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SILVA JÚNIOR, João dos Reis. Pragmatismo e populismo na educação superior nos governos FHC e Lula . São Paulo: Xamã, 2005. Sérgio Cristóvão Selingardi O autor do objeto da presente resenha, João dos Reis Silva Júnior, doutor em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e com pós-doutorado pela Universidade de Campinas (Unicamp), é atualmente professor e pesquisador do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). João dos Reis Silva Júnior é autor de diversos artigos e livros que tratam da educação no Brasil contemporâneo, especificamente na reforma do Estado, realizada no governo FHC. Entre esses trabalhos figuram: Reforma do Estado e da educação superior no Brasil 1 ; As mudanças estruturais no capitalismo mundial e seu impacto nas políticas educacionais de Fernando Henrique Cardoso: o caso do ensino médio 2 ; Novas faces da educação superior no Brasil: reforma do Estado e mudanças na produção 3 e Reforma do Estado e da educação no Brasil de FHC 4 . O livro Pragmatismo e populismo na educação superior nos governos FHC e Lula, constitui uma análise da educação superior no Brasil contemporâneo, no cenário da atual configuração do capitalismo mundial. Nesse compasso, a universidade brasileira é enfocada no interior da reatualização do público e do privado, no contexto do neoliberalismo (que o 1 SILVA JÚNIOR, João dos Reis. Reforma do Estado e da educação superior no Brasil. In: SGUISSARDI, Valdemar. Avaliação universitária em questão. Campinas: Autores Associados, 1997, pp. 9-41. 2 SILVA JÚNIOR, João dos Reis. As mudanças estruturais no capitalismo mundial e seu impacto nas políticas educacionais de Fernando Henrique Cardoso: o caso do ensino médio. In: Educação e Sociedade. Campinas, v. 23, n. 80, pp. 203-234, out. 2002. 3 SILVA JÚNIOR, João dos Reis & SGUISSARDI, Valdemar. Novas faces da educação superior no Brasil: reforma do Estado e mudanças na produção. São Paulo: Cortez; Edusf, 2001. 4 SILVA JÚNIOR, João dos Reis. Reforma do Estado e da educação no Brasil de FHC. São Paulo: Xamã, 2003. referido autor chama de ultraliberalismo econômico), sob o qual as funções assistencialistas, como por exemplo, a educação, tende a deixar de ser responsabilidade do Estado, e sim da sociedade civil. Deste modo, abre-se caminho para a privatização/mercantilização do acesso ao que seria direito social. Este quadro é delineado no governo Fernando Henrique Cardoso, após a reforma institucional que busca introduzir na esfera social, por intermédio de um pacto social pragmático, a racionalidade capitalista e privada, que se expressa na redução do público ou na expansão do privado. Tal pragmatismo perdura na administração Lula. Na introdução, João dos Reis Silva Júnior faz uma breve abordagem acerca das mudanças operadas no sistema capitalista, nas últimas décadas do século XX (entre a social- democracia e seu declínio e o advento do neoliberalismo) e que se expressam no Estado brasileiro, especialmente nos governos FHC e Lula. Essas mudanças constituem: as alterações na base produtiva, por meio do desenvolvimento científico; a globalização da economia (a qual passa da esfera do micro para o macro); e a redefinição do público e do privado. Nesse contexto, as corporações transnacionais assumem posição hegemônica no mercado mundial e, dentro da concepção neoliberal, passam a ter responsabilidades assistenciais, que na social-democracia constituíam prioridade do Estado. Além disso, tais corporações dominam as forças produtivas centrais do capitalismo de final do século XX: a ciência, a tecnologia e a informação. Daí, a educação brasileira na contemporaneidade representa um importante elemento ao acesso às tais forças produtivas, tornando-se componente central dos discursos dos gestores empresariais, políticos e educadores, e atraindo trabalhadores,

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  • SILVA JNIOR, Joo dos Reis. Pragmatismo e populismo na educao superior

    nos governos FHC e Lula. So Paulo: Xam, 2005.

