando outras pessoas nos afirmam, reasseguram e reforçam nossa identidade. Nos rituais sociais pelos quais passamos, como dizer “Oi, como vai? Bem, e você?”, você não espera ouvir qualquer informação pessoal. É só uma confirmação de que vocês dois existem e reconhecem um ao outro. De certa maneira, tatuagens também funcionam assim. Elas chamam aten-ção para você e fazem você se sentir real, mesmo se essa atenção fizer você se sentir membro de um grande grupo. Uma tatuagem te diz que você é parte de uma tribo de co-legas tatuados, uma tribo linda e significativa. Você pode até compartilhar símbolos com outra pessoa! Ao mesmo tempo, por causa do fenômeno das marcas, isso faz você se sentir mais esperto do que o cara ao lado, que não sabe o suficiente para comprar seu produto em particular ou sua moda em particular.

“A cultura está constantemente nos tentando com fanta-sias de singularidade e heroísmo.”Parece que você está dizendo que a própria cultura é cli-chê. Assim, tentando emular essa cultura social, fazemos essas tatuagens ruins.

A cultura está constantemente nos tentando com fantasias de singularidade e heroísmo. Você é tentado a comprar uma nova BMW, porque isso promete te fazer sentir heroi-co nas ruas. Você vai se destacar na multidão. A multidão é formada de pessoas comuns, elas vão morrer um dia e serão esquecidas. Mas todo mundo está olhando para você, você está sob os holofotes, você é o herói. E, ao mesmo tempo, se você ajustar a perspectiva sutilmente, eles es-tão fazendo as pessoas comuns acharem que é OK adorar heróis. Você é convidado a identificar e admirar o rico, o heroico, o prestigioso – e, se você os admira, isso se torna “minha música”, “meu cabelo” ou “meu produto”. Na ver-dade, você compartilha o glamour com o poder fetichista das coisas que admira.

Você está dizendo que isso é ser enganado por um movi-mento social de adoração ao herói?

Bom, se você está ou não sendo “enganado”, depende de como você se sente sobre a validade e o pertencimento dos clichês. Quando você quer se tatuar com um verso da sua música favorita, você certamente está sentindo um tipo de excitação emocional e admiração por essa música. Um tipo de êxtase romântico. Você ouve as pessoas dizerem “Isso tem um significado especial para mim”. É como uma auré-ola emocional em torno desse objeto.

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A morte tatuada nas costas, em tamanho grande

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Por que esse sentimento é significativo para nossa identi-dade própria?

Acho que, no geral, as pessoas estão com medo do futuro e se agarram a um ritual, um lema, um clichê familiar que elas acham significativo. É como um cobertor de seguran-ça para dar sentido à sua vida, principalmente quando sua moral está sob pressão ou você está realmente empolgado com algo bom. Mas a questão é que, em qualquer um des-ses eventos, o clichê não parece ser um clichê. Isso parece ter um significado especial.

OK. Mudando um pouco de assunto: tatuagem é uma coi-sa que existe há milhares de anos. Alguns dos primeiros humanos já tinham tatuagens. Você acha que existe algo inerente à natureza humana que nos faz querer nos tatu-ar?

Claro. O cadáver que foi encontrado congelado e preserva-do nos Alpes, que acho que tem uns 5 mil anos – ele está num museu na Itália, você pode passar para dar um oi –, a última pesquisa mostra que esse corpo tem várias tatu-agens. Elas tendem a ter um desenho abstrato. Baseado na localização delas, a hipótese é que elas serviam para se distrair de coisas físicas desconfortáveis, como artrite. Ou elas provavelmente tinham algum tipo de significado mágico. Pensando nisso, de certa maneira, todos os nos-sos comportamentos tendem a ser muito mágicos. Imagi-namos que há algum poder especial em nossos símbolos, em nossos lemas, em nossas marcas, que isso de alguma forma eleva nosso humor, nos faz sentir mais fortes, mais capazes e melhores sobre nós mesmos.

E você acha que isso é algo inerente à humanidade?

Claro. Como pessoas, estamos regularmente à beira do pânico existencial. Becker disse que, se você visse o mundo realisticamente (quão vulnerável e totalmente insignifican-te você é, considerando o cosmo), você ficaria louco. Então, você precisa constantemente de histórias que constroem sua autoestima e fazem você se sentir significante, o que é fornecido pela cultura.

