6
46 Scientific American Brasil | Julho 2012 AMBIENTE RISCOS E AMEAÇAS NA REFORMA DO CÓDIGO FLORESTAL Reducionismo, imediatismo, pressão política e desconsideração de conceitos básicos ambientais ameaçam perigosamente as potencialidades nacionais Por Alexandre F. Souza, Adrian Antonio Garda e Luiz Antonio Cestaro EM SÍNTESE O atual Código Florestal protege áreas ambientalmente frá- geis mas, ao mesmo tempo, estratégicas para a segurança da sociedade, caso das margens de rios e reservatórios, encostas íngremes e nascentes. Na comunidade científica é quase unâ- nime a opinião de que uma das principais consequências da aprovação da nova legislação ambiental será o aumento gene- ralizado do desmatamento. Apesar de ocorrer em proprieda- des rurais individualmente, os efeitos do desmatamento são sentidos socialmente. Uma das grandes funções exercidas pe- la vegetação é o sequestro natural de gás carbônico em gran- des quantidades. Para ser efetiva, a mudança do Código Flo- restal deveria ser baseada na melhor ciência disponível. 46 Scientific American Brasil | Julho 2012

2461 - Souza 2012 - Scientific American Codigo Florestal

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: 2461 - Souza 2012 - Scientific American Codigo Florestal

46 Scientifi c American Brasil | Julho 2012

A M B I E N T E

RISCOS E AMEAÇAS NA REFORMA DO

CÓDIGO FLORESTALReducionismo, imediatismo, pressão política

e desconsideração de conceitos básicos ambientais ameaçam perigosamente as

potencialidades nacionais

Por Alexandre F. Souza, Adrian Antonio

Garda e Luiz Antonio Cestaro

E M S Í N T E S E

O atual Código Florestal protege áreas ambientalmente frá-geis mas, ao mesmo tempo, estratégicas para a segurança da sociedade, caso das margens de rios e reservatórios, encostas íngremes e nascentes. Na comunidade científi ca é quase unâ-nime a opinião de que uma das principais consequências da aprovação da nova legislação ambiental será o aumento gene-

ralizado do desmatamento. Apesar de ocorrer em proprieda-des rurais individualmente, os efeitos do desmatamento são sentidos socialmente. Uma das grandes funções exercidas pe-la vegetação é o sequestro natural de gás carbônico em gran-des quantidades. Para ser efetiva, a mudança do Código Flo-restal deveria ser baseada na melhor ciência disponível.

46 Scientifi c American Brasil | Julho 2012

Page 2: 2461 - Souza 2012 - Scientific American Codigo Florestal

www.sciam.com.br 47www.sciam.com.br 47

Page 3: 2461 - Souza 2012 - Scientific American Codigo Florestal

48 Scientific American Brasil | Julho 2012

PÁGS

. AN

TERI

ORE

S: ©

CÁS

SIO

VAS

CON

CELL

OS/

SAM

BAPH

OTO

Get

ty Im

ages

Nas últimas décadas o Brasil rompeu com muitos padrões de crescimento predatório, pelo pioneirismo na criação extensiva de reservas indígenas, reservas de desenvolvimento sustentável e ex-trativistas, parques e reservas da biodiversidade, ao mesmo tempo que investiu em pesquisa e tecnologia agropecuárias que permiti-ram um salto na produção nacional de grãos e de rebanhos. Evidên-cia disso é que estamos entre os maiores exportadores de soja e de carne do mundo. A atual proposta de modificação do Código Flo-restal, no entanto, baseia-se nos mesmos argumentos e pontos de vista que prevaleceram durante os séculos de colonização portu-guesa, no período imperial e nas fases desenvolvimentistas mais re-centes, tão bem sintetizadas pelo historiador americano Warren Dean (1932-1994) em A ferro e fogo: a história e a devastação da Ma-ta Atlântica brasileira.

