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Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e
I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 3 • N ú m e r o 9 • m a r ç o 2 0 1 3 E d iç ã o E s p ec i a l • Hom e n a g e a d a
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NOVO PERFIL LINGUÍSTICO DOS FALANTES BILÍNGUES DA REGIÃO DE
COLONIZAÇÃO ITALIANA DO NORDESTE DO RIO GRANDE DO SUL:
MUDANÇA DIALETAL E MESCLA LINGUÍSTICA
Greyce Dal Picol (UCS)1
RESUMO: Os estudos que fazem parte da dissertação Morfossintaxe na oralidade do dialeto Vêneto Sul-
rio-grandense2 (ainda em andamento) buscam descrever e analisar as estruturas do dialeto vêneto
característico da Região de Colonização Italiana do Nordeste do Rio Grande do Sul (RCI), comparando-
as com as estruturas do vêneto italiano e possíveis influências decorrentes do contato com a língua
portuguesa. Inserido na pesquisa, o presente trabalho tem como objetivo descrever e analisar situações de
alternância de código linguístico (code-switching) e presença de empréstimos lexicais. Para tanto, serão
observados elementos históricos e sociais que possibilitaram a formação do atual perfil do bilinguismo na
RCI, dando destaque à formação dialetal vêneta italiana até sua configuração em terras brasileiras. A
metodologia consistirá na análise de exemplos coletados de uma conversa entre dois falantes bilíngues
português-dialeto vêneto sul-rio-grandense, tendo como base teórica estudos sobre alternância de códigos
linguísticos em Mackey (1972), Weinreich (1974), Grosjean (1994) e Siguan (2001), e a observação de
empréstimos lexicais presentes em Carvalho (1989) e Alves (1994). O estudo de empréstimos da língua
portuguesa dentro do dialeto vêneto sul-rio-grandense baseia-se em dados de Frosi e Mioranza (1983) e
Faggion e Frosi (2010). No diálogo analisado, nota-se que o talian vem sofrendo transformações
decorrentes do contato contínuo com a língua portuguesa, além da presença de neologismos por
empréstimo da língua majoritária. Esses resultados evidenciam que, cada vez mais, esse dialeto cede
espaço à língua portuguesa, que vem se tornando o meio de comunicação mais utilizado.
PALAVRAS-CHAVE: Dialeto vêneto sul-rio-grandense; bilinguismo; contato linguístico; empréstimos
lexicais; alternância de códigos linguísticos.
ABSTRACT: The dissertation in progress Morpho-sintax in the orality of Southern Brazilian Venetian
aims at describing and analysing the grammar of the Venetian dialect spoken in the Italian Immigration
Region of the state of Rio Grande do Sul, Brazil, comparing it with the Italian Venetian dialects and the
Portuguese language. As part of this investigation, this paper describes and analyses some code-switching
instances and the presence of lexical loans in a dialogue performed by Southern Brazilian Venetian/
Portuguese bilingual speakers. Socio-historical elements are to be considered, as well as some
characteristics of the Southern Brazilian Venetian dialect. The methodology consists of analysing
collected examples from a dialogue between two Portuguese-Southern Brazilian Venetian dialect
bilingual speakers, having as theoretical basis studies about linguistic code-switching from Mackey (1972), Weinreich (1974), Grosjean (1994) and Siguan (2001), as well as studies about observation of
loanwords from Carvalho (1989) and Alves (1994). The study of loanwords from Portuguese within the
Southern Brazilian Venetian dialect is based on data from Frosi and Mioranza (1983) and Faggion and
Frosi (2010).The analysis of the dialogue shows that the Southern Brazilian Venetian or Talian has
changed through the contact with the Portuguese language, mostly in the lexicon: there are many loans
and code-switching uses. Such results contribute to reaffirm the idea that the majority language,
Portuguese, is slowly expanding its domains of use in the oral manifestations of bilinguals. KEYWORDS: Southern Brazilian Venetian dialect; bilingualism; linguistic contact; loanwords; code-
switching.
1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Letras, Cultura e Regionalidade da Universidade de
Caxias do Sul. Apoio: CAPES. 2 O trabalho é orientado pela professora doutora Carmen Maria Faggion (UCS). Agradeço a ajuda na
análise dos dados e a cuidadosa revisão.