Logo, essas tatuagens escrotas são uma representação desse mecanismo de defesa?

Sim, exatamente. São representações físicas e artísticas de valores com que você se identifica. Vivemos nesse mundo onde existe um tipo de racismo recorrente e repentino, que vemos desde os anos 60 ou até desde a Guerra Civil. As condições de trabalho são extremamente punitivas, exi-gentes e despersonalizantes para quem está na base. Você não sente que tem direito à própria identidade. Então, as pessoas se sentem especialmente pressionadas para tentar encontrar seu próprio reforço mágico, porque há coisas em que a cultura não pode te ajudar. Você vê dinheiro, mor-te e culpa quando as pessoas querem se sentir seguras e como se estivessem no comando em termos de autoestima e bem-estar.

Muitas tatuagens parecem um tanto inconsequentes. Como as pessoas racionalizam a permanência de uma tatuagem em relação à própria mortalidade?

Muitas pessoas, especialmente quando são jovens, imagi-nam que serão jovens para sempre. Afinal de contas, se a

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Angelina Jolie preferiu tatuagens de citações em alfabetos orientais

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mágica de que estamos falando sobre a cultura realmente funcionar, então, você pode se sentir invencível e imortal, por assim dizer. E é um clichê adolescente achar que você vai viver para sempre – é por isso que eles se arriscam, usam drogas, etc. Eles não conseguem imaginar que vão crescer e parecer diferentes do ideal cultural. Você nunca teve de se preocupar em ficar doente nem nunca esteve em apuros. Você nunca teve de se preocupar em ficar velho e ter de aceitar diminuir suas perspectivas, seus poderes, suas fantasias.

Você acha que isso é uma reação ao medo, ou na verdade resultado da falta de experiência?

Bom, você não acha que são as duas coisas?Acho que sim.

Você tem medo, mas não admite isso, porque poderia pre-judicar sua moral frágil. Uma moral danificada te torna menos eficiente, menos seguro, menos produtivo, etc. En-tão, você nega que tem medo. Provavelmente, o mecanis-mo básico da cultura é fingir que tudo está bem e que você não está com medo.

Mas estamos com medo.

Sim, com certeza. Estamos vivendo um momento em que as pessoas estão tão famintas por autoestima, aprovação e confiança, que estão dispostas a dizer e fazer coisas real-mente bizarras e idiotas, porque com isso elas se sentem diferentes. Assim, elas se sentem únicas, significativas e vivas.

COISAS QUE VOCÊ TALVEZ NÃO SAIBA SOBRE AS TATUAGENS

Quem se tatuou primeiro? E quando? Quantas vezes a pele é perfurada durante uma tatuagem de tamanho mé-dio? Quantas pessoas no mundo são tatuadas? Que signi-ficam as tatuagens dos marinheiros?

A palavra tatuagem vem de tattaw, expressão dos idiomas da Polinésia polinésio que significa “marcar, decorar”. Foi o almirante inglês James Cook o maior responsável pela difusão e o renascimento da tatuagem no mundo ociden-tal. Em 1771, de retorno de uma das suas viagens aos Ma-res do Sul, esse explorador, além de trazer em sua nave um homem completamente recoberto por aqueles estranhos sinais, introduziu no vocabulário da época a palavra tattoo, uma corruptela do polinésio tattaw. Este último termo, por sua vez, surgiu por associação onomatopeica com o som “tá tá tá” das varetas usadas pelos indígenas do Pacífico para tatuar.

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Rosto tatuado de chefe maori, em desenho de 1784

1 Calcula-se que durante a execução de uma tatuagem de tamanho médio a pele seja perfurada de 50 a 3000 vezes por minuto, segundo a marca seja feita com a mão ou com uma moderna máquina de tatuar.

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2 As estatísticas dizem que, na Europa, 15% dos adultos e 30% dos mais jovens tem uma tatuagem (fonte: Sociedade Europeia de Dermatologia e Venereologia, Eadv). Nos Estados Unidos os percentuais sobem: 4 adultos de cada 10 possuem pelo menos uma tatuagem. Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, a partir de 2012 o número de mu-lheres tatuadas é maior que o dos homens.

