100
401 b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem imóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamam um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas o Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços, que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença. 27. Dados Históricos Os primeiros oratórios datam dos primórdios da Idade Média. Pequenos armários que podiam guardar não só o santo protetor, mas tudo que se relaciona à devoção cotidiana. Propiciando um ambiente adequado às reflexões e orações no interior das residências. Os oratórios geralmente simulam pequenos templos, trazidos para o interior das casas para conferir aos seus donos segurança e intimidade com o mundo do sagrado. Utilizados também em momentos festivos e em celebrações coletivas. Nos primeiros anos da colonização do Brasil, os oratórios exerceram importante papel no exercício da fé, pois inexistindo igrejas, era diante desses nichos ou armários de guardar santos que o povo fazia suas rezas. Deste modo as casas se constituíam no local mais reservado para a devoção religiosa.O oratório utilizado no Congado é o que designam por Esmoler ou oratório Itinerante ou de viagem. Estes oratórios são encontrados principalmente em espaços urbanos e utilizados para arrecadar dinheiro para a edificação de um templo de uma irmandade e para angariar recursos para a realização de festas religiosas. 28. Referências Documentais: Fotografias e entrevistas realizadas em visitas à residência de Creuza Romão de Oliveira, quartel do terno Congo de SainhaCascudo, Luiz da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1972Site: http://www .museudoratorio.com.brCD Rom “Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes em Uberlândia no Século XX” – Produzido por Fabíola Benfica Marra, com recurso da lei Municipal de Incentivo à Cultura, finalizado em 2005. 29. Informações Complementares: O oratório cumpre uma importante função no Congado. Durante as campanhas o oratório fica na casa onde será realizada a novena e/ou o leilão. Quando o terno sai para as novenas, as mulheres vão à frente para rezar com os moradores da casa. A bateria chega quando a novena já encerrou.

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b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do MoçambiqueRosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos naserra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros,vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvorede umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Oscapitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecemimóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para acidade e chamam um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeiraversão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosárioacompanha apenas o Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços,que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar desua presença.

27. Dados Históricos

Os primeiros oratórios datam dos primórdios da Idade Média. Pequenos armáriosque podiam guardar não só o santo protetor, mas tudo que se relaciona à devoçãocotidiana. Propiciando um ambiente adequado às reflexões e orações no interiordas residências. Os oratórios geralmente simulam pequenos templos, trazidos parao interior das casas para conferir aos seus donos segurança e intimidade com omundo do sagrado. Utilizados também em momentos festivos e em celebraçõescoletivas. Nos primeiros anos da colonização do Brasil, os oratórios exerceramimportante papel no exercício da fé, pois inexistindo igrejas, era diante desses nichosou armários de guardar santos que o povo fazia suas rezas. Deste modo as casasse constituíam no local mais reservado para a devoção religiosa.O oratório utilizadono Congado é o que designam por Esmoler ou oratório Itinerante ou de viagem.Estes oratórios são encontrados principalmente em espaços urbanos e utilizadospara arrecadar dinheiro para a edificação de um templo de uma irmandade e paraangariar recursos para a realização de festas religiosas.

28. Referências Documentais: Fotografias e entrevistas realizadas em visitas àresidência de Creuza Romão de Oliveira, quartel do terno Congo de SainhaCascudo,Luiz da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: Edições de Ouro,1972Site: http://www.museudoratorio.com.brCD Rom “Álbum de Família: FamíliasAfro-descendentes em Uberlândia no Século XX” – Produzido por Fabíola BenficaMarra, com recurso da lei Municipal de Incentivo à Cultura, finalizado em 2005.

29. Informações Complementares:

O oratório cumpre uma importante função no Congado. Durante as campanhas ooratório fica na casa onde será realizada a novena e/ou o leilão. Quando o terno saipara as novenas, as mulheres vão à frente para rezar com os moradores da casa. Abateria chega quando a novena já encerrou.

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Uma virgem (geralmente criança menor de 10 anos) leva uma bandeira com a

imagem de São Benedito ou de Nossa Senhora do Rosário, ou ambos, “escoltados”

pela mãe e pela madrinha da bandeira e do terno à frente da guarda. Eles tocam

em saudação aos donos da casa que sai para recebê-los. A bandeira é saudada

com devoção e após passar sobre as cabeças das pessoas da casa é levada para

o interior da residência para que sejam abençoados todos os cômodos e todos os

moradores. Os dançadores também entram tocando e realizando suas performances

e logo se retiram. Após o terço é realizado o leilão das prendas arrecadadas pelo

morador da casa que está recebendo o oratório do terno. O oratório andor

permanece no interior da casa até que todas as prendas sejam compradas. Uma

“secretária”, geralmente uma das Madrinhas, anota em um caderno cada produto e

o valor arrematado e o nome do comprador. Os produtos geralmente são

arrematados por valores acima do valor real de mercado. Encerrado o leilão, o

terno toca para sair, agradece aos donos da casa, que em alguns casos também

oferecem um lanche. Os soldados descansam as caixas do lado de fora enquanto

as meninas rezam se despedindo. Os donos da casa se despedem dos santos e

do oratório que irá partir para abençoar outra casa. Quando a bandeira sai, o capitão

e seus soldados cantam e tocam se despedindo e as meninas levam dançando o

oratório andor com os santos e a bandeira para a casa onde será realizada a próxima

novena e/ou leilão. Ao chegar os soldados chamam o morador que sai até a porta

para receber a Bandeira (terno) e o oratório. Todos rezam e combinam o dia certo

para o leilão e/ou novena, que poderá ser no dia seguinte ou nos próximos. A

Bandeira (o terno) parte de volta para o quartel, onde ficará a bandeira (levada pela

virgem) e os instrumentos até o próximo leilão. O oratório com as imagens dos

santos é levado no dia da festa por alguns ternos.

30.Atualização das informações:NT

31. Ficha Técnica

Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

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403

ESTRUTURA ARQUITETÔNICA E URBANÍSTICA

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

Fotos do Quartel Terno Congo de Sainha

Uberlândia/MG Ano 2007

04. Endereço: Rua Coronel Antônio Alves Pereira,

2475 - Saraiva

05. Propriedade: Privada

06. Responsável: Creuza Romão de Oliveira

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Designação: Quartel do

Terno Congo de Sainha

07. Histórico: Quando o terno é fundado na década de 1950, pelo José Rafael, o

quartel do terno funcionava na casa que residia com a mulher, Dona Abadia, na Rua

Emília Saraiva. Quando Dona Abadia falece, o imóvel é vendido e em um ano o

almoço do Congo de Sainha aconteceu numa quadra poli esportiva do bairro

Saraiva. Há três anos o quartel passou a ser na casa da Dona Creuza, que reside

neste domicílio desde a década de 1970.

08. Descrição:

O atual quartel do terno Congo de Sainha funciona no domicílio de Dona Creuza,

sendo que parte da família dela se queixa dessa utilização. A área construída ocupa

aproximadamente 70% do terreno de 12X30m. Dona Creuza e o marido são

coletores de materiais recicláveis, utilizando a área não construída do terreno como

depósito do material recolhido nas ruas. Um fogão à lenha é conservado no fundo

do terreno. Como Dona Creuza é benzedeira, um cantinho da casa é destinado a

um altar com diversas imagens de santos católicos. Durante o período de festa é

armada uma estrutura de lona na frente da casa para garantir abrigo aos soldados.

Os instrumentos ficam guardados na casa de José Eustáquio, saindo para o quartel

apenas no período de campanhas.

09. Documentação Fotográfica:

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

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Fotos do Quartel Terno Congo de Sainha

Uberlândia/MG Ano 2007

09. Documentação Fotográfica:

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10. Uso Atual:( x ) Residencial ( x ) Serviço( ) Comercial ( ) Institucional( ) Industrial ( ) Outros 11. Situação de Ocupação:( x ) Própria ( ) Alugada( ) Cedida ( ) Comodato( ) Outros12. Proteção Legal Existente( ) Tombamento( ) Municipal( ) Federal( ) Estadual( x ) Nenhuma13. Proteção Legal Proposta:( ) Tombamento Federal( ) Tombamento Estadual( ) Tombamento Municipal( ) Entorno de Bem Tombado( )Documentação Histórica( x ) Inventário( ) Tombamento Integral( ) Tombamento Parcial( ) Fachadas( ) Volumetria( ) Restrições de Uso e Ocupação

14. Análise do Entorno - Situação e Ambiência: Localiza-se em área plana com

com passeios, arborização, redes elétrica, rede de esgoto, rede de água tratada,

As edificações são predominantemente de volumetria simples apresentando

partidos retangulares, com vários “puxadinhos”, altimetria de um pavimento,

materiais de acabamento de alvenaria de tijolo cerâmico, pintura com grande

variação de cores e esquadrias de metalon ou alumínio, coberturas metálicas ou

com telhas cerâmicas.

15. Estado de Conservação:

( ) Excelente

( x ) Bom

( ) Regular

( ) Péssimo

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16. Análise do Estado de Conservação:

O estado de conservação da construção é bom, tendo inclusive, passado por recente

reforma para substituição de algumas esquadrias. Necessidade de repintura devido

a atual apresentar sinais de descolamento e bastante sujidade.

17. Fatores de Degradação:

Exposição às ações das intempéries.

18. Medidas de Conservação:

Manutenção preventiva.

19. Intervenções:

Troca de esquadrias

20. Referências Bibliográficas:

*Marra, Fabíola Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no Século

XX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido entre os anos de 2004 e 2005,

através da lei municipal de Incentivo à Cultura.

*Slenes, Robert W. “Na Senzala uma flor: esperanças e recordações da família

escrava, Brasil Sudeste, Século XIX” Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

21. Informações Complementares:

Os quartéis são os locais onde os soldados de cada guarda se reúnem para fazer

as campanhas ou para sair em viagens. É também onde guardam os instrumentos

e realizam as refeições durante os dias de festa e fazem intervalos de descanso.

Todas as atividades do Congado começam e terminam no quartel. Geralmente o

quartel é o local de moradia da família do capitão ou da madrinha do terno. As

construções são o que se chamam colônias: diversas casas pequenas, construídas

em períodos distintos, dispostas umas ao lado das outras e com um pátio, uma

área comum, um terreiro no meio. A área não construída no meio é utilizada para

reunir o terno, para realizar as refeições coletivas, afinar instrumentos. Em muitos

casos, banheiros, tanques, pias e locais para passar roupas são de uso comum a

todos os moradores da colônia. Nos Quartéis, realizam grandes refeições conjuntas,

mesmo não sendo dia de festa Congado. O milagre multiplicador dos alimentos

promovido por São Benedito é realizado pelas matriarcas todos os dias e se estende

aos “praticamente filhos”, pois muitas crianças, jovens e adultos são atraídas para

o convívio das famílias de congo, estendendo os laços familiares para além dos

consangüíneos. O Congado que acontece na porta da igreja Católica é o ápice, o

momento máximo desta festa que dura praticamente o ano inteiro dentro dos terreiros

e quartéis. A família é festejada diariamente. Grandes matriarcas reúnem ao seu

redor seus muitos filhos todos os dias.

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Segundo Robert W. Slenes1, a palavra Senzala origina-se do dialeto Kimbundu e

significa “residência de serviçais em propriedade agrícola” ou ainda “moradia de

gente separada da casa principal”. Senzala também pode significar “Povoado” ou

“grupo de parentesco”. (p. 148). Enquanto a expressão Quilombo é utilizada para

designar “acampamento de guerreiros” (p. 173). Os Quartéis de Congado abriga

Soldados com suas caixas e seus Estandartes durante as Campanhas. No Congado,

os guerreiros conduzem caixas e são designados Soldados, organizados por

Capitães, seguem seus Estandartes e se abrigam no Quilombo chamado Quartel.

(Footnotes)

Slenes, Robert W. “Na Senzala uma flor: esperanças e recordações da família

escrava, Brasil Sudeste, Século XIX” Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

22. Atualização das informações:NT

23. Ficha Técnica

Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

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Secretaria Municipal de Cultura

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CONGO DE SANTAIFIGÊNIA

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BENS IMATERIAIS

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Denominação: Terno

Congo de Santa Ifigênia

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

04. Natureza: Festas Populares/ Celebrações/

Cultos Afro-brasileiros

05. Responsável: José Alves (Zeca)

06. Informe Histórico:

O terno Congo de Santa Ifigênia, foi comandado por José João, o seu Zezão, até

julho de 2007, quando faleceu. Seu Zezão, nascido em 06/09/1942 em Cruzeiro da

Fortaleza, foi nosso principal informante sobre o Congo de Santa Ifigênia. Em

Cruzeiro da Fortaleza seu Zezão dançava no Moçambique de Nossa Senhora do

Rosário, que era comandado pelo seu pai, que era tirador de leite do fazendeiro

Pedro Luiz. Seu Zezão se muda para Uberlândia em 1954 e vai dançar no Congo

Branco que na época era dirigido pelo Panamá, quando esse terno acaba, ele vai

para o Congo Beira-Mar comandado pelo João Cabeçudo.

Segundo seu Zezão, o Congo de Santa Ifigênia começou a ser formado no dia 6 de

setembro de 1975, seu José Rafael, capitão do terno Congo de Sainha, deu a

primeira imagem de Santa Ifigênia para Seu Zezão, Siricoco, capitão do terno

Moçambique de Belém também ajuda, apóia e incentiva Seu Zezão e Tio Cândido,

a fundarem o terno Congo de Santa Ifigênia. Tio Cândido, também falecido, era

designado pela Irmandade Comandante Geral da Festa do Congado em louvor à

Nossa Senhora do Rosário, função que passou para o pesquisador Jeremias

Brasileiro, antes de seu falecimento. Apesar de sua estreita ligação com a

Irmandade do Rosário, comparecendo todo domingo nas missas da Igreja do

Rosário, tio Cândido era zelador de santo na tradição Omolokô, numa casa no

bairro Roosevelt. Tio Cândido auxilia seu Zezão a fundar o terno Congo de Santa

Ifigênia e se retira em 2002, fundando o terno Congo de São Domingos em 2003.

Segundo, José Herculano Cândido, presidente e primeiro capitão do Congo de

São Domingos, o terno Congo de Santa Ifigênia é fundado por Cândido Geraldo

Ananias, o tio Cândido, em 1968, como pagamento de uma promessa pela saúde

do filho José Herculano.

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

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Fotos do Terno Congo Santa Ifigênia

Uberlândia/MG Ano 2007

07. Documentação fotográfica:

08. Descrição:

O terno Congo de Santa Ifigênia utiliza calça e sapatos brancos, camisa amarela

faixa verde na cintura e capa verde com franja branca. Alguns soldados utilizam

chapéus amarelos com bordados e com cordões de miçangas verdes que

pendem encobrindo os olhos. Na frente do terno vão quatro garotas vestidas

como rainhas, com vestidos brancos de mangas bufantes, com saia rodada e

diversos saiotes de tule por baixo para dar volume à saia, tiara na cabeça, meia-

luva. Uma das rainhas carrega um oratório com imagem de Santa Ifigênia, uma

outra a bandeira do terno. Segundo seu Zezão o terno leva uma rainha para cada

santo. Na frente das rainhas segue o capitão e um general indumentária

simulando uniforme da Marinha, calça e casaca branca com bordados de

cordões amarelos, quepe com bordados de miçangas brancas e azuis, bastão

verde e amarelo

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08. Descrição: Os soldados do Congo de São Benedito trajam calça branca,

camisa marrom, faixa amarela, capa branca com franja amarela, os capitães utilizam

calça e camisa branca e capa marrom. Um dos capitães utiliza uma capa marrom

com aplique de renda branca e franja de cetim branca, usa chapéu amarelo, com

fitas verdes, laço de fita branca, gotas sintéticas azuis e cordões de miçangas verde,

marrom, branca e amarela que encobrem todo o rosto e pendem até a altura dos

ombros.

Os instrumentos tocados pelos soldados do Congo de Santa Ifigênia são caixas

14, 20, 22, 24, 28 e chocalho. Segundo nos informou Douglas Henrique, neto de

seu Zezão, a caixa de bitola 14 é o chamado surdim e é o que faz o som mais

agudo, dando a marcação. O chamado maracanã é a caixa de bitola 28, que produz

o som mais grave e alto.

Segundo José Herculano, Santa Ifigênia foi canonizada por seus atos de

solidariedade e generosidade. Ifigênia era africana criada por alemães, convivendo

num ambiente requintado e luxuoso. Desde menina Ifigênia praticava caridade,

sendo conhecida como uma mulher que adotou os pobres. Santa Ifigênia, segundo

Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas

menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a

santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles

criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,

pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam

o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do

Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.

Segundo Seu Zezão, ele colocou em seu terno o nome de Santa Ifigênia porque as

pessoas precisavam reconhecer que a festa é dela, de Santa Ifigênia. Seu Zezão

conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque somente os padres

sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa Senhora do Rosário e

de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os pretos e os brancos Chico

Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa Senhora do Rosário,

comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade de Nossa Senhora

do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito que não é Jesus,

mas um menino branco comum. Se Nossa Senhora do Rosário algum dia trair os

negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De acordo com seu Zezão,

São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do Rosário como um soldado,

um general, para garantir o cumprimento da promessa de Nossa Senhora do

Rosário.

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Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão introduz a história de Chico Rei e tratade uma negociação entre os santos. Mas, o que mais chama atenção é a mudançado papel de São Benedito. Este, tido como mártir sempre foi referido como umafigura bondosa e que multiplicava os alimentos, uma espécie de Cristo Negro. AgoraSão Benedito é tomado como um militar frio, capaz de decapitar um bebê brancoem nome da proteção dos negros. Não ouvi de mais ninguém a confirmação destaversão mitológica. Quando se conversa com seu Zezão percebe-se claramente aexistência de uma disputa pelo capital simbólico. Em meio às críticas aospesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado ele questiona a “ciência”dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto pelos pesquisadorescomo pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um dos poucos detentoresdos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado. Diversas outras pessoastomam este comportamento como prática. Fazer o Congado sem “fundamento”seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve aprendizado constante e um“verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e aprender todas as liçõesantes de ousar montar o seu próprio terno.09. Grupos Sociais Envolvidos: Irmandade do Rosário, familiares de seu Zezão, moradores do bairro Brasil10. Organizadores:Presidente e capitão: José Alves (Zeca)Vice-presidente e segundo capitão: Antônio Francisco FelisbinoTesoureiro: Hugo SérgioSecretário: Robson da Silva 3ºCapitão: José MarcosDiretor Geral, fiscal: CarlosMadrinha: Dinésia, esposa de José Herculano CândidoCozinheira: Maria Helena11. Participantes:Aproximadamente 120 integrantes12. Local de Realização:O quartel do terno Congo de Santa Ifigênia se localiza na Av. Maranhão, 207 –Bairro Brasil13. Data/ periodicidade de ocorrência:A “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, começava por volta dodia 15 de setembro, atualmente ela começa por volta do dia 10 de agosto. Porcausa da mudança da data da festa de novembro para outubro, a campanha tambémcomeça mais cedo. A festa do Congado realizada na Igreja de Nossa Senhora doRosário no centro da cidade de Uberlândia, atualmente ocorre no segundo domingoe segunda-feira de outubro, antes era no segundo domingo e segunda-feira denovembro. Ocorre também uma festa na igreja de São Benedito, no bairro Planaltono mês de maio. Várias festas em outras cidades ocorrem em diversas datas aolongo do ano, sendo visitadas pelos ternos de Uberlândia.14. Informações Complementares:O Congado é um ritual afro-brasileiro que nasce dos cortejos de coroação de reis,do culto aos ancestrais africanos e das celebrações de santos da Igreja Católica.