    Srgio Cristvo Selingardi

    O autor do objeto da presente resenha, Joo dos Reis Silva Jnior, doutor em educao pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP) e com ps-doutorado pela Universidade de Campinas (Unicamp), atualmente professor e pesquisador do Departamento de Educao e do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal de So Carlos (Ufscar). Joo dos Reis Silva Jnior autor de diversos artigos e livros que tratam da educao no Brasil contemporneo, especificamente na reforma do Estado, realizada no governo FHC. Entre esses trabalhos figuram: Reforma do Estado e da educao superior no Brasil1; As mudanas estruturais no capitalismo mundial e seu impacto nas polticas educacionais de Fernando Henrique Cardoso: o caso do ensino mdio2; Novas faces da educao superior no Brasil: reforma do Estado e mudanas na produo3 e Reforma do Estado e da educao no Brasil de FHC4. O livro Pragmatismo e populismo na educao superior nos governos FHC e Lula, constitui uma anlise da educao superior no Brasil contemporneo, no cenrio da atual configurao do capitalismo mundial. Nesse compasso, a universidade brasileira enfocada no interior da reatualizao do pblico e do privado, no contexto do neoliberalismo (que o

    1SILVA JNIOR, Joo dos Reis. Reforma do Estado e da educao superior no Brasil. In: SGUISSARDI, Valdemar. Avaliao universitria em questo. Campinas: Autores Associados, 1997, pp. 9-41. 2SILVA JNIOR, Joo dos Reis. As mudanas estruturais no capitalismo mundial e seu impacto nas polticas educacionais de Fernando Henrique Cardoso: o caso do ensino mdio. In: Educao e Sociedade. Campinas, v. 23, n. 80, pp. 203-234, out. 2002. 3SILVA JNIOR, Joo dos Reis & SGUISSARDI, Valdemar. Novas faces da educao superior no Brasil: reforma do Estado e mudanas na produo. So Paulo: Cortez; Edusf, 2001. 4SILVA JNIOR, Joo dos Reis. Reforma do Estado e da educao no Brasil de FHC. So Paulo: Xam, 2003.

    referido autor chama de ultraliberalismo econmico), sob o qual as funes assistencialistas, como por exemplo, a educao, tende a deixar de ser responsabilidade do Estado, e sim da sociedade civil. Deste modo, abre-se caminho para a privatizao/mercantilizao do acesso ao que seria direito social. Este quadro delineado no governo Fernando Henrique Cardoso, aps a reforma institucional que busca introduzir na esfera social, por intermdio de um pacto social pragmtico, a racionalidade capitalista e privada, que se expressa na reduo do pblico ou na expanso do privado. Tal pragmatismo perdura na administrao Lula. Na introduo, Joo dos Reis Silva Jnior faz uma breve abordagem acerca das mudanas operadas no sistema capitalista, nas ltimas dcadas do sculo XX (entre a social-democracia e seu declnio e o advento do neoliberalismo) e que se expressam no Estado brasileiro, especialmente nos governos FHC e Lula. Essas mudanas constituem: as alteraes na base produtiva, por meio do desenvolvimento cientfico; a globalizao da economia (a qual passa da esfera do micro para o macro); e a redefinio do pblico e do privado. Nesse contexto, as corporaes transnacionais assumem posio hegemnica no mercado mundial e, dentro da concepo neoliberal, passam a ter responsabilidades assistenciais, que na social-democracia constituam prioridade do Estado. Alm disso, tais corporaes dominam as foras produtivas centrais do capitalismo de final do sculo XX: a cincia, a tecnologia e a informao. Da, a educao brasileira na contemporaneidade representa um importante elemento ao acesso s tais foras produtivas, tornando-se componente central dos discursos dos gestores empresariais, polticos e educadores, e atraindo trabalhadores,