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3 Tem gente que se faz tatuar em troca de dinheiro. Este é o caso da americana Kimberly Smith que em 2005 tatuou na fronte o nome de um casino para poder pagar, como ela mesma diz, a escola dos filhos. Considera-se que, com esse gesto, Kimberly lançou a moda das tatuagens publicitárias.

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4 Entre as leis menos respeitadas dos Estados Unidos com certeza está aquela que proibia as tatuagens na cidade de Nova York. Essa lei vigorou de 1961 a 1997. A propósito de Nova York, o homem da foto se chama Scott Campbell, um nova-iorquino que ganha mil dólares a hora para fazer tatuagens. Entre os seus clientes estão celebridades como os roqueiros Sting e Courtney Love.

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5 De Winston Churchill a Franklyn Delano Roosevelt, até George Shultz, poderoso Secretário de Estado durante a pre-sidência de Donald Reagan, muitos políticos e chefes de Estado tinham orgulho das próprias tatuagens. A de Churchill, por exemplo, era uma âncora, gravada no antebraço como costumam fazer os marinheiros.

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6 As tatuagens dos marinheiros têm significados precisos. Quem tem um dragão, por exemplo, quer dizer que esteve na China. Se tem uma tartaruga, significa que o marinheiro já cruzou o Equador. Até Popeye, como bom marinheiro tem uma âncora tatuada no antebraço, como Winston Churchill.

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7 A pessoa mais tatuada do mundo? No Livro Guinness dos recordes aparece o australiano Lucky Diamond Rich (na foto). Ao longo dos anos, ele se submeteu a mais de mil horas de sessões de tatuagem. Hoje, seu corpo está inteiramen-te recoberto de tinta.

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8 Até a múmia Oetzi (homem de Similaun), encontrada em 1991 na região alpina entre a Itália e a Áustria, era tatuada. Porém, mais que uma função decorativa, para os estudiosos, os sinais encontrados sobre o seu corpo eram devidos a algum tipo de tratamento mágico que Oetzi sofrera.

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9 Se você tem intenção de fazer uma tatuagem, procure sempre um tatuador sério e escrupuloso. Sem falar da possibi-lidade de infecções devido à má higienização dos instrumentos, um estudo da Universidade de Regensburg, na Alema-nha revelou que entre os 14 pigmentos de cor negra mais usados alguns são tóxicos e capazes de danificar as células.

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10 O único modo de eliminar um desenho permanente é a remoção das tintas utilizadas para fazê-lo. Várias técnicas são usadas com essa finalidade. A dermoabrasão elimina a camada mais superficial da pele. A escarificação utiliza um ácido, mas o resultado é o de substituir a tatuagem por uma cicatriz. Pode-se fazer também a remoção cirúrgica da derme, com um eventual transplante de pele retirada de outras áreas do corpo (a mesma técnica que se usa no caso de grandes queimaduras). O laser também tem sido utilizado mais recentemente. Alguns aparelhos se limitam a destruir as células que correspondem à área tatuada, provocando uma queimadura. Outros destroem o pigmento, reduzindo-o a partículas que depois, pouco a pouco, são absorvidas pela pele. Esta última técnica requer mais tempo, mas segura-mente é a que menos deixa traços.

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11 Os pintores entre o final da Idade Média e o Renascimento mostram que a tatuagem não fora completamente esque-cida naquele período, embora tivesse fama de prática “maldita”. Na pintura “Jardim das Delícias”, feito em 1503, Hie-ronymus Bosch mostra uma mulher adúltera no inferno com uma rã tatuada no peito, símbolo da luxúria e do demô-nio. E um homem esmagado por um instrumento musical aparece com uma partitura tatuada sobre as nádegas.

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FARDA DE AÇOSoldados serão quase invulneráveis

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ão perder homens em com-bate está se tornando uma obsessão para as Forças Ar-madas dos Estados Unidos, e seu comando não tem me-dido esforços nesse sentido. A alternativa de substituir militares por máquinas já

está em desenvolvimento. Outra opção, a de tornar os soldados invulneráveis, ou quase, também caminha a passos largos, pelo menos no quesito vestimenta.