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1. Introdução
Algum tempo foi necessário para que as variedades linguísticas fossem
consideradas objeto de estudo das ciências linguísticas. Uma das primeiras linhas de
pesquisa que buscou interpretar as inúmeras mudanças que as línguas poderiam
apresentar foi a dialetologia.
Os estudos dialetológicos têm seu início no final do século XIX com a
observação dos falares regionais (FERREIRA; CARDOSO, 1994). Desde o começo, a
dialetologia teve grande importância para a melhor compreensão das diferenças
diatópicas, mostrando um sério rigor metodológico que ajudou na formação de outras
áreas: sociolinguística e geolinguística.
Hoje, esses estudos apresentam fundamental importância para a análise das
variações linguísticas dentro do espaço geográfico, ajudando na melhor compreensão de
distintas peculiaridades linguísticas.
É dentro do contexto das variações diatópicas que o presente estudo se enquadra.
O artigo tem como objetivo analisar alguns dos traços linguísticos mais característicos
da Região de Colonização Italiana do Nordeste do Rio Grande do Sul, doravante RCI3,
tendo como base o perfil atual do falante bilíngue do dialeto vêneto sul-rio-grandense,
(também conhecido como talian ou vêneto sul-brasileiro), de base vêneta italiana. Para
tal estudo foram coletados exemplos através de dados orais de falantes da zona rural da
cidade de Caxias do Sul, Rio Grande do Sul.
Pretende-se, primeiramente, apresentar o perfil linguístico do norte italiano,
responsável pelo maior índice de imigração para o Brasil4 e, consequentemente, pela
manutenção dialetal em solo brasileiro. Para tanto foram selecionados alguns estudiosos
italianos que analisam a questão dialetal na Itália Setentrional, como Zamboni (1974),
Marcato (2002), Belloni (2006) e Renzi e Andreose (2009).
3 Fazem parte da RCI, aproximadamente 36 municípios, como: Caxias do Sul, Flores da Cunha, Bento
Gonçalves, Antônio Prado, Garibaldi, dentre outros (FROSI, 2000b, p. 254) 4 A imigração italiana para o Brasil teve início em 1875. Mais informações estarão expressas na segunda
seção do presente estudo.
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Após, será dada ênfase à formação do dialeto vêneto sul-rio-grandense, tendo em
vista questões históricas (FROSI; MIORANZA, 2009 [1975]) responsáveis pela
formação da coiné de base vêneta (FROSI; MIORANZA, 1983).
Buscar-se-á também apresentar concepções de bilinguismo (MACKEY, 1972;
ROMAINE, 2006; GROSJEAN, 1994), a fim de observar como essas características se
fazem presentes no perfil dos atuais falantes da RCI, tendo em vista aspectos sociais
(DE BIASE, 2009) e linguísticos (FROSI; MIORANZA, 1983; FROSI, 2000a; FROSI;
FAGGION; DAL CORNO, 2010) responsáveis pela transformação dialetal sofrida e a
configuração atual dessa variedade.
Por fim, apresentar-se-ão exemplos colhidos da fala de alguns bilíngues
português-talian, do interior de Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, para analisar a
presença de mescla linguística decorrente de empréstimos lexicais ou code-switching,
tendo em vista a manutenção (ou não) dessa variedade linguística por parte de seus
falantes. O que é possível verificar, até o momento, é a transformação que o dialeto
vêneto sul-brasileiro vem passando, altera muitas de suas características e cede espaço
como meio de comunicação à língua majoritária para a comunicação.
2. Dialetos e imigração italiana
O termo dialeto (diálektos) teve início na Grécia Antiga para designar as
variedades linguísticas locais (RENZI; ANDREOSE, 2009; BURKE, 2010), entretanto,
sua utilização começa a se deflagrar em território italiano, no período do Renascimento,
para se difundir por todo o mundo (RENZI; ANDREOSE, 2009).
A oposição entre língua e dialeto está ligada a questões históricas, que entornam
a problemática de sua definição. Segundo Renzi e Andreose (2009), a ideologia presente
nessa terminologia também tem início na Itália, quando o latim clássico (língua culta e
das camadas superiores) perde espaço para o latim vulgar, a língua do povo. A língua,
sempre ligada à norma escrita e à ideia de superioridade, propiciou a inferioridade ao
dialeto.
