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Reportagem Especial VITÓRIA, ES, SÁBADO, 12 DE SETEMBRO DE 2015 ATRIBUNA 3 ELES SÃO CONTRA A DESCRIMINALIZAÇÃO “Maconha faz mal, sim” “Quem diz que a maconha 'não faz tanto mal' afirma isso com base em estudos an- tigos, de quando a maconha tinha 3% de THC (subs- tância responsável pelos efeitos da droga). Mas a maco- nha vendida hoje tem 12% de THC. Há vários relatos de maconha misturada com crack e outras substâncias. Está mais que comprovado que há riscos reais para a saúde do usuário.” Aguinel José Bastian Júnior, vice-presidente da Associação Médica Brasileira “O preço será alto” “Se o porte de ma- conha for descri- minalizado, acre- dito que pagare- mos um preço muito alto. Em uma sociedade que começa a ba- nalizar o uso de dro- gas, ele vai se difundindo, vai aumen- tando o número de usuários. E o uso de drogas sempre vai ter uma conse- quência para o usuário, mesmo que ele não perceba. Vamos ter uma socieda- de com mais doentes.” Vicente de Paulo Ramatis Lima, psiquiatra “Tratamento adequado” “Sou favorável à descriminalização não só da maco- nha, mas de to- das as drogas, es pec ial men te as mais perigo- sas, porque isso se traduz em melhorar o acesso dos usuários ao tratamento adequado. Não há evidência que sustente a afirmativa de que experiências inter- nacionais de descriminalização cau- saram aumento no consumo de dro- gas ilícitas e da violência.” Luís Fernando Tófoli, professor de Psiquiatria a Unicamp DECISÃO SOBRE DROGAS Defensores dizem que uso não vai aumentar S e por um lado há médicos contrários à descriminaliza- ção da maconha, outros pro- fissionais da saúde defenderam mudanças e ainda garantiram que isso não irá aumentar a quantida- de de usuários e nem a violência. O professor de Psiquiatria da Unicamp, Luís Fernando Tófoli, elaborou há 15 dias uma nota de profissionais da saúde, que contou com 206 assinaturas – entre as quais do presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, e o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão –, que aponta motivos para descri- minalizar as drogas. Em um dos trechos da nota, consta que “não há evidência que sustente a afirmativa de que expe- riências internacionais de descri- minalização causaram aumento no consumo de drogas ilícitas”. Sobre a violência, Tófoli citou que, em 2001, Portugal se tornou o primeiro país a descriminalizar o uso de drogas, seguido por outros países europeus e latino-america- nos. “Tomando como um todo, não houve aumento da violência e do uso de drogas nos locais”, contou. O oncologista Drauzio Varella, que assinou o manifesto, diz que le- galizar não significa liberar geral. “É possível criar leis e estabelecer regras que protejam os adolescen- tes, disciplinem o uso e permitam oferecer assistência aos interessa- dos em livrar-se da dependência.” O especialista em dependência química Luiz Sérgio Quintainos disse que a descriminalização de- veria vir acompanhada de um tra- balho educativo. “Tem que falar dos efeitos da maconha”, frisou. O psicanalista clínico e mestre em Dependência Química Fran- cisco Veloso também defende o trabalho educativo, que deve ser de longo prazo. “Sou a favor da descri- minalização, mas não agora. Tal- vez em 15 ou 20 anos”, analisou. AGÊNCIA ESTADO – 24/09/2012 DRAUZIO VARELLA acredita que é possível criar leis e estabelecer regras Aids No tratamento da síndrome de ema- ciação por infecção do HIV, reduziu sin- tomas como náusea, perda de apetite, cansaço extremo, ansiedade e dores. Dores Alivia dores em ge- ral, especialmente as relacionadas a nervos, enxaque- cas e menstruais. Glaucoma Diminui a pres- são intraocular