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    seduzidos por melhores oportunidades de emprego. Destarte, a educao consiste em uma espcie de porta de entrada para o mercado de trabalho, formando (...) o cidado do sculo XXI: produtivo, til, s e mudo (...). (SILVA JNIOR, 2005: 13) Ao analisar a educao no Brasil (a partir da dcada de 1990), cujas mudanas procuram se ajustar s transformaes econmicas, o autor confere ao seu trabalho um colorido marxiano, que se acentua com a referncia Gramsci5, cuja anlise dos processos sociais e culturais no pode ser compreendida se, desvinculados das mudanas na base produtiva. Nessa linha, Joo dos Reis Silva Jnior aborda a educao, particularmente em seu nvel superior, nos governos FHC e Lula, os quais se caracterizam pela elaborao de um pacto social caracterizado pelo pragmatismo. O primeiro captulo, intitulado: A educao no governo Lula construindo uma hiptese, trata da continuidade e aparente ruptura dessa administrao, em relao ao governo FHC, focalizando o sistema educacional brasileiro. Assim, o autor faz uma sntese da administrao FHC: voltada ao capital financeiro internacional, marcado pelo neoliberalismo, no interior do qual se assiste emergncia do terceiro setor, a exemplo das organizaes no-governamentais (Ongs). No que diz respeito ao governo Lula, o autor se refere ao passado do atual presidente como sindicalista e, que nessa condio estava prximo (...) da sociedade civil organizada por meio de movimentos sociais que procuravam estabelecer condies para um paradigma de polticas pblicas de demandas sociais (...). (SILVA JNIOR, 2005: 21). Na presidncia da Repblica, Lula volta sua ateno para o fortalecimento do capital produtivo industrial, visando o crescimento econmico do Brasil, buscando reverter o quadro de submisso (caracterstica do governo Fernando Henrique Cardoso) aos organismos multilaterais (tais como o Fundo Monetrio Internacional (FMI) e o Banco Mundial). Isto mostra uma aparente ruptura, em relao ao governo anterior. A aparncia reside no fato de que, de acordo com o autor, a poltica econmica da administrao Lula no se desvinculou do capital financeiro internacional, ganhando elogios das agncias

    5 GRAMSCI, A. Maquiavel, a poltica e o Estado moderno. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1988.

    multilaterais. E, procurando atender aos interesses do capitalismo atual, cujas foras produtivas centrais (cincia e a tecnologia e informao), o sistema educacional no governo Lula, tende principalmente produo dos dois primeiros elementos. A educao, assim, se destaca no como civilizadora, mas encontra-se subordinada economia, enquanto mediadora das polticas de cincia e tecnologia. Nessa direo, o referido sistema educacional, especificamente a graduao e a ps-graduao, estaria a servio da competitividade no mercado mundial: investimentos em pesquisas nas denominadas reas duras, colocando as cincias humanas em segundo plano, sob a justificativa de fortalecimento da indstria e da agropecuria nacionais. Conforme o autor, o projeto do novo governo, contra o analfabetismo no havia sido colocado em movimento nos primeiros meses da administrao Lula. Tal imobilismo causa a impresso de que, em vez de uma poltica social, tem se uma poltica econmica. Em suma, um sistema educacional que privilegia as cincias exatas, em detrimento das humanas, em nome de uma racionalidade imposta pela soberania dos pases capitalistas desenvolvidos preocupante, pois coloca a histria, a cultura e a identidade do Brasil a reboque da invaso do Iraque ou da morte no World Trend Center. O captulo seguinte: Cotidianidade da instituio escolar no contexto das reformas educacionais, se prope a compreender tais reformas, realizadas na dcada de 1990, por meio da reflexo acerca da especificidade da prtica escolar (tambm entendida como prtica social) na cotidianidade da instituio escolar, tendo por base as formulaes de Lukcs6 e Heller7, no que tange prtica social no cotidiano. De acordo com o pensamento de Luckcs, segundo Joo dos Reis Silva Jnior, a totalidade social constituiria em uma sntese das alternativas escolhidas na atividade do indivduo na sua singularidade, e o homem se define e se forma na atividade mais cotidiana nas diversas esferas sociais das quais faz parte. 6 LUCKCS, G. Per uma ontologia dellessere sociale. Roma: Riuniti, 1983. LUCKCS, G. Prolegomini all ontologia dellessere sociale. Milo: Guerini e Associati., 1990. 7 HELLER, A. Sociologia de la vida cotidiana. Barcelona: Pennsula, 1985.

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    Nesse compasso, o homem experimenta sua liberdade atravs das escolhas, entretanto em um horizonte de possibilidades determinados em um contexto social e natural. Para Heller, conforme Joo dos Reis Silva Jnior, a heterogeneidade do cotidiano coloca o ser humano em movimento, por intermdio de suas prticas, sem que ele estabelea os vnculos entre todos os fenmenos da cotidianidade da escola, impedindo, de certo modo, que esta constitua um local de ampliao do gnero humano. Da procura-se compreender o horizonte de possibilidades da prtica escolar no cotidiano, tendo por base os principais documentos orientadores das reformas educacionais da ltima dcada do sculo XX. Entre esses documentos, o autor do objeto desta resenha destaca a Declarao mundial sobre educao para todos: plano de ao para satisfazer as necessidades bsicas de aprendizagem, da Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura. Tal documento se refere, no Artigo primeiro, aprendizagem e no educao, sendo aquela entendida como instrumentos essenciais, cujos contedos constituem conhecimentos, habilidades, valores e atitudes necessrios sobrevivncia do ser humano.