Essa visão fica evidente nas frases de Josué de Castro (1908-1973), que o ministro dos esportes Aldo Rebelo (PCdoB-SP) – que, como deputado, foi o relator do projeto de lei para alterar a legisla-ção florestal – utilizou para apresentar seu parecer. Citando a obra de Castro, Rebelo registrou: “Assim se apresenta o caso da conquista econômica da Amazônia: luta tenaz do homem contra a floresta e contra a água. Contra o excesso de vitalidade da floresta e contra a desordenada abundância da água dos seus rios... O homem tem de lutar de maneira constante contra esta floresta que superocu pou to-do o solo descoberto e que oprime e asfixia toda a fauna terrestre, in-clusive o homem, sob o peso opressor de suas sombras densas, das densas copas verdes de seus milhares de espécimes vegetais, do den-so bafo de sua transpiração. Luta contra a água dos rios que trans-formam com violência, contra a água das chuvas intermináveis, con-

tra o vapor d’água da atmosfera, que dá mofo e corrompe os víveres. Contra a água estagnada das lagoas, dos igapós e dos igarapés. Con-tra a correnteza. Contra a pororoca. Enfim, contra todos os exageros e desmandos da água fazendo e desfazendo a terra”.

A visão de combate contra a Natureza contraria todo o desen-volvimento do pensamento sociocultural humano que caminhou no sentido de integrar o crescimento socioeconômico à sustenta-bilidade ambiental. A visão de confronto aparece na reformula-ção do Código Florestal e concede anistia a todos os proprietários de terras que receberam multas por desmatar áreas de preserva-ção permanente e reservas legais. Essa anistia ameaça a credibili-dade dos órgãos de proteção ambiental em nível federal, estadual e municipal, incluindo os milhares de servidores públicos que frequentemente arriscam a própria vida em operações de fiscali-zação em regiões remotas e perigosas. Além disso, outros órgãos de fiscalização, nas esferas de segurança pública, vigilância sani-tária e fazendária têm a credibilidade de seu trabalho erodida por um efeito inevitável. A proposta de anistia também desacre-dita publicamente os milhares de produtores rurais e empresas que investiram tempo e recursos para que suas propriedades se-jam ambientalmente sustentáveis e saudáveis, promovendo a manutenção das áreas naturais como exigido pela lei.

A falsa dicotomia a que nos referimos inicialmente serve então para, de maneira artificial, polarizar o debate e taxar de “radical” quem se recusa a negociar determinados pontos. Nesse sentido é ne-cessário esclarecer que boa parte das alterações no novo Código não são combatidas por “ecologistas radicais” ou por “ONGs financiadas por capital estrangeiro”. As mudanças têm sido criticadas e conde-

Uma das apreensões de setores da sociedade nacional no debate sobre as mudanças do Código Florestal é que a conservação de ecossistemas nativos represen-ta uma barreira para o crescimento da agricultura de exportação, o agronegócio, ou para o abastecimen-to de alimentos assegurados pela agricultura familiar. Essa, no entanto, é uma noção fora da realidade.Estimativa recente feita por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra que a pretensa dico-tomia entre a preservação da vegetação natural e a produção de alimentos não é real. E isso porque o Brasil já tem uma área desprovida de vegetação natural suficientemente grande para acomodar a ex-pansão da produção agrícola. Os maiores entraves para a produção de alimentos no Brasil não se devem a restrições supostamente estabelecidas pelo Código Florestal, mas a um conjunto de situações que in-cluem, entre outros, os seguintes pontos: enorme desigualdade na distribuição de terras; restrição a cré-ditos agrícolas por parte de produtores que garantem a oferta de alimentos básicos; falta de assistência técnica para aumento de produtividade; carência de investimentos em infraestrutura para armazena-mento e escoamento da produção agrícola; restrições ao financiamento e não priorização do desenvolvi-mento de tecnologias que permitam aumentos necessários na lotação de pastagens.

Os autores trabalham com ecologia vegetal (Alexandre F. Souza e Luiz Antonio Cestaro)

e ecologia de anfíbios e répteis (Adrian Garda). Souza e Garda são professores do Departamento de Botânica, Ecologia e Zoologia, e Cestaro, professor do Departa-

mento de Geografia, todos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em Natal.