A ideia já existe na ficção: trata-se do Homem de Ferro, criação do escritor de quadrinhos Stan Lee, que Hollywood popularizou nos últimos anos. Nos quadrinhos, o traje do Ho-mem de Ferro é inventado, fabricado e usado por Tony Stark, bilionário dono de uma das mais importantes indústrias de armas dos EUA. Entre outras características, a roupa permite ao usuário voar a velocidades super-sônicas, resistir a disparos de grosso calibre e ter um arsenal de armas à disposição. Mais modestos, os militares americanos admitem que seu traje não fará ninguém voar. Quanto ao resto, porém, a meta parece ser chegar tão perto quanto possível da ficção.

A armadura do Homem de Ferro real, deno-minada Traje de Operador para Assalto Tático Leve (Talos, na abreviatura em inglês) foi ins-pirada por Talós, o mítico gigante de aço que, na Grécia Antiga, era encarregado de proteger a deusa Europa. O Exército dos Estados Uni-dos nunca escondeu a vontade de se inspirar no Homem de Ferro para criar armaduras e recursos inovadores para os seus soldados. Até por isso, os mais diversos departamentos de engenharia, centros de pesquisa parceiros e universidades vivem apresentando ao mun

N

As batalhas do futuro serão diferentes das que vemos hoje. Além de investirem na construção de robôs para atuar em conflitos, as Forças Armadas dos Estados Unidos planejam fabricar vestes que deixariam os soldados invulneráveis aos ataques inimigos. Tal como a armadura do Homem de Ferro

POR: EDUARDO ARAIA

do algumas novidades nesse sentido.

Agora, por exemplo, chegou a vez dos engenheiros do “US Army Research, Development and Engineering Comman-d”(RDCOM) mostrarem o seu projeto. Chamada de TA-LOS (ou Tactical Assault Light Operator Suit), a armadura conta com planejamento ousado: deve entrar em testes operacionais em um prazo de até quatro anos.

Para tanto, a ideia dos engenheiros é aproveitar diversas tecnologias que já estão disponíveis, desenvolvendo-as e realizando as devidas adaptações para que possam traba-

lhar juntas em prol da criação de verda-deiros supersoldados.

I am The Iron Man!

Uma das principais funcionalidades do TALOS é proteger os combatentes do tiros inimigos. Dessa forma, a principal exigência da armadura é que ela seja totalmente à prova de balas. Isso, no entanto, eliminaria totalmente a flexibi-lidade de movimentação dos soldados. Por isso, o RDECOM trabalha a utiliza-ção de novas ligas metálicas mais leves, resistentes e maleáveis.

O TALOS, no entanto, deve contar tam-bém com várias outras funcionalidades. Não estamos falando de mísseis tele-

guiados ou foguetes que façam os soldados voar com li-berdade pelos campos de combate. Contudo, ainda assim algumas ferramentas seriam muito úteis.

Além da blindagem, um sistema de correntes elétricas promete repelir os projéteis quando atirados na direção do soldado, por exemplo. Esse programa de utilização de energia também deve garantir uma ferramenta capaz de “guardar e eliminar energia para prevenir ferimentos e melhorar a performance”.Para que o “contato com o mundo exterior ao da armadu-ra” seja quase real, o TALOS contará com um sistema de sensores internos e externos, ou seja, para o corpo huma

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no e também para a armadura. Com isso, a “essência” do combate real também é mantida, uma vez que o soldado poderá identificar melhor terrenos e lidar com diferentes situações.

Sargento mostra alguns dos recursos de um soldado do futuro (Fonte da imagem: Reprodução/RDECOM)

Já um visor no maior estilo Google Glass pode trazer di-versas funcionalidades para o combatente. Além de infor-mações de localização, comunicações da sua base e GPS, essa ferramenta também deve disponibilizar visão noturna e leitores de temperatura. Pode não ser nenhum Jarvis (como bem lembrou o Sploid), mas, mesmo assim, pode ser de grande ajuda.

Por fim, articulações hidráulicas e que já foram vistas em alguns exoesqueletos desenvolvidos pelos próprios milita-res podem ser incluídos. Essas ferramentas são capazes de dar mais força e velocidade a qualquer soldado que preci-sar superar os mais diferentes obstáculos.