    De acordo com a interpretao de Joo dos Reis Silva Jnior, a educao tem por objetivo, com base no modelo proposto pelas agncias multilaterais, a sobrevivncia do ser humano, por meio da adaptao realidade social, ou seja, forma o indivduo para o desenvolvimento de habilidades e percepo e no para o conhecimento dessa realidade e das transformaes sociais e culturais. Nessa linha, o autor analisa o referido documento, buscando fortalecer suas hipteses a respeito da educao mercantil como horizonte de possibilidades da prtica escolar, a exemplos da necessidade de parcerias com a sociedade civil (para a qual o Estado tende a transferir suas responsabilidades sociais) atravs da aproximao da comunidade em torno da escola, via municipalizao; e o estabelecimento, em cada nvel da educao, um contato com o atual conhecimento tecnolgico e cientfico (relaes entre a educao e a cincia mercantil). Nesse cenrio, as reformas educacionais realizadas no Brasil, na dcada de 1990, foram baseadas no Plano decenal de educao para todos (1993-2003), o qual buscou um consenso

    em torno da nova configurao educacional e social no mundo; e no Planejamento poltico-estratgico do Ministrio da Educao (MEC) (1995-1998), que orientou as reformas feitas, especialmente na segunda metade da supracitada dcada. O primeiro documento a expresso brasileira do movimento realizado pelas agncias multilaterais; e o segundo pressupe a transferncia dos deveres sociais do Estado para a sociedade civil. Desta maneira, as reformas educacionais no Brasil so feitas conforme os interesses do capitalismo internacional. Assim, essas mesmas reformas desconsideram a cultura escolar, produzida pela apropriao e objetivaes presentes nas prticas escolares na cotidianidade, procurando normatizar o horizonte de possibilidades, em direo educao mercantil. No terceiro captulo: A construo da cultura mercantil na universidade brasileira uma aproximao histrica, o autor continua sua anlise a respeito da educao brasileira no contexto do capitalismo atual. Aqui, enfoca-se particularmente o nvel superior, nos governos FHC e Lula, colocando em evidncia a elaborao de uma nova cultura universitria: submetida poltica econmica vigente a partir dos anos de 1990. Para melhor compreenso da alterao da identidade da instituio universitria provocada pela construo mercantil na universidade brasileira, Joo dos Reis Silva Jnior trata, com base nas formulaes de Locke8, da universidade cuja natureza institucional deriva do Estado moderno. Este, por sua vez foi criado por um pacto social entre os homens, com o intuito de assegurar a paz e os direitos, entre os quais a propriedade (derivada do trabalho). Assim, como suas instituies, devem se submeter sociedade e institu-la, o que consiste em produzir elementos culturais que unificam as relaes sociais; e construir e regular o pacto social de determinado momento histrico. Destarte, Joo dos Reis Silva Jnior conclui que o institucional, tendo sua origem no poltico, como foi visto, orienta as relaes sociais produzidas historicamente pelo ser humano, e conforma, atravs de sua organizao, essas relaes, que se materializam nas prticas sociais, por intermdio de apropriao e objetivao da

    8 LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo. In: Locke. So Paulo: Abril Cultural, 1991 (Os Pensadores).

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    cultura produzida at ento. A partir da, mais uma vez recorrendo Luckcs, Joo dos Reis Silva Jnior compreende a cultura universitria como a incorporao de diversas temporalidades histricas, mediante a apropriao e a objetivao produzidas no cotidiano de qualquer organizao social. A universidade, ento, produto da juno entre seu carter institucional e sua cultura especfica, e que se realiza em suas prticas, formando o indivduo social e socializando o conhecimento acumulado pela humanidade. Entretanto, no atual quadro da extended order, isto , conforme Hayek9, a ordem do mercado estendida em toda a atividade do ser humano e que, no plano poltico constitui a restrio da esfera pblica e a extenso da esfera privada, assiste-se desestatizao e privatizao do Estado. Alm do que tambm figura a terceirizao da economia, promovendo a mercantilizao dos espaos sociais, inclusive o da educao. Assim, uma nova cultura universitria produzida: a cultura mercantil, a qual transparece nos governos FHC (a exemplo da mencionada reforma que introduz na esfera social a racionalidade capitalista e privada, tpica do neoliberalismo e que reflete no plano educacional) e Lula (no que diz respeito j referida relao entre o sistema educacional e a cincia e a tecnologia). Nessa direo, o papel da universidade como conscincia crtica de seu tempo histrico se desfaz, surgindo em seu lugar, uma instituio prestadora de servios para o mercado. O prximo captulo: O Nupes e as bases tericas das novas faces da educao superior no Brasil: uma hiptese?, consiste na atualizao (2003) da hiptese de Palharini10, segundo a qual o Ncleo de Pesquisa sobre Ensino Superior da Universidade de So Paulo, fundado em 1989, se tornara o principal formulador das bases tericas da reforma educacional em seu nvel superior, a partir da ltima dcada do sculo XX. A produo do Nupes que, conforme Joo dos Reis Silva Jnior, tendo Palharini por base, relaciona-se com as mudanas na educao brasileira, operadas pela reforma do Estado, no governo