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Uma dança ritual executada por guardas ou ternos de Congo, Moçambique, Marujo,Marinheiro e Catupé. Os dançantes prestam homenagem à Nossa Senhora doRosário e a São Benedito, aos antepassados e aos santos de sua devoção,principalmente aos santos negros Santa Ifigênia e N. S. Aparecida, mas tambémSão Domingos, Nossa Senhora da Guia, Nossa Senhora d’Abadia, etc. Cada ternose diferencia do outro nas cores das roupas e dos acessórios, nos ritmos dasmúsicas, nos instrumentos e na forma da dança.Prevalesse o canto antifonal, isto é, um solista, geralmente o Primeiro Capitão,apresenta o tema e o coro responde. O Segundo Capitão com seu bastão e apitocomanda os soldados na execução instrumental. Cada Capitão “puxa” uma sériede músicas que podem ser elaboradas por ele ou pelo grupo e ainda outrasaprendidas com outros ternos ou com os antepassados. Algumas músicas são“tradicionais” do terno, passadas de capitão para capitão. Outras são específicasde cada guarda. Existem também cantorias que são consideradas “segredo” quenão podem ser reveladas para “os de fora” e que são aprendidas e “guardadas nocoração”, só são executadas em cerimônias reservadas.O trajeto do Congado é uma manifestação pública da fé, do pertencimento aomovimento cultural afro-brasileiro-mineiro-uberlandese. Os congadeiros rompemos muros que cercam suas comunidades e ganham a cidade, comemorando amanutenção de suas famílias e de sua cultura. O ritual composto por elementos da cultura bantu é reelaborado no Brasil sobinfluência do contato com outros povos africanos, europeus e nativos. O Congadoem Uberlândia, é fundamentado no mito da aparição e resgate da imagem de NossaSenhora do Rosário e possui pelo menos duas versões: a) Nossa Senhora doRosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os pais para verem,eles não acreditam.Então ele chama os Marinheiros, que também presenciam a santa submergir, elestentam tirá-la, mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres e tentam levá-lapara uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem, então o ternode Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao serlevada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Um terno deMoçambique, todo vestido de branco, descalço, com gungas nos pés, canta paraela, que então submerge e lhes acompanha, eles então constroem uma capelapara ela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique entãose retira sem lhe dar as costas. b) a segunda versão, contada por Maria ConceiçãoCardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, afirma que ao tentar capturar escravosfugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupode negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frentea uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada numgalho. Os capitães do mato surram os negros e tentam capturá-los, mas elespermanecem imóveis. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamamum padre para ir até o local verificar o fato.

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E como na primeira versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa

Senhora do Rosário acompanha apenas o Moçambique que canta, vestido de

branco e lhe construiu uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.

O Moçambique é, por isso, a Guarda Real. Isto é, são os ternos de Moçambique os

responsáveis por conduzir as imagens dos santos, bem como os reis durante a

procissão. É responsável por levantar o mastro na porta da Igreja dando início ao

Congado, é quem geralmente conduz os casais reais até a procissão e também no

encerramento da festa. Ouvi de diversos capitães em Uberlândia, que quem conduz

o casal real é o Moçambique ou “Congo de coroa”. A coroa além de representar a

realeza, também é símbolo de Nossa Senhora e confere a quem a utiliza a autoridade

para conduzir os reis e santos. A coroa também está associada aos Pretos Velhos,

na Umbanda, representa o poder e a sabedoria dos anciões. O Catupé faz a guarda

do Moçambique e pode substituí-lo nessas funções.. As músicas, as roupas e

adereços e o trançar de fitas característico do terno de Marinheiros e Marujos, fazem

referência ao mar que traz os negros para o Brasil e de onde Nossa Senhora é

retirada, e às atividades do Marinheiro.Os ternos de Congo são de louvação, os

tocadores de maracanãs e caixas fazem performances saltando com os

instrumentos, mas esta performance, atualmente, também é reproduzida por outras

guardas.Segundo os integrantes do Marinheiro de São Benedito a performance

dos saltadores ou caixeiros de frente, em que os dançadores pulam com as caixas

revezando entre ajoelhar-se e saltar é cheia de significação.

Quando estão ajoelhados, estão pedindo axé e quando estão pulando, estão

agradecendo as graças recebidas. Axé é energia vital, essencial para existência.

Uma das características diferenciadoras dos ternos de Congo que vem se

extinguindo em Uberlândia é o uso de cuíca e de tamborins (caixinhas quadradas

confeccionados em madeira e couro, percutidas com uma vareta), bem como o

uso de pandeiros, adufes e instrumentos harmônicos como violões, cavaquinhos,

banjos e sanfonas.

A organização das guardas, a hierarquia dos ternos, segue os modelos militares

ou políticos. Na maior parte dos ternos, o “regente” é chamado Capitão, mas em

outros recebe o distintivo de General ou Guia. Existem outras funções, tais como,

Presidente, Fiscal, Conselheiro, Secretário, Tesoureiro, Madrinha do Terno, Madrinha

da Bandeira, Soldados, Bandeireiras, etc. que variam de terno para terno, tanto em

número como em funções e significações. “Antigamente” a função de Primeiro

Capitão era designada em alguns ternos de Marechal e as bandeireiras de Juizas,

o Presidente era conhecido como o Dono do terno. As designações presidente,

vice-presidente geralmente tem seu equivalente como primeiro capitão, segundo

capitão, madrinha.

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O primeiro capitão se desloca o tempo todo se certificando se tudo corre bem comtodo o terno e também puxa as músicas. O segundo capitão geralmente éresponsável por reger a bateria, é o maestro. Dois outros capitães ou fiscaisprotegem as laterais e também se locomovem entre os dançadores. A madrinha doterno geralmente segue a frente, junto à virgem que carrega a bandeira, mas tambémtransita pelo terno auxiliando na medida em que se faz necessário. A madrinha dabandeira auxilia as bandeireiras. Elas também são responsáveis pelas crianças,no Marinheirão existe a função de capitão das crianças, outras pessoas, geralmenteas mães também cuidam das delas, carregando-as no colo quando se cansam.Os Fiscais auxiliam na condução do terno, na execução das músicas, naorganização dos dançadores. São os imediatos do Capitão, geralmente tambémimpunham um bastão e trazem um apito. As funções de Presidente, tesoureiro eSecretários, exigidas para o registro oficial, geralmente são desempenhados pelospróprios Capitães, Madrinhas e Fiscais.Os Soldados são os tocadores edançadores. As Bandeireiras conduzem as Bandeiras ou estandartes e suas fitas fazendocoreografias, também podem ser chamadas de Andorinhas.“Antigamente” esta função só era desempenhada pelas garotas virgens. Muitasmulheres relatam que se a menina não fosse virgem e levasse a fita ou o mastro dabandeira, muitos acidentes poderiam acontecer. Nossa Senhora do Rosário seriaa responsável por denunciar a farsa. Adereços de cabelo poderiam cair ou a roupase rasgar, a própria bandeira poderia sofrer danificações, como quebrar, rasgar.Desmaios e doenças dificultariam a execução da função. Caberia a menina seafastar quando não fosse mais “digna” de carregar a bandeira do Congado. Hojeno entanto esta tradição não é mantida pela maioria dos ternos.Alguns atribuem sentidos místicos à escolha das cores, dos instrumentos, dosacessórios e dos ritmos, outros vêm nesses elementos traços distintivos dos ternos.As roupas e acessórios são usados apenas nos dias de festa, durante a campanha,cada um se veste a seu modo. As meninas geralmente fazem roupas que podemser usadas no cotidiano, já que todo ano elas fazem duas trocas de roupa: umapara o domingo e outra para a segunda. Alguns ternos modificam os modelos desuas roupas todo ano, outros mantém a vestimenta dos homens durante algumperíodo. Constatei a preocupação de anciões quanto à manutenção das roupasconsideradas tradicionais dos ternos. A indumentária que mais inova é a dasbandeireiras, geralmente as roupas dos soldados possuem elementosidentificadores dos ternos e não mudam de um ano para o outro, a mudança quandoocorre é gradativa. A indumentária é um dos elementos identificadores dos ternos,por isso a Irmandade do Rosário intervém na escolha das cores e adereços.Os ternos só recebem a Carta de Comando – ordem para participar dos festejos –se estiverem filiados à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Uberlândia.Aqueles registrados em cartórios participam do Reinado sem o aval da Irmandade.Um representante da Igreja, geralmente o pároco, participa diretamente das decisõesda Irmandade.

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A Irmandade é o elo de ligação dos ternos com a Igreja Católica e as subvençõesgovernamentais. A Irmandade gerencia a festa, decide data de realização da festa,faz e refaz o estatuto da Irmandade e da Festa, decide horários de realização demissas, procissões etc. A diretoria da Irmandade do Rosário é na verdade umreinado, onde os cargos são hereditários. Cada terno é como se fosse um “reino”ou “estado”, “clã”, “facção”, um batalhão, um pelotão, pertencente à um tipo deguarda. Com organização e agenda de rituais própria. Cada terno possui o seu“diplomata”, geralmente um capitão, que fará sua representação nas reuniões coma Irmandade e os órgãos governamentais ou financiadores.Apesar de muitos congadeiros negar que exista rivalidade entre os ternos, a disputatorna-se muito clara em muitos momentos.Disputam a ocupação do espaço na praça da igreja, qual a execução mais perfeitadas músicas, qual o maior número de componentes, qual a melhor organização edisposição dos soldados na apresentação, qual a melhor e mais bonita indumentária,ocorre disputa na demarcação do território onde realizaram sua campanha, etc.Em alguns momentos verdadeiras batalhas orquestrais ocorrem: os ternos seenfrentam com os instrumentos, o apito e a expressão corporal dos capitães deixamclara a luta enquanto os soldados rufam seus tambores.Durante “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, são confeccionadosou reformados acessórios, roupas e instrumentos. Realizam ensaios, novenas,leilões, reuniões com a Irmandade e com a Coordenadoria Municipal Afro-Racial(CoAfro). Fazem benzições, trabalhos espirituais. Visitam outras cidades em festa.A campanha é o período que precede a festa.Geralmente é o Presidente do terno ou a Madrinha quem fica responsável poragendar os leilões e novenas. Os donos da casa onde serão realizados os leilõesarrecadam “prendas”, geralmente alimentos, produtos de higiêne, bebidas, quitutes,roupas, etc, que serão leiloados a favor do terno. Reúnem-se os dançadores, afinam-se os instrumentos e cada terno sai do seu quartel sob o comando do bastão e doapito de seus capitães realizando jornadas noturnas que extrapolam os limites dosbairros para realizar as novenas e os leilões. Estes deslocamentos pela cidadeenchem a noite com as sonoridades dos instrumentos. Algumas pessoas saem naporta das casas para ver os ternos passarem, nos seus ensaios para o dia dafesta.Cada terno possui o seu “território”, demarcado pelas casas dos amigos queoferecem prendas para o leilão ou solicitam a visita da bandeira para a realizaçãoda novena. Cada terno possui um quartel, que pode ser a casa de um dos capitãesou de pessoas ligadas ao terno. O “território” dos ternos extrapola, inclusive asfronteiras das cidades, pois cada terno possui uma agenda de festas e encontrosformando distintas redes de sociabilidade. Os ternos também costumam visitarsuas cidades de origem.

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Quando um terno se encontra com outro no trajeto pode acontecer pelo menos trêsações diferentes: 1 – se os ternos forem amigos, se cumprimentam e até mesmo tocam juntos;2 – se os ternos tiverem algum tipo de diferença, rixa, ou questão a ser resolvida,poderá haver uma espécie de confronto, um duelo de instrumentos, ou um ternoimpede o outro de atravessar uma rua ou passar na porta da igreja.3 – se os ternos ainda não se conhecerem pode acontecer dos Capitães cantaremum para o outro saldando as bandeiras e se identificando. Pode também haverneste caso uma espécie de duelo em que os capitães disputam cordialmente parasaber qual dos capitães é mais experiente ou qual a bateria faz mais evoluções.O trajeto até a casa da novena é utilizado para realizarem o ensaio para o dia dafesta. Durante o trajeto até as casas onde se realizarão as novenas, os capitãesensinam as músicas aos novatos e ensinam a tocar os instrumentos. É comum acriação de músicas novas para apresentarem no dia da festa. A composição podeser feita por capitães, madrinhas ou dançadores do terno ou ainda ser atribuídas amentores espirituais. Muitas músicas tocadas durante a campanha podem não serexecutadas no dia da festa. Existem também músicas específicas para cadaocasião: para chamar o dono da casa, para agradecer as prendas para o leilão,para abençoar o interior da casa, músicas de novena, em louvor a São Benedito,em louvor a Nossa Senhora do Rosário, que relembram os antepassados, que falamde fenômenos climáticos, para solicitar a saída da bandeira, para saldar Reis eRainhas, de despedidas, para quando ocorre um encontro com outro terno seja eleamigo ou não e uma infinidade de outras possibilidades, variando de terno paraterno.Existem duas versões para a origem do Congado em Uberlândia. A primeiraconsidera o Distrito de Miraporanga (antiga Santa Maria) o local de onde seoriginaram os ternos de Congado do município, na época, o arraial de São Pedrode Uberabinha. Segundo Paulino (In Brasileiro, 2001:31), o primeiro terno demoçambique surgiu em Miraporanga, não sendo inicialmente aceito pelosmoradores de São Pedro do Uberabinha. A Igreja do Rosário de MIrapóranga,construída em 1850, foi fundada por escravos, que posteriormente se mudariampara o futuro bairro Patrimônio em Uberlândia, às margens do Rio Uberabinha,levando consigo as celebrações do Congado.A segunda versão indica que o movimento do Congado se iniciou no Sertão daFarinha Podre, por volta de 1874, através do “Mestre André”. Esse senhor reuniaos negros da região do Rio das Velhas e Olhos D’Água, tocando tambor em culto àNossa Senhora do Rosário, padroeira dos negros, pedindo para libertá-los daescravidão. O início do movimento ocorre por volta de 1876, período de expectativae temor quanto à abolição da escravatura no Brasil Império. Vale lembrar que em1881 foi decretada a lei nº 2040, conhecida como a “Lei do Ventre Livre” e em 1885a “Lei do Sexagenário” ou “Lei Saraiva Cotegipe”, as quais participaram de umprocesso que culminou na própria abolição da escravatura, em 1888.

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O município de Uberlândia se localiza na região do Triângulo Mineiro, área conhecida

no século XVIII e XIX como Sertão da Farinha Podre. Esta região era denominada

de Sertão da Farinha Podre por causa dos sacos de palha com farinha, encontrados

pelos colonizadores, enterrados ou pendurados nas árvores. Das histórias contadas

sobre a origem deste nome, existe uma que afirma que quando as bandeiras se

aproximavam os indígenas e quilombolas que aqui habitavam escondiam sua

farinha, base de sua alimentação, com esperança de poderem voltar algum dia

para suas aldeias e ter alimentos até a nova plantação dar seus frutos. Eles se

refugiavam nas matas e esperavam os bandeirantes abandonarem suas moradias

após arrasá-las com saques e incêndios. Muitas aldeias tinham que mudar

constantemente sua localização, abandonando sacos de farinha pelo caminho de

sua fuga. Por causa de sua localização geográfica, o Sertão da Farinha Podre

passou a ser um entreposto para os avanços das bandeiras. Local de de descanso

e comércio de tropas uma parada na rota de tropeiros e mineradores em direção a

Goiás e Mato Grosso. A farinha que fora escondida pelos quilombolas e/ou

indígenas apodrecia com a ação do tempo, e depois era encontrada pelos novos

habitantes do lugar. Por causa da grande quantidade de mantimentos apodrecidos

encontrados, a região da bacia do rio Paranaíba que abrange o atual Triângulo

Mineiro e parte do sul do estado do Goiás, ganhou o nome de Sertão da Farinha

Podre.

O Sertão da Farinha Podre era povoado por vários núcleos quilombolas distribuídos

como pontos de uma rede. Os documentos oficiais referem-se a diversos deles

como pertencentes ao Quilombo do Campo Grande. O Quilombo do Ambrósio,

localizado na zona rural de Ibiá, cujo sítio arqueológico é tombado pelo patrimônio

histórico, foi como uma célula central de onde partiam os integrantes que formavam

os outros núcleos da rede. A historiografia oficial considera que o Quilombo do

Ambrósio tenha sido destruído em 1746, sendo referido como o maior núcleo,

comportando até mais de “mil negros, e grande número de negras e crias”. Os

documentos oficiais que narram a destruição deste núcleo e de “outros menores”

informam o número de três oficiais e duzentos e sessenta “homens capazes, e dos

mais desocupados” reunidos nas freguesias de Brumado (hoje Patrocínio), Sta

Rita, Carijos, Congonhas, Ouro Branco e Prado. E para a destruição do Quilombo

do Campo Grande foram enviados quatrocentos e depois mais trezentos homens

da cidade de Mariana, São João de El Rey, São José, Sabará e Vila Nova da

Raynha. Sendo que estas comitivas levavam cartas solicitando que todas as

comarcas lhes fornecessem “munições de guerra e de boca”.

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Embora, os documentos oficiais relatem expedições bem sucedidas na destruição

destes quilombos, deixam a entender que muitos quilombolas fugiam recomeçando

um novo quilombo em áreas não ocupadas pelo homem branco. A área onde hoje

se localiza Uberlândia só foi ocupada pelo homem branco a partir de 1821,

possuindo ainda reminiscências dos antigos quilombos do Campo Grande. Mas a

construção de hidrelétricas tem destruído paulatinamente os vestígios arqueológicos

destes quilombos que geralmente escolhiam áreas estratégicas próximas aos rios

para se instalar. Os quilombolas escolhiam sua localização de acordo com os

elementos oferecidos pelo ambiente buscando áreas que lhes possibilitasse a

permanência (agricultura e pecuária de subsistência, assaltos às tropas de

comerciantes e viajantes e contrabando) e a defesa da comunidade. A região ainda

preserva na toponímia referências aos antigos quilombos (Pau Furado e Quilombo).

A ocupação efetiva desta área pelo homem branco ocorreu a partir do século XIX,

sendo a produção pecuária e a agricultura de subsistência primordiais, pois

possibilitaram a instalação das fazendas e dos arraiais que futuramente constituiriam

vários municípios e distritos. O arraial de São Pedro do Uberabinha, núcleo inicial

da cidade de Uberlândia, formou-se no início do século XIX, a partir da aquisição

de sesmarias do governo da Província de Minas Gerais por algumas famílias. O

marco inicial da atual cidade foi a antiga Sesmaria de São Francisco, doada a

João Pereira da Rocha, em 1821. A chegada de outras famílias, com destaque

para a “Alves Carrejo”, intensificou a ocupação da região.

Em 1846, Felisberto Alves Carrejo, após aquisição de área de dez alqueires entre

o Córrego São Pedro e o Córrego Cajubá, obteve, juntamente com Francisco Alves

Pereira, aprovação do Bispado de Goiás para a construção de uma capela curada,

consagrada a Nossa Senhora do Carmo e a São Sebastião da Barra. No ano de

1852 foi criado o Distrito de Paz do São Pedro do Uberabinha, pela lei provincial n.

602, e em 1853 a primeira capela foi concluída. A criação da paróquia, em 1857,

ocorreu no mesmo ano da formação do patrimônio da capela, composto de terras

doadas por um grupo de moradores locais que haviam adquirido 100 alqueires da

Fazenda do Salto (Vale, 1998: 252). As primeiras edificações do arraial se São

Pedro do Uberabinha se concentravam ao redor do largo da Igreja Matriz, em terrenos

aforados do patrimônio de Nossa Senhora do Carmo. Em 1883 foram doados,

ainda, doze alqueires de terra à margem esquerda do córrego Uberabinha, próximo

aos limites do arraial, destinados ao patrimônio de Nossa Senhora da Abadia

(Lourenço, 1986:16)

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Em 31 de agosto de 1888, a então freguesia foi transformada em vila, com o nome

de São Pedro do Uberabinha, tendo sido instalada oficialmente em 1891. Em 24

de maio de 1892, a vila foi elevada à categoria de cidade pela lei nº 23. Em 1895,

a Estrada de Ferro Mogiana atingiu a cidade de Uberlândia e se verifica o

desenvolvimento da produção agropecuária e de indústrias, com destaque para a

produção de charque (Brasileiro, 2001: 253). “Nas duas primeiras décadas do século

XX foram instaladas em Uberlândia indústrias ligadas à produção rural. Têm-se

registro das seguintes indústrias, existentes em 1922: beneficiadoras de arroz e

algodão, serrarias, carpintarias, charqueadas, curtumes e outros estabelecimentos

de produção de couro e carne, além de fábricas de banha, sabão, calçados e

arreios” (Lourenço, 1986: 20). Vale ressaltar que o fornecimento de energia elétrica

teve início em 1909, aumentando a possibilidade da instalação de várias fábricas.

Em 1929, a cidade recebeu o nome de Uberlândia, através da lei nº 843. Na década

de 1930, a abertura de estradas de rodagem em direção às áreas de exploração

de diamantes do Rio Araguaia intensificou o desenvolvimento da área, que se tornou

ponto de troca e abastecimento de caravanas e compradores de diamantes . Em

1933 , iniciou -se a construção da nova igreja Matriz concluída em 1941. A padroeira

Santa Terezinha foi escolhida para substituir os antigos padroeiros da cidade Nossa

Senhora do Carmo e São Sebastião da Barra. A antiga igreja Matriz foi demolida

em 1943, dando lugar a estação Rodoviária, que hoje sedia a Biblioteca Municipal

. Em 1940, cidade passa por um rápido crescimento e adensamento populacional,

e desde então tem se configurado importante centro regional, localizado em local

estratégico, próximo a seis capitais (Campo Grande, Cuiabá, Goiânia, Belo

Horizonte, São Paulo e Brasília ). De 1985 a 1996, o seu crescimento anual do P I

B de 5, 09%, superior ao crescimento de Minas Gerais (2,17%) e do Brasil (2,28%).