causada pela doença. Esclerose múltipla Alivia sintomas co- mo espasmos mus- culares, dores e mau funcionamento de órgãos como intesti- no e bexiga. Epilepsia Contém com- postos cana- binoides com propriedades anticonvulsi- vas. Câncer Controla a náusea e o vômito cau- sados por tratamentos quimioterá- picos. Asma Contraditoria- mente, a ma- conha reverte crises de asma de 30 a 60 mi- nutos depois de inalada. Sistema imunológico Diminui a ca- pacidade das célu- las T (de defesa) de lutar contra infecções, prejudicando soropo- sitivos com o organis- mo já comprometido. Inalação de THC dimi- nui as defesas do pul- mão, aumentando os riscos de infec- ções no órgão. Cérebro Uso re- creativo traz problemas para o aprendizado, a me- mória de curto prazo, as funções executi- vas, como a capacida- de de se concentrar. Prejudica principal- mente adolescentes, cujo cérebro está em formação. Dependência Um em cada nove fuman- tes regulares de maconha se torna dependente. Pulmão Problemas respira- tórios causados pelo fumo; há estu- dos que apontam o risco de câncer. Psicomotor Prejudica o de- sempenho psico- motor em várias tarefas, como de coordenação motora e opera- ção de máquinas complexas, com mais risco de acidentes de pessoas que diri- gem intoxicadas. Infertilidade Diminui em até 60% a quantida- de de testoste- rona, levando o homem a reduzir a sua produção de espermato- zoides. Psicose Agrava sintomas psicóticos e de pacientes já diag- nosticados com esquizofrenia e outros transtor- nos. É um dos componentes de risco da doença. MALES BENEFÍCIOS Saiba mais Efeitos da substância no organismo Fonte: Especialistas consultados e pesquisa/AT. COMO É NO MUNDO ESTADOS UNIDOS Em 2012, os estados de Washington e Colorado legalizaram, após um referendo, o uso recreativo de maconha. Dois anos de- pois, Alasca, Oregon e a capital, Washington, seguiram o exemplo. Califórnia, Massachusetts, Maine, Nevada e Arizona estão entre os esta- dos que podem votar a legalização do uso recreativo no ano que vem. Atual- mente, 18 estados, além do distrito fe- deral, Washington, permitem o uso medicinal da substância sob prescri- ção médica. ESPANHA Possui cerca de 500 “clubes de maconha” e tornou totalmente legal o cultivo e o consumo em casa. HOLANDA Apesar de serem legali- zadas, são toleradas as formas de consumo de drogas. O país tem “coffee shops”, lojas que vendem drogas, inclusive maconha. CANADÁ Foi o primeiro país no mundo a permitir legal- mente o uso da maconha para fins me- dicinais. Os canadenses podem culti- var maconha e consumir a erva se ti- verem receita médica e um documento de autorização emitido pelo governo. ISRAEL Tem programas legais para o cultivo de maco- nha medicinal, mas não permite o cul- tivo para uso recreativo. URUGUAI Aprovou uma lei que prevê o registro dos consumidores de maconha e um limite de compra de 40 gramas mensais por usuário. A venda é feita em farmácias e controlada pelo estado. PORTUGAL Foi o primeiro país do mundo a legalizar todas as drogas em 2001. A posse de maco- nha é limitada a 25 gramas de erva por usuário. “Estabelecer regras” “Há 30 anos defen- do a descriminali- zação da maco- nha. Estudos apontam que só 9% dos usuários terão algum pro- blema de saúde, como diminuição do raciocínio, da concentração, ou desen- volverão alguma dificuldade mental. No começo, aumentaria o consumo pela curiosidade das pessoas. Mas, com o tempo, a tendência é de queda. A violência vai diminuir, pois a partir do momento que você regulamenta a ma- conha, tira o controle dos traficantes.” Dartiu Xavier, psiquiatra e professor da Universidade Federal de São Paulo ELES SÃO A FAVOR DA DESCRIMINALIZAÇÃO