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Essa ideologia será deflagrada no Renascimento italiano, momento em que o
dialeto fiorentino, variedade culta e escrita, ganhará prestígio, fazendo com que os
outros dialetos passem a ser considerados uma forma de comunicação inferior, ideia
essa que será perpetuada no imaginário social até os dias de hoje (RENZI;
ANDREOZE, 2009, p. 141-142).
Essas variedades linguísticas tidas como inferiores encontram-se em todo o
mundo, como é o caso da Itália, que, apesar de sua pequena extensão territorial, pode
ser considerada um riquíssimo campo de estudos na área dialetal.
Para compreender o início da formação dialetal italiana, é preciso analisar os
processos históricos em que a Itália esteve inserida.
Na época das conquistas do Império Romano, a expansão do território ocasionou
a expansão linguística. De acordo com Belloni (2006), a língua de Roma, o latim
clássico, era restrito a camadas mais elevadas da população. A partir disso, a formação
do latim vulgar aconteceu de forma “espontânea” dentro das pequenas comunidades,
utilizado como a variedade do povo.
As pequenas comunidades, divididas de acordo com a economia feudal vigente,
favoreceram a formação de núcleos dialetais, dando origem às línguas românicas (ou
línguas romance), dentre elas, o italiano.
O italiano padrão, de base dialetal fiorentina, originou-se do sistema ítalo-
romance, que faz menção as “variedades faladas pela Península e pelas Ilhas que
haviam escolhido há tempos, como língua principal (em suma, como língua) o italiano”
(PELLEGRINI apud MARCATO, 2007, p. 176).
Segundo Marcato (2007, p. 177), o sistema ítalo-romance dividiu-se em cinco
grupos: dialetos setentrionais, friuliano, toscano, dialetos centro-meridionais e o sardo.
Neste estudo, será dada ênfase aos dialetos setentrionais, pois muitos desses, na época
da imigração italiana, chegaram ao Brasil.
O sistema dialetal da Itália setentrional encontra-se em duas principais áreas: a
galo-itálica e a vêneta (MARCATO, 2007, p. 183). A região galo-itálica, pertencente ao
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Norte italiano, “compreende os dialetos piemonteses, lombardos, ligúrios, emilianos e
romenhos” (MARCATO, 2007, p. 183). Já a vêneta, que ganha enfoque neste trabalho,
faz parte do Nordeste, tendo como capital a cidade de Veneza. De acordo com Zamboni
(1974, p. 07), os dialetos vênetos se subdividem em cinco grupos: o veneziano lagunar,
o padovano-vicentino-polesano (vêneto central), o veronês, o trevisano-feltrino-belunês
e os dialetos ladinos.
Esses dialetos poderiam ter se restringido a áreas italianas, no entanto, não foi
isso que ocorreu.
Segundo Frosi e Mioranza (2009), após a unificação da Itália, os problemas
econômicos se agravaram, fazendo com que muitos trabalhadores italianos buscassem
melhores condições de vida em outros países. Graças às campanhas de povoamento
feitas pelo governo brasileiro, esses trabalhadores, na sua maioria, vindos do norte
italiano, decidiram mudar-se para o Brasil, instalando-se em Estados como o Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
Em 1875, com a chegada dos primeiros imigrantes no Rio Grande do Sul, inicia-
se uma transformação cultural e linguística que será um marco na história da RCI.
3. A coiné vêneta na RCI
A construção do perfil linguístico da RCI tem uma história muito peculiar e
original. Frosi e Mioranza (2009) observam que os primeiros imigrantes chegados à
região ainda falavam os dialetos característicos da Itália, ou seja, sem influências
externas. A partir disso, seria possível imaginar que as ilhas linguísticas se
perpetuassem, entretanto, a ocupação das novas terras, em solo brasileiro, não seguiu
critérios linguísticos, mas buscou apenas a povoação dos espaços mais próximos ao
núcleo central. Essa situação, com o tempo, possibilitou a formação de um “cruzamento
linguístico” (FROSI; MIORANZA, 2009, p. 81) decorrente dos contatos entre esses
imigrantes e seus dialetos. Com isso, os autores concluíram que: “Não resta dúvida de
que as falas dialetais do norte da Itália se repetem aqui, não, porém, com uma
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delimitação geográfica rigorosa, nem em comunidades típicas uniformes, sob prisma
dialetológico” (FROSI; MIORANZA, 1983, p. 120).