Hoje, a cidade se destaca pelo desenvolvimento dos setores de agro industria,

tecnologia da informação, setor atacadista - distribuidor, e mais recentemente, de

biotecnologia, sendo também considerado pólo na área de ensino superior.

Há referências históricas de que a primeira Capela de Nossa Senhora do Rosário

tenha sido iniciada pelo Padre João Dantas Barbosa, em 1876, a qual não foi

concluída, tendo sido definitivamente levantada na atual praça Cícero Dr. Duarte.

Em decorrência do abandono da capela anterior, entre 1891 e 1893, ocorreu a

construção da nova Capela do Rosário “com estrutura de madeira, tijolos de adobe

e telha comum, situada no centro da cidade e com fachada voltada para o bairro

General Osório (atual bairro fundinho).”

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Já em meados de 1890, o então presidente da Irmandade do Rosário passou a

comandar a nova procissão. O vigário Pio Dantas estimulou a participação da

comunidade negra nas festividades religiosas. (Ibidem, 2001).

Com o crescimento da cidade, a segunda capela precisou ser ampliada. Foi

composta uma comissão responsável por angariar donativos particulares e recolher

uma mensalidade cobrada da Irmandade do Rosário. A capela anterior foi demolida

e, no mesmo local, a partir de 1928, foi construída uma nova capela com projeto de

autoria do arquiteto Thomaz Hovanez. Em 1931, a Capela Nossa Senhora do

Rosário foi re-inaugurada. Em 1985, a Capela de Nossa Senhora do Rosário foi

tombada pelo Patrimônio Histórico Municipal (lei nº 4263, de 9 de setembro) e

entre 1987 e 1988, foi restaurada pela Secretaria de Cultura do Município com

apoio do IEPHA/MG (Vale, 1998:257). A Capela de Nossa Senhora do Rosário

passou por processo de restauração no de 2006.

15. Referências:

* Anais da Biblioteca Nacional – Volume 108 – Rio de Janeiro, 1988 pg. 47-113 –

Carta de Gomes Freire de Andrade para o Capitão-mor da Vila de S. João de El

Rey Manuel da Costa Golvea, 27 de junho de 1746. Mss. APM, Códice SC84,

Registro da providoria da Fazenda de Minas Gerais p.111 (Ver laudo IPHAN 004/

98)

*Brasileiro, Jeremias. Congadas de Minas Gerais – Brasília: Fundação Cultural

Palmares, 2001.

* Laudo IPHAN 004/98 – Dossiê do Tombamento do Remanescente do Antigo

Quilombo do Ambrósio – Ibiá – Mg

*Lucas, Glaura. Os Sons do Rosário – Um Estudo Etnomusicológico do Congado

Mineiro – Arturos e Jatobá. Dissertação de Mestrado, São Paulo: ECA-USP,

1999.

*Marra, Fabíola Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no

Século XX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido entre os anos de 2004 e

2005, através da lei municipal de Incentivo à Cultura.

*Martins, Tarcisio José. Quilombo do Campo Grande: A História de Minas Roubada

do Povo. São Paulo: Gazeta Maçônica, 1995.

*Lima Jr., Walter. Chico Rei. Embrafilmes, 1986.

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*LOURENÇO, Luis Augusto Bustamante. Bairro Patrimônio: Salgadores e

Moçambiqueiros. Uberlândia: Secretaria Municipal de Cultura, 1983.

*Martins, Leda M. Cantares – Afrografias da Memória. São Paulo: Perspectiva:

1997.

*Moura, Clovis (org). Os Quilombos na Dinâmica Social do Brasil – Maceió:

Edufal, 2001.

*RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. A Música Africana. Rio de Janeiro: Funart,

1981

*VALE, Marília Brasileiro Teixeira. Arquitetura Religiosa do Século XIX no antigo

“Sertão da Farinha Podre”. Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do Grau de Doutor,

São Paulo, 1998.

16. Atualização das informações:NT

17. Ficha Técnica

Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

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BENS MÓVEIS E INTEGRADOS

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Acervo: Terno Congo de

Santa Ifigênia

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INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

04. Propriedade: Particular

05. Endereço: Av. Maranhão, 207 – Bairro Brasil

06. Responsável: José Alves (Zeca)

07. Designação: Estandarte do terno Congo de Santa Ifigênia

08. Localização Especifica: quando não está em época de campanha, o tecido

do estandarte fica guardado na casa da madrinha no bairro Jardim Brasília e a

estrutura de alumínio guardada junto com os instrumentos no quartel.

09. Espécie: Bandeira /Distintivo/Insígnia Religiosa

10. Época: final da década de 1990

11. Autoria: coletiva

12. Origem: Uberlândia

13. Procedência: Uberlândia

14. Material / Técnica: estrutura de alumínio solda, rebite, parafuso, braçadeira,

Imagem em cobre do Cristo sem o crucifixo, com os braços estendidos, tecido

cetim amarelo, letras bordadas com lantejoulas verdes, imagem de São Benedito

impressa em papel plastificado e costurado ao cetim, fitas verde e amarelo

15. Marcas / Inscrições / Legendas: Na frente Imagem de São Benedito e em

letras bordadas com lantejoulas verdes: “Salve Nossa Senhora do Rosário”, a

trás “Congo de Santa Ifigênia e São Benedito”.

16. Descrição: Estandarte com estrutura de alumínio com as quinas soldadas e

rebitadas, parafuso e braçadeira seguram haste Imagem em cobre do Cristo

sem o crucifixo, com os braços estendidos, preso com três parafusos num losango

de alumínio no alto do estandarte. A bandeira é em tecido cetim amarelo, com

letras bordadas com lantejoulas verdes e imagem de São Benedito impressa

em papel plastificado e costurado ao cetim, fitas verde e amarelo partem da

base superior da bandeira. Na face do estandarte Imagem de São Benedito e

em letras bordadas com lantejoulas verdes formam os dizeres “Salve Nossa

Senhora do Rosário”, a trás “Congo de Santa Ifigênia e São Benedito”.

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

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18- Proteção Legal:

( ) Federal

( ) Estadual

( ) Municipal

( x ) Nenhuma

( ) Tombamento Isolado

( ) Tombamento em Conjunto

Fotos do Terno Congo Santa Ifigênia

Uberlândia/MG Ano 2007

19- Documentação fotográfica

17- Condições de segurança:

( x ) Boa

( ) Razoável

( ) Ruim

Obs:

20- Estado de Conservação:

( ) Excelente ( X ) Bom

( ) Regular ( ) Péssimo

Obs:

21- Dimensões:

Altura: 1,20m

Comprimento da haste: 0,90m

Largura: 0,80m

22. Análise do Estado de Conservação:

Estandarte em bom estado de conservação, sem sinais de desgaste por insetos

ou mofo.

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23. Intervenções – Responsável / Data: NT

24. Características Técnicas: Dois estandartes com estrutura de madeira e

somente a bandeira do estandarte maior, elaborado com tecido veludo com imagem

religiosa impressa em papel plastificado. Na parte superior um babado bordado

com miçangas em formato de flor e lantejoulas; duas representações de capelas

com crucifixo e cordões de vidrilhos com moedas em fina chapa de alumínio com

face da Princesa Isabel prensada na ponta. Bordados à mão e acabamento da

imagem com cordões, letras bordadas com lantejoulas. Na parte de trás, aplique

de tecido bordados à máquina com representações religiosas.

25. Características Estilísticas:

Estilo popular (sem característica estilística específica).

26. Características Iconográficas:

Nos estandartes do Congado figuram as imagens e/ou os nomes de Nossa Senhora

do Rosário, de São Benedito e em alguns casos outras imagens como a de Santa

Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos, etc.

Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo que

os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo

Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas

menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a

santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles

criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,

pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam

o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do

Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.

Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu

terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a

festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque

somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa

Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os

pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa

Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade

de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito

que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário

algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino.

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De acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhorado Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de SeuZezão introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos.

Mas, o que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tidocomo mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava osalimentos, uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como ummilitar frio, capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros.Não ouvi de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando seconversa com seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelocapital simbólico. Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentessobre o congado ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de suaprática ritual tanto pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos.Insinuando ser ele um dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como“fundamentos” do Congado. Diversas outras pessoas tomam este comportamentocomo prática. Fazer o Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nosquartéis envolve aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passarpor esta escola e aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprioterno.

O lendário Chico Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais,era rei em Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendidocomo escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram osconhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam osinvasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser umgrande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro aalforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à SantaIfigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disseque não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho eparentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Maistarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo CâmaraCascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinhamcom as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedraexistente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro serviapara a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” queno Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera acondição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negrosse mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei paraa libertação de seu povo.

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428

Os negros então alforriados passam a viver nos centros urbanos nascentes e/ou se

deslocam com as expedições desempenhando funções de carpinteiro, pedreiro,

ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e outras profissões tidas hoje

como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro se retira do sistema de

escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do sistema capitalista. Ocorre

um rompimento com a escravidão, mas não com sua lógica, pois há uma busca

pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente desta. Nos movimentos

quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova forma de associação e de

socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma quebra com os padrões

antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam permanecer em estado

de vigília por causa das constantes investidas das expedições contra suas

comunidades. Mas esta é uma outra história.

Voltando aos mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em

relação à alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito

está mais ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo

mesmo em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me

foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de

Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,

que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou

que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a

provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão

eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo

Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne

de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar

a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora

retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os

escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e

dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,

foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.

O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não

acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o

São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto

“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada

pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo

que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,

da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na

casa não falte o alimento.

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É prática em várias partes do território nacional, colocar café para o São Benedito,

é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado

popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café amargo destituído de

qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles pelos congadeiros e

participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito é tomado como uma

bebida capaz de proteger a quem a ingere.

Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à

proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para

pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes

queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a

congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à

vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa

Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte.

Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e

pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção

em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas

mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,

mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música

muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o

aspecto protetor de Nossa Senhora:

“No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia,

eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.”

O mito fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de

Nossa Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas:

a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir,

chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros,

que também presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas,

mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da

água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem

então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge,

mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um

terno de Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então

submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem

uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique

então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência;

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b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do MoçambiqueRosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos naserra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros,vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvorede umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Oscapitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecemimóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para acidade e chamam um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeiraversão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosárioacompanha apenas o Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços,que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar desua presença.27. Dados Históricos:As bandeiras têm suas origens nas insígnias, sinais distintivos de poder ou decomando, usadas desde a antiguidade e que poderiam ser figuras recortadas emmadeira ou metal, ou pintadas nos escudos. As primeiras bandeiras da história dohomem costumavam representar um grupo sócio-cultural através de imagens e decores dotadas de significados, a que a comunidade respectiva confere alto valor.As bandeiras fixadas a um mastro surgiram na China e foram introduzidas noOcidente Medieval pelos Islâmicos. As bandeiras de tecido, no mundo ocidental,foram criadas pelos romanos e eram denominadas vexillium (insígnia, bandeira,estandarte). Desde a antiguidade os povos usaram mastros com imagens,carregados na mão ou fixados nos carros de combate. A grande difusão do seu usofoi feita pelos romanos e cada divisão da legião tinha o seu estandarte. Foi naIdade Média que bandeiras e estandartes começaram a representar reinos eregiões. As bandeiras foram usadas tanto em períodos de paz como de guerra.Sendo um símbolo identificador eram usados pelos exércitos aliados. Para não seconfundirem uns com os outros e evitarem o temido fogo amigo, usavam um pedaçode pano hasteado num estandarte, com as cores e sinais de identificação dobatalhão ou companhia envolvida.De acordo com seu tamanho ou uso, a bandeira tem uma palavra sinônima.Estandarte é utilizado para insígnias militares, mais especificamente para identificaros corpos de cavalaria. O Pendão é uma bandeira grande, armada em vara,atravessada horizontalmente sobre o mastro e levada em procissões. O Gonfalãoé uma bandeira de guerra com partes que prendem perpendicularmente a umahaste com três ou quatro pontas pendentes. Os Estandartes do Congado mesclamelementos das bandeiras militares e religiosas e são utilizados para identificar oterno que os conduz e para louvar os santos de sua devoção.28. Referências Documentais:Fotografias e entrevista realizada com seu Zezão no quartel do terno Congo deSanta Ifigênia

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29. Informações Complementares:

O Estandarte é uma espécie de Bandeira e falar em Bandeira no congado é um

pouco complexo, pois possui pelo menos três significados. Bandeira pode se referir

à jornada, ao trajeto, à caminhada realizada nas campanhas e festas. Também

pode ser utilizado para se referir à bandeira em tecido no formato retangular de

aproximadamente 60 x 40 cm que trás estampado imagens dos santos, com um

cabo de madeira na extremidade superior por onde a bandeireira (virgem, menor

de 10 anos) segura. Esta pequena bandeira sempre acompanha o terno, abrindo-

lhe os caminhos, tanto em dias de campanha quanto no dia da festa. Bandeira

também pode referir-se ao estandarte em formato retangular de aproximadamente

1,5 m de altura por 1m de comprimento, sustentado por um mastro que o eleva à

aproximadamente 2,5m de altura donde pendem fitas cujas pontas as Bandeireiras

seguram enquanto dançam e que traz identificações do terno e homenagens aos

santos. Geralmente o estandarte e as Bandeireiras só saem em dia de festa. As

Bandeireiras ou Andorinhas são meninas que conduzem as fitas do estandarte

fazendo coreografias. “Antigamente” esta função só era desempenhada pelas

garotas virgens. Muitas mulheres relatam que se a menina não fosse virgem e

levasse a fita ou o mastro da bandeira, muitos acidentes poderiam acontecer. Nossa

Senhora do Rosário seria a responsável por denunciar a farsa. Adereços de cabelo

poderiam cair ou a roupa se rasgar, a própria bandeira poderia sofrer danificações,

como quebrar, rasgar. Desmaios e doenças também dificultariam a execução da

função. Caberia a menina se afastar quando não fosse mais “digna” de carregar a

bandeira do Congado. A execução desta função indevidamente poderia acarretar

problemas ainda maiores para os ternos, como esquecer música ou errar a “batida”.

Hoje, no entanto, esta tradição não é mantida pela maioria dos ternos.

30.Atualização das informações:NT

31. Ficha Técnica

Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

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432

BENS MÓVEIS E INTEGRADOS

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Acervo: Terno Congo de

Santa Ifigênia

ytfrhfhfhg

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

04. Propriedade: Particular

05. Endereço: Av. Maranhão, 207 – Bairro Brasil

06. Responsável: José Alves (Zeca)

07. Designação: Oratório de campanha

08. Localização Especifica: quando não está em época de campanha, fica em

cima de um armário num canto da sala da casa de seu Zezão

09. Espécie: Móvel religioso

10. Época: década de 1960

11. Autoria: Ignorada

12. Origem: Uberlândia

13. Procedência: Uberlândia

14. Material / Técnica: madeira peroba recortada, pregos, cola de contato, esmalte

sintético creme, tela com lantejoulas recobre o fundo, renda branca nas laterais,

flores de tecido, imagens de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário coladas

com cola de contato, terço de contas de plástico

15. Marcas / Inscrições / Legendas: NT

16. Descrição: Oratório elaborado em compensado, recortado, colado com cola

de madeira e pequenos pregos, coberto com esmalte sintético creme. Uma imagem

de São Benedito e uma, menor, de Santa Efigênia, ambas em gesso, coladas com

cola de contato. A primeira é envolta por dois terços de contas de plástico nas

cores rosa e branca, e a segunda por um de cor azul claro. Flores de tecido

vermelhas e brancas aos pés das imagens, mais flores brancas na tábua horizontal

que faz um compartimento interno, abaixo do telhado. Cetim verde na base interior,

e tela de lurex prateado cobrindo o fundo do oratório, que é vazado.

17- Condições de segurança:

( ) Boa

( x ) Razoável

( ) Ruim

Obs:

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

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18- Proteção Legal:

( ) Federal

( ) Estadual

( ) Municipal

( x ) Nenhuma

( ) Tombamento Isolado

( ) Tombamento em Conjunto

Fotos do Terno Congo Santa Ifigênia

Uberlândia/MG Ano 2007

19- Documentação fotográfica

20- Estado de Conservação:

( ) Excelente ( x ) Bom

( ) Regular ( ) Péssimo

Obs:

21- Dimensões:

Altura: 71cm

Profundidade: 15cm

Largura: 28cm

22. Análise do Estado de Conservação:

Oratório em bom estado de conservação, sem sinais de desgaste por insetos ou

rachaduras.

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23. Intervenções – Responsável / Data: NT

24. Características Técnicas:.

Oratório elaborado em compensado, recortado, colado com cola de madeira e

pequenos pregos, coberto com esmalte sintético. O telhado é coberto com tecido

cetim colado com cola de madeira, com franja nas bordas, um crucifixo de madeira

pintado com esmalte afixado com dois parafusos, na frente de um compartimento

no telhado, divido por uma tábua com franja na extremidade. Cordões circundam

as laterais da abertura frontal. Fita de cetim, flores de tecido em torno da imagem

religiosa em gesso colada com cola de contato.

25. Características Estilísticas:

Estilo popular (sem característica estilística específica).

26. Características Iconográficas:

Nos oratórios do Congado figuram as imagens e/ou os nomes de Nossa Senhora

do Rosário, de São Benedito e em alguns casos outras imagens como a de Santa

Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos, etc.

Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo que

os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo

Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas

menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a

santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles

criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,

pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam

o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do

Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.

Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu

terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a

festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque

somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa

Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os

pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa

Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade

de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito

que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário

algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino.

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De acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhorado Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de SeuZezão introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos.

Mas, o que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tidocomo mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava osalimentos, uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como ummilitar frio, capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros.Não ouvi de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando seconversa com seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelocapital simbólico. Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentessobre o congado ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de suaprática ritual tanto pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos.Insinuando ser ele um dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como“fundamentos” do Congado. Diversas outras pessoas tomam este comportamentocomo prática. Fazer o Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nosquartéis envolve aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passarpor esta escola e aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprioterno.

O lendário Chico Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais,era rei em Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendidocomo escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram osconhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam osinvasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser umgrande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro aalforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à SantaIfigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disseque não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho eparentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Maistarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo CâmaraCascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinhamcom as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedraexistente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro serviapara a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” queno Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera acondição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negrosse mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei paraa libertação de seu povo.

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Os negros então alforriados passam a viver nos centros urbanos nascentes e/ou se

deslocam com as expedições desempenhando funções de carpinteiro, pedreiro,

ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e outras profissões tidas hoje

como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro se retira do sistema de

escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do sistema capitalista. Ocorre

um rompimento com a escravidão, mas não com sua lógica, pois há uma busca

pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente desta. Nos movimentos

quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova forma de associação e de

socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma quebra com os padrões

antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam permanecer em estado

de vigília por causa das constantes investidas das expedições contra suas

comunidades. Mas esta é uma outra história.

Voltando aos mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em

relação à alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito

está mais ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo

mesmo em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me

foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de

Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,

que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou

que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a

provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão

eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo

Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne

de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar

a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora

retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os

escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e

dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,

foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.

O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não

acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o

São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto

“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada

pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo

que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,

da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na

casa não falte o alimento.

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É prática em várias partes do território nacional, colocar café para o São Benedito,

é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado

popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café amargo destituído de

qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles pelos congadeiros e

participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito é tomado como uma

bebida capaz de proteger a quem a ingere.

Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à

proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para

pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes

queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a

congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à

vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa

Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte.

Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e

pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção

em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas

mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,

mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música

muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o

aspecto protetor de Nossa Senhora:

“No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia,

eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.”

O mito fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de

Nossa Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas:

a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir,

chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros,

que também presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas,

mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da

água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem

então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge,

mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um

terno de Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então

submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem

uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique

então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência;

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438

b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique

Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na

serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros,

vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore

de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os

capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem

imóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a

cidade e chamam um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira

versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário

acompanha apenas o Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços,

que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de

sua presença.