24 0 / 9 2 / 0 2 1 Defensores dizem que uso não vai aumentar ...2015/09/12  · gem intoxicadas. Infer tilidade Diminui em até 60% a quantida-de de testoste-rona, levando o homem

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Page 1: 24 0 / 9 2 / 0 2 1 Defensores dizem que uso não vai aumentar ...2015/09/12  · gem intoxicadas. Infer tilidade Diminui em até 60% a quantida-de de testoste-rona, levando o homem

Reportagem Especial

VITÓRIA, ES, SÁBADO, 12 DE SETEMBRO DE 2015 ATRIBUNA 3

ELES SÃO CONTRAA DESCRIMINALIZAÇÃO

“Maconha faz mal, sim”“Quem diz que a

maconha 'não faztanto mal' afirmaisso com baseem estudos an-tigos, de quandoa maconha tinha3% de THC (subs-tância responsávelpelos efeitos da droga). Mas a maco-nha vendida hoje tem 12% de THC. Hávários relatos de maconha misturadacom crack e outras substâncias. Estámais que comprovado que há riscosreais para a saúde do usuário.”

Aguinel José Bastian Júnior,vice-presidente da Associação

Médica Brasileira

“O preço será alto”“Se o porte de ma-

conha for descri-minalizado, acre-dito que pagare-mos um preçomuito alto. Emuma sociedadeque começa a ba-nalizar o uso de dro-gas, ele vai se difundindo, vai aumen-tando o número de usuários. E o uso dedrogas sempre vai ter uma conse-quência para o usuário, mesmo que elenão perceba. Vamos ter uma socieda-de com mais doentes.”

Vicente de Paulo Ramatis Lima,p s i q u i at ra

“Tratamento adequado”“Sou favorável à

de scr imi nali zaç ãonão só da maco-nha, mas de to-das as drogas,es pec ial men teas mais perigo-sas, porque isso setraduz em melhorar oacesso dos usuários ao tratamentoadequado.

Não há evidência que sustente aafirmativa de que experiências inter-nacionais de descriminalização cau-saram aumento no consumo de dro-gas ilícitas e da violência.”

Luís Fernando Tófoli, professor dePsiquiatria a Unicamp

DECISÃO SOBRE DROGAS

Defensores dizem queuso não vai aumentarSe por um lado há médicos

contrários à descriminaliza-ção da maconha, outros pro-

fissionais da saúde defenderammudanças e ainda garantiram queisso não irá aumentar a quantida-de de usuários e nem a violência.

O professor de Psiquiatria daUnicamp, Luís Fernando Tófoli,elaborou há 15 dias uma nota deprofissionais da saúde, que contoucom 206 assinaturas – entre asquais do presidente da Fiocruz,Paulo Gadelha, e o ex-ministro daSaúde José Gomes Temporão –,que aponta motivos para descri-minalizar as drogas.

Em um dos trechos da nota,consta que “não há evidência quesustente a afirmativa de que expe-riências internacionais de descri-minalização causaram aumentono consumo de drogas ilícitas”.

Sobre a violência, Tófoli citouque, em 2001, Portugal se tornou oprimeiro país a descriminalizar o

uso de drogas, seguido por outrospaíses europeus e latino-america-nos. “Tomando como um todo, nãohouve aumento da violência e douso de drogas nos locais”, contou.

O oncologista Drauzio Varella,que assinou o manifesto, diz que le-galizar não significa liberar geral.“É possível criar leis e estabelecerregras que protejam os adolescen-tes, disciplinem o uso e permitamoferecer assistência aos interessa-dos em livrar-se da dependência.”

O especialista em dependênciaquímica Luiz Sérgio Quintainosdisse que a descriminalização de-veria vir acompanhada de um tra-balho educativo. “Tem que falardos efeitos da maconha”, frisou.

O psicanalista clínico e mestreem Dependência Química Fran-cisco Veloso também defende otrabalho educativo, que deve ser delongo prazo. “Sou a favor da descri-minalização, mas não agora. Tal-vez em 15 ou 20 anos”, analisou.

AGÊNCIA ESTADO – 24 / 0 9 / 2 0 1 2

DRAUZIO VARELLA acredita que é possível criar leis e estabelecer regras

AidsNo tratamento dasíndrome de ema-ciação por infecçãodo HIV, reduziu sin-tomas como náusea,perda de apetite,cansaço extremo,ansiedade e dores.

D o re sAlivia dores em ge-ral, especialmenteas relacionadas anervos, enxaque-cas e menstruais.

GlaucomaDiminui a pres-são intraocularcausada peladoença.