A armadura que torna um soldado imbatível era o sonho do almirante William H. McRaven, chefe do Comando de Operações Especiais dos EUA (Socom) até agosto de 2014. Em uma conferência militar realizada em maio de 2013, McRaven expôs a ideia de fabricar uma roupa capaz de proteger os soldados e aumentar sua percepção, força e eficiência em combate. Ele conclamou representantes

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das indústrias de armas e defesa a lhe trazerem conceitos e tecnologias que tornassem o traje real. O desafio tinha um objetivo: sem um Tony Stark por perto, era preciso aproxi-mar empresas, laboratórios e instituições acadêmicas que, de outro modo, nunca trabalhariam juntas. “Nenhuma indústria pode construir isso”, diz o sargento-mor Chris Faris, do Exército dos EUA.

Percepção ampliada

As capacidades do Talos ainda não foram divulgadas. Mas segundo Michael Fieldson, gerente de projetos do Socom,

o traje deverá, em linhas gerais, oferecer proteção integral, leve e eficiente contra disparos de armas e força sobre-hu-mana. Tal como o Google Glass, computadores e antenas embutidos na roupa ampliarão a capacidade de percepção do usuário, passando-lhe informações confiáveis em tempo real no campo de batalha. Sensores vão monitorar a tempe-ratura corporal, os batimentos cardíacos e os níveis de hi-dratação. Aquecedores e resfriadores integrados regularão a temperatura interna do traje. O aumento da força, a fim de permitir ao usuário, por exemplo, levar cargas a longas distâncias, deverá contar com a ajuda da hidráulica.

“O requisito é uma família abrangente de sistemas numa roupa para proteção de combate, na qual reuniremos um exoesqueleto com uma armadura inovadora, mostradores

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Técnico explica características de um dos modelos de armadura Talos

para monitoramento de energia e saúde e arma integrada a tudo isso”, resume o tenente-coronel Karl Borjes, consultor científico do comando de engenharia, desenvolvimento e pesquisa do Exército americano.

Ao atrair a nata do setor de pesquisa dos EUA, o Talos deve promover avanços técnicos. O prestigioso Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), por exemplo, estaria trabalhando em uma espécie de ar-madura líquida, feita de fluidos que se solidificam sob a ação de campos magnéticos ou correntes elétricas.O coronel da reserva José Vicente da Silva, da Polícia Mi-litar de São Paulo, não vê grandes vantagens no Talos a princípio. “Não vejo aplicação, a não ser para forças es-peciais das Forças Armadas”, diz. No contexto de ações

urbanas como as enfrentadas pela PM, ele salienta que o fundamental para o combatente é ter movimentos facilita-dos, o que o Talos não garante. E mesmo no caso de forças especiais, o coronel lembra que há outras opções já dispo-níveis, como robôs e minidrones.

Protótipos da roupa deveriam ter sido apresentados em meados do ano passado, mas a programação foi altera-da. O próprio almirante McRaven também mudou seus planos, aposentando-se em agosto do ano passado – su-postamente pelo estardalhaço causado na imprensa pela novidade planejada. De qualquer modo, o substituto de McRaven, o general Joseph L. Votel III, também é um fir-me defensor da proposta do Talos e confirma que a versão final da roupa deverá ser aprovada até 2018. Em alguns anos, portanto, o “desenvolvimento revolucionário em capacidade de sobrevivência e habilidades” prometido por McRaven já poderá estar à disposição dos guerreiros do Tio Sam.

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A armadura Talos

Farda futurista

Monitores - Sensores repassam informações relevantes sobre o ambiente externo para telas transparentes no ca-pacete do usuário.

Estado físico - Sistemas embutidos monitoram os sinais vitais, tais como calor do corpo e níveis de oxigênio. Torni-quetes infláveis tratam de pequenos ferimentos.

Leveza e resistência - Novas ligas metálicas maximizam a proteção e distribuem inteligentemente o peso, ajudando o

usuário a correr e saltar com 40 kg de carga ou mais.

Armadura - Feita com materiais de última geração, deverá proteger a cabeça e o corpo, sobretudo contra explosões, balas e estilhaços.