27. Dados Históricos Os primeiros oratórios datam dos primórdios da Idade Média.

Pequenos armários que podiam guardar não só o santo protetor, mas tudo que se

relaciona à devoção cotidiana. Propiciando um ambiente adequado às reflexões e

orações no interior das residências. Os oratórios geralmente simulam pequenos

templos, trazidos para o interior das casas para conferir aos seus donos segurança

e intimidade com o mundo do sagrado. Utilizados também em momentos festivos e

em celebrações coletivas. Nos primeiros anos da colonização do Brasil, os oratórios

exerceram importante papel no exercício da fé, pois inexistindo igrejas, era diante

desses nichos ou armários de guardar santos que o povo fazia suas rezas. Deste

modo as casas se constituíam no local mais reservado para a devoção religiosa.O

oratório utilizado no Congado é o que designam por Esmoler ou oratório Itinerante

ou de viagem. Estes oratórios são encontrados principalmente em espaços urbanos

e utilizados para arrecadar dinheiro para a edificação de um templo de uma

irmandade e para angariar recursos para a realização de festas religiosas.

28. Referências Documentais: Fotografias e entrevistas realizadas em visitas à

residência de José João, seu Zezão onde se localiza o quartel do terno Congo de

Santa IfigêniaSite: http://www.museudoratorio.com.brCD Rom “Álbum de Família:

Famílias Afro-descendentes em Uberlândia no Século XX” – Produzido por Fabíola

Benfica Marra, com recurso da lei Municipal de Incentivo à Cultura, finalizado em

2005.

29. Informações Complementares:

O oratório cumpre uma importante função no Congado. Durante as campanhas o

oratório fica na casa onde será realizada a novena e/ou o leilão. Quando o terno sai

para as novenas, as mulheres vão à frente para rezar com os moradores da casa.

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439

A bateria chega quando a novena já encerrou. Uma virgem (geralmente criança

menor de 10 anos) leva uma bandeira com a imagem de São Benedito ou de Nossa

Senhora do Rosário, ou ambos, “escoltados” pela mãe e pela madrinha da bandeira

e do terno à frente da guarda. Eles tocam em saudação aos donos da casa que sai

para recebê-los. A bandeira é saudada com devoção e após passar sobre as

cabeças das pessoas da casa é levada para o interior da residência para que

sejam abençoados todos os cômodos e todos os moradores. Os dançadores

também entram tocando e realizando suas performances e logo se retiram. Após o

terço é realizado o leilão das prendas arrecadadas pelo morador da casa que está

recebendo o oratório do terno. O oratório andor permanece no interior da casa até

que todas as prendas sejam compradas. Uma “secretária”, geralmente uma das

Madrinhas, anota em um caderno cada produto e o valor arrematado e o nome do

comprador. Os produtos geralmente são arrematados por valores acima do valor

real de mercado. Encerrado o leilão, o terno toca para sair, agradece aos donos da

casa, que em alguns casos também oferecem um lanche. Os soldados descansam

as caixas do lado de fora enquanto as meninas rezam se despedindo. Os donos da

casa se despedem dos santos e do oratório que irá partir para abençoar outra

casa. Quando a bandeira sai, o capitão e seus soldados cantam e tocam se

despedindo e as meninas levam dançando o oratório andor com os santos e a

bandeira para a casa onde será realizada a próxima novena e/ou leilão. Ao chegar

os soldados chamam o morador que sai até a porta para receber a Bandeira (terno)

e o oratório. Todos rezam e combinam o dia certo para o leilão e/ou novena, que

poderá ser no dia seguinte ou nos próximos. A Bandeira (o terno) parte de volta

para o quartel, onde ficará a bandeira (levada pela virgem) e os instrumentos até o

próximo leilão. O oratório com as imagens dos santos é levado no dia da festa por

alguns ternos.

30.Atualização das informações:NT

31. Ficha Técnica

Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

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440

BENS MÓVEIS E INTEGRADOS

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Acervo: Terno Congo de

Santa Ifigênia

ytfrhfhfhg

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

04. Propriedade: Particular

05. Endereço: Av. Maranhão, 207 – Bairro Brasil

06. Responsável: José Alves (Zeca)

07. Designação: Oratório de festa

08. Localização Especifica: quando não está em época de campanha, fica em

cima de um armário num canto da sala da casa de seu Zezão

09. Espécie: Móvel religioso

10. Época: década de 1970

11. Autoria: Ignorada

12. Origem: Uberlândia

13. Procedência: Uberlândia

14. Material / Técnica: compensado, recortado, colado, pregos, coberto com

esmalte sintético creme e tecido cetim verde, crucifixo afixado com dois parafusos,

cordões verde e amarelo, franja creme e verde, fita de cetim azul, flores de tecido,

imagem em gesso de Santa Ifigênia colada com cola de contato.

15. Marcas / Inscrições / Legendas: crucifixo, proporcionalmente grande, afixado

na parte superior.

16. Descrição: Oratório elaborado em compensado, recortado, colado com cola

de madeira e pequenos pregos, coberto com esmalte sintético creme. O telhado é

coberto com tecido cetim verde colado com cola de madeira, com franja verde nas

bordas, um crucifixo de madeira pintado com esmalte prata afixado com dois

parafusos, na frente de um compartimento no telhado, divido por uma tábua com

franja creme na extremidade. Cordões verde e amarelo circundam as laterais da

abertura frontal. Fita de cetim azul, flores de tecido em torno da imagem em gesso

de Santa Ifigênia colada com cola de contato.

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

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441

18- Proteção Legal:

( ) Federal

( ) Estadual

( ) Municipal

( x ) Nenhuma

( ) Tombamento Isolado

( ) Tombamento em Conjunto

Fotos do Terno Congo Santa Ifigênia

Uberlândia/MG Ano 2007

19- Documentação fotográfica

17- Condições de segurança:

( x ) Boa

( ) Razoável

( ) Ruim

Obs:

20- Estado de Conservação:

( ) Excelente ( x ) Bom

( ) Regular ( ) Péssimo

Obs:

21- Dimensões:

Altura: 57cm

Profundidade: 14cm

Largura: 23 cm

22. Análise do Estado de Conservação:

Bastão em bom estado de conservação, sem sinais de desgaste por insetos ourachaduras.

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23. Intervenções – Responsável / Data: NT

24. Características Técnicas:.

Oratório elaborado em compensado, recortado, colado com cola de madeira e

pequenos pregos, coberto com esmalte sintético. O telhado é coberto com tecido

cetim colado com cola de madeira, com franja nas bordas, um crucifixo de madeira

pintado com esmalte afixado com dois parafusos, na frente de um compartimento

no telhado, divido por uma tábua com franja na extremidade. Cordões circundam

as laterais da abertura frontal. Fita de cetim, flores de tecido em torno da imagem

religiosa em gesso colada com cola de contato.

25. Características Estilísticas:

Estilo popular (sem característica estilística específica).

26. Características Iconográficas:

Nos oratórios do Congado figuram as imagens e/ou os nomes de Nossa Senhora

do Rosário, de São Benedito e em alguns casos outras imagens como a de Santa

Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos, etc.

Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo que

os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo

Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas

menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a

santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles

criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,

pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam

o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do

Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.

Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu

terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a

festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque

somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa

Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os

pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa

Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade

de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito

que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário

algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino.

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443

De acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhorado Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de SeuZezão introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos.

Mas, o que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tidocomo mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava osalimentos, uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como ummilitar frio, capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros.Não ouvi de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando seconversa com seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelocapital simbólico. Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentessobre o congado ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de suaprática ritual tanto pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos.Insinuando ser ele um dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como“fundamentos” do Congado. Diversas outras pessoas tomam este comportamentocomo prática. Fazer o Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nosquartéis envolve aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passarpor esta escola e aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprioterno.

O lendário Chico Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais,era rei em Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendidocomo escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram osconhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam osinvasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser umgrande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro aalforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à SantaIfigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disseque não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho eparentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Maistarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo CâmaraCascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinhamcom as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedraexistente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro serviapara a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” queno Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera acondição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negrosse mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei paraa libertação de seu povo.

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444

Os negros então alforriados passam a viver nos centros urbanos nascentes e/ou se

deslocam com as expedições desempenhando funções de carpinteiro, pedreiro,

ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e outras profissões tidas hoje

como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro se retira do sistema de

escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do sistema capitalista. Ocorre

um rompimento com a escravidão, mas não com sua lógica, pois há uma busca

pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente desta. Nos movimentos

quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova forma de associação e de

socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma quebra com os padrões

antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam permanecer em estado

de vigília por causa das constantes investidas das expedições contra suas

comunidades. Mas esta é uma outra história.

Voltando aos mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em

relação à alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito

está mais ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo

mesmo em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me

foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de

Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,

que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou

que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a

provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão

eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo

Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne

de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar

a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora

retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os

escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e

dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,

foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.

O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não

acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o

São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto

“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada

pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo

que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,

da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na

casa não falte o alimento.

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445

É prática em várias partes do território nacional, colocar café para o São Benedito,

é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado

popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café amargo destituído de

qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles pelos congadeiros e

participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito é tomado como uma

bebida capaz de proteger a quem a ingere.

Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à

proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para

pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes

queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a

congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à

vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa

Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte.

Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e

pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção

em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas

mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,

mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música

muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o

aspecto protetor de Nossa Senhora:

“No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia,

eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.”

O mito fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de

Nossa Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas:

a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir,

chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros,

que também presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas,

mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da

água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem

então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge,

mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um

terno de Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então

submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem

uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique

então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência;

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b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique

Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na

serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros,

vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore

de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os

capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem

imóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a

cidade e chamam um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira

versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário

acompanha apenas o Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços,

que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de

sua presença.

27. Dados Históricos Os primeiros oratórios datam dos primórdios da Idade Média.

Pequenos armários que podiam guardar não só o santo protetor, mas tudo que se

relaciona à devoção cotidiana. Propiciando um ambiente adequado às reflexões e

orações no interior das residências. Os oratórios geralmente simulam pequenos

templos, trazidos para o interior das casas para conferir aos seus donos segurança

e intimidade com o mundo do sagrado. Utilizados também em momentos festivos e

em celebrações coletivas. Nos primeiros anos da colonização do Brasil, os oratórios

exerceram importante papel no exercício da fé, pois inexistindo igrejas, era diante

desses nichos ou armários de guardar santos que o povo fazia suas rezas. Deste

modo as casas se constituíam no local mais reservado para a devoção religiosa.O

oratório utilizado no Congado é o que designam por Esmoler ou oratório Itinerante

ou de viagem. Estes oratórios são encontrados principalmente em espaços urbanos

e utilizados para arrecadar dinheiro para a edificação de um templo de uma

irmandade e para angariar recursos para a realização de festas religiosas.

28. Referências Documentais: Fotografias e entrevistas realizadas em visitas à

residência de José João, seu Zezão onde se localiza o quartel do terno Congo de

Santa IfigêniaSite: http://www.museudoratorio.com.brCD Rom “Álbum de Família:

Famílias Afro-descendentes em Uberlândia no Século XX” – Produzido por Fabíola

Benfica Marra, com recurso da lei Municipal de Incentivo à Cultura, finalizado em

2005.

29. Informações Complementares:

O oratório cumpre uma importante função no Congado. Durante as campanhas o

oratório fica na casa onde será realizada a novena e/ou o leilão. Quando o terno sai

para as novenas, as mulheres vão à frente para rezar com os moradores da casa.

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A bateria chega quando a novena já encerrou. Uma virgem (geralmente criança

menor de 10 anos) leva uma bandeira com a imagem de São Benedito ou de Nossa

Senhora do Rosário, ou ambos, “escoltados” pela mãe e pela madrinha da bandeira

e do terno à frente da guarda. Eles tocam em saudação aos donos da casa que sai

para recebê-los. A bandeira é saudada com devoção e após passar sobre as

cabeças das pessoas da casa é levada para o interior da residência para que

sejam abençoados todos os cômodos e todos os moradores. Os dançadores

também entram tocando e realizando suas performances e logo se retiram. Após o

terço é realizado o leilão das prendas arrecadadas pelo morador da casa que está

recebendo o oratório do terno. O oratório andor permanece no interior da casa até

que todas as prendas sejam compradas. Uma “secretária”, geralmente uma das

Madrinhas, anota em um caderno cada produto e o valor arrematado e o nome do

comprador. Os produtos geralmente são arrematados por valores acima do valor

real de mercado. Encerrado o leilão, o terno toca para sair, agradece aos donos da

casa, que em alguns casos também oferecem um lanche. Os soldados descansam

as caixas do lado de fora enquanto as meninas rezam se despedindo. Os donos da

casa se despedem dos santos e do oratório que irá partir para abençoar outra

casa. Quando a bandeira sai, o capitão e seus soldados cantam e tocam se

despedindo e as meninas levam dançando o oratório andor com os santos e a

bandeira para a casa onde será realizada a próxima novena e/ou leilão. Ao chegar

os soldados chamam o morador que sai até a porta para receber a Bandeira (terno)

e o oratório. Todos rezam e combinam o dia certo para o leilão e/ou novena, que

poderá ser no dia seguinte ou nos próximos. A Bandeira (o terno) parte de volta

para o quartel, onde ficará a bandeira (levada pela virgem) e os instrumentos até o

próximo leilão. O oratório com as imagens dos santos é levado no dia da festa por

alguns ternos.

30.Atualização das informações:NT

31. Ficha Técnica

Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

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01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Designação: Quartel

do Terno Congo de Santa

Ifigênia

04. Endereço: Av. Maranhão, 207 – Bairro Brasil

05. Propriedade: Privada

06. Responsável: José Alves (Zeca)

ESTRUTURA ARQUITETÔNICA E URBANÍSTICA

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

07. Histórico:

O domicílio onde funciona o quartel do terno Congo de Santa Ifigênia é de

propriedade da família de Sebastiana Nascimento, sogra de seu Zezão, falecida

em 1973. O terreno é adquirido pela família de Sebastiana em 1936, mas o registro

é de 1966. Quando seu Zezão se casa em 1962 constroem casa nos fundos do

terreno, sendo que a primeira residência, localizada na frente do terreno é da época

da aquisição do terreno. Em 1968 constroem o domicílio da direita, onde se

encontram os oratórios, residência de seu Zezão até seu falecimento,

08. Descrição:

O quartel do terno Congo de Santa Ifigênia é um tipo de construção chamada de

colônia, onde diversas pequenas casas se alinham nas extremidades, deixando

uma área sem construção no centro de terreno, chamada de terreiro. O terreiro é

um local de passagem, único acesso a todas as casas, dois tanques de lavar roupas,

se localizam nos cantos do terreiro. O terreiro ganhou uma cobertura de telhas de

amianto, recentemente. É no terreiro que se reúnem os soldados para as campanhas

do Congado. Um cômodo ao lado da casa de seu Zezão foi construído

exclusivamente para guardar os instrumentos e as vasilhas da cozinha do Congado.

09. Documentação Fotográfica:

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

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Fotos do Quartel Terno Congo de Santa Ifigênia

Uberlândia/MG Ano 2007

09. Documentação Fotográfica:

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450

10. Uso Atual:( x ) Residencial ( ) Serviço( ) Comercial ( ) Institucional( ) Industrial ( ) Outros 11. Situação de Ocupação:( x ) Própria ( ) Alugada( ) Cedida ( ) Comodato( ) Outros12. Proteção Legal Existente( ) Tombamento( ) Municipal( ) Federal( ) Estadual( x ) Nenhuma13. Proteção Legal Proposta:( ) Tombamento Federal( ) Tombamento Estadual( ) Tombamento Municipal( ) Entorno de Bem Tombado( )Documentação Histórica( x ) Inventário( ) Tombamento Integral( ) Tombamento Parcial( ) Fachadas( ) Volumetria( ) Restrições de Uso e Ocupação

14. Análise do Entorno - Situação e Ambiência: Localiza-se em área plana com

com passeios, arborização, redes elétrica, rede de esgoto, rede de água tratada,

As edificações são predominantemente de volumetria simples apresentando

partidos retangulares, com vários “puxadinhos”, altimetria de um pavimento,

materiais de acabamento de alvenaria de tijolo cerâmico, pintura com grande

variação de cores e esquadrias de metalon ou alumínio, coberturas metálicas ou

com telhas cerâmicas.

15. Estado de Conservação:

( ) Excelente

( ) Bom

( x ) Regular

( ) Péssimo

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16. Análise do Estado de Conservação:A casa encontra-se com algumas áreas

de reboco caindo, telhado com telhas de amianto deslocadas e quebradas

17. Fatores de Degradação:Infiltrações, falta de manutenção.

18. Medidas de Conservação:Além das obras reparadoras para sanar os danos

descritos, obras preventivas para a manutenção de sua integridade. Troca das telhas,

execução de novo reboco nas áreas danificadas, reparo das trincas existentes em

toda a construção, nova pintura.

19. Intervenções:Não identificadas

20. Referências Bibliográficas:*Marra, Fabíola Benfica. Álbum de Família:

Famílias Afro-descendentes no Século XX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido

entre os anos de 2004 e 2005, através da lei municipal de Incentivo à Cultura.*Slenes,

Robert W. “Na Senzala uma flor: esperanças e recordações da família escrava,

Brasil Sudeste, Século XIX” Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

21. Informações Complementares:

Os quartéis são os locais onde os soldados de cada guarda se reúnem para fazer

as campanhas ou para sair em viagens. É também onde guardam os instrumentos

e realizam as refeições durante os dias de festa e fazem intervalos de descanso.

Todas as atividades do Congado começam e terminam no quartel. Geralmente o

quartel é o local de moradia da família do capitão ou da madrinha do terno. As

construções são o que se chamam colônias: diversas casas pequenas, construídas

em períodos distintos, dispostas umas ao lado das outras e com um pátio, uma

área comum, um terreiro no meio. A área não construída no meio é utilizada para

reunir o terno, para realizar as refeições coletivas, afinar instrumentos. Em muitos

casos, banheiros, tanques, pias e locais para passar roupas são de uso comum a

todos os moradores da colônia. Nos Quartéis, realizam grandes refeições conjuntas,

mesmo não sendo dia de festa Congado. O milagre multiplicador dos alimentos

promovido por São Benedito é realizado pelas matriarcas todos os dias e se estende

aos “praticamente filhos”, pois muitas crianças, jovens e adultos são atraídas para

o convívio das famílias de congo, estendendo os laços familiares para além dos

consangüíneos. O Congado que acontece na porta da igreja Católica é o ápice, o

momento máximo desta festa que dura praticamente o ano inteiro dentro dos terreiros

e quartéis. A família é festejada diariamente. Grandes matriarcas reúnem ao seu

redor seus muitos filhos todos os dias.

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Segundo Robert W. Slenes1, a palavra Senzala origina-se do dialeto Kimbundu e

significa “residência de serviçais em propriedade agrícola” ou ainda “moradia de

gente separada da casa principal”. Senzala também pode significar “Povoado” ou

“grupo de parentesco”. (p. 148). Enquanto a expressão Quilombo é utilizada para

designar “acampamento de guerreiros” (p. 173). Os Quartéis de Congado abriga

Soldados com suas caixas e seus Estandartes durante as Campanhas. No Congado,

os guerreiros conduzem caixas e são designados Soldados, organizados por

Capitães, seguem seus Estandartes e se abrigam no Quilombo chamado Quartel.

(Footnotes)

Slenes, Robert W. “Na Senzala uma flor: esperanças e recordações da família

escrava, Brasil Sudeste, Século XIX” Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

22. Atualização das informações:NT

23. Ficha Técnica

Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

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CONGO DE SÃOBENEDITO

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BENS IMATERIAIS

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Denominação: Terno

Congo de São Benedito

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

Fotos do Terno Congo de São Benedito

Uberlândia/MG Ano 2007

04. Natureza: Festas Populares/ Celebrações/

Cultos Afro-brasileiros

05. Responsável: Antônio Dama Neto (Bombeiro)

06. Informe Histórico:

Segundo Lorraine Alves Ferreira, madrinha auxiliar do Congo de São Benedito, o

foi fundado pela família, sob o comando do Bombeiro, em 2000. Antes de montar o

próprio terno, o Bombeiro passou pelos ternos Camisa Verde e Congo Branco.

07. Documentação fotográfica:

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

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08. Descrição: Os soldados do Congo de São Benedito trajam calça branca,

camisa marrom, faixa amarela, capa branca com franja amarela, os capitães utilizam

calça e camisa branca e capa marrom. Um dos capitães utiliza uma capa marrom

com aplique de renda branca e franja de cetim branca, usa chapéu amarelo, com

fitas verdes, laço de fita branca, gotas sintéticas azuis e cordões de miçangas verde,

marrom, branca e amarela que encobrem todo o rosto e pendem até a altura dos

ombros.