Esclerose múltiplaAlivia sintomas co-mo espasmos mus-culares, dores e maufuncionamento deórgãos como intesti-no e bexiga.

EpilepsiaContém com-postos cana-binoides compropriedadesanticonvulsi -va s .

CâncerControla anáusea e ovômito cau-sados port rata m e n t o squimioterá -picos.

AsmaContraditoria -mente, a ma-conha revertecrises de asmade 30 a 60 mi-nutos depoisde inalada.

SistemaimunológicoDiminui a ca-pacidade das célu-las T (de defesa) delutar contra infecções,prejudicando soropo-sitivos com o organis-mo já comprometido.Inalação de THC dimi-nui as defesas do pul-mão, aumentando osriscos de infec-ções no órgão.

C é re b roUso re-creativo trazproblemas para oaprendizado, a me-mória de curto prazo,as funções executi-vas, como a capacida-de de se concentrar.Prejudica principal-mente adolescentes,cujo cérebro está emformação.

DependênciaUm em cada nove fuman-tes regulares de maconhase torna dependente.

PulmãoProblemas respira-tórios causadospelo fumo; há estu-dos que apontam orisco de câncer.

Ps i c o m o t o rPrejudica o de-sempenho psico-motor em váriastarefas, como decoordenaçãomotora e opera-ção de máquinascomplexas, commais risco deacidentes depessoas que diri-gem intoxicadas.

Infer tilidadeDiminui em até60% a quantida-de de testoste-rona, levando ohomem a reduzira sua produçãode espermato-zoides.

Ps i c o s eAgrava sintomaspsicóticos e depacientes já diag-nosticados comesquizofrenia eoutros transtor-nos. É um doscomponentes derisco da doença.

M A L ESBENEFÍCIOS

Saiba mais Efeitos da substância no organismo

Fo n t e : Especialistas consultados e pesquisa/AT.

COMO É NO MUNDO

ESTADOS UNIDOSEm 2012, os estados deWashington e Colorado

legalizaram, após um referendo, o usorecreativo de maconha. Dois anos de-pois, Alasca, Oregon e a capital,Washington, seguiram o exemplo.Califórnia, Massachusetts, Maine,Nevada e Arizona estão entre os esta-dos que podem votar a legalização douso recreativo no ano que vem. Atual-mente, 18 estados, além do distrito fe-deral, Washington, permitem o usomedicinal da substância sob prescri-ção médica.

ES PA N H APossui cerca de 500“clubes de maconha” e

tornou totalmente legal o cultivo e oconsumo em casa.

HOL ANDAApesar de serem legali-zadas, são toleradas as

formas de consumo de drogas. O paístem “coffee shops”, lojas que vendemdrogas, inclusive maconha.

CA N A DÁFoi o primeiro país nomundo a permitir legal-

mente o uso da maconha para fins me-dicinais. Os canadenses podem culti-var maconha e consumir a erva se ti-verem receita médica e um documentode autorização emitido pelo governo.

ISRAELTem programas legaispara o cultivo de maco-

nha medicinal, mas não permite o cul-tivo para uso recreativo.

U R U G UA IAprovou uma lei queprevê o registro dos

consumidores de maconha e um limitede compra de 40 gramas mensais porusuário. A venda é feita em farmáciase controlada pelo estado.

P O RT U G A LFoi o primeiro país domundo a legalizar todas

as drogas em 2001. A posse de maco-nha é limitada a 25 gramas de erva porusuário.

“Estabelecer regras”“Há 30 anos defen-

do a descriminali-zação da maco-nha. Estudosapontam que só9% dos usuáriosterão algum pro-blema de saúde,como diminuição doraciocínio, da concentração, ou desen-volverão alguma dificuldade mental.

No começo, aumentaria o consumopela curiosidade das pessoas. Mas,com o tempo, a tendência é de queda.A violência vai diminuir, pois a partir domomento que você regulamenta a ma-conha, tira o controle dos traficantes.”

Dartiu Xavier, psiquiatra e professorda Universidade Federal de São Paulo

ELES SÃO A FAVORDA DESCRIMINALIZAÇÃO