Percepção - Sistemas de gerenciamento embutidos, asso-ciados a computadores que podem ser vestidos, antenas e rádio programável.

Mobilidade - O exoesqueleto será equipado com recursos para aumentar a agilidade e a resistência do usuário.

A evolução do uniforme

Guerra de Secessão (1861-1865)I Guerra MundialII Guerra MundialGuerra do VietnãGuerra do IraqueFuturo

Vídeo: Conheça Talos, o Homem de ferro

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Talos, o mítico homem de bronze da Grécia Antiga

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SO

CIE

DA

DEFEMINISMO

MUÇULMANOO que minha religião realmente diz sobre mulheres

Em todo o mundo islâmico, as mulheres, sobretudo as mais jovens, começam a lutar por seus direitos de igualdade de gênero

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laa Murabit é ativista em vários processos para a im-plementação da paz e para a mediação de conflitos. Sua família foi do Canadá para a Líbia quando ela tinha 15 anos. Nascida e criada num

ambiente familiar muçulmano no qual ela era igual a seus irmãos, para ela foi uma experi-ência chocante perceber a maneira como as

A

Jovem médica e ativista de causas humanitárias, sobretudo as que lutam pelos direitos das mulheres no mundo islâmico, Alaa Murabit explica como tem alcançado resultados tão bons: Usando os próprios ensinamentos de igualdade de gênero contidos no islamismo original

VÍDEO: TED – IDEAS WORTH SPREADINGTRADUÇÃO: DANIELLA CASTROREVISÃO: RAFAEL BRAGA RODRIGUES.

Bill Gates fala no TED

mulheres eram consideradas e tratadas na sua nova terra. Alaa se inscreveu numa faculdade de medicina, mas logo se sentiu frustrada devido a discriminação de gêne-ro que experimentou .

Quando ela cursava o quinto ano da fa-culdade, aconteceu a revolução na Líbia. Alaa se sentiu revigorada ao perceber que as mulheres logo passaram a tomar deci-sões e a exercerem funções de comando no interior do movimento. Ela fundou en-tão o grupo The Voice of Libyan Women (VLW) focado na discussão dos desafios das normas culturais e sociais vigentes. Muitos programas desenvolvidos pela VLW – como a Noor Campaign, que usa ensinamentos islâmicos para combater a violência contra as mulheres – foram re-plicados internacionalmente.

Alaa Murabit é agora conselheira de vá-rias organizações, inclusive da Women Global Civil Society Advisory Group, da ONU, e da Harvard’s Everywoman Everywhere Coalition.

Tradução integral da palestra de Aala Murabit

No meu caminho até aqui, o passageiro ao meu lado e eu tivemos uma conversa interessante durante o voo. Ele me disse: “Parece que os EUA estão ficando sem empregos, porque estão inventando al-guns: psicólogo de gatos, encantador de cães, caçador de tornados.”Alguns momentos depois, ele me perguntou: “E o que você faz?”E eu pensei: “Pacificadora?”

Eu trabalho todos os dias para amplificar as vozes das mulheres e ressaltar suas experiências e participação em processos de paz e re-solução de conflitos. E devido ao meu trabalho, entendi que a única maneira de assegurar a participação de mulheres, globalmente, é envolvendo a religião.

Essa questão é vitalmente importante para mim. Como uma jovem

mulher muçulmana, tenho muito orgulho da minha fé. Ela me dá a força e convicção para trabalhar todos os dias. É o motivo de eu estar aqui na frente de vocês. Mas não posso negligenciar todo o estrago que foi feito em nome da religião, não só da minha, mas de todas as maiores religiões do mun-do. A deturpação, uso indevido e manipulação das escrituras religiosas influenciou nossas normas sociais e culturais, nos-sas leis, nosso dia a dia, até um ponto em que nós mesmos deixamos de reconhecê-las.

Meu pais se mudaram da Líbia, na África do Norte, para o Canadá no início dos anos 1980. E eu sou a filha do meio de 11 irmãos. Sim, 11! Durante meu crescimento, vi meus pais, ambos devotos da religião e pessoas espirituais, rezarem e agradecerem à Deus por suas bênçãos, obviamente eu, mas também outras. Eles eram bondosos, engraçados e pacien-tes, com uma paciência ilimitada, do tipo que ter 11 filhos te força a ter. E eles eram justos. Eu nunca fui submetida à reli-gião sob qualquer lente cultural. Eu era tratada como todos, e o mesmo era esperado de mim. Nunca me ensinaram que Deus julga as pessoas de acordo com o gênero. E o entendi-mento de meus pais sobre Deus, como um amigo misericor-dioso e benéfico e pai, moldou a maneira pela qual eu via o mundo.