09. Grupos Sociais Envolvidos:Familiares de Antônio Dama Neto, o Bombeiro

e Moradores dos bairros Tibery e Canaã

10. Organizadores:

Presidente: Antônio Dama Neto (Bombeiro)

Primeiro capitão: Rosemberg

Segundo Capitão: Carlos Alexandre

Capitães auxiliares: Nenê, Fábio, Luiz Carlos

Madrinha: Lucrecia, Lorraine Alves Ferreira

11. Participantes:Aproximadamente 80 integrantes

12. Local de Realização: o quartel do terno Congo de São Benedito se localiza

na Av. África, 205 - Tibery

13. Data/ periodicidade de ocorrência: A “campanha” do Congado, como os

congadeiros dizem, começava por volta do dia 15 de setembro, atualmente ela

começa por volta do dia 10 de agosto. Por causa da mudança da data da festa de

novembro para outubro, a campanha também começa mais cedo. A festa do

Congado realizada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário no centro da cidade de

Uberlândia, atualmente ocorre no último domingo e segunda-feira de outubro, antes

era no segundo domingo e segunda-feira de novembro. Ocorre também uma festa

na igreja de São Benedito, no bairro Planalto no mês de maio. Várias festas em

outras cidades ocorrem em diversas datas ao longo do ano, sendo visitadas pelos

ternos de Uberlândia.

14. Informações Complementares:

O Congado é um ritual afro-brasileiro que nasce dos cortejos de coroação de reis,

do culto aos ancestrais africanos e das celebrações de santos da Igreja Católica.

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Uma dança ritual executada por guardas ou ternos de Congo, Moçambique, Marujo,Marinheiro e Catupé. Os dançantes prestam homenagem à Nossa Senhora doRosário e a São Benedito, aos antepassados e aos santos de sua devoção,principalmente aos santos negros Santa Ifigênia e N. S. Aparecida, mas tambémSão Domingos, Nossa Senhora da Guia, Nossa Senhora d’Abadia, etc. Cada ternose diferencia do outro nas cores das roupas e dos acessórios, nos ritmos dasmúsicas, nos instrumentos e na forma da dança.Prevalesse o canto antifonal, isto é, um solista, geralmente o Primeiro Capitão,apresenta o tema e o coro responde. O Segundo Capitão com seu bastão e apitocomanda os soldados na execução instrumental. Cada Capitão “puxa” uma sériede músicas que podem ser elaboradas por ele ou pelo grupo e ainda outrasaprendidas com outros ternos ou com os antepassados. Algumas músicas são“tradicionais” do terno, passadas de capitão para capitão. Outras são específicasde cada guarda. Existem também cantorias que são consideradas “segredo” quenão podem ser reveladas para “os de fora” e que são aprendidas e “guardadas nocoração”, só são executadas em cerimônias reservadas.O trajeto do Congado é uma manifestação pública da fé, do pertencimento aomovimento cultural afro-brasileiro-mineiro-uberlandese. Os congadeiros rompemos muros que cercam suas comunidades e ganham a cidade, comemorando amanutenção de suas famílias e de sua cultura. O ritual composto por elementos da cultura bantu é reelaborado no Brasil sobinfluência do contato com outros povos africanos, europeus e nativos. O Congadoem Uberlândia, é fundamentado no mito da aparição e resgate da imagem de NossaSenhora do Rosário e possui pelo menos duas versões: a) Nossa Senhora doRosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os pais para verem,eles não acreditam.Então ele chama os Marinheiros, que também presenciam a santa submergir, elestentam tirá-la, mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres e tentam levá-lapara uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem, então o ternode Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao serlevada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Um terno deMoçambique, todo vestido de branco, descalço, com gungas nos pés, canta paraela, que então submerge e lhes acompanha, eles então constroem uma capelapara ela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique entãose retira sem lhe dar as costas. b) a segunda versão, contada por Maria ConceiçãoCardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, afirma que ao tentar capturar escravosfugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupode negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frentea uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada numgalho. Os capitães do mato surram os negros e tentam capturá-los, mas elespermanecem imóveis. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamamum padre para ir até o local verificar o fato.

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E como na primeira versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa

Senhora do Rosário acompanha apenas o Moçambique que canta, vestido de

branco e lhe construiu uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.

O Moçambique é, por isso, a Guarda Real. Isto é, são os ternos de Moçambique os

responsáveis por conduzir as imagens dos santos, bem como os reis durante a

procissão. É responsável por levantar o mastro na porta da Igreja dando início ao

Congado, é quem geralmente conduz os casais reais até a procissão e também no

encerramento da festa. Ouvi de diversos capitães em Uberlândia, que quem conduz

o casal real é o Moçambique ou “Congo de coroa”. A coroa além de representar a

realeza, também é símbolo de Nossa Senhora e confere a quem a utiliza a autoridade

para conduzir os reis e santos. A coroa também está associada aos Pretos Velhos,

na Umbanda, representa o poder e a sabedoria dos anciões. O Catupé faz a guarda

do Moçambique e pode substituí-lo nessas funções.. As músicas, as roupas e

adereços e o trançar de fitas característico do terno de Marinheiros e Marujos, fazem

referência ao mar que traz os negros para o Brasil e de onde Nossa Senhora é

retirada, e às atividades do Marinheiro.Os ternos de Congo são de louvação, os

tocadores de maracanãs e caixas fazem performances saltando com os

instrumentos, mas esta performance, atualmente, também é reproduzida por outras

guardas.Segundo os integrantes do Marinheiro de São Benedito a performance

dos saltadores ou caixeiros de frente, em que os dançadores pulam com as caixas

revezando entre ajoelhar-se e saltar é cheia de significação.

Quando estão ajoelhados, estão pedindo axé e quando estão pulando, estão

agradecendo as graças recebidas. Axé é energia vital, essencial para existência.

Uma das características diferenciadoras dos ternos de Congo que vem se

extinguindo em Uberlândia é o uso de cuíca e de tamborins (caixinhas quadradas

confeccionados em madeira e couro, percutidas com uma vareta), bem como o

uso de pandeiros, adufes e instrumentos harmônicos como violões, cavaquinhos,

banjos e sanfonas.

A organização das guardas, a hierarquia dos ternos, segue os modelos militares

ou políticos. Na maior parte dos ternos, o “regente” é chamado Capitão, mas em

outros recebe o distintivo de General ou Guia. Existem outras funções, tais como,

Presidente, Fiscal, Conselheiro, Secretário, Tesoureiro, Madrinha do Terno, Madrinha

da Bandeira, Soldados, Bandeireiras, etc. que variam de terno para terno, tanto em

número como em funções e significações. “Antigamente” a função de Primeiro

Capitão era designada em alguns ternos de Marechal e as bandeireiras de Juizas,

o Presidente era conhecido como o Dono do terno. As designações presidente,

vice-presidente geralmente tem seu equivalente como primeiro capitão, segundo

capitão, madrinha.

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O primeiro capitão se desloca o tempo todo se certificando se tudo corre bem comtodo o terno e também puxa as músicas. O segundo capitão geralmente éresponsável por reger a bateria, é o maestro. Dois outros capitães ou fiscaisprotegem as laterais e também se locomovem entre os dançadores. A madrinha doterno geralmente segue a frente, junto à virgem que carrega a bandeira, mas tambémtransita pelo terno auxiliando na medida em que se faz necessário. A madrinha dabandeira auxilia as bandeireiras. Elas também são responsáveis pelas crianças,no Marinheirão existe a função de capitão das crianças, outras pessoas, geralmenteas mães também cuidam das delas, carregando-as no colo quando se cansam.Os Fiscais auxiliam na condução do terno, na execução das músicas, naorganização dos dançadores. São os imediatos do Capitão, geralmente tambémimpunham um bastão e trazem um apito. As funções de Presidente, tesoureiro eSecretários, exigidas para o registro oficial, geralmente são desempenhados pelospróprios Capitães, Madrinhas e Fiscais.Os Soldados são os tocadores edançadores. As Bandeireiras conduzem as Bandeiras ou estandartes e suas fitas fazendocoreografias, também podem ser chamadas de Andorinhas.“Antigamente” esta função só era desempenhada pelas garotas virgens. Muitasmulheres relatam que se a menina não fosse virgem e levasse a fita ou o mastro dabandeira, muitos acidentes poderiam acontecer. Nossa Senhora do Rosário seriaa responsável por denunciar a farsa. Adereços de cabelo poderiam cair ou a roupase rasgar, a própria bandeira poderia sofrer danificações, como quebrar, rasgar.Desmaios e doenças dificultariam a execução da função. Caberia a menina seafastar quando não fosse mais “digna” de carregar a bandeira do Congado. Hojeno entanto esta tradição não é mantida pela maioria dos ternos.Alguns atribuem sentidos místicos à escolha das cores, dos instrumentos, dosacessórios e dos ritmos, outros vêm nesses elementos traços distintivos dos ternos.As roupas e acessórios são usados apenas nos dias de festa, durante a campanha,cada um se veste a seu modo. As meninas geralmente fazem roupas que podemser usadas no cotidiano, já que todo ano elas fazem duas trocas de roupa: umapara o domingo e outra para a segunda. Alguns ternos modificam os modelos desuas roupas todo ano, outros mantém a vestimenta dos homens durante algumperíodo. Constatei a preocupação de anciões quanto à manutenção das roupasconsideradas tradicionais dos ternos. A indumentária que mais inova é a dasbandeireiras, geralmente as roupas dos soldados possuem elementosidentificadores dos ternos e não mudam de um ano para o outro, a mudança quandoocorre é gradativa. A indumentária é um dos elementos identificadores dos ternos,por isso a Irmandade do Rosário intervém na escolha das cores e adereços.Os ternos só recebem a Carta de Comando – ordem para participar dos festejos –se estiverem filiados à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Uberlândia.Aqueles registrados em cartórios participam do Reinado sem o aval da Irmandade.Um representante da Igreja, geralmente o pároco, participa diretamente das decisõesda Irmandade.

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A Irmandade é o elo de ligação dos ternos com a Igreja Católica e as subvençõesgovernamentais. A Irmandade gerencia a festa, decide data de realização da festa,faz e refaz o estatuto da Irmandade e da Festa, decide horários de realização demissas, procissões etc. A diretoria da Irmandade do Rosário é na verdade umreinado, onde os cargos são hereditários. Cada terno é como se fosse um “reino”ou “estado”, “clã”, “facção”, um batalhão, um pelotão, pertencente à um tipo deguarda. Com organização e agenda de rituais própria. Cada terno possui o seu“diplomata”, geralmente um capitão, que fará sua representação nas reuniões coma Irmandade e os órgãos governamentais ou financiadores.Apesar de muitos congadeiros negar que exista rivalidade entre os ternos, a disputatorna-se muito clara em muitos momentos.Disputam a ocupação do espaço na praça da igreja, qual a execução mais perfeitadas músicas, qual o maior número de componentes, qual a melhor organização edisposição dos soldados na apresentação, qual a melhor e mais bonita indumentária,ocorre disputa na demarcação do território onde realizaram sua campanha, etc.Em alguns momentos verdadeiras batalhas orquestrais ocorrem: os ternos seenfrentam com os instrumentos, o apito e a expressão corporal dos capitães deixamclara a luta enquanto os soldados rufam seus tambores.Durante “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, são confeccionadosou reformados acessórios, roupas e instrumentos. Realizam ensaios, novenas,leilões, reuniões com a Irmandade e com a Coordenadoria Municipal Afro-Racial(CoAfro). Fazem benzições, trabalhos espirituais. Visitam outras cidades em festa.A campanha é o período que precede a festa.Geralmente é o Presidente do terno ou a Madrinha quem fica responsável poragendar os leilões e novenas. Os donos da casa onde serão realizados os leilõesarrecadam “prendas”, geralmente alimentos, produtos de higiêne, bebidas, quitutes,roupas, etc, que serão leiloados a favor do terno. Reúnem-se os dançadores, afinam-se os instrumentos e cada terno sai do seu quartel sob o comando do bastão e doapito de seus capitães realizando jornadas noturnas que extrapolam os limites dosbairros para realizar as novenas e os leilões. Estes deslocamentos pela cidadeenchem a noite com as sonoridades dos instrumentos. Algumas pessoas saem naporta das casas para ver os ternos passarem, nos seus ensaios para o dia dafesta.Cada terno possui o seu “território”, demarcado pelas casas dos amigos queoferecem prendas para o leilão ou solicitam a visita da bandeira para a realizaçãoda novena. Cada terno possui um quartel, que pode ser a casa de um dos capitãesou de pessoas ligadas ao terno. O “território” dos ternos extrapola, inclusive asfronteiras das cidades, pois cada terno possui uma agenda de festas e encontrosformando distintas redes de sociabilidade. Os ternos também costumam visitarsuas cidades de origem.

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Quando um terno se encontra com outro no trajeto pode acontecer pelo menos trêsações diferentes: 1 – se os ternos forem amigos, se cumprimentam e até mesmo tocam juntos;2 – se os ternos tiverem algum tipo de diferença, rixa, ou questão a ser resolvida,poderá haver uma espécie de confronto, um duelo de instrumentos, ou um ternoimpede o outro de atravessar uma rua ou passar na porta da igreja.3 – se os ternos ainda não se conhecerem pode acontecer dos Capitães cantaremum para o outro saldando as bandeiras e se identificando. Pode também haverneste caso uma espécie de duelo em que os capitães disputam cordialmente parasaber qual dos capitães é mais experiente ou qual a bateria faz mais evoluções.O trajeto até a casa da novena é utilizado para realizarem o ensaio para o dia dafesta. Durante o trajeto até as casas onde se realizarão as novenas, os capitãesensinam as músicas aos novatos e ensinam a tocar os instrumentos. É comum acriação de músicas novas para apresentarem no dia da festa. A composição podeser feita por capitães, madrinhas ou dançadores do terno ou ainda ser atribuídas amentores espirituais. Muitas músicas tocadas durante a campanha podem não serexecutadas no dia da festa. Existem também músicas específicas para cadaocasião: para chamar o dono da casa, para agradecer as prendas para o leilão,para abençoar o interior da casa, músicas de novena, em louvor a São Benedito,em louvor a Nossa Senhora do Rosário, que relembram os antepassados, que falamde fenômenos climáticos, para solicitar a saída da bandeira, para saldar Reis eRainhas, de despedidas, para quando ocorre um encontro com outro terno seja eleamigo ou não e uma infinidade de outras possibilidades, variando de terno paraterno.Existem duas versões para a origem do Congado em Uberlândia. A primeiraconsidera o Distrito de Miraporanga (antiga Santa Maria) o local de onde seoriginaram os ternos de Congado do município, na época, o arraial de São Pedrode Uberabinha. Segundo Paulino (In Brasileiro, 2001:31), o primeiro terno demoçambique surgiu em Miraporanga, não sendo inicialmente aceito pelosmoradores de São Pedro do Uberabinha. A Igreja do Rosário de MIrapóranga,construída em 1850, foi fundada por escravos, que posteriormente se mudariampara o futuro bairro Patrimônio em Uberlândia, às margens do Rio Uberabinha,levando consigo as celebrações do Congado.A segunda versão indica que o movimento do Congado se iniciou no Sertão daFarinha Podre, por volta de 1874, através do “Mestre André”. Esse senhor reuniaos negros da região do Rio das Velhas e Olhos D’Água, tocando tambor em culto àNossa Senhora do Rosário, padroeira dos negros, pedindo para libertá-los daescravidão. O início do movimento ocorre por volta de 1876, período de expectativae temor quanto à abolição da escravatura no Brasil Império. Vale lembrar que em1881 foi decretada a lei nº 2040, conhecida como a “Lei do Ventre Livre” e em 1885a “Lei do Sexagenário” ou “Lei Saraiva Cotegipe”, as quais participaram de umprocesso que culminou na própria abolição da escravatura, em 1888.

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O município de Uberlândia se localiza na região do Triângulo Mineiro, área conhecida

no século XVIII e XIX como Sertão da Farinha Podre. Esta região era denominada

de Sertão da Farinha Podre por causa dos sacos de palha com farinha, encontrados

pelos colonizadores, enterrados ou pendurados nas árvores. Das histórias contadas

sobre a origem deste nome, existe uma que afirma que quando as bandeiras se

aproximavam os indígenas e quilombolas que aqui habitavam escondiam sua

farinha, base de sua alimentação, com esperança de poderem voltar algum dia

para suas aldeias e ter alimentos até a nova plantação dar seus frutos. Eles se

refugiavam nas matas e esperavam os bandeirantes abandonarem suas moradias

após arrasá-las com saques e incêndios. Muitas aldeias tinham que mudar

constantemente sua localização, abandonando sacos de farinha pelo caminho de

sua fuga. Por causa de sua localização geográfica, o Sertão da Farinha Podre

passou a ser um entreposto para os avanços das bandeiras. Local de de descanso

e comércio de tropas uma parada na rota de tropeiros e mineradores em direção a

Goiás e Mato Grosso. A farinha que fora escondida pelos quilombolas e/ou

indígenas apodrecia com a ação do tempo, e depois era encontrada pelos novos

habitantes do lugar. Por causa da grande quantidade de mantimentos apodrecidos

encontrados, a região da bacia do rio Paranaíba que abrange o atual Triângulo

Mineiro e parte do sul do estado do Goiás, ganhou o nome de Sertão da Farinha

Podre.

O Sertão da Farinha Podre era povoado por vários núcleos quilombolas distribuídos

como pontos de uma rede. Os documentos oficiais referem-se a diversos deles

como pertencentes ao Quilombo do Campo Grande. O Quilombo do Ambrósio,

localizado na zona rural de Ibiá, cujo sítio arqueológico é tombado pelo patrimônio

histórico, foi como uma célula central de onde partiam os integrantes que formavam

os outros núcleos da rede. A historiografia oficial considera que o Quilombo do

Ambrósio tenha sido destruído em 1746, sendo referido como o maior núcleo,

comportando até mais de “mil negros, e grande número de negras e crias”. Os

documentos oficiais que narram a destruição deste núcleo e de “outros menores”

informam o número de três oficiais e duzentos e sessenta “homens capazes, e dos

mais desocupados” reunidos nas freguesias de Brumado (hoje Patrocínio), Sta

Rita, Carijos, Congonhas, Ouro Branco e Prado. E para a destruição do Quilombo

do Campo Grande foram enviados quatrocentos e depois mais trezentos homens

da cidade de Mariana, São João de El Rey, São José, Sabará e Vila Nova da

Raynha. Sendo que estas comitivas levavam cartas solicitando que todas as

comarcas lhes fornecessem “munições de guerra e de boca”.

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Embora, os documentos oficiais relatem expedições bem sucedidas na destruição

destes quilombos, deixam a entender que muitos quilombolas fugiam recomeçando

um novo quilombo em áreas não ocupadas pelo homem branco. A área onde hoje

se localiza Uberlândia só foi ocupada pelo homem branco a partir de 1821,

possuindo ainda reminiscências dos antigos quilombos do Campo Grande. Mas a

construção de hidrelétricas tem destruído paulatinamente os vestígios arqueológicos

destes quilombos que geralmente escolhiam áreas estratégicas próximas aos rios

para se instalar. Os quilombolas escolhiam sua localização de acordo com os

elementos oferecidos pelo ambiente buscando áreas que lhes possibilitasse a

permanência (agricultura e pecuária de subsistência, assaltos às tropas de

comerciantes e viajantes e contrabando) e a defesa da comunidade. A região ainda

preserva na toponímia referências aos antigos quilombos (Pau Furado e Quilombo).

A ocupação efetiva desta área pelo homem branco ocorreu a partir do século XIX,

sendo a produção pecuária e a agricultura de subsistência primordiais, pois

possibilitaram a instalação das fazendas e dos arraiais que futuramente constituiriam

vários municípios e distritos. O arraial de São Pedro do Uberabinha, núcleo inicial

da cidade de Uberlândia, formou-se no início do século XIX, a partir da aquisição

de sesmarias do governo da Província de Minas Gerais por algumas famílias. O

marco inicial da atual cidade foi a antiga Sesmaria de São Francisco, doada a

João Pereira da Rocha, em 1821. A chegada de outras famílias, com destaque

para a “Alves Carrejo”, intensificou a ocupação da região.

Em 1846, Felisberto Alves Carrejo, após aquisição de área de dez alqueires entre

o Córrego São Pedro e o Córrego Cajubá, obteve, juntamente com Francisco Alves

Pereira, aprovação do Bispado de Goiás para a construção de uma capela curada,

consagrada a Nossa Senhora do Carmo e a São Sebastião da Barra. No ano de

1852 foi criado o Distrito de Paz do São Pedro do Uberabinha, pela lei provincial n.