A partir de uma minuciosa pesquisa historiográfica, Frosi e Mioranza (2009, p.
47) estabeleceram os índices migratórios das regiões italianas, explicitando-os da
seguinte forma: vênetos (54%), lombardos (33%), trentinos (7%), friulanos (4,5%),
outros (1,5%). Visto o intenso contato entre essas diferentes etnias na RCI, esses índices
foram importantes na formação de uma língua comum, uma coiné vêneta5 formada
pelas interinfluências de dialetos afins com uma forte predominância dos dialetos
vênetos (FROSI; MIORANZA, 2009).
Frosi e Mioranza (1983, p. 118) afirmavam que:
[...] a perda da identidade dialetal torna-se uma constante, devido não só ao
processo de estabelecimento dos imigrantes na Região, como também de
outros fatores extralinguísticos que determinaram em evolução direcional da
realidade linguístico-dialetológica da RCI.
Essa constatação evidencia que, com o desenvolvimento econômico da região, a
coiné adquiriu muitos traços da língua portuguesa, sendo que, nos centros urbanos, essa
era a língua predominante. Assim, hoje, essas influências externas adquirem
características muito peculiares e importantes para a compreensão da transformação
linguística do dialeto na região.
4. O bilinguismo na RCI
Com o tempo (e com a necessidade), o falante da RCI adquire um traço muito
característico: o falar bilíngue. Esse falar não só causará influências na(s) sua(s)
língua(s), mas também na sua história de vida.
Em 1972, Mackey observava que a afirmação de Bloomfield sobre o falante
bilíngue, “indivíduo com o controle nativo em duas línguas”, era muito rígida e deveria
ser ampliada. Hoje, sabe-se que essa visão já foi ultrapassada e que há várias formas de
caracterizar um falante bilíngue.
5 A coiné de base vêneta é popularmente conhecida como talian, vêneto sul-rio-grandense ou dialeto
vêneto sul-brasileiro.
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Weinreich (1974, p. 02) caracterizava o bilinguismo como “a prática do uso
alternativo de duas línguas”, ou seja, alguém que consegue transitar entre duas
variedades linguísticas. Grosjean (1994), por sua vez, via o bilíngue como alguém com
“[...] a habilidade em produzir enunciados significativos em duas (ou mais) línguas, o
domínio de pelo menos uma das habilidades lingüísticas (leitura, escrita, fala, audição)
em outra língua, o uso alternado de várias línguas, etc.” (GROSJEAN, 1994, p. 164).
Com base em Weinreich (1968), Romaine (2006, p. 78-80) observou que, pelo
contato existente entre as línguas utilizadas pelos falantes bilíngues, o bilinguismo pode
ser classificado em três tipos: (a) coordenado: línguas são aprendidas de forma
independente, sem interferências; o bilinguismo é puro; (b) composto: as línguas são
dependentes; os bilíngues são capazes de aprendê-las, mas podem confundi-las em
certos contextos; e (c) subordinado: o bilíngue tem o domínio pleno de uma das
línguas; a língua mais fraca acaba cedendo espaço à língua mais forte, ocorrendo muitas
interferências.
Na RCI, o bilinguismo aconteceu com os imigrantes italianos que, além do
dialeto trazido da Itália, aprenderam a língua portuguesa (ao menos em nível de
audição), formando um bilinguismo subordinado do dialeto italiano, na época a
variedade mais utilizada, em relação ao português. Hoje, como será posteriormente
descrito, ocorre a transformação do bilinguismo subordinado ao composto, com
influência da língua majoritária.
Frosi (2000) observa que a coiné linguística da RCI sofre grandes mudanças
com a campanha de “brasilianização” (PESAVENTO, 1980, p. 191) feito pelo governo
brasileiro, em 1930, momento em que os falantes foram obrigados a aprender a língua
portuguesa. Com isso, monolinguismo do início da imigração se transformou em
bilinguismo.