E, é claro, minha educação teve outros benefícios adicionais. Ser uma de 11 irmãos é como a Diplomacia 101. Até hoje, me perguntam em qual escola eu estudei como: “Você estudou na Escola Kennedy?” e respondo: “Não, estudei na Escola de Assuntos Internacionais Murabit.” É extremamente exclu-siva. Você precisaria conversar com minha mãe para entrar. Sorte a sua que ela está aqui. Mas ser uma de 11 filhos e ter 10 irmãos te ensina muito sobre estruturas de poder e alian

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Alaa Murabit

Tradução integral da palestra de Aala Murabit

ças. Te ensina a ter foco: a falar mais rápido ou menos porque você sempre será cortado. Te ensina a importância de passar a mensa-gem, a fazer perguntas da maneira correta para conseguir as res-postas que deseja, e você precisa dizer não da maneira correta para manter a paz.

Mas a lição mais importante que aprendi durante meu crescimento foi a importância de estar à mesa. Quando a luminária favorita da minha mãe quebrou, precisei estar lá quando ela tentou descobrir como e quem foi, porque eu tinha que me defender. Se você não es-tiver lá, o dedo será apontado para você. E antes que você saiba, já estará de castigo. Não estou falando por experiência própria, claro.Quando eu tinha 15 anos, em 2005, completei o ensino médio e me mudei do Canadá - Saskatoon - para Zawiya, a cidade natal de meus pais na Líbia, uma cidade muito tradicional. Eu só havia ido para a Líbia antes em minhas férias, e, para uma menina de 7 anos, era mágico! Sorvete, viagens para a praia e parentes muito entu-siasmados.

Então descobri que não era o mesmo para uma jovem de 15 anos. Muito rapidamente fui apresentada ao aspecto cultural da religião. As palavras “haram” - que significa proibido pela religião - e “aib” - que significa culturalmente inapropriado - eram trocadas sem nenhum cuidado, como se elas significassem a mesma coisa, e ti-vessem as mesmas consequências. E me encontrei em debates com vários colegas de turma, professores, amigos e até mesmo parentes, que começaram a questionar o meu papel e minhas próprias aspi-rações. E mesmo com a base que meus pais me deram, acabei ques-tionando o papel da mulher em minha religião.Na Escola de Assuntos Internacionais Murabit, nós fazemos de-bates intensos, e a primeira regra é fazer sua pesquisa. Então foi o que eu fiz, e me surpreendeu como foi fácil encontrar mulheres da minha religião que foram líderes, que foram inovadoras, que foram

fortes na política, na economia e até mesmo nas forças arma-das. Kadija financiou o movimento islâmico durante o seu crescimento. Nós não estaríamos aqui, se não fosse por ela. Então por que não estávamos escutando sobre ela? Por que não ouvimos nada sobre essas mulheres? Por que as mulhe-res estão sendo relegadas a posições anteriores aos ensina-mentos de nossa fé? E por que, se somos iguais aos olhos de Deus, não somos iguais aos olhos dos homens?

Para mim, tudo se resume às lições que aprendi quando criança. A pessoa que toma as decisões, aquela que deve passar a mensagem, está sentada à mesa, e infelizmente, em cada uma das religiões do mundo, elas não são mulheres. Instituições religiosas são dominadas por homens, e lidera

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Em Tripoli, capital da Líbia, manifestação de mulheres participants da Campanha Noor, em prol da liberdade de expressão das mulheres

Tradução integral da palestra de Aala Murabit

das por homens, e eles criam políticas à sua semelhança. E até que possamos mudar o sistema totalmente, não podemos ter esperan-ças reais de ter plena participação econômica e política das mulhe-res. Nossa base está falida. Minha mãe diz que não se pode cons-truir uma casa reta se a base está torta.