602, e em 1853 a primeira capela foi concluída. A criação da paróquia, em 1857,

ocorreu no mesmo ano da formação do patrimônio da capela, composto de terras

doadas por um grupo de moradores locais que haviam adquirido 100 alqueires da

Fazenda do Salto (Vale, 1998: 252). As primeiras edificações do arraial se São

Pedro do Uberabinha se concentravam ao redor do largo da Igreja Matriz, em terrenos

aforados do patrimônio de Nossa Senhora do Carmo. Em 1883 foram doados,

ainda, doze alqueires de terra à margem esquerda do córrego Uberabinha, próximo

aos limites do arraial, destinados ao patrimônio de Nossa Senhora da Abadia

(Lourenço, 1986:16)

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Em 31 de agosto de 1888, a então freguesia foi transformada em vila, com o nome

de São Pedro do Uberabinha, tendo sido instalada oficialmente em 1891. Em 24

de maio de 1892, a vila foi elevada à categoria de cidade pela lei nº 23. Em 1895,

a Estrada de Ferro Mogiana atingiu a cidade de Uberlândia e se verifica o

desenvolvimento da produção agropecuária e de indústrias, com destaque para a

produção de charque (Brasileiro, 2001: 253). “Nas duas primeiras décadas do século

XX foram instaladas em Uberlândia indústrias ligadas à produção rural. Têm-se

registro das seguintes indústrias, existentes em 1922: beneficiadoras de arroz e

algodão, serrarias, carpintarias, charqueadas, curtumes e outros estabelecimentos

de produção de couro e carne, além de fábricas de banha, sabão, calçados e

arreios” (Lourenço, 1986: 20). Vale ressaltar que o fornecimento de energia elétrica

teve início em 1909, aumentando a possibilidade da instalação de várias fábricas.

Em 1929, a cidade recebeu o nome de Uberlândia, através da lei nº 843. Na década

de 1930, a abertura de estradas de rodagem em direção às áreas de exploração

de diamantes do Rio Araguaia intensificou o desenvolvimento da área, que se tornou

ponto de troca e abastecimento de caravanas e compradores de diamantes . Em

1933 , iniciou -se a construção da nova igreja Matriz concluída em 1941. A padroeira

Santa Terezinha foi escolhida para substituir os antigos padroeiros da cidade Nossa

Senhora do Carmo e São Sebastião da Barra. A antiga igreja Matriz foi demolida

em 1943, dando lugar a estação Rodoviária, que hoje sedia a Biblioteca Municipal

. Em 1940, cidade passa por um rápido crescimento e adensamento populacional,

e desde então tem se configurado importante centro regional, localizado em local

estratégico, próximo a seis capitais (Campo Grande, Cuiabá, Goiânia, Belo

Horizonte, São Paulo e Brasília ). De 1985 a 1996, o seu crescimento anual do P I

B de 5, 09%, superior ao crescimento de Minas Gerais (2,17%) e do Brasil (2,28%).

Hoje, a cidade se destaca pelo desenvolvimento dos setores de agro industria,

tecnologia da informação, setor atacadista - distribuidor, e mais recentemente, de

biotecnologia, sendo também considerado pólo na área de ensino superior.

Há referências históricas de que a primeira Capela de Nossa Senhora do Rosário

tenha sido iniciada pelo Padre João Dantas Barbosa, em 1876, a qual não foi

concluída, tendo sido definitivamente levantada na atual praça Cícero Dr. Duarte.

Em decorrência do abandono da capela anterior, entre 1891 e 1893, ocorreu a

construção da nova Capela do Rosário “com estrutura de madeira, tijolos de adobe

e telha comum, situada no centro da cidade e com fachada voltada para o bairro

General Osório (atual bairro fundinho).”

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Já em meados de 1890, o então presidente da Irmandade do Rosário passou a

comandar a nova procissão. O vigário Pio Dantas estimulou a participação da

comunidade negra nas festividades religiosas. (Ibidem, 2001).

Com o crescimento da cidade, a segunda capela precisou ser ampliada. Foi

composta uma comissão responsável por angariar donativos particulares e recolher

uma mensalidade cobrada da Irmandade do Rosário. A capela anterior foi demolida

e, no mesmo local, a partir de 1928, foi construída uma nova capela com projeto de

autoria do arquiteto Thomaz Hovanez. Em 1931, a Capela Nossa Senhora do

Rosário foi re-inaugurada. Em 1985, a Capela de Nossa Senhora do Rosário foi

tombada pelo Patrimônio Histórico Municipal (lei nº 4263, de 9 de setembro) e

entre 1987 e 1988, foi restaurada pela Secretaria de Cultura do Município com

apoio do IEPHA/MG (Vale, 1998:257). A Capela de Nossa Senhora do Rosário

passou por processo de restauração no de 2006.

15. Referências:

* Anais da Biblioteca Nacional – Volume 108 – Rio de Janeiro, 1988 pg. 47-113 –

Carta de Gomes Freire de Andrade para o Capitão-mor da Vila de S. João de El

Rey Manuel da Costa Golvea, 27 de junho de 1746. Mss. APM, Códice SC84,

Registro da providoria da Fazenda de Minas Gerais p.111 (Ver laudo IPHAN 004/

98)

*Brasileiro, Jeremias. Congadas de Minas Gerais – Brasília: Fundação Cultural

Palmares, 2001.

* Laudo IPHAN 004/98 – Dossiê do Tombamento do Remanescente do Antigo

Quilombo do Ambrósio – Ibiá – Mg

*Lucas, Glaura. Os Sons do Rosário – Um Estudo Etnomusicológico do Congado

Mineiro – Arturos e Jatobá. Dissertação de Mestrado, São Paulo: ECA-USP,

1999.

*Marra, Fabíola Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no

Século XX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido entre os anos de 2004 e

2005, através da lei municipal de Incentivo à Cultura.

*Martins, Tarcisio José. Quilombo do Campo Grande: A História de Minas Roubada

do Povo. São Paulo: Gazeta Maçônica, 1995.

*Lima Jr., Walter. Chico Rei. Embrafilmes, 1986.

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465

*LOURENÇO, Luis Augusto Bustamante. Bairro Patrimônio: Salgadores e

Moçambiqueiros. Uberlândia: Secretaria Municipal de Cultura, 1983.

*Martins, Leda M. Cantares – Afrografias da Memória. São Paulo: Perspectiva:

1997.

*Moura, Clovis (org). Os Quilombos na Dinâmica Social do Brasil – Maceió:

Edufal, 2001.

*RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. A Música Africana. Rio de Janeiro: Funart,

1981

*VALE, Marília Brasileiro Teixeira. Arquitetura Religiosa do Século XIX no antigo

“Sertão da Farinha Podre”. Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do Grau de Doutor,

São Paulo, 1998.

16. Atualização das informações:NT

17. Ficha Técnica

Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

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466

BENS MÓVEIS E INTEGRADOS

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Acervo: Congo de São

Benedito

ytfrhfhfhg

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

04. Propriedade: Particular

05. Endereço: Av. África, 205 – Bairro Tibery e bairro

Canaã

06. Responsável: Antônio Dama Neto (Bombeiro)

07. Designação: Bastão

08. Localização Especifica: quando não está em época de campanha fica junto

com os instrumentos

09. Espécie: Objeto ritualístico

10. Época: 2004

11. Autoria: Coletiva

12. Origem: Uberlândia

13. Procedência: Uberlândia

14. Material / Técnica: madeira, esmalte sintético,coroa metálica, cabeça de

plástico, miçangas, massa epoxi

15. Marcas / Inscrições / Legendas: adereços destacados na extremidade

superior.

16. Descrição: Os bastões são de madeira com esmalte sintético e massa epóxi

cobrindo mironga. O nº1 possui coroa metálica na parte superior e ponteira de

plástico na base e pertence ao Bombeiro. O nº 2 possui cabeça de Preta Velha

elaborada em plástico e pertence ao Nenê. O nº 4 e o nº5 possuem miçangas.

17- Condições de segurança:

( ) Boa

( x) Razoável

( ) Ruim

Obs:

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

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18- Proteção Legal:

( ) Federal

( ) Estadual

( ) Municipal

( x ) Nenhuma

( ) Tombamento Isolado

( ) Tombamento em Conjunto

Fotos do Terno de Congo São Benedito

Uberlândia/MG

Ano 2007

19- Documentação fotográfica

20- Estado de Conservação:

( ) Excelente ( ) Bom

( x ) Regular ( ) Péssimo

Obs:

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21- Dimensões:

Comprimento: nº1 = 1m nº2 = 0,98m nº3 = 0,86m

nº4 = 0,80 nº5 = 0,80m nº6 = 0,92m

22. Análise do Estado de Conservação: Bastão em bom estado de conservação,

sem sinais de desgaste por insetos ou rachaduras.

23. Intervenções – Responsável / Data: NT

24. Características Técnicas: Os bastões são de madeira com esmalte sintético

e massa epóxi cobrindo mironga. O nº1 possui coroa metálica na parte superior e

ponteira de plástico na base e pertence ao Bombeiro. O nº 2 possui cabeça de

Preta Velha elaborada em plástico. O nº 4 e o nº5 possuem miçangas.

25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilística

específica).

26. Características Iconográficas:

Nos bastões do Congado figuram as imagens e/ou os nomes de Nossa Senhora

do Rosário, de São Benedito e em alguns casos outras imagens como a de Santa

Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos, etc.

Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo que

os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo

Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas

menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a

santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles

criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,

pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam

o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do

Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.

Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu

terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a

festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque

somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa

Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os

pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa

Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade

de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito

que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário

algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino.

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469

De acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhorado Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de SeuZezão introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos.

Mas, o que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tidocomo mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava osalimentos, uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como ummilitar frio, capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros.Não ouvi de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando seconversa com seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelocapital simbólico. Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentessobre o congado ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de suaprática ritual tanto pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos.Insinuando ser ele um dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como“fundamentos” do Congado. Diversas outras pessoas tomam este comportamentocomo prática. Fazer o Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nosquartéis envolve aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passarpor esta escola e aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprioterno.

O lendário Chico Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais,era rei em Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendidocomo escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram osconhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam osinvasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser umgrande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro aalforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à SantaIfigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disseque não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho eparentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Maistarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo CâmaraCascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinhamcom as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedraexistente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro serviapara a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” queno Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera acondição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negrosse mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei paraa libertação de seu povo.

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470

Os negros então alforriados passam a viver nos centros urbanos nascentes e/ou se

deslocam com as expedições desempenhando funções de carpinteiro, pedreiro,

ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e outras profissões tidas hoje

como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro se retira do sistema de

escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do sistema capitalista. Ocorre

um rompimento com a escravidão, mas não com sua lógica, pois há uma busca

pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente desta. Nos movimentos

quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova forma de associação e de

socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma quebra com os padrões

antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam permanecer em estado

de vigília por causa das constantes investidas das expedições contra suas

comunidades. Mas esta é uma outra história.

Voltando aos mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em

relação à alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito

está mais ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo

mesmo em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me

foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de

Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,

que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou

que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a

provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão

eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo

Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne

de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar

a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora

retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os

escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e

dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,

foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.

O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não

acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o

São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto

“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada

pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo

que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,

da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na

casa não falte o alimento.

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471

É prática em várias partes do território nacional, colocar café para o São Benedito,

é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado

popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café amargo destituído de

qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles pelos congadeiros e

participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito é tomado como uma

bebida capaz de proteger a quem a ingere.

Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à

proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para

pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes

queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a

congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à

vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa

Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte.

Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e

pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção

em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas

mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,

mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música

muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o

aspecto protetor de Nossa Senhora:

“No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia,

eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.”

O mito fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de

Nossa Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas:

a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir,

chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros,

que também presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas,

mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da

água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem

então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge,

mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um

terno de Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então

submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem

uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique

então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência;

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b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique

Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na

serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros,

vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore

de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os

capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem

imóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a

cidade e chamam um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira

versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário

acompanha apenas o Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços,

que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de

sua presença.

27. Dados Históricos:

Os bastões, cajados, cedros, caduceus, varas são objetos ritualísticos utilizados

pelas mais diversas religiões com os mais diferentes significados. O cedro é símbolo

de poder utilizado pelos reis. O cajado é utilizado pelos pastores como apoio nas

caminhadas e é símbolo de magia como na história bíblica de Moisés que utiliza

seu cajado para abrir as águas do Mar Vermelho. O bastão é um instrumento de

ataque e de defesa e também simboliza a detenção do comando de uma situação.

Um símbolo fálico, emblema de poder e controle do poder, representa a vontade e

a força dominante. Utilizado como instrumento de invocação e também para dirigir,

controlar e cortar energias. O bastão com estrias no sentido diagonal e com uma

serpente enrolada é símbolo do mito grego Esculápio e representa a sabedoria, a

renovação do conhecimento e o poder de curar, adotado pela medicina e pela

farmácia como seu símbolo. No mito de Hermes, “deus dos viajantes, patrono dos

ladrões e dos trapaceiros, protetor da magia e da adivinhação e responsável pelos

golpes de sorte e pelas súbitas mudanças de vida”, duas serpentes enroladas

simbolizam os opostos: o bem e o mal, masculino e o feminino. O símbolo da

eternidade na mitologia egípcia é um cajado com incisões, fissuras que lembram o

entalhe de um reco-reco.

28. Referências Documentais:

Sharman-burke, Juliet e Greene, Liz. O Tarô Mitológico – São Paulo: Siciliano,

1988

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473

29. Informações Complementares:

Os bastões e os apitos são os instrumentos utilizados pelos capitães de Congado

para conduzir seus soldados e reger as músicas executadas pelos tambores. Nos

ternos de Moçambique os bastões são utilizados não apenas por capitães como

acontece na maioria dos ternos, mas por muitos dançantes, que formam uma ala

fazendo coreografias. . Em muitas guardas, fiscais e madrinhas utilizam os bastões

alinhados ao final do desfile, fechando a apresentação do terno. Alguns bastões

são em formato de cobra, outros com carrancas de Pretos Velhos, outros com

imagens de Nossa Senhora Aparecida, Santa Efigênia e São Benedito, crucifixos

e inscrições diversas, fitas de cetim, alguns enfeitados com contas de lágrima, com

ervas (alecrim, arruda, espada de são Jorge), etc. Nas festas de Pretos Velhos nos

centros de Umbanda pratica-se uma dança-ritual muito parecida com a realizada

pelos moçambiqueiros: tocam as pontas dos bastões no alto, revezando com

batidas no chão, dançando em círculo. Quando hasteiam os mastros dando início à

festa do Congado, os moçambiqueiros tocam os mastros com seus bastões. Alguns

ternos realizam coreografias colocando suas coroas nos bastões e erguendo acima

da cabeça. A condução de reis e rainhas, bem como dos santos numa procissão

pode em alguns casos vir dentro de um espaço delimitado por condutores de

bastões. Quando se quer delimitar um espaço com bastões, os dançantes os

colocam na horizontal e com as mãos o moçambiqueiro liga o seu bastão ao bastão

do outro, formando uma corrente.

30.Atualização das informações:NT

31. Ficha Técnica

Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

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BENS MÓVEIS E INTEGRADOS

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Acervo: Congo de São

Benedito

ytfrhfhfhg

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

04. Propriedade: Particular

05. Endereço: Av. África, 205 – Bairro Tibery e bairro

Canaã

06. Responsável: Antônio Dama Neto (Bombeiro)

07. Designação: Estandarte08. Localização Especifica: quando não está em campanha, a estrutura de madeirafica no quartel, no local destinado aos instrumentos do Congado e o tecido dabandeira fica na casa do Bombeiro no bairro Canaã09. Espécie: Bandeira /Distintivo/Insígnia Religiosa10. Época: 2004, 200411. Autoria: Antônio Dama Neto (Bombeiro)12. Origem: Uberlândia13. Procedência: Uberlândia14. Material / Técnica: estrutura de madeira, tecido veludo, imagem de SãoBenedito impressa em papel plastificado, miçangas, vidrilhos, cordões, fitas decetim, moedas em fina chapa de alumínio com face da Princesa Isabel prensada,letras bordadas com lantejoulas douradas, bordados à mão, bordados à máquina,aplique de tecido marrom para representar a taça da eucaristia.15. Marcas / Inscrições / Legendas: Inscrição “São Benedito” e imagem do santo,e outras representações religiosas16. Descrição: O Congo de São Benedito carrega dois estandarte, um com asmeninas mais velhas, adolescentes e jovens e outro menor com as crianças. Navisita que fiz ao quartel, me foi apresentado as duas estruturas de madeira e somentea bandeira do estandarte maior, elaborado com tecido veludo branco com imagemde São Benedito impressa em papel plastificado. Na parte superior um babadobordado com miçangas em formato de flor e lantejoulas douradas e cor de rosa,duas representações de capelas com crucifixo e cordões de vidrilhos em diversostons de amarelo e marrom com moedas em fina chapa de alumínio com face daPrincesa Isabel prensada na ponta. Bordados à mão e acabamento da imagemcom cordões, letras bordadas “SÃO BENEDITO” com lantejoulas douradas. Naparte de trás, aplique de tecido marrom para representar a taça da eucaristia ebordados à máquina representando trigo, uva, hóstia e as letras JHS.

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

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18- Proteção Legal:

( ) Federal

( ) Estadual

( ) Municipal

( x ) Nenhuma

( ) Tombamento Isolado

( ) Tombamento em Conjunto

Fotos do Terno de Congo São Benedito

Uberlândia/MG

Ano 2007

19- Documentação fotográfica

17- Condições de segurança:

( x ) Boa

( ) Razoável

( ) Ruim

Obs:

20- Estado de Conservação:

( ) Excelente ( X ) Bom

( ) Regular ( ) Péssimo

Obs

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21- Dimensões: Maior MenorAltura: 1,20m 1,10mComprimento da haste: 0,82m 0,75mLargura: 0,88m 0,90m22. Análise do Estado de Conservação: Estandarte em bom estado deconservação, sem sinais de desgaste por insetos ou mofo.23. Intervenções – Responsável / Data: NT24. Características Técnicas: Dois estandartes com estrutura de madeira esomente a bandeira do estandarte maior, elaborado com tecido veludo com imagemreligiosa impressa em papel plastificado. Na parte superior um babado bordadocom miçangas em formato de flor e lantejoulas; duas representações de capelascom crucifixo e cordões de vidrilhos com moedas em fina chapa de alumínio comface da Princesa Isabel prensada na ponta. Bordados à mão e acabamento daimagem com cordões, letras bordadas com lantejoulas. Na parte de trás, apliquede tecido bordados à máquina com representações religiosas.25. Características Estilísticas:Estilo popular (sem característica estilística específica).26. Características Iconográficas:Nos estandartes do Congado figuram as imagens e/ou os nomes de Nossa Senhorado Rosário, de São Benedito e em alguns casos outras imagens como a de SantaIfigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos, etc.Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo queos congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundoCâmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoasmenos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, asanta negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse elescriam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegamo rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora doPerpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seuterno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que afesta é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porquesomente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de NossaSenhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre ospretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar NossaSenhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidadede Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Beneditoque não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosárioalgum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino.

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De acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhorado Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de SeuZezão introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos.

Mas, o que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tidocomo mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava osalimentos, uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como ummilitar frio, capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros.Não ouvi de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando seconversa com seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelocapital simbólico. Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentessobre o congado ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de suaprática ritual tanto pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos.Insinuando ser ele um dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como“fundamentos” do Congado. Diversas outras pessoas tomam este comportamentocomo prática. Fazer o Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nosquartéis envolve aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passarpor esta escola e aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprioterno.

O lendário Chico Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais,era rei em Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendidocomo escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram osconhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam osinvasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser umgrande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro aalforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à SantaIfigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disseque não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho eparentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Maistarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo CâmaraCascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinhamcom as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedraexistente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro serviapara a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” queno Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera acondição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negrosse mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei paraa libertação de seu povo.

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Os negros então alforriados passam a viver nos centros urbanos nascentes e/ou se

deslocam com as expedições desempenhando funções de carpinteiro, pedreiro,

ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e outras profissões tidas hoje

como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro se retira do sistema de

escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do sistema capitalista. Ocorre

um rompimento com a escravidão, mas não com sua lógica, pois há uma busca

pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente desta. Nos movimentos

quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova forma de associação e de

socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma quebra com os padrões

antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam permanecer em estado

de vigília por causa das constantes investidas das expedições contra suas

comunidades. Mas esta é uma outra história.

Voltando aos mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em

relação à alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito

está mais ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo

mesmo em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me

foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de

Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,

que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou

que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a

provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão

eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo

Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne

de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar

a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora

retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os

escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e

dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,

foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.

O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não

acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o

São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto

“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada

pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo

que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,

da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na

casa não falte o alimento.