Infelizmente, essa característica não foi vista como algo positivo, pois o
“domínio” do português trazia consigo traços marcantes na fala dos ítalo-brasileiros6,
6 Ítalo-brasileiro é uma denominação utilizada para fazer referências aos descendentes de italianos que
moram no Brasil.
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principalmente do ponto de vista fonético, o que passou a ser caracterizado como o
sotaque desprestigiado e ridicularizado pelos demais falantes. Com isso, o falante
bilíngue da RCI, por sua situação social inferior e por sua fala com acentuadas marcas
de sotaque:
[...] sofre uma dupla estigmatização socioliguística: sua fala em dialeto
italiano é feia, é indicativa de ser colono; sua fala em língua portuguesa
denuncia suas origens étnicas: meio italiano, meio brasileiro. Sua fala em
língua portuguesa revela seu passado recente. (FROSI, 2000, p. 90)
Tempos mais tarde, com as festividades voltadas ao Centenário da Imigração
Italiana (1975), ocorre um “retorno às origens étnicas”, ou seja, as características dos
descendentes de italianos, até o momento vistas como algo inferior (a língua, por
exemplo), começam a ser vistas como algo de imenso valor cultural.
Com isso, o dialeto que era estigmatizado e ridicularizado pela população
urbana, será exaltado como marca identitária dos ítalo-brasileiros (DE BIASE, 1994). O
bilíngue da RCI ganha prestígio: “Nos processos de construção de identidade [...] o
talian, doravante, não será mais agora considerado um dialeto humilhante, mas uma
língua valorizada que dá a quem fala um status de poliglota”. (DE BIASE, 2009, p.
108).
Toda essa mudança não foi capaz de alterar o que já havia se transformado: além
do estigma sofrido7, o dialeto vêneto sul-rio-grandense já estava alterado. Muitas de
suas características originais haviam sido perdidas. Muito da língua majoritária já estava
inserido no dialeto vêneto sul-rio-grandense.
5. O perfil bilíngue atual da RCI
Atualmente, a comunidade linguística da RCI vem sendo cada vez menor,
restringindo-se a determinadas camadas: “[a] área de imigração que teve configuração
multilíngue em seus inícios e ainda permanece bilíngue, especialmente, em áreas rurais
7 Maiores detalhes em Frosi, Faggion e Dal Corno (2010).
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e nas faixas etárias mais avançadas das áreas urbanas” (FAGGION, 2010a, p. 99), o que
demonstra tendência de solução em monolinguismo.
Com o tempo, o número de falantes vem diminuindo muito: as gerações mais
velhas não transmitem o dialeto para as gerações mais jovens, os jovens, por sua vez,
não têm interesse em aprender, identificam-se mais com outras culturas e línguas
conhecidas como “globais”, como é o caso do inglês.
Faggion (2010b) enfatiza que o bilinguismo precoce, em outras épocas tão
presente na RCI, perdeu espaço: “O bilinguismo precoce hoje, se existir, parece estar
restrito às áreas rurais mais remotas. Nas regiões urbanas, as crianças não falam nem
entendem italiano” (FAGGION, 2010b, p. 121). Há grande dificuldade em encontrar
jovens que ainda falem o talian, até mesmo nas zonas rurais. Eles optam pela variedade
linguística que julgam ser de mais prestígio (bilinguismo subtrativo), resultado da
constante presença do bilinguismo passivo, ou seja, o domínio da compreensão de uma
língua, mas não da fala (DE HEREDIA, 1987).
Por outro lado, o que também chama atenção foi a transformação linguística que
esse dialeto sofreu ao longo do tempo: a coiné vêneta apresenta muitas características da
língua portuguesa. A globalização não só mudou a vida desses falantes: suas
necessidades comunicativas ficaram maiores, o mundo dialetal dos primeiros anos da
imigração não dava mais conta de toda a transformação social e econômica que afetou a
região.
Essa situação será o ponto de partida para o que hoje pode ser considerado como
uma mescla linguística8 (FROSI, 2000a, p. 85) entre a coiné vêneta e a língua
portuguesa, mescla essa que ocorre de duas principais formas: por meio de neologismos
por empréstimos e por alternância de códigos linguísticos (code-switching).