    9 HAYEK, F. El camino de la servidumbre. San Jos: Universidad Autnoma de Centroamrica, 1986. 10 PALHARINI, F. Caderno Nupes: o novo protagonista na formulao terica da poltica para o ensino superior. In: MOROSINI, M. & SGUISSARDI, V. (Org.) A educao superior em peridicos nacionais. Vitria: FCAA/Ufes, 1998, pp. 96-112.

    FHC, tem como eixos norteadores: a USP como referencial de anlise; a importncia de modernas estruturas cientficas para a modernizao da economia brasileira; e a ampliao da demanda pelo ensino superior, no obstante a contrao dos investimentos no ensino superior e em pesquisa. E, para tornar mais explcitos esses eixos norteadores, Joo dos Reis Silva Jnior aborda alguns traos constitutivos da produo do Nupes, entre os quais: embora seja focada no Brasil, essa produo contextualizada nas transformaes do capitalismo mundial; a considerao de que a cincia, a tecnologia e a educao constituem elementos centrais para o desenvolvimento do nosso pas e do bem-estar do cidado; com base na centralidade desses elementos, defende-se a idia de que o Estado defina parmetros e um sistema de avaliao para a educao; e a diferenciao institucional. Para Joo dos Reis Silva Jnior, os referidos parmetros so de teor mercantil, transformando a universidade em empresas voltadas ao interesse do capitalismo internacional, cujas foras centrais so compostas pela cincia e pela tecnologia. E, a mercantilizao do ensino superior se faz presente, conforme o autor na administrao FHC, se estendendo ao governo Lula. Da pode se observar a identificao da matriz terica e ideolgica do Nupes com as novas propostas para a educao superior, a partir da segunda metade da dcada de 1990. Alm disso, a diferenciao institucional aparece na reforma realizada na esfera da educao pelo governo FHC, seguindo as orientaes do mencionado Planejamento poltico-estratgico do MEC (1995-1998), no tocante introduo das distines: instituio pblica e instituio privada (com ou sem fins lucrativos) e proposta de transformar as instituies federais de nvel superior em fundaes pblicas organizadas de acordo com o direito privado. Observa-se, pois, a identificao desse governo com os preceitos neoliberais.

    Em seguida, no captulo: Confessionalidade no ensino superior: fetiche da educao mercantil? faz uma breve abordagem da trajetria de uma instituio de carter confessional metodista, situada na cidade paulista de Piracicaba: o Instituto Educacional Piracicabano nas dcadas de 1960