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É prática em várias partes do território nacional, colocar café para o São Benedito,

é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado

popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café amargo destituído de

qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles pelos congadeiros e

participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito é tomado como uma

bebida capaz de proteger a quem a ingere.

Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à

proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para

pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes

queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a

congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à

vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa

Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte.

Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e

pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção

em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas

mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,

mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música

muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o

aspecto protetor de Nossa Senhora:

“No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia,

eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.”

O mito fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de

Nossa Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas:

a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir,

chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros,

que também presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas,

mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da

água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem

então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge,

mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um

terno de Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então

submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem

uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique

então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência;

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b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do MoçambiqueRosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos naserra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros,vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvorede umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Oscapitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecemimóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para acidade e chamam um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeiraversão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosárioacompanha apenas o Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços,que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar desua presença.27. Dados Históricos:As bandeiras têm suas origens nas insígnias, sinais distintivos de poder ou decomando, usadas desde a antiguidade e que poderiam ser figuras recortadas emmadeira ou metal, ou pintadas nos escudos. As primeiras bandeiras da história dohomem costumavam representar um grupo sócio-cultural através de imagens e decores dotadas de significados, a que a comunidade respectiva confere alto valor.As bandeiras fixadas a um mastro surgiram na China e foram introduzidas noOcidente Medieval pelos Islâmicos. As bandeiras de tecido, no mundo ocidental,foram criadas pelos romanos e eram denominadas vexillium (insígnia, bandeira,estandarte). Desde a antiguidade os povos usaram mastros com imagens,carregados na mão ou fixados nos carros de combate. A grande difusão do seu usofoi feita pelos romanos e cada divisão da legião tinha o seu estandarte. Foi naIdade Média que bandeiras e estandartes começaram a representar reinos eregiões. As bandeiras foram usadas tanto em períodos de paz como de guerra.Sendo um símbolo identificador eram usados pelos exércitos aliados. Para não seconfundirem uns com os outros e evitarem o temido fogo amigo, usavam um pedaçode pano hasteado num estandarte, com as cores e sinais de identificação dobatalhão ou companhia envolvida.De acordo com seu tamanho ou uso, a bandeira tem uma palavra sinônima.Estandarte é utilizado para insígnias militares, mais especificamente para identificaros corpos de cavalaria. O Pendão é uma bandeira grande, armada em vara,atravessada horizontalmente sobre o mastro e levada em procissões. O Gonfalãoé uma bandeira de guerra com partes que prendem perpendicularmente a umahaste com três ou quatro pontas pendentes. Os Estandartes do Congado mesclamelementos das bandeiras militares e religiosas e são utilizados para identificar oterno que os conduz e para louvar os santos de sua devoção.

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28. Referências Documentais: * Entrevista e fotografias realizadas no trabalhode campo no quartel do Congo de São Benedito*Fotografias do Congado dos anos2004 e 2006*MARRA, Fabíola Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no Século XX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido entre osanos de 2004 e 2005, através da lei municipal de Incentivo à Cultura.29. InformaçõesComplementares: O Estandarte é uma espécie de Bandeira e falar em Bandeirano congado é um pouco complexo, pois possui pelo menos três significados.Bandeira pode se referir à jornada, ao trajeto, à caminhada realizada nas campanhase festas. Também pode ser utilizado para se referir à bandeira em tecido no formatoretangular de aproximadamente 60 x 40 cm que trás estampado imagens dos santos,com um cabo de madeira na extremidade superior por onde a bandeireira (virgem,menor de 10 anos) segura. Esta pequena bandeira sempre acompanha o terno,abrindo-lhe os caminhos, tanto em dias de campanha quanto no dia da festa.Bandeira também pode referir-se ao estandarte em formato retangular deaproximadamente 1,5 m de altura por 1m de comprimento, sustentado por um mastroque o eleva à aproximadamente 2,5m de altura donde pendem fitas cujas pontasas Bandeireiras seguram enquanto dançam e que traz identificações do terno ehomenagens aos santos. Geralmente o estandarte e as Bandeireiras só saem emdia de festa. As Bandeireiras ou Andorinhas são meninas que conduzem as fitasdo estandarte fazendo coreografias. “Antigamente” esta função só eradesempenhada pelas garotas virgens. Muitas mulheres relatam que se a meninanão fosse virgem e levasse a fita ou o mastro da bandeira, muitos acidentes poderiamacontecer. Nossa Senhora do Rosário seria a responsável por denunciar a farsa.Adereços de cabelo poderiam cair ou a roupa se rasgar, a própria bandeira poderiasofrer danificações, como quebrar, rasgar. Desmaios e doenças tambémdificultariam a execução da função. Caberia a menina se afastar quando não fossemais “digna” de carregar a bandeira do Congado. A execução desta funçãoindevidamente poderia acarretar problemas ainda maiores para os ternos, comoesquecer música ou errar a “batida”. Hoje, no entanto, esta tradição não é mantidapela maioria dos ternos.30.Atualização das informações:NT31. Ficha TécnicaLevantamento Data: Abril de 2007Fabíola Benfica Marra (Historiadora)Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)Elaboração Data: Abril de 2007Fabíola Benfica Marra (Historiadora)Revisão Data: Abril de 2007Anderson Henrique Ferreira (Historiador)Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

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01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Designação: Quartel

do Terno Congo de São

Benedito

04. Endereço: Av. África, 205 – Tibery

05. Propriedade: Privada

06. Responsável: Maria Síria Ferreira (irmã do

Bombeiro, cozinheira do terno)

ESTRUTURA ARQUITETÔNICA E URBANÍSTICA

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

07. Histórico:

Há aproximadamente 35 anos Maria Síria Ferreira que irmã do Bombeiro e

cozinheira do terno, reide no domicilio onde funciona o quartel do terno Congo de

São Benedito com o marido Sandoval Carlos Ferreira que se aposentou como

maquinista de beneficiadora de arroz. Desde a fundação do terno em 2000, o quartel

funciona na residência da Av. África.

08. Descrição:

Com área construída ocupando aproximadamente 80% do terreno de 12 x 30 m.

Possui um local construído especificamente para abrigar os instrumentos do Congo,

com ampla área coberta com telha de amianto utilizada como garagem, ao lado da

casa principal e área de serviço nos fundos da residência, que durante as campanhas

são utilizadas pelos soldados para descansar e fazer as refeições.

09. Documentação Fotográfica:

Fotos do Quartel Terno Congo de São Benedito

Uberlândia/MG

Ano 2007

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

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Fotos do Quartel Terno Congo de São Benedito

Uberlândia/MG

Ano 2007

09. Documentação Fotográfica:

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10. Uso Atual:( x ) Residencial ( ) Serviço( ) Comercial ( ) Institucional( ) Industrial ( ) Outros 11. Situação de Ocupação:( x ) Própria ( ) Alugada( ) Cedida ( ) Comodato( ) Outros12. Proteção Legal Existente( ) Tombamento( ) Municipal( ) Federal( ) Estadual( x ) Nenhuma13. Proteção Legal Proposta:( ) Tombamento Federal( ) Tombamento Estadual( ) Tombamento Municipal( ) Entorno de Bem Tombado( )Documentação Histórica( x ) Inventário( ) Tombamento Integral( ) Tombamento Parcial( ) Fachadas( ) Volumetria( ) Restrições de Uso e Ocupação

14. Análise do Entorno - Situação e Ambiência: Localiza-se em área plana com

com passeios, arborização, redes elétrica, rede de esgoto, rede de água tratada,

As edificações são predominantemente de volumetria simples apresentando

partidos retangulares, com vários “puxadinhos”, altimetria de um pavimento,

materiais de acabamento de alvenaria de tijolo cerâmico, pintura com grande

variação de cores e esquadrias de metalon ou alumínio, coberturas metálicas ou

com telhas cerâmicas.

15. Estado de Conservação:

( ) Excelente

( x ) Bom

( ) Regular

( ) Péssimo

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16. Análise do Estado de Conservação:

A casa encontra-se em bom estado de conservação, necessitando de pequenos

reparos.

17. Fatores de Degradação:

Danos causados pela ação das intempéries

18. Medidas de Conservação:

Manutenção preventiva

19. Intervenções:

Não identificadas

20. Referências Bibliográficas:

*MARRA, Fabíola Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no Século

XX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido entre os anos de 2004 e 2005,

através da lei municipal de Incentivo à Cultura.

*Slenes, Robert W. “Na Senzala uma flor: esperanças e recordações da família

escrava, Brasil Sudeste, Século XIX” Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

21. Informações Complementares:Os quartéis são os locais onde os soldados

de cada guarda se reúnem para fazer as campanhas ou para sair em viagens. É

também onde guardam os instrumentos e realizam as refeições durante os dias de

festa e fazem intervalos de descanso. Todas as atividades do Congado começam

e terminam no quartel. Geralmente o quartel é o local de moradia da família do

capitão ou da madrinha do terno. As construções são o que se chamam colônias:

diversas casas pequenas, construídas em períodos distintos, dispostas umas ao

lado das outras e com um pátio, uma área comum, um terreiro no meio. A área não

construída no meio é utilizada para reunir o terno, para realizar as refeições coletivas,

afinar instrumentos. Em muitos casos, banheiros, tanques, pias e locais para passar

roupas são de uso comum a todos os moradores da colônia. Nos Quartéis, realizam

grandes refeições conjuntas, mesmo não sendo dia de festa Congado. O milagre

multiplicador dos alimentos promovido por São Benedito é realizado pelas

matriarcas todos os dias e se estende aos “praticamente filhos”, pois muitas

crianças, jovens e adultos são atraídas para o convívio das famílias de congo,

estendendo os laços familiares para além dos consangüíneos. O Congado que

acontece na porta da igreja Católica é o ápice, o momento máximo desta festa que

dura praticamente o ano inteiro dentro dos terreiros e quartéis. A família é festejada

diariamente.

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Grandes matriarcas reúnem ao seu redor seus muitos filhos todos os dias.Segundo

Robert W. Slenes1, a palavra Senzala origina-se do dialeto Kimbundu e significa

“residência de serviçais em propriedade agrícola” ou ainda “moradia de gente

separada da casa principal”. Senzala também pode significar “Povoado” ou “grupo

de parentesco”. (p. 148). Enquanto a expressão Quilombo é utilizada para designar

“acampamento de guerreiros” (p. 173). Os Quartéis de Congado abriga Soldados

com suas caixas e seus Estandartes durante as Campanhas. No Congado, os

guerreiros conduzem caixas e são designados Soldados, organizados por Capitães,

seguem seus Estandartes e se abrigam no Quilombo chamado Quartel. (Footnotes)

22. Atualização das informações:NT

23. Ficha Técnica

Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

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CONGO

PRATA

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01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

3. Designação: Quartel do Terno Congo Prata

04. Responsável: Vanderson da Silva

BENS IMATERIAIS

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

05. Natureza: Festas Populares/ Celebrações/ Cultos Afro-brasileiros

06. Informe Histórico:

O Congo Prata é comandado por Vanderson da Silva, nascido em 09/08/1974,

atualmente trabalhando como açougueiro no supermercado Sinhá. Filho de

Venceslanda da Silva e Valdivino Farias da Silva, Vanderson participou primeiro

do Catupé do Martins (Congo Catupé de N. S. do Rosário e S. Benedito), pois seu

pai era um dos capitães daquele terno. Aos 16 anos vai dançar no Marujo Azul de

Maio, fica quatro anos e vai para o Congo de Camisa Verde, ficando mais quatro

anos até fundar o terno Congo Prata no ano de 2003, a primeira aparição do terno

acontece na festa de São Benedito em maio de 2004, a primeira subvenção

municipal é recebida em 2005.

Os outros capitães que auxiliam Vanderson na condução do Congo Prata tiveram

suas trajetórias pessoais separadas, até formarem o terno, mas em comum, em

algum momento, todos passaram pelo terno Congo Catupé de Nossa Senhora do

Rosário e São Benedito. O terceiro Capitão Jander Roberto Arantes é filho da

Marlene, da Tenda Coração de Jesus, bisneto de Irene Rosa, a umbandista mais

influente, participante e incentivadora da manifestação do Congado em Uberlândia.

07. Documentação fotográfica:

Madrinhas, Capitão e Bandeireiras do Congo Prata, em 2006 e Soldados na procissão em 2004.

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

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Documentação Fotográfica:

Capitães com seus bastões, Bandeireiras e soldados do Congo Prata em 2006

08. Descrição:

Os soldados do terno Congo Prata trajam calça, camisa e sapatos brancos, capa

de cetim prateada com bordado feito à maquina com representação de um terço

com um perfil de mulher, no interior, elaborados com linha amarelo ouro, longa franja

de cetim branca nas extremidades. Alguns soldados utilizam chapéus cobertos por

cetim prateado com cordões de miçangas que pendem encobrindo os olhos, com

detalhes bordados em amarelo ouro, outros utilizam lenço prateado amarrado na

cabeça.

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As meninas da bandeira “modernizaram” a indumentária, introduzindo a calça, no

lugar das tradicionais saias e vestidos. Em 2004 usavam meia luva e faixa branca

no cabelo, blusa amarela e macacão branco. Em 2006, as meninas usavam calça

legue e camiseta e sandália de amarrar na perna brancas, lenço prata amarrado na

cintura. Os instrumentos, fabricados pelo Tii Fii, o Enildon do Catupé Azul e Rosa,

são as caixas bitolas 10 e 11 (repilique), 20 (surdo) 22, 24, 26 e 28 (maracanã) e o

chocalho.

09. Grupos Sociais Envolvidos:

Familiares dos capitães, moradores do bairro Martins

10. Organizadores:

Presidente e primeiro capitão: Vanderson da Silva

Vice-presidente e segundo capitão: José Roberto Souza

Primeira secretária: Clebiene Messias dos Reis

Segunda secretária e madrinha: Venceslanda da Silva

Primeira tesoureira: Alexandra Nascimento Leão Silva

Segunda tesoureira e madrinha: Elaine da Silva

Terceiro capitão: Jander Roberto Arantes

Quarto capitão: Ciro Dias

Quinta capitão: Anderson Farias da Silva

Sexto capitão: Emerson da Silva

Sétimo capitão: Bruno Silva de Oliveira

Madrinhas: Cláudia Cristina da Silva, Idelvanda Aparecida Farias da Silva

11. Participantes:

Aproximadamente 90 integrantes

12. Local de Realização:

O quartel do terno se localiza na rua Bueno Brandão, 949 - Martins

13. Data/ periodicidade de ocorrência:

A “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, começava por volta do

dia 15 de setembro, atualmente ela começa por volta do dia 10 de agosto. Por

causa da mudança da data da festa de novembro para outubro, a campanha também

começa mais cedo.

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A festa do Congado realizada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário no centro da

cidade de Uberlândia, atualmente ocorre no segundo domingo e na segunda-feira

de outubro, antes era no segundo domingo e segunda-feira de novembro. Ocorre

também uma festa na igreja de São Benedito, no bairro Planalto no mês de maio.

Várias festas em outras cidades ocorrem em diversas datas ao longo do ano, sendo

visitadas pelos ternos de Uberlândia.

14. Informações Complementares:

O Congado é um ritual afro-brasileiro que nasce dos cortejos de coroação de reis,

do culto aos ancestrais africanos e das celebrações de santos da Igreja Católica.

Uma dança ritual executada por guardas ou ternos de Congo, Moçambique, Marujo,

Marinheiro e Catupé. Os dançantes prestam homenagem à Nossa Senhora do

Rosário e a São Benedito, aos antepassados e aos santos de sua devoção,

principalmente aos santos negros Santa Ifigênia e N. S. Aparecida, mas também

São Domingos, Nossa Senhora da Guia, Nossa Senhora d’Abadia, etc. Cada terno

se diferencia do outro nas cores das roupas e dos acessórios, nos ritmos das

músicas, nos instrumentos e na forma da dança.

Prevalesse o canto antifonal, isto é, um solista, geralmente o Primeiro Capitão,

apresenta o tema e o coro responde. O Segundo Capitão com seu bastão e apito

comanda os soldados na execução instrumental. Cada Capitão “puxa” uma série

de músicas que podem ser elaboradas por ele ou pelo grupo e ainda outras

aprendidas com outros ternos ou com os antepassados. Algumas músicas são

“tradicionais” do terno, passadas de capitão para capitão. Outras são específicas

de cada guarda. Existem também cantorias que são consideradas “segredo” que

não podem ser reveladas para “os de fora” e que são aprendidas e “guardadas no

coração”, só são executadas em cerimônias reservadas.

O trajeto do Congado é uma manifestação pública da fé, do pertencimento ao

movimento cultural afro-brasileiro-mineiro-uberlandese. Os congadeiros rompem

os muros que cercam suas comunidades e ganham a cidade, comemorando a

manutenção de suas famílias e de sua cultura.

O ritual composto por elementos da cultura bantu é reelaborado no Brasil sob

influência do contato com outros povos africanos, europeus e nativos. O Congado

em Uberlândia, é fundamentado no mito da aparição e resgate da imagem de Nossa

Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões: a) Nossa Senhora do

Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os pais para verem,

eles não acreditam.

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Então ele chama os Marinheiros, que também presenciam a santa submergir, elestentam tirá-la, mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres e tentam levá-lapara uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem, então o ternode Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao serlevada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Um terno deMoçambique, todo vestido de branco, descalço, com gungas nos pés, canta paraela, que então submerge e lhes acompanha, eles então constroem uma capelapara ela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique entãose retira sem lhe dar as costas. b) a segunda versão, contada por Maria ConceiçãoCardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, afirma que ao tentar capturar escravosfugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupode negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frentea uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada numgalho. Os capitães do mato surram os negros e tentam capturá-los, mas elespermanecem imóveis. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamamum padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos eCongos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas oMoçambique que canta, vestido de branco e lhe construiu uma igreja e não lhe dáas costas ao se retirar de sua presença.O Moçambique é, por isso, a Guarda Real. Isto é, são os ternos de Moçambique osresponsáveis por conduzir as imagens dos santos, bem como os reis durante aprocissão. É responsável por levantar o mastro na porta da Igreja dando início aoCongado, é quem geralmente conduz os casais reais até a procissão e também noencerramento da festa. Ouvi de diversos capitães em Uberlândia, que quem conduzo casal real é o Moçambique ou “Congo de coroa”. A coroa além de representar arealeza, também é símbolo de Nossa Senhora e confere a quem a utiliza a autoridadepara conduzir os reis e santos. A coroa também está associada aos Pretos Velhos,na Umbanda, representa o poder e a sabedoria dos anciões. O Catupé faz a guardado Moçambique e pode substituí-lo nessas funções. As músicas, as roupas eadereços e o trançar de fitas característico do terno de Marinheiros e Marujos, fazemreferência ao mar que traz os negros para o Brasil e de onde Nossa Senhora éretirada, e às atividades do Marinheiro. Os ternos de Congo são de louvação, ostocadores de maracanãs e caixas fazem performances saltando com osinstrumentos, mas esta performance, atualmente, também é reproduzida por outrasguardas. Segundo os integrantes do Marinheiro de São Benedito a performancedos saltadores ou caixeiros de frente, em que os dançadores pulam com as caixasrevezando entre ajoelhar-se e saltar é cheia de significação. Quando estãoajoelhados, estão pedindo axé e quando estão pulando, estão agradecendo asgraças recebidas.

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Axé é energia vital, essencial para existência. Uma das características

diferenciadoras dos ternos de Congo que vem se extinguindo em Uberlândia é o

uso de cuíca e de tamborins (caixinhas quadradas confeccionados em madeira e

couro, percutidas com uma vareta), bem como o uso de pandeiros, adufes e

instrumentos harmônicos como violões, cavaquinhos, banjos e sanfonas.

A organização das guardas, a hierarquia dos ternos, segue os modelos militares

ou políticos. Na maior parte dos ternos, o “regente” é chamado Capitão, mas em

outros recebe o distintivo de General ou Guia. Existem outras funções, tais como,

Presidente, Fiscal, Conselheiro, Secretário, Tesoureiro, Madrinha do Terno, Madrinha

da Bandeira, Soldados, Bandeireiras, etc. que variam de terno para terno, tanto em

número como em funções e significações. “Antigamente” a função de Primeiro

Capitão era designada em alguns ternos de Marechal e as bandeireiras de Juizas,

o Presidente era conhecido como o Dono do terno. As designações presidente,

vice-presidente geralmente tem seu equivalente como primeiro capitão, segundo

capitão, madrinha.