8 Frosi (2000) define a mescla linguística como “[...] o intercruzamento, a mistura entre diversos sistemas
linguísticos nos seus diferentes níveis de estruturação, isto é, nível fônico, lexical e morfossintático”
(FROSI, 2000, p. 85).
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5.1 Neologismos por empréstimo
Do ponto de vista fonético, na RCI, há uma maior incorporação de traços do
dialeto para a língua portuguesa, como é o caso, por exemplo, da troca da vibrante pelo
tepe – ‘pareira’ (parreira), ‘cachoro’ (cachorro), ‘morer’ (morrer) – (BOVO, 2004;
FROSI; MIORANZA, 1983), e da alternância do ditongo nasal ão- e on- – ‘chon’
(chão), ‘pon’ (pão), ‘coraçon’ (coração) – (TOMIELLO, 2005). Hoje, por outro lado,
nota-se, nas camadas mais jovens dessa população, a escolha por elementos fonéticos do
português, variante social de mais prestígio (GUZZO, 2010; BATTISTI et al., 2007),
como, por exemplo, a palatização de /t/ e /d/, diante de /i/.
Já os elementos lexicais, normalmente, sofrem grande influência da língua
portuguesa. Observa-se, no talian, marcante presença de neologismos por empréstimo
do português (v. Frosi e Mioranza, 1983; Frosi e Faggion, 2010).
Segundo Carvalho (1984), as alterações sociais ajudam na transformação das
necessidades comunicativas, interferindo, assim no sistema linguístico, daí a utilização
de novas unidades lexicais. Frosi e Faggion (2010) assinalam que as novas tecnologias
são designadas, no vêneto sul-rio-grandense, através de palavras portuguesas.
De acordo com Alves (1994), a criação lexical (a nova palavra, ou neologismo)
utiliza vários processos, dentre eles o empréstimo. O empréstimo, muitas vezes, pode
ser confundido com o estrangeirismo. Entretanto, o primeiro já foi totalmente integrado
à língua receptora (de forma gráfica, morfológica ou semântica). O segundo ainda não
conseguiu se incorporar (ALVES, 1994).
Dentro da realidade linguística do vêneto sul-rio-grandense, Faggion e Frosi
(2010, p. 09) observam: “No vêneto sul-rio-grandense, parece que os processos de
inovação lexical, através da formação de palavras, estão ausentes. Toda a renovação
vocabular fica a cargo dos empréstimos, tomados quase sempre à língua portuguesa, ou
através dela”. Esse processo de emprego de palavras de outra língua pode derivar de
fatos como a própria evolução econômica pela qual a região passou. Por exemplo, em
um diálogo entre dois falantes do dialeto, foi possível ouvir as seguintes frases: ‘Ah,
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adess te gh’è cheque?’ (Ah, agora tu tens cheque?), ‘Zobia passèm o lava a jato’
(Quinta passamos o lava a jato), ‘Le tose le era drio ‘ntela internet’ (As meninas, elas
estavam na internet) ou ‘Gò comprà un carro’ (Eu comprei um carro).
Os lexemas ‘cheque’, ‘lava a jato’, ‘internet’ ou ‘carro’ não existiam no início da
imigração. Posteriormente, os falantes tiveram a necessidade de empregar essas palavras
em seu falar. O fato citado é muito perceptível em tantas outras palavras, como
‘geladeira’, ‘torneira’, ‘computador’, ‘internet’, etc. São os empréstimos chamados
necessários, porque nomeiam objetos novos.
Entretanto, um dos aspectos mais representativos é a própria
transformação/substituição do léxico do dialeto por elementos da língua portuguesa, por
exemplo, ‘aliança’ na linguagem do vêneto italiano é representada como ‘vera’
(FAGGION; FROSI, 2010, p. 04). Hoje, na coiné vêneta chama-se ‘aliansa’, ou seja, o
lexema português com influências fônicas do dialeto italiano (o a é pronunciado sem a
elevação que normalmente ocorreria diante da nasal tônica, nos dialetos do português
gaúcho). Isso também ocorre com tantas outras palavras, como é o caso de ‘garrafa’: no
vêneto italiano, ‘botiglia’, e na coiné ‘garafa’, apenas com a substituição da vibrante por
um tepe.