Page 4: 2461 - Souza 2012 - Scientific American Codigo Florestal

www.sciam.com.br 49

DO

NAL

DO

DIN

IZ/I

DEM

A/RN

nadas pelos melhores cientistas do país (das áreas de ciência da con-servação e ciências agrárias), com base na ciência de ponta. As con-sequências de muitas das mudanças vão além da caricatura midiáti-ca do protecionismo versus desenvolvimento. Assim, é preciso com-preender o significado das mudanças propostas e suas consequên-cias não apenas para a conservação da biodiversidade, mas para o próprio segmento produtivo e para a sociedade brasileira.

O SIGNIFICADO DO CÓDIGO FLORESTALUM PRINCÍPIO DA BIOLOGIA DA conservação (ciência que estuda como conservar e usar de forma sustentável os recursos naturais bióticos) é que, mesmo que sejam numerosos e extensos, parques e reservas públicos isolados não são suficientes para que a biodiversidade da Terra e o funcionamento de seus ecossistemas sejam garantidos de forma permanente. A participação de áreas particulares é impres-cindível para assegurar essa situação e isso significa que, de uma maneira ou outra, temos, todos, responsabilidade no desafio de de-senvolver o país de maneira ambientalmente saudável. A rede de parques e reservas do Brasil dispõe de uma legislação própria, basea-da na chamada Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conserva-ção da Natureza (SNUC, Lei nº 9.985 de 2000). Já a conservação em todas as áreas particulares obedece ao que conhecemos como Códi-go Florestal (Lei nº 4.771), instrumento legal adotado em 1965.

O Código Florestal protege áreas ambientalmente frágeis e, ao mesmo tempo, estratégicas para a segurança de toda a sociedade, caso das margens de rios e reservatórios, encostas íngremes e nascentes. Essas áreas são denominadas de Áreas de Preservação Permanente (APP). Além disso, determina que uma porção da propriedade rural permaneça coberta pela vegetação nativa ori-ginal, denominada de Reserva Legal (RL). Baseando-se em resul-tados científicos, o Código Florestal reconhece 14 funções ecoló-gicas das APPs e RLs: preservação dos recursos hídricos, paisa-gem e biodiversidade; garantia do fluxo gênico de fauna e flora; proteção do solo; garantia do bem-estar das populações huma-nas e do uso sustentável dos recursos naturais; garantia da con-servação e reabilitação dos processos ecológicos; promoção do abrigo e proteção da fauna e flora nativas; proteção sanitária, controle do fogo e da erosão, favorecimento da erradicação de es-pécies invasoras e proteção de plantios com espécies nativas.

O projeto aprovado pelos deputados e senadores, e alterado pela presidente, propõe diversas modificações no atual Código Florestal. As principais, resumidamente consideradas, incluem, por exemplo, substituição do “leito maior” por “calha” e “leito regular”. Essa me-dida, aparentemente simples, na realidade equivale a alterar o cri-tério de medida dos limites das áreas protegidas de APP de margem de rios. Atualmente, a Lei do Código Florestal prevê que os limites sejam medidos a partir do “leito maior sazonal” do rio, o que signi-fica a média das maiores cheias anuais. O novo texto troca “leito maior” por “leito regular” ou “calha do rio”, que equivale ao curso seguido pelo rio na maior parte do ano. Essa mudança reduz drasti-camente a área ribeirinha protegida por Áreas de Preservação Per-manentes, sobretudo nos rios maiores, pois grande parte da área atualmente protegida de um ponto de vista legal ficará localizada dentro do próprio leito maior do rio.

Apenas com essa medida grande parte das florestas ribeirinhas brasileiras perdem sua proteção legal, visto que a planície de inunda-ção (área alagada todo ano durante as enchentes) passa a ser descon-siderada no cálculo da APP. Também para fins de recomposição, a nova proposta reduz a APP de margens de rios (com até 10 metros de

SEQUÊNCIA MOSTRA variação no nível do rio Piranhas, em Açu, no Rio Grande do Norte, durante período de seca (no alto), chuvoso (no meio) e de cheia excepcional (embaixo). An-tigo Código calculava área de proteção com base na média dos maiores alagamentos; nova legislação não considera oscila-ções do volume  uvial, o que reduz a proteção às APPs.