O primeiro capitão se desloca o tempo todo se certificando se tudo corre bem com

todo o terno e também puxa as músicas. O segundo capitão geralmente é

responsável por reger a bateria, é o maestro. Dois outros capitães ou fiscais

protegem as laterais e também se locomovem entre os dançadores. A madrinha do

terno geralmente segue a frente, junto à virgem que carrega a bandeira, mas também

transita pelo terno auxiliando na medida em que se faz necessário. A madrinha da

bandeira auxilia as bandeireiras. Elas também são responsáveis pelas crianças,

no Marinheirão existe a função de capitão das crianças, outras pessoas, geralmente

as mães também cuidam das delas, carregando-as no colo quando se cansam.

Os Fiscais auxiliam na condução do terno, na execução das músicas, na

organização dos dançadores. São os imediatos do Capitão, geralmente também

impunham um bastão e trazem um apito. As funções de Presidente, tesoureiro e

Secretários, exigidas para o registro oficial, geralmente são desempenhados pelos

próprios Capitães, Madrinhas e Fiscais.Os Soldados são os tocadores e

dançadores.

As Bandeireiras conduzem as Bandeiras ou estandartes e suas fitas fazendo

coreografias, também podem ser chamadas de Andorinhas. “Antigamente” esta

função só era desempenhada pelas garotas virgens. Muitas mulheres relatam que

se a menina não fosse virgem e levasse a fita ou o mastro da bandeira, muitos

acidentes poderiam acontecer.

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Nossa Senhora do Rosário seria a responsável por denunciar a farsa. Adereços decabelo poderiam cair ou a roupa se rasgar, a própria bandeira poderia sofrerdanificações, como quebrar, rasgar. Desmaios e doenças dificultariam a execuçãoda função. Caberia a menina se afastar quando não fosse mais “digna” de carregara bandeira do Congado. Hoje no entanto esta tradição não é mantida pela maioriados ternos.Alguns atribuem sentidos místicos à escolha das cores, dos instrumentos, dosacessórios e dos ritmos, outros vêm nesses elementos traços distintivos dos ternos.As roupas e acessórios são usados apenas nos dias de festa, durante a campanha,cada um se veste a seu modo. As meninas geralmente fazem roupas que podemser usadas no cotidiano, já que todo ano elas fazem duas trocas de roupa: umapara o domingo e outra para a segunda. Alguns ternos modificam os modelos desuas roupas todo ano, outros mantém a vestimenta dos homens durante algumperíodo. Constatei a preocupação de anciões quanto à manutenção das roupasconsideradas tradicionais dos ternos. A indumentária que mais inova é a dasbandeireiras, geralmente as roupas dos soldados possuem elementosidentificadores dos ternos e não mudam de um ano para o outro, a mudança quandoocorre é gradativa. A indumentária é um dos elementos identificadores dos ternos,por isso a Irmandade do Rosário intervém na escolha das cores e adereços.Os ternos só recebem a Carta de Comando – ordem para participar dos festejos –se estiverem filiados à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Uberlândia.Aqueles registrados em cartórios participam do Reinado sem o aval da Irmandade.Um representante da Igreja, geralmente o pároco, participa diretamente das decisõesda Irmandade. A Irmandade é o elo de ligação dos ternos com a Igreja Católica eas subvenções governamentais. A Irmandade gerencia a festa, decide data derealização da festa, faz e refaz o estatuto da Irmandade e da Festa, decide horáriosde realização de missas, procissões etc. A diretoria da Irmandade do Rosário é naverdade um reinado, onde os cargos são hereditários. Cada terno é como se fosseum “reino” ou “estado”, “clã”, “facção”, um batalhão, um pelotão, pertencente à umtipo de guarda. Com organização e agenda de rituais própria. Cada terno possui oseu “diplomata”, geralmente um capitão, que fará sua representação nas reuniõescom a Irmandade e os órgãos governamentais ou financiadores.Apesar de muitos congadeiros negar que exista rivalidade entre os ternos, a disputatorna-se muito clara em muitos momentos. Disputam a ocupação do espaço napraça da igreja, qual a execução mais perfeita das músicas, qual o maior númerode componentes, qual a melhor organização e disposição dos soldados naapresentação, qual a melhor e mais bonita indumentária, ocorre disputa nademarcação do território onde realizaram sua campanha, etc.

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. Em alguns momentos verdadeiras batalhas orquestrais ocorrem: os ternos se

enfrentam com os instrumentos, o apito e a expressão corporal dos capitães deixam

clara a luta enquanto os soldados rufam seus tambores.

Durante “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, são confeccionados

ou reformados acessórios, roupas e instrumentos. Realizam ensaios, novenas,

leilões, reuniões com a Irmandade e com a Coordenadoria Municipal Afro-Racial

(CoAfro). Fazem benzições, trabalhos espirituais. Visitam outras cidades em festa.

A campanha é o período que precede a festa.

Geralmente é o Presidente do terno ou a Madrinha quem fica responsável por

agendar os leilões e novenas. Os donos da casa onde serão realizados os leilões

arrecadam “prendas”, geralmente alimentos, produtos de higiêne, bebidas, quitutes,

roupas, etc, que serão leiloados a favor do terno. Reúnem-se os dançadores, afinam-

se os instrumentos e cada terno sai do seu quartel sob o comando do bastão e do

apito de seus capitães realizando jornadas noturnas que extrapolam os limites dos

bairros para realizar as novenas e os leilões. Estes deslocamentos pela cidade

enchem a noite com as sonoridades dos instrumentos. Algumas pessoas saem na

porta das casas para ver os ternos passarem, nos seus ensaios para o dia da

festa.

Cada terno possui o seu “território”, demarcado pelas casas dos amigos que

oferecem prendas para o leilão ou solicitam a visita da bandeira para a realização

da novena. Cada terno possui um quartel, que pode ser a casa de um dos capitães

ou de pessoas ligadas ao terno. O “território” dos ternos extrapola, inclusive as

fronteiras das cidades, pois cada terno possui uma agenda de festas e encontros

formando distintas redes de sociabilidade. Os ternos também costumam visitar

suas cidades de origem.

Quando um terno se encontra com outro no trajeto pode acontecer pelo menos três

ações diferentes:

1 – se os ternos forem amigos, se cumprimentam e até mesmo tocam juntos;

2 – se os ternos tiverem algum tipo de diferença, rixa, ou questão a ser resolvida,

poderá haver uma espécie de confronto, um duelo de instrumentos, ou um terno

impede o outro de atravessar uma rua ou passar na porta da igreja.

3 – se os ternos ainda não se conhecerem pode acontecer dos Capitães cantarem

um para o outro saldando as bandeiras e se identificando. Pode também haver

neste caso uma espécie de duelo em que os capitães disputam cordialmente para

saber qual dos capitães é mais experiente ou qual a bateria faz mais evoluções.

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O trajeto até a casa da novena é utilizado para realizarem o ensaio para o dia da

festa. Durante o trajeto até as casas onde se realizarão as novenas, os capitães

ensinam as músicas aos novatos e ensinam a tocar os instrumentos. É comum a

criação de músicas novas para apresentarem no dia da festa. A composição pode

ser feita por capitães, madrinhas ou dançadores do terno ou ainda ser atribuídas a

mentores espirituais. Muitas músicas tocadas durante a campanha podem não ser

executadas no dia da festa. Existem também músicas específicas para cada

ocasião: para chamar o dono da casa, para agradecer as prendas para o leilão,

para abençoar o interior da casa, músicas de novena, em louvor a São Benedito,

em louvor a Nossa Senhora do Rosário, que relembram os antepassados, que falam

de fenômenos climáticos, para solicitar a saída da bandeira, para saldar Reis e

Rainhas, de despedidas, para quando ocorre um encontro com outro terno seja ele

amigo ou não e uma infinidade de outras possibilidades, variando de terno para

terno.

Existem duas versões para a origem do Congado em Uberlândia. A primeira

considera o Distrito de Miraporanga (antiga Santa Maria) o local de onde se

originaram os ternos de Congado do município, na época, o arraial de São Pedro

de Uberabinha. Segundo Paulino (In Brasileiro, 2001:31), o primeiro terno de

moçambique surgiu em Miraporanga, não sendo inicialmente aceito pelos

moradores de São Pedro do Uberabinha. A Igreja do Rosário de MIrapóranga,

construída em 1850, foi fundada por escravos, que posteriormente se mudariam

para o futuro bairro Patrimônio em Uberlândia, às margens do Rio Uberabinha,

levando consigo as celebrações do Congado.

A segunda versão indica que o movimento do Congado se iniciou no Sertão da

Farinha Podre, por volta de 1874, através do “Mestre André”. Esse senhor reunia

os negros da região do Rio das Velhas e Olhos D’Água, tocando tambor em culto à

Nossa Senhora do Rosário, padroeira dos negros, pedindo para libertá-los da

escravidão. O início do movimento ocorre por volta de 1876, período de expectativa

e temor quanto à abolição da escravatura no Brasil Império. Vale lembrar que em

1881 foi decretada a lei nº 2040, conhecida como a “Lei do Ventre Livre” e em 1885

a “Lei do Sexagenário” ou “Lei Saraiva Cotegipe”, as quais participaram de um

processo que culminou na própria abolição da escravatura, em 1888.

O município de Uberlândia se localiza na região do Triângulo Mineiro, área conhecida

no século XVIII e XIX como Sertão da Farinha Podre. Esta região era denominada

de Sertão da Farinha Podre por causa dos sacos de palha com farinha, encontrados

pelos colonizadores, enterrados ou pendurados nas árvores

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Das histórias contadas sobre a origem deste nome, existe uma que afirma que

quando as bandeiras se aproximavam os indígenas e quilombolas que aqui

habitavam escondiam sua farinha, base de sua alimentação, com esperança de

poderem voltar algum dia para suas aldeias e ter alimentos até a nova plantação

dar seus frutos. Eles se refugiavam nas matas e esperavam os bandeirantes

abandonarem suas moradias após arrasá-las com saques e incêndios. Muitas

aldeias tinham que mudar constantemente sua localização, abandonando sacos

de farinha pelo caminho de sua fuga. Por causa de sua localização geográfica, o

Sertão da Farinha Podre passou a ser um entreposto para os avanços das

bandeiras. Local de de descanso e comércio de tropas uma parada na rota de

tropeiros e mineradores em direção a Goiás e Mato Grosso. A farinha que fora

escondida pelos quilombolas e/ou indígenas apodrecia com a ação do tempo, e

depois era encontrada pelos novos habitantes do lugar. Por causa da grande

quantidade de mantimentos apodrecidos encontrados, a região da bacia do rio

Paranaíba que abrange o atual Triângulo Mineiro e parte do sul do estado do Goiás,

ganhou o nome de Sertão da Farinha Podre.

O Sertão da Farinha Podre era povoado por vários núcleos quilombolas distribuídos

como pontos de uma rede. Os documentos oficiais referem-se a diversos deles

como pertencentes ao Quilombo do Campo Grande. O Quilombo do Ambrósio,

localizado na zona rural de Ibiá, cujo sítio arqueológico é tombado pelo patrimônio

histórico, foi como uma célula central de onde partiam os integrantes que formavam

os outros núcleos da rede. A historiografia oficial considera que o Quilombo do

Ambrósio tenha sido destruído em 1746, sendo referido como o maior núcleo,

comportando até mais de “mil negros, e grande número de negras e crias”. Os

documentos oficiais que narram a destruição deste núcleo e de “outros menores”

informam o número de três oficiais e duzentos e sessenta “homens capazes, e dos

mais desocupados” reunidos nas freguesias de Brumado (hoje Patrocínio), Sta

Rita, Carijos, Congonhas, Ouro Branco e Prado. E para a destruição do Quilombo

do Campo Grande foram enviados quatrocentos e depois mais trezentos homens

da cidade de Mariana, São João de El Rey, São José, Sabará e Vila Nova da

Raynha. Sendo que estas comitivas levavam cartas solicitando que todas as

comarcas lhes fornecessem “munições de guerra e de boca” Embora, os

documentos oficiais relatem expedições bem sucedidas na destruição destes

quilombos, deixam a entender que muitos quilombolas fugiam recomeçando um

novo quilombo em áreas não ocupadas pelo homem branco. A área onde hoje se

localiza Uberlândia só foi ocupada pelo homem branco a partir de 1821, possuindo

ainda reminiscências dos antigos quilombos do Campo Grande.

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Mas a construção de hidrelétricas tem destruído paulatinamente os vestígios

arqueológicos destes quilombos que geralmente escolhiam áreas estratégicas

próximas aos rios para se instalar. Os quilombolas escolhiam sua localização de

acordo com os elementos oferecidos pelo ambiente buscando áreas que lhes

possibilitasse a permanência (agricultura e pecuária de subsistência, assaltos às

tropas de comerciantes e viajantes e contrabando) e a defesa da comunidade. A

região ainda preserva na toponímia referências aos antigos quilombos (Pau Furado

e Quilombo).

A ocupação efetiva desta área pelo homem branco ocorreu a partir do século XIX,

sendo a produção pecuária e a agricultura de subsistência primordiais, pois

possibilitaram a instalação das fazendas e dos arraiais que futuramente constituiriam

vários municípios e distritos. O arraial de São Pedro do Uberabinha, núcleo inicial

da cidade de Uberlândia, formou-se no início do século XIX, a partir da aquisição

de sesmarias do governo da Província de Minas Gerais por algumas famílias. O

marco inicial da atual cidade foi a antiga Sesmaria de São Francisco, doada a

João Pereira da Rocha, em 1821. A chegada de outras famílias, com destaque

para a “Alves Carrejo”, intensificou a ocupação da região.

Em 1846, Felisberto Alves Carrejo, após aquisição de área de dez alqueires entre

o Córrego São Pedro e o Córrego Cajubá, obteve, juntamente com Francisco Alves

Pereira, aprovação do Bispado de Goiás para a construção de uma capela curada,

consagrada a Nossa Senhora do Carmo e a São Sebastião da Barra. No ano de

1852 foi criado o Distrito de Paz do São Pedro do Uberabinha, pela lei provincial n.

602, e em 1853 a primeira capela foi concluída. A criação da paróquia, em 1857,

ocorreu no mesmo ano da formação do patrimônio da capela, composto de terras

doadas por um grupo de moradores locais que haviam adquirido 100 alqueires da

Fazenda do Salto (Vale, 1998: 252). As primeiras edificações do arraial se São

Pedro do Uberabinha se concentravam ao redor do largo da Igreja Matriz, em terrenos

aforados do patrimônio de Nossa Senhora do Carmo. Em 1883 foram doados,

ainda, doze alqueires de terra à margem esquerda do córrego Uberabinha, próximo

aos limites do arraial, destinados ao patrimônio de Nossa Senhora da Abadia

(Lourenço, 1986:16). Em 31 de agosto de 1888, a então freguesia foi transformada

em vila, com o nome de São Pedro do Uberabinha, tendo sido instalada oficialmente

em 1891. Em 24 de maio de 1892, a vila foi elevada à categoria de cidade pela lei

nº 23. Em 1895, a Estrada de Ferro Mogiana atingiu a cidade de Uberlândia e se

verifica o desenvolvimento da produção agropecuária e de indústrias, com destaque

para a produção de charque (Brasileiro, 2001: 253). “Nas duas primeiras décadas

do século XX foram instaladas em Uberlândia indústrias ligadas à produção rural.

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Têm-se registro das seguintes indústrias, existentes em 1922: beneficiadoras dearroz e algodão, serrarias, carpintarias, charqueadas, curtumes e outrosestabelecimentos de produção de couro e carne, além de fábricas de banha, sabão,calçados e arreios” (Lourenço, 1986: 20). Vale ressaltar que o fornecimento deenergia elétrica teve início em 1909, aumentando a possibilidade da instalação devárias fábricas.Em 1929, a cidade recebeu o nome de Uberlândia, através da lei nº 843. Na décadade 1930, a abertura de estradas de rodagem em direção às áreas de exploraçãode diamantes do Rio Araguaia intensificou o desenvolvimento da área, que se tornouponto de troca e abastecimento de caravanas e compradores de diamantes . Em1933 , iniciou -se a construção da nova igreja Matriz concluída em 1941. A padroeiraSanta Terezinha foi escolhida para substituir os antigos padroeiros da cidade NossaSenhora do Carmo e São Sebastião da Barra. A antiga igreja Matriz foi demolidaem 1943, dando lugar a estação Rodoviária, que hojesedia a Biblioteca Municipal . Em 1940, cidade passa por um rápido crescimentoe adensamento populacional, e desde então tem se configurado importante centroregional, localizado em local estratégico, próximo a seis capitais (Campo Grande,Cuiabá, Goiânia, Belo Horizonte, São Paulo e Brasília ). De 1985 a 1996, o seucrescimento anual do P I B de 5, 09%, superior ao crescimento de Minas Gerais(2,17%) e do Brasil (2,28%). Hoje, a cidade se destaca pelo desenvolvimento dossetores de agro industria, tecnologia da informação, setor atacadista - distribuidor,e mais recentemente, de biotecnologia, sendo também considerado pólo na áreade ensino superior.Há referências históricas de que a primeira Capela de Nossa Senhora do Rosáriotenha sido iniciada pelo Padre João Dantas Barbosa, em 1876, a qual não foiconcluída, tendo sido definitivamente levantada na atual praça Cícero Dr. Duarte.Em decorrência do abandono da capela anterior, entre 1891 e 1893, ocorreu aconstrução da nova Capela do Rosário “com estrutura de madeira, tijolos de adobee telha comum, situada no centro da cidade e com fachada voltada para o bairroGeneral Osório (atual bairro fundinho).” Já em meados de 1890, o então presidenteda Irmandade do Rosário passou a comandar a nova procissão. O vigário Pio Dantasestimulou a participação da comunidade negra nas festividades religiosas. (Ibidem,2001).Com o crescimento da cidade, a segunda capela precisou ser ampliada. Foicomposta uma comissão responsável por angariar donativos particulares e recolheruma mensalidade cobrada da Irmandade do Rosário.A capela anterior foi demolida e, no mesmo local, a partir de 1928, foi construídauma nova capela com projeto de autoria do arquiteto Thomaz Hovanez. Em 1931, aCapela Nossa Senhora do Rosário foi re-inaugurada. Em 1985, a Capela de NossaSenhora do Rosário foi tombada pelo Patrimônio Histórico Municipal (lei nº 4263,de 9 de setembro) e entre 1987 e 1988, foi restaurada pela Secretaria de Culturado Município com apoio do IEPHA/MG (Vale, 1998:257). A Capela de NossaSenhora do Rosário passou por processo de restauração no de 2006.

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15. Referências:* ANAIS da Biblioteca Nacional – Volume 108 – Rio de Janeiro, 1988 pg. 47-113 –Carta de Gomes Freire de Andrade para o Capitão-mor da Vila de S. João de ElRey Manuel da Costa Golvea, 27 de junho de 1746. Mss. APM, Códice SC84,Registro da providoria da Fazenda de Minas Gerais p.111 (Ver laudo IPHAN 004/98)*BRASILEIRO, Jeremias. Congadas de Minas Gerais – Brasília: Fundação CulturalPalmares, 2001.* LAUDO IPHAN 004/98 – Dossiê do Tombamento do Remanescente do AntigoQuilombo do Ambrósio – Ibiá – Mg*LUCAS, Glaura. Os Sons do Rosário – Um Estudo Etnomusicológico do CongadoMineiro – Arturos e Jatobá. Dissertação de Mestrado, São Paulo: ECA-USP, 1999.*MARRA, Fabíola Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no SéculoXX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido entre os anos de 2004 e 2005,através da lei municipal de Incentivo à Cultura.*MARTINS, Tarcisio José. Quilombo do Campo Grande: A História de MinasRoubada do Povo. São Paulo: Gazeta Maçônica, 1995.*LIMA JR., Walter. Chico Rei. Embrafilmes, 1986.*LOURENÇO, Luis Augusto Bustamante. Bairro Patrimônio: Salgadores eMoçambiqueiros. Uberlândia: Secretaria Municipal de Cultura, 1983.*MARTINS, Leda M. Cantares – Afrografias da Memória. São Paulo: Perspectiva:1997.*MOURA, Clovis (org). Os Quilombos na Dinâmica Social do Brasil – Maceió: Edufal,2001.*RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. A Música Africana. Rio de Janeiro: Funart,1981*VALE, Marília Brasileiro Teixeira. Arquitetura Religiosa do Século XIX no antigo“Sertão da Farinha Podre”. Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura eUrbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do Grau de Doutor, SãoPaulo, 1998.16. Atualização das informações:NT17. Ficha TécnicaLevantamento Data: Abril de 2007Fabíola Benfica Marra (Historiadora)Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)Elaboração Data: Abril de 2007Fabíola Benfica Marra (Historiadora)Revisão Data: Abril de 2007Anderson Henrique Ferreira (Historiador)Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)