Em 2011, a Revolução Líbia eclodiu, e minha família estava na linha de frente. E uma coisa incrível acontece durante os combates, quase uma mudança cultural, muito temporária. E foi a primeira vez que senti que meu envolvimento não era apenas aceito, mas encoraja-

do. Era exigido. Eu e outras mulheres tínhamos um lugar à mesa. Não estávamos de mãos dadas, nem éramos interme-diárias. Nós éramos parte da tomada de decisão. Comparti-lhávamos informações. Éramos cruciais. E eu queria e neces-sitava que essa mudança fosse permanente.Acontece que isso não é tão fácil. Em poucas semanas, as mulheres que trabalharam comigo estavam voltando a seus papéis habituais, e a maioria delas era guiada por palavras de encorajamento de líderes religiosos e políticos, a maioria dos quais citava as escrituras religiosas em sua defesa. É assim que conseguem apoio popular sobre suas opiniões.

Inicialmente, foquei o empoderamento político e econômico de mulheres. Eu achei que isso levaria a uma mudança cultu-ral e social. Acontece que isso gera uma pequena mudança, mas não grande. Eu decidi usar a defesa deles como minha ofensiva, e comecei a também citar e destacar as escrituras Islâmicas.

Em 2012 e 2013, minha organização liderou a maior e mais difundida campanha na Líbia. Nós fomos a casas, a escolas, a universidades e até a mesquitas. Nós conversamos dire-tamente com 50 mil pessoas, e centenas de milhares mais através de letreiros e comerciais na TV, comerciais na rádio e cartazes.

Vocês devem estar se questionando como uma ONG de di-reitos da mulher conseguiu isso em comunidades que ante-riormente se opuseram à nossa simples existência. Eu usei as escrituras religiosas. Usei versos do Alcorão e falas do Profe-ta, “Hadiths” - falas que são, por exemplo, “O melhor de você é o melhor para a sua família”. “Não deixe seus irmãos opri-mirem uns aos outros.” Pela primeira vez, os sermões de

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Reunião de jovens mulheres na sede da organização The voice of Libyan Women

Tradução integral da palestra de Aala Murabit

sexta, feitos pelos imãs das comunidades, promoveram os direitos das mulheres. Eles discutiram assuntos tabu, como a violência do-méstica. Políticas foram alteradas. Em algumas comunidades, tive-mos que chegar ao ponto de dizer que os princípios da Declaração Internacional dos Direitos Humanos, aos quais se opunham por não terem sido escritos por estudiosos da religião, estão no nosso livro. Então, a ONU apenas nos copiou.

Mudando a mensagem, pudemos criar uma nova narrativa que promovia o direito das mulheres na Líbia, e que agora já foi repli-cada internacionalmente, E não estou dizendo que é fácil, podem acreditar, não é. Liberais vão dizer que você está usando religião e vão te chamar de conservador. Conservadores vão te chamar de várias coisas coloridas. Eu já ouvi de tudo, desde: “Seus pais devem estar envergonhados de você”, errado, eles são meus maiores fãs, até: “Você não viverá até o seu próximo aniversário”, errado nova-mente, porque eu vivi. E eu continuo crendo que direitos das mu-lheres e religião não são mutualmente excludentes. Mas nós preci-samos estar à mesa. Temos que parar de desistir da nossa posição, porque continuando em silêncio nós permitimos que a perseguição e o abuso de mulheres no mundo todo continue. Quando dizemos que vamos lutar pelos direitos das mulheres e lutamos contra o extremismo com bombas e guerras, nós incapacitamos as comu-nidades locais, que precisam abordar estas questões, para que elas sejam sustentáveis.

Não é fácil lutar contra as distorções das mensagens religiosas. Você terá uma boa dose de insultos, ridicularizações e ameaças. Mas nós precisamos fazê-lo. Não temos outra opção a não ser evo-car a mensagem dos direitos humanos, os princípios da nossa fé, não por nós, nem pelas mulheres de nossas famílias, nem pelas mulheres dessa sala, nem mesmo pelas mulheres lá fora, mas pelas sociedades que seriam transformadas com a participação das mu-

lheres. E a única maneira de fazermos isso, nossa única op-ção, é estando e permanecendo à mesa.Obrigada.

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