Page 5: 2461 - Souza 2012 - Scientific American Codigo Florestal

50 Scientific American Brasil | Julho 2012

plantas agrícolas, entre numerosos outros. As mudanças trazidas pela lei em discussão ameaçam diretamente a manutenção da vida econômico-social nacional brasileira ao comprometer serviços ecossistêmicos fundamentais.

As áreas de várzea, por exemplo, são regiões relativamente planas às margens de rios, inundadas periodicamente durante a época das cheias. As várzeas abrigam vegetação com espécies de plantas e animais especializados em ambientes sujeitos a inun-dações periódicas. Como as florestas que margeiam os rios, lagos e reservatórios, as várzeas asseguram serviços ecossistêmicos fundamentais. É através delas que boa parte da água de escoa-mento das chuvas é filtrada e atinge os rios com muito menos re-síduos de solo e poluentes químicos gerados nos processos pro-dutivos agropastoris. Como se não bastasse, pelo fato de grande parte da energia elétrica gerada no Brasil depender de recursos hídricos, é fundamental que rios não sejam sobrecarregados com sedimentos capazes de assorear os lagos de hidrelétricas. Além disso, com o assoreamento dos rios, a navegabilidade e o transporte de passageiros e produtos correspondentes ficam ameaçados. Em relação às várzeas, nas épocas de cheias elas ab-sorvem grande parte da água excedente que transborda dos li-mites dos rios, formando lagoas temporárias. Na falta desses ambientes situações podem ser enormemente agravadas, como demonstram os “piscinões”, dispendiosas obras públicas execu-tadas pelo governo de São Paulo na tentativa de controlar as inundações provocadas pelo Tietê e outros cursos d’água, que fluem por áreas indevidamente ocupadas e/ou com capeamento asfáltico que inviabilizam a absorção da água pelo solo. A ocupa-ção humana de áreas de várzea e margens de rios expõe as popu-lações, além de instalações como fazendas e fábrica, a desastres produzidos por inundações naturais de rios.

Outro serviço ecossistêmico fundamental prestado pela vegeta-ção natural é a recarga dos aquíferos, grandes reservatórios subter-râneos de água doce de onde milhares de poços retiram água para uso tanto residencial como agropecuário e industrial. Do ponto de vista alimentar, tanto a pesca artesanal quanto a industrial de água doce são influenciadas pela manutenção da qualidade das águas fluviais, pois a sobrevivência e reprodução das inúmeras espécies de peixes dependem da qualidade do hábitat dessas espécies.

Grande parte da produção agrícola nacional está intimamen-te associada a serviços fornecidos pelos ecossistemas, como a po-linização executada por abelhas nativas. O valor econômico dos serviços de polinização prestados apenas por abelhas, entre ou-tros polinizadores, tem sido estimado com base nas culturas agrí-colas e pastagens em US$ 40 bilhões apenas nos Estados Unidos, onde as estatísticas são mais frequentes e atualizadas. Deve atin-gir pelo menos US$ 200 bilhões ao ano em escala global. Um es-tudo recente demonstrou que a manutenção de polinizadores nativos melhora a produção de café, o que significava que, na área estudada, a renda aumentava em média em US$ 60 mil nas imediações (distâncias menores que 1 km) das florestas. Grande parte das pragas agrícolas está submetida a algum grau de con-trole biológico por parte de espécies nativas que competem ou se alimentam diretamente dessas pragas. A perda da vegetação na-tiva ameaça, portanto, a agricultura nacional (tanto familiar quanto de exportação) com surtos repetidos e disseminados de

© E

DSO

N S

ATO

Pul

sar I

mag

es

largura) dos 30 metros atuais para faixas que dependem do tamanho da propriedade, podendo ser de apenas 5 metros, em alguns casos.

As mudanças propõem ainda que, nas várzeas, mangues e ma-tas de encosta, topos de morros e áreas com altitudes acima de 1.800 m passem a ser permitidas atividades econômicas agrossilvo-pastoris. Ocorre que todos estes ambientes são reconhecidamente frágeis e apresentam dificuldade de recuperação a impactos, além de prestarem diversos serviços ambientais. Todas essas áreas são ecossistemas únicos, com faunas e floras exclusivas. São essas áreas que estão envolvidas nos alagamentos dentro das cidades durante as inundações ou deslizamentos de terra durante as chuvas de ve-rão, provocando transtornos que vão de perdas materiais a mortes.