Cabe ressaltar que isso parece ocorrer de forma inconsciente para o falante. Na
verdade, atua como uma necessidade interna de chegar mais próximo ao interlocutor,
que, normalmente, não tem domínio da variedade linguística em questão. Frosi e
Mioranza (1983, p. 331) afirmavam: “O fato mais relevante é o da perda total da
consciência linguística em relação ao uso de determinados empréstimos”, ou seja, o
falante do dialeto mescla os dois códigos sem perceber.
Por outro lado, entre inúmeros empréstimos da língua portuguesa, nota-se a
manutenção de elementos do dialeto na comunicação em língua portuguesa, como é o
caso, exemplificando, de palavras tabus e blasfêmias, normalmente ditas no dialeto.
Notam-se também casos em que o emprego de elementos do dialeto é feito para
restringir informações do discurso a determinados informantes, como em uma conversa
onde estão presentes falantes mistos (português, português-dialeto) em que alguns deles,
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para restringir a conversa, empregam palavras de um vocabulário desconhecido pelos
outros: ‘Quem plantou uva esse ano tá perso” (Quem plantou uva esse ano tá perdido)
ou ‘A Camilla, ela é furba, não te preocupa’9 (A Camilla, ela é esperta, não te
preocupa). Além disso, esse vocabulário também é amplamente utilizado por jovens que
não falam ou compreendem o dialeto. Essa questão evidencia a presença de
empréstimos também do dialeto, mas não há como saber até que ponto, para esses
falantes, o dialeto é utilizado para a melhor comunicação ou apenas como uma forma de
marcar a identidade do falante.
Essas características apresentadas são muito presentes na atualidade linguística
da RCI, mas essa mescla de linguagens apresenta-se também de outra forma muito
particular: a alternância de códigos.
5.2 Alternância de códigos (code-switching)
A alternância de códigos, mais conhecida como code-switching, também é uma
característica linguística presente na atual coiné vêneta.
Grosjean (1982) a define como o uso alternado de duas ou mais línguas durante
uma conversação. Segundo o autor, essa característica pode acontecer por muitos
motivos, dentre eles, preencher necessidades linguísticas, marcar identidade de um
grupo, excluir alguém de uma conversação, entre outras escolhas (GROSJEAN, 1982,
p. 152).
Mackey (1972) também observa que a o grau de bilinguismo será responsável
pela alternância (ou não) de códigos linguísticos. Para ele, a alternância depende de
funções internas (situações não linguísticas em que o bilíngue está inserido) e externas
(áreas de contato), e os fatores que desencadeiam a alternação são três: o assunto, as
pessoas envolvidas e a tensão que envolve a situação linguística.
9 As frases destacadas também podem ser caracterizadas como alternância de códigos linguísticos,
entretanto, o critério adotado visa o perfil do falante que se utiliza desses lexemas, que nem sempre é
bilíngue.
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Não se pode delimitar os motivos pelos quais há essa alternância, mas acredita-
se que a principal razão seja a necessidade de uma comunicação mais precisa, o que,
dependendo dos interlocutores, é difícil de realizar. Siguan (2001, p. 175) observa que:
A primeira característica do bilíngue é sua capacidade de manter separados
os dois códigos linguísticos que possui [...] Mas o próprio bilíngue, no
momento em que uma nova circunstância faz necessário ou preferível utilizar
o outro código, muda rapidamente e sem esforço.
Muitas vezes, a alternância de códigos poderia ser vista como algo consciente,
como propõe Siguan (2001), dependendo da situação de comunicação em que os
falantes estão envolvidos. Por outro lado, nota-se que essa peculiaridade linguística
também pode ser realizada de uma forma involuntária, pois, muitas vezes, o bilíngue já
não tem mais consciência das diferenças entre os códigos linguísticos que usa.
Essa última afirmação ajusta-se à realidade linguística dos bilíngues da RCI. É
muito comum, em uma conversa, ouvir expressões do tipo ‘Resto un pochetin, tá bom?’
(Fico mais um pouco, tá bom?) ‘Gò dit che lu não valia nada’ (Eu disse que ele não
valia nada) ou ‘So pare scrito: tudo farinha do mesmo saco’ (É como seu pai: tudo
farinha do mesmo saco).