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    e 1970 (entre seus dois movimentos institucionais no ensino superior: Faculdades Isoladas e Faculdades Integradas e a Universidade Metodista de Piracicaba11 (Unimep) a primeira universidade metodista do Brasil. A abordagem tem incio com a entrada do Instituto Educacional Piracicabano no ensino superior, explicada pelo autor a partir: do panorama educacional brasileiro em meados da dcada de 1960 (com enfoque ateno, por parte do governo federal ao segundo grau, sob a justificativa de que esse nvel de ensino seria preparatrio para a sociedade industrial); da conseqente expanso pblica e privada do ensino mdio; da crise financeira que atingiu o ensino mdio do Colgio Piracicabano (do qual o supracitado Instituto era mantenedor); e da aliana entre os metodistas e a elite piracicabana, interessados na abertura de novos cursos de ensino superior na cidade. A seguir, o autor aponta a contradio entre os valores confessionais metodistas (com vocao para o pblico) e sua natureza privada (no interior da racionalidade mercantil), e que perdura na poca das Faculdades Integradas do Instituto Educacional Piracicabano, aliadas ordem estabelecida pela ditadura militar instaurada no Brasil, por intermdio do golpe de 1964: tanto na organizao administrativa (gesto centralizada e autoritria), quanto identificao dessas faculdades com a educao tecnicista cujos elementos eram trabalhados pelo governo militar. E, dessa aliana, essas faculdades se transformaram na Universidade Metodista de Piracicaba, cuja criao, em 1975, se deu atravs de uma negociao entre o Estado e a instituio: o primeiro reconhecia a universidade, em troca do no comprometimento, por parte da segunda, com movimentos de oposio ao regime autoritrio. Dando continuidade anlise das questes discutidas nos captulos anteriores, como: a ligao entre educao e capitalismo; as relaes pblico-privado; e a identidade da instituio universitria, Joo dos Reis Silva Jnior coloca em evidncia no presente captulo: o carter mercantil da educao no

    11Tal universidade constitui objeto da tese de doutorado do autor. SILVA JNIOR, Joo dos Reis. A formao da Universidade Metodista de Piracicaba: um estudo histrico sobre administrao universitria. Tese (Doutorado em Educao) Programa de Estudos Ps-Graduados em Educao, Pontifcia Universidade Catlica. So Paulo, 1992.

    interior da trajetria de uma instituio confessional; e destaca a contradio entre o pblico e o privado, a qual vai de encontro com a identidade da instituio. Por fim, no ltimo captulo: A contradio entre o pblico e o privado e as modalidades da dimenso estatal, o autor faz uma crtica racionalidade poltica e administrativa do governo FHC e, em especial do governo Lula, e que pode ser mais bem compreendida por meio daquela contradio e da dimenso mercantil do Estado. O autor aborda essa contradio, tendo inicialmente por referncia o pensamento de Locke: segundo o qual, o poder poltico (originado do pacto social feito pelos homens em seu estado natural e representado pelo Estado) pode ser levado, dependendo da forma de organizao da sociedade, tanto em direo ao pblico, quanto ao privado. Porm, conforme Joo dos Reis Silva Jnior, para Locke, a mesma contradio deve ser superada sempre em prol do bem pblico. E, buscando desvelar uma linha de continuidade, em relao atual conjuntura poltica e econmica, no tocante ao atendimento do Estado aos interesses do capital, o autor se refere Smith12, no que toca s despesas do Estado para servios que favorecem o capital, ou seja, de interesse do comrcio, entre os quais: canais navegveis e boas estradas. Nota-se da que o Estado tende a dirigir suas polticas pblicas para o plo privado da contradio.

    No quadro do atual neoliberalismo, a contradio entre pblico e privado camuflada, sob a justificativa de que o Estado considerado corrupto, opressor e ineficiente, e o privado visto como lcus do dinamismo, da liberdade e da criatividade. Nessa linha, Joo dos Reis Silva Jnior mostra a reconfigurao do pblico e do privado, aps a reforma do Estado, feita por Bresser Pereira, na administrao FHC: reduo da esfera pblica diante da expanso da esfera privada e acentuao da dimenso mercantil do Estado, e que perdura no governo Lula. Trata-se de uma forma de organizar a sociedade estruturada por intermdio do terceiro setor, dispensando as mediaes polticas de partidos e sindicatos. E isto constitui alvo da crtica do autor a esses governos, principalmente no de Lula, lder do Partido dos Trabalhadores (PT), um partido

    12 SMITH, A. A riqueza das naes. V. 2. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1993.

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    que, fora do poder representava os anseios da classe trabalhadora, mas dentro dele consiste em um partido gestor e autoritrio.

    O livro de Joo dos Reis Silva Jnior faz uma crtica s polticas pblicas, especialmente s que se referem educao superior, como verdadeiras polticas econmicas a servio da atual configurao do sistema capitalista. E, essa crtica revestida de um alto teor de cientificidade. Assim, tal obra contribui para a reflexo a respeito da educao brasileira (principalmente em seu nvel superior): seu papel de formadora de cidados crticos e conscientes de sua realidade poltica e social cede espao funo de preparar indivduos a servio das foras centrais do capitalismo atual: a cincia, a tecnologia e a informao, atendendo os interesses do sistema capitalista globalizado.