Adicionalmente, a nova proposta permite que as Áreas de Preservação Permanente sejam incluídas para o cálculo do per-centual da Reserva Legal. Essa alteração no código anterior li-berará as áreas de vegetação nativa presentes nas propriedades para desmatamento e fragmentação florestal, ambos nocivos em termos ambientais.

O CÓDIGO E OS SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOSNA COMUNIDADE CIENTÍFICA É QUASE unânime a opinião de que uma das principais consequências da nova legislação será o aumento ge-neralizado do desmatamento. A principal razão para justificar essa projeção é fácil de compreender: apenas a permissão automática de desmatamento contida na nova lei para propriedades com até 4 módulos fiscais provocaria nos estados do norte do Brasil desmata-mento de até 71 milhões de hectares de florestas nativas, segundo nota técnica para a Câmara de Negociação do Código Florestal do Ministério Público Federal.

Apesar de ser levado a cabo pelas propriedades rurais individual-mente, os efeitos desse enorme desmatamento afetarão um núme-ro significativo de brasileiros. Isso ocorre porque somos todos bene-ficiados pelos chamados serviços ecossistêmicos. É dessa forma que nomeamos os inúmeros processos pelos quais os ecossistemas pro-duzem efeitos que, quase sempre, interpretamos como óbvios e na-turalmente assegurados, como água limpa, madeira, polinizadores para plantações, ambientes de reprodução para peixes, ostras e

ÁREAS DE VÁRZEA que evitam assoreamento de rios �cam ameaçadas com mudanças no Código Florestal.

Page 6: 2461 - Souza 2012 - Scientific American Codigo Florestal

www.sciam.com.br 51

© A

NTÔ

NIO

GAU

DÉR

IO Fo

lhap

ress

pragas antes mantidas e sob controle natural pela biodiversidade das florestas nativas.

Por fim, uma das grandes funções exercidas pe-la vegetação é o sequestro natural de gás carbônico em grandes quantidades e sua retenção na biomas-sa vegetal sob a forma de raízes, troncos, galhos e folhas. A destruição de vastas extensões de flores-tas levou o Brasil (apesar de suas fontes “limpas” de energia elétrica, ao menos em comparação com combustíveis fósseis) ao quarto lugar na lista de países que mais contribuem para o aquecimento global. Nesse processo, o lançamento de gás carbô-nico na atmosfera pela indústria, a queima de ga-solina e óleo diesel em veículos e o desmatamento têm elevado a temperatura da atmosfera terrestre. A consequência desse aquecimento global é o dese-quilíbrio do clima planetário, com o aumento da frequência e intensidade de secas, tempestades, tu-fões, temperaturas extremas de frio e calor, com grandes perdas materiais e humanas. Na 15ª Confe-rência sobre o clima em Copenhague, na Dinamarca, em 2009, o Brasil apresentou a ousada meta de reduzir de 36,1% a 38,9% su-as emissões de gases de efeito estufa estimadas para 2020. La-mentavelmente, a reformulação do Código Florestal vai na con-tramão dessa proposta, e ameaça posicionar o Brasil como o principal responsável mundial pelo aquecimento global.

CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADEO BRASIL É UM PAÍS megadiverso. Megadiversidade é a expressão usa-da para caracterizar os países mais ricos em biodiversidade. Cam-peão incontestável de biodiversidade terrestre, o Brasil reúne qua-se 12% de toda a vida natural do planeta. Concentra 55 mil espécies de plantas superiores (22% de todas as que existem no mundo), muitas delas endêmicas (ou seja, que só ocorrem aqui): 524 espé-cies de mamíferos; mais de 3 mil espécies de peixes de água doce; entre 10 milhões e 15 milhões de insetos (a grande maioria ainda por ser descrita); e mais de 70 espécies de psitacídeos (araras, pa-pagaios e periquitos). O número de espécies de peixes encontradas na bacia do rio Amazonas supera 1.300, quantidade superior à en-contrada nas demais bacias fluviais do planeta. É o campeão mun-dial no número de espécies de anfíbios, e o segundo no número de aves e de répteis. Grande parte dessa biodiversidade está distribuí-da na vegetação das várzeas, florestas ribeirinhas e áreas íngremes protegidas pelo Código Florestal anterior, principalmente nas regi-ões Sul e Sudeste, que, historicamente, sofreram maior desmata-mento. Segundo o Princípio da Precaução, a sociedade humana não deve descartar sistemas complexos como as espécies e seus ecossistemas antes de ter uma compreensão completa de seus be-nefícios potenciais e das consequências de sua eliminação para a continuidade da vida humana.

Ao contrário da impressão que relações de espécies ameaça-das possam passar, muitos animais e plantas nativos se deslo-cam constantemente pelas amplas paisagens brasileiras. Esse fluxo é necessário para que a ocupação humana de novas áreas possa ocorrer adequadamente e para que o fluxo de genes e as migrações se mantenham. Nesse sentido, as florestas ao longo dos rios e as áreas de Reserva Legal desempenham papel funda-mental como corredores de migração e pontos de passagem pa-ra milhares de sementes e animais, fornecendo o que os pesqui-

sadores chamam de conectividade: o grau em que os diferentes trechos de ecossistemas nativos permanecem ligados. Sem es-sas ligações, fragmentos isolados de vegetação nativa tendem a perder suas espécies ao longo do tempo, vítimas da penetração de vento, calor, animais de criação e outros elementos predomi-nantes nas áreas do entorno.

POR UM CÓDIGO CIENTÍFICOPARA SER EFETIVA, A MUDANÇA do Código Florestal deveria ser baseada na melhor ciência disponível. O planejamento do uso da paisagem é fundamental para que se possam utilizar de maneira racional os recursos do presente e do futuro. Existem ferramentas disponíveis e recursos humanos capacitados no Brasil para implementação de uma legislação adequada para atingir os objetivos necessários de crescimento que transcendam o imediatismo. Para isso é preciso dar espaço para nossos especialistas e condições para que a comu-nidade científica chegue às melhores, mais adequadas e realmente necessárias mudanças da legislação florestal. Vale mencionar a grande conquista científica do Código: a organização de diversos setores da academia, produtivos e conservacionistas, em torno de uma legislação. Sem sombra de dúvida, o maior movimento cientí-fico desde a Rio 92. A sanção do novo Código Florestal com vetos e alterações feitas pela presidenta Dilma Rousse¾ não deve represen-tar o fim da mobilização por uma legislação mais racional e susten-tável, mas o início de uma nova fase do esforço permanente para que ela se torne uma realidade.

PA R A C O N H E C E R M A I S

O Código Florestal e a Ciência: contribuições para o diálogo. SBPC & ABC, 2011. Dis-ponível em http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-547.pdf A falsa dicotomia entre a preservação da vegetação natural e a produção agropecuá-ria. L. A. Martinelli, C. A. Joly, C. A. Nobre e G. Sparovek, em Biota Neotropica 10(4), 2010.Impactos potenciais das alterações propostas para o Código Florestal Brasileiro na bio-diversidade e nos serviços ecossistêmicos. J. P. Metzger, T. M. Lewinsohn, C. A. Joly, L. Ca-satti, R. Rodrigues e L. A. Martinelli. Associação Brasileira de Ciência Ecológica, 2010. Proceedings of the National Academy of Sciences. T. H. Ricketts, G.C. Daily, P.R Ehrlich e C.D. Michener, págs. 12579-12582, 2004.Saving pollinators. A. Emblidge e E. Schuster, ZooGoer, 1999. (disponível on-line)Videoaula on-line “Cientista explica mudança no Código Florestal”: http://www.youtu-be.com/user/alexfadigas?blend=6&ob=5#p/a/u/1/pf9TJiCj-jE

QUEIMADAS INDISCRIMINADAS transformam �orestas em pastagem: pata do boi amplia as fronteiras do agronegócio.