Em uma conversa gravada entre dois falantes homens, foi possível registrar
muitas frases com alternância de códigos, como: ‘Vai sabê chi che l’è!’ (Vai saber quem
che é!), ‘Ma queli che vem anca é bem bom’ (Mas aqueles que vêm também é bem
bom), ‘Mi vao via le trè e olhe lá’ (Eu vou para lá às três e olhe lá) ou ‘Sim, gò (d)ito,
precisa’ (Sim, eu disse, precisa). As expressões e palavras em itálico revelam a presença
de elementos do português alternado com a fala dialetal italiana.
Também há estudos focalizando programas de rádio, do município de Bento
Gonçalves, narrados no dialeto vêneto sul-rio-grandense (MARCON, 2011),
demonstrando também a grande quantidade de empréstimos da língua portuguesa e de
alternância de códigos, o que revela que essas características já estão presentes em mais
partes da RCI.
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É difícil observar até que ponto esse fenômeno linguístico se dá de uma forma
consciente, para a melhor comunicação, ou é algo já interiorizado pelos falantes: uma
perda da consciência de algumas diferenças entre os códigos.
Considerações finais
As transformações pelas quais o dialeto vêneto sul-rio-grandense vem passando
demonstram a mescla linguística existente entre dialeto e língua portuguesa. Hoje,
apesar de muitos de seus falantes buscarem meios de falar um dialeto “original”, sem
influências externas, reportando-se às raízes italianas, sabe-se que muito dele já foi
alterado.
Apesar de o presente estudo esboçar apenas alguns exemplos coletados, através
deles e no próprio convívio com os falantes do dialeto é verificável a presença constante
de neologismos por empréstimo e da alternância de códigos. Isso prova que o
bilinguismo da RCI pode ser caracterizado como subordinado, segundo a classificação
Romaine (2006), em que uma das línguas (neste caso, o dialeto) cede espaço à outra,
fazendo com que as interferências sejam bem comuns.
Muitos podem ser os fatores que ajudam na intensificação da mescla linguística
entre o português e o vêneto sul-rio-grandense, como a busca por uma melhor
comunicação ou a inovação vocabular. Por outro lado, a perda contínua da fala dialetal
parece estar relacionada à constante perda da consciência linguística do falante.
Também se observa que os falantes que ainda se comunicam através da coiné
vêneta são poucos. Os jovens e crianças, quarta e quinta geração de indivíduos nascidos
na RCI, já utilizam uma linguagem com muitas influências externas, seja pela
necessidade atual de comunicação, já bem distinta do início da imigração, ou pela perda
de determinadas características dialetais.
Em 2000, Frosi já afirmava: “A fala dialetal italiana perdeu o sentido; ela está
intensamente mesclada, alterada pela interferência marcante da língua portuguesa, que é
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a língua materna de muitos ítalo-brasileiros na RCI” (FROSI, 2000a, p. 91). É
importante notar que essa observação foi feita em 2000. Hoje, essas mudanças já se
intensificaram.
A mescla dialetal presente através alternância de códigos ou da utilização de
empréstimos lexicais é uma característica muito presente na comunidade bilíngue da
RCI, ao menos nos poucos falantes que restam. Atualmente, podemos caracterizar o
falante ítalo-brasileiro como um falante misto. Conforme afirma Frosi (2000b, p. 261):
“Pode-se dizer que os falantes bilíngues do dialeto italiano e português da RCI são
bilíngues residuais, no senso que mantêm apenas parte da fala dialetal italiana que é,
sobretudo, passiva e reduzida”.
Esses resultados evidenciam o quão grande é a transformação linguística pela
qual o dialeto vêneto da RCI está passando.
Infelizmente, é difícil afirmar até quando esse resíduo dialetal poderá existir,
pois, como afirmam Nettle e Romaine (2002, p. 20) “O coração de uma língua está na
geração mais jovem. As línguas estão em perigo quando não são mais transmitidas de
modo natural às crianças por parte de seus pais ou de quem cuida delas”. Espera-se que
a progressiva perda da consciência dialetal não resulte na perda dessa cultura tão
marcante na história do povo e da região.
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Recebido Para Publicação em 27 de fevereiro de 2013.
Aprovado Para Publicação em 13 de março de 2013.